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proibida pela lei brasileira de direitos autorais.

BALBINA OTTONI VIEIRA


História do Serviço Social
Contribuição para a construção de sua teoria
4ª EDIÇÃO
1985
LIVRARIA AGIR EDITORA

VIEIRA, Balbina Ottoni. História do Serviço Social : Contribuição para a


construção de sua teoria. 4ª ed. Rio de Janeiro, Livraria AGIR Editora,
1985.

Notas entre colchetes


Sumário no final do livro

p. 11
APRESENTAÇÃO

A exigência de atualização do saber hoje levou-nos a procurar, junto a colegas


e Escolas de Serviço Social, sugestões visando a possíveis renovações em nosso
trabalho Serviço Social, Processos e Técnicas, utilizado como livro de texto.
Estas sugestões influíram sobre o nosso esquema de reformulação do capítulo
"Histórico do Serviço social" e nos incentivaram a estudar, em maior profundidade, a
metodologia de ação do Serviço Social, visto ser diferente nos vários países sua
aplicação e as dificuldades para adaptar-se ao contexto das nações em
desenvolvimento.
A fim de tornar o livro anterior de mais fácil manuseio e aquisição, decidimos
destacar dele o referido capítulo, para constituir um volume autônomo, que ora se
publica.
Várias foram as dificuldades encontradas quanto às fontes para compor esta
síntese histórica. Poucos autores emprestaram à gênese do Serviço social a devida
importância, como fator de sua atual situação.
No Brasil, as fontes referentes à origem das diversas formas de ajuda se distribuem
por arquivos e documentos, quase sempre de difícil acesso, e exigindo técnicas de
investigação e tratamento que, infelizmente, não dominamos.
Recorremos, por isso, a fontes secundárias, dispersas em grande número de
obras, que, mesmo assim, nos exigiram bastante tempo para leitura e análise.
Limitamos nosso estudo ao espaço ocupado pelas sociedades ocidentais. Nas
demais culturas - sobretudo asiáticas e africanas - existem, igualmente, diversos

p. 12
e importantes sistemas de ajuda, mas sua pesquisa foge, no momento, ao nosso
objetivo, embora os consideremos de interesse para o Serviço Social.
Na América Latina, focalizamos a evolução do Serviço Social em suas linhas
gerais, por não dispormos de fontes suficientes a uma abordagem mais ampla e
profunda.
Como acontece no Brasil, nos países coirmãos o Serviço Social é uma
importação: européia, no Chile e no Uruguai; norte-americana, nos demais.
Em todos eles a situação política influiu e influi ainda na sua adaptação às
condições locais. Tratando-se, porém, de áreas em desenvolvimento, muito do que
dissemos a respeito da construção da Teoria do Serviço Social no Brasil terá,
possivelmente, validade para toda a América Latina.
A instigadora e "madrinha" deste trabalho é nossa amiga e colega ANA
AUGUSTA DE ALMEIDA, que o discutiu conosco, deu-lhe o título e a quem
tomamos a liberdade de dedicar este pequeno volume.
A todos os demais colegas, que nos ajudaram com sugestões, críticas e
comentários, muitos dos quais trilharam conosco os caminhos do Serviço Social
desde o seu início, nossos sinceros agradecimentos.

A AUTORA

p. 13

INTRODUÇÃO

"A História é a ciência dos homens no tempo. Tudo é história; o que foi dito
ontem, é história; o que foi dito há um minuto atrás, também, na medida em que a
História é a sombra do homem, inseparável dele, e absorvendo os múltiplos ritmos
particulares e coltivos para conservá-los, dissecando-os de uma forma simplificada,
apurada, arbitrária, imposta pelo calendário. Neste sentido, não podemos viver sem
ela. É a História que contém a maioria das explicações da gênese dos fatos
humanos. É a única ciência humana que, pela vocação e dentro do contexto das
instituições e organizações econômicas e sociais, considera o homem na sua
realidade." (PINTO R. e M. GRAWITZ Les Méthodes dês Sciences Sociales, Dalloz,
Paris, 1964 - pág. 269.)

HISTÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL

CONTrIBUIÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DE SUA TEORIA

O Serviço Social, como instituição, emergiu e se desenvolveu


como fato das civilizações onde viveu; com este ou outro nome, existiu
desde que os homens apareceram sobre a Terra. Admitindo ser o Serviço
Social - ajuda ou auxílio aos outros - um fato social, isto é, "um modo
de fazer constante e geral na amplitude de uma determinada sociedade,
embora tenha uma existência própria, independente das manifestações"1,
define-se por sua generalidade, por sua exterioridade, em relação às
[ 1. Virton, P. Os Dinamismo sociais - Iniciação à Sociologia, Herder,
Lisboa, 1966,p. 32. ]

p. 14
consciências individuais. Não atende apenas ao indivíduo, nem é
realizado por uma só pessoa; existe para uma coletividade e é
desempenhado por um corpo de agentes. Esta definição aplica-se
perfeitamente à ajuda aos outros - em qualquer de suas dimensões, seja
caracterizada como caridade, filantropia ou serviço social. É uma ação
de grupo, onde intervêm noções quantitativas: número de participantes,
freqüência, repartição eventual, etc.; como o explica MAUSS2: "qualquer
fato social é um momento da história de um grupo de homens; é começo ou
término de uma ou várias séries".
[ 2. MAUSS, H. Citado por PINTO, R. e GRAWITZ, M. Les Méthodes des
Sciences Sociales, Dalloz, Paris, 1964, p. 278. ]

Os fatos sociais nunca se reproduzem exatamente da mesma


maneira, daí a dificuldade de situá-los quanto à influência dos fatores
históricos e dos contextos específicos. Ainda mais: o fato social se
traduz por um ato social, prática social, ou conduta, pois surge de uma
inspiração, ou melhor, tem como ponto de partida uma motivação. Assim, o
fato social é inseparável do ato social: se "o fato é um momento na
história da matéria, o ato é a intervenção do homem no mundo"3.
[ 3. BLOCH, Marc. Introdução à História, Coleção Saber, Publicação
Europa-América, 1971, p. 39. ]

História é vida, tem passado, presente e futuro; são fatos que


se sucedem. O Serviço Social, como fato social em evolução sucessiva no
ecorrer os empos, é passível de observação. Para estudá-lo de maneira
científica, no entanto, é preciso assumir a atitude apontada pelos
sociólogos, entre outros DURKHEIM, na sua Règles de la méthode sociologique,
e observá-lo como uma "coisa", de maneira totalmente objetiva,
considerando-o em si mesmo, desligado dos indivíduos que o realizam e o
realizaram e sem entrar em juízo de valores. Devemos, portanto, ver o
fato social - "ajuda aos outros" - dentro das diferentes épocas em que é
encontrado e em relação ao contexto social em que opera. Poderemos,
assim, compreender o presente através do passado e reconstituir o
passado a partir do que sabemos do presente.

p. 15

Compreender o presente pelo passado

O Serviço Social, como conhecido hoje, é um fato recente: não


atinge um século. Qual a contribuição do passado para que possamos
compreender a situação atual?
"Supõe-se que as condições humanas sofreram, no intervalo de uma
ou duas gerações, uma mudança não só muito rápida, como também total: de
sorte que nenhuma instituição um pouco antiga, nenhuma conduta
tradicional, teriam escapado às revoluções do laboratório ou da
fábrica 4". Não podemos ignorar por que e como se realizaram tais
mudanças, nem atribuir empiricamente causas determinadas aos eventos. "A
ignorância do passado, diz MARC BLOCH 5, não se limita a prejudicar o
conhecimento do presente; compromete, no presente, a própria ação." Para
avaliar até que ponto o passado influenciou o presente, é necessário
vê-lo no seu meio respectivo, dentro da atmosfera social do tempo, em
face dos problemas que não são os nossos e, falando uma linguagem que já
não empregamos mais. Não podemos esquecer que "não há um verdadeiro
conhecimento sem um certo teclado de comparações". E neste confronto as
realidades, embora bem diferentes, são aparentadas no tempo e no espaço,
pois, apesar das transformações, existe na natureza humana e nas
sociedades um fundo permanente. Uma experiência não pode ser confrontada
consigo mesma; o que permite compreendê-la é a análise de seus próprios
fatores em relação a outros. Assim; um dos fatores que nos permitirão
compreender o Serviço Social de hoje é o estudo das formas passadas de
ajuda ao próximo, da caridade, da filantropia, situadas dentro do
contexto em que se desenvolveram, realizadas por homens que possuíam uma
determinada mentalidade e dispunham de recursos utilizados de maneira
específica. A medida que decorriam os séculos, contexto, mentalidade e
recursos sofriam lenta transformação em conseqüência de pressões, de
acontecimentos diversos, suscitados pelos homens diante das
necessidades. Esta longa jornada mostrar-nos-á por que e como o Serviço
Social de hoje tanto se diferencia do
[ 4. BLOCH, Marc. Op. cit., p. 39.
5. BLOCH, Marc. Op. cit., p. 40. ]

p. 16
auxílio e da caridade de outrora, embora tenha as mesmas raízes.

Compreender o passado pelo presente

Por outro lado, não podemos compreender o passado se não


tivermos, como ponto de comparação, uma idéia nítida do presente. No
conhecimento "por dentro" de nossa experiência atual encontraremos os
elementos que nos servirão para a reconstrução do passado. Como perceber
o que a ajuda aos outros significa, se não a experimentarmos? Como
avaliar o que é participação se não realizamos esta experiência? "O
caminho natural de qualquer investigação se faz sempre do bem ou menos
mal conhecido para o obscuro6." Só o conhecimento do presente fornece as
perspectivas de conjunto como ponto de partida. Não se trata de impor
nosso esquema atual às etapas sucessivas de mudança, mas captar que
mudanças se foram operando.
[ 6. BLOCH, Marc. Op. cit., p. 42. ]

O conhecimento do Serviço Social de hoje constitui um quadro de


referências para explorar o passado e procurar nos documentos o que
permitirá reconstituir as experiências anteriores. Compreender a
evolução de um evento é um movimento em dois sentidos: do passado para o
presente e do presente para o passado.
Um tipo de ajuda aos outros é normal para uma sociedade em
determinada fase de seu desenvolvimento. Os homens ajudaram-se de
maneiras diversas no decorrer dos séculos e a generalidade do fenômeno
dependerá das condições da vida social naquele momento de sua evolução.
A explicação do fato "ajuda aos outros" deve ser dada a partir
das causas que a produzam e da função que desempenha naquela sociedade,
naquele momento. As causas se encontram em outros fatos sociais:
situação em que o homem se coloca e que, sozinho, não pode resolver, ou
as aspirações que, por si, não pode alcançar. As funções desta ajuda
serão de acordo com os tipos de necessidades ou aspirações que se
apresentarem.

p. 17

Uma estrutura para o estudo

Se quisermos organizar o estudo do fato "ajuda aos outros"


devemos vê-lo na sua estrutura, isto é, como um todo cujas partes se
relacionam entre si; descrever as diferentes partes, explicar o porquê
das situações onde se encontram ou das mudanças que se operam e comparar
estes diversos elementos. Contruímos, assim, uma estrutura operacional -
"modelo constituído segundo a realidade empírica, obedecendo a
determinadas condições a fim de, representar a realidade7.
[ 7. VIRTON, P. Op. cit, p. 111. ]

Para o nosso intento, a estrutura operacional de ajuda será


composta de:
- descrição do contexto sócio-econômico-cultural-político onde
se encontram as causas das necessidades que condicionam a ajuda;
- idéia que se tinha da natureza da ajuda e da função desta;
- quem recebia ajuda e as necessidades que impeliam à sua
procura;
- quem ajudava: a família, a religião ou a Igreja, o poder civil
ou o Estado.
Função é a "atividade própria e natural de qualquer trabalho
executado de modo regular como conseqüência de uma situação8. A função
possui natureza diversa autoritária, permissiva, capacitadora,
conscientizadora, beneficente, auxiliadora, etc... É função manifesta,
quando ligada diretamente ao fenômeno: a ajuda intervém para auxiliar na
solução do problema. Pode ser latente, quando derivada da situação:
através de um tipo de ajuda, quem a recebe pode ser educado, valorizado,
etc...
[ 8. VIRTON, P. Op. cit., p. 113. ]

As estruturas não permanecem as mesmas no tempo e no espaço;


transformam-se lentamente sem que os homens tenham consciência destas
transformações para compreendê-las e compará-las.
Até o Renascimento, as mudanças na estrutura da "ajuda" se
processaram de modo demasiadamente lento e pouco perceptível. Daí em
diante até o século XIX,

p. 18

observa-se uma evolução mais nítida, embora ainda vagarosa.


Neste século, as mudanças se tornaram muito rápidas, de modo que
os contemporâneos puderam ver, com seus próprios olhos, a transformação
da "ajuda" em Serviço Social e a evolução que nele se opera.
Para compreender as transformações havidas, utilizamos a
estrutura operacional mencionada anteriormente como um guia entre os
eventos das várias fases históricas e como ponto de comparação entre
elas. Procuraremos nos apoiar sobre elementos permanentes, a fim de
assegurar a validade das comparações: instituições que têm papel relevante
na concessão da ajuda; a família, a religião ou a Igreja; o poder civil
ou o Estado. Se na sucessão dos fenômenos podemos encontrar as "causas"
dos eventos que se seguem uns aos outros, estas instituições nos
fornecem as "condições" que cercam o evento, como parte do contexto onde
se desenvolve o fenômeno em estudo. Análise de várias fontes revelam seu
papel, cuja preponderância e/ou importância varia conforme as épocas,
mas todas influíram sobre a idéia de "ajuda", desde os primórdios até os
nossos dias.
No estudo do contexto, dois tipos de fatores contribuíram para
as mudanças: fatores imediatos, sociais, econômicos, políticos: a
industrialização, por exemplo. Estes fatores, por sua vez, sofrem a,
influência de fatores técnicos: das ciências, que melhoram as técnicas,
e do espírito científico, que racionaliza as operações.
O que transforma as estruturas é a necessária abertura para
relacionar de maneira diferente os diversos elementos e passar para
outras funções, de acordo com a realidade e a racionalização das
operações, isto é, procurar a ordem lógica destas operações, isto é,
procurar a ordem lógica destas operações, tendo um ponto de partida e
uma direção na teoria e uma maneira de agir no método.

Teoria e teorização

Em todas as ciências houve uma época empírica; os conhecimentos


eram deduzidos da fé mágica, e das observações dos fatos, dentro de uma
mentalidade pré-formal ou pré-lógica, a qual não percebe as ligações

p. 19

causais entre os diversos elementos da realidade, porque não vê como se


relaciona com a realidade exterior o mundo interior das experiências
mentais.
Chega, no entanto, o momento em que se processa uma ruptura
entre aquilo que se conhecia até aquele momento e a realidade do
presente: conhecimentos de outras áreas são confrontados com os
conhecimentos adquiridos; novas hipóteses se apresentam, levando a
novas experiências e a formulação de novos conceitos, e assim
por diante. A ciência não é estática; está em constante elaboração.
Quando estática, não é ciência, porque não depende do Homem. Quando o
Homem procura a "verdade", nunca está satisfeito; seus esforços não se
detêm no primeiro resultado obtido, vão adiante. A procura e o esforço
para encontrar a melhor resposta, em relação a determinado assunto, é o
que se chama "teorização".
O fato de poder teorizar leva o Serviço Social a uma atitude
científica. "Teorizar é uma atividade prática, pela contemplação de
outro tipo de ação; é especificar condições ainda não verificadas;
envolver outras que não estão satisfeitas; imaginar o quesignifica que
'tudo está bem'e manter seu ponto de vista"9, desde que o modelo permita
aplicá-lo ao contexto. Não significa construir sobre o estabelecido, mas
preparar novos alicerces. Assim, teorizar constitui um aspecto da
continuidade da teoria, para transformação de materiais cognitivos e
utilização de postulados ou formulação de novo conjunto de postulados.
[ 9. KAPLAN, A. A Conduta na Pesquisa, Herder, S. Paulo, 1969 p.
302. ]

Teoria (do grego theoria, theorein, considerar) é "o conjunto de


conhecimentos especulativos, explicando certo número de fatos e
antepondo-se à prática; é uma forma de atribuir sentido a uma situação
que nos perturba, de maneira a permitir-nos utilizar mais eficazmente
nosso repertório de hábitos, modificá-los9". Representa um meio de
interpretar, criticar, unificar, modificar o que existe e cogitar sobre
ele; é o aprender da experiência e não pela experiência; distingue-se da
ação e não se deve confundir como "teoria", na linguagem popular:
opinião, idéia, em oposição à prática. Numa visão científica, teoria é o
resultado de uma explanação, com respeito às leis e às conexões entre
estas, relacionando-se com outros fatos.

p. 20

Utiliza-se uma teoria, dentro da função desta, que consiste em servir de


guia ao pensamento e à ação, permitindo identificar e explicar o que é
fundamental, conceituar e classificar fenômenos e fornecer assim um
quadro de referências.
A teoria serve de base à praxis, modo operatório ou conjunto de
procedimentos aceitos e adotados para obter resultados práticos. É uma
transformação da realidade, "cujo modelo fundamental se compõe de uma
atividade teórica e de uma atividade prática" 10.
[ 10. DANTAS, José Lueena. A Teoria Metodológica do Serviço Social.
Uma abordagem sistemática, in Documentos de Teresópolis, Debates
Sociais, Suplemento nº 4, novembro de 1970, p. 70. ]

"É um tipo de atividade humana em que o conhecimento e a ação se


entrosam dialeticamente em função de propósitos práticos". 11
[ 11. DANTAS, José Lucena. Op. cit., p. 71. ]

A análise da praxis permite identificar os princípios que, por


sua vez, sistematizam a teoria. A praxis é uma estratégia.

Etapas de construção da teoria

Como aconteceu com as várias ciências, o Serviço Social caminha


a passos lentos, de uma atividade empírica em direção a uma disciplina
científica. Atravessou e ainda está atravessando "crises de
crescimento", que afetam os empreendimentos profissionais. As diversas
etapas deste lento caminhar contribuem para a "construção da teoria",
para a procura da linha científica de orientação, que será o ponto de
apoio para agir.
Como dissemos acima, todas as ciências procuraram durante muitos
anos, às vezes séculos, a teoria que as governariam. Diversas etapas são
atravessadas:
1 - atividades empíricas governadas pela magia e o sobrenatural;
2 - atividades empíricas governadas pela razão ou a lógica;
3 - desejo de saber o porquê desta lógica;
4 - procura por diversos meios - empíricos e científicos - da
explicação deste "porquê";

p. 21

5 - formulação de hipóteses;
6 - tentativas de explicações e de compreensão dos fenômenos;
7 - formulação da teoria e das experiências;
8 - volta à formulação de novas hipóteses e assim por diante,
cada etapa aperfeiçoando a precedente.
A construção da teoria envolve um estudo do assunto desde os
seus primórdios: é a História.

A História e a construção da teoria

A História é o relato de fatos ocorridos no passado 12. "A


História, afirma FERNAND BRAUDEL, é uma dialética da duração; é o
estudo do social na sua globalidade, portanto do passado, mas também do
presente."
[ 12. BRAUDEL, Fernand. "Histoire et Sociologie", in GURVITCH, G.
Traité de Sociologie, PUF, 1963, p. 87. ]

Sucessão de fenômenos sociais totais, a História estuda e


analisa os atos sociais naquilo que possuem de único, cada um de per si,
de insubstituível, e procura reconstituir um seguimento entre os fatos e
acontecimentos, dando continuidade aos fenômenos. A história é,
portanto, uma síntese.
Há vários tipos de história

1. A história "factural" ou episódica dos fatos, dos eventos ou


a crônica: relato cronológico dos acontecimentos tal como se passaram.
Há vários exemplos de crônicas, principalmente entre as obras dos
primitivos historiadores, tal como a História Universal, de HERÔDOTO; a
História da Guerra da Judéia, do judeu-romano FLAVIUS JOSÉ, e, mais
perto de nós, a carta de PERO VAZ DE CAMINHA sobre o descobrimento do
Brasil.
2. A história "conjuntural" coloca a interpretação dos eventos
dentro da "conjuntura" social, econômica ou política da época, dentro do
ambiente onde se desenrolaram. Neste ponto, a história se relaciona com
a sociologia, que também estuda a influência do ambiente sobre os
acontecimentos. A maioria das obras escritas a partir

p. 22
dos tempos modernos são "histórias conjunturais", principalmente-as que
tratam do desenvolvimento econômico.
3. A história "estrutural", ou de longa duração, vê os
acontecimentos dentro da estrutura geral da época. A Bíblia é o melhor
exemplo deste tipo de história: história, de um povo escolhido por Deus,
mostrando a ação divina através dos acontecimentos e, por isso, chamada
a História da Salvação.
A história estrutural é "uma visão filosófica e panorâmica do
material fornecido pelo cronista; procura o sentido profundo do passado
e dos eventos com a possibilidade de uma previsão do futuro" 13. É
também chamada a "meta-história".
[ 13 TRISTÂO DE ATHAYDE. "Como se elabora a História". Jornal do
Brasil de 3 de janeiro de 1974. ]

Quase todos os historiadores sofreram a influência da


subjetividade e não puderam escapar a seus valores pessoais, convicções
políticas e religiosas e aos seus próprios interesses. Os eventos são
"submetidos a um processo de interiorização e de amalgamação comparativa
pelo qual a matéria fornecida ao historiador pelo cronista (que pode ser
a mesma personalidade) passa ao domínio do julgamento e não mais é
simples narrativa" 13. Se o cronista relata, o historiador confronta e
interpreta.
Como poderíamos utilizar estes três tipos de histórias para a
construção da "Teoria do Serviço Social"?
Não há propriamente crônicas sobre a evolução do Serviço Social,
desde os tempos em que se chamava "caridade" aos nossos dias. Até o fim
do século XIX, encontram-se referências em crônicas de outros eventos,
biografias de homens e mulheres ilustres, comentários sobre eventos
políticos ou religiosos, etc. Depois do surgimento do Serviço Social,
vários autores narram o nascimento da primeira Escola de Serviço Social,
o aparecimento dos processos ou de certos tipos de instituições. Entre
estes livros citamos o de RENÉ SAND, Le Service Social atravers le
Monde, de 1932, e o de ARTHUR L. FINCK, The Field of Social Work, de
1941. O primeiro descreve o Serviço Social de maneira geral na Europa do
começo do século e o segundo, a situação nos Estados Unidos. Outros
trabalhos descrevem as reuniões internacionais e a evolução

p. 23

de determinada instituição de bem-estar. Somente nos últimos anos


aparece uma tentativa de "História do Serviço Social", procurando
comentá-la e interpretá-la segundo vários ângulos. Uns partem de um
ponto de vista sociológico, mostrando o Serviço Social como um produto
de cultura, a influência de uma ciência sobre ele 14; outros apresentam
sua evolução em diversos países, para apontar sua adaptação ou não ao
contexto. Estes últimos emitem um julgamento subjetivo, levados pelo seu
próprio sistema de valores; têm este direito, como MACAULAY, na
Inglaterra, e MICHELET e TAINE, na França, interpretavam a história de
seus respectivos países á luz de sua própria visão filosófica,
ideológica ou política, o que não os impediu de serem considerados
grandes historiadores.
[ 14 LEONARD, Peter. Sociologia do Trabalho Social, Cap. 1,
Atlântida Editora, Coimbra, 1971. ]

Não cremos que apenas uma crônica do Serviço Social contribua


para a construção da sua teoria. Receamos, também, que uma história
exposta e defendida de um prisma específico seja suficiente para nos
levar ao objetivo desejado. Precisamos, portanto - e não o fazemos sem
grandes receios -, abordar o Serviço Social dentro de uma visão global e
objetiva da sua evolução, dos contextos onde operou, da "conjuntura" que
o cercou, considerando as experiências e seus resultados para, de tudo
isso, obter uma possibilidade de visão prospectiva de sua teoria.
Assim sendo, dividiremos nosso trabalho em duas partes:
Na primeira, estudaremos a ajuda ou a caridade do passado aos
nossos dias, na Europa e nos Estados Unidos. Nesta primeira parte,
abordaremos a ajuda nas diversas civilizações: A Antigüidade, a Era da
Cristandade, o Renascimento e os Tempos Modernos. São, portanto, mais de
3.000 anos, durante os quais as condições sócio-econômico-políticas da
sociedade influíram sobre as atitudes e as instituições da sociedade
ocidental, mas não transformaram a idéia de "ajuda". É interessante
notar que, neste mesmo período, os transportes terrestres e marítimos
também pouco mudaram, observando-se apenas uma revolução: o uso da roda
e da tração animal, para os

p. 24

transportes terrestres, e da vela, para os marítimos. Durante este


longo espaço de tempo, as ciências físicas e naturais procuram a passos
lentos seu caminho. Quando o encontraram e quando as ciências sociais
começaram a se estruturar, surgiram, então, novas concepções e teorias,
e a "ajuda aos outros" principiou a sacudir o jugo do empirismo e a
tentar também encontrar sua teoria. Com o século XX, entramos na
história contemporânea do Serviço Social.
Ao estudar a evolução do Serviço Social na Europa e nos Estados
Unidos, seguiremos o esquema mencionado: - apresentação do contexto da
época, tipos de ajuda e de beneficiados; influência das instituições -
família, Igreja e Estado; fatores que levaram aos termos atualmente
empregados de "Serviço Social" e de Social Work. Em seguida,
analisaremos a evolução da metodologia e da teoria, isto é, a idéia de
ajuda, sua função e os meios empregados.
A segunda parte será dedicada à evolução da idéia de ajuda e de
Serviço Social no Brasil, seguindo o mesmo esquema adotado: contexto em
que se encontra o País; realidade e desenvolvimento; a evolução da ajuda
nos tempos colonial, monárquico e republicano e a influência de eventos
continentais ligados ao Serviço Social, na América Latina. Como os
primeiros colonizadores portugueses traziam sua visão do mundo, seus
valores filosóficos e morais, seus sistemas econômicos e seus costumes,
o Serviço Social, transportado da Europa e dos Estados Unidos, trouxe
também sua visão, seus métodos, suas técnicas e começou um tumultuoso
período de aculturação, surgindo um perfil inicial do Serviço Social em
nosso país.
Acreditamos que este período ainda não findou, mas fornece
elementos preciosos que permitem a descrição de um perfil emergente,
numa visão prospectiva da situação deste método em favor das comunidades
brasileiras.

p. 25

PRIMEIRA PARTE
EVOLUÇÃO DA IDÉIA DE AJUDA AOS POBRES NO MUNDO OCIDENTAL

p. 26-27

CAPÍTULO I

A AJUDA AOS POBRES: INTERPRETAÇÃO DO PASSADO

Como fato social e intervenção do homem no mundo, o Serviço


Social só foi conhecido com este nome no século XX. Mas o fato ou o ato
de ajudar o próximo, corrigir ou prevenir os males sociais, levar os
homens a construir seu próprio bem-estar, existe desde o aparecimento
dos seres humanos sobre a Terra. Com um ou outro nome, podemos
seguir-lhe a evolução no decorrer dos séculos. Sofreu a influência das
idéias, costumes e tradições dos diversos momentos históricos, pois o
"agir" social do homem depende do que crê e do que pensa, ou seja, da
motivação de seus atos. Tanto no tempo como no espaço, esta diversidade
de motivação imprimiu ao ato de ajudar o outro e de ajudar-se
mutuamente uma conotação diferente.

A ANTIGÜIDADE

Na Antigüidade, não podemos dizer que não existissem pobres e


miseráveis. A pobreza era o estado daqueles que não contavam com meios
de subsistência, ou porque eram velhos ou doentes ou porque não tinham
arrimo para sustentá-los, como as viúvas e as crianças órfãs ou
abandonadas. O sistema sócio-econômico - nômade, semi-sedentário ou
sedentário, baseado na pecuária e agricultura de subsistência - oferecia
trabalho para todos os membros da tribo ou clã. A miséria só aparecia em

p. 28

época de crise econômica, causada pelas invasões, guerras, catástrofes,


que, destruindo cidades, habitações e lavouras, provocavam a falta de
alimento e de trabalho.
A assistência aos pobres, aos velhos, aos abandonados
constituía, então, responsabilidade da família, clã ou tribo; cada um
tomava conta dos seus e a maneira de assisti-los variava de uma tribo
para outra, segundo os usos, os costumes, as crenças, etc... É
interessante notar que estes usos, costumes, preconceitos e tradições
influíram sempre de maneira decisiva não somente sobre o modo de tratar
os assistidos, como também na maneira de considerar as causas e os
efeitos dos males sociais.
Nas sociedades míticas, onde o sujeito se confunde com o objeto
num mundo essencialmente mágico, o inexplicável encontra seu sentido no
sagrado; a natureza é sacralizada e todos seus elementos considerados
seres divinos ou semidivinos; tudo é ordenado, comandado e decidido
pelas divindades. A miséria, a doença, as enfermidades, as catástrofes
são castigos dos deuses, pelas faltas da própria pessoa ou de seus pais.
Os fortes e bons são bem sucedidos na vida; os pecadores, castigados com
a pobreza e/ou doença. A idéia do sofrimento como provação enviada por
Deus era quase desconhecida e talvez o único documento que a menciona
seja o Livro de Jó. Sendo as misérias e provações manifestações da
justiça divina, não cabia ao homem intervir aos sacerdotes, como
delegados da divindade, pertencia o encargo de curar os males físicos e
aliviar os outros. Os templos eram, portanto, ao mesmo tempo
ambulatórios, hospitais e dispensários de esmolas.
A idéia de prevenção ou de reabilitação era quase desconhecida,
apesar de encontrar-se nos escritos de Aristóteles uma referência sobre
a necessidade de "ajudar os pobres dando-lhes o material necessário para
que se tornem artesãos".
Uma série de regras religiosas comandava as atitudes a serem
observadas em relação a viúvas, pobres, crianças abandonadas, doentes,
prisioneiros, escravos e viajantes.
Encontram-se em alguns países e em algumas épocas exemplos de
assistência mútua; por exemplo, entre os judeus desterrados na
Babilônia, e, mais tarde, em Roma, entre os escravos libertos.

p. 29

A concepção hebraica, exposta na Bíblia, oferece uma


contribuição à mudança, muito lenta, é verdade, do conceito de auxílio
ao próximo. A bíblia estabelece uma separação entre Deus e a natureza e
distingue o homem desta mesma natureza. Houve uma dessacralização dos
elementos naturais, que passaram a ser criação de Deus e instrumentos de
sua vontade. Desta maneira, os atos humanos adquiriram nova dimensão;
alcançaram autonomia, em relação à natureza, e uma motivação humana e
pessoal.
Em relação ao auxílio ao próximo, a Bíblia nos fornece
informações sobre muitos dos costumes, que provavelmente eram também os
das nações vizinhas. Assim, no Êxodo (21 e 23-3) encontramos normas
contra o roubo, a sedução, a calúnia e a magia; no Levítico, cuidados
com os leprosos (13 e 14) e os deveres para com os viajantes (19,
33-36); no Deuteronômio, regras para auxiliar os pobres e os escravos
(15,17, 18), para prática da caridade (22, 1-14) , a recomendação de
deixar aos pobres o resíduo das colheitas (15, 7-18), etc. Deus
castigava duramente os que não observavam os preceitos da caridade. Os
judeus deviam lembrar-se constantemente de que eles também tinham sido
pobres, destituídos e escravos na terra do Egito e, mais tarde, na
Babilônia. Dentro deste contexto, a caridade se revestia de um conceito
utilitário: "Faça o bem para que, quando precisar, encontre quem o
ajude."
Os governos não intervinham, salvo nos períodos de calamidade
pública. Por exemplo: no Egito, durante os anos de fome, José
distribuiu, em nome do Faraó, alimentos armazenados nos anos de
abundância. Por ocasião de grandes festejos, quando o soberano queria
mostrar seu poder e magnificência, repartiam-se esmolas com fartura.
Talvez tenha sido o Império Romano o único governo a estabelecer
um plano sistemático de distribuição de espórtulas, entretendo desse
modo grande quantidade de pobres e desempregados com víveres e
espetáculos. As famílias aristocráticas seguiam o exemplo do Imperador e
contavam com numerosa "clientela", que vivia exclusivamente dos
donativos de seus protetores. Evidentemente, este sistema só podia gerar
abusos e levar a graves conseqüências sociais.

p. 30
A ERA DA CRISTANDADE

Em 313 d.C., o Imperador Constantino, pelo decreto de Milão,


estabelece o Cristianismo como religião oficial. A partir deste momento,
a sociedade não se encontra mais num ambiente místico, mas religioso,
unificada pela religião, dentro de uma mesma crença.
A economia da Idade Média, rural e artesanal, nunca apresentou
uma estabilidade constante; assinalou crises locais mais ou menos
generalizadas, depressões, inflações, causadas pelas guerras (a Guerra
de Cem Anos, na França) ou por catástrofes (a peste bubônica em Londres,
em 1348). Os males sociais atingiam enormes proporções e a pobreza e a
miséria, tão generalizadas, eram consideradas naturais. A ciência estava
nos seus primórdios e o desconhecido era solucionado pela superstição.
Os flagelos das guerras, invasões e epidemias atingiam particularmente
zonas rurais. Milhares de pessoas perdiam seus haveres, ficavam
desempregadas e iam engrossar a multidão de mendigos e vagabundos que
percorriam os países em busca de trabalho ou de esmolas, quando não
constituíam grupos de bandidos para assaltar, roubar e matar.
O advento do Cristianismo transformou o conceito de caridade:
todos os homens, de qualquer nacionalidade ou raça, são irmãos. Ser
pobre ou doente não constitui castigo de Deus, mas conseqüência da
imprevidência individual ou das circunstâncias; a pobreza e a doença são
consideradas como provação da qual se poderiam haurir grandes
merecimentos. Ajudar o pobre, recebê-lo, é meritório, pois ele
representa a própria pessoa do Salvador. A caridade constituía, assim,
para quem a dispensava um meio de alcançar méritos para a vida eterna:
era uma "virtude".
A caridade é conseqüência do amor a Deus; resposta do homem a
este amor (I Jo, 4, 16); manifesta-se sobretudo nas boas obras (Luc, 7,
47; I Jo, 2, 5-6); o amor do próximo é o segundo maior mandamento (Mt,
7, 12). São Paulo a descreve num trecho célebre da Primeira Carta aos
Coríntios, que se pode considerar a base das relações humanas e
acrescenta, na Primeira Carta a
p. 31

Timóteo (5, 8): "Se alguém não se preocupar com a sorte dos seus,
principalmente da sua família, é porque renegou a fé." Mostrava-se assim
a necessidade de ajudar sua família imediata, mas também os amigos,
agregados, servidores, etc., que viviam perto dos cristãos. Esta
caridade, que devia marcar e diferençar os cristãos no mundo pagão,
levou-os a organizar um tipo de comunidade descrita nos Atos dos
Apóstolos, onde tudo era posto em comum, tendo o trabalho como base.
Apesar da família continuar a cuidar de seus membros, agregados
e serviçais, muitos dos encargos de beneficência que, desde o início,
tinham sido confiados a sacerdotes aumentaram de tal modo que, já no
primeiro século, a Igreja criou os "diáconos", verdadeiros ministros de
seus bens materiais, a quem competia recolher e distribuir os auxílios.
Logo depois, aproveitando a tradicional boa vontade e a dedicação das
mulheres, instituiu as "diaconisas", que deviam ser "viúvas piedosas e
modestas", e cujas funções consistiam também em prestar socorro, visitar
os enfermos e cuidar das crianças.
Durante toda a Idade Média, a Igreja manteve o privilégio da
administração das obras de caridade. Eram nos mosteiros, ou junto a
eles, que funcionavam dispensários, hospitais, leprosários, orfanatos e
escolas.
Na Igreja, as paróquias ocupavam lugar de destaque na ajuda aos
pobres. O pároco conhecia todos os seus paroquianos; podia ajudá-los de
acordo com suas necessidades e, para este mister, as paróquias tinham
direito de angariar fundos através de taxas e impostos.
As grandes ordens religiosas que, além de se dedicarem à vida
contemplativa, se ocupavam igualmente de agricultura e subsidiariamente
do ensino e de outras obras sociais mantidas à sombra dos conventos e
mosteiros, mostravam-se insuficientes para arcar com a responsabilidade
de tão grandes tarefas. Nos séculos XIII e XIV, surgiram congregações
religiosas dedicadas especialmente à assistência social, auxílios
materiais, visitação domiciliar, assistência hospitalar. Por sua vez, as
corporações de ofícios e as confrarias leigas instituíram vários
sistemas de auxílios mútuos para seus membros. Tais confrarias ou
irmandades" floresceram também no Novo Mundo, sob a influência da
Espanha e de Portugal, e algumas perduram até nossos dias.

p. 32

Nestes séculos, a função dos governos - reis e imperadores -


limitavam-se à defesa do território e à manutenção da ordem interna. Não
intervinham no campo da caridade, considerado domínio espiritual por
excelência. Não se desinteressavam, entretanto, destes empreendimentos e
auxiliavam pecuniariamente as obras de caridade; as coletas entre
particulares eram aumentadas por donativos da própria bolsa do soberano
e por subvenções do tesouro público. O Concílio de Tours, em 570, chegou
a baixar normas sobre os pedidos de subvenções aos poderes públicos e o
competente emprego das quantias entregues.
O INÍCIO DA SECULARIZAÇÃO: O RENASCIMENTO E OS TEMPOS MODERNOS

Os últimos anos do século XV marcam o fim da Idade Média e a


aurora dos Tempos Modernos; caracterizam-se pelo início do
desenvolvimento da ciência, intensificação do comércio, como resultado
das descobertas de novos continentes e de novas rotas de comunicação com
outros países; aperfeiçoam-se as técnicas artesanais e aparecem pequenas
indústrias familiares. O sistema feudal se enfraquece e os homens,
livres das obrigações estritas que os ligavam aos senhores, deslocam-se
com mais facilidade para as cidades, favorecendo assim o desenvolvimento
urbano.
Com a Reforma Protestante rompe-se a unidade religiosa;
instaura-se a era da secularização, do humanismo e, mais tarde, do
racionalismo.
Secularização "é a libertação do homem em primeiro lugar, do
controle religioso e depois do controle metafísico sobre sua razão e sua
linguagem 1. É o desagrilhoamento do mundo da compreensão religiosa ou
semi-religiosa que tinha de si mesmo, o banimento das concepções
fechadas do mundo e a ruptura dos mitos sobrenaturais e símbolos
sagrados". Não é uma concepção antireligiosa, pelo contrário, "coloca o
mundo e a religião nos seus devidos lugares e permite assim o pluralismo
ea
[ 1 COX, Harvey. A Cidade de Deus, Paz e Terra, p. 12. ]

p. 33

tolerância" 2. Como ainda observa H. Cox, os movimentos dentro da Igreja


Católica, que culminaram no Concílio Vaticano II, indicam "a crescente
prontidão do catolicismo de estar aberto à verdade de todos os lados". 3
[ 2 COX, Harvey. Op. cit., p. 31:
3 Ibid., p. 14. ]

Não se vê mais a pobreza como uma provação, mas, pela sua


extensão, como um fenômeno social normal, que o sistema societal do
momento aceita, sem ter, no entanto, idéia de que pode ser prevenida ou
eliminada.) A pobreza é, assim, uma conseqüência das condições sociais e
à sociedade cabe o dever de ajudar os pobres, que passam a ter direito a
esta assistência.
Os senhores têm obrigação de distribuir esmolas, o que fazem sem
nenhuma discriminação, pois é parte de seus deveres de "fazer o bem". As
senhoras realizam visitas domiciliares e levam ajuda material:
alimentos, vestuário, dinheiro e também conselhos e exortações.
Logicamente estabelecem uma certa prioridade: os velhos e os doentes, as
viúvas e os órfãos, quando não possuíam família ou parentes a quem
recorrer. Os desempregados, por sua vez, são ajudados a encontrar
trabalho. Os que estão em boas condições de saúde e não trabalham ou não
querem trabalhar, assim como alcoólatras, mães solteiras, prostitutas,
ladrões, viciados, são considerados criminosos, que merecem punição e
não ajuda. Durante longo tempo, haverá uma discriminação entre os que
deviam ou não ser ajudados: os clientes "merecedores" e os "não
interessantes", discriminação essa que vai perdurar até o começo do
século XX.
Surge nova concepção da caridade: até então a caridade
representava um meio de santificação para aquele que a praticava. Sobre
a influência de alguns escritores, entre eles JEAN JACQUES ROUSSEAU,
nasce a "filantropia", ou seja, a caridade secularizada, separada muitas
vezes da idéia religiosa, e considerando o auxílio ao outro como um
dever de solidariedade natural.
Nos países conquistados pela Reforma Protestante, vários
governos confiscaram os bens da Igreja e das grandes ordens religiosas;
seguiram-se, no campo da assistência, alguns anos de verdadeira desordem
e anarquia,

p. 34

antes que os mesmos governos considerassem a possibilidade de continuar


a obra de assistência mantida até então pela Igreja, dando-lhe a
contextura de serviços públicos, ou suscitando empreendimentos
filantrópicos entre particulares.
Os princípios e as regras que a Igreja e agora o Estado haviam
ditado até aquele momento exigiam uma sistematização, para atuar
eficientemente neste novo contexto. Encontra-se tal sistematização nas
obras de vários autores filósofos, humanistas, homens de letras ou na
atuação de alguns legisladores e pessoas de espirito social. A análise
destas obras e feitos seria longa e talvez fastidiosa e poderia fugir
aos nossos objetivos.
Dois personagens, no entanto, nos parecem representativos do
espírito da época: JUAN Luis VIVES (1492-1540), pelos escritos, e SÃO
VICENTE DE PAULO (1581-1660), pela atuação.

JUAN LUIS VIVES (1492-1540)

JUAN LUIS VIVES nasceu em Valência, na Espanha, no dia 6 de


março de 1492, ano da descoberta da América, do término da Guerra da
Reconquista, que libertou a Espanha do domínio dos mouros, e da
publicação da primeira gramática espanhola. Nasceu, assim, em plena era
de progresso, quando se esboçava a separação entre os poderes públicos e
espirituais e mudava de rumo a política dos "Grandes" da época.
Descendia de família nobre, porém pobre, e assim permaneceu toda
sua vida, a ponto de, muitas vezes, não ter o suficiente para comer.
Freqüentou as aulas da Universidade de Valência e, em 1509, seguiu para
Paris a fim de estudar na Sorbonne, onde passou cinco anos. Terminados
seus estudos, engajou-se como preceptor do jovem Cardeal de Croy que,
até à morte, lhe dedicou admiração e amizade.
VIVES ingressou no mundo das letras escrevendo sobre filosofia,
assunto que àquele tempo apaixonava a opinião pública, do mesmo modo que
a política na época atual. Seus escritos ensejaram-lhe contatos com
ERASMO e THOMAS MOORE, que se tornaram seus amigos sinceros e fiéis.

p. 35
VIVES possuía idéias originais para seu tempo, principalmente em
assuntos pedagógicos, o que, provavelmente, lhe valeu um convite da
rainha da Inglaterra, CATARINA DE ARAGÃO, que, aconselhada por THOMAS
MOORE, o escolheu, em 1525, para preceptor de sua filha Mary. Chamado,
no entanto, a opinar sobre o divórcio do rei, VIVES não o aprovou e se
viu obrigado a deixar a Inglaterra.
Instalou-se, em seguida, na cidade de Bruges, na Bélgica, que se
encontrava sob domínio espanhol. Ali se casou, escreveu numerosos
trabalhos e faleceu a 6 de maio de 1540, ainda jovem, consumido pelos
desgostos e preocupações.
Não obstante a amizade de altas personalidades, como CARLOS V,
os reis da Inglaterra, ERASMO e outros, VIVES não foi devidamente
apreciado em vida e, depois de sua morte, ficou esquecido por muito
tempo. Suas concepções doutrinárias, muito adiantadas para a época,
foram duramente criticadas e combatidas pelos doutores da Sorbonne. Sua
firmeza de opinião alienou-lhe a proteção de HENRIQUE VIII e até da
rainha, que não compreendeu sua maneira de defendê-la.
Examinando, hoje, as obras de VIVES, encontram-se em sua
doutrina muitas das idéias plenamente atuais, tal como a análise da
política interna no ensino da história, em vez da descrição de guerras e
batalhas. Em seu tratado "De Concórdia e Discórdia" planejou um Conselho
Geral de países, no qual podemos reconhecer muitos traços da "Sociedade
das Nações".
Em pedagogia, VIVES se pronunciava contra as punições,
principalmente as corporais; salientava a importância de observação das
crianças em seus jogos, para melhor conhecê-las; sustentava a
necessidade da instrução, não apenas para crianças inteligentes e ricas,
mas também para as física e mentalmente deficientes; insistia sobre a
importância da vida ao ar livre e dos esportes na educação da juventude.
VIVES é, talvez, mais conhecido por seu trabalho De subvencione
Pauperum ("Da Assistência aos Pobres"), que se pode considerar o
primeiro tratado de Serviço Social. Espírito tão universal e prático,
VIVES não podia deixar de interessar-se pelos problemas sociais de seu
tempo. Em 1522, impressionara-se vivamente com a fome

p. 36

que assolou Sevilha e pelas suas conseqüências. Um de seus amigos, Luís


DE FLANDRES, Senhor de Praets, interessado também pelas questões
sociais, levou-o a expor, por escrito, seu pensamento a respeito desses
fatos.
Assim, em 1526, publicou-se, em Bruges, um livro que teve como
resultado imediato o primeiro plano de assistência social, elaborado
pela municipalidade de Ypres. A obra se compõe de duas partes; na
primeira, VIVES expõe sua doutrina sobre as causas da miséria e a
necessidade de união dos homens e da divisão do trabalho. Encontramos aí
dissertações sobre economia, desenvolvimento das cidades, êxodos rurais,
migrações, etc. Na segunda parte, VIVES indica os remédios para o
combate à pobreza e o papel do Estado no mesmo empreendimento. Toda a
publicação é impregnada de profundo espírito cristão e fundamentada na
doutrina da Igreja e na Bíblia. A caridade, segundo VIVES, não consiste
apenas em dar dinheiro ou bens materiais, mas também dar de si
salientando, assim, a importância dos valores espirituais.
Pode-se resumir a doutrina de VIVES nos seguintes pontos: 1) o
socorro aos pobres deve ser baseado na justiça: dar a cada um aquilo de
que precisa para reajustar-se; não deve ser uma esmola esporádica, mas
um auxílio para resolver definitivamente a situação; 2) a melhor maneira
de ajudar ao pobre consiste em treiná-lo e lhe dar os instrumentos para
poder trabalhar e, portanto, sustentar-se; 3) a assistência deve
estender-se a todas as categorias de pobreza; certas pessoas, dado seu
grau de acanhamento, merecem ser socorridas em suas residências; 4)
devem ser organizadas, entre os trabalhadores, medidas de previdência,
em caso de doença, desemprego e velhice; 5) impõe-se a instituição de
medidas contra a mendicância profissional e os mendigos devem ser
devolvidos às suas cidades de origem, com a assistência necessária à
viagem; 6) finalmente, torna-se necessária a cooperação entre as várias
associações de caridade, coleta e centralização de fundos, unificação de
direção e divisão de trabalho.
VIVES considerava insuficiente o trabalho da Igreja; declarava
necessária a participação do Estado na obra de assistência. Seu livro
sofreu duro combate à época. As ordens mendicantes protestaram contra as
providências sobre mendicidade. O clero acusou VIVES de luterano, pois

p. 37

ele atribuía papel importante ao Estado na administração da assistência,


o que poderia enfraquecer o prestígio da Igreja. Os ricos e os nobres
viram em sua obra uma crítica à maneira de distribuir esmolas por
ostentação ou para angariar adeptos para seus projetos políticos ou
intelectuais. O próprio Regulamento Municipal de Ypres nunca foi
aplicado.
VIVES morreu em 1540 incompreendido pelos contemporâneos. Por se
basearem na natureza do homem e na verdadeira filosofia cristã, suas
idéias permaneceram e seriam retomadas, mais tarde, por outro que não o
conheceu e provavelmente não leu a sua obra: São Vicente de Paulo.

SÃO VICENTE DE PAULO (1581-1660)

JUAN LUIS VIVES lançara as primeiras bases para um trabalho


social organizado; ficou, no entanto, no terreno da teoria. Vivamente
combatidas a princípio, suas idéias foram uma semente de lenta
germinação. Quem teve a glória de pô-las em ação e de proporcionar
pessoal necessário a este modo de praticar a caridade foi um sacerdote,
SÃO VICENTE DE PAULO, filho de uma família camponesa das Landes, no Sul
da França. De todos os trabalhos ligados ao seu nome, o mais conhecido
é, talvez, a instituição das Damas de Caridade e das Filhas de Caridade.
Nesta obra, contou com o auxílio de uma mulher verdadeiramente
extraordinária para a época - LUÍSA DE MARILLAC (1591-1660), filha
natural de um nobre francês e viúva de um membro da alta burguesia,
ANTONIO LE GRAS.
SÃO VICENTE procurou sistematizar a distribuição dos socorros e
organizar a reabilitação dos pedintes com o auxílio caridoso de senhoras
da sociedade, conquistadas pelo exemplo dado pela nobreza, como o da
princesa de Gondi. A nova associação, denominada "Damas de Caridade"
(1617) visitava os doentes nos hospitais e os pobres em suas casas, para
levar-lhes os socorros necessários; cada "Dama" se encarregava de um
certo número de famílias. Os preconceitos existentes à época relativos
aos misteres da mulher de sociedade, criavam, no entanto, dificuldades à
obra. As Damas, nem sempre, sabiam,

p. 38

podiam ou mesmo queriam limpar os barracos, lavar os doentes, as


crianças ou os velhos. Ensinar cuidados caseiros a uma mulher morando
num barracão era impossível a quem possuía numerosos serviçais.
Em 1633, S. VICENTE e LUÍSA DE MARILLAC tiveram a idéia de
recrutar e formar moças camponesas, que se dedicassem ao "Serviço dos
Pobres". Era o primeiro passo para a profissionalização do exercício da
caridade, sem lhe tirar o aspecto espiritual, mas, pelo contrário,
salientando-o, tanto para quem dava, como para quem a recebia. A
inovação de S. VICENTE DE PAULO causou espanto ao mundo daquela época,
pois não se concebia uma congregação feminina que não fosse
enclausurada. Alguns anos antes, SÃO FRANCISCO DE SALES e SANTA JOANA
DE
CHANTAL tentaram fundar uma congregação "no século" para a qual não
obtiveram a aprovação da Santa Sé, o que São VICENTE DE PAULO conseguiu,
em 1653, após intensa luta. A rápida expansão das "Filhas da Caridade",
ainda durante a vida de seus fundadores, demonstra cabalmente que a
instituição respondia a uma necessidade do tempo.
LUÍSA DE MARILLAC, mulher culta, conhecia a fundo os clássicos e
o latim. Ignoramos, porém, se ela e SÃO VICENTE DE PAULO tiveram
conhecimento das obras de JUAN LUIS VIVES: certos escrúpulos talvez
tenham impedido os dois inovadores de se inspirar nos escritos do
humanista espanhol, porque advogava a intervenção do Estado na
administração da caridade. Seja como for, as idéias de S. VICENTE sobre
a prática da caridade eram idênticas às preconizadas por VIVES: Não se
devia dar esmolas indiscriminadamente, e, sim, depois de um estudo
minucioso das situações; era necessário ajudar o pobre a encontrar um
trabalho, ou ensinar-lhe um ofício, para que não precisasse recorrer à
caridade; não se devia censurar o pobre, por ser o mesmo uma criatura de
Deus e um irmão infeliz; convinha ensinar as mães a cuidar e educar seis
filhos; fazia-se necessário organizar obras para combater, em seu
conjunto, os males existentes, etc.
Na formação das "Filhas de Caridade", sua obra principal, LUÍSA
DE MARILLAC insistia sobre a qualidade do "Serviço dos Pobres": as
Filhas deviam praticar a paciência, tendo em vista a agressividade dos
pobres em face das circunstâncias com que se defrontavam, a doçura para
falar-lhes; a persuasão para que sigam os conselhos;
p. 39

a perseverança para levá-los à reabilitação e ao amor, vendo em cada um


a imagem do Salvador.
Os conselhos e ensinamentos de S. VICENTE e LUÍSA DE MARILLAC,
se traduzidos na linguagem de hoje, merecem figurar em qualquer tratado
moderno de Serviço Social.

