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Apresentação

VINTE E DUAS NOITES PARA O DESPERTAR

Recebo a tarefa de escrever, e sempre o que cabe a minha pessoa


realizar.
Outros tantos combatem com suas espadas de luz azul, outros curam
com suas gotas mágicas e outros ainda lideram com a habilidade dos
sábios.
Eu devo relatar os fatos, ou escrever os textos ditados, fazer as atas das
reuniões.
Faço a tanto tempo esse trabalho e cada vez que termino mais um, fico
surpresa, por tantas novidades, curiosidades, por tantas dádivas e lições.
Este é um pequeno, mas valioso livro, que conta os encontros de seres
habitantes de mundos diferentes, mas cuja ligação é pessoal de tal forma
que em alguns momentos parecem ser uma só pessoa.
A proposta é que cada um que venha a ler estas páginas, busque também
as suas próprias vinte e duas noites e desperte.
Vinte e duas noites como são vinte e duas as cartas dos arcanos maiores.
Exatamente assim, essas conversas trazem proposições, que também
poderiam ter acontecido ou estar acontecendo a alguém.
Que possa ter o efeito de transporte de uma noite para um dia renovado.
Ou que o efeito seja de se dormir velho e acordar novo.
Maria de Fáti̊ma
PRIMEIRA NOITE
A noite está especialmente linda.
O céu cravejado de estrelas, piscam, me olham e eu também me admiro
delas; de suas distâncias, de suas realidades, de suas prováveis
inexistências.
Descalça para sentir sob os pés a maciez e a frieza da areia, branca areia,
quase cristalina.
E nos cabelos, o suave sopro do vento tépido das noites de verão.
Silêncio, ensurdecedor silêncio.
Por alguns momentos sinto solidão, mas rapidamente desaparece essa
emoção e cede lugar para a paz, infinita paz que uma alma pode sentir.
Às vezes que estive neste lugar, é sem conta, porque foi e é meu porto
seguro, meu refúgio para os dias ruins, tanto quanto o é para os dias
bons.
Nesta noite, há um sentido particular para esta visita. Iniciar um projeto,
que deverá ser desenvolvido em poucos dias.
Não é um assunto que eu conheça e nem que possa encontrar nas
bibliotecas.
Há um lugar onde referências supõem-se, e é de lá que me servirei para
buscar dados.
O assunto assusta, sim, porque é uma resposta que não existe, para
perguntas que não são feitas.
É muito estranha essa tarefa que recebi, e devo dizer que nem sei como
começar, por isso peço ajuda aos meus instrutores.
Fidias e Praxedes, são membros da ordem melquisedeque e me
favorecem com algumas linhas e pontos, com os quais eu tento tecer um
fio.
Estou ainda no primeiro laço, e já desfiz diversas vezes, pois sempre se
transforma em nó.
Mas são pacientes estes meus amigos e a cada encontro que temos, eles
sorrindo me dizem que nó não pode ser, devo praticar até que consiga
um lindo laço.
Eu questionei por que precisa ser laço, o que têm contra um belo nó.
A explicação foi simples como todas que eles dão.
Me disseram que precisa ser um laço, bonito, um laço que guarda um
presente muito esperado. 
Quem tiver acesso ao pacote não deverá ter dificuldade em abri-lo, e ele
deve ser atraente para que se torne desejável.
Assim eu assimilei e tento dar o primeiro laço.
Para que o assunto não se torne algo temível, pensei em introduzi-lo aos
poucos, então trabalharei com temas que relacionei e mediante sorteio
escrevo sobre.
Então o tema deste dia é sorteado e me revela que essa obra merece
minha atenção, dedicação e respeito, porque é abençoada pelos maiorais,
aos quais eu agradeço a oportunidade e firmo minha palavra no
cumprimento do melhor que eu for capaz.
O tema sorteado foi Conexão com o universo.
No primeiro momento fiquei animada, assunto ótimo, atual, e à medida
que pensava, fui percebendo que não é tão simples como pareceu.
É sim um assunto, sério, que exige intimidade, precisa de uma boa
companhia para ser bem trabalhado.
Parei e refleti sobre conexão com o universo, e comecei a sentir um vazio,
porque em volta são tão poucos com quem se pode falar a respeito, a
maioria me deixaria falando sozinha, como sempre acontece. Então
decidi, será na minha própria companhia que trabalharei esse tema; mas
como faria, ainda não deduzi.
Seria bom um diálogo onde cada qual desenvolvesse seu pensamento
seu sentir.
Assim matutando me veio a ideia de chamar alguém com quem
conversar, poderia seguir do mesmo modo nos outros temas.
Demorei um pouco a decidir por pedir companhia, mas depois de tomar
água, andar pela sala, beijar o gato, beijar o marido, trocar algumas
impressões com ele, voltei para a mesa de trabalho e fechei os olhos.
Venha conversar comigo, mentalizei, e deixei que minha mente formasse
a pessoa. Senti o farfalhar suave, um leve som, bocca chiusa, percebi que
estava vindo devagar pela areia.
Abri os olhos e lá estava diante de mim, olhos negros, cabelos curtos
