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AULA - EU/SELF

INTRODUÇÃO

A aula de hoje tem como objetivo começar a apresentação das funções psíquicas
compostas e suas alterações. Contudo, utilizaremos 3 aulas para falar sobre elas
nesse módulo. Nessa primeira aula, você aprenderá sobre a função Eu/Self.

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Antes de começar a apresentar cada uma dessas funções, é importante entender
que as funções psíquicas compostas resultam de vários agrupamentos de funções.
Ou seja, são uma somatória de atividades e capacidades mentais e
comportamentais.

De modo geral, as funções psíquicas compostas são: eu/self, personalidade e


inteligência. Porém, algumas funções psíquicas elementares como a atenção,
orientação; sensopercepção e pensamento também poderiam, em certo nível,
serem vistas como “compostas”.

ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO EU

O Eu ou Self desenvolve-se na criança progressivamente ao longo dos primeiros


anos de vida. O autoconceito e a visão de si mesma como um ser relativamente
autônomo e separado dos demais vão gradativamente ficando mais claros e
estáveis.

A noção de que algo existe de maneira externa à criança marca o momento da


formação do que se entende por “consciência do Eu”, e isso ocorre, normalmente,
entre 1 - 2 anos. Essa consciência do Eu pressupõe a tomada de consciência do
próprio corpo, do “Eu físico”.
A NOÇÃO DE SELF E SUAS VICISSITUDES

O termo Self, em português, significa “si mesmo” e corresponde a um construto


mais abrangente do que a noção de Eu. Diversos autores desenvolveram noções
originais de Self. Dentre elas temos:

1- James (1842-1910) traz o conceito de Self como sendo a soma de tudo aquilo
que uma pessoa pode chamar de “seu”, no sentido íntimo. Partindo dessa definição,

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o Self seria compreendido através de 3 dimensões: o Self material, o Self social e o
Self anímico ou psíquico.

2 - No Research Domain Criteria (RDoC) a compreensão e a percepção do Self são


definidas como os processos e/ou representações implicados em ser consciente do
próprio Self, bem como em acessar conhecimentos e fazer julgamentos sobre ele.
Inclui os estados internos e os traços e habilidades tanto cognitivos como
emocionais e precisa ser considerado tanto isoladamente quanto em relação com os
outros. Para RDoC, as percepções e o conhecimento do Self são organizados de
acordo com os subconstrutos: agência e autoconhecimento.

A REPRESENTAÇÃO DO EU

Goffman defende a ideia de que o indivíduo é dotado de um eu (Self), uma essência


de personalidade, e é aquele que exerce múltiplos papéis. E é justamente esses
papéis que o indivíduo desempenha na vida que são fundamentais para a
construção do seu eu, do seu Self. Ele representa esses papéis como se estivesse
em cima de um palco: observando o cotidiano além de suas meras interpretações.
Há então um balanço entre o eu e a teatralização do cotidiano, e enquanto
representamos papéis somos moldados por eles e moldamos o outro. Não é à toa
que é tão difícil, para não dizer impossível, nos desfazermos do estigma que vem
junto com os rótulos que as pessoas nos dão.

Em contrapartida, Rogers afirma que o Self não é uma entidade estável, estática e
imutável e sim um processo constante que passa pelo autoconhecimento, que só é
viável quando se entra em contato com o Self, sem dissimulações. Isso porque,
pessoas congruentes são mais felizes. É só pensar nas crianças, como são felizes e
congruentes com o que pensam e falam.

PSICOPATOLOGIA DO EU E DO SELF

A consciência é a dimensão fundamental da atividade psíquica humana e apresenta


duas dimensões fundamentais:

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● consciência do mundo, dos eventos e objetos contidos;
● a consciência do Eu.

Para investigar as alterações psicopatológicas do Eu, é importante compreender a


consciência do Eu em quatro aspectos:

1. Consciência de unidade do Eu

A representação do Eu é algo indivisível. É algo natural e espontâneo quando


refletimos sobre nós.

● Alteração da unidade do Eu: consiste na vivência radical de cisão do Eu.


Temos um indivíduo profundamente dividido. Isso é comum na psicose.
2. Consciência de identidade do Eu no tempo

Trata-se da consciência de ser o mesmo ao longo do tempo.

