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GEOGRAFIA DA MODERNIDADE
E GEOGRAFIA DA PÓS-MODERNIDADE
A m alia Inés G eraig es de Lem os
RESUM O :
Este trabalho refere-se aos diferentes enfoques epistem ológicos que a Geografia assum e nestes dois momentos
civilizatórios.
Parte-se desde os paradigmas impostos pela filosofia positivista e as formas de análise teóricos que se exigiam
da G eografia (sr universal e geral em seus conteúdos), até os novos enfoques da relação sujeito-objeto, que
adm item o único e o excepcional.
A aproxim ação do sujeito e do objeto permite pluralidades de enfoques e também de interpretações, ao que se
dá por denom inação de ciência pós-moderna.
Ao longo da exposição do trabalho procura-se ver os estudos geográficos inseridos numa visão herm enêutica e
aceitando novas interpretações entre o local e a totalidade.
PALAVRAS-CHAVE:
Geografia, m odernidade, pós-modernidade, ciência, herm enêutica.
ABSTRACT:
This text discusses different epistemological approaches that Geography assumes in these two civilizatory moments.
It starts from the paradigms imposed by positivist philosophy and the theoretic analyse's forms Geography was
required (to be universal and general its contents), to the new approaches about the relation subject-object that
accept the unique and the exceptional.
The approxim ation between subject and object permits pluralities of approaches and even of interpretation
which is nom inated post modern science.
Along this exposition it's pursuit to see geographic studies under a hermeneutic vision, accepting new interpretations
between local and totality.
KEY W ORDS:
Geography, modernity, post modernity, science, herm eneutic.
Partindo dos Conceitos verdades propostas pela ciên cia, já não m ais
respondem .
A re fle x ã o entre m o d e rn id a d e e pós- Neste final de sécu lo uma quantidade de
m o d ernid ad e, que penetra diferentes cam pos term os são procurados pelos cien tistas so ciais
te ó rico s no co m eço da década de 80, significa para rotular o nosso tem po prenhe de m udan
que se p erceb em m utações com referência a ças, em ergindo um novo tipo de sistem a s o c i
um a p ro fu n d a m e n to das in c e rte z a s , a um a al: "so cied ad e de in fo rm ação " "socied ad e de
barb arização da história pela exacerb ação da consum o"' "s o c ie d a d e p ó s- in d u stria l" e n tre
c a rê n c ia e da m iséria hum ana, a que as velhas outros, mas que sugerem o fim de um período.
dústria desde as concepções de Taylor e Ford até Je a n Chesneaux se interroga "com o ca
Lenine, discípulo muito aplicado e entusiasta dos racterizar nossa sociedade dos anos 8 0 ? "S iste
dois anteriores. Em seguida, havia que intensifi ma técnico" diz Ellul, para quem tom a com o base
car um poder político, que mobilizasse as ener a hegemonia da tecnologia; "So cied ad e Pós- In
gias, para obter uma m odernização acelerada. dustrial" afirma Touraine, a quem preocupa as
Finalm ente, a necessidade de subordinar as tra transform ações no sistem a de produção. Prim a
dições, os regionalism os e o senso de pertencer do do produtivism o e da tecnocracia, afirm am
ao lugar para ob ter uma poderosa integração os ecologistas. Uma etapa nova do capitalism o,
nacional. asseguram os marxistas.
Esta correspondência entre a razão e a É um conceito periodizador, que mostra
vontade resultava numa subordinação do indiví traços novos na cultura, na em ergência de um
duo à sociedade e, desta, a uma produção mo novo tipo de vida social e uma nova ordem eco
dernizada e ao poder do estado, o qual poderia nômica, denominada, eufem isticam ente, de so
exigir uma m obilização coletiva, com apelo à ra ciedade pós-industrial ou de consum o, so cied a
cionalização e ao desenvolvim ento, que resulta de dos meios de com unicação ou do espetáculo
va no progresso. ou do capitalismo transnacional. Observa-se, tam
Este paradigma se afirm ava em três pila bém , na s o c ie d a d e , um a c u ltu ra de m assa
res de sustentação: O Estado Moderno, o Merca hedonista e psicodélica que não é mais, aparen
do e a Cidade. temente, revolucionária.