cortados displicentemente com pontas, sorriso mínimo, mais os olhos se
expressavam do que a boca. Pele branca, pés descalços, roupas
esvoaçantes. 
Falou me olhando diretamente nos olhos. -Me chamou? Eu não respondi
apenas balancei a cabeça e pedi que se sentasse ao meu lado. 
Ela fez uma fogueira e pedras grandes trouxe para junto e nos
acomodamos melhor.
Arrumou sobre os joelhos os tecidos que voavam, respirou
profundamente com os olhos fechados, depois virou-se para mim e disse:
-Sobre o que falaremos?
Eu estava encantada com sua meiguice e beleza.
Mas consegui dizer que seria sobre conexão com o universo.
Ato contínuo ela olhou para o céu, passou a vista de ponta a ponta, e
perguntou: -Está conectada comigo?
-Penso que sim, e você está comigo?
Respondi. -Eu estou conectada com você, com a água, com a terra, com o
fogo, com o ar, com todos os animais, com todos os outros seres,
também com o que não se pode saber onde está; estou conectada com o
som, com o nome, com toda sua criação, e, por conseguinte com tudo,
pois minha conexão começa em mim, no meu sentir, no meu pensar, no
meu respirar, no meu viver.
É impossível não se estar conectado.
Eu não concordo com essa ideia pois considero muito fantasiosa, e
comentei que não funciona assim como ela coloca tudo tão unido, tão
posto, tão perfeito. -Tudo é unido, por mais não queira aceitar.
É tudo belo sim, e só existe a perfeição. Está assim descrente porque
aceitou que sua vontade fosse minada, como aconteceu com muitas
humanidades.
Mas quando retomar seu poder, quando reacender sua chama que hoje
tremeluzia fraquinha, essa conexão vai retumbar dentro de si e para fora
também. -Realmente acredita nisto?
-Não, claro que não acredito.
Eu sei. Senti um pouco de tristeza porque não consigo ter certeza de
nada, não sinto essa conexão do jeito que ela sente.  -O que faço para me
conectar também?
Ela se levantou. Fez sinal para que me levantasse também. Tomou minha
mão e caminhamos lado a lado.
Ouvi sua voz conduzindo, calmamente me dizendo que a conexão nunca
deixou de existir. 
-Sinta a brisa, consegue saber se é fria ou quente. Sinta a areia, consegue
saber o tamanho da pedrinha que sobressai na camada fina e sabe se
está seca ou molhada.
Deixa que a brisa lhe toque, permita ouvir seu sussurro e saberá se é de
guerra ou de paz.
E quando deixar que a brisa lhe envolva depois de tocar sua pele, sentirá
dentro de si seu sabor, poderá saber seus segredos, seus mistérios, seus
pecados e seus dons.
À medida que ela falava era como se ativasse comandos pois eu sentia
cada citação. 
Fui me entregando ao momento e perdi meus limites, não importava onde
minha pele terminava e onde começava a brisa, estava integrada, meus
pés pareciam que estavam ligados além da areia, mais embaixo, mas eu
não sentia medo, era bom, era diferente e confortável.
Ela deixou que eu me acomodasse nesta união e após falou mais
suavemente.
-Olhe o céu, respire em cada estrela que vê.
Deixa que o azul, o branco, o prateado, o vermelho, o amarelo de cada
uma delas se derrame sobre sua cabeça.
Sinta o peso de sua energia ou sinta sua leveza.
Pede ao seu coração que irrompa as barreiras e descubra nestes astros
seus pares, seus amores, suas famílias, e nunca mais sentirá solidão.
Nem pensava mais, apenas seguia sua voz e não estava mais na praia,
agora eu habitava o cosmo, estando em toda parte, sentindo cada ser, me
misturando em cada matiz.
-Agora que está em conexão com a criação, com o universo, encontra o
abraço de luz que brota de dentro para fora do seu peito, trazendo os
braços e o afago divino. Eu não era eu, eu não era o cosmo, eu era não
era um, eu era o tudo.
SEGUNDA NOITE
Novamente estou aqui na praia, e está uma noite extremamente fria, que
serviu de pano de fundo para nossa conversa.
Cheguei na praia quando a noite já estava instalada e minha companhia já
me esperava sentada em nosso recanto, tendo à sua frente uma fogueira
de labaredas altas.
Cumprimentei, sentei-me ao seu lado e perguntei se já tinha sorteado
tema. -Sim hoje falaremos sobre: Vivendo o fluxo, na sequência.
Agora nossos temas tendem a ser mais controversos para que retiremos
o suco, a fina flor, o extrato e apliquemos em nosso modelo de vida. Para
darmos sequência na vida, a partir de agora, precisamos aceitar e
entender que está correndo em nós outra energia.
Se não incorporarmos essa consciência, não estaremos aproveitando o
sentido da novidade. Será como se não tivéssemos despertados, antes,
em um mundo novo.
Para saber que o fluxo que agora sentimos em nós é contínuo, mas não é
a mesma energia que o mantem, convém deixar um marco.
Uma divisão, uma palavra, um verso, uma prova de que figurativamente
deixamos o que era da outra vida para tomarmos algo novo nesta nova
vida.

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