PRIMEIRAS INTERVENÇÕES DO ESTADO

No século XVI, ao irromper a Reforma Protestante, surgem novas


concepções políticas dos chamados monarcas "esclarecidos"4. A
intervenção do Estado no campo da caridade constituía idéia e atitude
novas, pois, até aquele momento, era considerada esfera privada e
religiosa. O Estado começou a se interessar pelo bem-estar do povo.
[ 4 A "monarquia esclarecida" ou o "despotismo esclarecido" -
palavra inventada pelos historiadores alemães do século XIX, caracteriza
os governantes dos séculos XVII e XVIII, começando com Luís XIV, da
França, cuja política consistia em fortalecer o poder central, unificar
o Estado e regulamentar a administração. A característica da monarquia
esclarecida era uma certa independência em relação à Igreja, maior
tolerância religiosa e entrada nos campos econômicos e sociais, com
medidas regulamentando o comércio e promovendo o bem-estar. Principais
"monarcas esclarecidos": Luís XVI, da França; Frederico II, da Prússia;
Catarina II, da Rússia; José II, da Áustria;. ( Ver GERSHOY, Leo.
L'Europe des Princes Eclairés, 1663-1790, Ep. Fayard, 1944, Cap. X -
"Foi, Espérance et Charité en Vêtements Laiques".) ]

Os Governos invadiram o domínio social, obrigados pelas


circunstâncias e com atitude repressiva e assistencialista. No início do
século XVII, a mendicância tornara-se enorme: os mendigos vagavam de
cidade em cidade, pedindo dormida, alimentação e roupas, mas nunca
trabalho. Era uma verdadeira profissão.
Várias municipalidades tomaram iniciativas para assistir seus
pobres. Assim, em 1522, a municipalidade de Nuremberg institui o "Pão
dos Pobres". A municipalidade de Lyon, na França, em 1534, organiza a
Aumône Générale, para a qual se exigia a contribuição de particulares,
conventos, mosteiros e paróquias. Proibiu-se a mendicância;
estabeleceram-se listas de pobres depois de um levantamento, através de
visitas domiciliares. Os

p. 40

doentes foram encaminhados aos hospitais; os demais pobres recebiam


bilhetes para distribuição, em dias fixos, de auxílios em natureza ou em
espécie. Adotou-se o seguimento dos casos e os beneficiários gozavam do
direito de apelação, caso se julgassem injustiçados. Várias cidades
alemãs inspiraram-se no modelo de Lyon e o próprio Lutero cooperou com
uma delas. Em 1544, Paris organizou os Bureaux des Pauvres e, em 1555,
uma federação os uniu num Grand Bureczu, que se pode considerar como
predecessor dos Conselhos de Obras Sociais. Junto a estes Bureaux,
funcionaram as "Companhias de Caridade" encarregadas de recolher
donativos. Eram obras particulares, embora gozando do patrocínio
governamental.
Talvez a primeira, legislação visando à assistência social, mas
certamente a que alcançou maior repercussão foi a Poor's Law, promulgada
em 1601 pela Rainha ELIZABETH I, da Inglaterra e pela qual cada,
município devia tomar conta de seus pobres. Esta lei pretendia
restringir a andança dos mendigos profissionais pela Grã-Bretanha e
facilitar a repartição e a fiscalização das esmolas. Sua influência se
faz sentir até hoje nos sistemas de assistência da Inglaterra e dos
Estados Unidos, nos quais, para que alguém usufrua determinados
benefícios, é necessário que tenha residido na comunidade durante certo
número de anos.
Outros países também legislaram sobre o assunto, como a
Dinamarca, em 1683, e a Suécia, em 1686, com a promulgação de um "Código
de Assistência".

O SÉCULO XIX E AS PRIMEIRAS TENTATIVAS DE ORGANIZAÇÃO DA


CARIDADE

O século XIX oferece um contexto bem diferente dos séculos


anteriores; a industrialização, reduzindo o artesanato, modifica
completamente o cenário econômico e familiar. A mão-de-obra não é apenas
masculina, mas também feminina e até infantil. A política econômica do
laissez-faire, procurando lucros cada vez maiores, fixa salários abaixo
do nível de subsistência; famílias inteiras vão para as fábricas e as
minas em busca de sobrevivência. Surge, então, uma nova classe de
pobres: os assalariados

p. 41

que não ganham o suficiente para viver. Além disso, a progressiva


decadência das indústrias rurais e artesanais obriga as famílias a se
mudar para junto dos centros industriais, resultando daí um crescimento
desordenado das cidades, em prejuízo da higiene; aparecem os slums, nos
Estados Unidos e na Inglaterra, e os taudis, na França.
Na Europa, consolidam-se os princípios de S. VICENTE e de VIVES,
através de numerosas fundações religiosas e leigas.
As idéias da Revolução Francesa influíram sobre a prática da
caridade e da assistência social, e por isso o século XIX pode ser
considerado como o século de "organização da assistência social",
principalmente pelas entidades particulares.
Sentia-se que, para sua eficiência, a ajuda aos pobres devia ser
organizada. A primeira tentativa neste sentido, ainda nos últimos anos
do século XVIII, ocorreu em Nuremberg, em 1788.
Criou-se um Bureau Central e dividiu-se a cidade em distritos,
designando-se, para cada, um supervisor, ajudado por vários voluntários.
Estes não somente visitavam as famílias pobres para prestar-lhes
assistência, mas também estudavam as causas de sua pobreza. Os aspectos
principais deste plano eram a descentralização da assistência, a
visitação e a coordenação geral dos trabalhos. O único funcionário
remunerado era o diretor do Bureau Central.
Em 1852, instaurou-se o mesmo sistema em Elberfeld, Alemanha,
por VAN DER HEYDT; deu-se maior atenção às relações entre visitadores e
assistidos, e conferiu-se certa autonomia ao visitador para a solução
dos casos. O Bureau de Elberfeld recebia subvenções do governo, mas era
virtualmente sustentado por doações por meio de coletas de porta em
porta, de campanhas anuais, etc. O sistema de Elberfeld tornou-se
popular e serviu de modelo para planos assistenciais de várias cidades
européias.
Outro tipo de organização privada surgiu na França. Em maio de
1833, um grupo de estudantes católicos, sob a liderança de um deles,
FREDERICO OZANAN, se reuniu para praticar em comum exercícios de piedade
e de caridade. Teve como presidente um homem de idade madura, JOSÉ
BAILLY, e como patrono, SÃO VICENTE DE PAULO.

p. 42

As finalidades da nova Sociedade, de acordo com seu Manual, eram: "1ª -


manter seus membros na prática da vida cristã, por exemplos e conselhos
mútuos; 2ª - visitar os pobres em seus domicílios, levando-lhes socorros
materiais e consolações religiosas; 3ª - instruir elementar e
cristãmente crianças e pobres; 4ª difundir a boa leitura; 5ª dedicar-se
a todas as obras de caridade que não contrariassem o fim principal de
Sociedade"5.
[ 5. Manual de Sociedade de S. Vicente de Paulo - Tradução da 21ª
edição francesa - Ed. Gráfica Ltda. Rio de Janeiro, s/d. ]

A novidade introduzida por OZANAN e BAILLY consistia em ser uma


Sociedade de leigos - rapazes e homens de qualquer classe ou profissão -
para visitar os pobres em suas residências, atividade até então confiada
quase exclusivamente a mulheres. OZANAN acreditava que a santificação do
cristão só poderia ser conseguida através da prática da caridade. Por
outro lado, a Sociedade de S. VICENTE DE PAULO, na pressuposição de que
seus membros pudessem ser chamados a desempenhar um papel preponderante
na sociedade, na luta contra os males sociais, sustentava que, para uma
ação social eficiente, tornava-se necessário conhecer a fundo a natureza
e a causa desses males. A prática da caridade, a visitação aos pobres, o
contato com a miséria seriam, portanto, uma escola e treinamento para
uma ação mais ampla na sociedade6.
[ 6. Circular de M. Lalier, 1º secretário-geral, agosto de 1837.
Manual, op. cit. ]

Os princípios de ação das Sociedades Vicentinas são assim


resumidos: a) cada caso será objeto de um estudo, cujo resultado
conservar-se-á por escrito; b) o estudo do caso caberá a uma comissão,
que determinará as providências a serem tomadas; c) os socorros não
serão temporários, mas suficientes para que a família ou o indivíduo se
reajuste; d) o assistido deve ser o agente de seu próprio reajustamento;
deverão ser interessados nesta obra os parentes e amigos (o que o bispo
escocês CHALMERS chamava "o fundo invisível da caridade"); e) solicitar
a cooperação de obras diversas; f) o pessoal deverá ser treinado por
palestras e leituras; g) as instituições devem trocar as listas de
assistidos entre si, para constituir um fichário central e, assim,
evitar a exploração e a duplicação de assistência; h) finalmente, deverá
organizar-se

p. 43

um catálogo de obras sociais a fim de eliminar as instituições


paralelas, orientar as intervenções, evitar as duplicações de serviços e
descobrir as falhas.
A expansão das Conferências Vicentinas foi bastante rápida, como
a de toda instituição que corresponde a uma necessidade. Atualmente, não
podemos deixar de salientar o desenvolvimento da Sociedade de S. Vicente
de Paulo nos Estados Unidos, que, no fim do século, inspirou uma das
suas maiores organizações de Serviço Social: as Catholic Charities.
Em todos os países existiam obras privadas. A falta de
entrosamento entre elas ocasionava, em muitos lugares, a assistência
dúplice e abusos de toda sorte. Em 1869 surgiu em Londres a Charities
Organisation Society e em 1877 nos Estados, com a finalidade de
coordenar o trabalho das obras particulares, de maneira a evitar
duplicidade e resolver, rápida e economicamente, os casos.
Tanto na Europa como nos Estados Unidos, foi muito grande a
influência das C.O.S. Mrs. LOWELL, fundadora das C.O.S. na América do
Norte, dizia que a caridade precisa ser "uma ação voluntária, livre e
beneficente"7. Por isso, deve ser um "serviço pessoal" e "as causas de
pobreza investigadas para poderem ser tratadas"7. As C.O.S utilizaram
pessoal remunerado para tais investigações, em geral alunos das escolas
de ciências sociais, de modo a poder determinar quem e quanto devem
receber. Uma vez aceita para receber ajuda, a família era confiada a um
visitador voluntário (homem ou mulher). Era o friendly visiting -
visitação amigável - com a finalidade de promover "uma compreensão mútua
entre ricos e pobres, prevenindo assim os conflitos entre as classes
sociais"8. A visitadora, dizia Mrs. LOWELL, "não levava apenas esmolas,
mas simpatia, esperança, coragem, enfim, idéias e caráter".8
[ 7. COLL, Blanche, D. Perspective in Public Welfare, Department
Helath, Education and Welfare, Washington, 1970, p. 5 e p. 10.
8. COLL, Blanche, D. Op. cit., p. 10. ]

Aos poucos, verificou-se a necessidade de um treinamento, não


somente para o investigador remunerado, como para o voluntário.
Discutiu-se a questão no congresso das C.O.S., em 1897, do que resultou
a criação, no ano seguinte, do primeiro curso de Serviço Social,

p. 44

junto à Universidade de Columbia, em Nova York. Estas organizações


federadas não se limitaram à distribuição de auxílios econômicos.
Infiltraram-se, com entusiasmo, no campo da ação social, estendendo-se
aos problemas de habitação, de higiene, de crianças abandonadas ou
maltratadas, e de luta contra a tuberculose.
Surgiram, porém, divergências entre os cooperadores das obras de
caridade quanto às suas finalidades: sustentavam uns a necessidade de se
ajudar os indivíduos, desenvolvendo suas possibilidades, a fim de
ajustá-los à sociedade em que viviam; outros advogavam a necessidade de
agir sobre o ambiente, modificando-o ou reformando-o, para permitir uma
vida normal. Sabemos, hoje, que a razão estava dos dois lados e que a
ação é necessária tanto junto ao indivíduo como sobre o ambiente. Ambos
contribuíram de maneira eficiente para o progresso do Serviço Social e a
manutenção de um sadio equilíbrio entre o serviço individualizado e a
ação social.
Da preocupação com o ambiente originou-se outro tipo de
atividade: a pesquisa ou estudo in loco da miséria e de suas causas,
para se chegar, em decorrência, à solução para a mudança do ambiente. Em
1824, um ministro anglicano, CANNON BARRET, e um jovem universitário,
ARNOLD TOYNBEE, estabeleceram-se num subúrbio de Londres Londres para
realizar esta experiência, resultando daí o primeiro Centro Social.
O século terminou com a divulgação de um documento da mais alta
importância para o mundo em geral e os trabalhos sociais em particular:
a promulgação, em 1891, por LEÃO XIII da primeira das grandes encíclicas
sociais: Rerum Novarum, verdadeira carta de "justiça social".
Num retrospecto dos séculos que decorreram, e seguindo a
estrutura operacional a que nos referimos na Introdução, verificamos o
seguinte:

1) A sociedade transformou-se, ao longo dos séculos, de uma


sociedade mítica e pagã, numa sociedade religiosa, e depois secularizada
e racional.
2) A ajuda, considerada no início como utilitária, passou a ser
uma "virtude" e, depois, um dever de solidariedade para quem fornecia a
ajuda. Este dever era exercido como parte da função do cristão ou do
cidadão; constituía uma vocação e não uma profissão.

p. 45

3) A função da ajuda era exclusivamente material, em natureza ou


em espécie, correspondendo às necessidades dos que dela precisavam. O
aconselhamento assumia caráter autoritário e sem base psicológica,
desconhecida na época.
4) A pobreza e a miséria, relativamente reduzida na Antigüidade,
passou a ser considerada normal durante a Idade Média e, pela sua
expansão, nas épocas seguintes, tornou-se um "mal social".
5) Havia várias categorias de pobres e miseráveis: os que
"mereciam e precisavam" ser ajudados: velhos, doentes, as viúvas e
crianças órfãs ou abandonadas, e os que "não mereciam": desempregados,
preguiçosos, prostitutas, criminosos, viciados, que eram
responsabilidade do Estado pela sua força ou função repressiva.
6) A família cabia cuidar dos seus; à Igreja amparar os que não
tinham arrimo, bem como a administração das obras sociais. O Estado, no
início ausente do campo social, assumiu, depois, uma função repressiva e
autoritária, que evoluiu lentamente para a idéia de prevenção dos males
sociais através da legislação e política social.
7) Os recursos eram de natureza material - donativos dos
abastados, esmolas dos particulares e fundos do Estado.
Em 1932, RENÉ SAND assim descrevia a evolução da idéia de ajuda:
"Assistimos, através dos séculos, a um desencadear continuo preparando a
evolução que levou da concepção individualizada da assistência a uma
concepção sociológica; da filantropia ao senso cívico; da caridade
empírica e dispersa a um serviço social organizado."9
[ 9. SAND, René. Le Service Social à travers le Monde, Armand
Colin, Paris, 1932, p. 27. ]

p. 46

CAPÍTULO II

A AJUDA AOS POBRES: INTERPRETAÇÃO DO PRESENTE

Em realidade o século XIX só terminou em 1914, com a Primeira


Guerra Mundial, que transformou a sociedade, não apenas do ponto de
vista tecnológico, como social e político.
Retomando o esquema adotado para colocar o Serviço Social na
conjuntura da época, examinaremos o papel desempenhado pelas três
instituições que, desde o inicio, influíram sobre a noção de ajuda: a
família, a religião ou a Igreja, e o poder civil ou o Estado. A seguir
estudaremos a influência das organizações internacionais sobre esta
noção e, finalmente, a transformação da idéia de ajuda em Serviço Social
ou Trabalho Social, novos termos profissionais.

A FAMÍLIA

No decorrer dos séculos modificou-se o papel da família, que


passou de patriarcal a conjugal. No início do século XX, ela conserva as
funções de procriação, educação moral e afetiva e de manutenção; é
considerada a célula básica da sociedade, mas as demais funções
(instrução, assistência, recreação, etc.) foram delegadas à Igreja, à
comunidade e/ou ao Estado. Do ponto de vista de assistência, a família
passou de agente a cliente do Serviço Social. Procura-se obter sua
colaboração e dos parentes na ajuda ao indivíduo. Este não é mais visto
isoladamente, mas em conjunto com os demais membros

p. 47

da família, pois não há lógica em ajudar um dos membros, sem também


ajudar os outros. Tanto quanto possível, os membros não devem ser
separados, salvo se se tratar de famílias "indignas", que não têm
capacidade para cuidar de seus filhos e, neste caso, as crianças devem
ser retiradas. A família pode ser, também, colaboradora do Serviço
Social, recebendo, para guarda e educação, crianças abandonadas ou
afastadas do seu ambiente familiar. Em vários países, a "proteção à
família" é parte de uma legislação social especial a fim de garantir-lhe
os direitos e lhe proporcionar recursos materiais, morais e financeiros.
Criam-se diferentes tipos de serviços para ajudar a família a cumprir
sua finalidade: educadoras familiares, auxiliares domésticas, creches,
jardins de infância, etc.... O Centro Social será uma das entidades que
nos bairros irá suprir a falta desses diversos tipos de serviços.

A IGREJA

Apesar das dificuldades que enfrenta em face do Estado em vários


países (separação, abolição de ordens e congregações religiosas,
confisco de bens, etc.), a Igreja continua sustentando e administrando
grande número de obras dedicadas à solução dos mais variados problemas
sociais. Em sua maioria, essas obras são dirigidas por congregações
religiosas, havendo também numerosas de obras leigas, mas de caráter
confessional. Senhoras de todos os níveis sociais, mas principalmente da
classe alta, dedicam parte de seu tempo livre a trabalhos voluntários:
administração de obras, costura para os pobres, ensino, recreação,
cuidados de enfermagem, etc.
O trabalho mais importante é o da "Ação Social". As encíclicas.
papais, a Rerum Novarum, no fim do século XIX, e a Quadragesimo Anno, em
1931, constituem verdadeiros tratados de justiça social, inspirando a
ação das elites da sociedade em vários países. É preciso mencionar,
entre muitos outros, os nomes de ALBERT DE MUM, LA TOUR DU PIN, LEON
HARMEL, na França; Mons. VON KESSELER, na Alemanha.
O Serviço Social se apresenta com serviços confessionais e
leigos. Há, em todos os países, mas principalmente

p. 48

nos Estados Unidos, serviços católicos, protestantes e israelitas. Em


algumas nações tais serviços só atendem exclusivamente seus próprios
fiéis. Nos Estados Unidos os serviços confessionais se distribuem também
por nacionalidades: alemães, poloneses, russos, porto-riquenhos, etc.,
se organizaram para auxiliar seus compatriotas, mormente nos primeiros
tempos da sua instalação no Novo Mundo.
Há, igualmente, serviços abertos a todos; são leigos ou
públicos. A orientação filosófica é, no entanto, a mesma para todos,
apoiada em valores espirituais nos serviços confessionais e em valores
de solidariedade nos demais.

O ESTADO

Desde o advento da monarquia esclarecida, viu-se o Estado


compelido a intervir, de modo crescente, no campo da assistência social.
Assumindo, de início, atitude repressiva, esta intervenção ampliou-se
aos poucos, ganhando características preventivas, à medida que o Poder
Público se conscientizava de seu papel na promoção do bem-estar das
populações.
A intervenção estatal se fez em dois sentidos: na legislação e
na atuação.
Na legislação - A legislação preventiva se desenvolveu
paulatinamente no sentido da Previdência Social. Foi durante o século XX
que surgiram, em quase todos os países, sistemas de seguros sociais, de
início cobrindo alguns riscos mais importantes e algumas classes, para
alcançar, em seguida, a totalidade dos riscos e abranger toda a
população.
A França, por exemplo, deu maior atenção, depois da Primeira
Guerra Mundial, à "Proteção à Maternidade e à Infância" dentro de uma
política social de incentivo à natalidade e proteção às famílias
numerosas, e complementação de salários por abonos familiais. Deve-se
esta última medida à iniciativa de empresários de mentalidade social. Na
década de 30, o governo a regulamentou e organizou, surgindo, então, a
Union Nationale des Caisses d'Allocations Familiales.
Neste mesmo país, promulgaram-se leis que aperfeiçoaram, aos
poucos, o sistema de coordenação das obras sociais: por exemplo, para
receber subvenção do Estado,

p. 49

exige-se que as obras sociais se filiem à União Nacional das


Instituições Privadas, criada em 1936, para assessorá-las e assisti-las
tecnicamente.
Mais tarde, em 1950, o governo instituiu a Coordenação dos
Serviços Sociais, vasto fichário central de assistidos, dividido por
regiões administrativas, de modo a evitar a duplicação de assistência ou
de prestação de serviços.
A maioria dos países regulamentou o ensino do Serviço Social.
Devido à pressão dos grupos profissionais, este ensino, reconhecido
primeiro em nível secundário ou técnico, passa lentamente ao nível
universitário, salvo nos Estados, onde já nasceu à sombra de uma
universidade.
Os governos reconheceram e regulamentaram a profissão. Como para
o ensino, há, de um para outro país, grande variedade de modalidades de
reconhecimento, de obtenção de diplomas e de representação profissional
através de órgãos de classe.
Em algumas nações, como na França e na Bélgica, existe junto ao
Conselho de Ministros uma Comissão de Serviço Social, que assessora o
governo nos assuntos de formação e prática do Serviço Social.
A legislação social é bastante desigual entre os países, pois
resulta da política social dos governos. Nos países escandinavos, por
exemplo, não se registram diferenças entre as classes da população, a
assistência estende-se a todos; o governo procura o bem-estar geral,
considerado como um dos seus objetivos. É o Welfare State ou governo de
bem-estar.
Quando a iniciativa particular se revela insuficiente, grupos
exercem pressão sobre o governo e este se vê obrigado a tomar
providências (França, Inglaterra e Holanda).
Os Estados Unidos possuem uma tradição de iniciativa comunitária
e privada vindo desde o início da colonização. A constituição americana
prevê a autonomia dos Estados em matéria de bem-estar e muitos deles
também a reconhecem para os municípios; em conseqüência, a legislação de
muitos assuntos sociais difere de um para outro Estado. Os assuntos
sociais são responsabilidade da comunidade, o que explica o
florescimento, no país, dos Conselhos de Bem-Estar, etc. O governo
federal só intervém

p. 50

em caso de calamidade pública, como na época da crise econômica de 1930.


Os efeitos dessas primeiras medidas e as situações surgidas depois da
Segunda Guerra Mundial resultaram numa atenção crescente do governo
americano para com os assuntos sociais; para isso criou-se um ministério
especial - o Departamento Federal de Saúde, Educação e Bem-Estar - o
qual, no entanto, respeita, a autonomia estadual e municipal.
Na atuação - As primeiras iniciativas dos governos, ainda no
século passado, consistiram na criação de serviços assistenciais
(França, Inglaterra, Alemanha) ligados às administrações municipais,
que, até hoje, existem nas mairies ou prefeituras municipais francesas.
O sistema de Elberfeld, no século passado, apresentou tantos
resultados positivos na Alemanha, que foi adotado por vários países,
entre outros a Áustria e o Japão.
Os governos instituíram serviços para aplicação da legislação ou
melhoraram os existentes: assistência pública para crianças abandonadas,
asilos para a velhice desamparada ou para mendigos, liberdade vigiada
para egressos das prisões, juizado de menores, etc.... Avocaram a si a
administração de serviços para determinadas classes de necessitados:
menores, crianças excepcionais, doentes mentais, o que não impedia que
obras privadas se ocupassem também desses tipos de problemas.
Na Alemanha, depois da Primeira Guerra Mundial, e nos Estados
Unidos, em conseqüência da crise econômica de 1930, o governo organizou
uma rede de assistência aos desempregados, às famílias sem meios para
educação de seus filhos, aos velhos, aos inválidos. Nos Estados Unidos
tais serviços são administrados pelas municipalidades, mas
regulamentados por leis estaduais, que obedecem às normas ditadas pelo
governo federal, através de Bureaux, como o Children's Bureau, o Women's
Bureau, etc ... Na Alemanha cabe ao governo federal essa
responsabilidade.

INFLUÊNCIA DE ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Até o século XIX, como vimos, as instituições família, Igreja e


Estado foram as que mais influíram sobre

p. 51

a noção de ajuda. A partir do século XX, entra em cena outro tipo de


instituição: as entidades internacionais, que procuram levar os
diferentes países a um consenso sobre a noção de ajuda, agora denominada
"Serviço Social".
Três entidades internacionais desempenharam papel notável na
evolução do Serviço Social: a União Internacional Católica de Serviço
Social (U.C.I.S.S.), a Conferência Internacional de Serviço Social
(C.I.S.S.) e a Organização das Nações Unidas (O.N.U.), através de suas
agências especializadas.

A União Católica Internacional de Serviço Social

A União Católica Internacional de Serviço Social criada em 1922


por Mademoiselle MARIE BAERS, com sede em Bruxelas, Bélgica, é uma
entidade que reúne escolas católicas de Serviço Social, associações
católicas de assistentes sociais e membros individuais. Possui status
consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da. O.N.U., junto à
U.N.E.S.C.O., à F.A.O. e à O.E.A. Sua finalidade consiste em "levar aos
trabalhos do Serviço Social a contribuição da doutrina católica e do
humanismo cristão"1, pela participação nas reuniões dos grandes
organismos internacionais ou nacionais, estudo e interpretação dos
problemas e mudanças sociais do ponto de vista católico, congressos
internacionais, seminários regionais e publicações, para desenvolver o
espírito social dos assistentes sociais dentro do espírito cristão e
contribuir para a elevação do ensino do Serviço Social. Para a
U.C.I.S.S., o "Serviço Social não é apenas um auxílio ao indivíduo", mas
"um esforço para o progresso da justiça social", considerando de seu
dever chamar a atenção "sobre o valor da diversidade natural do mundo:
responsabilidade das famílias, missão específica da mulher, importância
do ambiente social e papel dos povos e das civilizações"1. Conforme a
palavra de S.S. o Papa PIO XII, a "U.C.I.S.S. proclama o duplo caráter
do Serviço Social: competência profissional e fidelidade cristã".1
[ 1. U.C.I.S.S. Service Social dans le Monde, nº 3, julho de
1961. ]

p. 52

A U.C.I.S.S. foi a primeira organização internacional privada a


se aproximar de outros organismos internacionais, pois, desde 1932,
mantinha relações estreitas com a Sociedade das Nações.
A U.C.I.S.S. se divide em duas seções: escolas de Serviço Social
e associações de assistentes sociais. Cada quatro anos, a U.C.I.S.S.
promovia a reunião internacional concomitante para as suas duas seções.
No início, a U.C.I.S.S. aceitava como membros somente as escolas e
associações declaradamente católicas. Nos últimos anos, principalmente
em vista da situação da América Latina, a U.C.I.S.S. abriu suas portas
às escolas de Serviço Social e às associações de assistentes sociais de
"inspiração cristã".
O primeiro Congresso Internacional de Serviço Social foi
iniciativa da U.C.I.S.S. Realizou-se em Milão, Itália, em 1925 e tinha
como tema a "organização da U.C.I.S.S." e o planejamento de suas
atividades. Desta data em diante, até 1967, realizou a U.C.I.S.S. onze
congressos internacionais, vinte e um seminários ou encontros regionais
e dez "reuniões de estudos" (de 2 a 5 dias de duração), sendo trinta e
uma na Europa, seis na América Latina, duas na América do Norte, duas na
África e uma na Índia. É preciso notar que a U.C.I.S.S. foi a primeira
entidade internacional a promover reuniões na América Latina, na África
e na Ásia. Sendo uma entidade confessional católica, o programa das
primeiras reuniões focalizava principalmente aspectos filosóficos,
valorativos e religiosos: Bruxelas, 1926, "Formação doutrinária nas
Escolas de Serviço Social"; Paris, 1936, "O Segredo Profissional no
Serviço Social, do ponto de vista da Lei Natural e da Teologia Moral";
Colônia, 1954, "A Pessoa Humana no Mundo Moderno e o Serviço Social";
Buenos Aires, 1967, "Promoção Humana e Serviço Social, Responsabilidade
dos Cristãos".
A partir de 1950, a U.C.I.S.S. não pode ignorar o impacto
científico sobre o Serviço Social e estuda o assunto para conciliá-lo
com a sua visão filosófica; Roma, 1950, "Progresso Científico e Serviço
Social"; Beuron, Suíça, 1951, "Ensino da Psicologia e da Sociologia nas
Escolas de Serviço Social"; Pau, França, 1952, "Influência do Progresso
e do Pensamento Moderno sobre o Serviço Social, no Domínio Psicológico,
Sociológico e Moral"; Bruxelas,

p. 53

1958, "O Confronto das Técnicas e dos Valores em Serviço Social";


Luxemburgo, 1960, "A Psicologia dos Grupos e sua Aplicação no Serviço
Social"; Belo Horizonte, Brasil, 1962, "Os valores Espirituais e Morais
na Formação dos Alunos em Organização de Comunidade".
Várias reuniões abordam as técnicas de desenvolvimento:
Batschuns, Alemanha, 1959, "Seminário para Estudantes Estrangeiros:
Problemas Sociais dos Países em Desenvolvimento e Como Resolvê-los"; Rio
de Janeiro, 1982, "O Desenvolvimento Comunitário numa Visão Cristã";
Portugal, 1982, Seminário sobre "Organização e Desenvolvimento
Comunitário, Método de Progresso Social"; Duala, Camerum, 1947,
Seminário Africano sobre "Serviço Social e Desenvolvimento"; Alto Volta,
África, 1969, "Formação dos Assistentes Sociais em Desenvolvimento
Comunitário".
Por ocasião dos Congressos Internacionais da Conferência
Internacional de Serviço Social, a U.C.I.S.S. realizava encontros nos
quais os temas desses congressos eram debatidos dentro de uma visão
valorativa e filosófica: Montreal, 1954, "A Contribuição do Serviço
Social Católico à Vida Internacional Moderna"; Munich, 1956,
"Industrialização e Valores Espirituais e Religiosos"; Rio de Janeiro,
1962, "O Desenvolvimento Comunitário numa Visão Cristã"; Atenas, 1965,
"Planificação e Valores Humanos"; Washington, 1966, "A Visão Cristã da
Cidade".
Nesses últimos anos a U.C.I.S.S. tem lutado com dificuldades
internas e financeiras e procura agora uma forma de adaptar-se à
evolução ecumênica e tecnológica. Sua influência tem sido muito grande
na Europa e na América Latina, onde quase todas as escolas lhe eram
filiadas. Suas reuniões foram um dos fatores que conservaram o Serviço
Social dentro de uma visão de verdadeiro "agir" humano.

A Conferência Internacional de Serviço Social

A Conferência Internacional de Serviço Social realizou sua


primeira reunião em 1928, em Paris, por iniciativa do Dr. RENÉ SAND,
secretário da Liga das Sociedades de Cruz Vermelha. Na segunda reunião,
em 1930, em

p. 54

Toronto, Canadá, o Dr. SAND propôs uma "Cooperação Internacional para o


Bem-Estar", dizendo: "Quando for criado o forum mundial de Serviço
Social, isto significará um elo a mais entre as Nações, um novo exército
contra a guerra, uma nova conta de crédito aberto à paz. Serviço Social
quer dizer compreensão, resultado de reconciliação e cooperação entre os
grupos das Nações"2. Na assembléia anual da Conferência Internacional do
Serviço Social, reunida em Washington, D.C., em 1932, e em vista do
êxito das duas primeiras reuniões realizadas em Paris, em 1928, e em
Toronto, em 1930, instituiu-se oficialmente a "Conferência Internacional
de Serviço Social", como entidade permanente destinada a proporcionar a
todos os países um forum para o debate dos problemas de bem-estar
social. Este forum internacional se realiza cada dois anos num país
diferente com a participação de todas as partes do mundo. A C.I.S.S.
possui um comitê permanente, órgão de cúpula e deliberativo, composto de
representantes dos comitês nacionais; a ele compete eleger os membros do
Comitê Executivo, órgão de execução. Comitês nacionais existem em cada
país para levar avante os planos da entidade. Há ainda Escritórios
Regionais para a Europa e o Oriente Médio, com sede em Paris; para a
África do Sul e Ásia, situado em Bombaim, e para a América Latina, no
Rio de Janeiro. A direção-geral e o secretariado-geral estão sediados
nos Estados Unidos.
[ 2 I.C.S.W. Boletim nº II, 1960, Nº 2. ]

A princípio, a C.I.S.S. não mantinha um programa permanente nem


membros contribuintes. Com o desenvolvimento de suas atividades, a
criação de escritórios regionais, a intensificação do número de
conferências, as atribuições de órgão consultivo da ONU, O.M.S., UNESCO
e FISI, tornou-se necessário criar um fundo de manutenção, constituído
pelas contribuições dos comitês dos paísesmembros e pelas taxas pagas
pelos participantes das conferências internacionais. Por sua vez, os
comitês nacionais são mantidos pelas contribuições de seus membros,
donativos, subvenções ou outros meios que melhor atendam à situação
local".3
[ 3. C.B.C.I.S.S. "X Conferência Internacional de Serviço Social" -
Roma, 1960, Programas e Informações, p. 2. ]

p. 55

Cada país organiza seu Comitê Nacional como melhor lhe aprouver.
Alguns, como o Comité Français de Service Social, além de servir de
representante da C.I.S.S., é também órgão consultivo do governo francês
em matéria de Serviço Social e coordenador de estudos e iniciativas
sociais em nível nacional.
A C.I.S.S. motivou a criação de duas entidades internacionais
privadas, cujas reuniões coincidem com as da C.I.S.S.: a Associação
Internacional de Escolas de Serviço Social, de caráter aconfessional,
com sede em Nova York, e a Federação Internacional de Assistentes
Sociais, também aconfessional, com sede em Paris.
Cada dois anos, a C.I.S.S. promove uma conferência
internacional. Das 18 conferências, nove foram realizadas na Europa;
três na América do Norte; quatro na Ásia, uma na América Latina e uma na
África. Dizia RENÉ SAND: "A primeira Conferência Internacional de
Serviço Social, reunindo todas as tendências, apelando para a
colaboração de todas as especialidades da ação social e reunindo homens
e mulheres que se dedicam às obras sociais e que vieram de quarenta e
dois países, definiu o Serviço Social, declarando que "é o conjunto de
esforços visando a minorar sofrimentos provenientes da miséria
(assistência paliativa); recolocar indivíduos e famílias em condições
normais de existência (assistência curativa); prevenir flagelos sociais
(assistência preventiva); melhoria das condições sociais e elevação do
nível de vida (assistência constitutiva)". Esta definição foi, durante
muito tempo, a universalmente aceita para classificação dos objetivos do
Serviço Social.
As primeiras conferências focalizavam os campos do Serviço
Social (habitação, família, industrialização, comunidade). A partir de
1950, enfocam o papel do Serviço Social dentro de determinados
contextos: programas nacionais, elevação do nível de vida, novo papel
num mundo em mudança; estudam o "Desenvolvimento de Comunidade", o
"Planejamento Social", os "Direitos do Homem", o "Progresso Social" e a
"Estratégia para o Desenvolvimento Social", a "Participação". Deixaram
de se preocupar com o Serviço Social como método para olhar para o
desenvolvimento e estudar o próprio bem-estar, suas condições de
realização e meios, para alcançá-lo. Os assuntos abordados não
interessam apenas aos Assistentes Sociais.

p. 56

mas a todos os trabalhadores sociais: juristas, economistas e políticos.


Para se tornar mais abrangente, a C.I.S.S., em 1967, mudou seu nome para
"Conferência Internacional de Bem-Estar Social".
A influência da C.I.S.S. tem-se revelado cada vez maior nestes
últimos anos. Assim a ênfase dada tanto pela C.I.S.S. como pela
U.C.I.S.S. ao bem-estar, dentro de uma visão global das necessidades e
aspirações humanas e numa perspectiva de política social, afastou do
cenário internacional o Serviço Social como método científico. No
momento atual, não há, para estudo e progresso de sua teoria e
metodologia, senão reuniões regionais ou nacionais da Associação
Internacional de Escolas de Serviço Social e da Federação Internacional
de Assistentes Sociais. Só o futuro dirá se esta nova posição é a mais
acertada.

INFLUÊNCIA DA ONU E DE SUAS AGÊNCIAS


ESPECIALIZADAS

Na primeira metade do século XX, a Sociedade das Nações, criada


em 1920, por ocasião do Tratado de Versalhes, interessou-se pelo
bem-estar da sociedade; realizou vários estudos sobre problemas sociais
diversos - prostituição, empregados domésticos, trabalho de menores,
etc., esperando, desta maneira, conscientizar o público em geral e os
governos em particular para uma tomada de posição e uma ação no sentido
de resolver tais problemas.
A ONU (Organização das Nações Unidas), fundada após uma reunião
internacional de governos, em 1946, ao elaborar a Carta dos Direitos do
Homem, não podia se desinteressar do bem-estar. Para isso organizou
"agências especializadas": a UNESCO (Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciência e Cultura); a F.A.O., para a alimentação e
agricultura; o FISI (Fundo Internacional de Socorro à Infância) e a
O.I.T. (Organização Internacional do Trabalho). Além disso, como
dependência da própria ONU, funciona uma Comissão Social encarregada de
estudar os assuntos de bem-estar. O departamento administrativo ligado a
esta comissão mantém um sistema de assistência técnica, que atua em
colaboração

p. 57

com as agências especializadas, para fornecer aos países em


desenvolvimento técnicos de várias profissões destinados a assessorar os
governos em relação a problemas, planos e programas de bem-estar. Vários
"encontros" ou "colóquios" regionais foram organizados visando ao
Serviço Social e permitindo troca de idéias e experiências entre países
da mesma região. Em relação ao Serviço Social, os empreendimentos da ONU
tiveram um papel decisivo no progresso das técnicas científicas.

NOVA CONCEPÇÃO DE AJUDA: SERVIÇO SOCIAL X


SOCIAL WORK

O estudo do Serviço Social no século XX nos revela diversos


modos de aplicação nos vários países, a partir de concepções diferentes.
Diz ARTHUR F. FINCK: "Nosso conceito de Serviço Social depende da
evolução das idéias quanto à responsabilidade da comunidade e do Estado,
na promoção do bem-estar de seus membros".4
[ 4. FINCK, Arthur E. The Field of Social Work, Henry Holt & Co.,
New York, 1949, p. 97. ]

A primeira diferença que se apresenta está na denominação dada à


ação de ajudar. Na Europa de língua francesa, adotou-se o nome de
Serviço Social; nos Estados Unidos e nos países de língua
anglo-germânica, o de Social Work ou trabalho social.
"O advento de um nome marca a época decisiva da tomada de
consciência"5. Quando surgiu o nome Serviço Social ou Social Work,
deu-se o reconhecimento de que ajudar não era apenas uma emoção, um
gesto, mas um autêntico processo, uma operação com base racional sem no
entanto perder seu interesse humano.
[ 5. COMMANGER, Henry S. Introdução ao Estudo da História, Zahar,
Rio, 1967, p. 31. ]

A palavra Serviço, do latim servitium, Servire, tira seu sentido


de "ser escravo", dependente de alguém; atualmente designa uma atividade
"feita para outrem". O fazer algo para alguém leva a uma noção de
hierarquia, condição inferior de quem serve em relação a quem é servido.
Servir aos pobres é ajudá-los, fazer para eles o que eles não podem
fazer por si. Numa sociedade hierarquizada,

p. 58

como era, por exemplo, a sociedade feudal, as classes inferiores serviam


às mais altas. Num sentido espiritual, o Cristo é servido na pessoa do
pobre que O representa.
Trabalho (da raiz latina Trabs, trabes, trave da carga que se
impunha ao escravo para obrigá-lo a trabalhar) "é toda atividade para a
qual o homem no exercício de sua força física ou mental direta ou
indiretamente transforma a natureza para colocá-la a seu serviço. O
trabalho tem uma dignidade inalienável, pois é atividade de um ser
racional e livre; é um dever inelutável".6
[ 6. ÁVILA, Fernando Bastos d'. Pequena Enciclopédia de Moral e
Civismo, MEC, Rio, 1967, verbete "Trabalho". ]

Para a transformação da natureza, o trabalho é prolongamento da


obra-criação e o laço que une todos os homens, como ser-em-comum.
A palavra "social" vem de "sociedade" e assim seria "social" o
que se relacionasse com "sociedade", a qual por sua vez pode ser
definida como "união durável em vista do bem comum".7
[ 7. ÁVILA, op. cit., verbete "Sociedade". ]

Assim o Serviço Social é um serviço prestado à Sociedade e o


Trabalho Social - Social Work - a atividade realizada em benefício da
sociedade.
Na Europa, diz EUGEN PUSIC, da Universidade de Zagreb,
Iugoslávia, "o Serviço Social se desenvolveu a partir de duas fontes
ambivalentes: de um lado, a caridade, e de outro, a noção que os
problemas sociais eram uma espécie de doença social; um fenômeno social
avaliado negativamente; a primeira, como exigência universal, leva ao
amor fraternal entre os homens, e a outra a uma hostilidade para o não
produtor; peso morto da coletividade. Estes problemas, considerados como
uma disfunção da sociedade, exigem remédios que devem ser encontrados na
revisão dos mecanismos sociais no conjunto, portanto tendência a criar,
reformular, atualizar os recursos necessários a estes problemas e assim
considerar o Serviço Social como um instrumento administrativo: integrar
as estruturas administrativas para melhor utilização desses serviços e
para assegurar a sua eficiência, garantindo o alcance dos objetivos
dessas entidades;

p. 59

há, portanto, o respeito dos direitos individuais, mas uma abordagem


autoritária".8
[ 8. PUSIC, Eugen. Orientations Nouvelles du Travail Social en
Europe, Informations Sociales, março de 1960. ]

De acordo com esta perspectiva, na França, os pobres, os


necessitados considerados como pessoas incapazes de resolver seus
problemas, de se adaptar às situações, de prover a sua subsistência, nem
sempre tinham noção de que estavam em situação anormal. Por isso deviam
ser procurados para serem ajudados; pois os desajustados prejudicam o
andamento normal da sociedade; deviam ser levados a utilizar
convenientemente os recursos existentes e esclarecidos a respeito das
leis e de suas obrigações. Era preciso procurar ou "despistar" os casos
sociais para poder "servir" ao necessitado.
Situação diversa é a dos Estados Unidos. No início do
povoamento, os emigrantes vinham com suas famílias e seus bens para se
instalar definitivamente no novo continente, para trabalhar para si, e
não para a metrópole; para se governar e praticar a sua religião sem
constrangimento de outras classes ou do governo. Todos deviam trabalhar,
não somente para se sustentar a si e sua família, pois só podiam contar
consigo mesmos, mas também para se defenderem dos índios e da natureza.
O trabalho proporcionava, portanto, ao homem um meio de se afirmar como
ser livre e inteligente e para promover-se na pequena comunidade.
A industrialização acarretou situações sociais e problemas para
o indivíduo e sua família que se refletem na comunidade: habitação,
saúde, recreação, etc. Segundo ARTHUR E. FINCK; é o resultado de um
sistema competitivo que coloca no êxito seu valor principal. Daí a
imagem, tão popular nos Estados Unidos, do self-made-man. Os que não
trabalhavam eram considerados como "incapazes"; uma vergonha. Para que
todos pudessem trabalhar, a pequena comunidade precisava se "organizar",
fornecer trabalho e "organizar" recursos para lutar contra os males
sociais que infalivelmente podiam atacar a comunidade, mas também para
preveni-los.
Social Work será então uma "conexão" para utilização das
potencialidades humanas, em forma de serviços

p. 60

tangíveis e intangíveis: "Organizar as potencialidades na comunidade e


nos indivíduos, de maneira que os seus recursos ou recursos limitados ou
que não os sabem utilizar, possam alcançar uma vida mais adequada e
feliz"9. Social Work possui, assim, dois objetivos: 1º - criar condições
para uma vida melhor e 2º - desenvolver nos indivíduos capacidade para
essa vida melhor. O serviço, portanto, não pode ser imposto, mas aceito,
procurado ou recusado.
[ 9. FINCK, Arthur E. Op. cit., p. 2. ]

O que se fazia em prol do bem-estar da comunidade era assim um


"trabalho", de acordo com a etimologia do termo; uma transformação da
natureza para tornar todos capazes de exercer seus direitos e seus
deveres.
Nos Estados Unidos, o trabalho social constitui um dever a ser
praticado e os incapazes têm direito a, ser ajudados. Não ser capaz de
se sustentar é uma vergonha; vergonhoso, também, ser ajudado, porque
comprova sua incapacidade; neste caso, a procura de ajuda deve ser livre
e espontânea.
Pelo visto, o Social Work é um "trabalho social" em favor do
bem-estar da comunidade, do mesmo modo que existe um trabalho econômico
de produção ou um trabalho político do governo. No Serviço Social
encontra-se uma noção de "virtude" que se pratica, e que leva a
coletividade a proporcionar a todos as vantagens do bem comum. No
Trabalho Social (Social Work) há uma noção de igualdade, de direitos e
de deveres para todos. No Serviço Social existe uma hierarquia, sendo
que o grau mais alto pertence a "quem é servido", ao necessitado, ao
desajustado. Não se pode dizer que esta noção estivesse sempre presente
nos agentes do Serviço Social, pois o necessitado, cedo denominado
"cliente", era considerado incapaz, para quem se devia fazer as coisas;
o agente do Serviço Social podia facilmente cair, como de fato caiu,
numa atitude autoritária e o cliente numa situação de dependência.
As mesmas razões existem em relação à denominação dos agentes: o
Social Work ocupa trabalhadores sociais (Social Workers) ; o Serviço
Social tem assistentes sociais,

p. 61

cuja função é "assistir" (do latim, ad, junte e sistere, colocar-se à


disposição).
Dentro da perspectiva americana, o Serviço Social encontra
dificuldades de adaptação em vários países. Os países europeus parecem
favorecer métodos de maior amplitude - pessoas e grupos - enfocando
problemas de natureza diversificada em face das situações criadas pelo
impacto tecnológico. Este ponto de vista é reforçado pelo relatório
francês ao Colóquio Europeu da Conferência Internacional de Serviço
Social, em 1959, que descreve outras profissões de "trabalho social",
tendo em vista a ação social e seguindo métodos bastante semelhantes aos
do Serviço Social. Apresenta, assim, uma lista de 27 profissões, que vão
desde o assistente social à monitora de ensino doméstico, passando pela
enfermeira visitadora, o agente de liberdade vigiada, etc.
Ao analisar o desenvolvimento da caridade como idéia e como
ação, na primeira metade do século XX, a União Pan-Americana escrevia em
1953:

"O conceito de Assistência Social evolui:

- da assistência paliativa e curativa para uma assistência


preventiva e construtiva; foi o longo caminho percorrido através dos
séculos: da sociedade mítica à cristandade, à era da secularização até o
conhecimento dos fenômenos sociais, a fim de agir sobre as causas e não
apenas sobre os efeitos;
- da assistência mútua aos programas de bem-estar, ou seja, do
auxílio dentro de um grupo ou de uma classe, à idéia do direito de todos
ao bem-estar, isto é, do auxílio das corporações e confrarias, aos
programas do Estado moderno;
- "da beneficência" concedida por preferência, à "assistência
por direito", como exigência da sociedade para todos seus membros, ou
seja, "da esmola à Previdência Social";
- "da assistência imposta à participação ativa", com o
reconhecimento do direito de cada um de ser o autor de seu próprio
bem-estar, isto é, introdução de técnicas de conscientização e de
participação;
- "da assistência em massa à individualização", com o
reconhecimento das necessidades individuais; da diversificação

p. 62

de motivações e da adaptação dos recursos a cada personalidade, com os


primeiros ensaios do Serviço Social de Casos;
- "do isolamento à proteção da unidade familiar" reconhecendo o
papel da família e a necessidade da educação dos pais para cuidar de
seus filhos;
- "da assistência intuitiva ao serviço técnico", com a criação
de Escolas de Serviço Social, no início do século;
- "do auxílio dado por leigos ao trabalho profissional", com a
organização da profissão de assistente social;
- "da assistência privada à ação dos governos", que assumem a
responsabilidade da cura ou prevenção de determinados males sociais,
soluções de problemas e ação comunitária com planos de bem-estar, saúde,
educação e desenvolvimento;
- "do ataque de problemas isolados ao reconhecimento da
inter-relação de todos os problemas da comunidade", com programas
nacionais, regionais e até internacionais na segunda metade do século
presente.

p. 63

CAPÍTULO III

A CONSTRUÇÃO DA METODOLOGIA E DA TEORIA DO SERVIÇO SOCIAL

Em 1932, RENÉ SAND, analisando os relatórios dos países que, em


1928, compareceram à Primeira Conferência Internacional de Serviço
Social, observava:
"O estudo do Serviço Social, nas várias partes do mundo, revela
que, em geral, enfrenta os mesmos problemas e recorre mais ou menos
universalmente aos mesmos métodos. Três fatores concorrem para o seu
desenvolvimento: o progresso das idéias de solidariedade, o
aperfeiçoamento da ciência e das técnicas sociais, e, enfim, a
industrialização e a urbanização. Embora apresente um caráter
incontestável de unidade, o Serviço Social adotou, nos diferentes
países, formas diversas e variadas, resultantes, antes de tudo, das
condições econômicas, da constituição política do país e das tradições
de cada povo".1
[ 1. SAND, René. Op. cit., p. 71. ]

No primeiro quarto deste século, o Serviço Social não se


distinguia da Ação Social e foi estudado principalmente em relação à sua
aplicação. Reconhecia-se que se os problemas eram idênticos, as
situações se diferençavam de acordo com os países; procurou-se, então,
enquadrá-lo dentro de modelos que explicavam a estrutura dos vários
serviços públicos e/ou privados.
RENÉ SAND apresenta seis modelos: modelo esquematizado,
coordenado, generalizado, sistematizado, nacionalizado e
individualizado.
p. 64

PRIMEIROS MODELOS PARA O SERVIÇO SOCIAL

Como modelo esquematizado cita a França, onde, segundo ele, os


serviços sociais públicos e privados seguem um esquema decorrente da
política de Ação Social do país. "Os serviços públicos e privados são
mais nitidamente separados do que em qualquer outro país. O primeiro -
serviço público - tem características muito mais administrativas do que
técnicas, regulamentado até nos menores detalhes, compartimentalizado,
esquematizado; forma um bloco rígido. O segundo - serviço privado - pelo
contrário, é muito mais livre e flexível, mais disperso e constantemente
preocupado em reunir as verbas necessárias à sua manutenção 2. Esse
esquema pôde variar com o decorrer do tempo, de acordo com as
prioridades a serem atendidas e determinadas pela Ação Social do
governo.
[ 2. SAND, Renê. Op. cit., p. 73. ]

O Serviço Social coordenado seria o da Inglaterra. Este país foi


o primeiro a sofrer os efeitos negativos do início da industrialização,
mas, também, o primeiro a inovar em matéria de assistência aos
necessitados; organizou o primeiro serviço de enfermeiras visitadoras,
como o concebera FLORÊNCIA NIGHTINGALE, as Charities Organization, às
quais é ligado o nome de Sir CHARLES LOCKE; os movimentos para melhoria
da habitação, com OCTÁVIA HILL; o primeiro centro social, com o Cônego
BARNETT; o Serviço Social em hospital e muitos outros movimentos de
vanguarda para aquele tempo. Foi neste país que se criou, em 1919, o
primeiro ministério, que agrupou a administração da higiene,
assistência, previdência, habitação e urbanismo.
O modelo sistematizado é representado pela Itália fascista."O
novo regime impôs a disciplina dos esforços e a hierarquia das funções.
Através de soluções gerais e radicais, desejou proteger o indivíduo e a
família para que suas forças assim duplicadas se colocassem a serviço da
nação"3. O regime tinha como metas o aumento da população e medidas
sanitárias, como meio de aumentar
[ 3. Ibid., p. 155. ]

p. 65

a potência material do país, finalidade última diante da qual qualquer


outra consideração perdia importância.
O modelo generalizado é o da Alemanha da República de Weimar
(1919). A constituição da república "mostra que se desenvolveu no país
um sentimento de responsabilidade coletiva e que, em geral, a população
esperava a intervenção do poder público. Esta tendência antiga aumentou
com os acontecimentos dos últimos anos. De fenômeno individual, a
miséria tornava-se fenômeno coletivo, com aspectos catastróficos"4. A
crise econômica atingiu todas as classes e exigiu serviços que as
pudessem atender, e que os municípios não tinham mais possibilidade de
fazer. Com o advento do Estado nazista ampliou-se a responsabilidade do
governo, estendendo-se dos serviços assistenciais aos de educação. As
obras particulares tornaram-se raras e sem expressão.
[ 4. SAND, René, Op. cit., p. 90. ]

A U.R.S.S oferece um modelo nacionalizado. O Estado administra


todos os serviços destinados aos trabalhadores. Segundo RENÉ SAND,
naquela época, estas realizações "ainda eram incompletas e desiguais; os
obstáculos econômicos nem sempre conseguiram ser superados; a imensidão
do país, a penúria de meios de comunicação, a ignorância do povo
acostumado a séculos de miséria, conflitos de interesses e de tendência
entre os trabalhadores, minoria governante e grande massa de camponeses,
mais ou menos passiva, representavam barreiras à atuação do regime.
Baseado no comunismo, o Estado soviético devia logicamente nacionalizar
e generalizar a assistência, os seguros sociais, a assistência médica, o
ensino"5. Para ter direito à assistência é preciso pertencer às
categorias de trabalhadores, ter perdido a totalidade ou parte de sua
capacidade de produção e não possuir meios de subsistência. As
modalidades de assistência são a reeducação para o trabalho, pensões e
vantagens especiais como redução de impostos.
[ 5. Ibid., p. 167. ]

Finalmente, os Estados Unidos estabeleceram um modelo


individualizado: os serviços públicos e privados funcionam à base do
estudo de cada caso dentro de um sistema descentralizado,
responsabilizados os Estados e municípios pela administração da
assistência. As obras

p. 66

sociais são predominantemente privadas. Esta assistência individualizada


exige, portanto, uma coordenação entre os serviços e fichários centrais
para evitar a sua, duplicação.
A classificação acima tem como base a finalidade, funções e tipo
de administração das entidades. O serviço social ainda não era
considerado como um método; era "atividade", conjunto de trabalho ou de
esforços. Verifica-se certa influência sociológica nesta maneira de
classificar a aplicação do Serviço Social; parte-se dos problemas, das
situações encontradas, das necessidades constatadas à procura de
soluções que devem ser encontradas através da utilização de recursos. O
Serviço Social é, portanto, produto da Ação Social e sofre influência de
variáveis representadas pelo tipo de governo.