Enfim , poderíam os continuar falando de Concom itantem ente, os m eios de co m u
m odernidade por muito mais tempo, mas a ver nicação formaram uma m ultiplicação geral das
dade é que, desde o final do sécu lo X V III a v is õ e s do m u n d o : um W e lt a n s c h a u u ngen
m odernidade tem com o projeto a em ancipação mundializado. Tomaram a palavra as m inorias
da sociedade, a partir dos pensadores burgue de to d as as c la s s e s , e to d as as c u ltu ra s e
ses, que sustentam o ideário da Revolução Fran subculturas se fizeram públicas. A lógica do mer
cesa, assim com o as doutrinas sociais do libera cado e da inform ação perpassou todos os lim i
lismo inglês e do idealism o alem ão; paralelam en tes e, num a am p liação co n tín u a de n o tícias,
te surgem os m arxistas e p o sterio rm en te os "tudo" é objeto de interesse e de mercantilização.
neom arxistas, e os defensores da Teoria Crítica O ocidente vive uma pluralização de con
Alemã. Todos eles têm, como epicentro de suas cepções irresistíveis. "Hoje é impossível assum ir
idéias, a defesa da liberdade do indivíduo e o o m u n d o da H is tó ria so b p o n to s de v is ta
direito à igualdade perante a lei e perante as con unitários"(VITTIHO, 1990, p. 5) A realidade é o
dições econôm icas. resultado de cruzarem-se, de inter-relacionarem-
Quanto ao conceito de pós-modernidade, se, de "contaminarem-se" múltiplas imagens, de
Je a n François Lyotard escreve, em seu livro "La interpretações que distribuem os meios de co
Condition Posm oderne" que a palavra se usa no m unicação em concorrência mútua sem uma li
continente am ericano a partir dos sociólogos e nha ou coordenação central.
dos críticos, em virtude do estado da cultura e Ha sociedade de com unicação generali
da realidade social, após as transform ações que zada e de vários conteúdos, a pluralidade de cul
afetaram as "regras do jogo" tanto nas ciências, turas hoje é muito mais concreta do que se po
com o na literatura e nas artes. Hum outro mo deria imaginar e, muito mais interconectada com
mento, o m esm o autor nos ensina que o termo as diferenças particulares dos seus lugares de
quer reafirm ar o conteúdo de verdadeiro e do origem. Vittino nos diz que "viver neste mundo
justo, que vem a faltar e que a modernidade não múltiplo significa fazer experiência da liberdade
concretizou. e n te n d id a c o m o o s c ila ç ã o c o n t ín u a e n tre
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pertinência e desfazim ento." Liberdade proble Fin a lm en te , uma an títese do d iscu rso
m ática pela banalidade assum ida, estereotipada da m o d e r n id a d e , a p r e g o a o a n a r q u is m o
e vazia de significados e de compromissos. e p iste m o ló g ico , to m an d o co m o e x em p lo as
Do ponto de vista teórico, a denom inada idéias de Feyerabend e ap oia as p esq uisas pe
pós-m odernidade nega o universalism o, a gene quenas e d esco m p ro m etid as. Mega os mega-
ralização, que eram qualidades e procedim en projetos de investigação e se volta, com ên fa
tos inerentes da m odernidade. Valoriza o cará se, ao diferente e estim u lante enq uanto o b je
ter único e excepcional, adm ite a necessidade to de pesquisa. C o n testa o m étodo cie n tífico ,
de se chegar ao conhecim ento por outras vias que co n sid era um dogma, e a estru tu ra rígida
de legitim ação que, nem sem pre, podem proce e hegem ônica do c o n h e cim e n to ra cio n a l. Em
der da racionalidade: tais com o a inspiração, os o p osição aos p rin cíp io s da m o d ern id ad e, co n
sentim entos, a indeterm inação, a polimorfologia, sidera que há, na base do c o n h e cim e n to , um
a polissem ia, enfim, interpretações que negam irrealism o (in tu iç ã o ?), que, nem sem pre, é pro
a validade da razão totalizante e toda generali duto do binôm io razão/ciência e que, pode ser,
zação produzida por leis gerais. Em oposição aos tam bém , mito/ m agia/religião. Negá-lo, c o n s
m odernistas, há uma predom inância do irracio titui uma ideologia a u to ritá ria dos cien tistas.
nal tom ando com o princípios as formas, as co Mito e razão devem ter vín cu lo s estrei
res, as imagens, as metáforas, os sentidos, per tos dados pela proxim idade sujeito-objeto. Va
m anentem ente reatualizados e reconstruídos. lorizar o m om ento particular e único com o ins
O m aior indicador do m ovim ento que se tância na progressão do saber.