● Alteração da unidade do Eu no tempo: o paciente não reconhece a si mesmo


em outras fases da vida. Isso é comum na psicose.
3. Consciência da oposição do Eu em relação ao mundo;

Separação entre o Eu subjetivo e o mundo

● Alteração da unidade do Eu em relação ao mundo: a alteração é a perda da


sensação de fronteira e oposição entre o Eu x mundo.
4. Consciência de atividade do Eu.

Essa consciência está presente em todas as atividades psíquicas: percepções,


sensações corporais, lembranças, pensamentos e sentimentos. É caracterizada por
um tom especial de “meu”, de “pessoal”, daquilo que é feito e vivenciado por mim
mesmo.

Alterações da consciência

● Alterações da consciência da existência

Consiste na suspensão da sensação normal de existência do próprio Eu, corporal e


psíquico. Um distanciamento do mundo perceptivo e a perda da consciência do

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sentimento do Eu.

● Alterações da consciência de execução

O paciente, ao pensar ou desejar alguma coisa, sente que foi outro que pensou ou
desejou tais pensamentos ou desejos e esse outro os impôs de alguma maneira.

Despersonalização e desrealização

De modo geral, a despersonalização é o sentimento de estranheza de si mesmo e a


desrealização, o sentimento de estranheza, de perda de familiaridade, em relação a
ambientes bem conhecidos.

A despersonalização é uma vivência geralmente muito perturbadora, pois há


frequentemente a sensação de que se está perdendo o controle ou mesmo
enlouquecendo. Já na desrealização o indivíduo passa a estranhar muitas das
coisas que sempre foram bem conhecidas, como sua própria casa, seus móveis,
suas roupas, os lugares que frequenta.

PSICOPATOLOGIA DO EU CORPORAL

Imagem corporal

Refere-se a representação que cada indivíduo faz de seu próprio corpo. É uma
percepção do próprio corpo que é construída e organizada tanto pelos sentidos
corporais externos e internos como pelas representações mentais, afetivas e
cognitivas, referentes ao organismo. Essa representação pode ser distorcida, pois
ela não é exatamente o que a gente enxerga no espelho.
A imagem que a pessoa tem de si mesmo é formada pela interrelação entre três
informações distintas:

1. Imagem idealizada ou aquela que se deseja ter;


2. Imagem representada pela impressão de terceiros;
3. Imagem objetiva ou a que a pessoa vê, olhando e sentindo seu próprio corpo.

O conceito de imagem corporal envolve três componentes:

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● Perceptivo: que se relaciona com a precisão da percepção da nossa própria
aparência física;
● Subjetivo: que envolve aspectos como satisfação com a aparência, o nível de
preocupação e ansiedade associada;
● Comportamental: que focaliza as situações evitadas pelo indivíduo por
experimentar desconforto associado à aparência corporal.

Distúrbios da imagem corporal

O distúrbio da imagem corporal é um sintoma nuclear dos transtornos alimentares,


caracterizado por uma autoavaliação dos indivíduos que sofrem desse transtorno,
influenciada pela experiência com o peso e a forma corporal. Isso porque o modo
como as pessoas percebem subjetivamente seu corpo difere bastante do que se
encontra nos livros de anatomia ou fisiologia.

Além disso, o esquema corporal está sempre ligado à experiência afetiva, imposta
pela relação com o outro, além da história de vida e experiências culturais do
indivíduo.

Cenestesia x cenestopatia

A cenestesia é a integração de diversas sensações corporais. Em uma pessoa


sadia, sem doenças ou incômodos físicos, produz um sentimento difuso de
existência agradável, vitalidade física e bem-estar. A cenestopatia, ao contrário da
cenestesia normal, é o conjunto de sensações incômodas, de mal-estar difuso. São
geralmente sensações corporais mais penosas e sofridas do que propriamente
dolorosas.
É frequente que a cenestopatia tenda a se concentrar em um ou alguns órgãos que
pode ou não corresponder ao órgão anatômico exato. O mal-estar e as sensações
ruins são, com certa frequência, nomeados pelos pacientes como fraqueza,
compressão, torção, pressão, encolhimento, queimação, aperto, como gelo, como
pedra etc.

ALTERAÇÕES DO ESQUEMA CORPORAL EM TRANSTORNOS MENTAIS

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Depressão

Um paciente com depressão grave vive seu corpo como algo pesado, lento, difícil,
fonte de sofrimento e não de prazer. Sente-se fraco, esgotado, incapaz de fazer
frente às exigências da vida (astenia). Seu corpo já não tem vida, é um peso morto;
a pessoa se sente impotente ou muito doente (cenestopatia). Nesse quadro, podem
ter alterações do esquema corporal, como no delírio de negação de órgãos (delírio
de Cotard).

