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PODCONTOS: DO ENCANTAMENTO PELO LITERÁRIO À PRODUÇÃO DE

ÁUDIOS

Luciana Seghetto Rossetti


Escola Firjan SESI/ Macaé
Resumo: No primeiro bimestre, em Língua Portuguesa e Redação, essa atividade teve a
pretensão de promover o encantamento pelas histórias, através de leitura guiada,
compartilhada e individual do gênero "Conto Maravilhoso" e textos diversos que se
relacionam aos temas comuns a esse gênero. Provocar reflexão, análise, interpretação e
discussão sobre histórias, e suas origens, abordando características literárias e estruturais.
Após essas ações, planejar e produzir textos, sendo novas versões dos contos tradicionais.
E, como resultado de todo processo, a construção e organização de áudios, feitos pelos
alunos, de suas histórias, para criação de PODCAST, para ser compartilhado com nossa
rede.
Palavras-chave: Leitura. Encantamento. Podcast.

1- Introdução: O Encantamento Literário e o Gênero Maravilhoso


Ao falar sobre o encantamento da leitura, compreende-se a importância do
fundamento na teoria sociointeracionista de Lev Vygotsky, visto que o cognitivo do aluno
é desenvolvido por sua interação com o meio social e com o outro, permitindo novas
experiências e compartilhamento de conhecimento. Cosson (2014) ressalta essa interação
promovida pela leitura, dizendo que “no texto literário encontramos o senso de nós
mesmos e da comunidade a que pertencemos. ”
O professor, como mediador da aprendizagem, constrói estratégias para a
autonomia leitora do aluno e estimula o potencial de seu conhecimento. A leitura literária,
como prática social, é responsabilidade da escola, como destaca Cosson (2014):
Os livros como fatos, jamais falam por si mesmos. O que os fazem falar
são os mecanismos de interpretação que usamos, e grande parte deles
são aprendidos na escola[...]. No ambiente escolar, a literatura é um
lócus de conhecimento e, para que funcione como tal, convêm ser
explorada de maneira adequada.

No trabalho com o gênero literário Conto Maravilhoso há ampla possibilidade de


formação de leitores encantados pela palavra e pelas histórias que são criadas em torno
dela. Esse gênero se conecta com a coletividade, pois faz parte da herança cultural da
humanidade. É construído a partir do imaginário humano, conjuntamente, em culturas
distantes no tempo e no espaço. O maravilhoso, sem pretensão de fixar um conceito, move
a narrativa com magia e encantamento. Para Marina Colasanti:
Contos de fadas são, como a poesia, as pérolas da criação literária.
Estou aqui me referindo a contos de fadas de verdade, não a qualquer
conto que só por ter príncipe, donzela e dragão se pretende um conto de
fada. Conto de fada verdadeiro é aquele que serve para qualquer idade,
em qualquer tempo. O que comove. E que não morre. Contos de fadas
são raros e preciosos. (COLASANTI, 1992)

Esse gênero atravessou o tempo e perpassou pela humanidade, em diferentes


regiões do mundo, através de mitos, fábulas, lendas, sagas; e sobrevive ainda hoje na
oralidade e na escrita, nessa interação criativa e comunitária. Assim, não possui a função
apenas de contar histórias, para qualquer idade, mas parece ser uma necessidade vital
humana e, por isso, não se esvai.

2- Leituras com produção, às avessas, de Podcast


Ao começar o ano letivo de 2020, foi iniciado com os 6º anos o Projeto Anual de
Leitura “Onde minha Humanidade toca a sua”, em consonância com a BNCC:
Para que a função utilitária da literatura – e da arte em geral – possa dar
lugar à sua dimensão humanizadora, transformadora e mobilizadora, é
preciso supor – e, portanto, garantir a formação de – um leitor-fruidor,
ou seja, de um sujeito que seja capaz de se implicar na leitura dos textos,
de “desvendar” suas múltiplas camadas de sentido, de responder às suas
demandas e de firmar pactos de leitura. (BNCC, Linguagens, Língua
Portuguesa, Ensino Fundamental, p 138).