poderia cham ar de pós- m oderno, talvez seja a V a t tin o n o s p r o p õ e r e in t r o d u z ir a
crítica às raízes ilum inistas, ao poder absoluto h erm en êu tica nas c iê n c ia s so c ia is com o um
da razão e com ela à ciência postas, agora, sob novo "idiom a com um à filo sofia e à cultura nos
suspeita. Má uma adesão irrestrita a um m ovi anos 90 e assim suprim ir as interp retaçõ es m ar
mento de herm enêutica. Mas sociedades pós xistas e estruturalistas, globalizantes, do u trin á
industriais, ou, cham em os, mais desenvolvidas, rias e autoritárias predom inantes até os anos
as transform ações tecnológicas do saber foram 80. "O horizonte da h erm en êu tica ab riria esp a
consideráveis e afetaram as principais funções ço para um co nh ecim ento não hierarquizado,
com o são a pesquisa e a transm issão do conhe m enos pretensioso em suas generalizações e
cim ento. Seguidam ente a estes "desastres" um mais atento às e sp ecificid ad es, pois não está
outro questionam ento de grande alcance se es com prom etido com uma ordem lógica, estável
b o ça : os "m e ta d is c u r s o s " na e x p re ssã o de e g e ra r(G O M E S , op. cit. 1996, p. 24)
Lyotard (1979, p. 12), as grandes narrativas, não
mais atingem os objetivos propostos. Menciona Na Procura da Essência
por exem plo uma multidão de acontecim entos
de ordem histórica, que não responderam às ne Entraremos no tema falando da epistemología
cessidades da realidade social. O discurso cris da ciência como um todo, elemento fundador da
tão de redenção do pecado de Adão pelo amor, modernidade, e dos paradigmas nos quais a nossa
"...a narrativa aufklarer da em ancipação e da ser disciplina está inserida. A Geografia não é separada
vidão pelo conhecim ento..." o discurso marxis nem divorciada do contexto de visão do mundo, da
ta da em ancipação da exploração e da alienação mentalidade, do Weltanschauung dos alemães, do
pela socialização do trabalho, a narrativa capita pensamento filosófico que lhe dera origem.
lista de que se chegaria ao desenvolvim ento e se Ao final dos anos 80 os paradigmas da ci
term inaria com a pobreza do mundo, através do ência moderna, é sustentado no pensamento raci
avanço técnico-industrial. onal, já que a razão foi desde o final do século
Geografía da m odernidade e geografia da pós-modernldade 31
X V III a fonte de todo conhecim ento, da norma, européia. Esse progresso, em ascensão gradual
do direito, da verdade. Fonte da ordem, do equilí do conhecim ento, perm ite a ruptura que daria
brio, do progresso, da civilização, são conceitos uma espécie de evolução entre a crise e os m o
emitidos desse sistema moderno de acesso a um mentos de ascensão. Esta concepção de m ovi
mundo considerado humano, a um domínio da mento é particularm ente interpretada, tanto para
natureza a partir da razão. A racionalidade mo o processo histórico, com o para o co nh ecim en
derna exigia o enfrentamento objetivo do sujeito to científico. Gom es nos afirma que: "a crise é o
frente ao objeto, a explicitação do método cientí anúncio de uma m odificação, é tam bém o signo
fico, as normas precisas para a condução do pen da confrontação entre dois níveis de com preen
sam ento que produzem o conhecimento. Todos são, o antigo e o novo. Este último terá sempre
estes alicerces da ciência moderna se encontram êxito nesta luta pela dem onstração de sua supe
numa profunda crise. Isto significa que esses rioridade e ad equ ação de sua argum en tação,
paradigmas, não correspondem mais à necessi continuando, assim, a marcha inexorável que visa
dade do pesquisador e às respostas que procura. a uma posição mais justa, mais adequada e mas
As norm as que com punham as caracte poderosa do ponto de vista dos instrum entos da
rísticas das ciên cias na m odernidade, sustenta racionalidade"
das nas expressões m etafísicas, traziam como Este raciocínio, sustentou todas as gran
exigência "... a apreensão de algo exterior ao des bases epistem ológicas, desde Kant, Megel,
intelecto ou pensam ento, e preexistente a ele e Comte ou Marx. De qualquer maneira, há, em bu
a suas operações. E que apreendido e incorpo tidos nestas diversas concepções do pensam en
rado ao p e n sam en to se faz c o n h e c im e n to ".( to científico moderno, os conteúdos diferencia
PRADO JR , Caio 1979, p. 5). Conceitos com o es dos de espaço e de tempo.
