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E os educadores?
Ao iniciar a formação, logo nos deparamos com uma
primeira dificuldade: desejávamos que o educador revisse
suas praticas de ensino de leitura e escrita com seus alunos,
mas esquecemos de investigar quais experiências eles tinham
como usuários da cultura escrita. Ao esperar que o educador
realizasse a leitura em voz alta para as crianças, por exemplo,
não cuidamos de saber como ele fazia esta leitura, nem qual
era a sua prática nesse sentido.
No mundo das lendas Para se apropriar do gênero
A primeira condição criada para familiarizar as crianças e O grupo já tinha uma prática de roda de história, que
os educadores com as lendas brasileiras foi a leitura de textos passamos a avaliar nos encontros de formação. Percebemos
pelo educador. Ao conhecerem diferentes versões de uma o quanto ela se tornou sem sentido, apesar de ser sempre tão
mesma lenda, aumentaram seu repertório e foram se recomendada. No geral, as rodas eram formadas com todas
aproximando do gênero. Em seguida, elegeram as lendas as crianças atendidas, aproximadamente 50. É fácil imaginar a
preferidas e passaram a explorá-las com mais afinco. dificuldade para o educador manter a atenção e o
Leram então os textos para as crianças, que foram envolvimento de todos.
convidadas a reescrever a narrativa coletiva-mente e logo Propusemos de imediato a subdivisão do grupo. E, com
digitá-la, em duplas, no computador. Em paralelo, as crianças menos crianças, iniciou-se a leitura de livros de lendas
foram estimuladas a criar as ilustrações, primeiro ã mão e brasileiras. As educadoras que tinham uma experiência
depois usando o Paint Brush. Para finalizar esta etapa, anterior negativa com propostas desse tipo começaram a se
fizeram a revisão de seus textos usando algumas ferramentas envolver e ficaram mais interessadas e participativas em ouvir
do Word como: desfazer digitação, escolher tipo, tamanho e a leitura de histórias. Além da roda de leitura, outras
cor da letra. E exploraram mais significativamente algumas atividades foram propostas a fim de que as crianças come-
teclas como "backspace", "delete", "barra de espaço", "caps çassem a refletir e ampliar o conhecimento sobre as
lock". propriedades dos textos (estrutura, características, traços
Continuamos a descoberta das lendas, buscando a diferenciadores, finalidade, intencionalidade). A seguir, dois
valorização da cultura local e da tradição oral, e convidamos exemplos dessas iniciativas:
um morador antigo da comunidade local para visitar o grupo e
1. Recontar a lenda - A turma foi convidada a recontar a
contar as histórias que conhecia. As visitas foram filmadas e,
lenda da Cobra Grande5 a partir do quadro A Lenda da
a seguir, em pequenos grupos, as crianças transformaram a
Cobra Grande, de Rybas6. Desta forma, exercitaram o
gravação em texto, estabelecendo as relações entre a
domínio da estrutura e dos traços diferenciadores desse
linguagem oral e a escrita.
tipo de texto. Ao usar como estímulo do reconto uma
A seguir, um exemplo de texto coletivo produzido pelas
imagem artística, enriquecemos o trabalho de ilustração
crianças a partir da história contada por um morador:
do livro. Outras imagens, como a Cuca de Tarsila do
Amaral7 e a Mula-sem-Cabeça de Portinari», também
foram usadas.
2. Reescrever a lenda - Também foi proposta a reescrita
coletiva de uma lenda e sua digitação no computador.
Esta atividade, no início, tomava um tempo muito grande,
pois as crianças não eram familiarizadas com o teclado, o
que tornava a tarefa mais árdua. No entanto, com o
passar do tempo e o afinamento das duplas, esta
proposta foi ganhando outra dimensão e ao final já
transcorria com mais tranquilidade, até mesmo com a
divisão de papéis entre a dupla.
Trabalho no computador
No início, os educadores questionaram a estratégia de
trabalhar em duplas no computador, e não foi fácil romper o
paradigma da ação individual. Num primeiro momento, as
duplas foram formadas aleatoriamente, o que nos rendeu
material para refletir em nossas supervisões. O monitor
responsável pelo grupo da oficina começou a perceber que
deveria haver um preparo e critério ao se elegerem as duplas.
Crianças que interagem bem em situações de brincadeiras
mais espontâneas não necessariamente são boas companhei-
ras para trabalhar. Para alguns, sentar-se ao lado daquele que
sabe mais é um estímulo e serve de apoio para suas
dificuldades. No entanto, para outros é mais uma forma para
se acomodar e desviar a atenção, pois sabem que sempre há
alguém que fará a tarefa por eles. Ao longo do processo,
mudamos as duplas e tivemos muitos casos de sucesso. Em
outros, avaliamos que as parcerias não foram acertadas.
Na proposta de reescrita da lenda usando o computador,
foi comum ver uma divisão de papéis entre as duplas por
iniciativa das próprias crianças. Uma ditava o texto, enquanto
a outra digitava e vice-versa. Outras duplas preferiram se
dividir de maneira diferente: um se responsabilizava pelo texto
e o outro pela ilustração e uso do Paint Brush. Avaliamos que
houve um grande avanço nessa dinâmica, e as brigas e 2. O corretor ortográfico, num primeiro momento, também
disputas, comuns no início, deram espaço ao companheirismo foi assustador, pois as crianças viam em seus textos as
e autonomia das decisões sobre a melhor forma de trabalho. palavras não reconhecidas sublinhadas e para eles
Outro ponto favorável foi que algumas crianças que iniciaram significava: "Estou escrevendo errado". Obviamente,
o ano sem escrever aceitaram a ajuda e intervenção do muitas palavras não estavam escritas da forma
parceiro com mais conhecimento e apresentaram uma convencional, mas isto serviu para que juntos fôssemos
evolução em suas hipóteses de escrita. refletindo sobre a palavra e, depois, sobre o erro. Pois
muitas vezes o sublinhado informava apenas que o
Hora da revisão computador não reconhecia aquela palavra por ser um
Após os textos estarem todos digitados, iniciamos o nome ou mesmo uma expressão característica da lenda,
trabalho de revisão que incluía, neste caso, não só a melhora e assim passaram a lidar melhor com a questão. Em
do texto nos aspectos de ortografia, coerência e coesão, como muitos casos, após se certificarem de que a palavra
também voltar o olhar para "erros" de digitação, comuns em estava escrita corretamente e mesmo assim continuava
qualquer trabalho com o editor de texto. sublinhada, já saiam avisando pela sala: "Olha, o
computador não sabe o que é Iara!"