Um dos trabalhos realizados com essas turmas teve o propósito de formação de


leitores encantados por histórias; assim como leitores conscientes e críticos, com ânsia de
conhecer e desvendar o mundo, a começar pela ficção.
Para o primeiro passo desse trabalho, os alunos foram apresentados ou
reapresentados ao gênero “Conto Maravilhoso”. Através da leitura de vários títulos,
aprofundamento sobre as origens do gênero, análises e interpretações coletivas e
individuais, as turmas tiveram contato com muitas histórias e intrigantes descobertas de
suas origens.
A primeira leitura foi feita, em fevereiro, no espaço da “Biblioteca Ziraldo”, na
Unidade Macaé. Os alunos escolheram os livros que continham o gênero proposto. O
selecionado foi “Contos de Grimm” da editora Companhia das Letrinhas. Juntos,
ouviram a versão de “A inteligente filha do camponês” e se envolveram nas aventuras de
uma menina que usa sua inteligência para resolver problemas.
Ouvir histórias desperta algo ancestral nas pessoas. Reunir-se em torno de um
contador, esperar o próximo evento, imaginar como seria estar naquele momento.
Para que uma estória realmente prenda a atenção da criança, deve
entretê-la e despertar sua curiosidade. Mas para enriquecer sua
vida, deve estimular-lhe a imaginação: ajudá-la a desenvolver seu
intelecto e a tornar claras suas emoções; estar harmonizada com suas
ansiedades e aspirações; reconhecer plenamente suas dificuldades
e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a perturbam
(BETTELHEIM, 2002, p. 13)

Ao final da leitura, os alunos, mediados pelo professor, discutiram possíveis trocas


de finais, mudanças de decisões, ensinamentos trazidos pela narrativa. Ideias foram
surgindo e comparações com outros enredos foram sendo colocadas pelos alunos.
A segunda leitura foi “As três penas” do livro didático “Português Linguagens”,
feita individualmente pelos alunos, com registros escritos de interpretação e preparação
para discussões sobre elementos da narrativa.
A terceira história foi trabalhada através de um áudio, “O Patinho Bonito”,
também do livro “Português Linguagens”. Esse conto às avessas, trouxe muitas risadas,
reflexão sobre a autoaceitação e ideias para uma possível produção textual.
Os alunos fizeram pesquisas sobre a origem das histórias e, juntamente com os
professores de Filosofia, História e Língua Portuguesa, descobriram a importância da
oralidade no surgimento das histórias reais e fictícias; o verdadeiro objetivo dos primeiros
contos; ficaram surpresos com as versões menos “adocicadas” do gênero.
Foi proposta aos alunos uma última leitura, dessa vez, leriam um conto já
conhecido, mas uma das versões ocidentais mais antigas de “Chapeuzinho Vermelho”, na
versão dos Irmãos Grimm. A história foi lida em um aplicativo de leitura. A partir desse
conto, houve uma pesquisa sobre versões de Chapeuzinho pelo mundo e a criação de um
quadro comparativo e colaborativo das versões pesquisadas e selecionadas. Construíram,
também, quadrinhos com ferramentas digitais, para novas versões do conto.
Quadro 1 – Quadro Comparativo de Versões da Chapeuzinho Vermelho

Fonte: Trabalho Colaborativo das turmas de 6º ano

Figura 1 – Quadrinho Digital

Fonte: Trabalho elaborado pela aluna Maria Eduarda Mustafa Bersot – 6º ano
Foi indicado o filme “Irmãos Grimm”, como material extra, uma viagem fictícia,
com os dois autores, que acabam entrando em um conto de verdade.
Após as diversas fontes de leitura, discussões e descobertas, foi chegada a hora da
produção escrita, seria a criação de um conto já conhecido, com uma versão às avessas,
trocando elementos, mudando os finais. Todos os textos seriam escritos atentando para a
estrutura da narrativa e do gênero. Houve a troca dos textos com os colegas, para possíveis
melhoramentos, assim como a leitura em aula, para comentários. A correção ainda seria
mediada pelo professor, através de critérios já pré-estabelecidos.
Depois de todo processo de planejamento, criação, melhoramentos, ao final do
bimestre, os alunos gravaram áudios (podcasts) de suas histórias, com suas próprias
tecnologias e o conjunto das histórias se transformou em um trabalho denominado
PODCONTOS, que pode ser acessado em: https://anchor.fm/luciana-tia-
lu/episodes/Podcontos-efi8dg. Essas histórias foram editadas com fundo musical e
divulgadas para os colegas de sala e para a rede.