sên cia e verdadeiro deviam dar a autenticidade P o rém , a p a r tir de q u a lq u e r o p ç ã o
ao conhecim ento. epistemológica que se faça, não há possibilida
O longo período que se den om ina de de de se escapar de fazer uma reflexão sobre a
modernidade, que para alguns, nasce com Des ciência de um repensar herm enêutico, o que sig
cartes no século XV II e, para outros pensadores, nifica que, para podermos com preender a pro
com o Descobrim ento da Am érica (Octavio Paz), dução geográfica hoje, o existir da Geografia nos
que se estenderia até os anos 70, definido como dias atuais, devem os com preender a totalidade
o longo tem po de dom ínio da racionalid ad e, das ciências. C itando G adam er, (in: SA N TO S,
"...constrói sua identidade muito mais sob a for 1989, p. 12) "...o todo e a parte são aqui, de
ma de um duplo caráter: de um lado, o território algum modo, uma ilusão m ecân ica, pois o prin
da razão, das instituições do saber metódico e cípio h erm enêutico é o de que a parte é tão
normativo; do outro, diversas "contracorrentes" determ inada pelo todo com o o todo pelas suas
contestando o poder da razão, os modelos e mé partes"
todos da ciência institucionalizada e o espírito ci Os anos 90 nos introduzem numa crise
entífico unlversalizante".(GOM ES, 1996, p. 26). epistemológica, na qual os paradigmas conheci
Nesse conjunto de princípios de domínio dos como produtos da m odernidade já não res
da racionalidade, aceitava-se a idéia de movimen pondiam à nova realidade que o mundo nos apre
to de progressão, que, em última instância, per sentava. As oscilações decorrentes das interpre
mitia a aproximação da realidade de um fenôme tações empiristas, de bases positivistas até as
no, através da lógica científica e da verdade uni funcionalistas e estruturalistas de fundam entação
versal. O progresso é, no dizer do escritor Bengali, marxista ou, não haviam se esgotado. Os m ode
a carruagem que levaria todos os povos da terra a los metodológicos que exigiam a formulação de
participar da civilização e do domínio da cultura leis, assim como de sistema, estrutura ou de pro-
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cesso, após esta profunda crise, deixaram alguns tentada na concepção teórica de Bachelard, hou
sedim entos, o que perm itiu aos geógrafos, pro ve a necessidade de procurar desconstruir para
vavelm ente os mais tem erosos de enfrentar os construir uma nova forma de se "fazer co n h eci
problem as epistem ológicos, a certeza de que o m ento"
conhecim ento, assim com o a ciencia, estão em Esta reflexão, que fazemos a partir da
perm anente transform ação. Esta situação se deu Geografia, uma fatia do conhecim ento, privile-
ñas C ien cias So ciais com o um todo, e dentro da giando-a com o uma ciência social, que a partir
G eografia tam bém , com o resultado da sua exis dela será para uma totalidade "a realidade so ci
tencia sustentada no fenôm eno da "realidade al" enfocarem os, abordarem os, analisarem os
so ciai" com o nosso instrum ental teórico que dará uma
Através da reflexão hermenéutica, conse- forma diferente da m esm a "realid ad e" Com a
gue-se transformar a ciência de algo estranho, Ion- reflexão herm enêutica pois, procurarem os tor
ge das nossas vidas, incompreensível, num obje nar com preensível o que as ciências sociais são
to familiar, próximo, falando nossa língua e, o mais na sociedade e o que elas dizem da sociedade.
importante, fazer-se compreensível, para comuni O conhecim ento científico-social hoje, apre
car-nos aos leigos, as suas valências, os seus limi senta o nosso papel social e, assim sendo, a
tes, "...os seus objetivos e o que realiza aquém e "autocom preensão do nosso estar no mundo téc
além deles, um objeto que, por falar, será mais nico-científico contem porâneo. "(SA N TO S, 1989,
adeqüadam ente concebido numa relação eu-tu (a p. 14)
relação herm enêutica) do que numa relação eu- As Ciências Sociais, entre as quais consi
coisa (a relação epistemológica) e que, nessa me deramos a Geografia latu sensu, tornam-se uma
dida, se transforma num parceiro da contempla prática social, além de um co n h ecim en to , na
ção e da transfo rm ação do m u nd o "(SA N T O S, medida em que a objetivação seja apropriável e
1989, p. 13). Aceitar esse novo olhar sobre a ci se transform e em su b jetivável. Este processo
ência é resgatá-la dos princípios dogmáticos ab acontece, quando os objetos sociais dos sujei
solutos ou, aprurísticos, que desde Descartes com tos sociais se convertem em conhecim ento cien-
seu "Cogito ergo sum " à reflexão transcendental tífico-social. Em resumo, afirm a Souza Santos,
de Kant ao idealism o hegeliano, às diferentes re "...a subjetividade científica é cada vez mais o
flexões filosóficas da historia do pensamento ci produto da ob jetivação so cia l."( 1989, p. 15)
entífico trouxeram até os nossos dias. "...Trata- Meste final de século XX, com o grande
se de compreendê-la enquanto prática social de dinam ism o do que Milton Santos denom inou o
conhecim ento, uma tarefa que se vai cum prindo "m eio técnico-científico-inform acional" o nos
em diálogo com o mundo e que é afinal fundada so "objeto-subjetivado" sofre de um dinam ism o
nas vicissitudes, nas opressões e nas lutas que o extremo. Assim Boaventura de Souza Santos nos
com põem e a nós, acom odados ou revoltados." volta a informar: "A análise das condições soci
Consideram-se assim, situações, valores, compor a is, dos c o n te x to s c u ltu ra is , do s m o d e lo s
tam entos, atitudes, além de outras "circunstân o rganizacion ais da pesquisa c ie n tífica , antes
cias" na expressão de Ortega e Gasset, que cons acantonada no cam po separado e estanque da
tituem o nosso existir. sociologia da ciência, passou a ocup ar o papel
A partir dessa atitude, do que se deno relevante da reflexão epistem ológica'^ 1989, p.