CAMPOS DO SERVIÇO SOCIAL

Outra classificação, mais conhecida e empregada até a metade do


século, divide o Serviço Social por campos de aplicação: família,
menores, escolas, saúde, empresas, delinqüência, meio rural, etc. Os
congressos internacionais e nacionais estudavam desta maneira o Serviço
Social na sua aplicação: problemas a serem resolvidos, clientela,
recursos, etc., dentro de determinado campo. O programa das escolas
apresentava a mesma divisão, tanto nas cadeiras teóricas como nos campos
de estágio. O livro de ARTHUR E. FINCK, The Field of Social Work,
publicado em 1941, segue esta classificação. O Autor divide o Serviço
Social em campos de família, menores, escolar, psiquiátrico,
médico-social, correcional, grupo e comunidade.
O Campo da família inclui a "ajuda individual" ao indivíduo e à
família considerada como unidade, para a solução de problemas de
manutenção econômica, relacionamento conjugal, organização material do
lar, educação dos filhos, relacionamento com parentes e vizinhos. No
início, acreditava-se que esses problemas tinham como "causas" o
ambiente, que, portanto, devia ser mudado ou o cliente retirado para
outro ambiente mais propício; a manipulação dos clientes e das situações
era perfeitamente legítima. Os assistentes sociais americanos

p. 67

referem-se a este período como "Sociológico", pois o que somos como


indivíduo é determinado pela espécie de ambiente ou de ordem social na
qual vivemos"6.
[ 6. FINK, Arthur E. Op. cit., p. 117. ]

O Campo de menores incluía a assistência a crianças abandonadas


ou órfãs, mães solteiras, colocação em lares substitutos ou para adoção
e serviços em instituições fechadas. Em alguns países da Europa,
abrangia também assistência a crianças no seu próprio lar para aplicação
correta dos abonos familiares ou quando havia denúncia de maus-tratos
por parte dos pais ou guardiães.
O Campo escolar surgiu em 1906, nos Estados Unidos, quando os
Centros Sociais designaram visitadoras para estabelecer uma ligação com
as escolas do bairro, a fim de averiguar por que as famílias não
enviavam seus filhos à escola, as razões da evasão escolar ou a falta de
aproveitamento das crianças e a adaptação destas à situação da escola.
Na Europa, este campo era incluído no de menores.
O Campo da saúde iniciou-se em 1905 no Massachusetts General
Hospital, de Boston, pelo Dr. RICHARD CABOT, que desejava conhecer
melhor os antecedentes e o ambiente onde viviam os pacientes, para
formular o diagnóstico e o tratamento médico. Assim o Serviço Social
junto a hospitais e ambulatórios, além do estudo dos antecedentes e do
ambiente, assegurava também o atendimento ao tratamento, o follow-up
depois da alta, e o preparo da família para receber o paciente ao sair
do hospital e ajudá-lo a voltar à normalidade.
Na França, o Serviço Social foi, durante muito tempo,
primordialmente médico-social. Na época da Primeira Guerra Mundial eram
"enfermeiras visitadoras" que se encarregavam da parte social do
tratamento. Enfatizou-se o incentivo à maternidade e à infância, de que
resultou a criação dos serviços de P.M.I. (Proteção à Maternidade e à
Infância), que empregavam assistentes sociais encarregadas de acompanhar
o tratamento das gestantes e dos lactentes.
O Serviço Social no Campo psiquiátrico iniciou-se, nos Estados
Unidos, pouco depois do Serviço Social nos hospitais. Tinha como função,
no início, ajudar o paciente

p. 68

a se reajustar à vida normal; depois foram incluindo nas funções do


assistente social o estudo do ambiente familiar e profissional e a ajuda
à sua família para aceitar o doente e prepará-la a recebê-lo depois da
alta.
No Campo carrecional, os assistentes sociais se ocupavam
principalmente dos jovens delinqüentes, durante o processo, na prisão e
ao ser liberados. Muitos assistentes sociais eram encarregados da
liberdade vigiada. Aos poucos, a família do delinqüente foi também
incluída nos cuidados do Serviço Social a fim de conseguir a modificação
do ambiente, se necessário, e ajudar os pais e irmãos a aceitar o jovem.
Mais tarde, estas funções estenderam-se a prisioneiros adultos e a
prostitutas. Na Europa, o Serviço Social junto aos jovens delinqüentes
faz parte do campo de menores.
O Campo de empresas, característico da Europa, é desconhecido
nos Estados Unidos. Na empresa, o assistente social se ocupa das medidas
necessárias ao bem-estar dos operários; da criação e supervisão das
obras sociais da empresa; creche, restaurante, vestiário, recreação,
etc.; também informa os operários sobre os recursos da comunidade para
solução de seus problemas.
Em todos esses campos, a técnica empregada é o tratamento
individual: o indivíduo e sua família, o paciente, o delinqüente, o
doente mental, o trabalhador.
Em qualquer dos campos, nunca se esquecia da família, sempre
incluída no tratamento. O campo de Serviço Social Familiar servia de
base a todos os demais.
Até 1940, os trabalhos com grupos e com a comunidade são
mencionados como "campos" de grupos e de comunidade.
Em relação ao primeiro - trabalho com grupos - o aumento das
horas de lazer, pela redução da jornada de trabalho, em alguns países e,
com a guerra, a permanência de jovens em campos e bases militares; a
organização das indústrias bélicas, a concentração de trabalhadores
junto às fábricas, o grande número de inválidos de guerra e de pessoas
idosas, levaram à aplicação do processo a adultos, inválidos e velhos. A
preocupação, nestes anos trágicos, "era a ação e não as definições";
considerava-se a recreação como campo de aplicação das técnicas de
trabalho com grupos e estas técnicas eram aceitas como parte do método
de Serviço Social.

p. 69
Depois da Segunda Guerra Mundial, o trabalho de grupo foi
introduzido em dois campos: nas instituições para menores e nos
hospitais, quando a internação era de longa duração.
Em relação ao campo de menores, o livro de CECIL McGOVERN,
Services to Childrens in Institutions (Serviços para Crianças
Internadas), publicado em 1948, pela National Conference of Catholic
Charities, descreve o uso do grupo e as técnicas empregadas nos
internatos de menores. Em 1952, GISELA KONOPKA retoma o tema e publica
Group Work with Childrens in Institutions (Trabalho de Grupo em
Instituições de Menores).
O segundo - Organização de Comunidade - constituía-se numa idéia
exclusivamente americana e praticamente desconhecida na Europa, onde se
assemelhava a ação social. Apesar de considerá-lo como campo de Serviço
Social, os assistentes sociais norte-americanos pressentiam que se
tratava de um processo que consistia em ajudar grupos de indivíduos ou
de obras sociais, a estudar sua comunidade, identificar problemas, criar
serviços necessários, coordenar ou melhorar os existentes. O instrumento
era o Conselho de Obras Sociais.
Assim sendo, o que caracterizava o Serviço Social até a Segunda
Guerra Mundial era:

1) Uma abordagem individual, em relação aos problemas dos


clientes.
2) Uma abordagem comunitária ou de ação social, em relação às
disfunções da sociedade.
3) O emprego de pessoal remunerado de preferência a voluntários.
O diploma de uma escola reconhecida é exigência para o contrato de
assistentes sociais pelas obras. Com a criação da Escola de Serviço
Social de Paris, em 1912, os agentes do Serviço Social passam a se
chamar "assistentes sociais". Na França, entretanto, no campo ou Serviço
Social do Trabalho, estes agentes conservam o nome primitivo de
Surintendente d'usine (Superintendente de Fábrica) e são formados em
escolas próprias. Nos Estados Unidos conservou-se a denominação de
Social Workers.
4) Completa disponibilidade dos assistentes sociais; o Serviço
Social constituía uma vocação, um ministério. As assistentes sociais -
pois á profissão é exclusivamente

p. 70
feminina - não tinham horário, podiam ser procuradas a qualquer momento.
Na Europa, os Centros Sociais exigiam do seu pessoal a "residência" no
local, o que obrigava as assistentes sociais a estarem a serviço da
clientela todos os dias, muitas vezes à noite, assim como aos domingos.
5) Atividade imediata, é verdade, mas objetiva. A reflexão de
duas assistentes sociais ilustra este pensamento. Uma dizia: "O que
importa é resolver o problema, o resto é secundário"; e outra: "Uma boa
assistente social é aquela que ajuda seu cliente a resolver suas
dificuldades pelos meios a seu alcance".
Acreditava o Serviço Social que os problemas tinham "causas" e
que estas deviam ser atacadas para evitar a permanência ou
reaparecimento das dificuldades. Daí a insistência na melhoria e
renovação do ambiente. Nesta visão sociológica, no entanto, não havia
ainda idéia de realizar mudanças radicais na sociedade. Para os
assistentes sociais daquela época a sociedade apresentava um fundo de
permanência de valores e de organização e os problemas advinham da falta
de ajustamento a esses valores e tipo de sociedade. As mudanças eram
apenas "acidentes" a serem superados.
No entanto, se a ciência sociológica fizera rápidos progressos,
a psicologia e a psicanálise se desenvolviam também a ponto de
tornar-se, em breve, a influência dominante na prática do Serviço
Social.

A PROCURA DE UMA METODOLOGIA DO SERVIÇO SOCIAL

A aplicação do Serviço Social dentro dos campos, numa abordagem


individual, levou os assistentes sociais a acreditar, durante muito
tempo, que havia algo de específico para o trabalho em cada campo; e o
que se focalizava eram os problemas e o tipo de clientela, isto é, o que
hoje é chamado a situação social-problema e o sistema-cliente. Em 1917 e
1922, MARY RICHMOND já mostrara que esta abordagem individual comportava
três fases ou momentos não consecutivos mas concomitantes: estudo,
diagnóstico e tratamento. Em 1929; um grupo de

p. 71
assistentes sociais, reunidas na cidade de Milford, nos Estados Unidos,
para estudar as técnicas usadas numa abordagem individual, chegou à
conclusão de que o que variava, de fato, eram as situações e os
problemas dos clientes e não a maneira de agir do assistente social; as
mesmas técnicas de estudo, diagnóstico e tratamento eram empregados em
todos os campos, assim como seus instrumentos: entrevistas, visitação,
encaminhamentos. A Conferência de Milford concluiu que o Serviço Social
de Casos constituía um método "genérico" de Serviço Social,
entendendo-se por isso que não havia métodos ou técnicas específicas
para cada campo, dentro de uma abordagem individual.
Depois da Conferência de Milford, VIRGINIA ROBINSON (1939),
GORDON HAMILTON (1941) e FLORENCE HOLLIS (1949) desenvolveram este
processo com base nos conceitos psicológicos, principalmente os de
FREUD, ou de seus discípulos, e forneceram assim uma base mais sólida
para as relações com os clientes. A importância que se deu a tais
conceitos influiu também sobre os demais processos que iam surgindo.
Em 1922, MARY RICHMOND definiu o Serviço Social de Casos como
"um processo de desenvolvimento de personalidade do cliente, através de
ajustamentos conscientemente efetuados do indivíduo e do homem para com
seu meio social7". Em 1941, GORDON HAMILTON o caracterizou como "a arte
de ajudar as pessoas a se ajudarem a si mesmas, cooperando com elas a
fim de beneficiá-las e, ao mesmo tempo, a sociedade em geral"8. O
objetivo do Serviço Social de Casos, segundo GORDON HAMILTON, consiste
em "fornecer serviços práticos e de aconselhamento de tal modo que seja
desenvolvida a capacidade psicológica do cliente e que seja levado com
habilidade à utilização dos serviços existentes para atender a seus
problemas"9.
[ 7. RICHMOND, Mary. O que é Serviço Social de Casos, CBCISS nº 85,
ano VII, 1974, p. 2.
8. HAMILTON, Gordon. Teoria e Prática do Serviço Social de Casos,
Liv. Agir, Ed. Rio, 1958, p. 37.
9. Ibid., p. 39. ]

A abordagem comunitária surgiu quase ao mesmo tempo que a


abordagem individual, na França, como

p. 72
"ação social", e nos Estados Unidos, como "organização da comunidade",
para remediar as disfunções da sociedade. Ambas são vistas de um ângulo
sociológico: o ambiente do indivíduo e/ou da família ou os problemas de
determinada classe de indivíduos em relação à sociedade. Como processo
técnico e profissional é de aplicação relativamente recente. No entanto,
a preocupação com o ambiente é muito mais antiga.
As pesquisas realizadas na Europa por FREDERIC LE PLAY e seus
discípulos, de 1872 a 1879, sobre as condições dos operários europeus, e
nos Estados Unidos, na década de 1930, em comunidades americanas
(Pittsburg e Middletown) já haviam chamado a atenção para a influência
de ambiente e da cultura, "A cultura, que consiste em maneira de agir,
idéias, atitudes, hábitos, conduta, assim como os objetivos materiais de
que os homens se valem, são importantes aspectos da assistência e
determinantes da conduta humana".10
[ 10. FINCK, Arthur. Op. cit., p. 121. ]

No desenvolvimento desta idéia podemos distinguir várias fases:

Na primeira fase, cabia "aos privilegiados ajudar aos pobres". O


indivíduo pobre era tido como sofrendo de mal moral, que o despojava de
respeitabilidade; confundiam-se iniciativas e capacidade de organização
com instrução e educação formal. Esta fase coincide, em política, com a
idéia de governos absolutista e, nos governos constitucionais, com a
filosofia paternalista em assuntos de bem-estar. Tanto os governos como
as classes privilegiadas assumiam, assim, uma atitude vertical em
relação às demais. Esta é a fase em que ainda hoje se encontram muitos
países da América Latina, nos quais os benefícios da legislação
trabalhista, previdenciária e social foram muito mais o resultado da
ação dos governos, do que das iniciativas reivindicatórias dos
interessados.
Os que possuíam educação e conhecimento ajudavam os pobres de
duas maneiras: uma, dando-lhes auxílio individual e material, como já
vimos; e outra, procurando criar serviços para aliviar os males ou
desencadear movimentos em prol da legislação, visando a solução dos
problemas.

p. 73
Os estudiosos dos assuntos sociais daquele tempo acreditavam que
para desencadear estes movimentos de ação social tornava-se necessário
conhecer em profundidade as condições sociais. Tanto para estudá-las
como para educar os moradores dos bairros deserdados, alguns
voluntários, como CANNON BARRET e ARNOLD TOYNBEE,passaram a residir
nestes bairros. Esta a origem, na Inglaterra, dos "centros sociais",
movimento que, rapidamente, se estendeu aos Estados Unidos.
Tais estudos e idéias influíram sobre o trabalho dos assistentes
sociais da época junto às famílias consideradas a célula básica da
sociedade e o mais importante dos grupos sociais. A percepção da
estrutura da personalidade dos clientes foi assim orientadapor
conhecimentos derivados da antropologia e "desta combinação nasceu uma
maior apreciação da integração recíproca da personalidade e da cultura",
11.
[ 11. FINCK. Arthur. Op. cit., p. 121. ]

Numa segunda fase, na primeira metade deste século,,


verificou-se que: 1) os centros sociais procuravam envolver a clientela
na melhoria do ambiente; 2) as obras e os Serviços Sociais se aproximam
para a ação em comum e o estabelecimento de uma coordenção de esforço e
de trabalho. Surge os movimentos das Charities Organizations, que se
desenvolveu na Inglaterra e nos Estados Unidos, através do que hoje se
conhece, nos Estados Unidos, como "Conselhos de Serviço Social", ou
"Conselhos de Obras. Sociais", e, na Europa, como "Federações de Obras
ou de Serviços".
Nos Estados Unidos, a preocupação de aproveitar convenientemente
os recursos, de coordenar os esforços, de não duplicar a assistência,
originou a criação dos " Fichários Centrais de Assistidos". O primeiro
foi fundado em Boston, em 1876. Eram organizções as quais as obras se
filavam e cominicavam os nomes, endereços e outros dados de
identificação das famílias que a elas recorriam. Quando um novo cliente
procurava uma obra, esta pedia ao Fichário Central para informá-la se o
cliente já fora atendido por outra, permitindo-se, através dessa troca
de informações, eliminar a duplicação de serviços e assistência. Nós
Estados Unidos e no Canadá os Fichários

p. 74
Centrais, em geral de âmbito municipal, eram muito numerosos até a
metade do século. A partir de 1955, foram extinguindo-se aos poucos,
pois os progressos alcançados nas técnicas de entrevistas levavam o
cliente a dar todas as informações necessárias.
Ainda a partir do início do século, as pessoas mais esclarecidas
procuraram pressionar o governo a fim de obter as medidas legislativas
indispensáveis ao progresso social e, assim, organizar serviços de largo
alcance. Trata-se da Ação Social, cujo com a promoção das "Caixas de
Alocações Familiares". A Ação Social era, portanto, considerada como um
"movimento".

A terceira fase surgiu pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Os


assistentes sociais americanos iniciaram o estudo da "Organização da
Comunidade" com o propósito de determinar quais suas características
como processo de Serviço Social. Surgiram várias opiniões, todas
oriundas de experiências tipicamente norte-americana. Uma das definições
adotadas, no decorrer desses estudos, é a de ARTHUR DUNHAN : "A
Organização da Comunidade, no campo do Serviço Social, é o processo pelo
qual se promove e se mantém um equilíbrio constante entre os recursos e
as necessidades, dentro de uma área geográfica ou de um campo do Serviço
Social"l2. Como se verifica pela definição acima, o autor acreditava
que poderia haver "organização de comunidade" fora do campo do Serviço
Social. Ainda de acordo com esta definição, a Organização Social da
Comunidade visava principalmente à criação e à coordenação dos recursos
sociais, que nos Estados Unidos se concretizam no trabalho dos Conselhos
de Serviço Social.
[ 12. DUNHAW, Arthur. The Covmunity Organization Worker,
Procedings, National Conference of Social Work, New York, 1948, p. 3. ]

Esta concepção de Organização Social da Comunidade ainda é


aceita nos Estados Unidos. E, por mais extraordinário que pareça, embora
existam na Europa inúmeras entidades de coordenação de recursos sociais,
seu trabalho não foi identificado como um processo do Serviço Social e a
expressão "Organização da Comunidade" não

p. 75
tem sentido na maioria dos países do Velho Mundo. Hoje é chamado de
"Trabalho Comunitário".
Com a criação da ONU e o auxílio técnico que deu aos países
subdesenvolvidos, a Organização da Comunidade tomou novo rumo e
crescente importância. Através de seus trabalhos de assistência técnica,
a ONU constatou a necessidade de auxiliar os países a desenvolverem suas
comunidades de acordo com sua própria cultura, de modo a promover os
recursos indispensáveis à vida normal, e propiciar às populações uma
educação de base que permitisse um mínimo de bem-estar e de dignidade
humana. Aplicaram-se vários processos, todos visando às comunidades,
focalizando um ou outro aspecto, empregando técnicas diversas, mas
dirigidos à mesma finalidade.
Através de todos esses estudos, verifica-se que o trabalho nas
comunidades não é apenas a promoção de recursos assistenciais ou
promulgação de medidas legislativas ou ainda um trabalho de coordenação,
mas que existem vários aspectos deste mesmo processo no próprio campo do
bem-estar e vários métodos e processos de se melhorar uma comunidade.
"Chegou-se, assim, à conclusão de que deve haver um processo de Serviço
Social objetivando o desenvolvimento da comunidade e que se pode definir
como o "processo pelo qual a comunidade identifica seus problemas e
necessidades, confere-lhe ordem de prioridade e desenvolve atitudes e
hábitos de colaboração para resolver estes problemas com recursos
próprios ou alheios"13. Este processo figura nos programas das Escolas
de Serviço Social dos Estados Unidos, desde 1922. Neste ano, wALTER
PETIT, professor da New York School of Social Work, da Columbia
University, publicou o livro Cases Studies in Community Organization
(Estudos de Casos de Organização da Comunidade), no qual apresentava
vários exemplos devidamente analisados e que já apontavam em direção a
um processo. Depois deste, foram publicados vários outros trabalhos
sobre o assunto. O livro considerado clássico é o de MURRAY Ross,
Organização da Comunidade - Teoria e Prática, publicado nos Estados
Unidos em 1952 e traduzido no Brasil em 1956.
[ 13. Ross, Murray G. Organização da Comunidade - Teoria e
Prática, tradução PUC/RGS, 1956, p. 59. ]

p. 76
A partir desta data, o processo passa a ser designado, fora dos Estados
Unidos, pelo nome de Desenvolvimento de Comunidade.
A abordagem grupal é o último processo e o mais recente do
Serviço Social. De início, os grupos não foram considerados elementos
importantes para a solução de problemas.
No fim do século passado, as obras sociais emprestavam mais
importância ao ambiente e às ocupações sadias, como preventivo contra
"influências nocivas da rua" e à delinqüência juvenil. Por isso, os
primeiros Centros Sociais se preocuparam em atrair a adolescência,
oferecendo-lhe atividades esportivas e recreativas. Até 1930, por
conseguinte, o trabalho com grupos se expressava através de programas
gerais de várias naturezas, tais como recreação, cultura física e
esportes, que favoreciam a organização de grupos e o desenvolvimento dos
indivíduos através do ensino de habilidades diversas. Movimentos de
juventude, como os Escoteiros e as Bandeirantes, as Associações Cristãs
de Moços (ACM e ACF), etc. desenvolviam uma mística e, por meio de
atividades, levavam a um código de atitudes, aproveitando os valores
positivos de cada um para o êxito do próprio grupo.
Estes programas e movimentos refletiam o pensamento dos
educadores. Considerava-se mais econômico educar em grupos do que
individualmente e as atividades educativas deviam, portanto, ter uma
estrutura que permitisse certa liberdade de expressão, decisão e
iniciativa. Era visível a influência de DEWEY.
Um terceiro tipo de programa, objetivo dos Centros Sociais,
consistia no treinamento de indivíduos em grupos para melhorar o
ambiente, obter uma legislação adequada ou recursos necessários às
comunidades ou dirigir atividades. As obras sociais não pessoal: líderes
para os movimentos de juventude, instrutores ou monitores para as
atividades esportivas ou recreativas, animadores para os grupos de ação
social.
Entre 1930 e o início da Segunda Guerra Mundial, o progresso da
sociologia, da psicologia e da psiquiatria, que influenciaram o Serviço
Social de Casos, atingiu também o trabalhe com os grupos. Os métodos de
educação

p. 77
e as técnicas de recreação levaram a considerar o grupo pequeno - o
"clube" - como ambiente propício ao desenvolvimento da personalidade. Os
assistentes sociais interessados neste tipo de trabalho procuraram
defini-lo dentro do Serviço Social: "Seria um campo de atuação ou um
processo?" As definições encontradas na literatura profissional da época
mostram a ênfase dada ao indivíduo normal e aos seus problemas e
necessidades; sente-se porém que o emocional ou psiquicamente
desajustado já preocupava os assistentes sociais. A influência de FREUD
e de seus discípulos começava a suplantar a de DEWEY.
Como numerosos voluntários, treinados "em serviço" ou em "cursos
intensivos", se ocupavam de grupos de crianças ou de adolescentes,
dedicaram-se os assistentes sociais a "grupos de tratamento",
acreditando que estes eram os que interessavam especialmente ao Serviço
Social.
Vários assistentes sociais publicaram estudos sobre o assunto:
CLARA KAISER, em 1936, com os Objetives of Group Work (Objetivos do
Serviço Social de Grupo); Grace L. COYLE, com Social Process in
Organised Groups (Processo Social em Grupos Organizados), em 1930,e
Studies in Group Behaviour (Estudos da Conduta Grupal), em 1937; J.
LIEBERMANN, em New Trends in Group Work (Novas Tendências em Trabalhos
com Grupos), em 1938. DOROTHY SULLIVAN esquematiza, em 1941, o processo
em Practice of Group Work (A Prática do Trabalho com Grupo); em 1946, a
Associação Americana para o Estudo do Serviço Social de Grupo que,
depois da Segunda Guerra Mundial se incorporaria à Associação Nacional
de Assistentes Sociais, promove um simpósio para definir o novo
processo.
Finalmente, os estudos de KURT LEWIN, R. Lippitt, MORENO e
outros, sobre a "dinâmica dos grupos" (isto é, o que se passa no
interior dos grupos, entre seus membros), constituíram um fator decisivo
no sentido de uma orientação psicológica dos grupo indivíduos na solução
de seus problemas de relacionamento e de socialização.

Não resta dúvida que, nos anos do pós-guerra, houve uma


tendência em aplicar o processo como método terapêutico

p. 78
para indivíduos "desajustados", confundindo-o, às vezes, com
"grupoterapia".
Depois da Segunda Guerra Mundial o processo é aceito como um
método do Serviço Social e aparece uma série de livros, hoje clássicos,
sobre o processo: Social Group Work, de HARLEIGH TRECKER, em 1949; The
Practice of Social Group Work, de WILSON e RYLAND, em 1949,traduzido
para o português em 1954; Social Group Work - a Helping Process, de
GISELA KONOPKA, em 1963, traduzido em 1968. Todos esses autores levaram,
aos poucos, aos modernos conceitos do Serviço Social de Grupo, que visa
a ajudar os indivíduos, através de grupos; a solucionar problemas
pessoais e de relacionamento ou de ajustamento social; alcançar os
objetivos do grupo e prepará-lo para participar ativa e efetivamente na
vida da comunidade.
Esta evolução processou-se nos Estados Unidos e no Canadá e, por
influência destes países, na América Latina.
"O Serviço Social de Grupo é um processo de Serviço Social que,
através de experiências propositadas, visa a capacitar os indivíduos a
melhorarem o seu relacionamento social e enfrentarem de modo mais
efetivo seus problemas pessoais de grupo e de comunidade 14.
[ 14. Documentos de Araxá, Debates Sociais, nº 4, maio de 1969, p.
12. ]

O Serviço Social de Grupo tem como sujeito o indivíduo e como


objeto as dificuldades que este encontra para viver harmônica e
normalmente com seus semelhantes; ajuda o indivíduo a se ajustar a
várias situações em que se depara na vida e a adotar atitudes
construtivas nas relações com seus semelhantes; previne que surgem da
falta de adaptação à sociedade ou de atitudes erradas para com ele, e
procura "capacitar os membros do grupo a uma efetiva participação no
processo social"15.
[ 15. Ibid., p. 12. ]

Em 1960, já se encontram bem definidos os três processos do


método de Serviço Social. Todas as Escolas de Serviço Social mantêm
cadeiras específicas sobre eles e os campos de estágios se diferenciam
pelos processos que neles se aplicavam.

p. 79
Em todos os países surgiram novas situações problemáticas
causadas pelo desenvolvimento, urbanização, migrações, guerras, etc. Por
influência de técnicos americanos, que os ajudavam na sua reconstrução,
os países europeus adotaram aos poucos o Serviço Social de Casos para
renovar a ajuda individual, característica do seu Serviço Social e, mais
tarde, o Serviço Social de Grupo. Nos Estados Unidos da América do
Norte, nos últimos cinco anos, escreve DEA KAY : "os educadores de
Serviço Social analisaram a estrutura do currículo e a pedagogia
utilizada para o ensino do Serviço Social" l6. As obras sociais junto
com as escolas tentavam várias experiências para melhorar o atendimento
a seus clientes.
[ 16. KAY, Dea. New Ways of Teaching Social Work, Couneil of Social
Work Education, 1972 p, XI. ]

Como ciência em elaboração, o Serviço Social não podia parar


naquilo que já havia conquistado; devia continuar seus estudos,
reflexões e experiências. Por volta de 1965, escolas e assistentes
sociais americanos perguntavam-se se o ensino da abordagem tradicional -
com seus tr6es processos - proporcionavam aos estudantes os necessários
conhecimentos, técnicas e valores para coordenar suas atividades de
Serviço Social em situações diversificadas. Algumas escolas planejaram
experiências no sentido de integrar, num só método, os três processos,
procurar descobrir a filosofia básica inerente às três abordagens, que
poderia servir para um novo enfoque e para identificar os processos e
técnicas que viriam a constituir o "método básico" ou "método genérico"
do Serviço Social. Tal preocupação não era apenas dos assistentes
sociais americanos, mas também dos profissionais latinoamericanos e
brasileiros, como veremos mais adiante.

A PROCURA DE UMA TEORIA DO SERVIÇO SOCIAL

O que caracteriza o Serviço Social, no século XX, é a procura


constante de um conjunto de princípios, conceitos filosóficos e
científicos, aplicáveis através de processos e técnicas diversas ,às
múltiplas situações encontradas. Não é uma atividade, embora empregue
grande número de atividades de natureza diversificada; nem

p. 80
tampouco um programa, não obstante ser um trabalho planejado e
coordenado. A medida que os estudos e as experiências se processam, o
Serviço Social se desenvolve e se aperfeiçoa; paulatinamente suas
características se definem, o que permitirá, no futuro, uma conceituação
mais acertada da sua verdadeira natureza e a procura de uma teoria do
Serviço Social.
Ora os conhecimentos se ampliam em extensão, isto é, transportam
explicações mais completas para outras vizinhas, ou por compreensão,
explicações melhoradas das que já se possuem; assim, há um progresso
gradual de melhoria e aprofundamento.
O mesmo se dá com o Serviço Social. Para a formação de uma
teoria é necessário considerar o que já sabemos, completando estes
conhecimentos por outros revelados pelo estudo e pela experiência;
devemos, portanto, examinar: 1) as experiências diversificadas para
comparar e unificar; 2) o aparecimento e definição de uma terminologia
consciente e ordenação lógica; 3) o embasamento científico e orientação
filosófica. O progresso das ciências sociais influiu decisivamente na
sua evolução, mas evolução diferente nos países europeus e do novo
continente.
Nesta evolução percebem-se vários aspectos. Não constituem
propriamente períodos, pois não podemos delimitar exatamente o início e
o fim de cada um; não são estanques, mas, pelo contrário, passa-se,
gradativamente, de um para outro e cada etapa conserva, durante um certo
tempo, aspecto interior. Nem todos os países apresentam, a um tempo, os
mesmos aspectos, nem se encontram no mesmo período. Por isso, nos
congressos internacionais tem sido difícil chegar a uma conclusão
unânime sobre a conceituação e operacionalidade do Serviço Social.
Podemos dividir a evolução da ajuda aos pobres e do Serviço
Social em aspectos mítico-intuitivo, idealista-filosófico,
empírico-positivo e científico-prático.
O período mítico-intuitivo. É mítico porque se trata de "uma
interpretação que possibilita viver os fatos numa unidade e coesão
superior" 17 baseada numa crença de
[ 17. Buzzi, Arcangelo, R. Introdução ao Pensar, Liv. Vozes
Ltda., Petrópolis., 1973, p. 82. ]

p. 81

validade mínima. É intuitivo, pois está de acordo com "uma interpretação


do mundo em vista da necessidade de enfrentar circunstâncias imediatas,
de resolver problemas pressionado por interesses os mais diversos" 18. O
conhecimento baseia-se sobre o que aparece e que ensine como operar na
realidade. É, em realidade, O "senso comum"; e é um modo de compreender
a realidade.
[ 18. BUZZI, Arcangelo. Op. cit., p. 74. ]

O período idealista-filosófico. "Idealista é aquele que crê no


poder das idéias e na nobreza dos sentimentos para reformar o homem e a
sociedade"19. Filosófico é o que se fundamenta numa concepção do homem e
do mundo e se apóia sobre uma teoria de valores para dirigir e agir. Seu
processo é principalmente indutivo.
[ 19. ÁVILA, Fernando Bastos d'. Op. cit., verbete "Idealismo". ]

O período empírico-positivo. Empirismo (do grego, empeiria,


experiência) é o conhecimento adquirido pela experiência e rejeita a
razão como prova da verdade. O agir empírico reconhece os fatos e a
ordem aparente, mas age sobre o que vê e o que crê, ao sabor da própria
experiência. No século XX, a sociologia positiva influenciou o
pensamento social chamando atenção sobre os fatos sociais e, como diria,
mais tarde DURKHEIM, tratando os fatos como "coisas", sem emitir
julgamentos de valores. Este novo empirismo não rejeita a razão quando
se fundamenta em fatos verificados. Admite um planejamento prévio,
baseado na observação, porém, na execução procura soluções imediatistas
à medida que surgem as dificuldade. É um processo dedutivo.
O período científico-prático. Científico, porque é "uma
apresentação da realidade à inteligência mediante sistemas elaborados e
propostos pela própria inteligência"20. É científico "desde o momento em
que pode indicar claramente seu objeto e falar claramente sobre ele"21.
Estes objetos são "os entes concretos que estão aí e se revelam ao
homem"21 No entanto, "nem todos os conceitos usados são passíveis de
clara representação, porque designam fenômenos imponderáveis,
constituídos no tempo e no espaço pela ação humana, sempre criadora,
[ 20. BUZZI, Arcangelo. Op. cit.,. p. 92.
21. Ibid., p. 93. ]

p. 82

embora atue num contexto determinado"22. Assim, "a ciência é praxis, não
é contemplativa, seu complemento natural é a técnica"22.
Dos estudos que já fizemos verificamos que a ajuda aos pobres e
mais tarde o Serviço Social podem ser incluídos nos períodos ou aspectos
acima mencionados:
[ 22. BUZZI, Arcangelo. Op. cit., p. 93. ]
Aspectos mítico-intuitivos da ajuda

1 - A ajuda aos pobres, da Antigüidade aos fins do século XIX,


apresenta um aspecto mítico-intuitivo: é governada pela magia e pelo
sobrenatural (era da Antigüidade e da Cristandade). Mais tarde
constatam-se fatos - miséria, fome, abandono - sem, no entanto,
ir às suas causas; aparece, em seguida, a idéia de causalidade (Renascimento e
Tempos Modernos), buscando-se, no entanto, remédios imediatos. Os
últimos anos deste período apresentam características idealistas: servir
ao pobre é uma virtude e um dever de solidariedade humana. Os escritos
de JUAN LUIS VIVES e a atuação de SÃO VICENTE DE PAULO podem ser
incluídos neste período.
2 - É possível datar o nascimento do Serviço Social, como forma
renovada de ajuda, da criação, em Nova York, da primeira Escola de
Serviço Social, em 1898.

Aspectos idealista-filosóficos do Serviço Social

A partir deste momento até a Segunda Guerra Mundial, situa-se um


período idealista-filosófico, que se caracteriza pela predominância dos
valores espirituais e filosóficos e pelo destaque dado aos "princípios"
do Serviço Social: respeito à dignidade do homem, à sua liberdade e
responsabilidade, aceitação do cliente, etc.

A orientação filosófica é o elemento mais antigo da teoria do


Serviço Social; apóia-se em postulados que inspiram sua política de
ação. A ênfase posta na concepção filosófica do mundo e do homem
revitaliza as idéias, dando-lhes uma base mais sólida, uma razão para o
que se crê e um apoio para agir. Apesar do progresso das

p. 83

ciências sociais e da sua manifesta influência sobre o Serviço Social,


tais idéias permaneceram durante muitos anos, principalmente na Europa e
na América Latina, mesmo quando os assistentes sociais já empregavam os
métodos e técnicas científicos.
Na primeira metade do século XX, a. U.C.I.S.S., nos seus
congressos internacionais, defendia os postulados e princípios do
Serviço Social, dentro de um contexto filosófico e confessional, mas,
aos poucos, foi-se abrindo a outras perspectivas, dentro de uma visão
ecumênica23.
[ 23. Ver o 9° Congresso Mundial da U.C.I.S.S., Bruxelas, 1958. ]

As reuniões da C.I.S.S. foram sempre mais abertas a qualquer


confissão e filosofia, mas os valores em que ela se apoiava eram os
mesmos da U.C.I.S.S., refletindo, portanto, as inspirações cristãs da
cultura ocidental. As reuniões internacionais a uma visão filosófica
cristã: o centro é o "homem e sua família" e o mundo que deve aprender a
construir e, para isto, é preciso que a sociedade o ajude.
Nas manifestações nacionais encontramos as mesmas perspectivas:
a A.N.A.S. (Association Nationale des Assistentes Sociales), da França,
insiste sobre o homem, sua dignidade e o respeito que lhe é devido.
Basta lembrar a importância dada pelas assistentes sociais francesas ao
"segredo profissional".
Nos Estados Unidos, a insistência sobre estes mesmos valores
representava uma reação contra as teorias racistas e comunistas; afirmar
a primazia da pessoa equivalia a enunciar um princípio da própria
constituição americana; era uma confissão de democracia. O Serviço
Social americano nunca minimizou os valores de uma filosofia cristã, mas
procurou emprestar-lhes base científica, isto é, um sentido consciente
às ações dos assistentes sociais: "saber o que faz, como faz, e por que
faz". O Serviço Social partia de situações reais da vida da pessoa e da
sociedade e procurava aprofundar seus conhecimentos para melhorar suas
técnicas de ajuda. Embora não fosse ainda científico, atuava dentro de
uma visão científica;

p. 84

Aspectos empírico-positivos do Serviço Social

Estes aspectos aparecem no Serviço Social, por influência da


sociologia positiva, principalmente nos Estados Unidos.
Esta influência levou as Charities Organizations, nos Estados
Unidos, a procurar treinamento para seus agentes, a fim de perceberem
melhor a realidade, reconhecer as causas e agir sobre elas. MARY
RICHMOND pensa dentro desta linha ao se referir à necessidade do seu
estudo, à importância de explorar e procurar compreender o problema do
cliente.
Depois da Segunda Guerra Mundial os dois pensamentos -
empírico-positivo e idealista-filosófico - foram se aproximando.
Tornava-se necessária uma percepção correta da realidade, portanto,
aceitação de observações empíricas e explicação das causas determinantes
do problema, mas a ação se inspirava nos valores filosófico-religiosos.