3- Considerações Finais
Ao pretender promover o encantamento pela leitura através do Projeto Anual da
escola, percebeu-se o progresso, em boa parte dos alunos, na leitura e interpretação das
histórias, assim como nas produções textuais realizadas.
A primeira parte do trabalho começou com aulas acontecendo presencialmente e,
em pouco tempo, houve a necessidade das aulas remotas, um intenso desafio para os
estudos de uma forma geral. Em Língua Portuguesa/Redação, o desafio estava também
na leitura e, principalmente, na escrita.
Antes de começar essa construção pelo interesse literário deles, na avaliação
diagnóstica de escrita do início do ano, notava-se pouca atenção ou dificuldade na
progressão textual, ortografia, coerência, coesão e estruturação do gênero proposto.
Durante a primeira etapa do projeto, ainda na leitura de textos menores, já se
notava o desenvolvimento gradativo nos cuidados com a pontuação e ênfase leitora. De
história em história; a cada registro escrito, as habilidades e competências na leitura e
escrita foram se aprimorando através de releituras, trocas e análises textuais entre os
colegas, reescrita das produções.
Quando foi feito o quadro comparativo de versões da Chapeuzinho, induzindo à
análise da intertextualidade, notou-se a surpresa das turmas com a possiblidade de vários
autores, em momentos diferentes, inovarem uma história tão antiga. E esse passo deu
suporte para o desenvolvimento da interpretação textual.
Ao construírem o quadrinho com a ferramenta digital, o desafio foi desenvolver a
necessidade da pontuação para coerência textual. Essa, em contínua aprendizagem, pois
enfrenta o mundo digital, virtual e informal que não exige muito da escrita nas redes
sociais e aplicativos de conversa.
Ao final do trabalho com o “Conto Maravilhoso”, já se trabalhava de forma mais
aprimorada com os alunos a necessidade de estarem atentos à proposta de produção e aos
critérios de avaliação da escrita.
Os Contos às Avessas trouxeram humor, tragédia, criatividade, ironia; mais que
isso, as produções finais trouxeram criações motivadas e motivadores para que o trabalho
continuasse durante o ano, sendo a leitura ainda mais incentivada com: textos do material
didático, com os livros de leitura adotados pela escola e muitas histórias trazidas pelos
alunos, compartilhadas com a turma.
Os contos se tornaram áudios do PODCONTOS e esse trabalho alertou os alunos
sobre a importância da leitura para si e para o outro, pois, ao gravarem suas histórias, elas
precisariam ganhar vida na leitura criativa, enfática e sedutora, para quem fosse ouvi-las.
E o resultado foi mais um avanço para habilidade leitora das turmas.
O final do bimestre e a análise das atividades realizadas caracterizaram as
tentativas de transformar a forma de ler e escrever, o interesse pelo texto verbal, não
verbal e multimodal. Os alunos e suas habilidades começavam a se aprimorar para os
desafios que receberiam ao longo do ano e, certamente, estariam mais bem preparados
para superá-los na leitura e na escrita.

Referências:
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos contos de fadas. Trad. Arlene Caetano. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2002.
BRASIL, MEC, Base Nacional Comum Curricular – BNCC, versão aprovada pelo CNE,
novembro de 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 07 jul.
2020.
CÂNDIDO, A. A literatura e a formação do homem. Ciência e cultura, São Paulo, v.
4, p. 803 – 809, set. 1972.
CEREJA, William. Português linguagens 6º ano. 9 ed. São Paulo: Atual, 2018.
COLASANTI, Marina. Entre a Espada e a Rosa. Rio de Janeiro: Salamandra, 1992.
COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. 2ª ed., 4ª impressão. – São
Paulo: Contexto, 2014.
GERALDI, O texto na sala de aula: leitura e produção. Cascavel: Assoeste; Campinas:
ED. da Unicamp, 1984.
Parêmetro Curriculares Nacionais (PCNs) Língua Portuguesa. Ensino Fundamental.
Terceiro e quarto ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998.
RODARI, Gianni. Gramática da Fantasia; [tradução Antonio Negrini; direção da
coleção de Fanny Abramovich]. São Paulo: Summus, 1982. – (Novas buscas em
comunicação: v.11)
VIGOTSKY, L. S.; COLE, M. A formação social da mente: o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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