m ina o "circu lo h erm en êu tico " se realiza uma 57). O novo paradigma, que nos é apresentado
d esco n stru çáo do corpo teórico, construído pela e, que poderíamos cham ar ciência pós-moder-
c iê n c ia sobre si própria e, as imagens que de si na (título que o próprio autor utiliza), para reali
m esm a fez, para tornar com p reensíveis as ra zar a nossa pesquisa científica, parte do reco
zões desses objetos e imagens construídas. S u s nhecim ento de que todo saber é social, signifi-
Geografia da m odernidade e geografia da pós-modernldade 33
atuais. A m odernidade recusa o passado porque tempo considerada imediata, é o espaço "meio-
é uma perda do tempo, a razào, essência desse am biente" que trouxe à Geografia preconceitos
tem po, não perm ite ficar no passado. Com as que perduram até os dias atuais.
grandes transform ações que a m odernidade trou Esses conceitos, de espaço e de tempo,
xe, com o diz Qiddens, o espaço vai ficando cada foram as bases da Geografia dos cham ados "pais
vez mais longe do tempo, pois fomenta relações da Geografia Moderna": Hum boldt e Ritter além
localm ente distantes ou de interações face a face. de Ratzel, da cham ada escola determ inista e dos
"Em condições de m odernidade, o lugar se torna possibilistas franceses, foi a Geografia distribuí
cada vez mais fantasm agórico: isto é, os locais da pelo resto dos países, tanto do mundo anglo-
são com pletam ente penetrados e moldados em saxõnico, como do mundo latino.
term os de influências sociais bem distantes de H u m b o ld t, e s c r e v e Q u a in i c it a n d o
les."! 1991, P- 27) Há um "esvaziam ento de tem Alm agià, ...restituiu à geografia, quase que de
po "com o pré-condição para o "esvaziam ento do todo esvaziada de seu conteúdo, ob jeto s, m é
espaço" todos e critérios de ciê n cia original de caráter
Harvey igualm ente discute a concepção essencialm ente naturalista; de ciên cia tendo ta
do tem po-espaço, antes e após o ilum inism o, refas próprias, muito am plas e bem d ife ren cia
com o um dos paradigmas da m odernidade e, em das das de outras ciên cias que no passado flo
especial, o espaço estreitando-se cada vez mais resceram de seu tronco'TQ UAINI, 1983, p. 22).
