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Diante dos desencadeamentos contemporâneos encontramos, hoje, indivíduos marcados pelo

sofrimento em seus próprios corpos e com dificuldades significativas para narrá-las. McDougall (1983)
faz notar que a forma como o sujeito vive seu corpo informa a respeito da natureza de sua relação com o
mundo, ou seja, quando o corpo não é capaz de significar a diferença entre o eu e o outro, interior e
exterior, quando o sujeito tem dificuldade em habitar seu corpo, as relações com os outros correm o
risco de se tornarem confusas. De acordo com a autora, “é a maneira como a pessoa pensa o próprio
corpo, assim como a posição que ela assume em relação a esse corpo, o que naturalmente irá influenciar
de forma marcante a relação eu/mundo” (1983, p.155).

O sujeito busca no corpo uma consciência de si, ou seja, fazer com que o corpo exista por si mesmo para
que possa estimular sua reflexão e reconquistar sua interioridade. O corpo não é apenas um meio de
locomoção, mas um organismo vivo, corpo sexuado, marcado pelas pulsões, fonte de prazer (e também
de dor: sensações) que necessita ser cuidado por seu possuidor.

Tal momento, no qual o indivíduo se identifica imaginariamente, faz parte do seu processo de
constituição, que, aos poucos, pela incidência do simbólico, pode apartar-se das identificações primárias
e construir sua verdade.

A constituição do narcisismo do sujeito é resultado, portanto, da presença ativa de um outro, realizada


neste período, pelo qual a criança poderá apreender-se em seu corpo pela obtenção de um contorno
nítido e definido.

Neste cenário, o corpo tem adquirido mais destaque e sofre sob os efeitos da doença, da fragilidade e do
stress. A partir desta perspectiva, a concretude do corpo aparece como uma das certezas para o sujeito
e, em contrapartida, o registro metafórico da linguagem é cada vez mais pobre, visto que o discurso fica
esvaziado em sua dimensão simbólica (Lazzarini, 2006). A psicanálise, por sua vez, procura dar voz ao
sujeito e a seu corpo em sua singularidade, para além das demandas corporais relacionadas à dor. Trata
de lidar com um corpo diferente do corpo biológico e dar voz a um corpo que é atravessado pela
linguagem e marcado por vivências do sujeito.

A escuta da fala do paciente obeso em psicanálise evidencia algo de um mal estar localizado no corpo
(dores e sensações corporais desagradáveis, paralisias, amortecimentos), mas que deve encontrar
ressonância psíquica. Em sua fala, vemos ser ressaltada uma condição de imobilidade, de impedimento à
ação causada por sua própria limitação e ue caracteriza um estado de inércia, uma falta de vontade ou
incapacidade para agir, de fazer a vida andar e de nela se sentir presente.

Apesar de ser um dos temas centrais de seu discurso, o corpo não é nomeado: em seu discurso o que
aparece é uma fala sobre suas dores e incômodos mais do que do corpo como unidade e pertencimento.
Apesar de ser um corpo grande e expressivo, ele não tem contorno, delimitação e fica referenciado a
uma massa disforme. Há uma oscilação entre se sentir cheio e se sentir vazio, e esta é a referência que
apresentam.

O que se constata é que o sujeito convive com uma imagem corporal pouco delimitada, marcada por
equilíbrio precário prestes a desmontar.
Constata-se que quando apresentam certo senso de corpo, não é nessa totalidade que se reconhecem e
o corpo é raramente reconhecido como próprio.

O obeso fica sem condição de traçar uma imagem de si, pois não se fixa nela. Seu olhar poderia auxiliá-lo
a formar uma imagem psíquica mais sólida e consistente, mas é um olhar que se desvia. Com isto, perde
a possibilidade de se ver com seus contornos e seu tamanho real, passando a imaginá-los. Em seu relato
o paciente obeso traz uma sensação desagradável de se sentir devassado pelo olhar do outro, uma
sensação de insegurança quando observa que não passa despercebido.

A imagem do gordo causa, sem dúvida, um estranhamento. Apesar do ideal da saúde apresentar-se
como moral para todos, as pessoas identificadas como obesas são especialmente vistas e criticadas, por
supostamente não se submeterem a um regime restritivo do prazer e de seus corpos. Pois bem, é
frequente também na fala de pacientes obesos de que quando eram magros, tampouco eram felizes.

É no momento de questionamento que estes sujeitos têm a possibilidade de sair do lugar de exclusão,
justamente por compreender que sua posição de sujeito é descentrada, longe dos aportes imaginários
promovidos pela sua constituição narcísica. Frequentemente, assim, os obesos são representantes no
imaginário social de significados em uma identificação a um gozo num excesso, posição que assumem
em muitos momentos, mas que lhes é alheia pois não se trata de identificação consciente. São pessoas
que muitas vezes não sabem da onde advém tanta rejeição e gordura.

Este processo de questionamento pode ser realizado pelo confronto com os significantes de sua história,
abrindo a possibilidade de um espaço de indeterminação que permita a dialetização, a escolha e a
responsabilização pela posição que ocupa em sua fantasia.

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