Aspectos científica-práticos do Serviço Social

Depois da Primeira Guerra Mundial, despontam, muito timidamente,


os primeiros sinais de uma visão científica: o aspecto sociológico
aparece com os primeiros trabalhos de MARY RICHMOND.
Nos seus dois livros, O Diagnóstico Social, publicado em 1917, e
What is Social Casework?, em 1922, MARY RICHMOND já identifica os
componentes do método e das técnicas a serem empregadas. MARY RICHMOND
dava muita importância ao ambiente onde vivia o cliente e às
circunstâncias específicas da sua situação. Segundo PETE LEONARD, a
"sociologia americana fornecia uma estrutura conceitual para observar o
homem na sociedade e é dentro deste contexto que se pode considerar a
contribuição de MARY RICHMOND para o Serviço Social"24. MARY RICHMOND
não tomou em consideração os conceitos freudianos, que começavam a ser
conhecidos; não se refere a FREUD nas suas obras, mas julga de
importância capital os fatores sociais para a compreensão do indivíduo.
"Um dos fatores mais salientes que diz respeito à vida consciente,
[ 24. LEONARD, Pete. Op. cit., p. 10. ]

p. 85

de qualquer ser humano, - afirma - é ser interligada com a vida dos


outros. É nas relações sociais de cada homem que se escreve a sua
história mental; é igualmente nas suas relações sociais que devem ser
principalmente investigadas as causas das desordens que ameaçam sua
felicidade e sua eficiência e os meios de conseguir a sua
recuperação"25.
[ 25. LEONARD, Pete. Op. cit., p. 10. ]

Num livro recentemente publicado, HOWARD GOLDSTEIN analisa a


contribuição de MARY RICHMOND à conceituação do Serviço Social nos
seguintes termos:
"O Diagnóstico Social de Richmond foi imediatamente considerado
como o critério mais erudito e profissional. Sua influência sobre o
Serviço Social foi enorme. Seu livro tornou-se, desde logo, o símbolo da
prática, ultrapassando qualquer outra técnica. RICHMOND, no entanto,
ficou preocupada com a aceitação incondicional de sua obra, sem a devida
consideração de suas limitações." "Passei 25 anos de minha vida, dizia
ela, para que o Serviço Social de Casos fosse aceito como um processo
válido do Serviço Social. Agora passarei o resto de minha vida
procurando demonstrar que o Serviço Social não é apenas Serviço Social
de Casos."
"O principal mérito do Diagnóstico Social consistiu em dar um
quadro de referências às atividades diagnosticadoras do assistente
social. RICHMOND apresenta um conjunto de princípios que definem
parâmetros para a prática do Serviço Social de Casos e as
responsabilidades específicas do assistente social frente a eles.
Serviço Social de Casos é explicado operacionalmente como um processo
específico para desenvolver a personalidade através de ajustamentos
conscientes, indivíduo por indivíduo, entre os homens e seu ambiente
social. O Diagnóstico é descrito como uma tentativa para chegar a uma
definição, tão exata quanto possível, da situação e da personalidade do
ser humano necessitado. Embora RICHMOND procurasse uma compreensão exata
do indivíduo, enfatizava igualmente o significado do relacionamento do
cliente com os outros indivíduos e com as organizações sociais da
comunidade. Apesar da consciência do indivíduo como pessoa em interação
com outras e com o meio,

p. 86

as fontes de conhecimento da época não lhe ofereciam meios para


aprofundar o fenômeno. Usando uma orientação tanto quanto legalística,
RICHMOND referia-se à coleta de evidências, envolvimentos ou
interferências a partir de comparações entre várias evidências para
chegar a um diagnóstico tirado da interpretação do significado dessas
interferências."
"Partindo, portanto, de um quadro formal de referências,
RICHMOND conseguiu construir uma base para processar o estudo,
diagnóstico e tratamento que se tornou um modelo para a prática do
Serviço Social."
"RICHMOND deu maior importância à entrevista que,a até aquele
momento, era realizada mecanicamente. Falou sobre as influências que,
segundo ela, afetavam a natureza da entrevista; origem do pedido de
ajuda, o ambiente, a tarefa específica e o conhecimento do cliente aos
quais ainda acrescentou as condições quantitativas que valorizavam a
entrevista. Não se referia à importância do relacionamento, mas exigia
que se escutasse o cliente com paciência e atenção; que houvesse tempo,
confidencialidade e reconhecimento dos esforços e esperanças do cliente
em relação ao problema. Em resumo, RICHMOND salientava a importância da
compreensão diferenciada, individualizada e da capacidade do cliente em
assumir responsabilidade pela sua condição. Transcende à importância
metodológica da obra de RICHMOND a insistência para um 'fazer com' mais
humano, em contraste com o 'fazer para'."
"A obra de RICHMOND contém duas idéias principais a primeira,
mais explícita, é a maneira organizada de compreender o indivíduo
através da coleta sistemática de informações que, se suficiente,
revelaria a causa profunda do problema e, portanto, apontaria o remédio
óbvio. No seu estilo conciso, apresenta os passos metodológicos que
constituem uma boa prática. De maneira mais explícita ainda, não resta
dúvida que havia nesta idéia uma certa qualidade utópica."
"Advertiu a profissão sobre o perigo de uma extrema
especialização. O trecho abaixo evidencia que ela considerava o Serviço
Social como um processo genérico aplicado de maneira especializada: 'O
método e objetivos do Serviço Social de Casos devem ser essencialmente
os

p. 87

mesmos em qualquer tipo de serviço. Alguns procedimentos podem ser


específicos de um grupo de casos, dependendo do problema a tratar; mas o
que se deve salientar é o que é comum. A divisão do Serviço Social em
departamentos e especializações é uma conveniência e uma necessidade; no
entanto, as semelhanças permanecem' (Social Diagnostic, p. 5.)."
"Além de enfatizar a importância da família ao trabalhar com
indivíduos, salientou que a família tem a sua própria história, diversa
da história de cada um de seus membros. É a concepção da direção da vida
familiar que determina o significante e o insignificante. Introduziu,
ainda, a idéia de coesão familiar, a influência das tendências
escondidas, a importância da afeição, admiração, treinamento e
desenvolvimento social na manutenção da família."
"O que, no entanto, conquistou a nova geração de profissionais
foram as idéias de RICHMOND sobre a metodologia e o processamento,
combinados com a ênfase sobre o indivíduo como entidade diferente do seu
ambiente. Este interesse era, provavelmente, uma necessidade sentida
pela profissão: um conjunto de normas e métodos que poderia ser usado e
resultar numa identificação. Além disso, na aplicação do dia-a-dia do
método pelos assistentes sociais, tudo o que dissera podia ser
verificado e achava-se assim reforçado pela obra de RICHMOND. O que era
um pensamento inarticulado tornou-se definido e cristalizado.
Finalmente, estas idéias se consubstanciavam na orientação pedagógica,
cuja ênfase consistia, então, numa prática artesanal"26.
[ 26. GOLDSTEIN, Howard. Social Work Practice: A Unitariam
Ap-proach University of South Carolina Press, Columbia, South Carolina,
1973, p, 28-30. ]

MARY RICHMOND foi a autora mais representativa da fase


sociológica do Serviço Social, na transição do período
idealista-filosófico, para o científico-prático.
Depois da Conferência de Milford, VIRGINIA ROBINSON (1959),
GORDON HAMILTON (1941) e FLORENCE BOLLIS (1949) deram início à fase
psicológica. Os conceitos psicológicos, principalmente os de FREUD e de
seus discípulos e contestadores, forneceram por isso CHARLOTTE

p. 88
TOWLE denomina esta fase como de "relacionamento".
No Social Year Book de 1943, ARLIEN JOHNSON escreve que o
Serviço Social é "um serviço para ajudar os indivíduos e os grupos a
instaurar relações positivas e nível de vida de acordo com seus desejos
e capacidade e em harmonia com os da comunidade".
Na década de 40, nos Estados Unidos, a profissão enfrentou
interessante controvérsia filosófica e psicológica entre duas escolas de
pensamento: a escola "diagnóstica" e a escola "funcional".
HOWARD GOLDSTEIN27 apresenta, como segue, as concepções das duas
tendências:
[ 27. GOLDSTEIN, Howard. Op. cit., p. 20. ]

"A escola diagnóstica, que se originou da formulação de


Richmond, enriquecida e ampliada pelas teorias freudianas, contém uma
interpretação determinante de conduta. O indivíduo é visto em termos
lineares; sua condição presente é determinada por eventos causais de sua
vida pregressa que, para serem resolvidos e liberar potencialidades para
um ajustamento atual, devem ser descobertos e compreendidos. Algum
insight se faz necessário no início para dominar a existência no
momento.
A escola funcional, pelo contrário, baseava-se numa psicologia
do crescimento e numa filosofia parecida com o existencialismo.
Capacidade para mudança não era determinada pelos eventos anteriores;
dando-lhe oportunidade e lhe proporcionando um relacionamento positivo,
o indivíduo era capaz de mudar por si mesmo.
Na escola diagnóstica, o centro de mudança é o assistente social
que diagnostica o problema, prescreve e executa o tratamento. Na escola
funcional, o centro é o próprio cliente, enquanto o assistente social
apenas ajuda e facilita, presente pelo relacionamento, para aumentar o
potencial de crescimento latente no cliente."
As duas escolas tiveram vida efêmera, porém ainda hoje
encontramos resíduos de ambos os pensamentos na prática dos assistentes
sociais norte-americanos e, talvez, na de países que sofreram sua
influência.
"A escola diagnóstica criou um modelo: estudo, diagnóstico e
tratamento inspirado nos princípios da ciência

p. 89
médica. O estudo coletava dados importantes sobre a natureza do problema
e levava aos objetivos do tratamento. Estudo, diagnóstico e tratamento
eram considerados, no início, como um processo linear. O tratamento não
podia per iniciado antes que os fatos mais importantes tivessem sido
descobertos e o diagnóstico formulado. Muitos assistentes sociais
achavam que o tratamento não podia esperar em vista de situações
prementes e em que se encontrava o cliente. Ainda mais, o tratamento, em
realidade, começava com o primeiro contato com o cliente. Desta maneira,
apoiando-se sobre o significado das forças intrapsíquicas, o tratamento
focalizava a solução do conflito e correção de distorções internas. Esta
teoria não explicava, entretanto, a inter-racionalidade ou reciprocidade
da natureza humana com o meio social: o homem era compreendido como um
reator e não como alguém que influísse ou modificasse o ambiente."
"A escola funcional proclamava que o indivíduo seria melhor
compreendido pelas manifestações de sua personalidade dentro das
circunstâncias imediatas e que a pessoa, sendo única e complexa, não
poderia ser diagnosticada em relação ao passado. A prática era,
portanto, organizada de acordo com conceitos específicos que aclaravam o
caráter da pessoa dentro do campo de tratamento, isto é: 1) a função da
organização, e 2) os serviços oferecidos por esta. Acreditava-se que
estas limitações, consideradas no início do tratamento, colocavam o
cliente diante da necessidade de mudar sua "vontade" (will), motivando-o
para uma ação imediata. O conceito de "vontade" (will) suplantava o de
ego e foi usado a fim de determinar se o cliente possuía bastante
possibilidade para trabalhar seu problema. Um período de tempo era
fixado com duas implicações: 1) a compreensão e a solução deviam
acontecer dentro de determinado período de tempo; 2) a consciência, por
parte do cliente, de que as limitações temporais levaram à ansiedade e
esta a uma motivação para mudar."
"A maior contribuição da escola funcional e que permanece até
hoje, consiste na introdução e ampliação do conceito de relacionamento,
que aumentou e tornou viável uma corrente transacional do que se passa
entre o assistente social e o cliente. O modo pelo qual o cliente se

p. 90
apresenta e se conduz dentro do relacionamento proporciona a compreensão
da maneira característica de lidar com a perda de controle, ansiedade,
intimidade, etc. A diferenciação entre projeção e realidade nestes
fatores era conseguida pelo assistente social através de sua própria
experiência, calor e interesse para com o cliente. A dinâmica do
relacionamento constituía, assim, a base do crescimento e da mudança."
Aos poucos, as duas escolas se aproximaram: - "A escola
funcional reconheceu a importância do estudo e diagnóstico e a escola
diagnóstica adotou o conceito de relacionamento." 28
[ 28. GOLDSTEIN, Howard. Op. cit., p. 22. ]

Havia, portanto, um começo de preocupação com o "agir" do


assistente social: a necessidade de alicerçar este agir sobre
conhecimentos teóricos de um lado e sobre técnicas comprovadas do outro.
Representativo desta época é o livro de ANNETTE GARRETT, A Entrevista,
seus Princípios e Métodos, publicado em 1949 e traduzido para o
português em 1952. Entrava-se, aos poucos, no período científico do
Serviço Social.
Embora os livros de MARY RICHMOND e GORDON HAMILTON
apresentassem características de trabalho científico, a teoria do
Serviço Social só começa a ser formulada a partir de 1950.
Procura-se "conhecer pelas causas": como se produzem os
fenômenos e por que aprender pela demonstração, explicar os motivos, ver
no real o que há de universal e procurar um método de trabalho. Até
aquele momento o Serviço Social considerava a teoria como uma orientação
para a ação, dentro de uma visão normativa, portanto filosófica.
Sente-se, nos últimos estudos, uma tendência para considerar a
teoria como explanação, que procura na lógica das justificativas e na
metodologia a comprobabilidade de sua atuação levando ao raciocínio e
análise dos fatos.
Dentro da classificação das ciências, o Serviço Social pode
incluir-se entre as Ciências Hermenêuticas ou ciências humanas ou do
espírito. (Hermenêutica, da palavra indo-germânica, que envia,
mensageiro). Conhecer cientificamente

p. 91
é conhecer formalizando, apoiando-se em metodologia de
pesquisa; conhecer hermeneuticamente é interpretar. "O objeto dessas
ciências é sempre cultural, é um valor29 e este objeto se constitui a
partir da ação humana ou vontade de alcançar um fim. A praxis, por sua
vez, apóia-se numa teoria, que lhe dá a explicação de fenômenos e sobre
esta explicação fundamenta-se um esquema operativo funcional-prático.
[ 29. BUZZI, Arcangelo. Op. cit., p. 12. ]

O período empírico-positivo constitui a primeira tentativa do


Serviço Social a caminho do pensamento e agir científico. O período
idealista-filosófico contribuiu com seus valores, o que era necessário
para fornecer um quadro de referência à concepção do homem e do mundo.
Houve, assim, um processo dialético que, lentamente e devido a muitos
estudos e experiências, levou às portas do período científico.
A evolução do Serviço Social revela claramente que, por
influência da sociologia, dava-se inicialmente muita importância às
relações entre a pessoa e seu ambiente. O ambiente era considerado
condição para que a pessoa tivesse uma vida normal. Foi a posição de
MARY RICHMOND e de GORDON HAMILTON, que se apoiavam numa teoria do
"social". O "social" constitui, assim, o objeto30 do Serviço Social.
[ 30. Objeto, o que é pensado em relação a quem pensa ou sujeito;
o que se relaciona com uma ação por parte do sujeito. Ex.: 0 Homem é o
objeto do Serviço Social, no sentido que é a pessoa que deve ser
ajudada, orientada, conscientizada, etc.; é para quem se dirigem os
esforços do Serviço Social. O "social" é o objeto de Serviço Social,
como preocupação principal em relação às situações em que se enquadra o
Homem. ]

A influência idealista-filosófica deu importância à "pessoa"


como sujeito31 da sua história e levou a uma teoria da "pessoa",
elemento importante como também importante era a maneira pela qual
desempenhava seu papel na sociedade e o uso que fazia dos recursos.
A psicologia e a psicanálise, cuja influência começa a se fazer
sentir na década dos anos 3032, levam os assistentes
[ 31. Sujeito, quem conhece por oposição ao objeto conhecido;
pessoa considerada em relação a seus atos. Ex.: O Homem é o sujeito da
sua história; é ele que a determina e a constrói.
32. Ver Robinson, Virgínia, A Changing Psycholog in Casework,
Columbia University Press, N. York, 1936. ]

p. 92

sociais a estudar os conceitos do "ego", do inconsciente e dos


mecanismos de defesa. Temos aí uma teoria da pessoa, mas centrada sobre
o "eu".
Finalmente, a ênfase que os países em desenvolvimento deram às
técnicas econômicas e psicossociais conduz novamente o Serviço Social a
examinar sua posição em face do social, mas de maneira renovada e
dialeticamente, unindo o social e a pessoa.
Embora a sociologia tivesse aparecido como disciplina científica
antes da psicologia, foi esta última que, nos Estados Unidos,
influenciou mais fortemente o Serviço Social no processo de abordagem
individual.
A influência da psicologia social revela-se particularmente
marcante no Serviço Social de Grupo e no trabalho comunitário; enquanto
o Serviço Social de Casos continua ainda dominado por teorias
psicológicas, principalmente as freudianas.

Algumas definições 33

[ 33. A maioria das definições citadas neste capítulo, salvo


indicação em contrário, foram tiradas de JUNQUEIRA, Sônia Botelho,
Coletânea de Definições de Serviço Social - Debates Sociais, Suplemento
n° 2, 1969. ]

As primeiras definições do Serviço Social formuladas na Europa e


nos Estados Unidos são significativas desta evolução
Em 1918, PORTER R. LEE j á conceituava o Serviço Social como "o
auxílio" dado às famílias e aos indivíduos para alcançarem uma vida
normal em relação à saúde, à educação, ao trabalho, à recreação e ao
desenvolvimento espiritual.
ARMAND-DELILLE, em 1922, no seu livro L'Assistance Sociale et
ses moyens d'action, não emprega ainda o termo Serviço Social, mas
afirma que o "assistente social deve dar uma ajuda material, intelectual
e moral ao indivíduo que, tendo-se tornado dependente, não pode
assegurar por si mesmo a luta pela existência".
Em 1928, a Primeira Conferência Internacional de Serviço Social
apresentou uma definição que se tornaria clássica durante umas duas
décadas: "Serviço Social é o conjunto de esforços visando minorar
sofrimentos oriundos

p. 93

da miséria (assistência paliativa), recolocar os indivíduos e as


famílias em condições normais de existência (assistência curativa),
prevenir os flagelos sociais (assistência preventiva), melhorar as
condições sociais e elevar o nível da existência (assistência
construtiva)."
Aquela época, o Serviço Social era visto como auxílio, ajuda
material, intelectual e moral: paliativa, curativa, preventiva e
construtiva.
Em 1931, RENÉ SAND sintetiza as definições acima: "O Serviço
Social incorpora a caridade, a assistência e a filantropia, mas os
ultrapassa e se distingue deles por seu caráter científico, por sua
preocuparão de pesquisa das causas e pela extensão de seu campo de
estudo e atividades. Poderemos dizer simplesmente que é o funcionamento
do sentido social esclarecido pelas ciências sociais."
No Congresso de Bruxelas, em 1935, a U.C.I.S.S. propôs a
seguinte definição: "Serviço Social é o conjunto de trabalhos sociais
coordenados e metódicos, feitos por agentes competentes, tecnicamente
preparados, e que tem por fim auxiliar, educar, reeducar o indivíduo e
sua família para condições de existência, prevenir o retorno a essas
falhas, agindo diretamente sobre as causas, de maneira a organizar
melhor os diversos quadros sociais."
As definições mencionam a finalidade do Serviço Social: alcançar
uma vida normal, assistir, curar, prevenir, construir, auxiliar, educar,
reeducar e organizar; resolver problemas e aproveitar recursos. A
operacionalidade do Serviço Social é "um conjunto de esforços ou de
trabalhos". Os assistentes sociais percebem que não basta observar para
remediar, mas é preciso saber observar para deduzir as causas e saber
ajudar.
A terminologia muda no enunciado das definições: em 1955,
HARLEIGH TRECKER, referindo-se à definição de ARLIEN JOHNSON, de 1943,
explica a natureza unitária do Serviço Social e dos meios empregados,
mostrando que o Serviço Social opera dentro de uma cultura, onde se
manifestam interesses e necessidades individuais e coletivas, atendidos
por uma diversidade de entidades que empregam métodos de intervenção,
administração e pesquisa.
Duas observações importantes se contêm nesta definição: 1) o
Serviço Social é produto de uma cultura, mas de uma cultura ocidental e
de um regime capitalista;

p. 94
2) pela primeira vez, aparece o termo "método de intervenção" ou ajuda
processual, sistematizada, com ordenação lógica feita à base de
observações e reflexões, ou seja, atividade seguindo uma lógica não
apenas de observação e de reflexão, mas de ação.
A partir desta data - 1955 - sente-se nos estudos e trabalhos
dos assistentes sociais a preocupação com o aspecto científico do
Serviço Social. Não é apenas a observação dos fatos e a procura das
causas, mas dos mecanismos das causas para chegar aos aspectos
observados; é a análise da operacionalidade do Serviço Social: a razão,
o "porquê" de suas várias ações. Dentro desta visão, MURRAY Ross afirma,
em 1955: "A finalidade do Serviço Social é eliminar os obstáculos que se
opõem ao crescimento, favorecer o livre jogo das potencialidades e a
utilização conveniente de recursos internos, desenvolver a capacidade
para organizar a própria vida e as aptidões para funcionar com unidade
integral"34.
[ 34. ROSS, Murray, G. Op. cit., p. 73. ]

As Nações Unidas, no 3º Inquérito Internacional (1956) sobre a


formação do pessoal de Serviço Social, conceituam o Serviço Social como
"a técnica que, diante das rápidas transformações que sofre o nosso
mundo, trata de reconhecer as conseqüências sociais das mesmas e adotar
medidas necessárias a aliviar as tensões a que estão submetidas a
sociedade e sua unidade básica - a família - tratando de estabelecer
programas de desenvolvimento social, destinados a impedir a inadaptação
individual, a desagregação social, assim como alcançar um
desenvolvimento econômico que contribua para o bem-estar da população".
Aponta a pesquisa como meio de reconhecer "as conseqüências sociais" e a
programação das atividades.
PHILIP H. Varr PRAAG, subdiretor da Escola de Serviço Social de
Amsterdam, escreve na revista Serviço Social Interamericano, em março de
1957, que o Serviço Social "é uma metodologia que serve de elo entre a
visão que emerge de um conjunto de conhecimentos especializados - cada
dia mais unificados - e certos fins que têm suas raízes em princípios
filosóficos... : a metodologia proporciona os instrumentos de que
necessitam os assistentes

p. 95

sociais, ensinam como podem ajudar os indivíduos, grupos e


comunidades que procuram ou carecem de ajuda". 35
[ 35. VAN PRAAG. Philip H. Conceitos Básicos de Servido Social,,
Serviço Social Interamericano, n.º 7, março de 1957. ]

No relatório que apresentou à Comissão de Curriculum do Council


of Social Work Education, em 1959, WERNER BOEHM opina que "o Serviço
Social é uma arte fundamentada em conhecimentos e valores, cuja função é
a solução de problemas, correspondendo às necessidades humanas
reconhecidas pela sociedade", portanto, tem uma função de socialização e
de controle. É "alicerçado em valores mantidos pela sociedade da qual
faz parte... e se expressa através das atividades do assistente social".
"O Serviço Social, ao contrário de muitas profissões, não se ocupa
unicamente da vida íntima da pessoa ou do desenvolvimento do indivíduo
como tal, mas em relação com a realidade social externa em que está
envolvido. Preocupa-se com os fatores que, no ambiente, criam ou
constituem problemas para os seres humanos e impedem a realização de
suas vidas. Seus objetivos são portanto: 1) a restauração do
funcionamento social: eliminar fatores que causam a interrupção deste
funcionamento; reorganização e reconstrução de padrões de interação; 2)
previsão de recursos sociais ou individuais; 3) prevenção pelo controle
e eliminação de condições e/ou situações que potencialmente podem
impedir o funcionamento social eficiente." 36
[ 36. BOEHM, Verner, M. The Nature op Social Work, Journal of
Suciai Work, vol. 3, n.º 2, abril, 1958. ]

Segundo GISELA KONOPKA (1963), o Serviço Social "é um método


para: 1) avaliar, esclarecer e ajudar os indivíduos a promover uma
interação entre seus motivos particulares e as exigências do ambiente
social; e 2) ajudá-los a mudar este ambiente se este for prejudicial ao
desenvolvimento social dos indivíduos". 37
[ 37. KORNOPKA, Gisela. Social Group Work - A Helping Process,
Prentice Hall, Inc., N. Y., 1963, traduzido e editado por Zahar, 1971,
p. 20. ]

Num trabalho fartamente utilizado por assistentes sociais,


Govenlock 38, em 1966, considera o Serviço Social como: 1) uma
instituição: realidade, entidade ou dimensão
[ 38. GOVENLOCK, Shawn. Service Social un engagement rationel,
Service Social dans le Monde, nº 3, Juillet, 1966. ]

p. 96

são visível da sociedade industrial contemporânea; é, portanto, um


fenômeno social; 2) um grupo profissional; 3) uma disciplina ou "forma
de atividade", de acordo com uma abordagem consensual, isto é, conjunto
de opiniões dos assistentes sociais a respeito do que é o Serviço
Social; 4) uma abordagem histórica: o que foi o Serviço Social através
dos tempos, nos diferentes contextos e inspirado por ideologias
diversas.
É o que tentamos fazer no presente trabalho: uma abordagem
teórica ao nível dos valores; realização do potencial humano e ao nível
dos conhecimentos; fenomenologia, dinâmica de integração entre a pessoa
e o meio social, visto suas implicações para o desenvolvimento do
potencial humano.

TENDÊNCIAS ATUAIS DO SERVIÇO SOCIAL

Nos Estados Unidos, as Escolas de Serviço Social têm examinado,


de modo exaustivo, a conceituação atual do Serviço Social.
Apresentam três tipos diferentes de orientação do ensino do
Serviço Social. Considerado como uma unidade, é apresentado numa: a)
abordagem combinada, identificando os fatores comuns nos três processos;
b) abordagem unitária, dando ênfase à solução de problemas de acordo com
o sistema-cliente, e c) abordagem genérica, dando realce ao processo
básico de mudanças planejadas, e o uso consciente desses processos nos
vários sistemas profissionais, sistemas de mudança, sistemas teóricos de
configurações, etc.
As teorias utilizadas são a teoria geral de sistemas, base da
abordagem unitária e genérica, que fornece uma orientação sistemática e
flexível e permite desenvolver novos enfoques do Serviço Social no
futuro. O sistema de "equilibrium", por exemplo, dentro de um sistema de
relacionamento, é compatível com o desenvolvimento e funcionamento, com
a interação do sistema dentro de outros vizinhos e num sentido objetivo
(em oposição à antiga dicotomia: patologia x normalidade). Outras
teorias são também empregadas: teoria da ansiedade, de aprendizagem,
psicossocial, dos pequenos grupos, etc.

p. 97

O aluno deve se familiarizar com as várias teorias e, na prática,


apreender a estrutura da teoria e como analisá-la; não assimilar apenas
fatos, mas aprender a usar princípios de criatividade.
As considerações acima levaram a Escola, de Serviço Social da
Universidade de St. Louis, Missouri, a adotar o método genérico e a
procurar uma nova terminologia que se aplicasse a várias abordagens,
fugindo assim dos termos tradicionais de estudo, diagnóstico e
tratamento ou diagnóstico e intervenção 39. Esta Escola leva em
consideração as mudanças operadas na sociedade, tanto americana como
internacional, e uma nova caonceituação dos valores profissionais, como
um constante desenvolvimento, mais profundo e dinâmico, da atividade
profissional (em vez de uma série de orientações).
[ 39. Palestra de Miss Joan Smith, da Universidade de St. Louis,
Missouri, na PUC/RJ, julho, 1974. ]

Para esta Escola, as funções do Serviço Social são: a)


contribuir para o desenvolvimento da justiça social na sociedade; b)
despertar a motivação, capacidade e oportunidade dos seres humanos, nos
seus diferentes sistemas, para obter auto-realização.
São estas as idéias principais que levaram a esta definição de
função: a) o assistente social como agente de mudança; b) a sociedade e
as várias unidades sociais desta mesma sociedade, incluídos indivíduos,
são os sistemas potenciais da mudança; c) o processo de mudança é mais
um desenvolvimento do que um tratamento.
Em 1972, JACK STUMP, num relatório da Escola de Serviço Social
de San Diego, Califórnia, E.U.A., escreve que o Serviço Social "é a
aplicação de valores profissionais, finalidades, conceitos e
conhecimentos que orientem a conduta do profissional para agir sobre uma
situação social-problema de maneira a reduzir os problemas sociais e
aumentar a competência social dos indivíduos e entidades sociais". Por
redução dos problemas sociais o Autor entende "a promoção de mudanças
necessárias nas estruturas e funcionamento das entidades;
estabelecimento de política comunitária ou societal adequada para
limitar as dificuldades e promover e aumentar os recursos para capacitar
pessoas e oferecer maiores oportunidades de desenvolvimento às
populações". O Serviço Social "se

p. 98

preocupa com os indivíduos, o grupo e a comunidade, ou melhor, com o


indivíduo e a organização da sociedade, que é o elo estrutural e
funcional com o sistema social"40.
[ 40. STUMP, Jack. Developing the Social Work Practice Curriculum
in San Diego State College - a Further Statement, in "New Ways to Teach
Social Work Practice", editado por Dea Kay Council of Social Work
Education, New York, 1972, p. 34. ]

Pincus e MINAHAM 41 vêem na prática do Serviço Social


interação de quatro sistemas básicos: 1) o sistema-"agente de mudança",
que é o assistente social trabalhando independentemente ou com outros
agentes de mudança, ou dentro de uma instituição que o contrata com
propósito específico de criar mudanças; 2) o sistema-"cliente", que pode
ser um indivíduo, família, grupo, organização ou comunidade; 3) o
sistema-"alvo", ou seja, as pessoas que o agente de mudança precisa
influenciar para atingir os objetivos da intervenção e que pode
coincidir ou não com o sistema-cliente, total ou parcialmente; 4) o
sistema-"ação", que inclui aqueles com os quais a assistente social
estabelece contatos em seus esforços para realizar suas tarefas e
atingir os objetivos de mudança.
[ 41. PINCUS Allen and MINAHAM Ann. Social Work Practice: Models
and Methods, F. E. Peacock, New York, 1970. ]

GOLDSTEIN distingue três sistemas na prática do Serviço Social:


1) o sistema-assistente social; 2) o sistema-cliente, e 3) o sistema de
trocas ou mudança (change system), que se estabelece quando os dois
primeiros entram em contato.
O sistema-assistente social é a inter-relação entre
características pessoais e técnicas manifestadas no comportamento
profissional; é o "estilo do assistente social" e o papel deste, ou
seja, "os comportamentos recorrentes, as obrigações normativas e as
responsabilidades que delineiam status e posição; são comportamentos
dirigidos "a" e "em resposta a" uma situação social particular".
O sistema-cliente é o cliente considerado como um sistema,
dentro, porém, de outros sistemas dos quais faz parte, isto é, como um
subsistema, com os quais interage.
O sistema-mudança onde operam dois processos: o de comunicação
entre o sistema-cliente e o sistema-assistente social e os outros
sistemas vizinhos, e o de aprendizagem,

p. 99
ambos se desenvolvendo em função dos objetivos da intervenção.
O modelo desses autores compõe-se de três variáveis
inter-relacionadas: 1) a estratégia; 2) os alvos, e 3) as fases da
intervenção.

"1) A estratégia inclui as três principais atividades do


assistente social:

- estudo e avaliação, isto é, o reconhecimento


da situação na qual vai intervir;
- intenção e intervenção, que dizem respeito á complementaridade
entre os objetivos e a ação. A intenção inclui o propósito de agir e o
planejamento da ação, enquanto a intervenção é a expressão manifesta da
intencionalidade;
- reavaliação, pela qual o assistente social pesa os resultados
e as implicações das atividades anteriores, a fim de ver até que ponto
os objetivos estão sendo atingidos e poder decidir quanto ao
prosseguimento da intervenção.
Em resumo: a estratégia inclui processos de refinamento, isto é,
da percepção, da tomada de decisões, da ação, do julgamento e da
reavaliação. Esses processos são diferentes nas várias fases da prática
e se relacionam com os alvos específicos da intervenção.
2) Os alvos referem-se aos tipos de unidades sociais às quais se
dirigem os serviços profissionais e que se definem segundo as habituais
configurações sociais - pessoa, família, grupo, organizações e
comunidades. Distinguir estes alvos não significa tratá-los como
unidades autônomas; a prática exige que se esteja consciente das
interrelações de uma com outras. Embora freqüentemente o alvo seja o
usuário dos serviços do profissional, em sentido lato é qualquer sistema
ao qual se recorre em benefício do cliente.
3) As fases da prática dizem respeito aos estágios através dos
quais progride a experiência de mudança orientada. Distinguem-se três
fases: a inicial (induction phase), a central ou nuclear (core phase) e
a final (ending

p. 100

phase). Em cada fase desenvolvem-se todas as atividades da, estratêgia;


há diferenciação nos papéis do assistente social e do sistema-alvo. A
fase inicial é aquela dentro da qual o foco da prática é dirigido para
clarificação e desenvolvimento do papel que cabe ao cliente, de acordo
com a identificação e avaliação do problema ou tarefa a realizar. A fase
nuclear é aquela dentro da qual o sistema-mudança é estabilizado; a
ênfase é colocada nas possibilidades da resolução de problemas e os
esforços dirigidos à realização de tarefas e mudança. A fase final é o
período no qual se chega à resolução do problema ou se termina a tarefa
proposta, se avalia o que foi feito e se faz o planejamento subseqüente.
O conteúdo de cada uma destas três variáveis da prática está
relacionado ao conteúdo das demais"42.
[ 42. FIGUEIREDO, Maria Aydil. Apontamentos de aulas, UFRJ.,p. 6. ]
Pelo que acabamos de ver, a finalidade do Serviço Social
consistiu sempre em prestar "ajuda" aos que dela necessitam; os
objetivos passaram de um reajuste à vida normal para a capacitação do
cliente para enfrentar e solucionar seus problemas e para um
funcionamento social adequado; a qualidade de ajuda transformou-se de
uma ajuda empírica e imediatista para a "aplicação de valores, conceitos
e conhecimentos", a fim de orientar o agir profissional; a finalidade
geral do Serviço Social engloba a promoção de mudanças nas estruturas,
funcionamento das instituições sociais e promoção de uma política
comunitária a fim de oferecer maiores oportunidades de desenvolvimento
às populações, e sua operacionalidade passa de um conjunto de atividades
ou de esforços para uma unidade e uma metodologia de intervenção.
Do exame de obras recentes sobre Serviço Social, podemos deduzir
algumas novas tendências que despontam nos Estados Unidos e na Europa
(Inglaterra e França):
1) Aplicação das teorias dos sistemas a indivíduos, grupos e
comunidades e outros sistemas maiores, permitindo melhor compreensão de
sua interdependência;
2) volta ao trabalho com a família, o que não deixa de ser uma
idéia antiga com roupas novas, mas considerando-a como um sistema;

p. 101

3) estudo mais profundo das ciências sociais, introduzindo um


novo vocabulário mais preciso, traduzível e comunicável;
4) o indivíduo, visto no contexto familiar ou na estrutura do
grupo, compreendido em relação aos determinantes da cultura, classe e
condições econômicas e sociais e não apenas psicológicas;
5) do ponto de vista sociológico, estudo da cultura da pobreza
e, em política social, a luta contra esta;
6) inclusão de indivíduos não motivados ou difíceis de abordar
como clientes do Serviço Social, o que é a aceitação da "despistagem de
casos" do início do Serviço Social europeu, portanto, ênfase em aspectos
preventivos, o que vai influenciar o conceito de intervenção na área
problemática e suas conseqüentes implicações;
7) estudos mais profundos da estrutura dos grupos para uma
metodologia adequada nas abordagens grupais e comunitárias;
8) a comunidade e seus elementos como "sistema-cliente" e não
apenas como campo de trabalho, levando à ampliação do conceito de
intervenção ao nível comunitário e à procura de sua teoria;
9) nas escolas de Serviço Social, procura de melhor equilíbrio
entre estágios e curso acadêmico, sem a predominância do primeiro sobre
o segundo. Dentro desta perspectiva, observa-se:
a) inclusão do estudo de outras teorias, além das
freudianas e das rankianas;
b) visto que o estudo da prática e a troca de experiências
resultavam somente numa sabedoria prática, procura de meios para melhor
estudar a teoria;
c) estímulo aos trabalhos de pesquisa, em nível de mestrado e
doutorado e pelas entidades de beme-star;
d) incentivo aos estudos da filosofia sobre a qual deve se
alicerçar a profissão: conduta humana, relações sociais e societais.
As Escolas de Serviço Social não consideram estas mudanças em
termos de aumento de disciplinas no currículo, mas como fator de melhor
compreensão das

p. 102
implicações filosóficas para a formulação de uma prática eficiente.
O Serviço Social estabelece um elo com o primeiro ideal da
caridade, "ajudar os indivíduos e a sociedade a se ajudarem a si
mesmos", porém, agora, dentro da visão científica, com base em
observações, reflexões, análises e sínteses, para conhecer a razão das
causas, a personalidade do sistema-cliente e aplicar conscientemente
atividades técnicas adequadas.

p. 103

SEGUNDA PARTE

EVOLUÇÃO DA IDÉIA DE AJUDA E DE SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL.

p. 105
CAPITULO I

REALIDADE E DESENVOLVIMENTO

O Serviço Social não se desenvolveu em todos os países e em


todas as épocas da mesma maneira; o contexto social, econômico e
político o influenciou em cada momento histórico. Para compreender não
somente sua evolução, como o que é e o que deve ser o Serviço Social na
América Latina e mais particularmente no Brasil, precisamos estudá-lo
dentro do que seja a "realidade" e dentro do contexto do desenvolvimento
que o continente atravessa.

A REALIDADE

"Realidade" brasileira é termo que aparece com muita freqüência


no vocabulário do Serviço Social e, geralmente, com um sentido
pejorativo para demonstrar a inadequada operacionalidade do Serviço
Social aqui e agora.
A palavra "realidade", extensão da palavra "real" (do latim:
res, coisa), quer dizer uma coisa, situação, estado que pode ser
observado, medido, identificado, possível de ser analisado, sintetizado,
sentido, visto; não é uma abstração, é uma "existência".
Há vários níveis de realidade: sensível - o mundo exterior e
tudo o que percebemos pelos sentidos; intelectual - conceitos, verdades,
princípios, etc.; emocional - sentimentos, emoções. Estes três níveis se
relacionam entre si, de modo que o que vemos não é estático ou
Permanente, mas em constante movimento e mudança.
p. 106

Para o Serviço Social, a realidade precisa ter um significado e


só pelo conhecimento científico é que dela podemos tomar posse e
dominá-la. Assim, a realidade é estudada com o auxílio das ciências e de
acordo com as teorias destas pode-se explicá-la de diferentes maneiras.
São, porém, as teorias éticas e axiológicas que apresentam um conjunto
de informações quanto à natureza e conhecimento que nos levarão a
diferentes percepções da realidade.
Qualquer estudo científico parte do que é, do que se constata,
para saber o porquê da situação dos fenômenos, compará-los e chegar a
generalizações que, assim, nos levam a enunciar teorias. Estas, por sua
vez, fornecem uma orientação para a avaliação dos fenômenos e, se
necessário, agir sobre eles. Há, portanto, um movimento dialético: da
realidade a explicação desta, que leva à teoria, e, por ela, volta-se à
realidade, devidamente percebida.
A realidade é, assim, uma imagem cientifica do mundo, obtida
pela experiência. A partir de um fato ou de um fenômeno, procuramos
situá-la dentro de um contexto mais complexo, examinando seu
significado, função, natureza aparente e profunda, origem, finalidade,
subordinação, enfim, sua estrutura com todas as suas implicações.
A "realidade" brasileira é o que vemos, presenciamos e vivemos
como participantes da vida nacional; tem a sua origem na história do
País e sua evolução através dos séculos, que formaram uma cultura e
ditam a conduta de todos seus cidadãos; influi 'sobre a vida social,
econômica e política e gera sentimentos e emoções. O estudo das ciências
- economia, psicologia, sociologia, política, história, etc. - fornece
uma interpretação às percepções do sujeito cognoscente sobre o
significado dos acontecimentos e do estado em que se encontra o País,
significado este respaldado em teorias que levam o sujeito a suas
próprias conclusões e influenciam a sua conduta.
A realidade existe diante dos nossos olhos; pode não ser
percebida na sua verdadeira existência. Segundo 0 sociólogo francês
BOURDIEU 1, podem surgir obstáculos à
[ 1. BOURDIEU, P., Passeron, T. P. Et Chamboredon, J. P. Le
Metier du Soeiolopue, PtJC, França, 1964. ]

p. 107

percepção, tais como: 1) As prenoções: representações esquemáticas e


sumárias, formadas pela prática e para ela, e baseadas num exame
superficial. Ex.: "Uma favela é um conjunto de desempregados e
marginalizados", o que pode não ser inteiramente verdadeiro. 2)
Preconceitos: se as prenoções são falhas da percepção, os preconceitos
são falhas de julgamento. "É a fixação da percepção, de um juízo
anterior à análise crítica da realidade, atingindo desfavoravelmente
pessoas, idéias, instituições ou objetos"2. É prova de mentalidade
estreita, incapaz de análise serena e imparcial. Assim, os preconceitos
racistas, clericais, sociais, etc. 3) Artificialismo: representação
ilusória da gênese dos fatos sociais. Ex.: "O Serviço Social não é
adaptável à realidade brasileira" é um artificialismo, se não for
estudado seriamente o que é o Serviço Social, de um lado, e a realidade
brasileira, do outro. 4) Ilusão da transparência: a ilusão é a não
realidade de que vemos ou sentimos e a transparência o que nos aparece
como sendo a realidade. Ex.: "Os Estados Unidos é um país de grande
desenvolvimento": a ilusão é que o país apresenta um grande
desenvolvimento no seu conjunto com grandes progressos em todos os
sentidos; a transparência é o que vemos nos primeiros contatos com seus
habitantes. 5) "Não consciência": é a falta de percepção de atos ou
idéias que se apresentam diante de nós, mas de que não temos
consciência. Ex.: pressões políticas na comunidade onde estamos
trabalhando e que não percebemos. 6) "Tentação do profetismo":
apresentação de um sistema ou método que daria respostas totais,
simplificando assim as explicações. Ex.: "O Serviço Social é a solução
imprescindível e verdadeira para a instituição de uma ordem social
cristã" ou "O Serviço Social é a única resposta ao desenvolvimento
integral do homem". E uma posição ingênua à qual não escapam muitos
assistentes sociais; diante da complexidade da situação, qualquer
explicação é melhor do que nenhuma e a primeira explicação apresentada é
tão aliviante que é considerada verdadeira.
[ 2. ÁVILA, Fernando Bastos d'. Op. cit., verbete "Percepção". ]

Para superar estes obstáculos torna-se preciso desenvolver o


senso da "objetividade", isto é, percepção das

p.lO8

coisas e das situações como elas verdadeiramente são, suas causas e seus
efeitos e as variáveis que influem sobre ela, sem a intervenção de juízo
de valores pessoais.
A linguagem popular empresta freqüentemente aspecto científico
às prenoções e como os fatos sociais nem sempre são iguais às imagens da
nossa linguagem, levam facilmente à falta de objetividade e de percepção
verdadeira da realidade. Faz-se necessário, portanto, analise constante
e cuidadosa do que vemos.
Todos esses obstáculos contribuem para uma consciência ingênua
da realidade e do papel do Serviço Social.
A consciência ingênua é a representação da realidade baseada em
valores admitidos, que servem de critérios absolutos, imutáveis e
válidos para todas as circunstâncias. Não é, portanto, "situada", e pela
sua posição verdade absoluta - é fechada ao diálogo; parou no tempo e no
espaço; vive no passado e das experiências consumidas, que, segundo ela,
devem se repetir. Segundo MICHEL DEBRUM 3, baseia-se na história
constituída, isto é, história já realizada sem retirar-lhe os
ensinamentos para o futuro. Não é, no entanto, estática, podendo ser até
muito ativa, pois este apego ao passado e recusa das circunstâncias
presentes determina atitudes reacionárias, que combatem e militam em
favor da conservação da ordem e dos valores estabelecidos anteriormente
e que àquelas épocas eram "certos".
[ 3. DEBRUM, Michel. Ideologia e Realidade, Ed. ISBE, Rio, 1959,
tradução da PUC/RJ. ]

Nas revoluções (francesa, de 1789, russa, de 1917, etc.) às


classes antes "privilegiadas" eram inamovíveis e apegadas a valores
absolutos, resistiram e lutaram pela, conservação de seus privilégios e
pela manutenção do statu quo que outras classes desejavam abolir, a fim
de permitir a introdução de novos valores e estabelecimento de uma nova
ordem. O mesmo podemos dizer da atitude colonialista de alguns governos
ou ainda de classes economicamente favorecidas que pretendem atingir o
desenvolvimento, continuando a aplicar normas econômicas ou trabalhistas
ou atitudes das sociedades do século passado. A consciência ingênua,
partindo do "eterno", rejeita as transformações, leva ao "saudosismo",
diante das mudanças

p. 109

que lhe são impostas; é pessimista e catastrófica. Pode, no entanto, ser


liberal; deseja que outros participem de sua posição, desde que a
alcancem por meios já experimentados; é capaz de inspirar movimentos
bastante ativos e que, no entanto - e nisso se define como ingênua -,
não percebem a irrealidade de suas atividades e a falta de objetividade
de seus planos.
A realidade existe por si, não é feita, inventada ou escolhida.
Para compreendê-la precisamos encarar seus componentes fenomenológicos,
não isoladamente, mas cada um dentro dos fenômenos circundantes que os
ligam e condicionam. A realidade não é estática, transforma-se, nasce
das necessidades dos homens e de seus comportamentos diante dessas
necessidades e aspirações.
A percepção exata da realidade leva à consciência crítica, que
se manifesta a partir da praxis, do que existe no momento histórico;
indaga os motivos e os pensamentos que produzem a representação da
realidade. Procura os motivos, no exterior a si mesma, em função das
mudanças verificadas, isto é, parte da história constituinte, da
história que se faz, cuja realidade é uma e vai mudando. Olha, assim,
para a frente, para o futuro, e se olhar para o passado é para
aproveitar o que dele pode ajudar a constituir o futuro. Vê a história
como um processo e o homem como um sujeito ativo deste processo. Como a
consciência ingênua, também a consciência crítica se apóia sobre uma
filosofia, sobre uma visão do mundo.
Ambas, portanto, adotam atitudes e comportamentos em defesa de
suas idéias quando o contexto as ameaça ou propicia. Aqui intervém,
tanto para uma como para outra, a formação da ideologia que inspira sua
ação.

IDEOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL

"Ideologia" (do grego aideia, idéia e logos, ciência), termo


empregado pela primeira vez pelo pensador francês DESTUTT DE TRACY
(1754-1836), significa "ciência das idéias".
Distinguem-se na ideologia os seguintes elementos: 1) Um
conjunto coerente de idéias não deduzidas de uma doutrina, mas induzido
de um processo histórico concreto;

p. 110

2) este conjunto coerente de idéias tem força operacional capaz de atuar


sobre este mesmo processo histórico, seja no sentido de garantir sua
permanência - ideologias conservadoras - seja no sentido de modificar
seus rumos - ideologias renovadoras ou revolucionárias; 3) é sempre uma
visão parcial do processo, na qual se selecionam apenas aqueles aspectos
que lhe dão forças para atuar sobre ele no sentido desejado.
Segundo MICHEL DEBRUN 4, podemos considerar a ideologia, no
sentido lato, "pensamento ligado a um contexto histórico-social, sendo
este contexto necessário a seu aparecimento e repercussão"; é, assim, um
pensamento situado; no sentido estrito, é uma "representação intelectual
que pretende atingir a verdade e procura racionalizar o que enuncia".
[ 4. DEBRUN, Michel. Op. cit., p. 3. ]

ADAM SCHAFF 5 propõe uma definição funcional: "sistema de


opiniões fundadas sobre sistema de valores admitidos, determinando as
atitudes e comportamento. relativamente a objetivos concernentes ao
desenvolvimento da sociedade, do grupo ou do indivíduo".
[ 5. SCHAFF, Adam. A Definição Funcional da Ideologia e o Problema
do Fim do Século da Ideologia, Revue Internationale de la Recherche et
Synthese Scientifique, n º 4, 1959. Tradução da PUC/RJ, p. 8. ]

Outro autor, JOHN RIENANZ, parece reunir todos os elementos


acima:
"Conjunto de crenças e de valores de uma sociedade, acerca do
correto e apropriado fim das instituições sociais, econômicas e
políticas e acerca dos meios pelos quais eles podem melhor ser
atendidos; incorpora os valores dominantes da sociedade os quais podem
ser considerados como sagrados e onde procura justificar e explicar a
ordem social básica"6. Portanto, as ideologias aparecem a partir de
determinadas percepções dos acontecimentos, confrontadas com um sistema
de valores.
[ 6. RIENANZ, John. Modern Society and Introduction to Social
Science, citado em apostilha do Curso de Mestrado de Serviço Social,
PUC/RJ, 1972. ]

As ideologias foram, sempre, o sinal de mudanças históricas;


aparecem para contestar a ordem estabelecida ou para conservá-la, se
ameaçada; vencem, total ou parcialmente,

p. 111

se estabelecem e passam a integrar o contexto social, político e


filosófico.
Quando as ideologias vencem e reduzem as demais ao silêncio, é
possível perderem a criticidade da situação: aceitam-se como
definitivas. A consciente se torna novamente ingênua, as atitudes
reacionárias se instalam para conservar o statu quo.
Sinal dos tempos: nos primeiros séculos da cristandade,
mosteiros inteiros tomavam armas para defender uma ou outra posição a
respeito das duas naturezas do Cristo; no início do Renascimento,
guerras civis ensangüentavam os países para assegurar a supremacia desta
ou daquela confissão religiosa. Hoje, reúnem-se concílios, sínodos,
seminários, congressos, assembléias nacionais ou internacionais, etc.
São frutos do momento histórico. As idéias de KARL MARX não teriam
surgido na Idade Média onde o contexto social e a filosofia determinavam
o lugar e os privilégios de cada um. Mais tarde, o marxismo modifica-se
diante de suas experiências e diversidades de contextos culturais,
dividindo-se em tendências diversas: socialismo francês, comunismo
russo, chinês, cubano, etc.
Um exemplo paradoxal é o movimento de independência da índia,
pregado pelo Mahatma GANDHI, perfeitamente legítimo no seu objetivo e
baseado numa filosofia profunda, mas apoiada sobre o retorno ao
artesanato, desprezando as contribuições da técnica e a situação do
mundo que cercava o país.
Atualmente há uma pluralidade de ideologias que dividem
indivíduos, grupos e nações tanto no plano político como social e
filosófico, e que substituem as guerras de armas pela guerra de idéias.
As ideologias podem ser classificadas em ciências ideológicas e
ideologias científicas7.
[ 7. VIEIRA PINTO, Álvaro. Consciência e Realidade Nacional, Ed.
ISEB, Rio, 1960, mimeografado, PUC/RJ, p. 2. ]

Ciências ideológicas é o nome moderno para o que, alguns anos


atrás, se chamava "ciências normativas": ciências que levam à aplicação
de determinados comportamentos como a ética. Podem ser consideradas
ideológicas as ciências que ditam certas normas de procedimentos, como a
medicina. Outras como a sociologia, a economia, a política, quando são
"conhecimentos submetidos

p. 112

a pressões particulares de interesses de determinados grupos", podem se


tornar ideológicas.
Assim os diversos tipos de economia; o mercantilismo de COLBERT,
no seu tempo, não foi contestado, mas largamente adotado, porque não se
fazia ligação com valores filosóficos, mas com o intento predominante do
lucro: comprar barato e vender caro. O capitalismo de hoje é contestado
e combatido, porque se opõe às tendências para a melhor repartição da
renda e da riqueza. O mercantilismo era apenas uma doutrina econômica,
que poderia ser aplicada em qualquer tempo se as condições o
permitissem; o capitalismo é uma ideologia que um contexto histórico
favoreceu num dado momento e que agora é combatido por um lado e
defendido por outro.
As ideologias científicas partem da realidade constatada e
procuram se justificar pela ciência. O conhecimento é um processo, uma
relação entre sujeito e objeto e feito de verdades relativas; este
conhecimento é composto de fatores objetivos e subjetivos que se
completam: contribuição do sujeito na criação do objeto e seu
condicionamento (interesses, cultura, língua, etc., etc.).
O conhecimento e a ciência ajudam o sujeito a racionalizar sua
percepção da realidade e a desencadear movimentos para pôr suas idéias
em prática. Assim os diversos sistemas econômicos e políticos se baseiam
sobre ideologias científicas. Os movimentos revolucionários, quando
frutos de uma consciência ingênua, só podem ser classificados como
ideologias não científicas e até anticientíficas.
Quando o assistente social tem uma percepção da realidade
influenciada por uma situação histórica, pode procurar servir-se do
Serviço Social para atingir objetivos que lhe parecem certos, porque os
vê através do prisma de determinada doutrina, que pode ser baseada em
concepções humanistas. A definição de Anato SCHAFF pode ser adaptada à
situação em que se encontrar o Serviço Social. Não são mais os valores
humanistas do Serviço Social que orientam a ação, mas as opiniões do
assistente social sobre a situação, opiniões estas que ele procura
racionalizar pelo seu sistema de valores e que vão ditar suas atitudes e
comportamentos em relação a seu papel como assistente social e ao do
Serviço Social, dentro

p. 113

da situação em que se encontram. Procurará então suscitar instituições


sociais, econômicas ou políticas para chegar aos fins almejados e
considerar os valores da sociedade como sagrados. Dentro dessa
perspectiva, torna-se o Serviço Social uma ideologia que pode estar a
serviço de determinada doutrina à escolha do assistente social.
O assistente social pode perder a criticidade da situação onde
se encontra e a objetividade de sua ação. Ideologizado, o Serviço Social
já não é mais um meio para desenvolver o Homem e a Sociedade, mas o
canal para uma doutrina.
No início, na sua fase idealista, o Serviço Social tinha vários
aspectos ideológicos, pois sendo confessional, procurava levar à
instauração de uma determinada ordem social, Atualmente, se o Serviço
Social não souber distinguir entre as várias doutrinas filosóficas, pode
tornar-se instrumento de uma delas, que o desvirtue totalmente e o
afaste dos seus objetivos humanistas.
Para não trair sua verdadeira natureza, o Serviço Social não
deve se apoiar sobre ideologias científicas e, muito menos, procurar,
por uma consciência ingênua, movimentos ideológicos não científicos ou
anticientíficos, mas dentro de um aspecto científico procurar inserir-se
em ciências ideológicas.
É uma percepção falha da realidade, que leva o Serviço Social a
uma consciência ingênua e a se ideologizar; e visto dentro do que se
deseja alcançar, dentro de uma visão irreal procurando objetivos
incompatíveis com as situações. Este perigo ameaça tanto os assistentes
sociais conservadores como os de vanguarda, quando não percebem a
verdadeira natureza da realidade que enfrentam.
A América Latina é um continente em desenvolvimento. Vejamos
como esta realidade se apresenta para o Serviço Social.