pelo tempo. O pensam ento m odernista encara o Lucien Febvre, procurando as bases com
dom ínio da natureza com o uma m aterialização ponentes da origem da Geografia m oderna, es
da liberdade humana. "Sen do o espaço um "fato" creve: "Um a científica: na gênese da geografia
da natureza, a conquista e organização racional m oderna é conhecida a função desenvolvida por
do esp aço se tornaram-se parte integrante do n a tu ra lis ta s e v ia ja n te s , d e sd e H u m b o ld t a
projeto modernizador. A diferença, desta vez, era Richtofen e Ratzel. A outra, política, no sentido
que o espaço e o tempo tinham que ser organiza mais amplo do termo: toda a progênie intelectu
dos, não para refletir a glória de Deus, mas para al, toda a série dos herdeiros espirituais de um
celebrar e facilitar a libertação do "hom em como Montesquieu poderia ser encontrada diante de
indivíduo livre e ativo, dotado de consciência e nós. A terceira, finalm ente histórica: porque o
vontade"(1989, p. 227). Essa imagem, esse mito, tempo em que nenhuma geografia, com o signifi
trouxeram as grandes transform ações à Am érica cado atual do tempo, existe ainda, foram em pri
Latina e ao resto do mundo não europeu. meiro lugar os historiadores, pelo próprio pro
Essa concepção do "espaço caixa" e de gredir de seus estudos particulares, a se verem
tempo atemporal, teve forte influência nos estu obrigados a formular uma série de problem as,
dos da Geografia Moderna, porquanto a definição não propriamente geográficos, mas que tinham
da Geografia estava em concordância de como os alguns elem entos de ordem geográfica."(citado
fenôm enos físicos, biológicos e humanos esta- por QUAim, 1983, p. 22)
vam distribuídos, colocados dentro dessa "caixa" Interessante destacar que esse espaço re
que era a superfície terrestre. Esse espaço era ceptáculo, divorciado do tempo, ou m elhor dito,
contínuo, isotropo (com as mesmas qualidades um tempo atem poral que tam bém na sua per
físicas em todas as direções), homogêneo, finito cep ção não produzia o espaço , com o afirm a
ou infinito, dado que era completamente indepen Dollfus "Um espaço mutável que se descreve"
dente de sistem a de relações. Era o espaço da está impregnado de toda uma term inologia de
localização, dos inventários dos recursos naturais, ordem biológica. Assim, Vidal de la Blache, um
enfim o espaço dos quatro parâmetros de com dos fundadores da geografia francesa no início
primento, largura, altura e duração, a medida do do século, define a paisagem com o "espaço con-
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creto e localizável que pode ser descrito "e o de prias e, o mais surpreendente, com o se este não
nom ina de "fisionom ia" Outro autor francês se fosse propriedade privada.
refere à paisagem chamando-a de "seres geográ De qualquer forma, foram os anos 70 que
ficos" A geografia tradicional, de base positivista, nos trouxeram a concepção de espaço m ercado
está impregnada de expressões com forte influ ria, a partir das teorias marxistas e de um enfoque
encia dos conceitos das ciencias biológicas; mar metodológico com base no m aterialism o históri
cam a necessidade de ser uma ciência natural co, no qual o espaço tem valor de uso e valor de
que lhe davam a possibilidade de criar leis. Este troca, que este recebe as diretrizes do papel do
fato, com o diz Foucault, pertence ao projeto estado e dos conflitos sociais. Toma-se consci
positivista que pretendia fundam entar sobre to ência, a partir dos trabalhos de Milton Santos, de
das as ciencias. Esse espaço receptáculo, tinha que "produzir é produzir espaço" e mais ainda,
sua principal preocupação nas formas e na des que "...ele é sim ultaneam ente produtor e produ
crição das mesmas. to; determ inado; um revelador que permite ser
Todos estes autores se preocuparam em decifrado por aqueles mesmos a quem revela; e,
assegurar um estatuto científico à Geografia, pro ao mesmo tempo, em que adquire uma significa
porcionar-lhe um lugar dentro da classificação ção autêntica, atribui um sentido a outras coi
das ciências, através de uma adaptação ao mé sas. Segundo essa acepção, o espaço é um fato
todo científico por meio de leis e princípios ge social, um fator social e uma instância social"
rais, definir seu cam po de trabalho, classificar (1978, p. 130)
os fatos de seu dom ínio, e procurar uma hierar A Geografia, nos diz Pierre George em
quia de valores. Mas, com passar do tempo, a 1966, "é o resultado e o prolongamento da His
Geografia se havia tornado o que Milton Santos tória" e continua afirm ando com o historiador do
denom inou de "viu va do espaço "porque a sus atual deve -aplicando métodos próprios- se preo
tentação da sua existência era debitada à "...h is cupar com os estudos da História m aterializada
tória dos historiadores, a natureza "natural" e à no espaço. A cidade em especial a metrópole-
econ om ia neoclássica, todas as três tendo subs é, sem dúvida, esse "reescrever" do tempo no
tituído o espaço real, o das sociedades em seu espaço, tanto na sua forma, com o no seu con
devir, por qualquer coisa de estático ou sim ples teúdo. (p. 21)
mente de não existente, de ideológico." ( 1978, Bachelard faz referência à interpretação
p. 91) da relação am algam ada espaço-tempo e "m o s
A p ó s as te o r ia s da r e la t iv id a d e de tra como tudo está contra esta idéia a im agina
Einstein, o conceito de espaço da física muda ção, os sentidos, as representações: só vive
para o campo, no qual está embutida a idéia de mos o tempo esquecendo o espaço, só enten
cam po de forças. A definições do espaço na Ge demos o espaço suspendendo o curso do tem
ografia se tornam "o espaço como um sistema po, mas a fusão espaço-tempo é uma relação
de relações "ou, também , o espaço como "refle to tal..."(B A C H ELA R D , 1929, p. 99, citad o por
xo da socied ad e" O próprio Lefebvre define a BARBO SA, 1996 p .114)
cidade com o a projeção da sociedade sobre o Milton Santos define o espaço "com o acu
terreno ( O Direito a Cidade). mulação desigual de tem pos" (1978, p. 209), e
Interessante considerar que nos anos 60 a maior expressão dessa acum ulação desigual é
e 70, tanto na Europa como nos Estados Unidos, a metrópole, porque esse espaço representa di
nos estudos que se faziam, especialm ente da ci ferentes momentos do desenvolvim ento da so ci
dade, se considerava o espaço como palco onde edade.