Bipolaridade

Paciente em mania pode vivenciar seu corpo como algo ativo, poderoso, vivo, forte
e ágil, não conseguindo parar e repousar por um período prolongado. Quando
questionado, responde que está muito bem, cheio de vigor, “melhor do que nunca”.

Esquizofrenia

O sujeito pode apresentar vivências de influência sobre o corpo, a sensação de que


alguém, algo ou uma força externa desconhecida age sobre seu organismo,
manipulando e controlando. Também pode ocorrer a experiência de esvaziamento
ou roubo de partes do corpo, como o cérebro ou as vísceras, além de delírios de
negação ou de apodrecimento dos órgãos.

Transtorno de Personalidade Histriônica

Há uma tendência a erotizar intensamente seu corpo. No entanto, esses pacientes


também podem sentir sua atividade genital como insensível e uma perda e prazer
nas zonas erógenas.
Transtorno do Pânico

Em pacientes com crises de pânico são frequentes a despersonalização corporal e


a sensação de morte iminente, de que o corpo irá entrar em colapso,
desorganizar-se, ter um “infarto no coração” ou “derrame cerebral”.

Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)

Pacientes podem sentir o corpo como sujo ou contaminado, tendo de esforçar-se

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constantemente para limpá-lo, purificá-lo ou protegê-lo da contaminação.

Anorexia

Pacientes com anorexia nervosa revelam alteração marcante do esquema corporal.


Por isso submetem-se a dietas e exercícios físicos para emagrecer mais e mais,
podendo ocorrer, em alguns casos, estados extremos de caquexia.

Transtorno Dismórfico Corporal

Pacientes com dismorfofobia (ou transtorno dismórfico corporal) percebem


distorcidamente partes de seu corpo (nariz, orelhas, face, seios, nádegas, mãos...).
Eles afirmam que essas partes são horríveis, desproporcionais, enormes e dignas
de enorme vergonha.

A VALORAÇÃO DO EU

Narcisismo

No TP narcisista há a ilusão de autossuficiência, o sentimento de poder, de


grandiosidade, de desprezo pelo mundo exterior. O próprio Eu é tomado pelo
indivíduo como sua grande paixão, seu principal objeto de amor.

O narcisismo não é necessariamente positivo ou negativo, patológico ou saudável.


Todo indivíduo necessita investir amorosamente em seu próprio Eu para sobreviver,
para cuidar de si mesmo e para poder amar outras pessoas. O fundamental aqui é o
grau e a intensidade com que o amor é investido em si mesmo ou em outras
pessoas.
O extremo oposto do narcisismo corresponde à diminuição da valoração do Eu, que
é um aspecto central na depressão e leva à redução da autoestima e a
autodepreciação. Nesse caso, o indivíduo tende a se sentir sem valor, não merece
viver e ser amado, deve morrer para deixar de incomodar os outros.

Autoestima

● Autoimagem: percepção da imagem corporal.

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● Autoconceito: percepção do Eu/Self.
● Autoeficácia: relacionado ao desempenho e às capacidades.

ALTERAÇÕES DA CONSCIÊNCIA DO EU (Resumo)

Alterações da consciência do Eu

Alterações da consciência de unidade do Eu


● Cisão do Eu; partes do Eu se opõem radicalmente como estranhas.

Alterações da consciência de identidade do Eu no tempo


● Percepção de não ser a mesma pessoa ao longo do tempo.

Alterações da consciência da oposição do Eu em relação ao mundo


● Perda da sensação de oposição e fronteira entre o Eu e o mundo.
● Transitivismo: sentir-se transformado em outra pessoa, em um animal, em
robô etc.
● Sonorização e/ou publicação do pensamento.

Alterações da consciência de atividade do Eu


● Alterações da consciência de existência. Perde a consciência do ser eu
próprio, percebe um distanciamento do mundo perceptivo e perde mesmo a
consciência do sentimento do Eu
● Alterações da consciência de execução. Pensamentos podem ser
vivenciados como feitos e impostos por alguém ou algo externo.

Fonte: adaptado de Dalgalarrondo (2019, p. 269).


REFERÊNCIAS

DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais.


Artmed: Porto Alegre, 2019.

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