O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

A humanidade só coloca problemas concretos quando tem


possibilidade de resolvê-los. Se os colocasse sem antever uma solução, a
humanidade ficaria angustiada, estabilizar-se-ia ou voltaria ao
instinto; seria o desaparecimento pela falta de estímulo para viver.

p. 114

Nas suas raízes históricas, o desenvolvimento é um fenômeno do


mundo de hoje, novo pela sua universalidade, extensão e intensidade.
Apesar da pluralidade de culturas, das tendências à "ocidentalização",
pelo menos no que diz respeito aos instrumentos, o desenvolvimento é
vivido diferentemente nos vários países, não apenas num sentido material
ou econômico, como nos demais aspectos: sociais, educacionais,
espirituais, etc. Segue, portanto, o ritmo peculiar da cultura, nas
condições históricas atuais do Homem, cuja presença no mundo só pode
explicar-se dentro do desenvolvimento.
O desenvolvimento é fenômeno que implica uma realidade humana,
na qual o homem e o mundo existem historicamente: o Homem, numa visão
antropológica, e o mundo, numa visão cosmológica.
Nesta visão, o Homem é uma realidade plural (isto é: são vários
seres humanos) em relação constante com outros homens, cada um contendo
tudo que o define como "homem"; é um "ser genérico".
O mundo é uma realidade múltipla, formado de "coisas", cada uma
com aspectos diferentes que se integram e se completam e cuja soma
constitui o "universo".
O Homem e o mundo se unem para construir a História: 1) pela
transformação da natureza, pelo trabalho do Homem; 2) pelo
reconhecimento mútuo dos homens entre si.
Assim o Homem é um "ser-em-comum", é o "NÓS". Para ser homem, o
trabalho é necessário, o que não quer dizer imposto; trabalho imposto
não leva a ser "homem", é uma ação fatalista ou acidental. A maneira
pela qual o trabalho se realiza influi sobre as relações dos homens
entre si.
Como se apresentam estas relações dos homens entre si e destes
com a natureza?
Há uma dependência causal do homem para com a natureza, pois
este não pode se realizar como homem sem aquela. O homem não é fechado
na sua espiritualidade, depende do material para o trabalho, mas este é
ultrapassado pelo próprio homem, pela sua criatividade e poder de
transformação. O homem é um "ser-que-trabalha", um "ser-operário". A
matéria obriga o homem a se curvar e se submeter a seus aspectos e assim
redescobri-la

p. 115
e dar-lhe, através da criatividade humana, a forma que ele, homem,
deseja. Daí a sua transcendência sobre a natureza.
Se dependesse unicamente do que é, o Homem só comunicaria aos
outros o que tem; na medida em que trabalha, possa ter algo mais a
comunicar: a natureza já transformada e a própria história.
A presença do homem no mundo se concretiza de duas maneiras
estreitamente interligadas: 1) uma presença natural, aparecimento do
homem e continuidade de sua presença como "ser biológico"; aparecimento
gradativo pelo aperfeiçoamento da espécie, constituindo o processo de
"Homonização"; 2) a presença cultural, processo de transformação que se
evidencia pela concretização de objetos e de sinais, isto é, atos e
coisas aos quais o homem dá um sentido: linguagem, costumes, etc. É a
"Humanização" do homem pelas relações com outros; é um "tornar humano".
O trabalho do homem e o reconhecimento dos homens entre si se
justapõem, se unem e se sintetizam na cultura. A cultura é assim um
universo de objeto e de sinais; é dita "objetiva", quando constituída de
objetos; é exterior. Quando se interioriza, quando o homem tem
consciência desta cultura, torna-se "subjetiva"; é necessária para a
assimilação cultural, e se isso não acontecer, o homem torna-se
marginalizado."8
[ 8. Marginalização, de "margem", ao lado, de fora. Em sociologia,
os indivíduos que não se acham inseridos na comunidade, seja em razão de
crimes que os obrigam a se esconder, ou que se acham em condições
infra-humanas de existência, sem poder participar dos valores da vida
comunitária; a marginalização é sempre relativa a alguma coisa. ]

Para que a cultura objetiva se interiorize, deve ser histórica,


isto é, existir num determinado momento, pois muda no tempo e no espaço,
e social, ou seja, para todos e com base na vida real do momento
histórico. Deve ter característica de: 1) universalidade; quando pode
ser assimilada por todos, a cultura é "autêntica"; se for fechada,
esotérica, limitada a poucos, a cultura é "alienada"9; 2) de
personalização, pois cada um assimila a
[ 9. Alienação: separação violenta de dois seres que deveriam estar
unidos. O ser alienado perde sua dignidade, fica dependente de outro;
marginalizado da sociedade, não participa do processo social. ]

p. 116

cultura a seu jeito a fim de ter possibilidade de compreender o que se


passa em torno de si e de se melhorar como indivíduo; se assim não for,
o indivíduo se torna alienado.
Atualmente "a cultura objetiva progride rapidamente, em termo
acelerado de dominação da natureza com tendência a se subjetivar e se
universalizar com a participação de todos nas obras de cultura"10.
O conjunto de elementos que constituem a cultura e a maneira
pela qual se inter-relacionam é: a estrutura social, conjunto de
elementos de "uma sociedade encarada sob o ângulo das relações dos
homens entre si e dos homens com as coisas materiais que os cercam,
relações interdependentes e geradas historicamente dentro de cada
sociedade pela atividade social de produzir e reproduzir as condições
essenciais de sobrevivência do grupo"10. Sua característica de
funcionamento é a "estreita e complexa interdependência que existe entre
as partes que a compõem"10, isto é, "as relações dos homens entre si e
as instituições e valores que deles resultam como produtos sociais e
históricos"10. A estrutura social não é estatística e, por isso, seus
diferentes componentes se transformam; é o que permite o surgimento da
cultura objetiva e subjetiva. "Em regra, diz ainda COSTA PINTOl0, as
transformações básicas partem do regime econômico que repercute tarde ou
cedo em toda a estrutura, pela necessidade de produzir e reproduzir as
condições de existência e sobrevivência". Há, entretanto, um conteúdo
emocional profundo e essencial, pois "as ações e reações se regulam por
normas e princípios de significação valorativa e são assim maiores as
resistências às transformações de estrutura social"10. A estrutura
social tem como base uma formação histórica de produção; como corpo, um
sistema de estratificação social, isto é, hierarquia que diferencia as
relações dos membros da sociedade, e como cúpula, um conjunto de
instituições cujo objetivo consiste em sancionar e manter o sistema. "De
toda estrutura social, afirma COSTA PINTO, flui direta e naturalmente
uma certa ordem social que se cristaliza num conjunto de instituições e
sua forma mais alta e complexa de expressão é um
[ 10. COSTA PINTO, L. Sociologia e Desenvolvimento, Civilização
Brasileira, Rio, 1972, p. 97 e seg. ]

p. 117

determinado sistema de valores sociais que, pela ação imperativa e


imediata que têm sobre a conduta individual, dão a muitos a ilusão de
serem eles os móveis primários e não-socialmente determinados do
comportamento humano."
Assim o desenvolvimento é um fenômeno global de criação de
cultura objetiva, de assimilação e universalização, a que TEILHARD DE
CHARDIN chamava de "aventura coletiva de planetarização".
Nesse sentido, podemos compreender algumas definições do
desenvolvimento: "Desenvolvimento (do prefixo des, negativo, envolver,
contrário de envolver, manter incluso) é um processo inédito e
irreversível de mudança qualitativa, mais do que quantitativa, social
mais do que mera oscilação a mais ou menos curto prazo"11.
[ 11. ÁVILA, Fernando Bastos, d'. Op. cit., verbete
"Desenvolvimento". ]

"Processo de mudança social pelo qual um inúmero crescente de


necessidades humanas preexistentes ou criadas pela própria mudança são
satisfeitas através de uma diferenciação do sistema produtivo decorrente
de inovações tecnológicas"12.
[ 12. FURTADO, Celso, citado por ÁVILA, Fernando Bastos, d'. Op.
cit., verbete "Desenvolvimento". ]

"Por desenvolvimento entende-se o processo pelo qual um povo,


constituído em nação, consegue se emancipar de uma situação periférica,
tornando-se sujeito da história, ao mesmo tempo que progride na
realização e expansão de sua vida econômica. Este processo se realiza
através de modificações das estruturas sociais, econômicas e políticas e
de integração dos esforços de um povo em torno de certos objetivos
nacionais específicos. Tem como finalidade a criação de condições mais
propícias para humanização, na medida em que todos os grupos e classes
na sociedade tenham a oportunidade de participar no exercício do poder
público e nos benefícios proporcionados pelo progresso econômico"13.
[ 13. SHAULL, Richard. As Transformações Profundas à Luz de, uma
Teologia do Evangelho, Vozes, 1967, p. 47. ]

"Esforços da população aliados aos do governo, para melhorar a


situação econômica, social e cultural das comunidades, integrá-las na
vida da nação e torná-las

p. 118

capazes de contribuir decisivamente para o progresso nacional. Esta


maneira de proceder se compõe de dois elementos essenciais: participação
do povo para elevação de seu nível de vida, baseada na sua própria
iniciativa e fornecimento de assistência técnica e de outros serviços
para desenvolver esta iniciativa; a ajuda mútua e a assistência podem
ser expressas em programas visando grande variedade de campos de
melhoramentos". 14
[ 14. ONU. 20.° Relatório da Comissão Administrativa Sobre
Coordenação, ECOSOC. E/293. ]

Das definições acima, conclui-se que, no processo, aparecem


vários elementos: 1) uma mudança social qualitativa, isto é, das
estruturas sociais, políticas e econômicas; 2) satisfação de
necessidades preexistentes ou criadas pelas mudanças; 3) diferenciação
no sistema produtivo, ou seja, uma ação política sobre a economia da
região; 4) a participação dos interessados com assistência e liderança
do governo; 5) a globalidade do processo, pois as mudanças num aspecto
acarretam e influem sobre as outros.
O processo de desenvolvimento introduz, assim, a idéia de
mudanças nas três partes principais da estrutura social: regime
econômico, estratificação social e conjunto de instituição e valores. O
ritmo em que se processam estas mudanças não é uniforme: acha-se
influenciado par uma série de circunstâncias históricas e situacionais.
Assim fala-se deste processo de mudança como um "trânsìto" partindo do
"subdesenvolvimento" em direção a um determinado tipo de desenvolvimento
almejado, mas que não atinge da mesma maneira todas as regiões de um
mesmo país, provocando "desequilíbrios regionais", cujas causas se
encontram na importância e diversidade de recursos naturais, densidade
demográfica, clima, relevo do solo e vias de comunicações, regime de
propriedade e de trabalho, evolução histórica das regiões, concentrações
de indústrias, políticas dos governos e meios empregados para corrigir
estes desequilíbrios.
O desequilíbrio regional parece ser uma contingência natural pie
todos os países de grande extensão territorial: os Estados Unidos, a
URSS, a China, o Canadá, a Austrália, o Brasil. Dentro de um país se
processa - se se

p. 119

permite a comparação - o que se verifica numa família numerosa: nem


todos os filhos crescem e se desenvolvem dentro de um mesmo ritmo e da
mesma maneira.
Mede-se o desequilíbrio das diversas regiões por uma série de
taxas e percentuais sobre fatores e incidências, o que permite uma
comparação entre as regiões ou etapas da evolução de uma região, com um
ou outro aspecto da vida econômica social e cultural. No entanto, ao
nosso ver, se estas taxas refletem a situação, por si só, não a
explicam; torna-se necessário considerar as causas determinantes do
valor dessas taxas também nos aspectos sociais e culturais, e às vezes
morais, que acompanham as tentativas de mudanças. De fato a atividade
econômica do homem é condicionada por vários fatores que enumeraremos
abaixo, sendo que, se alguns são irremovíveis, outros podem ser
corrigidos pelos homens, sendo esta uma das funções dos sistemas
econômicos.

O subdesenvolvimento

Desenvolvimento é um processo. Subdesenvolvimento é um estado,


uma situação; é um "fenômeno social total que atinge não somente as
formas de produção e distribuição de bens e serviços, como as estruturas
sociais e políticas, o nível de maturidade moral e cívico do povo e sua
própria mentalidade no sentido de hierarquização de valores" 15. É uma
situação relativa: uma região é subdesenvolvida em comparação com outra.
[ 15. ÁVILA, Fernando Bastos d'. Op. cit., verbete
"Desenvolvimento". ]

A noção de subdesenvolvimento tem sido explicada como um atraso


que pode ser ultrapassado por meios econômicos e em relação a modelos
existentes em países industrializados. Para vencer este atraso, há uma
valorização da ética individualista como motor e estímulo para imitar o
que se produziu nos países ditos desenvolvidos; acredita-se que o
reforço da infra-estrutura levará à riqueza de todos como um subproduto
do próprio desenvolvimento e agindo como um estimulante e uma emulação.
Na década de 50, assiste-se a duas reações contra esta
conceituação: a primeira, inspirada pelo humanismo

p. 120

cristão de LEBRET, que considerava o subdesenvolvimento como um fato


global e, diante deste, "a necessidade de um desenvolvimento integral e
harmonioso, focalizando, portanto, a 'ação' nos vários setores da vida
coletiva: cultural, cívica, política, religiosa, etc., assim como a
promoção social e econômica direta" 16. A política de ação teria como
objetivo a harmonização entre desenvolvimento infra-estrutural e
promoção popular.

A segunda reação, procedida de uma análise cientifica


interdisciplinar dentro de uma visão antropológica, via o
"subdesenvolvimento" como resultado de uma estratificação social
acentuada; como resultado de uma superposição étnico-cultural, levando,
por sua vez, à marginalização das camadas inferiores da sociedade.
Acentuava-se assim "a divisão entre sociedade arcaica, rural,
pré-técnica, e sociedade moderna, urbana e industrial, o caráter
técnico-cultural sendo diferente para cada uma destas camadas" 16.
[ 16. GONZALEZ, J. Garcia. Developpement et/ou Liberation?
Relatório apresentado à Comissão de Justiça e Paz, Roma, 1971,
mimeografado, p. 2. ]

No estado de subdesenvolvimento, a marginalização é global; há


falta de participação passiva (acesso aos bens e serviços do país), e de
participação ativa (acesso aos meios e níveis de decisão e
responsabilidade); o homem não é o sujeito da intervenção.
Finalmente a análise salienta ainda o estado de dependência
interior (no país) e exterior (em relação aos outros países), de maneira
que o subdesenvolvimento não é atraso em relação às demais nações, mas o
próprio resultado e conseqüência do desenvolvimento destas, pois os
laços que unem uns aos outros são interesses econômicos que se refletem
sobre todos os aspectos da vida coletiva.
Vários autores citam os indicadores pelos quais se pode definir
uma situação de subdesenvolvimento:

1 - Economia predominantemente extrativa, com técnicas obsoletas


de produção; dependência dos mercados externos e ausência de mercado
interno; baixa renda per capita.

p. 121

2 - Altas taxas de natalidade e mortalidade, especialmente


infantil, e vida média curta; tradição que dá maior importância à
"reprodução de seres humanos" do que à "produção de meios de
subsistência".

Estruturas sociais obsoletas, ausência de classe média, de


organização das classes, de previdência e de assistência social;
coletividades rurais com pouca ligação uma com outra.

4 - Predominância do latifúndio e da monocultura, embora o


minifúndio possa também ser fator de subdesenvolvimento, pela pouca
rentabilidade da propriedade, que mantém uma economia de subsistência e
favorece o trabalho assalariado em. tempo integral ou parcial e assim um
desemprego fictício.
5 - Alto índice de analfabetismo.
6 - Instabilidade política; política de oligarquia e
clientelismo.

A sociedade subdesenvolvida é uma sociedade "arcaica".


Distinguem-se as sociedades arcaicas das primitivas. A sociedade
"arcaica" (do grego, antigo, ultrapassado, contrário ao moderno) é
aquela que se conservou como era na origem, no começo, por oposição à
sociedade primitiva, estado primeiro de uma sociedade. Vários critérios
definem as sociedades arcaicas: - sacralização do mundo, sociedade
mítica, relações primárias limitadas à família, tribo ou clã;
homogeneidade da organização interna; ausência de técnicas de dominação
da natureza; nomadismo, economia de subsistência, relações quase nulas.

Não podemos negar o valor do estudo da ciência econômica, nem


sua contribuição ao desenvolvimento. Afinal, antes de mais nada, o homem
precisa comer e para comer trabalhar, mas, porque nem só de pão vive o
homem, por mais sedutor que seja o estudo dos sistemas econômicos e
aplicação de suas técnicas, não conseguiremos separá-los de outros
aspectos da vida, se quisermos considerar esta mesma vida na sua
totalidade.

p. 122

O trânsito para o desenvolvimento

O desenvolvimento pode ser espontâneo, mas, em geral, é


induzido, isto é, planejado. A passagem do estado de subdesenvolvimento
para o de desenvolvimento é o que vários autores chamam de "trânsito
para o desenvolvimento". (Trânsito, do latim transitas, passagem, ação
de caminhar; também de transire, ir além, passagem de um estado para
outro). Não se trata de uma evolução, pois evolução consiste em passar
por uma série sucessiva de transformações, enquanto que trânsito é
passar para outro estado ou situação, sem perder sua própria natureza.
No desenvolvimento induzido, como primeiro passo, estabelecem-se
metas compatíveis com a cultura e as possibilidades da região. Fixadas
pelo governo, estas metas são em geral econômicas; o que, onde, quando e
como o país deve produzir para proporcionar a todos os meios de levar
uma vida digna e assegurar à nação seu lugar na comunidade mundial.
Somente aquela autoridade, que vê as coisas de cima e na sua
globalidade, é capaz de estabelecer essas metas. Trata-se de uma função
do poder público. Para isso impõe-se aos governos a escolha de um
"modelo", conforme as teorias que os orientam.
Um modelo é "algo de exemplar, ideal, uma estrutura ou forma
permitindo a compreensão e sistematização de um conjunto de dados
concretos"17. Os modelos dividem-se em formais e interpretativos. O
modelo formal explica ou demonstra a teoria sobre a qual se apóia. (Ex.:
O modelo capitalista reflete as teorias econômicas sobre as relações
entre o capital e o trabalho.) O modelo interpretativo demonstra a
aplicação da teoria: (Ex.: o modelo comunista, na sua aplicação, pode
ser russo, chinês, cubano etc.) De acordo com o modelo, elaboram-se os
planos e programas de desenvolvimento, visando a uma ou várias causas do
subdesenvolvimento como vimos acima.
[ 17. MUCHIELLI, A. Lexique des Sciences Sociales, Ed. Sociales
Françaises, 1969, verbete "modèle". ]

As mudanças que se operam numa estrutura social subdesenvolvida


podem ser: Ecológicas - industrialização, que atrai mão-de-obra
provocando êxodo rural e urbanização;

p. 123

transformação do ambiente rural, atingido pela industrialização,


mecanização e aprimoramento dos processos de cultivo; Profissionais - ou
de ambiente de trabalho, do setor primário para secundário ou terciário;
das atividades exclusivamente manuais para incluir também as
intelectuais; do artesanato, para a empresa, etc.; Demográficas -
progressos da medicina e da higiene ocasionam uma baixa de mortalidade e
de natalidade, prolongamento da vida e, conseqüentemente, modificação da
composição das faixas etárias da população; Ideológicas e Culturais -
ampliação de horizontes culturais com facilidade de comunicação,
alfabetização para todos, aparecimento de novos critérios éticos, novas
ideologias econômicas e políticas e transformações das relações
familiares, sociais e políticas; Políticas - no sentido da modificação
da idéia de participação na vida política da nação, modo de
representação, papel dos seus representantes e até mudanças de
ideologia.
Estas são o resultado de dois tipos principais de mudanças
decisivas no processo de desenvolvimento:
Mudanças tecnológicas - aplicação de processos de produção mais
aperfeiçoados e emprego de instrumentos mais adequados, etc.

Mudanças econômicas - aumento da renda individual, aparecimento


e ampliação de mercado interno, aumento do mercado externo, etc.
As mudanças mais difíceis são as que se referem:

1) A industrialização - para operar a transformação dos sistemas


de produção e dos mercados internos e externos, o que acarreta
dificuldades de adaptação a novas tarefas e novo modo de vida.

2) Ao ambiente - na família, que passa de patriarcal a conjugal,


com novos tipos de relacionamento entre seus membros, e entre gerações;
novo ambiente do lar, tanto no aspecto material como habitacional como
nos costumes.

Estas mudanças se ligam à transformação do domínio da natureza e


ao progresso da cultura objetiva, mas influem sobre o relacionamento
entre os homens através do trabalho, contribuindo para a interiorização
da cultura e assim para o desenvolvimento.
p. 124

As transformações de situações acima descritas introduzem uma


desorganização na estrutura social, pelas diferenças de ritmo em que se
processam os vários tipos de mudanças. A desorganização social é "uma
desordem na organização vigente e que se verifica nos padrões de
comportamento como resultados e indícios de alterações que ocorrem na
estrutura da sociedade pela qual estes padrões são gerados" (18). Esta
desorganização social resulta em "problemas sociais", problemas estes
que devem ser entendidos no seu contexto estrutural. São problemas
quando "incapazes de solução dentro da teia da ordem intencional
existente"18. Diz COSTA PINTO que "os problemas sociais surgem
'dentro e de dentro' das estruturas sociais por elas engendrados no seu
processo de transformação. Isso significa que é nos quadros de
organização social que encontramos o ponto de partida para a compreensão
dos problemas de desorganização social, e não atomisticamente, cada
problema como um mundo em si mesmo... isto é, cada problema deve ser
entendido dentro de um quadro geral de interpretação capaz de salientar
o que há de comum entre os diversos problemas sociais, como condições à
compreensão do que existe de específico em cada um deles, sabendo
discernir, desse modo, o que é fundamental e o que é acessório"19.
[ 18. COSTA PINTO, L. Op. Cit., p. 136.
19. COHEN, Albert, citado por COSTA PINTO, L. Op. cit., p.
139. ]

A escolha do modelo de desenvolvimento inspira-se numa


"política", alicerçada sobre uma "ideologia" que influi tanto sobre o
governo como sobre o país-como-um todo.
Os governos apóiam-se, em geral, sobre um conjunto de ideais
econômicos: exploração. das riquezas naturais, exportação de bens, maior
produto nacional bruto ou renda per capita, etc. Estas são alicerçadas
sobre teorias políticas que inspiram as metas e o modo de alcançá-las,
dentro do país ou junto às potências estrangeiras. São essas
"ideologias" que permitirão alargar as zonas de influência do país. No
entanto, não há uma ideologia do desenvolvimento, porque não se pode ver
um fenômeno dividido por si mesmo; mas há "ideologia
desenvolvimentista", isto é, a maneira de conduzir o desenvolvimento
Influi sobre a escolha do "modelo".

p. 125

Esta posição - ideologia e modelo - leva a adotar determinadas


metas, elaborar programas condizentes com as referidas metas e influi,
portanto, sobre o sentido das mudanças que vão se operando na população.
Em conseqüência aparecem novas necessidades, novas aspirações; surgem
problemas e resistências às mudanças, com repercussões não apenas na
situação econômica do país, mas na vida social, cultural e familiar.
Para que as mudanças se processem com resultados positivos, é
preciso contar com as atitudes e comportamentos dos interessados diante
da situação de trânsito para o desenvolvimento: conscientização,
autodeterminação e participação responsável.
Conscientização - É um termo nitidamente brasileiro. "É a ação
dé despertar no povo a consciência de seus direitos e do contraste entre
estes direitos e a situação a que se acha reduzido"20. É a percepção
dos verdadeiros problemas sociais, ou seja, "aquelas situações de que o
grupo toma conhecimento e procura resolver como condição de equilíbrio e
continuidade da organização social"20.
[ 20. ÁVILA, Fernando Fastos d'. Op. cit., verbete .
"Conscientização". ]

A percepção dos acontecimentos é confrontada com um sistema de


valores. Esta percepção apóia-se, portanto, de um lado, sobre um
contexto histórico, e de outro, sobre a filosofia do pensador. Esta
filosofia lhe permite racionalizar a percepção que se tem da visão do
mundo e/ou do momento histórico. Depende, portanto, da consciência que
tem deste contexto e/ou deste momento.
Dentro da visão democrática de uma cultura cristã, a
conscientização "deve ser feita com a disposição de colaborar com o
homem e sua comunidade para criar condições compatíveis para sua
dignidade"20. Conscientizar é despertar para uma fase de participação
consciente e responsável no processo de mudança. Mas não basta apenas
conscientizar, isto levaria a frustrações; é preciso levar à ação, a
obter resultados.

p. 126

Autodeterminação - Do latim, auto, si mesmo, e de - terminus,


limite, possibilidade de escolher seu próprio limite. Assemelha-se à
liberdade: é a capacidade de escolher, entre alternativas de opção, o
uso responsável dos direitos de exercício consciente de deveres. É uma
faculdade exclusiva do ser racional, capaz de interiorizar o mundo e
seus vários aspectos. As opções podem ser limitadas por uma série de
fatores, de que os interessados devem ter consciência. Estruturas
sociais adequadas são necessárias para poder escolher e agir. No
desenvolvimento é preciso um acordo entre os grupos para que as metas e
programas sejam aceitos livremente e que possa haver participação.
Participação - "É a intensidade, a natureza e a categoria dos
contatos do indivíduo com o grupo social a que pertence"21. É o
engajamento pessoal como membro de um grupo para cooperar e permitir o
bom funcionamento do grupo e atingir os objetivos traçados. A
participação é necessária à existência de qualquer atividade grupal e à
co-responsabilidade; multiplica as interações e a coesão afetiva. Além
disso, a participação é fator motivacional, pois as pessoas se
interessam naquilo em que podem ter parte e onde lhes é dada uma
responsabilidade. A participação é uma maneira de comunicar-se pela
troca de algo que se dá contra algo que se recebe. É uma das bases da
vida da sociedade. Como vimos no começo deste capítulo, a participação é
a qualidade do "ser-em-comum" e a união entre os "seres operários".
[ 21. COSTA Pinto, L. Op. cit., p. 137. ]
Nem todos participam da mesma maneira: a idade, as forças
físicas, a instrução, os costumes sociais limitam a possibilidade de
participação. "O conceito de participação, por conseqüente, para que não
se torne um conceito desligado da realidade, e para que possa ser
utilizado de modo operativo, no estado de situações sociais concretas,
precisa ser referido a esferas de organização social determinada:
participação nos benefícios da vida econômica, da educação, do governo
da comunidade, nas atividades recreativas, etc. Então ver-se-á, dentro
de cada tipo de organização social, o que existe, inerente a sua
estrutura que limita e impede a sua participação"21. Não

p. 127

pode, portanto, ser tomado em sentido absoluto, ignorando o valor do


esforço de compreensão dos problemas sociais.
A América Latina é um continente engajado no trânsito para o
desenvolvimento; enfrenta mudanças aceleradas, mas de ritmos diferentes
em vários de seus aspectos. Vejamos como se situa o Serviço Social no
tempo e no espaço e como se apresenta para uma atuação eficiente.

p. 128

CAPITULO II

A AJUDA AOS POBRES NO BRASIL ATÉ O SÉCULO XX

Nosso objetivo não é analisar a situação de desenvolvimento do


Brasil, no que diz respeito aos aspectos econômicos, políticos e
tecnológicos, o que já fizeram vários autores de reconhecida
competência. Lembraremos apenas aqueles que se referem ao Serviço
Social, isto é, às transformações dos recursos de bem-estar e à evolução
das idéias em relação à solução de problemas sociais e que, portanto,
influem sobre a imagem atual do Serviço Social.

DA ÉPOCA DA COLONIZAÇÃO ATÉ A REPÚBLICA

O que era a sociedade, no Brasil, no período pré-cabralino, só o


podemos deduzir do que se sabe das tribos indígenas do País: uma
sociedade mítica, na qual os elementos da natureza e os acontecimentos
eram sacralizados, e a função auto-suficiente da família patriarcal e da
tribo.
A sociedade colonial nada aproveitou desta cultura, importando
seus costumes da Europa e principalmente de Portugal. Desde o inicio da
colonização até o século XX, poucas mudanças se verificaram nos seus
componentes principais.
Esta Sociedade se caracterizava por:
1) Existência da família patriarcal, abrangendo além de pais e
filhos, avós, tios, filhos casados, parentes solteiros

p. 129
ou sem meios de subsistência. Assim, crianças órfãs, velhos sem arrimo,
agregados, etc., encontravam na família proteção e sustento.
2) Economia de subsistência - a família produzia o que lhe era
necessário desde o alimento até o vestuário, móveis e apetrechos
domésticos.
3) Predominância do latifúndio e da monocultura ou de atividades
extrativas, cujos produtos se destinavam à exportação.
4) Regime de trabalho escravo, onde a mão-de-obra não era um
fator de produção, mas um mero instrumento.
5) Cidades pequenas, esparsas, centros administrativos de pouca
vida.

Uma situação igual a esta, em vista do estágio da ciência e da


tecnologia, não aparecia, àquela época, como subdesenvolvida, pois
correspondia ao estado em que se encontrava a maioria das sociedades no
mundo ocidental: no entanto, tal situação não era propícia ao
desenvolvimento da iniciativa nem nas classes dominantes e muito menos
nas demais.
A Igreja, cujo prestígio era enorme, possuía função
principalmente sacramental, como a do governo era fiscalizadora e
tributária.
Assim, nos primeiros séculos, constata-se a ausência de obras
assistenciais e de instituições educacionais.
Qual a repercussão dessa situação em termos de Assistência
Social?
A família é o lugar onde todos os membros necessitados e também
muitos agregados encontram ajuda. Seria "falta de caridade" enviar
parentes e serviçais pobres e/ou doentes para um asilo, que se destinava
exclusivamente aos que não tinham ninguém para cuidar deles.
"O engenho ou a fazenda constituía, diz SÉRGIO BUARQUE DE
HOLANDA, um organismo completo e que, tanto quanto possível, se bastava
a si mesmo. Tinha capela onde se rezavam as missas, tinha escola de
primeiras letras, onde o padre-mestre desasnava meninos. A alimentação
diária dos moradores e aquela com que se recebiam os hóspedes,
freqüentemente agasalhados, procedia das plantações, das criações, da
pesca proporcionada no próprio lugar. Também no lugar, montavam

p. 130

serrarias de onde saía acabado o mobiliário, os apetreches do engenho,


além das madeiras para as casas."
"É o tipo da família organizada segundo as normas clássicas do
velho direito romano-canônico, mantidas na Península Ibérica através de
inúmeras gerações, que prevalece como base e centro de toda a
organização. Os escravos das plantações e das casas, e não somente os
escravos como os agregados, dilatam o círculo familiar,. e com ele a
autoridade imensa do pater-familice. Esse núcleo, bem característico em
tudo, comporta-se como seu modelo da antigüidade, em que a própria
palavra "família", derivada de famulus, se acha estreitamente vinculada
à idéia de escravidão e em que mesmo os filhos são apenas os membros
livres do vasto corpo inteiramente subordinado ao patriarca, os liberi."
"Por isso no Maranhão, em 1735, queixava-se um governador de que
não vivia a gente em comum, mas em particular, sendo a casa de cada
habitante, ou de cada régulo, uma verdadeira república, porque tinha os
ofícios que a compõem, como pedreiros, carpinteiros, barbeiros,
sangrador, pescador, etc.... Com poucas mudanças tal situação
prolongou-se até bem depois da Independência e sabemos que, durante a
grande época do café, na Província do Rio de Janeiro, não faltou
lavrador que se vangloriasse de só ter de comprar ferro, sal, pólvora e
chumbo, pois o mais dava de sobrar nas suas próprias casas"1.
[ 1. BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Raízes do Brasil, Livraria José
Olympio Editora, 5ª Edição, 1969, p. 9. ]

No século XIX, com a Independência, a situação começa a mudar.


Embora a família patriarcal continuasse a existir com as mesmas funções
e permanecessem o latifúndio, a monocultura e a escravidão, esboçam-se
os primeiros esforços de urbanização e industrialização. Até aquela
época, as cidades nunca tiveram uma importância marcada no
desenvolvimento do País, eram centros administrativos e festivos apenas.
A classe alta, os senhores de engenho, não residiam na cidade mas nas
fazendas e nos engenhos; vinham à cidade apenas para as festas e
comemorações; quando ausentes, suas casas cita dinas permaneciam
fechadas. A população das cidades consistia em "traficantes",
negociantes, geralmente portugueses,

p. 131

pequenos artesãos, escravos libertos. alguns profissionais liberais e os


funcionários do Reino que administravam a Colônia.
"O Conde da Cunha, primeiro vice-rei do Brasil, em carta escrita
ao Rei de Portugal, em 1767, descreve o Rio de Janeiro como só habitado
por oficiais mecânicos, pescadores, marinheiros, mulatos, pretos boçais
e nus e alguns homens de negócio, dos quais muito poucos podem ter esse
nome, nem servir cargo autorizado, pois as pessoas de casas nobres e
distintas viviam retiradas em suas fazendas e engenhos"2.
[ 2. BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Op. cit., p. 50. ]

Nos meados do século XIX, com as dificuldades criadas pelas


campanhas abolicionistas e a subseqüente abolição da escravatura,
aparece o trabalho livre e assalariado; as transformações políticas
levam ao cenário elementos das classes dominantes nacionais,
estabelecendo-se com a República uma política de oligarquia e
clientelismo. No campo econômico, desenvolve-se, aos poucos, um mercado
interno, embora continue a economia nacional vinculada ao mercado
externo. A abolição da escravatura e o aparecimento da industrialização
provocam o êxodo de grande quantidade de mão-de-obra rural e não
qualificada para as cidades.
A cultura é nitidamente européia, assim como os costumes,
embora, em política, houvesse grande influência da jovem nação
norte-americana.

Além de suas funções sacramentais e missionárias, a Igreja, no


início, ocupou-se principalmente em defender e assistir as populações
índias, como o faziam na América Espanhola. Como crescimento das
cidades, ordens e congregações religiosas abriram escolas de primeiras
letras destinadas à classe popular: os meninos das classes altas eram
educados em casa, pelo padre-preceptor, ou pela governanta inglesa ou
francesa. Somente no fim do século XIX abriram-se colégios para aclasse
alta.

O Estado mantinha-se ausente de qualquer empreendimento que não


fosse administração econômica e política da Colônia. Com a chegada da
Família Real, apareceram as primeiras legislações e realizações do
governo

p. 132

no campo da educação, que se desenvolveria durante todo o século XIX e


levaria o Estado a abrir escolas e colégios públicos.

Tipo de ajuda

Em todos esses períodos podem distinguir-se vários tipos de


ajuda:
1 - ajuda da família,
2 - ajuda mútua,
3 - ajuda coletiva,
4 - ajuda aos desamparados.

1 - A ajuda da família, descrita anteriormente, se realizava de


maneira eficiente nas casas-grandes dos engenhos e fazendas e nos
sobrados das cidades.
2 - A ajuda mútua era uma idéia herdada de Portugal. No Brasil,
entre outros nomes, é conhecida como "mutirão" e se caracterizava pelo
auxílio que um grupo de vizinhos prestava ao outro, de maneira graciosa,
mas com esperança de retribuição quando por sua vez dela precisasse. O
mutirão era convocado, em geral, por ocasião de trabalhos agrícolas
urgentes como safras. Terminadas as tarefas do dia, o dono do trabalho
oferecia bebidas e comidas e em seguida havia bailes e cantos.
Outro tipo de ajuda mútua era encontrado em engenhos e fazendas
entre os escravos, aos quais o senhor ,cedia um pequeno terreno para que
o cultivassem para ,seu uso; os escravos costumavam ajudar-se mutuamente
no preparo da roça, nas safras, etc.
A ajuda mútua adquiriu caráter organizado com as Irmandades e as
Confrarias.
As irmandades e as confrarias são, em princípio, organizações
religiosas cuja finalidade consistia no culto a Deus e a um santo
padroeiro. Uniam os "irmãos" por um lado espiritual: a fraternidade pela
fé. As irmandades procuravam congregar seus membros para orações e
devoções em comum e abrilhantar o culto com cantos, procissões e outros
atos públicos de piedade. Numa época em que escasseavam as distrações;
as irmandades promoviam também dramatizações como a Procissão dos
Fogaréus na

p. 133

Bahia, dramatização que representava Jesus perseguido pelos judeus,


abolida em 1863 pelas desordens que suscitava.
Cedo, porém, os membros das irmandades procuraram auxiliar-se
mutuamente e instituíram "caixas" de socorros para os "irmãos"
necessitados, serviços assistenciais, etc.
As irmandades prescreviam regras para a admissão de seus
membros; assim foram-se diversificando. Além das irmandades de "homens
livre" e da classe abastada, apareceram irmandades entre a gente do
povo, em oposição às dos senhores de engenho e donos de sobrados. Várias
foram criadas por escravos, as quais, além da função religiosa, culto e
instrução, procuravam também resgatá-los e ajudá-los nas primeiros
passos na vida liberta. Algumas, como a Irmandade do Rosário e de São
Benedito dos Homens Pretos, no Rio de Janeiro, tiveram atuação
importante na campanha abolicionista. Algumas dessas irmandades existem
ainda hoje com uma extensa rede assistencial: asilos, hospitais,
leprosários, etc.
O culto das irmandades, em alguns casos, assumiu aspectos
folclóricos: santos padroeiros, como São Jorge, tiveram uma carreira
militar, receberam soldo e galgaram todos os postos do exército até
marechal de campo.
As confrarias, inspiradas nas corporações de ofícios ou dos
guild europeus, reuniam artesãs do mesmo ofício; ainda com finalidade
religiosa, procuraram, aos poucos, a defesa e a melhoria da profissão e,
como a Confraria de São Jorge, constituíram as primeiras tentativas de
associativismo profissional e de sindicalização.
3 - A ajuda coletiva apresentava característica do que hoje
chamaríamos de comunitário. O povo se juntava para determinados
trabalhos necessários à comunidade e que não eram da responsabilidade
dos governos municipais naquele tempo. Assim, em 1878, a população de
Itu, São Paulo, trabalhou na construção da sua igreja matriz, "levando à
cabeça, em romaria, a terra de pedregulhos para os muros"3. O mesmo
fez, no fim do século, a população de Iguape, São Paulo, para a
construção da igreja. Muitas vias de comunicação, pontes, chafarizes,
etc., foram construídos deste modo.
[ 3. BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Op. cit., p. 52. ]

p. 134

Como ajuda coletiva e trabalhos comunitários podemos incluir o


esforço realizado pelos jesuítas, nas Mimôes junto aos índios.
No fim do século XVI, ao chegar à América Latina, os jesuítas
constataram as dificuldades de relacionamento entre os colonizadores e
as populações indígenas. Os primeiros os queriam como escravos para
explorar as terras; os segundos, indolentes, nômades, imprevidentes e
detestando os colonizadores, não podiam constituir uma força de trabalho
eficiente. Os maus-tratos e as doenças os estavam dizimando rapidamente.
Como a Igreja proibia reduzir à escravidão os batizados, os jesuítas
procuraram batizar e reunir as populações indígenas em grandes áreas
concedidas pela Coroa para "reduzi-los" à civilização. Donde o nome de
"reduções" dado a estas comunidades. Os jesuitas estabeleceram umas
trinta "reduções', na América Latina, onde viviam mais de 120.000
índios. Os padres "asseguravam a direção, administração, supervisão,
defesa e comando militar, controle da produção e das tricas e
evidentemente a instrução religiosa. Os Guaranis aprenderam a construir
casas, a cultivar a terra e utilizar armas. Cada família tinha sua casa
e sua roça, mas a coletividade assumia a ajuda em caso de dificuldades e
catástrofes. Cada dia havia distribuição de gêneros para evitar o
desperdício"4. Descobrindo o gosto dos índios para a música, foi dado
destaque a concertos, cantos e danças.
[ 4. ROPS, Daniel. L'Eglise de la Renaissance et de la Réforme,
Artheme Fayard, Paris, 1955, p. 334. ]

Esta experiência comunitária, única e original para a época, deu


resultado enquanto os jesuítas a dirigiram. Extinta a Sociedade de
Jesus, em 1768, desapareceram as "reduções". Carecendo de bases
educacionais e psicológicas, ignoradas à época, a experiência não
permitiu uma mudança cultural pela educação das populações indígenas e a
continuação da obra comunitária pelos próprios índios.
4 - A ajuda aos desamparados, como seu nome indica, era dada aos
que não tinham ninguém por si. Revestia-se de várias formas:
a) Esmolas dadas nas igrejas ou nas suas portas, nas praças
públicas, nas ruas, onde os mendigos se instalavam

p. 135

"pedindo caridade". Ao contrário da Europa, a miséria era muito maior


nas cidades, onde as famílias não podiam ser auto-suficientes. Havia
assim um número enorme de mendigos de ambos os sexos e todas as idades.
As igrejas matrizes e as capelas tinham dias fixos, principalmente por
ocasião das grandes festas, para distribuição de mantimentos e de
vestiários. Daí nasceram, entre nós, ümtituiçôes já existentes em
Portugal: "Pão de Santo Antônio", "Sopa dos Pobres", etc.
b) Promessas de esmolas feitas por gente abastada, cumpridas
principalmente por ocasião das festas. INÁCIO DA SILVA MEDELO, por
exemplo, determinou, por testamento, em 1738, que, todos os anos, por
ocasião do Lava-pés, se vestissem os 12 pobres representando os
Ápostolos "com calças e capote de pano azul, baeta ou serafina. duas
camisas de pano de linho, chapéu, meias de lã, sapatos e toalhas de
linho"5. É de se crer que havia também escravos entre os pobres, pois
num desses "lavapés" se distribuíram 55$000 a cinco escravos.
[ 5. SOARES, Urbano. A Velha Igreja da Misericórdia, Rio, 1955,
p. 10. ]
c) Recolhimentos para velhos e enfermos, "menores decaídas" e
crianças órfãs ou abandonadas, estas recolhidas nas "casas de expostos".
Para preservar o anonimato de quem abandonava a criança, havia, nestas
casas, abrindo para uma rua escondida, um rodava-se a abertura para o
outro lado, portanto para dentro da casa, onde a criança era recolhida,
cuidada e educada. Assim os pais perdiam para sempre o direito ao filho
e a obra não tinha meios de identificar os pais.
d) Santas Casas de Misericórdia ou Irmandades da Misericórdia.
Instituídas em Portugal, em 1498, por FREI MIGUEL DE CONTREIRAS, por
instigação da Rainha D. LEONOR, viúva de D. João II, estas irmandades
tinham como finalidade "exercer a caridade aonde quer que houvesse dor
moral ou física a mitigar6. Era a prática das "obras de misericórdia",
enumeradas no Evangelho, pois além de socorrer todas as espécies de
miséria, as irmandades também "enterravam os mortos" nos cemitérios
adjuntos a
[ 6. ALVES, Marietta. A Santa Casa de Misericórdia e sua Igreja,
"Pequeno Guia das Igrejas da Bahia", Prefeitura de Salvador, 1952. ]

p. 136

suas igrejas. Além de hospitais, recolhiam velhos desvalidos, enfermos,


crianças abandonadas e educavam mocinhas, dotando-as para casá-las.
Algumas Santas Casas, como a de Lisboa e de Setúbal, eram, para
a época, muito bem organizadas, ricas e usufruíam privilégios especiais
concedidos pela Coroa portuguesa. No Brasil, a primeira Santa Casa foi
fundada em 1522, em Santos, e a segunda espanhola aportou com vários
doentes a bordo. A Santa Casa de Salvador deve ter sido fundada antes de
1572, pois figuram doações em seu benefício no testamento de MEM DE Sé.
O terreno foi doado por SIMÃO DA GAMA, capitão português e
concessionário da sesmaria de Pirajá. Construiu-se o hospital em
primeiro lugar, e, em 1716, organizou-se o Recolhimento de Mulheres com
um legado do Capitão JOÃO DE MATOS AGUIAR.
As Santas Casas constituíram sempre uma característica das
cidades brasileiras até a República. Quando se fundava uma cidade
tratava-se logo de levantar uma capela e uma Santa Casa. Todas prestaram
grandes serviços à população; algumas, como as Santas Casas de Santos e
do Rio de Janeiro, se distinguiram, tanto no auxílio ao combate às
doenças e epidemias como no progresso da medicina no País. Os serviços
médicos eram prestados gratuitamente, e a enfermagem confiada a
religiosas. Muitos desses estabelecimentos foram e ainda são
considerados como hospitais de clínicas para estágios dos acadêmicos de
medicina.
e) Auxílio à pobreza envergonhada. Este tipo de ajuda apareceu
quando declinou a escravidão e famílias antes abastadas não mais puderam
manter-se nas suas fazendas. Morando na cidade, não contavam com meios
de subsistência, embora quisessem ou precisassem manter um certo decoro.
Apareceu, então uma espécie de auto-ajuda: "moços de ganho" ou "negros
de ganho" trabalhavam para beneficiar um terceiro. Eram em geral
escravos ou libertos que vendiam na rua, em tabuleiros, balas e doces
feitos em casa pelas senhoras, suas patroas. Estas também bordavam e
confeccionavam enxovais de noivas ou de crianças, roupas de cama e mesa,
cortinas, etc.: os "moços de ganho" angariavam encomendas e entregavam a
mercadoria.

p. 137

Em todos esses tipos de caridade predominava uma atitude


paternalista e autoritária por parte das classes dominantes e de
dependência e submissão por parte das classes dominadas. A caridade era
uma virtude que beneficiava espiritualmente quem a praticava e não uma
ajuda para quem a recebia.Havia "pobres interessantes" aqueles que
aceitavam docilmente a orientação de quem lhes dispensava a caridade; as
crianças entravam nesta categoria. Os "pobres não interessantes" eram
delinqüentes, prostitutas, viciados e preguiçosos que "exploravam a boa
fé alheia" e "não procuravam se corrigir".
Tanto no século XIX como no início do século XX, a classe
dominante, alienada da realidade, não possuía nem espírito nem liderança
para movimentos de ação social como os que ocorriam na Europa na mesma
época e às classes dominadas faltava iniciativa para procurar sair da
sua situação.