a sociedade se produz, sem nenhuma particulari A partir do momento em que a Geografia
dade, como uma planície sem características pró deixou de pensar o espaço como absoluto e pela
Geografia da m odernidade e geografia da pós-modernidade 37
re la çã o espaço-tem po, produzoiu-se um novo po. Mas, sem dúvida, no conceito de lugar há
conteúdo na interpretação da realidade. um denso conteúdo de cotidianeidade m arcado
Ao finalizar os anos 70 e, principalm ente pela cultura e pelo imaginário.
no com eço da década de 80, se fecham os gran Os conceitos de lugar mudaram a partir
des debates acerca do papel do espaço na inter de uma dim ensão puram ente física Vidal de Ia
pretação m aterialista da realidade, especialm en Blache definia a Geografia com o a ciência dos
te no desenvolvim ento capitalista, numa relação lugares- a uma expressão de inserção no proces
d ialética entre a sociedade e o conteúdo, que so de totalidade. Lefebvre afirm a que "a história
teria o espaço nesta visão. So ja citando Gregory de um dia, engloba a do mundo e a da sociedade
o qual transcrevem os nos diz: "A análise da es "e eu concluo, acrescentando, tam bém , a do lu
trutura espacial não é derivada e secundária à gar. (1991, p. 8)
análise da estrutura social, com o sugeriria a pro Os lugares que hoje a geografia estuda
blem ática estruturalista: antes, uma exige a ou devem ser considerados como um com ponente
tra. A estrutura espacial não é, por conseguinte, de nossa identidade de sujeitos, com o centro de
m eram ente a arena em que os conflitos de clas significados, como condição da própria existên
se se expressam (SCOTT, 1976, p. 104), mas é cia, foco de vinculação em ocional para os seres
tam bém o cam po no qual e, em parte, através humanos, contexto para as nossas ações; o lu
do qual- as relações de classe se constituem , e gar como expressão da paisagem e da cultura,
seus conceitos devem ter lugar na construção de experiências e significações diferenciadas. O
dos conceito s de determ inadas form ações soci lugar concentra significados, pensam entos e os
ais (...) as estruturas espaciais não podem ser sentimentos dos seus habitantes. A especificidade
teorizadas sem as estruturas sociais, e vice-ver dos lugares traz, no seu bojo, o estudo das paisa
sa, e (...) as estruturas sociais não podem ser gens em função das experiências diferenciadas
praticadas sem as estruturas espaciais e vice- e dos significados, tam bém diferenciados. Por
versa"( 1978, p. 120-1). esta linha de abordagem, da cham ada Geografia
Para concluir este processo, finalmente, Humanista, é possível interpretar os lugares com
o espaço é considerado uma instância social, ocu novas dim ensões sim bólicas e culturais, co nce
pando o lugar de m ercadoria no modo de produ bidos "...com o uma paisagem vivenciada holística
ção capitalista e sofrendo todos os defeitos e as e sentida em todas as suas dim ensões, inclusa a
qualidades de qualquer outra m ercadoria, inclu temporal" (BA LLEST ER O S, 1992, P.II).
sive o fetichism o do consum o exagerado, m es Esta vertente de interpretação humanista,
mo que ele possua características especiais. na versão existencialista afirma a existência de uma
Porém esse paradigma do espaço-merca- potencialidade de tempo, de uma empiricidade do
doria, visão econom icista, tam bém esgota sua tem po, de grande c o n te ú d o no lu g ar e que
forma de interpretação no início dos anos 90, Ballesteros citando Sam uels afirma: "...o tempo
porque a ciência, com o já m ensionam os, tem é sempre algum lugar e o lugar é sempre algum
outras visões e perspectivas. Em bora a realida tem po"
de econ ôm ica do espaço não mudou, ela só já Milton Santos igualmente define o lugar
não satisfaz da explicação e da interpretação. "...com o a extensão do acontecer hom ogêneo ou
E n tre as n o v a s fo rm a s de a b o rd a r o e s p a do acontecer solidário e que se caracteriza por
ço d e n tro d a G e o g ra fia p ós-m oderna, d e s ta c a m o s dois gêneros de constituição: uma é a própria
o c o n c e it o de lugar, de reg ião , de te rritó rio , de configuração territorial, outra é a norma, a orga
p a is a g e m ; em to d o s e le s estã o e m b u tid o s os c o n nização, os regimes de regulação" (1994, p. 34)
c e ito s d e lo c a l e de g lo b a l. Má n e sse s an tig o s c o n Porém o lugar, a interpretação e vivência
c e ito s g e o g rá fic o s u m a n o va c o n c e p ç ã o de te m do mesmo se diferenciam segundo as classes so-
38 Revista G EO U SP, IT 5 p. 27-39 Amalla Inés Geraiges de Lemos
ciais, os gêneros, a condução de origem, o grau os problemas am bientais, não com o elem entos
de cultura, entre outras categorias. Assim, o lu da natureza, que já não existem, mas com o con
gar não só nos rem ete a um territorio habitado, seqüências culturais, produzidas num espaço que
mas, tam bém , a uma posição dentro de um sis se define como sistem a de objetos e sistema de
tem a social. ações. Levam tam bém a se preocuparem com a
Estes conceitos em itidos nos remetem a história do presente, na qual a religião, o lazer, o
outros muito im portantes para a nossa realidade turismo, os gêneros, os grupos m inoritários, e o
de Terceiro Mundo. Estes sáo os de tempo e de consum o se m aterializam num lugar, numa re
cultura. Am bos estão interligados. Qual é o signi gião, num território, num espaço com tempos e
ficado de tem po para nós hoje, na nossa realida culturas diferenciados. Formas e conteúdos pró
de de pós-m odernidade? Em primeiro lugar dire prios de nosso tempo, de nossa visão de mundo.
mos que se trata de um tempo social, que inclui Para concluir, diremos que as categorias
nele todas as outras concepções de tempo co do método geográfico não se esgotaram, em bo
nhecidas, além de possuir a essência do tempo ra formuladas por Milton Santos ao final da déca
histórico que é ideológico, político e cultural. A da de 80. Hoje elas possuem novas formas de
percepção do tempo histórico é a percepção das interp retação . Analisam o-nas com uma visão
m udanças e das transform ações. O tempo social herm enêutica. Qual o significado desta palavra
inclui em seu conteúdo valores. que foi tã o u s a d a ao lo n g o d e s te a r tig o ?
Entendem os por cultura um sistema de Herm enêutica vem do gregro h e rm e n e u tik é que
ordens significativos e sistem áticos, que relacio significa arte de interpretar, expressão de um
nam o m aterial ao social por meio do sim bólico. pensamento e a sua explicação. Esta forma de
M arilena Chauí define cultura como "...criação análise foi muito usada na Idade Média para es
coletiva de representações, valores, símbolos e tudar as Sagradas Escrituras, pois elas deviam
práticas que determ inam para essa coletividade não só ser traduzidas, como também interpreta
suas formas de relação com o espaço, o tempo, das segundo os significados lingüísticos, sociais
a natureza e os outros homens, definindo o sa e e s p a c ia is da é p o c a . C h am a- se ta m b é m
grado e o profano, o necessário e o possível, o herm enêutica a interpretação do que está expres
contraditório e o impossível, o justo e o injusto, so em símbolos, assim como toda expressão hu
o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o legítimo mana escrita ou não, desde as obras de arte até
e o ilegítimo, o "nós" e o "eles" " Continua Chauí os relatos populares.
dizendo que "a ordem humana da cultura é a re Como reflexão filosófica é uma forma de
lação sim bólica com o ausente, isto é, a lingua análise interpretativa sobre sím bolos religiosos
gem, o trabalho, a historia e a m orte."( 1993, p4) e mitos, e, em geral, sobre qualquer forma de
E s ta s c o n c e p ç õ e s te ó ric a s leva m os expressão humana, em oposição à análise ob je
geógrafos pós-modernos a se preocuparem com tiva e ao pensam ento lógico.
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