O SÉCULO XX

Embora permanecesse a predominância do latifúndio, aparecem


propriedades pequenas e médias, com a instalação de emigrantes no Sul do
Brasil. Nas cidades, a família se restringe à família conjugal,
conservando, entretanto, uma mentalidade patriarcal, apesar de delegar
ao Estado ou a Igreja muita das suas funções educativas e assistenciais.
Com o advento da República e a separação da Igreja do Estado, a
Igreja desenvolve maior atuação no campo social: numerosas congregações
religiosas - espanholas, portuguesas, alemãs e francesas, estas expulsas
do seu país, pela Lei Combes, em 1904 - dedicaram-se a toda espécie de
obras sociais: creches, colégios, berçários, jardins de infância,
orfanatos, asilos, patronatos, etc. Muitas eram patrocinadas por
senhoras da sociedade que promoviam chás, quermesses, tômbolas, desfiles
de modas, etc., para angariar fundos para o sustento das obras, como
também trabalhavam na sua administração.
A industrialização, o progresso da tecnologia e o regime
capitalista, agravando a alienação das forças de trabalho e a
marginalizaçâo de uma larga parte da população,

p. 138

levou o governo a tomar, na década de 30, uma série de medidas


promulgando leis trabalhistas e criando a Previdência Social. É de se
notar que estas medidas, extremamente avançadas mas imperfeitas na sua
aplicação, representavam um progresso para a classe trabalhadora, mas
não foram, como na Europa, resultado reivindicatório destas, mas
iniciativa governamental.
Acreditava-se que recursos bem organizados e em número
suficiente resolveriam a situação dos necessitados. Por isso, surgiram
algumas tentativas de coordenação de obras sociais, tal como a
Confederação Católica, fundada em 1922, no Rio de Janeiro, dentro do
mesmo espírito, criou o Conselho Nacional do Serviço Social, cuja
finalidade seria a coordenação em nível nacional, estadual e municipal
das obras particulares. O Conselho não alcançou sua finalidade por falta
de pessoal técnico e de adaptabilidade de seus programas à situação
brasileira do momento; transformou-se num órgão concessionário de
subvenções e subseqüentemente, pela distribuição das subvenções pelos
próprios deputados, tornou-se inexpressivo. As obras tornaram-se mais
dependentes ainda dos seus representantes junto ao governo, através do
clientelismo político. As obras tornaram-se mais dependentes ainda dos
seus representantes junto ao governo, reforçando assim o clientelismo
político. A dependência financeira das obras em relação ao governo,
através do clientelismo local, tornava-se cada vez mais aguda à medida
que aumentava o número de obras e o número dos que a elas socorriam e
que diminuíam as possibilidades de ajuda particular.
Afinal, em termo de ajuda ao próximo, a mentalidade da época
continua predominantemente curativa e paternalista, raramente
preventiva, salvo no que se referia à juventude e adolescência. A ajuda
era totalmente vertical e empírica, embora extremamente dedicada; não se
reconhecia ao "pobre"o direito de decidir. Para quem "fazia caridade" ou
"dedicava-se às obras", não se exigia nenhum treinamento, nem para
leigos, nem para o pessoal religioso; o amor ao próximo e a dedicação
eram as qualidades necessárias e suficientes.
Embora numa situação de trânsito para o desenvolvimento e
apresentando, do ponto de vista econômico e tecnológico, um progresso
indiscutível, permanecem, ainda,

p. 139

em muitas regiões do País, vestígios da sociedade colonial. A


disparidade entre o desenvolvimento econômico das regiões e a
mentalidade e os costumes cria dificuldades à aplicação de uma ajuda
tecnicamente organizada.
Até a Segunda Guerra Mundial, não se verificam mudanças de
valores em relação à esfera de atuação da família, da mulher, ao
exercício do poder e da autoridade. As mudanças tecnológicas, porém,
transformam o ambiente familial e social. Existe assim uma defasagem
entre valores e atitudes e prática da vida diária. Esta defasagem leva a
conflitos entre gerações e com a autoridade constituída. O povo deseja
as melhorias materiais, mas pensa ainda como no século passado e se
apóia em valores já ultrapassados. O trabalho assalariado contribuí para
o individualismo e enfraquece o espírito de cooperação e de ajuda-mútua.
Os mesmos problemas continuam aparecendo: crianças abandonadas, lares
desfeitos, desempregos, despreparo profissional, má utilização dos
lazeres, falta de iniciativa, tanto na vida particular e familiar como
política e social, tudo isso dentro de um contexto onde a antiga
mentalidade colonialista e escravocrata se mistura com idéias novas,
causando completa desorientação entre os que procuram ajuda.
Durante e depois da Segunda Guerra Mundial, aparecem as
primeiras obras sociais de caráter nacional: a Legião Brasileira de
Assistência, criada pelo governo, em 1940, como obra privada para
assistir as famílias dos combatentes e que, terminado o conflito, se
transformou em entidades de Assistência a Maternidade e a Infância; em
1941 e 1946, por iniciativa das classes produtoras, criam-se o Serviço
Social da Indústria (SESI) e o Serviço Social do Comércio (SESC). Estas
obras contaram, desde o início, com assistentes sociais formadas em
escolas brasileiras. Na mesma época, D. HELDER CÂMARA, bispo-wuxiliar do
Rio de Janeiro, incorporou à nascente Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) uma comissão social com o objetivo de coordenar as obras
sociais católicas do País, dando-lhes um objetivo promocional e
educativo.
Continuam prevalecendo, no entanto, idéias paternalistas; todas
as inovações citadas não foram, como a legislação social, resultado de
iniciativa dos interessados.

p. 140

No momento em que, vindo da Europa, em 1932, o Serviço Social


aparece no Brasil, a sociedade apresenta ainda traços colonialistas;
arraigada tradição de caridade individual e falta de ação social; grande
número de obras privadas, porém de âmbito limitado, sem recursos
financeiros e com atuação empírica; iniciativa deixada ao Estado em
matéria de política e de ação social; perda da tradição da ajuda mútua,
pela ênfase dada ao trabalho individualista, e do trabalho comunitário
em cooperação, pelas atitudes paternalistas das autoridades. Ambas são,
entretanto, traços da personalidade e da cultura brasileiras que podem
ser reavivadas.

p. 141

CAPITULO III

PERFIL INICIAL E FATORES DE EVOLUÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL

PERFIL INICIAL DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL

Em 1932, o Brasil recebeu a visita de M. lle ADÈLE DE LONELIX,


senhora belga que, por meio de conferências e palestras, em São Paulo e
no Rio de Janeiro, lançou a idéia do Serviço Social, como era visto na
Europa naquela época. Ao regressar à Bélgica levou duas brasileiras,
Maria Kiehl e Albertina Ramos, que se formaram na Escola de Serviço
Social de Bruxelas. Ao voltar, em 1936, essas duas assistentes sociais
fundaram a Escola de Serviço Social de São Paulo, cuja primeira diretora
foi ODILA CINTRA FERREIRA. No ano seguinte, Dona STELLA DE FARO, com o
apoio de S. Exª o Cardeal Dom SEBASTIÃO LEME, organizou, no Rio de
Janeiro, o Instituto Social, tendo sido nomeada diretora M.lle GERMAINE
MARSAUD.
Destas duas Escolas saíram as assistentes sociais que iriam
organizar a maioria das Escolas surgidas nos dez anos seguintes. Os
termos de Serviço Social e de Assistente Social foram logo adotados:
eram os usados na Europa. Não houve senão influência de uma tradição
seguida desde a colonização e que levavam os brasileiros a introduzir e
aceitar os usos e costumes europeus. Além do mais, a tradição da
caridade, a idéia que dela se formava, era muito mais de um "serviço
amos pobres", de uma vocação, de um ministério, do que um "trabalho",

p. 142

que levava uma, conotação de obrigação, de ocupação para classes


irferiores. Significativo desta mentalidade é o fato de que as primeiras
candidatas às Escolas de Serviço Social foram moças de classes
abastadas.
Nesses primeiros anos, até 1950, o Serviço Social no Brasil
apresentava-se na linha da influência francesa no campo médico-social,
com o objetivo de ajudar os pacientes a utilizar convenientemente o
tratamento médico-hospitalar, e de empresa, para a promoção do bem-estar
do operário. Ambos enfocavam também a família, pois não era possível
ajudar um de seus membros sem ajudar também os demais. O Serviço Social
apresentava, portanto, característica familiar e paternalista; suas
funções consistiam na seleção dos clientes para obtenção de benefícios
materiais: gratuidade, medicamentos, alimentos, auxílios em espécie ou
no encaminhamento a obras sociais que os poderiam melhor atender.
A definição adotada para o Serviço Social era a de M.lle DE
LONEUX: "Serviço Social é o conjunto de esforços feitos para adaptar o
maior número possível de indivíduos à vida social ou para adaptar as
condições da vida social às necessidades dos indivíduos"1.
[ 1. As definições citadas neste capítulo foram tiradas de
JUNQUEIRA, Sônia Botelho, Conceitos e Definições de Serviço Social,
Debates Sociais, Suplemento n.º 2, junho de 1969. ]

A influência francesa aparece nos programas das Escolas de


Serviço Social, pela preponderância dada à legislação social trabalhista
e sanitária; ênfase nos aspectos de higiene e puericultura; adestramento
em técnicas de orientação do lar (economi doméstica, corte e custura,
cozinha, trabalhos manuais, etc.). A psicologia é embrionária e a
sociologia, normativa. Inclui-se também nos programas a "recreação" como
técnica preventiva a ser desenvolvida nos Centros Sociais. Este tipo de
obra, pouco conhecido no Brasil, era organizado segundo o modelo
francês, como um lugar que procura suprir as, deficiências de recursos
da comunidade.
Em 1942, a concessão de bolsas de estudo pelo governo dos
Estados Unidos, dentro de seu programa de cooperação, levou vários
assistentes sociais a cursar Escolas de Serviço Social naquele país, os
quais, ao regressar,

p. 143

introduziram o processo de Serviço Social de Casos e a Supervisão de


Estágios.
Na mesma época, surge o Serviço Social junto à Previdência
Social, com a organização da Divisão de Serviço social, no Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Comerciários - I.A.P.C. - cujo primeiro
chefe foi o assistente social Luiz Carlos Mancini. O emprego de
asssistentes sociais, por uma grande entidade, teve muita influência
através dos anos sobre a evolução do Serviço Social e na melhoria do
status da profissão.
A participação, em 1945, no I Congresso Pan-Americano de Serviço
Social, em comemoração dos vinte anos de Escola de Serviço Social de
Santiago, no Chile, foi a primeira oportunidade de aproximação dos
assistentes sociais do continente.
Como conseqüência deste Congresso, fundaram-se, em 1946, a
Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social - A.B.E.S.S. - e a
Associação Brasileira de Assistentes Sociais - A.B.A.S. - associação
esta que,no ínicio, só congregava os diplomados pelas escolas filiadas à
A.B.E.S.S. Em 1947, realizou-se em São Paulo o I Congresso Brasileiro de
Serviço Social, por iniciativa da Escola daquela cidade. Adotou-se,
então, uma nova definição de Serviço Social: "Serviço Social é a
atividade destinada a estabecer, por processos científicos e técnicos, o
bem-estar social da pessoa humana, individualmente ou em grupo, e
constitui o recurso indispensável à solução cristã e verdadeira dos
problemas sociais.
Em 1948, e ainda por influência dos assistentes sociais que
estudaram nos Estados Unidos, as Escolas introduziram no seu currículo a
cadeira de Pesquisa e Organização da Comunidade.
Em 1949, uma comissão liderada por D. STELLA DE FARO, organizou,
no Rio de Janeiro, o II Congresso Pan-Americano de Serviço Social,
seguimento do Congresso de Santiago do Chile e que reuniu numerosos
profissionais do bem-estar de todo o continente.
A influência norte-americana, com a volta dos primeiros
bolsistas, começou a se fazer sentir. Registram-se alguns ensaios de
Serviço Social de Grupo no campo da recreação, e, em Organização de
Comunidade, a experiência

p. 144

mais saliente foi a Missão de Itaperuna (1949-1951)2, dentro de uma


visão interdisciplinar no meio rural.
[ 2. S. I. A. A Missão de Itaperuna, Ministério da Agricultura,
Rio, 1952. ]

Este projeto foi planejado pelo Serviço de Informações Agrícolas


do Ministério da Agricultura, que convidou a assistente social AYLDA
PEREIRA para orientadora do projeto no que dizia respeito ao Serviço
Social. Outros técnicos - agrônomo, veterinário, enfermeira de saúde
pública e educadora familiar - integravam a equipe. Instalaram-se em
Itaperuna, pequena cidade fluminense, e, durante dois anos, utilizando
grupos de finalidades diversas, procuraram levar aquela comunidade a
identificar seus problemas e resolver algumas de suas dificuldades.
Contando com o apoio e verbas do governo, o projeto foi adiante e
mereceu as atenções de todos os assistentes sociais. O Seminário
Latino-Americano de Bem-Estar Rural, promovido pela ONU, em 1952, no Rio
de Janeiro, realizou uma de suas sessões no local, para poder observar
os trabalhos em operação. Embora o término da missão tenha influído no
ritmo de desenvolvimento daquela comunidade, não resta dúvida que foi
uma demonstração do que se podia fazer nesse campo e esta primeira
iniciativa serviu de modelo às que, mais tarde, procuraram inspirar-se
nos seus princípios e nos seus métodos.
O ponto de partida era, a idéia de adaptação: cliente era um
"desajustado"; por isso encontra-se nos programas das Escolas de Serviço
Social e documentos da época referência a conceitos de "normalidade" e,
"anormalidade", "ajustamento" e "desajustamento".
Não se tinha consciência da idéia de mudança; de' uma sociedade
em desenvolvimento. Acreditava-se num fundo permanente de tradição e de
valores que governavam a sociedade e ao qual o indivíduo devia se
ajustar, acomodar ou se integrar.
Outra idéia dominante era a do "Bem-Estar Social", recentemente
lançada pela ONU, mas noção vaga, idealizada e aproximando-se da noção
de justiça social. Predominavam os aspectos valorativos e até
confessionais, colocando o Serviço Social como o recurso indispensável a
"solução cristã" dos problemas. Embora, por influência

p. 145

dos estudos feitos nos Estados Unidos, os assistentes sociais


procurassem imprimir cunho científico aos seus trabalhos, estes não
podiam deixar de apresentar uma predominância de aspectos empíricos,
apesar da introdução, nas escolas, da cadeira de Pesquisa Social.
Os primeiros trabalhos de Conclusão de Cursos, exigidos pelas
escolas, refletem a atuação dos assistentes sociais e serviram para
interpretar o Serviço Social às entidades e autoridades. Na sua maioria,
esses trabalhos focalizavam os campos onde atuavam o Serviço Social e os
problemas que neles se encontravam; tentavam demonstrar a atuação do
assistente social, apontar suas funções e os problemas que procuravam
resolver. Salvo raras exceções, não focalizavam o processo ou o ensino
do Serviço Social.
Em resumo: o Serviço Social, neste primeiro período,
apresentava-se com características assistencialistas, centradas nos
problemas do ajustamento individual, apoiando-se em valores
confessionais e com uma atuação empírica.
Os assistentes sociais não tinham ainda capacidade de percepção
crítica da utilização de outros processos e técnicas, numa situação de
desenvolvimento que começavam apenas a descobrir.
Os anos decorridos de 1949 a 1967, entre o I Congresso
Brasileiro de Serviço Social e o Seminário de Araxá sobre "Teorização do
Serviço Social", compõem um período de mudanças extremamente rápidas
para o Serviço Social: mudanças de uma prática empiríca para a procura
de uma atuação científica.
Os três processos definem-se e sistematizam-se. As escolas
oferecem disciplinas para cada um; treinam-se os alunos primeiro em
Serviço Social de Casos, depois em Serviço Social de Grupo e finalmente
em Organização da Comunidade, obedecendo, portanto, a uma ordem lógica
de complexidade: o indivíduo, o grupo e a comunidade.
O Serviço Social de Casos era mais bem definido em relação aos
demais, pois tinha sido mais estudado nos Estados Unidos e assimilado
pelos assistentes sociais brasileiros; era tido como método básico do
Serviço Social, apesar de se reconhecer que o Serviço Social, como
método, fornecia uma base comum aos processos: o estudo,

p. 146

o diagnóstico, o tratamento, base essa considerada perfeitamente


adaptada ao Serviço Social de Casos, mas que deixava os assistentes
sociais pouco à vontade quando se tratava do Serviço Social de Grupo ou
de Organização da Comunidade.
O Serviço Social de Grupo passou do campo da recreação ao da
educação de adultos, por influência do SESC e do SESI; foi aplicado,
também, em hospitais, sanatórios, clínicas de orientação, escolas, etc.,
levando assim a uma diferenciação com a "terapia de Grupo". Seu emprego
ficava menos ficava menos claro quando se tratava de "dinâmica de Gupo"
como processo ou emprego de abordagem grupal em situações como no ensino
e na supervisão do Serviço Social. Surgiram, assim, diversas linhas de
pensamento apoiadas em experiências analisadas e discutidas, porém
nenhuma conclusiva.
Para a abordagem comunitária, aceitou-se, no início; a
interpretação norte-americana, que se chocava com a interpretação da
"Ação Social" no sentido europeu. Durante algum tempo, os assistentes
sociais procuraram identificar as técnicas de Ação Social, para
diferenciá-las do processo de Organização de Comunidade.
A atuação da Divisão de Assuntos Sociais da União Pan-Americana
e de sua Sessão de Serviço Social, respectivamente chefiadas por Luiz
CARLOS MANCINI e MARTA ESCURRA, promovendo Seminários Regionais sobre
Organização de Comunidade, revelou-se decisiva para despertar o
interesse dos assistentes sociais. Esta entidade pesquisou e publicou
uma série de experiências latino-americanas que, durante muito tempo,
constituíram a base do ensino do processo.
O livro de CAROLINE WARE - Estudo da Comunidade - publicado em
1952 pela U.P.A., e apresentando um esquema para o estudo
geográfico-demográfico da comunidade, representou outro ponto de apoio
ao ensino da prática da Organização da Comunidade.
Procurava-se aplicar estas três abordagens nos vários campos:
família, saúde, menores, empresas, rural, habitação, etc ....
Reconhecia,-se que nem todos os campos comportavam os três processos;
cada um possuía sua especificidade. As escolas dedica meio onde

p. 147

atuavam. Assim algumas escolas possuíam campos "rurais" e outras,


situadas em grandes cidades, campos de "empreesas".
O Decreto nº 35.311, de 8 de abril de 1954, que regulamentou a
Lei nº 1.889, de 13 de junho de 1953, sobre o ensino do Serviço Social,
determinou um currículo mínimo para os processos e campos exigidos. Esta
legislação, que foi o resultado de sete anos de esforço da A.B.E.S.S, da
A.B.A.S. e das escolas, teve uma repercussão enorme sobre sobre o
Serviço Social. No entanto, as preocupações com os estudos exigidos para
a redação da, lei, a necessidade de contatos com político e a
coordenação das diversas atividades para obter resultados envolveram as
escolas ao ponto de impedir, de certo modo, um estudo mais apurado da
aplicação do método do Serviço Social.
Em 1959, HELENA IRACY JUNQUEIRA, num trabalho sobre "Princípios
básicos na aplicação dos métodos do Serviço Social", afirma: "Serviço
Social apresenta-se hoje como uma atividade que orientada por uma
filosofia do homem e da sociedade com base em conhecimentos científicos
atua através de métodos especializados, buscando promover o reajuste do
indivíduo e grupos às condições mais satisfatórias de vida, bem como
promover melhor aparelhamento da comunidade para bem atender às,
necessidades humanas de seus componentes."
Em 1960, o relatório brasileiro para a X Conferência
Internacional de Serviço Social, em Roma, observa que em nosso país a
expressão Serviço Social possui dois sentidos: um largo e outro
restrito. No 1º caso, enquadram-se as locuções Serviço Social ou
Servoços Sociais, como sinônimos de entidades e obras, tais como
instituições para menores, ambulatórios ou clínicas gratuitas, etc ....
que também são designadas como "serviços assistenciais". No sentido
restrito, Serviço Social "é um método pelo qual os indivíduos, os grupos
e as comunidades são ajudados, por profissionais devidamente formados em
escolas especializadas, a identificar suas necessidades e interesses e a
promover os meios para solucionar ou satisfazê-los".
Em 1965, um seminário reunido em São Paulo, para estudar "A
Dimensão Regional e Processo de Desenvolvimento

p. 148

- Presença do Serviço Social", dizia: "Serviço Social é um processo


metódico, técnico, conduzido, de intervenção na realidade humana
(individual, grupal e comunitária), visando desencadear um processo de
capacitação que conduza o homem a uma realização individualizada da
condicão humana."
Estas definições mostram que, neste período, o Serviço Social
reconhecia a necessidade de uma filosofia do Homem e da sociedade para
ajudá-lo através de processos de abordagem individual, grupal e
comunitário, mas que tais processos deviam ser metódicos, técnicos, de
intervensão na realidade; era o esforço para sair da esfera do empirismo
para um método científico.

FATORES QUE INFLUfRAM SOBRE O SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL

Vários fatores influíram sobre o Serviço Social e o levaram a


mudanças radicais:
1º) A noção de desenvolvimento introduzida pela ONU nos seus
programas de assistência técnica, definida como "um movimento destinado
a promover a melhoria de vida de toda a comunidade com a participação
ativa e se possível por iniciativa da própria comunidade"3. Algumas
experiências tentadas no Egito(1939), na Costa do Ouro (1948), na índia
(1946 e 1948) e que serviram de base a programa de maior envergadura no
Egito e na índia, foram largamente difundidas e analisadas no Brasil.
[ 3. Citado pelo Relatório da Pré-Conferência da X C.I.S.S., Rio de
Janeiro, 1968. ]

2º) Criação de órgãos regionais de desenvolvimento - como a


SUDENE - com os primeiros planos regionais de desenvolvimento econômico,
nos quais o aspecto social era quase que totalmente ignorado, fato que
não passou despercebido aos assistentes sociais.
3º) Inclusão de assistentes sociais em órgãos de planejamento e
administração, o que melhorou o status profissional. Os assistentes
sociais começaram a se preocupar em formar pessoal para este tipo de
trabalho.

p. 149

Partia-se do princípio de que prestação de serviços diretos à clientela


só daria resultados se inserida dentro de um plano amplo que atacasse as
causas profundas dos problemas; os processos seriam os meios para
atingir os objetivos desses planos. Com a preocupação pelo planejamento
e o desenvolvimento por parte dos assistentes sociais, verificou-se, em
conseqüência, certo desprestígio da abordagem individual - Serviço
Social de Casos principalmente nas regiões menos desenvolvidas, como no
Nordeste. Formou-se a opinião de que sua utilização no Brasil era
inoperante e que os processos adequados seriam os do Serviço Social de
Grupo e de Organização da Comunidade, que passou a denominar-se
"Desenvolvimento e Organização da Comunidade".
4º) O reconhecimento de que os projetos comunitários eram de
natureza interprofissional ou multidssciplinária. Impunha-se, portanto,
que os assistentes sociais aprendessem a "trabalhar em equipe", sem, no
entanto, definir exatamente quais as funções do assistente social nestas
equipes.
Os exemplos de aplicação do processo de "Desenvolvimento e
Organização de Comunidade" ilustram trabalhos realizados em pequenas
comunidades, com objetivos limitados e em geral de caráter material
(construção de vias de acesso, chafarizes, fossas, cooperativas de
trabalho,etc.); procuravam solucionar problemas imediatos da comunidade,
mas nem sempre integrando planos maiores: municipais ou regionais.
As teorias psicológicas do Serviço Social de Casos e os
princípios rogerianos de não-diretividade, "centrados no cliente",
assimilados pelos assistentes sociais, os faziam equiparar as
comunidades ao cliente, individualizando-as e lhes dando direito de
decisão, escolha e responsabilidade, execução e potencialidade, que
estas comunidades ainda não possuíam.
Surgiram várias obras, centros sociais ou comunitários, como
projetos independentes, em vários pontos do país. Alguns, em escala
reduzida, deram bons resultados no momento. Mais tarde, apareceram
Conselhos de Moradores, Comissões de Vizinhança, etc., procurando
solucionar necessidades maiores, os quais esbarram em três tipos de
dificuldades: planos regionais de desenvolvimento

p. 150

que, nem sempre, incluíam aquela pequena comunidade, falta de recursos


técnicos e financeiros para levar avante os projetos; infiltração de
elementos políticos nos Conselhos e Comissões, transformando-os em
"grupos de pressão".
Nas regiões em desenvolvimento, como o Nordeste, os assistentes
sociais se envolveram completamente nesses projetos e o processo de
Serviço Social foi equiparado por eles ao próprio processo de
desenvolvimento: de "Desenvolvimento e Organização da Comunidades"
(D.O.C.), passou-se a denominação "Desenvolvimento de Comunidades"
(D.C.), o que contribuiu para aumentar a confusão em relação ao lugar do
Serviço Social nos programas de desenvolvimento e às verdadeiras funções
do assistente social na equipe interdisciplinar e/ou multiprofissional.
5º) As Experi6encias do ServiçoSocial neste programa de
desenvolvimento mostraram a impossibilidade de se empregar um assistente
social para cada processo; uma equipe local dificilmente podia comportar
vários assistentes sociais. Era necessário que o assistente social
pudesse aplicar qualquer um dos três processos, de acordo com as
exigências do trabalho. O mesmo acontecia em obras ou serviços dotados
de poucos recursos ou cujo campo de atuação não exigia senão um
assistente social; tornava-se, portanto, necessário treinar os
profissionais na aplicação simultânea dos três processos. Surge, então,
a idéia de "integração" ou de "métodos integrados".
6º) A organização de associações profissionais e sua atuação
intensa constituiu-se num fator de progresso para o Serviço Social.
As associações profissionais datam da mais alta antigüidade. Já
se encontravam no antigo Egito, em Israel, na Grécia e no Império
Romano. Na Idade Média, transformaram-se em "corporações", em Guilds ou
nas irmandades espanholas e portuguesas, e,finalmente, nas associações e
sociedades profissionais modernas.
As associações profissionais são a causa e resultado da
profissionalização do Serviço Social. Existem em todos os países, com
finalidades, estruturas e resultados diversos. Onde inexiste o status
profissional, a associação é o meio de pressionar, tanto o governo como
mos assistentes sociais, para organizar a profissão.

p. 151

No Brasil, as associações de assistentes sociais são de três


categorias: 1) associações de classe; 2) conselhos; e 3) associações
socioculturais.
As Associações Profissionais de Assistentes Sociais - A.P.A.S. e
os sindicatos têm por finalidade promover a elevação do status da
profissão e defender seus interesses. No Brasil, a criação, a
organização e o funcionamento dessas associações são regulados em lei e
fiscalizados pelo Ministério do Trabalho. São de âmbito local, e, embora
possa haver várias associações profissionais, só pode existir um
sindicato em cada cidade. Regional ou nacionalmente, os sindicatos podem
se reunir em federação e estas em confederação.
As associações de classe são de grande, senão de absoluta
necessidade para qualquer profissão, principalmente na etapa do
reconhecimento e fortalecimento, como é o caso do Serviço Social, no
Brasil. As associações de classe podem fazer pressão sob e os direitos
dos assistentes sociais; zelar pela aplicação destas leis; denunciar
suas violações e reivindicar direitos e vantagens para seus
profissionais. Uma profissão assim protegida e defendida oferece mais
garantias de trabalho compensador e de êxito e, portanto, atrai
candidatos para suas carreiras.
No Brasil, estas associações são recentes. A primeira - APAS -
foi organizada em 1954, no Rio de Janeiro, e, em 1956, transformou-se no
primeiro Sindicato, na mesma cidade. Ambos se empenharam para o
reconhecimento oficial da profissão, o que se deu pela Lei nº 3.252, de
27 de agosto de 1957.
Os "colégios" ou "conselhos" são organismos encarregados de
orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão, elaborar o
Código de Ética, zelar pela sua aplicação e impor as sanções prescritas
por este código; mantêm o registro dos assistentes sociais e expedem as
respectivas carteiras profissionais. O conselho serve ainda de órgão
consultivo do governo em matéria de Serviço Social.
Estas categorias de associações são criadas mediante aprovação
do governo. Os assistentes sociais são livres de pertencer ou não a uma
APAS ou sindicato, mas, para

p. 152

exercer a profissão, devem obrigatoriamente se registrar no Conselho.


Em 15 de maio de 1962, o Decreto federal nº 994, regulamentando
a Lei n° 3.252, de 27 de agosto de 1952, criou o Conselho Federal de
Assistentes Sociais, que assumiu as funções de verdadeiro colégio
profissional.
O C.F.A.S. - Conselho Federal de Assistentes Sociais tem como
finalidade orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão;
elaborar o Código de Ética Profissional e funcionar como tribunal
superior de ética profissional; orientar e fiscalizar os C.R.A.S. -
Conselhos Regionais de Assistentes Sociais - criados em cada região e
servir de órgão técnico-consultivo do governo em matéria de Serviço
Social. Os assistentes sociais são obrigados a se inscrever no C.R.A.S.
de sua região para exercer a profissão e estes emitem para isso uma
carteira profissional.
As associações socioculturais podem ter estrutura muito mais
flexível que as associações de classe e, por isso, propósitos e campos
de ação mais amplos. Suas finalidades podem abranger um estudo mais
profundo da profissão, objetivando o aperfeiçoamento, tanto técnico,
como cultural e espiritual, de seus associados; promover estudos sobre a
deontologia do Serviço Social, estudar e propor código de ética e
medidas para sua correta observação; manter largo intercâmbio
internacional com associações estrangeiras ou internacionais; reger-se
por uma concepção espiritual mais alta e mesmo confessional. Entre nós,
devido à rigidez da estrutura sindicalista, estas associações são o
complemento indispensável das associações de classe.
A A.B.A.S. - Associação Brasileira de Assistência Social é,
entre nós, a entidade sociocultural para os assistentes sociais. Fundada
em 1946, após o I Congresso Pan-Americano de Serviço Social, no Chile,
agrupava, no início, apenas os diplomados pe estatutos e abriu suas
fileiras a todos os assistentes sociais com diplomas devidamente
registrados.
A atuação da A.B.A.S., nos seus primeiros dez anos de
existência, revelou-se bastante ativa. Por três vezes, trouxe
especialistas norte-americanos para cursos de apérfeiçoamento:

p. 153

em 1949, Misa EDITH BAKER, para o Serviço Social Médico; em 1953, Miss
GENEVIEVE RYAN, para o Serviço Social de Casos; em 1954, a irmã AGNITA
MYRIAM, para o Serviço Social de Menores. Publicou, durante três anos,
uma Revista Cadernos de Serviço Social; tomou parte saliente nos
trabalhos para reconhecimento do ensino e para a organização da primeira
Associação Profissional de Assistentes Sociais (A.P. A.S.) , que
representou o primeiro passo para a sindicalização da classe e a
regulamentação da profissão, o que foi conseguido pela Lei nº 3.252, de
2 de agosto de 1957, e permitiu a criação do Conselho Federal de
Assistentes Sociais (C.F.A.S.).
Nos últimos anos, a falta de recursos financeiros diminuiu
bastante a atuação da A.B.A.S. e seus encargos passaram à
responsabilidade dos vários sindicatos, do C.F.A.S. e dos C.R.A.S.
O Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços
Sociais (C.B.C.I.S.S.) é uma associação cultural que tem um lugar de
destaque na evolução da teoria do Serviço Social.
Em 1948, realizou-se, em Atlantic City, nos Estados Unidos, a IV
Conferência Internacional de Serviço Social à qual compareceu pequeno
grupo de brasileiros, que, de volta, resolveu filiar-se à C.I.S.S.
fundando o Comitê Brasileiro da Conferência Internacional de Serviço
Social. Por falta de recursos financeiros e humanos, este Comitê pouco
realizou até 1956, quando, por ocasião da VIII C.I.S.S., em Munique,
Alemanha, outro grupo de brasileiros tomou contato com a cúpula
dirigente da C.I.S.S. e, com o apoio do Departamento Nacional do SESC,
instalou no Rio de Janeiro um pequeno escritório. Em 1961, em Roma,
durante a XI Conferência Internacional de Serviço Social, o Brasil se
ofereceu para sede da XII Conferência Internacional de Serviço Social,
que se realizou em Petrópolis, Estado do Rio, no Hotel Quitandinha. O
tema discutido - "Desenvolvimento de Comunidades em Áreas Urbanas e
Rurais" - despertou grande interesse entre os assistentes sociais
brasileiros e chamou a atenção dos países participantes sobre as nossas
experiências apresentadas no Relatório Brasileiro, impresso em
português, francês e inglês.

p. 154

A atuação eficiente do Comitê Brasileiro para a realização desta


XII Conferência levou os dirigentes da Conferência Internacional de
Serviço Social a organizar um escritório latino-americano, com sede no
Rio de Janeiro, no próprio Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio
de Serviço Social - C.B.C.I.S.S.
Com intuito de não restringir suas atividades apenas à
representação da C.I.S.S. no Brasil, o C.B.C.I.S.S., em 1967, reformulou
seus estatutos a fim de abranger no seu quadro social os profissionais
de bem-estar e mudou seu nome para Centro de Intercâmbio e Cooperação de
Serviços Sociais, conservando assim a bem conhecida sigla: C.B.C.I.S.S.
A finalidade desta entidade nacional consiste em "promover o
desenvolvimento social e o entendimento entre as instituições e os
profissionais relacionados com o bem-estar social nos seus múltiplos
aspectos" (art. 3º) .
Cabe ao C.B.C.I.S.S.: promover a cooperação entre as entidades
públicas e privadas relacionadas com assuntos sociais e o intercâmbio
internacional, conferências, congressos, seminários, etc.; coordenar as
delegações brasileiras às C.I.S.S.; divulgar os temas e estudos das
conferências, congressos e seminários nacionais e internacionais;
representar a C.I.S.S. no Brasil, assim como outras organizações
internacionais relacionadas com o bem-estar social.
O quadro social do C.B.C.I.S.S. reúne entidades públicas e
privadas e membros individuais. Os órgãos são: um Conselho Nacional,
composto dos membros fundadores e representantes das entidades filiadas
e membros individuais; uma diretoria de 10 membros e uma Secretaria
Executiva. As fontes de receitas se constituem de contribuições dos
membros e do produto de prestação de serviços aos referidos membros.
Além da organização da XII C.I.S.S., o C.B.C.I.S.S. promoveu
também os segundo e terceiro Congressos Brasileiros de Serviço Social,
em 1961 e 1965, respectivamente. O tema do segundo foi "Desenvolvimento
Nacional para o Bem-Estar Social", como preparação à Conferência
Internacional a se realizar em Quitandinha, e o do terceiro -
"Planejamento para o Bem-Estar", como seguimento dos estudos da XIII
C.I.S.S. - Atenas - que

p. 155

mestudou a "Estratégia para o Bem-Estar Social". Organizou, igualmente,


as delegações brasileiras a todas as C.I.S.S. que tem realizado.
O C.B.C.I.S.S. publica uma revista semestral, Debates Sociais,
os Cadernos da Série Verde, com artigos nacionais e tradução de
publicações estrangeiras, e mantém um Centro de Documentação sobre
Serviço Social e Bem-Estar.
Uma das maiores contribuições do C.B.C.I.S.S. à construção da
Teoria do Serviço Social, foi a organização de dois Seminários
Nacionais, em Araxá, MG, em 1967, e em Teresópolis, Estado do Rio, em
1970, que representaram marcos importantes na história do Serviço
Social, como veremos no próximo capítulo.

Do exposto neste capítulo podemos verificar que, em relação à


sua fundamentação, o Serviço Social no Brasil atravessou, como nos
Estados Unidos e na Europa, períodos empírico, idealista e científico,
aos quais nos referimos anteriormente.
Empíricas foram a caridade e a assistência durante os períodos
colonial, monárquico e republicano. Empírico também, o Serviço Social
até por volta de 1950. Ao mesmo tempo, de 1932 a 1950, o Serviço Social
foi idealista, emprestando ênfase especial aos valores humanistas e
cristãos. Basta lembrar a definição do I Congresso Brasileiro de Serviço
Social: "recurso indispensável à solução cristã e verdadeira dos
problemas sociais".
Apesar dos estudos sobre a natureza do Serviço Social e sua
adequação "à realidade brasileira", expressão popularizada nos meios
profissionais, o Serviço Social entre nós não poderia nunca deixar de
ter uma base valorativa. A cultura, a tradição e a mentalidade
brasileira se opunham, com toda a força, a outra concepção, o que foi
extremamente feliz porque protegeu o Serviço Social contra uma
tecnicidade extremada. O aspecto humanista e cristão da nossa cultura
conservou e desenvolveu no relacionamento do Serviço Social uma
qualidade de empatia, interesse e dedicação necessários a um "agir"
verdadeiramente humano.

p. 156

Durante o período empírico e idealista, o Serviço Social teve


uma consciência ingênua da situação: sabia o que devia fazer, mas
partindo de um ideal a atingir. Não tinha a criticidade necessária para
avaliar as situações e adequar o Serviço Social a estas. A criticidade
apareceu aos poucos, não pela avaliação formal das situações em si, mas
pela constatação de que os esforços não correspondiam aos resultados
desejados. Não houve nunca, senão em experiência limitada, um estudo
científico avaliador do Serviço Social.
Assim, a consciência crítica do Serviço Social surgiu aos poucos
e à medida que a idéia de desenvolvimento, sua natureza, seus aspectos e
processos levaram a estudos mais profundos. Apoiados sobre valores, os
assistentes sociais perceberam o que podia haver de destruidor numa
ideologia desenvolvimentista exclusivamente econômica e tecnológica. A
partir deste momento, os estudos em bases científicas procuraram um
modelo para o Serviço Social brasileiro. Os encontros de Araxá (1967) e
de Teresópolis (1970) representariam um passo enorme nessa direção.

p. 157

CAPITULO IV

PERFIL EMERGENTE DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL


INTERPRETAÇÃO DO PRESENTE

A História é uma sucessão de fatos. A história do Serviço


Social, como vimos, define-se como uma sucessão de fatos dentro de
contextos que variam no tempo e no espaço. "O conteúdo da nossa
experiência não é uma sucessão de simples ocorrências, mas seqüências de
acontecimentos mais significativos tanto em si mesmos quanto em relação
aos padrões de ocorrência"1. As conseqüências destas só podem ser
significativas pela influência que exercem umas sobre as outras. Para
que estes fatos exerçam influência uns sobre os outros e tenham uma
significação para construir um padrão, precisamos verificar a constância
de uma idéia principal.
[ 1. KAPLAN, A. Op. cit, p. 301. ]

Vimos que, desde o início, houve uma idéia central - ajuda ao


próximo - e que esta idéia permanece até o século XX. Nesta centúria
encontramo-la em todas as definições tiradas de várias fontes. A
constância de uma idéia principal permite "definir" a coisa ou ser, que
nos interessa. Definir é a descrição de algo como um todo e de seus
diversos componentes, de maneira definitiva, permitindo assim atribuir
um significado, tanto ao que é definido, como a seus componentes.
A forma de atribuir significado a uma idéia é a "teoria"; será o
meio para interpretar, criticar, analisar

p. 158

e unificar nossos pensamentos a respeito das diferentes formas de ajuda


e, assim, descobrir generalizações mais amplas sobre o que é a natureza
do Serviço Social.
No início dos anos 60, vários fatores levaram os assistentes
sociais a questionar a natureza e operacionalidade do Serviço Social:

1) O aparecimento de ideologias novas focalizando a inadequação


das estruturas políticas e sociais para o desenvolvimento e a
necessidade de união dos interessados para trabalhar em cooperação em
vista das mudanças desejadas.
2) A concretização dessas ideologias em movimentos culturais ou
de educação popular, cuja finalidade era "conscientizar para agir".
3) A criação de movimentos de assistentes sociais na América
Latina, contestando a validade da metodologia atualmente empregada e
estudando a reconceptualização do Serviço Social. Um desses exemplos é o
movimento da "Geração 65", nascido no Sul do Brasil, que inaugurou a
série de Seminários Latino-Americanos2. Alguns assistentes sociais
eram assim levados a considerar o Serviço Social, não mais como uma
"intervenção", mas como um meio de "conscientização".
[ (2) Vide Capítulo IV, O Serviço Social na América Latina. ]

4) A preocupação dos assistentes sociais em conceituar o Serviço


Social em face das exigências do desenvolvimento, o que os obrigou a
reconhecer a necessidade de uma teorização.

TEORIZAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL - O SEMINÁRIO DE ARAXÁ; MARÇO DE


1967

Em face dessa situação, o Centro Brasileiro de Cooperação e


Intercâmbio de Serviços Sociais - C.B.C.L.I.S.B: resolveu reunir um
grupo de 38 assistentes sociais de vários Estados num seminário, durante
uma semana, a fim de examinar a questão da "Teorização do Serviço
Social". Este conclave realizou-se na cidade de Araxá, MG, de 19 a 26 de
março de 1967.

p. 159

O Seminário trabalhou com quatro grupos que se reuniam à noite,


em plenário. Cinco documentos previamente preparados forneciam a base
para os estudos. Ao finalizar o Seminário, os participantes apresentaram
um documento, conhecido até hoje como "Documento de Araxá", composto de
uma Introdução e cinco capítulos. Foi um marco importante para o Serviço
Social; ultrapassou as nossas fronteiras, sendo traduzido para o inglês
e o espanhol e largamente discutido nos vários países do continente.
O documento não oferecia nenhuma idéia nova e isto foi uma das
críticas mais severas que lhe foi feita. Apresentou, porém, uma síntese
do que, no momento, se pensava do Serviço Social, visto dentro de uma
visão científica e num quadro de referências de filosofia neotomista.

Alguns pontos do documento merecem destaque:

1) A definição dos caracteres corretivos, preventivos e


promocionais do Serviço Social, não como uma opção, mas numa "linha de
simultaneidade" e tomando "o contexto social como critério de referência
para se aquilatar a validade de quaisquer dos caracteres referidos"3.
[ (3) Documento de Araxá, C.B.C.I.S.S., Rio, 1962, p. 7. ]

2) A distinção entre o objetivo remoto do Serviço Social:


"valorização e melhoria das condições humanas tomando como quadro de
referências a Declaração dos Direitos do Homem", e os objetivos
operacionais: "a) identificar e tratar problemas ou distorções que
impedem indivíduos, grupos, comunidades e populações4 de alcançarem
padrões econômico-sociais compatíveis com a dignidade humana e estimular
a contínua elevação desses padrões; b) colher elementos e elaborar dados
referentes a problemas ou disfunções que estejam a exigir reformas das
estruturas e sistemas sociais; c) criar condições para tornar efetiva a
participação consciente de indivíduos, grupos, comunidades e populações,
seja promovendo sua
[ 4. O Documento se refere, várias vezes, à expressão "populações
como um sujeito do Serviço Social". Naquele seminário, explicou-se que o
termo se aplicaria a um espaço geográfico de habitações esparsas, as
quais não chegavam a constituir uma comunidade. A falta de experiência
com este tipo de clientela e de concordância em volta do próprio termo
levaram os assistentes sociais a não mais inclui-lo em seus estudos
subseqüentes. ]

p. 160

integração nas condições decorrentes de mudanças, seja provocando as


mudanças necessárias; d) implantar e dinamizar sistemas e equipamentos
que permitam a consecução dos seus objetivos"5.
[ 5. Documento de Araxá, p. 8. ]

3) Divisão dos até então aceitos "princípios" do Serviço Social


em "postulados representando os pressupostos éticos e metafísicos" e em
"princípios operacionais".
Os postulados são: a dignidade humana, a sociabilidade essencial
da pessoa humana e a perfectibilidade humana.
Os princípios operacionais são: a) o exercício da livre escolha
e responsabilidade das decisões; b) respeito aos valores padrões e
pautas culturais; c) ensejo à mudança no sentido de autopromoção; d)
atuação dentro de uma perspectiva de globalidade na realidade social6.
[ 6. Ibid., p. 10. ]

4) Definição de maneira geral das funções do Serviço Social:


Política Social, Planejamento, Administração dos Serviços Sociais:
atendimento direto corretivo, preventivo e promocional a indivíduos,
grupos e comunidades.
5) Na metodologia, constatação da aplicação diversificada de
nível de macro ou microatuação.
6) Dentro da metodologia operacional e em vista do interesse na
integração dos processos e partindo das experiências em curso, tentativa
de definição desta integração, como segue: "1º - a aplicação dos três
processos simultaneamente por um mesmo órgão; 2º - quando a ação visa à
mesma clientela; 3° - as características pessoais da clientela e as
condições ambientais da área determinam a escolha do processo e a
passagem de um para outro processo; 4º - a identificação da problemática
e definições das áreas de abordagem dos três processos; 5º - atendimento
a casos, grupos e comunidade em função de problemáticas específicas e
através de programas e/ou projetos que atendem a estas problemáticas"7.
[ 7. Ibid., p. 16. ]

Durante o seminário, seus participantes verificaram a


impossibilidade de, no momento, irem além do que apresentavam,
acreditando que os estudos deveriam prosseguir. A responsabilidade era
grande, um desafio.

p. 161

Para possibilitar o exame em profundidade do Documento de Araxá


e testar a validade de suas conclusões, o C.B.C.I.S.S. organizou, em
1968, sete Encontros Regionais, em vários Estados do País, sob o
patrocínio de diversas entidades públicas e particulares, os quais
reuniram 741 assistentes sociais. O programa constou do exame do
documento do ponto de vista de seus aspectos gerais: validade, aspectos
omissos, reformulações, indagações e recomendações e aspectos
específicos na análise mais detalhada de cada capítulo ou parágrafo. Do
ponto de vista geral, não houve discordâncias, mas recomendações quanto
a reformulações de alguns pontos apresentados.
O grande mérito desse documento é o de apresentar uma síntese da
evolução durante o período: "Ao analisar-se a evolução do Serviço Social
no Brasil, verifica-se que o advento do Estado paternalista, coincidente
com as origens do Serviço Social, foi fator condicionante da montagem de
um sistema de instituições sociais que se propunham solucionar os
problemas através de programas assistenciais de caráter imediatista,
caráter este que também marcou as organizações particulares de
assistência."
"Esse passado concorreu para a formação de uma imagem e de uma
expectativa a respeito do Serviço Social como atividade de serviços
assistenciais. A premência dos problemas sociais e o imediatismo
período, dificultaram a reflexão e orientar o Serviço Social em uma ação
centrada de preferência nas estruturas sociais. Serviço Social, nessa
conjuntura, assumiu, então, a tarefa de contribuir para a organização
técnica daquelas formas de atuação social.
"As razões principais dessa diretriz operacìonal do Serviço
Social estão contidas nesse quadro histórico, que explica a ênfase do
Serviço Social no passado, porquanto essa vivência se apresentou como
uma tentativa de opor um antídoto a uma linha meramente
assistencialista. Do mesmo modo, contribuiu para um apelo ao Serviço
Social em termos de ação preventiva"8.
[ 8. Documento de Araxá, p. 6. ]

A partir do Seminário de Araxá, começaram a surgir novas idéias.

p. 162

Em 1967, no Seminário Nacional de Assistentes Sociais, reunido


em São Paulo, MARIA ANTONIETA GUERREIRO, na sua conferência "Intervenção
do Serviço Social", afirmou que: "Serviço Social é um processo de
intervenção para mobilizar potencialidades, tornar o homem capaz de
realização plena em consonância com a sua condição".
No mesmo ano, um trabalho apresentado pelos professores-alunos
do "1º Curso de Aperfeiçoamento da ABESS", depois de uma análise
histórica da natureza do Serviço Social, chega às seguintes conclusões:
a) Serviço Social é um conjunto de conhecimentos teóricos e
práticos;
b) Serviço Social se fundamenta em postulados de natureza
filosófica, que revelam ser o homem o princípio e o fim do Serviço
Social;
c) o Serviço Social, por ter como objetivo material a interação
social, coloca-se no grupo das disciplinas sociais;
d) as funções do Serviço Social pressupõem intervenções na
mudança social e no controle social, e se baseia em valores relativos.
Em 1968, no 1º Encontro Regional de Assistentes Sociais,
realizado no Rio de Janeiro, ANA AUGUSTA DE ALMEIDA afirma que: "O
Serviço Social para o qual voltamos a nossa atenção não é, na inteireza
do seu significado, apenas um recurso para o ajustamento individual e
para adaptação social dos homens. A expressão Serviço Social significa
muito mais para nós do que essas duas dimensões de conotação
psicossociológica. Explicado à luz de critérios sociais, é presença
consciente, realista e ativa de uma instituição que assume compromisso
de realizar uma série de tarefas que devem atender às exigências humanas
do desenvolvimento da sociedade da qual faz parte. Seus programas,
funcionando como subsistemas, são elaborados para oferecer recursos que
permitam o diálogo entre os homens, principalmente entre aqueles
envolvidos em problemas sociais. Recursos de conhecimento cognitivo
adicional sobre a realidade e sobre o desenvolvimento individual e
social que vão oferecer as possibilidades da construção existencial do
homem - ser

p. 163

mais para ser sujeito de suas próprias soluções. O assistente social,


seu agente profissional, usando uma metodologia pluralista,
interdisciplinar e multidimensional, procura concretizar esses objetivos
tanto quanto busca capacitar o homem para que ele possa integrar-se, em
suas próprias forças, no próprio desenvolvimento que vai construir o que
também o constrói, como quando tenta eliminar os entraves que fazem
prevalecer interesses de um grupo sobre os outros com o sacrifício
inevitável do bem comum. O Serviço Social, quer definido como
instituição - ciência - arte - método ou praxis -, se locomove entre os
Pólos PESSOA e SOCIEDADE."
A 16ª Convenção da A.B.E.S.S., em Salvador, Bahia, em 1969,
retoma de novo o assunto "integração".
Teoricamente a maioria das escolas conceituou a "integração em
Serviço Social" como "a integração de conhecimentos teóricos do Serviço
Social como um método básico-genérico: estudo, diagnóstico e tratamento
sem perder a especificidade das abordagens individuais, grupais e
comunitárias, integração com várias ciências em função do corpo da
teoria do próprio Serviço Social, de sua atuação prática com a pessoa
humana, no entrosamento interdisciplinar"9.
[ 9. A.B.E.S.S. Integração em Serviço Social, C.B.C.I.S.S., Série
Verde, n.º 25, Ano III, 1970. p. 5. ]

Na prática, as escolas definiram a integração coma "a aplicação


simultânea e concomitante dos três processos, numa mesma área em função
de problemática específica através de programas e/ou projetos de Serviço
Social ou interprofissionais que correspondem a essas problemáticas"9.
Aos poucos ficou claro que não se tratava de uma questão de
integrar três processos, mas considerar elementos comuns neles
inseridos: valores, princípios, metodologia, o que levou, então, a ver o
Serviço Social como um método genérico que, segundo a situação,
apresentaria abordagens específicas: individual, grupal e/ou
comunitária10.
[ 10. Ver DANTAS, José Lueena. A Teoria Metodológica da Serviço
Social - uma abordagem sistemática, Debates Sociais, Teresópolis,
Suplemento n.º 4, novembro de 1970. ]

p. 164

Das discussões sobre estas idéias resultou um esforço para


determinar o lugar e as funções do Serviço Social nos programas de
desenvolvimento. Este processo passou a chamar-se "Serviço Social de
Comunidade", denominação proposta pelo Seminário de Araxá.
Em 1970, um documento oficial, o Parecer nº 342, de 13 de março
de 1970, do Conselho Federal de Educação, ao se pronunciar sobre o novo
currículo de Serviço Social, enfoca as funções do Serviço Social. Diz
que o Serviço Social procura: a) ajustar o indivíduo à sociedade e
desenvolver nele, ao mesmo tempo, a consciência crítica e prospectiva
que o torne agente de transformação da própria sociedade; b) estimular e
orientar uma política de mediações entre esses dois pólos da estrutura
social; c) colaborar para que as estruturas globais não se imponham
aprioristicamente aos grupos sociais e aos indivíduos, mas resultem da
articulação harmônica entre o todo e as partes, mediante a qual possa
vir de ambos o poder da iniciativa, ao mesmo tempo em que se humanizem
as estruturas burocráticas do Estado.
Nos estudos mencionados, sente-se uma concordância em torno da
natureza do Serviço Social; é um método de intervenção e sua
operacionalidade é agora focalizada nos vários aspectos que a
experiência apresenta. Não basta, porém, teorizar. A maioria dos
assistentes sociais preocupa-se com a aplicação de uma metodologia
científica ao Serviço Social. O exame dos diversos métodos, para
identificar aquele que melhor conviesse ao Serviço Social, a influência
de mudanças ocorridas nas ciências sociais e os estudos levados a efeito
em outros países uniam os assistentes sociais em torno da procura da
metodologia do Serviço Social.

A METODOLOGIA DO SERVIÇO SOCIAL SEMINÁRIO DE TERESÓPOLIS; ABRIL


DE 1970

Mais uma vez, coube ao C.B.C.I.S.S. a iniciativa de organizar um


segundo seminário para estudo do assunto: "A Metodologia do Serviço
Social".
Este segundo seminário deveria se reunir novamente em Araxá, em
outubro de 1969. Devido a acontecimentos

p. 165

políticos, foi adiado para janeiro de 1970, realizando-se em


Teresópolis, Estado do Rio de Janeiro. Contou com a presença de 35
assistentes sociais de vários Estados. Como aconteceu no Seminário de
Araxá, documentos básicos foram previamente preparados, alguns dos quais
tornaram-se clássicos para o estudo do Serviço Social. Os assistentes
sociais dividiram-se em dois grupos, - Grupo "A" e Grupo "B" - seguidos
de plenários. O seminário não produziu um documento final como o de
Araxá, e o C.B.C.I.S.S. publicou o relatório de cada grupo em separado.
De fato, os grupos enfocaram o assunto de maneira diferente.
O Grupo "A" partiu das necessidades humanas, de acordo com os
"níveis" de necessidades elaborados por LEBRET e daí para as funções,
cabendo ao assistente social, para satisfazer estas necessidades,
confrontar as funções com os indicadores de subdesenvolvimento apontados
pelo mesmo LEBRET. Neste exaustivo estudo, os participantes
identificaram subsídios para uma "investigação diagnóstica" e outros
para a "intervenção". O grupo apresentou as correlações entre os
fenômenos que exigem a intervenção do Serviço Social:
a) fenômenos coletivos em função de variáveis que transcendem a
capacidade dos indivíduos exigindo intervenção em nível de estrutura,
além da intervenção em nível particular (indivíduos, grupos e
comunidades); b) fenômenos coletivos em função de variáveis dependentes
dos indivíduos que exigem intervenção em nível particular, além da
intervenção em nível de estrutura; c) fenômenos individuais em função de
variáveis que transcendem ,os indivíduos exigindo intervenção em nível
particular além da intervenção em nível de estrutura; e fenômenos
individuais em função de variáveis que dependem dos indivíduos exigindo
intervenção em nível particular e em nível de estrutura"11.
[ 11. C.B.C.I.S.S. - Documento de Teresópolis, Suplemento de
Debates Sociais, n.º 4, novembro de 1970, p. 83. ]

O procedimento metodológico genérico do Serviço Social seria "em


qualquer escala e forma de situação" de acordo com o seguinte:

p. 166

1 - Investigação diagnóstica: levantamento de necessidades e de


variáveis significativas de cada necessidade; verificação da relevância
do fenômeno e da interdependência das variáveis (causação circular
cumulativa); formulação de hipóteses; determinação, com base em
hipóteses formuladas, das funções, das escalas ou níveis de atuação e
das formas de atuação.
2 - Intervenção: montagem do plano de intervenção nas variáveis;
seleção de processos em função de: fenomenologia da(s) variável(eis)
significativa(s) - relevância do fenômeno (nível de estrutura e de
indivíduo); implantação e execução do plano (controle das variáveis);
avaliação (confirmação ou informação das hipóteses).
Ó Grupo "A" havia adotado um ponto de vista indutivo. O Grupo
"B" escolheu outro ponto de vista: o dedutivo.
Partindo dos níveis apresentados pelo Instituto de
Desenvolvimento Social da ONU, o Grupo "B" procurou identificar os
conhecimentos básicos necessários ao Serviço Social e os conhecimentos
elaborados pelo próprio Serviço Social. Examinou, em seguida, como se
apresentava a metodologia até o momento e como esta se enquadrava dentro
do método lógico ao nível de constatação: enumerar e descrever, e de
explicação: comparar e distinguir, classificar e conceituar, relacionar
variáveis, sistematizar e singularizar, prever tendências e preparar
ações, executar e avaliar.
Este esquema foi aplicado à metodologia do Serviço Social em
nível de planejamento, administração e serviços diretos prestados à
clientela. O Grupo "B" concluiu que a metodologia do Serviço Social
apresentava duas fases, uma predominantemente de estudo e outra
predominantemente de ação, que se enquadravam dentro do método lógico:
Diagnóstico: Identificar e descrever, classificar, explicar e
compreender, prever tendências (prognóstico).
Intervenção: Preparar ações, executar e avaliar12.
[ 12. C.B.C.I.S.S. - Documento de Teresópolis, op. cit., p.
204. ]

p. 167

Além disso, concluiu pela necessidade de "um sistema referencial


teórico" para a coleta de dados; de "um sistema instrumental de
mensuração", para a quantificação das variáveis observadas, portanto,
determinação de indicadores e índices das hipóteses, distinguindo as de
diagnóstico e de intervenção.
Ao Seminário de Teresópolis cabe o mérito de colocar a
metodologia empregada dentro de um esquema científico e de introduzir
algumas mudanças na terminologia tradicional:
1) Propôs a mudança das três fases ou momentos do método
(estudo, diagnóstico e tratamento) que ligavam o Serviço Social à
medicina, e que, adaptando-se ao Serviço Social de Casos, deixavam os
assistentes sociais pouco à vontade quando se tratava de Serviço Social
de Grupo ou de Serviço Social de Comunidade. Estas fases ou momentos
seriam o "diagnóstico" (nele incluindo o estudo) e a intervenção, ambos
termos tirados das ciências sociais.
2) Considerou o Serviço Social como um método genérico, para o
qual haveria três abordagens: individual, grupal e comunitária, em vez
dos clássicos processos de Serviço Social de Casos, Grupo e Comunidade.
3) Introduziu o termo "sistema-cliente"; "instância da realidade
social que serve de referência para a intervenção profissional:
personalidade, pequeno grupo, organizações, comunidades. É o sistema
(atitudes, comportamentos, idéias, reações, etc.), com o qual o
assistente social se relaciona durante a aplicação do método"13.
[ 13. DANTAS, José Lucena. Op., cit., p. 117. ]

É conceito tirado de LIPPITT e LEWIN, baseado na distinção de


que "cada cliente é dotado de um padrão de estrutura e funcionamento
próprio"13.
4) Introduziu também o termo de "situação social-problema",
conceito elaborado por LIPPITT e ORTEGA Y GASSET: "não significa
necessariamente uma situação patológica, mas a situação que para um
homem, um grupo ou uma comunidade, ou seja, para o sistema-cliente,
apresenta-se como problematizante"14.
[ 14. Ibid., p. 118. ]
p. 168

Como no Seminário de Araxá, no de Teresópolis seguiram-se sete


Encontros Regionais, reunindo 958 assistentes sociais que focalizaram as
"Funções do Serviço Social" e não a sua metodologia. Estas foram
definidas, na introdução do Relatório dos Encontros15, como "a
resposta fornecida pelo Serviço Social a cada uma das variáveis
significativas". O Relatório opina que "maior precisão a respeito das
funções que o Serviço Social pode desempenhar em relação a cada uma das
variáveis é bastante útil para programar a intervenção"16.
[ 15. C.B.C.I.S.S. - Funções do Serviço Social, Debates Sociais,
Suplemento nº 5, dezembro de 1971.
16. Ibid., p. 8. ]

Para os Encontros Regionais organizou-se extenso e elaborado


documento chamado "cadernos didáticos", para orientação dos estudos e
consignação dos resultados. Devido ao número elevado de participantes,
representou uma pesquisa de vulto, que permitiu um "conhecimento
ordenado quanto às diferentes formas de intervenção do Serviço
Social"17, apesar das limitações diversas oriundas da heterogeneidade
dos assistentes sociais participantes, quanto aos conhecimentos
científicos e experiências práticas nos vários níveis de atuação.
[ 17. Ibid., p. 11. ]

O Relatório conclui pelo êxito parcial dos estudos em pauta,


pois houve apenas "uma visão parcial da realidade em movimento, e dentro
de um ponto de vista globalizador", fornecendo, portanto, "somente uma
visão fragmentada e parcelada da realidade do Serviço Social"18. Esta
corajosa afirmação teve um aspecto positivo, pois levou as escolas e os
grupos profissionais a continuar os estudos sobre as funções e
esclarecer a metodologia.
[ 18. Ibid., p. 16. ]

Um dos pontos que geraram acalorados debates, durante o


Seminário de Teresópolis, foi a noção de "objeto" do Serviço Social, a
começar pelo próprio significado filosófico do termo e sua aplicação ao
Serviço Social. As discussões giravam em torno do "objeto, aquilo que é
transformado", surgindo dúvida se esta transformação visava ao homem -
sistema-cliente - ou à situação social-problema. A maioria dos
assistentes sociais não admitia que o homem pudesse ser objeto, dando ao
termo um sentido

p. 169

pejorativo de "coisa manipulada", mas concordava que a situação


social-problema era que se devia transformar19. As discussões
continuam, apesar de um valioso estudo de NADIR KFOURI, que define o
"objeto" como a situação social-problema ou o "social" - o que deve ser
mudado pelo homem, sujeito de sua história - e, portanto, sujeito do
Serviço Social"20.
[ 19. Para um estudo crítico dos documentos dos dois seminários,
ver ALMEIDA, Ana Augusta, Debates Sociais nº 22, 1975.
20. KFOURI, Nadir. Determinação do Objeto do Serviço Social,
Debates Sociais, nº 14, Ano VIII, maio 1972. ]

TENTATIVAS DE RECONCEITUAÇÃO

A partir desses seminários e encontros, observa-se grande


preocupação entre assistentes sociais e escolas em conceituar o Serviço
Social de modo a se tornar um meio eficiente de participação no processo
de desenvolvimento do País.
Esta preocupação nasceu dos condicionamentos seguintes: 1)
constatação das exigências do desenvolvimento e da minimização do
aspecto humano no processo; 2) influência de movimentos de
"reconceptualização" em outros países, visando à adequação do Serviço
Social à realidade. Estes fatores levaram os assistentes sociais
brasileiros em duas direções: para uma inspiração ideológica ou para uma
visão científica, esta última inspirada principalmente pela A.B.E.S.S.,
através de suas convenções periódicas.
Em 1971, a PUC-SP, organizou o primeiro Curso de Mestrado em
Serviço Social focalizando o Planejamento e Administração do Serviço
Social. No ano seguinte, a PUC/RJ abriu um curso de mestrado com áreas
de concentração nos processos de ensino teórico e prático do Serviço
Social. Estes cursos possibilitam estudos mais profundos do Serviço
Social em direção a conclusões sobre a natureza, e operacionalidade,
pois, como bem o diz JOSÉ LUCENA DANTAS, "a construção de uma noção
clara e inequívoca, do que seja o Serviço Social,
p. 170

constitui um passo indispensável para a solução de problemas teóricos e


metodologia da profissão"21.
[ 21. DANTAS, José Lucena. II - A Questão da Conceituação do
Serviço Social - Faculdade de Serviço Social, Universidade de Sergipe,
Curso de Especialização, 1973 - Apostilha mimeografada, p. 10. ]

Do exame de vários documentos e estudos ressalta "uma evidência:


o Serviço Social constitui essencialmente um fenômeno pertencente à
ordem da ação humana, em relação à sua natureza intrínseca e, à ordem
dos fatos históricos e sociais, do ponto de vista de sua realidade. A
natureza prática do Serviço Social foi percebida mais facilmente, pelos
estudiosos, pois os esforços de sua conceituação têm feito referências
constantes a este aspecto ao tomá-lo como atividade, ou defini-lo como
"disciplina prática". Por essa evidência, pode-se afirmar que "o Serviço
Social é essencialmente um conjunto de práticas, um sistema de
atividades humanas"22.
[ 22. DANTAS, José Lucena. Op. cit., p. 15. ]

De fato, a operacionalidade do Serviço Social foi sempre uma


preocupação maior do que a definição de sua natureza. Por exemplo, os
assistentes sociais rejeitavam o Serviço Social de Casos porque não
resolvia os problemas levantados pelo desenvolvimento, necessário era
ação em nível de estrutura; procurou-se a função em vários campos e
entidades ou o lugar do Serviço Social nas equipes interprofissionais,
etc. Esta preocupação revelava-se particularmente importante para as
Escolas de Serviço Social encarregadas de formar profissionais para
atuar no campo. As convenções da A.B.E.S.S., em S. Luís, Maranhão, em
1973, e em Piracicaba, São Paulo, em 1975, enfocam o assunto, que
caminha lentamente para uma solução no futuro.
O Serviço Social aparece, portanto, como uma praxis. "Atividade
humana que apresenta as seguintes características: a) é transformadora
da realidade; b) implica a produção de conhecimentos e finalidades para
essa transformação. Portanto, a praxis se compõe de atividade teórica
(produção de conhecimentos e finalidade) e atividade prática
propriamente dita (transformação da realidade)...O que caracteriza a
atividade prática é o caráter real, objetivo da matéria-prima sobre a
qual se atua; dos
p. 171

meios e instrumentos com que se exerce a ação e de seus resultados ou


produtos"23.
[ 23. VASQUES, Adolfo Sanches. A Filosofia da Praxis, Ed. Paz e
Terra, Rio, 1962, p. 193. ]

A partir desta noção, depurada de lacunas e interpretações


ideológicas, é possível chegar a um modelo no qual a praxis do Serviço
Social poderia se enquadrar.
JOSÉ LUCENA DANTAS apresenta um desses modelos: "um paradigma
para organização em nível científico: a) Objeto: área da realidade
social, com seus fenômenos, que construiu a área específica para a
atuação profissional, representando, assim, o elemento unificador da
teoria e da prática profissional; b) atividade prática: aplicação de
conhecimentos científicos, técnicos e empíricos à modificação dos
fenômenos e situações concretas que constitui o objeto profissional,
ordenado pelo método profissional, e orientada por um quadro de
finalidades e funções; c) atividades teóricas: investigação e teorização
com o objetivo de: 1) converter conhecimentos das ciências sociais e
humanas básicas relativas ao objeto, para aplicação da profissão; 2)
produzir conhecimentos científicos e técnicos próprios relativos ao
objeto e aos procedimentos; 3) determinar finalidades da ação dentro dos
parâmetros normativos do referencial axiológico da profissão; e d)
referência axiológica - conjunto de "valores" básicos que fornecem o
esquema normativo para a estruturação do campo teórico-prático da
profissão, integrados e justificados num corpo de "doutrina" ou
"ideologia"24.
[ 24. DANTAS, José Lucena. IV - Paradigma de Profissionalização
do Serviço Social e o Problema de sua Definição - Faculdade de Serviço
Social da Universidade de Sergipe, Curso de Especialização 1973 -
Apostilha mimeografada, p. 14. ]
Assim sendo, segundo o mesmo Autor, o Serviço Social poderia ser
definido, dentro de uma linha institucional, partindo de dois atributos
essenciais, a partir de: 1) um fato histórico e social e 2) de uma
prática: "O Serviço Social é um conjunto de práticas
institucionalizadas, orientado por um corpo de idéias, doutrinas e
concepções específicas e dependendo do tipo de estágio da sociedade
global, tendo por função solucionar as várias situações
sociais-problemas decorrentes de não-realização pelos membros da
sociedade, indistintamente ou pertencendo

p. 172

a grupos sociais, do tipo de existência social aceito como desejável por


eles ou pela sociedade"25.
[ 25. DANTAS, José Lucena. IV - Paradigma de Profissionalização
do Serviço Social e o Problema de sua Definição, Fac. de Serviço Social
da Universidade de Sergipe, Apostilha mimeografada, p. 16. ]

Outra tentativa de reconceituação, que está interessando os


assistentes sociais e as Escolas de Serviço Social, é o "enfoque
sistêmico". O Serviço Social visto como um sistema.

O ENFOQUE SISTÊMICO

Estudos de assistentes sociais sobre planejamento e


administração do Serviço Social os aproximaram da teoria dos sistemas,
atualmente aplicada a vários campos.
Sistema é um conjunto de elementos dinamicamente relacionados
entre si. Esta teoria criou uma terminologia que, aplicada ao Serviço
Social, implicaria também uma mudança na terminologia tradicional.
Um sistema prevê elementos abastecedores, designados pelo nome
de input ou "insumo"; estes elementos são transformados dentro do
sistema por processos que podem variar conforme a natureza do sistema e
que produzem resultados ou output ou "exumos".
Aplicados ao Serviço Social, temos os seguintes elementos: a
situação social-problema e seu estudo constituem o input; o
processamento de sua transformação: diagnóstico, plano de intervenção,
execução na qual o agente (assistente social) e o sujeito
(sistema-cliente) são envolvidos; os resultados e sua avaliação
constituem o output, ou seja, a modificação da situação social-problema
inicial. Há um feedback ou "retroinformação" que exige nova coleta de
dados ou exame da situação social-problema com uma nova entrada para
novo processamento e novos resultados.
Há vários tipos de sistemas 26: uns são específicos à natureza
física (sistema solar) ou biológica (sistema sangüíneo ou respiratório).
Outros são feitos pelo homem. O Serviço Social é um deles. O homem está
presente em todas as fases do sistema: ele fornece a matéria como input
(situação social-problema); a processa (emprego de
[ 26. Para um estudo mais profundo do assunto ver a
Bibliografia. ]
p. 173

métodos e técnicas e relacionamento entre assistente social e


sistema-cliente); obtém e goza os seus resultados.
O Serviço Social é também um sistema adaptativo, pois, como
dissemos acima, é o homem que fornece a entrada, processa, a matéria e
lhe dá saída. É, por fim, um sistema aberto porque: 1) importa energia
do meio ambiente (input) e a devolve transformada a este meio (output);
2) apresenta um ciclo de eventos durante o processamento da matéria
recebida: diagnóstico, plano de intervenção, execução, avaliação e
feedback ou retroinformação, obtenção de nova matéria (novo diagnóstico,
nova intervenção e novos resultados). Existe, portanto, uma estrutura
para o processamento da matéria importada no sistema. "A estrutura é
encontrada em uma série interrelacionada, de eventos que voltam sobre si
mesmos para completar e renovar o ciclo de atividades"27. A cadeia de
eventos pode envolver muitas pessoas, mas seu comportamento pode ser
caracterizado pela demonstração de estrutura somente quando existe um
certo fechamento, por um regresso a seu ponto de origem, com a
possibilidade da cadeia de eventos ser então repetida. "A repetição do
ciclo não tem de envolver a mesma série de acontecimentos fenotípicos.
Ela pode se ampliar para incluir subeventos exatamente da mesma espécie,
ou pode envolver atividades similares em direção aos mesmos resultados"
28. Assim "um ciclo de eventos pode consistir de ciclos menores, ou
aros, cada um deles fazendo contatos com diversos outros"28.
[ 27. KATZ, Daniel, e KAHN, Robert. Psicologia Social das
Organizações, Atlas, S. Paulo, 1970, p. 36.
28. KATZ e KAHN. Op. cit., p. 37. ]

O fato de um sistema ser "aberto" significa não apenas que ele


se empenha em intercâmbio com o meio, mas também que esse intercâmbio é
um "fato essencial que lhe sustenta a viabilidade, a capacidade
reprodutiva ou continuidade e capacidade de mudar"29. A influência do
ambiente é relacionada com o funcionamento do sistema; há, portanto,
necessidade de uma retroinformação constante, ou seja, de estudo e
pesquisa à luz dos resultados obtidos anteriormente.
[ 29. BUCKLEY, Walter. A Sociologia e a Moderna Teoria dos
Sistemas, Cultrix, S. Paulo, 1971, p. 81. ]

p. 174

Encontram-se duas tendências nos estudos atualmente em curso


sobre Serviço Social: tendência a teorizar, minimizando o contexto
operacional, e tendência a operacionalizar, sem o respaldo de uma teoria
que explique o contexto. Ora "conceito de disfunção que implica os
conceitos de esforço, desgaste e tensão em nível estrutural proporciona
um enfoque analítico do estudo da dinâmica e da mudança"30 e,
portanto, a possibilidade de teorizar a operacionalidade dentro do
enfoque sistêmico.
[ 30. MERTON, citado por KATZ e KAHN. Op. Cit, p. 44. ]
A teoria dos sistemas permite ao Serviço Social identificar o
essencial como entrada no sistema e as linhas de investigação de modelos
operacionais, isto é, escolher métodos e/ou técnicas adequadas;
identificar áreas comuns com outros sistemas (dos processos entre si, do
sistema da entidade onde opera, da inserção em planos de desenvolvimento
locais ou regionais, etc.), e permitir a avaliação e o controle pela
retroinformação, possibilitando modificação nos planos, programas ou
projetos para obter melhores e maiores resultados.
A teoria dos sistemas reconhece, ainda, que há vários métodos
para transformar a matéria importada a fim de obter resultados; estes
podem ser obtidos por vários caminhos. É a equifinalidade. O Serviço
Social pode ter, e tem, de fato, um objetivo geral, comum em todas as
culturas onde tem sido aplicado, seja qual for o nome adotado ("ajuda",
"ajustamento", "capacitação", "promoção", etc.), mas, de acordo com o
contexto e as situações sociais-problemas, emprega abordagens e técnicas
diferentes.
A teoria dos sistemas admite, finalmente, a existência de
"tetos" que orientam o funcionamento dos sistemas.
Tetos (do grego tetos, fim, ou tele, longe) são as idéias. ou os
elementos que, de longe, orientam outras idéias ou elementos dentro do
sistema. Os tetos de um sistema serão os princípios ou a doutrina sobre
os quais o sistema vai se apoiar. Neste caso, para o Serviço Social,
visto como sistema, seus "tetos" consistem nos postulados e princípios
operacionais escolhidos e definidos como base de sua atuação.

p. 175

Como sistema, o Serviço Social tem sido estudado nos Cursos de


Mestrado. A teoria dos sistemas, no entanto, tem sido aplicada em
relação ao ensino, às Escolas de Serviço Social e ao ensino prático ou
supervisão31.
[ 31. Ver ALMEIDA, Ana Augusta. O Método Genérico do Serviço,
Social, Biblioteca Padre Lustoza, Instituto Social, 1968.
- AROSO, Maria Amália Soares, Uma Abordagem Sistêmica numa
Escola de Serviço Social, U.F.R.J., Rio, 1974.
- NIN FERREIRA, Maria da Glória. A Utilização da Abordagem
Sistêmica no Ensino do Serviço Social, C.B.C.I.S.S., Série Verde, nº 93,
ano VIII, 1975. ]

No momento, a teoria dos sistemas fornece ao Serviço Social a


possibilidade de melhor análise de seus elementos e de sua aplicação
adequada à realidade; não lhe fornece, ainda, nenhuma construção teórica
que possa levar à identificação de teorias e de metodologia.

p. 176

CAPITULO V

O SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA


O Serviço Social iniciou-se na América Latina, em 1925, em
Santiago do Chile, com a fundação da primeira Escola de Serviço Social,
por RENÉ SAND, com o auxílio do médico chileno Dr. ALEXANDRE DEL RIO.
Escolas foram nascendo em diversos países, principalmente depois da
Segunda Guerra Mundial. As primeiras Escolas - a do Chile e a de
Montevidéu, Uruguai - sofreram a influência européia, enquanto as
demais, a ascendência norteamericana, através de assistentes sociais que
estudaram nos Estados Unidos e da assistência técnica desse pais.
As nações latino-americanas apresentam muitos pontos comuns com
o Brasil: foram colonizadas por um povo de cultura latina e cristã,
dentro de um sistema colonial, que consistia em tirar da colônia o
máximo de proveito para o país colonizador. São países subdesenvolvidos
ou em vias de desenvolvimento, porém de maneira desigual; as lutas pela
independência, a fragmentação do império colonial ibérico, e as
discórdias internas entre os partidos políticos, geram, até hoje, uma
instabilidade que obstaculiza este desenvolvimento. Como no Brasil,
verifica-se em quase todos a permanência de traços da sociedade
colonial, agravada, ainda mais, nos países andinos, pela presença de
grande população indígena, herdeira das civilizações pré-colombianas e
que não se integraram completamente à nova sociedade. Ao contrário dos
portugueses, que permaneciam no litoral, os espanhóis entraram pelo país
adentro e, em vez de limitar-se ao estabelecimento

p. 177

de grandes latifúndios, fundaram numerosas cidades, centros


administrativos e de vida regional.
A Igreja desempenhou um papel importante na colonização e
desenvolvimento desses países: levantou-se firmemente em defesa das
populações indígenas; assinou com a Coroa várias concordatas e enviou
numerosas ordens e congregações religiosas que se ocuparam da educação e
assistência às populações. É preciso notar, ainda, que, desde o início,
a Igreja se preocupou com a formação de uma elite intelectual, pela
fundação de várias Universidades durante os primeiros duzentos anos da
colonização hispânica.
Nos primeiros anos da introdução do Serviço Social nos países
latino-americanos houve, como já dissemos, grande influência européia,
que se traduzia pela importância dada às atividades do Serviço Social
junto à assistência médica. O Serviço Social tinha, assim, funções
"paramédicas". Outro campo que, também, se aproveitava do Serviço Social
era o jurídico, onde o assistente social fornecia ao juiz informações
sobre o cliente, ajudando assim a decisão jurídica.
Depois da Segunda Guerra Mundial, técnicos dos Estados Unidos, e
principalmente das Nações Unidas, colaboraram com os governos e
entidades a organizar escolas, nas quais os processos de Serviço Social
de Casos, de Grupo e de Comunidade foram ensinados. Nota-se, no entanto,
que estas novas escolas nem sempre mereceram boa acolhida pela
totalidade da profissão. Escolas e profissionais mais antigos resistiam
às mudanças propostas. Faltava nos países latino-americanos uma
legislação que prescrevesse um currículo mínimo para as escolas. Havia
desta maneira diversidades de nível de formação e, conseqüentemente,
divergências entre os egressos das escolas e entre as gerações de
profissionais.
É preciso notar, também, que não havia uma denominação única
para os profissionais: no início, em muitos países, eram chamados
"Visitadoras Sociais", pois seu trabalho consistia, principalmente, na
visitação domiciliar; em outros, "assistentes sociais", denominação
considerada pejorativa e ligada à idéia obsoleta de "Assistência
Social"; preferiram o nome de "Trabalhadoras sociais". Em cada país, as
referidas divergências assumiam

p. 178

formas diferentes, o que impedia uma procura calma e desinteressada do


verdadeiro sentido de Serviço Social na América Latina.

ESTUDOS DOS ENCONTROS INTERNACIONAIS

A evolução da teoria do Serviço Social nos é fornecida, em


grande parte, pelos ternários e conclusões dos Congressos e Seminários
Latino-Americanos e pelas obras de alguns autores continentais.
Duas organizações internacionais - a Conferência Internacional
de Serviço Social (C.I.S.S.) e a União Católica Internacional de Serviço
Social (U.C.I.S.S.) trouxeram seus congressos ao continente: a primeira,
em 1962, no Rio de Janeiro, com o tema "Desenvolvimento de Comunidades
Urbanas e Rurais" e a segunda, em 1965, em Buenos Aires, sobre "Promoção
Humana e Serviço Social, Responsabilidade dos Cristãos". Anteriormente,
a U.C.I.S.S. promovera Dias de Estudos, em São Paulo (1950); no Rio de
Janeiro (1955), por ocasião do Congresso Eucarístico Internacional,
sobre "O Ensino e a Prática do Serviço Social face às exigências do
Espírito Cristão". Em 1957, em Porto Alegre, realizara um seminário
sobre "Educação de Adultos e Desenvolvimento de Comunidade" e, em 1968,
na Venezuela, um encontro regional sobre as atividades da U.C.I.S.S., na
América Latina.
Quatro grupos interamericanos se revelaram bastante ativos:
1) Congressos Pan-Americanos de Serviço Social, em número de
sete, sendo o primeiro promovido pela Escola de Serviço Social de
Santiago do Chile, em 1945, e o segundo em 1949, no Rio de Janeiro,
organizado por uma comissão chefiada por D. STELIA DE FARO, e os demais
pela Conferência Interamericana de Bem-Estar Social.
2) A União Pan-Americana, que organizou três Seminários
regionais sobre Organização de Comunidade, na década dos anos 50.
3) O Instituto de Solidariedade Internacional, com sede em Lima,
Peru, ligado à Fundação Konrad Adenauer, da Alemanha, reúne
ocasionalmente um certo número de peritos em Serviço Social.

p. 179

4) Os Seminários Latino-Americanos de Serviço Social, em número


de seis, promovidos por um grupo de assistentes sociais e que não é
ligado a nenhuma entidade internacional e interamericana.

Estudando os temários e conclusões destes conclaves, podemos


identificar várias tendências:
1 - a identificação e estudos de "problemas" e/ou "situações"
encontradas na América Latina e para solução dos quais a contribuição do
Serviço Social é necessária;
2 - o estudo do Serviço Social e sua metodologia, no sentido de
uma "reconceituação" visando criar um Serviço Social latino-americano
condizente com as realidades continentais.

1) A Identificação e Estudo de Problemas e/ou Situações - Esta


foi a nota dominante dos Congressos Pan-Americanos de Serviço Social.
Embora implícita no inicio, e se tornando cada vez mais clara, os
Congressos partiram da premissa de que o Serviço Social não é o único
agente de ajuda, mas que os problemas da América Latina pediam a
colaboração de vários tipos de profissionais e de entidades privadas e
governamentais. Para atuar com eficiência era preciso conscientizar os
altos níveis e agir em conjunto. Por isso, os Congressos Pan-Americanos,
embora reunindo grande número de assistentes sociais, atraiu, também,
médicos, sanitaristas, educadores, engenheiros, urbanistas, economistas,
juristas, etc., cuja contribuição para a elaboração de relatórios e
conclusões revelou-se muito positiva.
O primeiro Congresso Pan-Americano 1, em 1945, salientou o
fato de que tais assembléias deviam ser uma ocasião de troca de
experiências entre os assistentes sociais e por causa disso, talvez, os
temas, divididos por campos de atuação, tiveram, sempre, um lugar de
destaque
[ 1. As informações sobre os Congressos Pan-Americanos de Serviço
Social foram tirados de "Temarios y Conclusiones de las Congresos
Panamericanos de Servicio Social", recompilação da vice-presidência da
IV Região da Conferência Pan-Americana do Bem-Estar Social, apresentada
ao VII Congresso, Quito, 1971(mimeografado). ]

p. 180

Saúde e Educação figuram em todos eles; a família constituiu o tema do


segundo Congresso; infância, assistência jurídica, habitação, recreação,
previdência, menores, etc., figuram nos demais. No segundo Congresso, a
família mereceu detido estudo nos seus aspectos jurídicos: adoção,
fortalecimento do vínculo conjugal, situação dos filhos ilegítimos, etc.
As recomendações constituem verdadeiro plano de política social para a
família.
No primeiro Congresso, a Comissão de Saúde estudou os problemas
ligados à Assistência Médica e Sanitária, como um verdadeiro Congresso
de medicina; reconheceu a necessidade da colaboração de vários
profissionais: enfermeiras, visitadoras de saúde pública, assistentes
sociais, etc., a falta de delimitação de funções entre esses auxiliares
e a necessidade da complementaridade de todas elas.
Todos esses assuntos foram estudados do ponto de vista da
situação em que se encontravam ncs vários países e dos problemas que
apresentavam. Tiveram, portanto, um aspecto positivo, no sentido de que
os participantes se conscientizaram das situações e da natureza, causa e
efeito dos problemas. Houve uma preocupação de dirigir recomendações aos
governos sobre a necessidade de formular uma política social a respeito
destes assuntos, e aos assistentes sociais, de colaborar com organismos
internacionais.
As conclusões, entretanto, eram vagas e generalizadas. A
inclusão do Serviço Social aparecia em termos gerais: "reconhece-se a
conveniência da inclusão do Serviço Social em...", sem situá-lo
dentro de uma entidade, nem precisar suas funções. Insistem sobre os
aspectos filosoficos do Serviço Social: "valorização da dignidade
humana", "levar o homem para seu verdadeiro destino", etc ... . Sente-se
uma identificação entre o Serviço Social e a Ação Social. Num sentido
profetista, o Serviço Social era visto como a única solução para todas
as situações problemáticas e para o êxito do desenvolvimento.
O terceiro Congresso (Porto Rico, 1957), realizado oito anos
depois do segundo, apresentou um progresso na elaboração do termário:
"Funções do Serviço Social no Desenvolvimento: Planejamento, organização
e Prestação de Serviços". A idéia do desenvolvimento e do bem-estar

p. 181

é reconhecida como sendo um trabalho interprófissional; considera-se a


cooperação. entre as entidades indispensável; recomenda-se confiar
cargos diretivos a assistentes sociais para influir na política das
instituições e orientá-la. Dando-se conta da pouca objetividade dos
Congressos anteriores, o terceiro Congresso resolveu revisar a
organização desses encontros, dando maior ênfase ao conteúdo dos estudos
através de seminários e menos destaque às conferências magistrais.
Neste mesmo Congresso, fundou-se a Conferência Pan-Americana de
Serviço Social, órgão de cooperação entre os países do continente e
independente da C.I.S.S. Em 1968, esta organização mudou seu nome para
"Conferência Pan-Americana do Bem-Estar Social ".
O quarto Congresso (Costa Rica, 1961) assumemma feição mais
técnica; o tema - "Recursos humanos e técnicos frente a um rápido
crescimento" - focalizou a "Investigacão", como base para o
diagnóstico e o planejámento da intervgnção e "avaliação", como meio de
melhorar a atuação dos profissionais. Ambas as técnicas deviam também
ajudar a formular melhor o programa de formação de pessoal. Este
Congresso revela ainda certo irrealismo ao declarar que "a atuação do
Serviço Social é fator decisivo para o desenvolvimento econômico e
social de um país". Como nos conclaves anteriores, estuda os campos de
Serviço Social do ponto de vista de seus problemas e da formulação de
uma política de ação. Observa-se, no entanto, uma tentativa de
determinar as funcões do Serviço Social no domínio da saúde.
O quinto Congresso (Lima, 1965) sofreu a influência dos
Congressos Internacionais. O tema debatido - "Bem Estar e
Desenvolvimento da Comunidade" - reconhece, pela primeira vez, que o
Serviço Social não corresponde ao que dele se espera. "O profissional de
Serviço Social deve se preparar convenientemente para assumir suas
responsabilidades no desenvolvimento" e os requisitos para esta
competência são "derivado de um conjunto de conhecimentos, ética,
profissional e técnica, aliada a um sistema filosófico"; "deve ter um
conhecimento adequado do quadro dos indicadores do desenvolvimento a fim
de compreender seu alcance, interpretar de maneira adequada

p. 182

seu conteúdo e incorporá-lo ao desempenho de suas funções"2.


[ 2. Temarios y Conclusiones, Op. cit. ]

O Congresso insiste sobre os vários aspectos do desenvolvimento;


sobre a necessidade de considerar o aspecto humanista e a participação
dos interessados. Neste particular, as recomendações do quinto Congresso
constituem uma síntese filosófica e normativa para os programas de
desenvolvimento, que poderia servir de base a estudos mais profundos.
Nas recomendações sobre Planejamento, reconhece a posição do Serviço
Social para facilitar a fixação de objetivos sociais em diferentes
níveis, tendo em vista os conhecimentos dos assistentes sociais sobre a
necessidades sociais e a conduta humana.
O sexto Congresso (Caracas - Venezuela, 1968) se debruça
novamente sobre a preocupação principal e cpnstante dos assistentes
sociais: examina a "Realidade do Desenvolvimento na América Latina" sem,
no entanto, defini-la ou caracteriza-la; estuda os problemas do
desenvolvimento, a planificação, apolítica social, as possibilidades de
uma metodologia para a planificação do Serviço Social e a formação dos
assistentes sociais para esta função.
O congresso trabalhou de maneira diferente dos demais;
constituiu Comissões, que funcionaram como seminários e apresentaram
relatórios dos seus trabalhos. Desta maneira, os estudos foram muito
mais objetivos do que nos Congressos anteriores e os relatórios
apresentam um conteúdo mais técnico, demonstrando que, na sua maioria,
devem ter sido redigido por especialistas.
Os estudos sobre o desenvolvimento e a planificação se referem
ao poder público, a estrutura do poder, a formação política necessária
aos trabalhos nesse campo; mencionam a importância da colaboração do
Serviço Social pelo enfoque humanista sem todavia chegar a definir suas
funções: apresentam uma tentativa de programa de formação dos
assistentes sociais para a planificação em diferentes níveis. As
conclusões recomendam a promoção de pesquisas para "elaborar um corpo de
conceitos de serviço Social baseado na experiência dos profissionais,
conduzindo, assim, a uma reformulação de sua intervenção."

p. 183

"A revisão da teoria do Serviço Social na América Latina resultará no


fortalecimento de suas bases, numa definição de estratégias mais de
acordo com as exigências da mudança social em uma clarificação do
conteúdo de sua associação com alguns concertos - como o de Assistência
Social - que implicam um sentimento paternalista e obstaculizam o
desenvolvimento." Porém, "a participação do Serviço Social depende da
definição do seu próprio marco conceituar e do conteúdo da sua
contribuição".
O Congresso reconhece as dificuldades do Serviço Social, sendo a
principal a "falta de precisão da natureza de sua contribuição potencial
para a planificação e de suas funções em diferentes níveis".
Os processos do Serviço Social não ocupam lugar de destaque nem
nos temários nem nas conclusões dos citados Congressos: o segundo
menciona a necessidade da aplicação do Serviço Social de Casos e do
Serviço Social de Grupo no campo da Família e o no currículo das
Escolas.
Em todos os Congressos registram-se recomendações sobre o ensino
e a formação dos assistentes sociais. O primeiro recomendou um currículo
mínimo - síntese dos currículos das escolas participantes. O segundo
sugeriu a inclusão da Organização da Comunidade nos programas das
escolas. O quinto propôs a formação de profissionais em nível superior e
a organização de cursos de pós-graduação.
No quarto Congresso (Porto Rico, 1957) , as escolas
latino-americanas resolveram se reunir em uma associação, cujas reuniões
coincidem com as dos Congressos Pan-Americanos. Essa associação
reformulou seus Estatutos em 1971 e congrega as escolas de profissional,
troca de experiências e fortalecimento de seus programas, de acordo com
a realidade da America Latina.
O primeiro Congresso recomendava a formação de auxiliares de
Serviço Social para tarefas determinadas e suprir a falta de
profissionais; os demais não mencionam este assunto.

p. 184

Em quatro congressos encontram-se estudos e recomendações sobre


o recrutamento, formação e aproveitamento do voluntariado, tratados,
porém, de maneira bastante superficial e pautando-se em modelos
estrangeiros.
O sétimo Congresso realizado em Quito - Equador, em 1970, tinha
como tema central "A Dinâmica do Desenvolvimento Frente aos Problemas
Contemporâneos". O ternário dividia-se em quatro subterras. 1) Dinâmica
de Desenvolvimento; 2) Atitude Humana diante do Desenvolvimento; 3) A
Política Social e sua Implementação Técnico-Prática; 4) O Serviço Social
e a Dinâmica do Desenvolvimento, compreendendo: a) o Serviço Social e a
problemática latino-americana; b) conceituação do Serviço Social; c) o
trabalho de campo como fonte de teoria; d) a funcionalidade do Trabalho
Social em relação aos recursos atuais. O temário assinalava um progresso
sobre os dois Congressos precedentes, pois, pela primeira vez, procurava
situar o Serviço Social no processo de desenvolvimento e determinar suas
funções e operacionalização. Infelizmente, por motivos de força maior, o
referido Congresso não terminou seus trabalhos e não chegou a elaborar
conclusões.
Somente no quarto Congresso, em Porto Rico (1957), tentou-se uma
conceituação do Serviço Social: "Serviço Social é uma profissão baseada
no reconhecimento de dignidade do ser humano e sua capacidade de
superação, que, mediante procedimentos técnicos, propõe ajuda a
indivíduos, grupos e comunidades para ajudar-se a si-mesmo e alcançar um
desenvolvimento integral, especialmente em situações sociais que
necessitem de auxílio externo para poder atender a suas necessidades e
desenvolver suas potencialidades."
Esta conceituação, segundo EZEQUIEL ANDER-EGG 3, representa uma
síntese do pensamento latino-americano sobre o assunto.
[ 3. ANDER-EGG, Ezequiel. Servicio Social para umas Nueva Época,
Ed. Humanitas, Buenos Aires, 1966, p. 32. ]

Em todos os congressos sente-se a necessidade de afirmação da


profissão, a insegurança quanto a suas funções, ora vista como limitada
a uma entidade, ora, numa visão mais ampla do desenvolvimento. A
diferença de formação

p. 185

dos vários países, as conceituações diversas do Serviço Social e as


ideologias dificultavam a discussão serena do Serviço Social, dentro de
uma teoria e metodologia científica.
Os dois últimos congressos - Lima e Caracas - assinalam um
avanço quanto à organização como meio de intercâmbio e na objetividade
dos seus estudos. As recomendações, no entanto, continuam a abordar os
aspectos gerais dos assuntos; suas conclusões são vagas e, sob este
aspecto, os pan-americanos não se diferenciam dos demais Congressos
Internacionais de Serviço Social.
2) Estudos sobre o Serviço Social e sua metodologia compõem a
linha seguida pelos Seminários promovidos pela Divisão de Assuntos
Sociais da União Pan-Americana na década de 50, pelos Seminários
Latino-Americanos de Serviço Social e pelos encontros promovidos pelo
Instituto de Solidariedade Internacional - ISI, hoje Centro
Latinoamericano de Trabajo Social (C.E.L.A.T.S.).
Os Seminários Regionais da Divisão de Assuntos Sociais da União
Pan-Americana tinham como objetivo o estudo, introdução e adaptação na
América Latina do processo de Organização da Comunidade e levar os
assistentes sociais a uma atuação promocional das populações
subdesenvolvidas. Além de assistentes sociais, reuniam também, outros
profissionais interessados no assunto. Os estudos, que duravam duas
semanas, baseavam-se em documentos preparados pela U.P.A. e em relatos
de experiências de países latino-americanos. A influência desses
seminários foi enorme. Graças a eles. o processo de Organização de
Comunidade foi incorporado ao ensino das escolas e várias entidades
procuraram treinar seus técnicos para aplicá-lo. Durante vários anos, os
documentos básicos desses seminários serviram de livro de texto para o
ensino do processo.
Os Seminários Latino-Americanos focalizaram uma "reconceituação"
do Serviço Social no continente. "No início da década de 61/70, escreve
SENO CORNELLY, presidente do 1º Seminário 4, começou a se sentir grande
inquietação em muitos centros de Serviço Social na América Latina. Os
técnicos mais jovens, em particular, observavam
[ 4. Carta endereçada à Autora em abril de 1974. ]

p. 186

uma grande distância entre uma série de idéias de cunho abstrato, que
lhes eram ensinadas nas escolas, e uma realidade prática bastante
diversa. Nos chamados países do Cone Sul, tal inquietação fez com que
alguns assistentes sociais se reunissem informalmente, ora em Porto
Alegre, Brasil, ora em Montevidéu, Uruguai, ou Buenos Aires, Argentina.
Finalmente, em 1965, várias entidades de Porto Alegre (Sindicato de
Assistentes Sociais, Conselho Regional de Assistentes Sociais, Faculdade
de Serviço Social e seu Diretório Acadêmico), contando som o apoio do
governo do Estado, realizaram, nesta mesma cidade, o "Primeiro Seminário
Latino-Americano de Serviço Social, face às mudanças sociais".
É possível que este movimento tenha sido influenciado também
pelos resultados dos Congressos Pan-Americanos, no que diz respeito à
deficiência de atenção, que eles emprestaram aos aspectos metodológicos
do Serviço Social. Concretizava, também, as reações das jovens gerações
contra as resistências de escolas profissionais em mudar programas de
formação e modos de atuação do Serviço Social. É significativa a
insistência, em artigos de revistas, sobre a necessidade de um Serviço
Social Latino-Americano e não uma adaptação de métodos e técnicas
empregadas em outros países5.
[ 5. BARRIEX, Juan. "História del Servicio Social", Hoy en EL
Servido Social, nº 21, 1972. ]

O temário dos seis seminários até hoje realizados revela as


preocupações de seus promotores:
1) Serviço Social face à mobilidade social e às mudanças sociais
e econômicas na América Latina. (Porto Alegre, 1965.)
2) Problemas metodológicos, Evolução ou Revolução, Política de
Serviço Social no Desenvolvimento. (Montevidéu, Uruguai, 1966. )
3) Papel Educativo do Serviço Social e Metodologia,
Investigação, Diagnóstico, Planejamento e Participação. (General Roca,
Argentina, 1967.)
4) Alienação e Praxis do Serviço Social. Novos Instrumentos,
Novas idéias como marco de referência. (Concepcion, Chile, 1968.)

p. 187

5) Reconceituação ao nível de instituições. (Cochabamba,


Bolívia, 1970.)
6) Sistematização da Atuação do Assistente Social. Aceitação da
reconceituação esboçada no Seminário precedente. (Porto Alegre, 1972.)

O grupo promotor tem como princípio não aceitar auxílio de fora


da América Latina. O movimento não é estruturado nem ligado a nenhuma
instituição. Em 1970, no entanto, sentiu a necessidade de uma estrutura
de base, que lhe assegurasse a continuidade e nesta ocasião elegeu-se um
"pequeno comitê"para pensar no assunto.
O movimento oriundo desses seminários denomina-se "Geração 65",
porque foi neste ano que se reuniram pela primeira vez para discutir
suas dúvidas e anseios e se conscientizar da "necessidade de investigar,
teorizar, ensinar e experimentar um Serviço Social genuinamente
latino-americano, capaz de ser a resposta aos desafios que as
circunstâncias apresentavam"6. Este movimento levou, no Uruguai, à
fundação de uma escola na Universidade da República e, na Argentina, à
organização do grupo "ECRO", que publica a revista Hoy en el Servicio
Social.
[ 6. BARRIEX, Juan. Op, cit. ]

A justificação do movimento, apresentada por esta revista7, se


apóia sobre: 1) a impossibilidade de trabalhar numa realidade prática
para responder a desafios próprios e específicos com métodos e técnicas
de outra realidade; e 2) impossibilidade de instaurar uma mentalidade
profissional, isto é, "aplicar método e técnica de forma fria e
descomprometida de trabalho com os seres humanos, que não são neutros, e
colocados numa realidade que também não é neutra". O movimento,
portanto, reclama para o Serviço Social uma nova filosofia e uma
ideologia e apóia os autores que desejam alicerçar o Serviço Social
sobre um método científico. Assim citam MARY RICHMOND como uma
precursora e diversos autores latino-americanos.
[ 7. BARRIEX Juan. "El Servicio Social en la Encruzijada", Hoy en
el Servicio Social, n.º 16/17, de 1973. ]

Embora haja uma atmosfera política muito nítida, os Seminários


levaram os participantes a estudar com minúcia

p.l88

as dificuldades de aplicação de método e a procurar soluções para essas


dificuldades, assim como definir as funções do Serviço Social em
diversos campos, mas sem a objetividade e a precisão que seriam
desejáveis.
Os encontros do Instituto de Solidariedade Internacional
(I.S.I.), entidade subsidiada pela Fundação Konrad Adenauer, da
Alemanha, em número de quatorze, realizaram-se a partir de 1963, em dez
países da América Latina espanhola. "O objetivo desses encontros é
proporcionar aos assistentes sociais, docentes universitários e
estudantes de Serviço Social, a possibilidade de intercâmbio de
experiências: trabalhos no campo e formação teórica e prática, assim
como os novos enfoques e orientação dos trabalhos profissionais a fim de
ajudar a profissão e as escolas a fazer reformulações necessárias.
Para atingir este objetivo, o I.S.I. "trabalha principalmente à
base de seminários nos quais os assistentes sociais têm possibilidade de
refletir sobre os problemas da América Latina e do Serviço Social;
recebem contribuições de profissionais experimentados e aprofundam
criticamente o questionamento profissional em vista de mudanças do
conteúdo assistencial da carreira. Dentro desta colocação, são
apresentadas propostas técnicas e metodológicas, partindo de uma análise
crítica das ciências sociais e da necessidade de manejo do método
científico, tanto para o conhecimento da realidade, como para a ação
subseqüente, usando uma teoria científica correspondente à situação da
América Latina"8.
[ 8. Carta do I.S.I. à Autora, maio de 1974. ]

Os assuntos tratados nos Seminários podem ser agrupados como se


segue: Reconceituação (4 encontros), Metodologia (4), Prática (2),
Conscientização, Carreira Profissional, Serviço Social e Ciências
Sociais e Formação Profissional diante da reconceituação. Para preparar
os encontros, o I.S.I. pede aos diversos países trabalhos sobre
determinados assuntos, os quais constituem a base dos estudos nos
encontros. Os referidos encontros tiveram o mérito de identificar várias
correntes de pensamento em relação à conceituação do Serviço Social, sem
todavia chegar a uma conclusão definitiva.

p. 189

O SERVIÇO SOCIAL VISTO POR DIVERSOS AUTORES

Em 1965, antes da formação do grupo "Geração 65", VIRGINIA


PARAISO, Assistente Técnica da ONU, consigna no seu relatório à CEPAL
sua impressão geral sobre a situação do Serviço Social na América
Latina. Após citar os três elementos do conceito de Serviço Social
formulado pela ONU, diz que, "na América Latina, os conceitos que
constituem a base para o Serviço Social representam uma contribuição de
várias influências da Europa e dos Estados Unidos com pontos de vista
mais antigos de instituições caritativas e religiosas". A Autora explica
por que se prefere o termo "serviço" ao de "trabalho": o primeiro
significa "ação em benefício de alguém", enquanto o segundo tem uma
conotação manual e artesanal". Cita como objetivo do Serviço Social na
América Latina: 1) a melhoria progressiva das condições de vida; 2) o
desenvolvimento de recursos humanos; 3) a orientação de pessoas, para
mudarem e se ajustarem; 4) a criação de estruturas institucionais para
proporcionar diversos serviços sociais9.
[ 9. PARAISO, Virgínia A. Serviço Social na América Latina -
Funções e Relacionamento com o Desenvolvimento, Publicação CEPSL E/CN
12/L.9 - Tradução do CBCISS, out. 1965. p. 5. ]

Atualmente podemos discernir na América Latina, entre os


diversos autores, várias correntes de pensamento sobre o Serviço Social:
a corrente científica, a metodológico-científica e a ideológica ou de
uma nova ciência.
A corrente científica defende a necessidade de uma teoria do
Serviço Social ou sua constituição como disciplina científica e a
elaboração da sua própria metodologia e filosofia. O Dr. EZEQUIEL
ANDER-EGG é o representante mais expressivo desta corrente.
Alega, esta corrente que "o Serviço Social acumulou uma grande
experiência empírica que precisa ser avaliada cientificamente". Esta
experiência, diz ANDER-EGG10: 1) não deve, como modo de pensar,
apoiar-se numa "retrospectiva" (isto é, a atuação sobre a situação do
cliente), mas substituí-la por uma "perspectiva" (isto é,
[ 10. ANDER-EGG, Ezequiel. Op cit. ]

p. 190

atuação na situação), sem se basear em trabalhos anteriores, mas para


transformá-la. Consiste em "ver longe e amplamente", longe para saber
até onde deverá ir, e amplamente, para tomar consciência de uma
interdependência que não cessa de crescer"; 2) sua desvinculação com as
várias ciências do Homem, o que o torna empírico; 3) sua explicação
idealista dos problemas contemporâneos e soluções baseadas idealista
valores não fornecem base sólida por sua atuação; 4) um certo profetismo
supervaloriza o Serviço Social e o apresenta como a única solução.
Os partidários desta corrente reconhecem que o Serviço Social
tem um papel fundamental nos programas de desenvolvimento, mas que, até
o momento, tem sido considerado como marginal e acessório, porque sua
posição e funções não foram definidas. Declaram, portanto, que o Serviço
Social "tem uma função conscientizadora e dinamizadora para promover e
orientar as mudanças estruturais da nossa sociedade11. Consideram
válidos os processos de Serviço Social de Grupo e de Comunidade e, como
complemento, o Serviço Social de Casos.
[ 11. ANDER-EGG, Ezequiel. Op. cit., p. 41. ]

Assim sendo, o Serviço Social deve ter: 1) uma "teoria" .que


explique o significado dos fenômenos e as relações entre eles; 2) um
método de investigação social da realidade para orientar sua
intervenção; 3) técnicas definidas, de acordo com a teoria e os
resultados da investigação.
O Serviço Social precisa saber "o que deve fazer", pois percebe
a natureza da realidade, para determinar "como deve fazer".
EZEQUIEL ANDER-EGG considera a definição do Serviço Social
adotada no IV Congresso Pan-Americano em 1957 a mais adequada a uma
atitude científica. Esta definição contém sete características
importantes: um sentido humanista; a convicção de que todos os homens
têm capacidade de superação; seu caráter de técnica social;
procedimentos próprios; caráter e modalidade de ajuda; caráter integral
de abordagem dos problemas do homem; e os grupos e estruturas que devem
ser ajudados12.
[ 12. Ibid., p. 32. ]

p. 191

A partir desses dados é possível construir uma base científica


para o Serviço Social. Não é uma ciência, nem uma arte: é "uma técnica
social, situada no plano de ação, e de engenharia social, e não no da
ciência ou da investigação, apesar de nela se apoiar13".
[ 13. ANDER-EGG, Ezequiel. Op. cit., p. 44. ]
A corrente da metodologia científica, ou seja, a construção
integrada da ciência e da técnica, ou ainda da teoria com a prática,
advoga um método único ou método genérico do Serviço Social (VICENTE DE
PAULA FALLEIRO e JOSÉ LUCENA DANTAS, no Brasil; NATALIO KISNERMAN e
a
Escola da Universidade Católica do Chile).
Este movimento procura mostrar: 1) que os três processos do
Serviço Social têm um procedimento idêntico: estudo, diagnóstico e
tratamento ou diagnóstico e intervenção. Constituem, portanto, um método
único, básico ou genérico. O que difere na operacionalidade do método
serão: o sistema-cliente (indivíduo, grupo ou comunidade), a situação
social-problema e os objetivos da intervenção. Estes momentos devem ser
pensados de acordo com o método lógico que ordena a sua seqüência. A
realidade investigada e estudada cientificamente indicará as funções a
serem desempenhadas pelo assistente social para levar o cliente a se
capacitar para resolver a situação.
A corrente da metodologia científica reconhece a necessidade de
teorias como orientação para a ação; teoria tanto das ciências humanas,
como filosóficas, pois, diz NATALIO KISNERMAN14, "o método científico
impede a atuação de forma isolada ou puramente intuitiva, sistematizando
ações que sirvam para formulações teóricas". Reconhecem também os
seguidores desta corrente a necessidade de uma filosofia baseada nos
postulados da dignidade, perfectibilidade e sociabilidade de Homem;
discordam quanto à definição dos princípios operacionais.
[ 14. KISNERMAN, Natalio. Primeira Abordagem de Metodologia do
Serviço Social Reconceituado - Debates Sociais, nº 15, ano VIII, outubro
de 1972. ]

Para a maioria, o Serviço Social é, portanto, uma praxis, ou


seja, "a maneira pela qual o assistente social converte seus conceitos
em ações; a forma como administrar

p. 192

sua pessoa e as situações e circunstâncias que quer mudar". Emprestam


maior importância ao Serviço Social de Grupo e de Comunidade do que ao
Serviço Social de Caso, sem, no entanto, desprezá-lo.
A corrente ideologia-política, que proclama o Serviço Social uma
nova ciência ou um Serviço Social "reatualizado" como um estilo de vida,
nasceu quando a América Latina, entre 1963 e 1968, se viu sacudida por
manifestações políticas e ideológicas nos meios estudantis. Invoca a
inadequação do Serviço Social, como técnica importada, à situação de
desenvolvimento e aponta a necessidade de transformação radical de um
método superado. "É uma 'reatualização' pela ciência e pela arte que, em
termo de esboço de, ação social, abrange com amplitude o problema da
coordenação e integração interdisciplinar em relação com o estudo,
explicação, esboço e execução dos problemas derivados da vida cotidiana"
15. Esta corrente, representada pelo Grupo "Geração 65" e "ECRO", na
Argentina, se apóia em determinadas teorias políticas e numa visão
específica de desenvolvimento, considerando o Serviço Social como um
instrumento para chegar a metas políticas e filosóficas previamente
estabelecidas. Assim, o Serviço Social possui uma função
conscientizadora no desenvolvimento, ou de tomada de consciência da
situação onde se encontra; é um processo educativo e promocional de
aptidões e atitudes para o indivíduo, o grupo ou a comunidade a fim de
assumir a responsabilidade de mudanças estruturais e promoção do
bem-estar econômico e social. Os únicos processos válidos são os de
Serviço Social de Grupo e de Comunidade para organizar grupos, que,
conscientizados, possam fazer pressão com o propósito de conseguir as
mudanças que não podem realizar por si mesmos. O "Código" dos
Assistentes Sociais de Buenos Aires, aprovado em 1969, ilustra um dos
numerosos pensamentos desta corrente:
[ 15. Citado em Elementos para a Reconceituação do Serviço Social
documento mimeografado apresentado pela Região Centro-Oeste à Convenção
das A.B.E.S.S., em São Luís, Maranhão, 1973. ]

"O Serviço Social deve conseguir, no processo do


desenvolvimento, a mudança de estruturas socialmente injustas, para
adequá-las às necessidades do homem, considerando injustas todas as
situações que criem obstáculos

p. 193

ao homem no plano do desenvolvimento de suas potencialidades, em


condições de igualdade." "Os assistentes sociais não são agentes de
rebelião, mas agentes profundos de mudanças."16
[ 16. No decorrer dos últimos anos, alguns autores aqui citados
revisaram suas posições iniciais, modificando consideravelmente seu
pensamento, de maneira que, hoje em dia, já não podem mais figurar na
categoria onde os colocamos. Não resta dúvida, no entanto, que suas
primeiras colocações foram uma contribuição valiosa ao estudo da teoria
e metodologia do Serviço Social na América Latina. ]

Diante de tantas opiniões diferentes, é incontestável que os


assistentes sociais, na América Latina, se defrontam com graves
problemas profissionais, que não somente envolvem o futuro da profissão
como sua atuação para uma cooperação eficiente no processo de
desenvolvimento.

p. 194

CAPITULO VI

SÍNTESE: PERSPECTIVAS FUTURAS

O centro das atividades do Serviço Social é o Homem e a


Sociedade. O Serviço Social iniciou suas atividades preocupado, em
primeiro lugar, com o homem e, conseqüentemente, com sua família. Isso
por duas razões: 1) Por tradição, pois o Serviço Social constitui uma
evolução da caridade, ou da filantropia: é charity becoming scientific,
segundo assistentes sociais americanos. 2) De 1920 a 1930, o progresso
da psicologia e da psicanálise, disciplinas egocentralizadas, a
divulgação da doutrina de FREUD, de seus discípulos e de seus
contestadores, influíram sobre o Serviço Social principalmente no
processo de Serviço Social de Casos. Todas as obras pioneiras de Serviço
Social, até a Segunda Guerra Mundial, refletem tendências psicossociais,
sobretudo freudianas ou rogerianas. Extrapolando do Serviço Social de
Casos, as teorias psicossociais influíram também sobre o Serviço Social
de Grupo que, saindo do campo da recreação, tornou-se um "tratamento",
diferençando-se, no entanto, quanto aos seus objetivos e às suas
técnicas, da psicoterapia de grupo.
Depois da Segunda Guerra Mundial, enquanto o Serviço Social de
Casos continuava influenciado pelas teorias egocentralizadas, o Serviço
Social de Grupo recebia inspiração de outras teorias da psicologia
social (K. LEWIN, MORENO, FESTINGER, MERTON e outros) que estudavam o
grupo-como-um-todo ou o indivíduo-no-gruou. Pela leitura das obras de
assistentes sociais que abordaram o Serviço Social de Grupo, sente-se
uma ambivalência entre

p. 195

estas duas correntes, ora explicando os fenômenos ou pautando sua


conduta sobre teorias da personalidade, ora se baseando sobre teorias
psicossociológicas.
Na América Latina, os métodos do Serviço Social procederam
diretamente dos Estados Unidos da América e a falta de uma teorização
explícita naquele país levou os assistentes sociais do continente a
aceitá-los sem discussão. Desde o começo, no entanto, o contexo em que
trabalhavam revelou a inadequação de certas técnicas, levantando dúvidas
sobre eficácia do processo, nas áreas em desenvolvimento.
A crescente popularidade das Ciências Sociais e a consciência,
por parte dos assistentes sociais, de que constituem a base do Serviço
Social, levaram os profissionais, principalmente as Escolas de Serviço
Social, a estudar mais de perto estas ciências e a procurar relacionar
seus conceitos com os de Serviço Social. Chegou-se, assim, à conclusão
da necessidade de uma teorização do Serviço Social e, a partir de 1960,
os esforços nesse rumo se tornaram constantes e cada vez mais numerosos.
Atestam-no a organização de Congressos Pan-Americanos e Nacionais e de
Seminários Regionais. Finalmente, o Encontro de Araxá, em 1967,
representou um passo decisivo. Acatado ou atacado, o documento marcou um
progresso, sem todavia esgotar o assunto. Percebe-se nele as dúvidas que
pairavam sobre os participantes, muitos deles firmados nos Estados
Unidos, outros profundamente marcados pelo exclusivismo da prática.
Ao nosso ver, influiu sobre a orientação atual do Serviço Social
no Brasil o fato de um certo número de assistentes sociais não se
contentar com a formação profissional, completando-a com a graduação em
sociologia, psicologia, economia ou administração. Tiveram, assim,
oportunidade de estudar a fundo várias teorias sociais e compará-las com
a prática do Serviço Saciai. Se não encontravam solução para o problema,
pelo menos viram-se motivados para estudos mais profundos.

A própria prática do Serviço Social no contexto latino-americano


conduzia os assistentes sociais à reflexão. Era quase uma experiência
por ensaios-e-erros : experimentava-se, não dava certo, tentava-se de
outra maneira

p. 196

e quando se encontrava a solução, esta parecia tão longe do Serviço


Social que o profissional tinha impressão de se afastar da sua
profissão, ou rejeitava tudo para procurar solução através de outros
caminhos. Esta síntese nos leva às seguintes conclusões:
Consultada a literatura, tanto no Brasil como nos demais países
do continente, observa-se:

1) Insistência sobre a realidade do desenvolvimento e suas


formas, nos vários países ou regiões.
2) Crescente interesse pelas ciências que podem explicar o
fenômeno: sociologia, antropologia, economia, política, teoria dos
sistemas não somente entre assistentes sociais, mas também entre os
estudantes.
3) Verificação de que as teorias científicas contribuem para
melhor compreensão do contexto e explicam a maioria dos aspectos do
Serviço Social.
4) Consciência, cada vez mais nítida, entre assistentes sociais
e escolas, de que, sem base científica, o Serviço Social não sobreviverá
como método e como profissão.
5) E finalmente, apesar dos assistentes sociais acharem que o
importante é "Ajudar o Cliente" (indivíduo, grupo, comunidade), a classe
está certa de que o Serviço Social traz "algo mais" que as outras
profissões sociais não fornecem.

Como todas as profissões ou práticas científicas, o Serviço


Social percorre lentamente o mesmo caminho trilhado por outras
profissões, encontrando obstáculos e problemas específicos.
O ponto importante é saber em que direção se dirige a teorização
do Serviço Social. Diante da atual situação podemos tentar alguns
prognósticos:

1º - Em relação à filosofia, acreditamos que os valores até


agora adotados serão preservados, pois estão profundamente enraizados em
nossa cultura, mas sob nova forma, incorporando interpretações de várias
tendências humanistas e sociais dentro de uma visão realista.
2º - Em relação à teoria, é possível que outros tipos de
teorias, e não apenas as psicossociais, sejam olhadas como mais
convenientes, de acordo com as situações

p. 197
sociais-problemas e o sistema-cliente. As ciências sociais também
avançam e este avanço não pode ser desconhecido pelo Serviço Social e de
influir sobre ele.
3º - Em relação à prática, o Serviço Social encaminhava para um
método genérico dentro de uma visão sistêmica ou dentro de uma visão
dialética.
A preocupação com a teoria e com a prática motiva maior número
de pesquisas, ligadas à atuação do Serviço Social e, através da
avaliação dos programas e das técnicas empregadas, levará a uma
preocupação científica do "agir" profissional.
4º - No meio social, as filosofias em que se baseia o Serviço
Social levará a maior participação, da clientela a um enfoque educativo
e não apenas curativo, preparando o Homem para as mudanças e para que
seja o próprio agente destas; no sentido da construção de uma sociedade
melhor, de um papel mais significativo, de um maior aproveitamento das
oportunidades comunitárias e experiências sociais.
5º - A tendência para uma atuação interdisciplinar, não somente
por parte do Serviço Social, como de outras disciplinas, e a preocupação
constante dos governos para alcançar um certo nível de bem-estar,
obrigam a um estudo mais profundo dos problemas sociais. Em nível
individual, grupal ou comunitário, estes problemas podem ser resolvidos
pelo emprego de vários métodos e técnicas. As várias disciplinas não
estão tão preocupadas em procurar sua especificidade na solução dos
problemas, quanto em encontrar as verdadeiras causas dos problemas e
chegar a um diagnóstico certo da situação para, depois, determinar qual
o método mais eficiente a se chegar a uma solução.
O Serviço Social não faz exceção a este movimento. É um método a
ser empregado entre muitos outros. O assistente social não poderá ser um
especialista em tratamento individual, em trabalho de grupo ou
comunitário; deve ser um generalista no emprego dos métodos, mas um
especialista no sentido de que de que uma área problemática o atrairá
mais do que as outras e esta será pesquisada, estudada, analisada para
aplicar as técnicas adequadas e utilizar acertadamente uma ação
interprofissional.

p. 198

Nos países em desenvolvimento, que precisam de programas


econômicos para explorar suas riquezas naturais e, em conseqüência,
levantar o nível de vida de suas populações, ou cujas massas procuram
forçar o acesso social, muitas vezes por meio de agitação dvários tipos,
cabe ao Serviço Social a missão de ser um fator de equilíbrio entre o
progresso econômico e o desenvolvimento social, a fim de que as
comunidades sejam o lugar onde os homens pensem e queiram juntos, em
função do bem COMUM.

p. 199

ANEXOS
p. 201

ANEXO I

ORGANIZAÇÕES PROFISSIONAIS

ESTATUTOS DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ESCOLAS DE SERVIÇO


SOCIAL -
(A.B.E.S.S.)

Da denominação, sede e fins

Art. 1º - A Associação Brasileira das Escolas de Serviço Social,


abreviadamente A.B.E.S.S., com sede e foro no Distrito Federal, é uma
entidade civil, sem finalidade econômica, de âmbito nacional e de
duração indeterminada, destinada a congregar as escolas de Serviço
Social do país.
Art. 2º - São fins da A.B.E.S.S.:
a) promover intercâmbio e colaboração entre seus membros;
b) promover a adoção de um padrão mínimo de ensino nas escolas
de Serviço Social e o progressivo aperfeiçoamento destas;
c) representar os interesses coletivos das escolas de Serviço
Social.

Art. 3º - A A.B.E.S.S. será dirigida e administrada por


a) Conselho Diretor;
b) Presidente;
c) Secretário-Executivo,
d) Conselho Consultivo.

p. 202

Art. 4º - O Conselho Diretor será constituído pelas escolas de


Serviço Social, filiadas à A.B.E.S.S. em caráter efetivo, até o máximo
de 12.
Parágrafo único - Quando o número de escolas filiadas em caráter
efetivo exceder a 12, a constituição do Conselho dar-se-á por eleição.
Art. 5º - Compete ao Conselho Diretor para promover a consecução
dos fins da A.B.E.S.S.:
a) eleger o presidente;
b) aprovar a indicação do secretário-executivo;
c) decidir sobre as medidas a serem executadas em nome da
Associação;
d) decidir sobre a admissão e a eliminação dos membros;
e) aprovar o relatório e os atos do presidente;
f) resolver os casos omissos dos presentes estatutos.

Art. 6º - O Conselho Diretor escolherá, entre os representantes


das escolas que o compõem, um presidente com mandato de 3 anos.
Art. 7° - Compete ao presidente do Conselho Diretor:
a) representar a entidade ativa e passivamente, em juízo e fora
dele;
b) executar as resoluções do Conselho Diretor;
c) escolher o secretário executivo e submeter a escolha à
aprovação do Conselho.

Art. 8° - O Conselho Consultivo será constituído pelos membros


provisórios e pelos membros efetivos que não fizerem parte do Conselho
Diretor, verificada a hipótese do art. 49, parágrafo único.
Art. 9º - Compete ao Conselho Consultivo dar parecer, quando
convidado pelo Conselho Diretor, quanto às medidas a serem por este
tomadas.
Art. 10 - Os membros do Conselho Diretor prestarão gratuitamente
seus serviços á entidade.

Das Assembléias e Reuniões

Art. 11 - O Conselho Diretor reunir-se-á ordinariamente uma vez


por ano.

p. 203

Art. 12 - Nas Assembléias e Reuniões não poderá recair sobre a


mesma pessoa a representação de mais de dois membros.
Art. 13 - As resoluções do Conselho Diretor serão tomadas por
maioria de votos mediante pronunciamento de pelo menos 2/3 dos membros
efetivos.
Art. 14 - Só terão direito de voto os membros quites com os
cofres sociais.
Art. 15 - O presidente será eleito pelos membros do Conselho
Diretor, sendo permitida sua recondução até o máximo de duas vezes.
Art. 16 - Verificada a hipótese do art. 49, parágrafo único dos
presentes estatutos, a eleição do Conselho Diretor será feita de 3 em 3
anos, por escrutínio secreto, em assembléia geral dos membros efetivos.

Dos membros, seus direitos e deveres

Art. 17 - A A.B.E.S.S. admitirá um número ilimitado de membros,


distribuídos em duas categorias:
a) membros efetivos;
b) membros provisórios.

Art. 18 - Podem solicitar admissão, como membros efetivos, as


escolas de Serviço Social que preencherem as seguintes condições:

I - quanto á organização:
a) ensino especializado de Serviço Social, em curso de duração
mínima de 3 anos;
b) instalações e aparelhamento administrativo adequados;
c) competência técnica e idoneidade moral dos membros da
diretoria e corpo docente;
d) inclusão de um monitor diplomado por escola de Serviço Social
de padrão reconhecido pela A.B.E.S.S, na direção da escola.

II - quanto à admissão de alunos:

a) idade mínima de 18 anos;


b) certificado de conclusão de curso ginasial ou preparo
equivalente;

p. 204

c) idoneidade moral comprovada;


d) atestado de saúde.

III - quanto ao programa:

Satisfazer ao programa mínimo estabelecido pela A.B.E.S.S.

IV - quanto ao funcionamento: Haver diplomado ao menos uma turma


nas condições estabelecidas pelos incisos I, II deste artigo.

Art. 19 - Podem solicitar admissão como membros provisórios da


A.B.E.S.S. as escolas de Serviço Social que preencherem as condições
previstas nos incisos I (alíneas a, b e c), II e III do art. anterior.
Parágrafo único - Na direção da escola dever, figurar um monitor
que seja pelo menos diplomado por escola de Serviço Social de padrão
reconhecido pela A.B.E.S.S.
Art. 20 - A recusa de informações ou esclarecimentos solicitados
pela A.B.E.S.S. para fins de admissão como membro acarretará o
cancelamento do pedido de inscrição.
Art. 21 - Concedida a inscrição a uma escola, expedirá o
Conselho Diretor o respectivo diploma, com a menção da categoria do
membro.
Art. 22 - São direitos dos membros efetivos:

a) votar e ser votado para membro do Conselho Diretor;


b) ter voto consultivo nas deliberações do Conselho Diretor;
c) beneficiar-se dos serviços prestados pela A.B.E.S.S.

Art. 23 - São direitos dos membros provisórios os mencionados


nas alíneas b e c do artigo anterior.
Art. 24 - São deveres dos membros efetivos e provisórios:
a) pagar a taxa fixada pelo Conselho Diretor;
b) colaborar para o progresso da Associação.

Art. 25 - Será eliminado da A.B.E.S.S. o membro

a) deixar de preencher as condições estabelecidas


nos arts. 18 e 19, destes estatutos;
p. 205

b) não comparecer a 3 (três) assembléias consecutivas, sem


motivo justificado;
c) concorrer para o desprestígio da A.B.E.S.S.;
d) não efetuar o pagamento da taxa anual, por três anos
consecutivos, sem motivo justificado, a juízo do Conselho Diretor.

Das disposições gerais e transitórias

Art. 26 - Em sua primeira reunião, o Conselho Diretor elaborará


e aprovará o regimento interno.
Art. 27 - Enquanto o número de membros da A.B.E.S.S. não
ultrapassar o limite de 12, as escolas membros do Conselho Diretor
poderão manter um representante no Conselho Consultivo.
Art. 28 - A taxa anual a ser cobrada em 1946 será de Cr$
1.000,00 (mil cruzeiros) para os membros efetivos e Cr$ 500,00
(quinhentos cruzeiros) para os provisórios.
Art. 29 - O Conselho Diretor divulgará sempre o resultado de
seus trabalhos em termos de resoluções, recomendações ou comunicações.
Art. 30 - Os membros não respondem nem mesmo subsidiariamente
pelas obrigações sociais da entidade.
Art. 31 - A reforma dos presentes estatutos ou a dissolução
desta entidade só poderão ser decididas mediante a aprovação de pelo
menos dois terços dos membros efetivos quites com os cofres sociais.
Art. 32 - Em caso de dissolução da A.B.E.S.S., o Conselho
Diretor resolverá sobre o destino do patrimônio, que de preferência será
distribuído entre as diversas escolas de Serviço Social que sejam
membros efetivos da A.B.E.S.S.
Art. 33 - São considerados membros fundadores da A.B.E.S.S. as
seguintes entidades: Escolas de Serviço Social, do Centro de Estudos e
Ação Social (São Paulo), a Escola de Serviço Social, da Associação de
Educação Familiar e Social (Rio de Janeiro) assinam os presentes
estatutos.

Observação - Alteração de estatutos:

Art. 15 - O presidente será eleito pelos membros do Conselho


Diretor, sendo permitida a recondução.

p. 206

Ao regulamentar o exercício da profissão de assistente social, o


governo reconhece a importância do Serviço Social na vida contemporânea.
Para humanizar o processo de desenvolvimento e industrialização,
que o Brasil realiza, o assistente social constitui o agente principal.
Reajustando os desajustados, protegendo a família, tendo os
olhos sempre voltados para o homem como centro da vida social, os
assistentes sociais realizam nos múltiplos setores de nossa organização
pública e particular o grande esforço construtor
Brasília, 15 de maio de 1962.

(a.) André Franco Montoro, Ministro do Trabalho e Previdência


Social.

ESTATUTOS DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ASSISTENTES SOCIAIS -


(A.B.A.S.)

CAPÍTULO I

De sua constituição e finalidades

Art. 1º - A Associação Brasileira de Assistentes Sociais,


abreviadamente A.B.A.S., é constituída como sociedade civil, com
personalidade jurídica, sem fins lucrativos, de duração indeterminada,
de âmbito nacional.
§ 1º - A sede e o foro da Associação Brasileira de Assistentes
Sociais será na cidade do Rio de Janeiro, Estado da Guanabara, até sua
transferência para a Capital Federal.
§ 2º - A A.B.A.S. terá representação regional nas diversas
unidades da Federação, desde que o número de associados seja igual ou
superior a 20 (vinte) e sejam preenchidas as condições estabelecidas no
R.I. da A.B.A.S. nacional.
Art. 2º - A A.B.A.S. tem por finalidade a atualização das
técnicas de Serviço Social e o aperfeiçoamento cultural do assistente
social.
§ 1 - A A.B.A.S. nacional terá funções normativas, de
planejamento e de coordenação, conforme normas estabelecidas no
Regimento Interno.

p. 207

§ 2º - A execução das atividades será feita pelas seções


regionais conforme normas estabelecidas no Regimento Interno.
Art. 3° - Para a consecução de suas finalidades a A.B.A.S.
nacional se propõe a:

a) atender as solicitações de associados e instituições quanto


ao estudo, orientação, planejamento e avaliação de matéria relacionada
ao Serviço Social;
b) promover conferências, cursos, seminários, congressos e
outras reuniões técnicas para o aperfeiçoamento cultural dos assistentes
sociais;
c) articular-se com entidades públicas ou privadas, nacionais ou
internacionais, para troca de informações técnicas e obtenção de bolsas
de estudo de fins culturais;
d) manter ou colaborar na publicação de boletins e revistas
sobre assuntos de interesse cultural;
e) colaborar, através dos diferentes meios de comunicação, na
divulgação de matéria referente ao Serviço Social.

CAPÍTULO II

Do associado

Art. 4º - A todo assistente social, diplomado por escolas de


Serviço Social e inscrito nos seus respectivos C.R.A.S., assiste o
direito de ser admitido no quadro de associados da A.B.A.S. Art. 5° -
Dividem-se os associados em

a) Sócio-Fundador - aquele que participou da Assembléia Geral de


fundação da A.B.A.S, ou que nela se tenha feito representar.
b) Sócio-Efetivo - aquele que preencha os requisitos do art. 3º
deste estatuto e dos R.I. Regionais de sua respectiva seção;
c) Sócio-Benemérito - aquele que tiver prestado relevantes
serviços à A.B.A.S.;
d) Sócio-Honorário - aquele que tenha tido destacada atuação no
campo social.

p. 208

Parágrafo único - A consecução dos títulos, acima citados, das


letras "c" e "d" será sempre outorgada em assembléia geral especialmente
convocada para este fim e com a aprovação de 2/3 (dois terços) do quadro
social.

Seção I

Dos direitos e deveres do associado

Art. 6° - São direitos do associado:


a) votar a ser votado;
b) gozar de todas as prerrogativas deste estatuto.

Parágrafo único - Somente os fundadores e efetivos terão gozo


dos direitos da letra "a" do art. 5º acima disposto.

Art. 7º - São deveres do associado:

a) satisfazer as exigências éticas e técnicas da profissão;


b) comparecer às Assembléias e outras reuniões convocadas pela
A.B.A.S., acatando suas decisões;
c) participar de cargos eletivos e de comissões da A.B.A.S.
quando convidado;
d) pagar as taxas e mensalidades estabelecidas pela A.B.A.S. e
suas seções regionais.

SEÇÃO II
Das penalidades

Art. 8° - São previstas as seguintes penalidades, que poderão


ser aplicadas aos associados da A.B.A.S.:

a) advertência;
b) suspensão;
c) eliminação.

Parágrafo único - Cabe às diretorias das seções regionais da


A.B.A.S. a aplicação das sanções acima enunciadas, podendo o associado
incurso apelar a assembléia geral das seções regionais e em última
instância da A.B.A.S. Nacional.

p. 209

Art. 9º - Está sujeito a advertência o associado que:


a) não comparecer a três assembléias gerais consecutivas ou a
cinco alternadas, sem causa justificada;
b) recusar sistematicamente a colaborar com a associação.

Art.10 - Está sujeito a suspensão o associado que:


a) desacatar a assembléia geral e a diretoria;
b) assumir atitudes desabonadoras em prejuízo do conceito das
A.B.A.S.
c) for atingido por sanções similares do seu respectivo C.R.A.S.

Art. 11 - Está sujeito a eliminação o associado que:


a) por uma conduta profissional ou por atos cometidos contra o
patrimônio moral e material da associação se constitua um elemento
nocivo a entidade;
b) sem justa causa se atrase por mais de um semestre no
pagamento de suas contribuições;
c) sofrer mais de duas suspensães;
d) for atingido por sanção similar de seu respectivo C.R.A.S.

Capítulo III

Da administração

Art. 12 - São órgãos da admionistração nacional e regionais da


A.B.A.S. os seguintes:

A) Assembléia Geral;
b) Diretoria;
c) Conselho Fiscal.

Seção I

Das Assembléias
Art. 13 - A assembléia geral da A.B.A.S. nacional será
constituída pelos delegados das seções regionais.

p. 210

§ 1º - A Assembléia Geral Ordinária da A.B.A.S. Nacional será


convocada pelo Presidente Nacional, bienalmente, para fins de apreciação
do relatório final, e eleição da nova Diretoria Nacional, e deverá
contar no mínimo com delegados de 2/3 das Seções Regionais.
§ 2º - As Assembléias Gerais Extraordinárias da A.B.A.S.
Nacional poderão ser convocadas a pedido da Diretoria Nacional ou de 2/3
das Seções Regionais.
Art. 14 - São membros das Seções Regionais todos os associados
no gozo de seus direitos.

Art. 15 - Para realização das Assembléias Gerais é necessária a


presença de 2/3 das Seções Regionais.

Parágrafo único - Feita a primeira convocação, se não comparecer


à hora prefixada o número suficiente de sócios, a Assembléia, que então
deliberará com qualquer número, considerar-se-á constituída e instalada
meia hora após.

SEÇÃO II

Da Diretoria

Art. 16 - É o órgão de direção da Associação em âmbito Nacional


e Regional eleito por dois anos, admitida uma reeleição sucessiva com as
atribuições contidas no R.I. e será constituída de 5 (cinco) membros
efetivos e 5 (cinco) suplentes, assim distribuído: Presidente, 1º Vice-
presidente, 2º Vice-presidente, Secretário Geral e Tesoureiro.

§ 1º - A Diretoria se reunirá pelo menos quinzenalmente e poderá


deliberar com a presença mínima de 3 (três) membros, sendo as
deliberações tomadas por maioria de votos, cabendo ao Presidente voto de
qualidade no caso de empate.

Art. 17 - A diretoria poderá criar tantos Departamentos ou


Comissões e nomear seus titulares quantos sejam necessários à vida e ao
desenvolvimento da Associação.

Art. 18 - A substituição de qualquer membro da Diretoria, em


seus impedimentos, obedecerá à ordem de sucessão prevista no R.I.,
far-se-á pelo suplente na ordem

p. 211

de votação obtida e, em caso de empate, pela antiguidade de registro na


A.B.A.S.

§ 2º - Havendo desistência, em caráter permanente, de 3 (três)


ou mais membros efetivos da Diretoria, convocar-se-á uma Assembléia
Geral para proceder a novas eleições, de acordo com as normas destes
Estatutos e dos Regimentos Internos Nacional

Seção III

Do Conselho Fiscal

Art. 19 - O Conselho Fiscal da A.B.A.S. Nacional e Regional será


composto de 3 (três) membros efetivos, e 3 (três) suplentes, eleitos
conforme os Artigos 22, 24, 25, e seu parágrafo único, e 26 destes
Estatutos.

Parágráfo único - O mandato dos membros do Conselho Fiscal será


igual ao da Diretoria.

Art. 20 - Ao Conselho Fiscal compete:

a) opinar sabre despesas extraordinárias, balancetes mensais e


anuais;
b) dar parecer acerca do balanço do exercício e
lançar no mesmo o visto.

Parágrafo único - O parecer do exercício financeiro deverá


constar da Ordem do Dia da Assembléia Geral Ordinária, a que alude a
Artigo 13, § 1º, destes Estatutos.

CAPÍTULO IV

Das eleições

Art. 21 - Bienalmente, em dia e hora marcados pela Diretoria,


reunir-se-á, na sede da Associação, a Assembléia Geral para fins de
eleger nova Diretoria e novo Conselho Fiscal.

Art. 22 - Os candidatos aos cargos do Conselho Fiscal e da


Diretoria deverão constituir chapa completa.

Art. 23 - O registro das chapas e o processamento das eleições


deverão obedecer à9 normas dos Regimentos Internos Nacional e das Seções
Regionais.

Art. 24 - Os membros da Diretoria e do Conselho Fiscal da


A.B.A:S. Nacional e das Seções Regionais serão

p. 212
eleitos por voto secreto; podendo haver votos por procuração.
§ 1º - A representação das Seções Regionais, cada representação
terá um voto.
§ 2º - Cada representação só terá direito a um voto.
Art. 25 - As Diretorias e os Conselhos Fiscais das Seções
Regionais serão eleitos por voto secreto e direto.
Art. 26 - Das eleições caberá recurso dos candidatos para a
Assembléia Geral da respectiva Seção Regional, que resolverá sobre a
procedência dos protestos recebidos e, em casos de irregularidades que
invalidem as eleições, serão elas anuladas e marcado novo pleito em dia
e hora previamente fixados pela Assembléia.
Art. 27 - Não havendo constatação que invalide o pleito, a
critério da Assembléia Geral Ordinária, esta reconhecerá as eleições e
dará posse aos eleitos.
CAPITULO V
Da perda do mandato
Art. 28 - Os membros da Diretoria e dos Conselhos Fiscais
perderão o seu mandato nos seguintes casos:
a) malversação ou dilapidação do patrimônio social;
b) grave violação destes Estatutos;
c) abandono do cargo.
§ 1º - A perda do mandato será declarada pela à Assembléia
Geral.

§ 2º - O titular de cargos eletivos, atingido por suspensão ou


perda de seu mandato, poderá solicitar recurso à Assembléia Geral.

§ 3º - Considera-se abandono de cargo a ausência não justificada


a 3 (três) reuniões sucessivas, ou a 5 (cinco) intercaladas.

CAPÍTULO VI

Do patrimônio

Art. 29 - O patrimônio da A.B.A.S. Nacional e Regional constará


de:

p. 213

a) contribuições diretas ou indiretas de associados;


b) doações e legados;
c) bens e valores adquiridos e das rendas pelos mesmos
produzidas;
d) rendas eventuais;

Art. 30 - A administração do patrimônio, constituído pela


totalidade dos bens que a A.B.A.S. possuir, compete ao Vice-Presidente,
conforme o disposto no Regimento Interno.

CAPITULO VII
Disposições gerais

Art. 31 - Os presentes Estatutos poderão ser reformulados por


deliberação da Assembléia Geral, com 2/3 das Representações Regionais.

Art. 32 - A A.B.A.S. Nacional poderá ser extinta, em qualquer


ocasião, se assim deliberar a maioria das Seções Regionais,
representadas na Assembléia Geral Extraordinária, especialmente
convocada para esse fim.
Parágrafo único - Em caso de dissolução da Associação, o
patrimônio social e fundos eventualmente existentes serão doados a
instituição congênere, indicada em Assembléia Geral Extraordinária.
Art. 33 - As Seções Regionais da A.B.A.S. poderão ser extintas
por deliberação da maioria de seus associados quites, em Assembléia
Geral Extraordinária, especialmente convocada para este fim.
Parágrafo único - As Seções Regionais quando extintas deverão
imediatamente notificar a A.B.A.S. Nacio- nal; o patrimônio da Seção
Regional reverterá à Nacional.
Art. 34 - Todos os cargos de eleição serão exercidos sem
remuneração alguma, podendo, entretanto, ser contratadas quaisquer
pessoas para trabalhos administrativos que lhes forem atribuídos.
Art. 35 - Os casos omissos nestes Estatutos serão resolvidos
pela Assembléia Geral Extraordinária.
Art. 36 - De todas as decisões dos órgãos superiores da
Associação, será lavrada, em livro próprio, a respectiva ata.

p. 214

Art. 37 - Os exercícios financeiros da Associação coincidirão


com o ano civil.

CAPÍTULO VIII

Disposições transitórias

Art. 38 - A Diretoria Nacional aprovará o R.I. dentro de noventa


dias, da data de aprovação destes estatutos.
Art. 39 - Os presentes Estatutos entrarão em vigor na data de
sua aprovação.

p. 215

ANEXO II

LEGISLAÇÃO

LEI Nº 1.889, DE 13 DE JUNHO DE 1953

Dispõe sobre os objetivos do ensino do Serviço Social, sua


estruturação e ainda as prerrogativas dos portadores de diplomas de
assistentes sociais e agentes sociais.
(D.O. 20-6-53)

O Congresso Nacional decreta e eu promulgo, nos termos do art.


70, § 4º, da Constituição Federal, a seguinte lei:
Art. 1º - O ensino do Serviço Social tem os seguintes objetivos

I - Prover a formação do pessoal técnico habilitado para


execução e direção de órgãos do Serviço Social e desenvolvimento de seus
ramos especiais.
Art. 2º - O ensino do Serviço Social é feito em nível superior
em três séries, no mínimo, de duração de um ano cada uma.
Art. 3º - Dentro da orientação metodológica compatível com o
nível superior do curso, a formação teórica e prática dos assistentes
sociais compreenderá o estudo das seguintes disciplinas no mínimo

I - Sociologia e Economia Social;


Direito e Legislação Social;
Higiene e Medicina Social;
Psicologia e Higiene Mental;
Ética Geral e Profissional;

p. 216

II - Introdução e fundamentos do Serviço Social;


Métodos do Serviço Social;
Serviço Social de Casos - de Grupo - Organização Social da
Comunidade;
Serviço Social em suas especializações; Família - Menores -
Trabalho - Médico.

III - Pesquisa Social.

Parágrafo único - As aulas de Serviço Social deverão atingir 1/4


no mínimo do total das aulas e as Escolas de Serviço Social deverão
organizar seus programas, atendendo a que no 1º ano haja predominância
da parte teórica, no 2º ano seja observado da parte prática.
Art. 4º - As escolas poderão manter ainda cursos de
pós-graduação, destinados a especialização e aperfeiçoamento de
assistentes sociais.
Parágrafo único - O certificado de curso de especialização
somente será expedido mediante apresentação de diploma ordinário,
registrado na forma da lei.
Art. 5º - O provimento de cadeiras nas Escolas de Serviço Social
será feito por meio de professores contratados, assegurada a regência
das cadeiras ou disciplinas de Serviço Social exclusivamente a
assistentes sociais que tenham diplomas registrados na diretoria do
Ensino Superior, ou, excepcionalmente, por profissional estrangeiro
especializado.
Parágrafo único - No provimento das cadeiras de Serviço Social
referidas neste artigo, fica ressalvado o direito daquele que as venha
lecionando pelo menos há 3 (três) anos.
Art. 6º - As Escolas de Serviço Social, em sua organização e
funcionamento, regem-se pelo disposto nos Decretos-Leis ns. 421, de 11
de maio de 1938, e 2.076, de 8 de março de 1940.
Art. 7º - São condições para matrícula inicial no curso de
Serviço Social:

I - prova de registro civil, que comprove a idade mínima de 18


anos;
II- prova de conclusão de curso secundário;

p. 217

III - atestado de idoneidade moral;


IV - atestado de sanidade física e mental.

Parágrafo único - A experiência constante do inciso II poderá


ser suprida por uma das seguintes provas:

a) diploma de curso superior, registrado na Diretoria do Ensino


Superior;

b) pelo disposto no art. 31, § 2º, do Decreto-Lei nº 1.190, de 4


de abril de 1939, conforme a redação que lhe deu o art. 1º do
Decreto-Lei nº 8.195, de 20 de novembro de 1945.

Art. 8º - Até três anos após a regulamentação desta lei, a


exigência constante do item II do art. 7º poderá ser suprida pela prova
de promoção à 2ª série do curso colegial.
Art. 9º - As escolas de Serviço Social já em funcionamento são
obrigadas a requerer seu reconhecimento dentro do prazo de 120 dias a
partir da regulamentação desta lei, sob pena de serem proibidas de
continuar funcionando.
Parágrafo único - Os atuais alunos das escolas a que se refere
este artigo poderão nelas prosseguir, se oportunamente atenderem às
condições então exigidas pelo regulamento da escola, verificadas, em
cada caso, pelo Conselho Nacional de Educação, na hipótese de vir o
Curso a ser reconhecido.
Art. 10 - Ao aluno que houver terminado o curso ordinário e sido
aprovado no trabalho final de sua exclusiva autoria será conferido o
diploma de assistente social.
Art. 11 - Os portadores de diplomas, expedidos por Escolas de
Serviço Social na data da publicação desta lei e que vierem a obter o
reconhecimento, deverão requerer seu registro dentro do prazo de 150
(cento e cinqüenta) dias, à Diretoria do Ensino Superior.
§ 1º - Este órgão processará o pedido, encaminhando-o ao
Conselho relacional de Educação, que decidirá, à vista do disposto no
parágrafo único do art. 9°.
§ 2º - Quando verificada a irregularidade sanável no histórico
escolar, pode o Conselho Nacional de Educação determinar a validade do
curso, especificando os exames.
Art. 12 - Aos assistentes sociais portadores de diplomas
expedidos por escolas oficiais ou oficializadas já extintas, são
assegurados os direitos e vantagens previstos nesta

p. 218

lei, desde que tenham defendido tese e contem mais de cinco (5) anos de
exercício de profissão.
Art. 13 - Poderão requerer registro de assistentes sociais os
diplomados por Escolas de Serviço Social estrangeiras, desde que tenham
seu diploma revalidado pela autoridade competente.
Art. 14 - Ficam resguardados os direitos dos atuais agentes
sociais com função de assistente social, mediante provas prestadas nas
Escolas de Serviço Social, das matérias constantes do currículo escolar
e não incluídas nos cursos que hajam freqüentado.
Parágrafo único - Aos agentes sociais, qualquer que seja sua
denominação, serão assegurados os direitos e vantagens previstos nesta
lei, desde que venham, em caráter de assistente social, exercendo a
profissão há mais de cinco anos.
Art. 15 - O Poder Executivo subvencionará as Escolas de Serviço
Social já existentes e as que forem fundadas, desde que sejam
reconhecidas pelo órgão competente.
Art. 16 - O Poder Executivo distribuirá bolsas de estudo aos
Estados que não possuam Escolas de Serviço Social, obrigando-se o
bolsista, mediante assinatura de termo de compromisso, a exercer a
profissão nos dois (2) anos após o término do curso,
Art. 17 - O Poder Executivo expedirá, dentro de 90 (noventa)
dias, a regulamentação básica desta lei.
Art. 18 - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação,
revogadas as disposições em contrário.

Senado Federal, 13 de junho de 1953.

(a.) João Café Filho

DECRETO Nº 35.311, DE 8 DE ABRIL DE 1954

Regulamenta a Lei nP 1.889, de 13 de junho de 1953

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere


o art. 87, item I, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art.
1º da Lei nº 1.889, de 13 de junho de 1953, decreta:

p. 219

Art. 1º - O ensino de Serviço Social só poderá ser ministrado


pelas Escolas de Serviço Social, constituídas nos termos deste
regulamento.
Parágrafo único - Os cursos ora existentes, que ministrem o
ensino de Serviço Social, devem individualizar-se em escolas, passando a
ter direção própria, e dispondo de órgãos administrativos previstos pela
legislação de ensino superior.
Art. 2º - O ensino de Serviço Social tem por finalidade:

I - prever a formação do pessoal técnico habilitado para


execução de Serviço Social;
II - aperfeiçoar e propagar os conhecimentos e técnicas
relativas ao Serviço Social;
III - contribuir para criar ambiente esclarecido que proporcione
a solução adequada dos problemas sociais.

Art. 3º - As Escolas de Serviço Social compreendem cursos


ordinários e extraordinários.
§ lº - O curso ordinário é o constituído por um conjunto de
disciplinas, cujo estudo seja necessário à obtenção do diploma de
assistente social.

§ 2º - Os cursos extraordinários são de três modalidades:

a) de aperfeiçoamento, que se destina a ampliar conhecimentos em


determinados domínios de quaquer disciplina do curso ordinário;
b) de especialização, destinado a aprofundar, em ensino
intensivo e sistematizado, os conhecimentos necessários a finalidades
profissionais ou científicas;
c) de extensão, destinado a levar os problemas de assistência
social ao conhecimento da comunidade.

Art. 4º - O curso ordinário de Serviço Social, cuja durasão


mínima é de três anos, compreende, além do ensino teórico e prático,
estágios supervisionados e realização do trabalho final de exclusiva
autoria do aluno.

p. 220

Art. 5º - O curso ordinário de Serviço Social compreenderá as


seguintes matérias:
I - 1ª Série
a) Sociologia
b) Ética Geral
c) Psicologia
d) Estatística
e) Noções de Direito
f) Higiene e Medicina Social
g) Introdução ao Serviço Social
h) Serviço Social de Casos
i) Serviço Social de Grupos
II - 2ª Série
a) Economia Social
b) Legislação Social
c) Ética Profissional
e) Pesquisa Social
f) Atividade de Grupo
g) Organização Social da Comunidade

III - 3ª Série
a) Administração de Obras Sociais
b) Organização Social da Comunidade
c) Pesquisa Social
§ 1º - As aulas de Serviço Social atingirão sempre um quarto no
mínimo total das aulas, devendo os programas ser organizados de forma
que na 1ª série haja preponderância da parte teórica; na segunda série,
equilíbrio entre a parte teórica e a prática; e na terceira série
preponderância da parte prática.
§ 2º - Além das disciplinas obrigatórias, o aluno da 2ª série
deverá optar por um conjunto de disciplinas que integrem um dos
seguintes setores:
I - Família
a) Serviço Social de Família;
b) Puericultura;
c) Economia Doméstica,

p. 221

II - Menores
a) Serviço Social de Menores;
b) Direito do menor;
c) Aspectos psicológicos da conduta do menor.

III - Médico Social


a) Serviço Social Médico;
b) Aspectos médico-sociais das moléstias;
c) Nutrição.

IV - Trabalho
a) Serviço Social do Trabalho e técnicas auxiliares;
b) Higiene e Segurança do Trabalho.
§ 3º - Ao currículo poderão ser acrescentadas novas disciplinas
mediante proposta do Conselho Técnico administrativo da Escola e
aprovação do Conselho Nacional de Educação.
§ 4° - O ensino das disciplinas poderá ser feito em período
semestral a juízo do Conselho Técnico Administrativo da escola.
§ 5° - Cada escola deverá manter, pelo menos, dois Setores da
Especialização referidos no § 2º deste artigo, sendo-lhe facultado criar
outros que correspondam às necessidades regionais, depois de aprovados
pelo Conselho Nacional de Educação.
Art. 6º - As disciplinas ensinadas no curso ordinário constituem
matérias das seguintes cadeiras:
I - Psicologia;
II - Sociologia;
III - Ética;
IV - Introdução ao Serviço Social;
V - Serviço Social de Casos;
VI - Serviço Social de Grupo;
VII - Organização Social da Comunidade.
§ 1º - A Congregação de cada escola, poderá propor a criação de
outras cadeiras, as quais constarão de seu regime depois de aprovada
pelo Conselho Nacional de Educação.
§ 2º - São privativas dos assistentes sociais as cadeiras III,
IV, V, VI e VII e as que vierem a ser criadas

p. 222

de acordo com o parágrafo anterior e assim forem declaradas pelo


Conselho Nacional de Educação.
Art. 7° - É obrigatória a organização de Currículos de Estudos
ou de trabalhos de semináros, orientados pelos monitores, com programa
aprovado pelo Conselho Técnico-Administrativo da escola.
Art. 8° - A prática ao curso de Serviço Social compreenderá:
a) conhecimento dos recursos da comunidade, através de visitas,
pesquisas e outros meios adequados;
b) estágios supervisionados na programação, dependendo de
aprovação do Conselho Técnico-Administrativo.
Art. 9° - Excetuando o curso ordinário, sujeitos aos períodos
letivos fixados na legislação federal, os demais têm organização,
duração e funcionamento regulados pelo Conselho Técnico-Administrativo
de cada escola.
Art. 10 - São órgãos da administração das escolas:

I - Diretoria
II - Conselho Técnico-Administrativo
III - Congregação.

§ 1º - A constituição, a competência e o funcionamento destes


órgãos obedecem ao prescrito na legislação geral sobre o ensino
superior.
§ 2º - Só os assistentes sociais poderão ocupar o cargo de
diretor da escola.
§ 3º - Os monitores e supervisores serão representados no
Conselho Técnico-Administrativo e na Congregação, na forma estabelecida
no regimento da respectiva escola.
Art. 11 - Cada cadeira ficará a cargo de um professor
catedrático auxiliado por assistentes.
§ 1º - Enquanto não se realizar concurso de provas e títulos
para o provimento efetivo da cátedra, os professores serão contratados
na forma da Lei nº 1.889, art. 5º, de 13 de junho de 1953.
§ 2º - Quando o exigir o interesse do ensino, será facultado o
contrato de profissional estrangeiro especializado para a regência da
cátedra. todas as disciplinas, nos

p. 223

Art.12 - Além dos professores mencionados no artigo anterior,


haverá monitores e surpevisores, cujas funções serão fixadas no
regimento de cada escola.
Parágrafo único - Os monitores e supervisores sempre serão
assistentes sociais, com diploma registrado na forma da lei:

Art. 13 - Os alunos podem ser de duas categorias:


a) Regulares;
b) Ouvintes.

Art. 14 - O candidato à matrícula como aluno regular deve


submeter-se a concurso de habilitação, na forma da legislação do ensino
superior.
Art. 15 - Para inscrição no concurso de habilitação, deve o
candidato apresentar requerimento, juntando, em original, os seguintes
documentos:
a) prova de conclusão de curso secundário;
b) carteira de identidade;
c) atestado de idoneidade moral;
d) atestado de sanidade física e moral;
e) certidão de nascimento passada por oficial de registro civil
que comprove a idade mínima de 18 anos;
f) prova de estar em dia com as obrigações do serviço militar,
quando for o caso.

§ 1º - A exigência da letra a deste artigo pode ser suprimida


pela apresentação do diploma de curso superior, registrado na Diretoria
do Ensino Superior.
§ 2º - Até três anos após o presente regulamento, a exigência
constante da letra a deste artigo poderá ser suprida pela prova de
promoção à 2º série do Curso colegial.
Art. 16 - As condições de aprovação, promoção, transferência do
aluno são idênticas às previstas pela legislação do ensino superior,
podendo, no entanto, o Conselho Técnico-Administrativo da escola fazer
outras exigências que devem ser fixadas em seu regimento, dele
constando, necessariamente, a obrigação de freqüência aos estágios e a
realização de todos os trabalhos práticos.
Art. 17 - O aluno que houver sido aprovado em todas as
disciplinas, nos estágios e em trabalho final de

p. 224

curso, de sua exclusiva autoria, terá direito ao diploma de assistente


social.
§ 1º - A terminação de qualquer outro curso dará o direito a um
certificado correspondente.
§ 2º - A matrícula em curso de especialização ou de
aperfeiçoamento somente será permitida mediante apresentação de diploma
de assistente social registrado na forma da lei.
Art. 18 - As Escolas de Serviço Social deverão requerer, dentro
do prazo de 120 dias, a partir da publicação deste decreto, o respectivo
reconhecimento, nos termos do Decreto-Lei n° 421, de 11 de maio de 1938,
com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.076, de 8 de maio de 1940,
juntando a documentação exigida.
Parágrafo único - As escolas que não requererem dentro deste
prazo, serão proibidas de funcionar, assim como aquelas às quais o
reconhecimento for negado.
Art. 19 - Os atuais alunos das Escolas de Serviço Social que
vierem a ser reconhecidas poderão prosseguir no curso se, oportunamente,
atenderem às condições exigidas pelo regulamento ou regimento da escola,
verificadas em cada caso, pelo Conselho Nacional de Educação.
Art. 20 - Os alunos das escolas que venham a ser proibidas de
funcionar poderão transferir-se para outra desde que se adaptem às
exigências do regimento desta e mediante parecer do Conselho- Nacional
de Educação.
Art. 21 - Os portadores de diplomas já expedidos por Escolas de
Serviço Social que vier a obter o reconhecimento deverão requerer seu
registro dentro do prazo de 150 dias, após o ato de reconhecimento, à
Diretoria do Ensino Superior.
Art. 22 - Os portadores de diplomas de escolas que venham a ser
proibidas de funcionar ficam sujeitos à validação de seus cursos.
Parágrafo único - A validação deverá ser requerida; dentro dè
150 dias, após a publicação do ato de proibição de funcionamento, à
Diretoria do Ensino Superior, que instruirá a maneira de processar os
exames e indicará a escola em que devem processar-se, ouvido o Conselho
Nacional de Educação.
Art. 23 - Os portadores de diplomas de escolas extintas,
oficiais e oficializadas, que não forem reconhecidas,

p. 225

poderão valer-se do direito conferido pelo artigo anterior, desde que o


requeiram dentro de 180 dias, a partir da data deste decreto, e que
provem, com documentos oficiais, haverem defendido tese e contarem mais
de cinco anos de efetivo exercício.
Art. 24 - Os assistentes sociais diplomados por Escolas de
Serviço Social estrangeiras poderão revalidar seus títulos na forma da
legislação geral segundo instruções da Diretoria do Ensino Superior.
Art. 25 - Aos atuais agentes sociais, qualquer que seja sua
denominação, com funções nos vários órgãos públicos, é facultado
adaptar-se ao curso de assistentes sociais mediante requerimento a
qualquer escola reconhecida, por processo aprovado pelo Conselho
Técnico-Administrativo, ad referendium da diretoria de ensino superior.
Parágrafo único - Ficam ressalvados os direitos dos agentes
sociais que, até a data da promulgação da Lei n9 1.889, de 13 de junho
de 1953, vinham exercendo, em caráter de assistentes sociais, a
profissão há mais de cinco anos.
Art. 26 - O Poder Executivo promoverá sejam subvencionadas as
Escolas de Serviço Social reconhecidas, de acordo com a proposta da
Diretoria do Ensino Superior.
Art. 27 - O Poder Executivo poderá conceder bolsas. de estudo
aos Estados que não possuem Escolas de Serviço Social, nos termos do
convênio que vier a ser firmado com a Diretoria do Ensino Superior.
Parágrafo único - Será obrigatória, no citado convênio, cláusula
relativa ao compromisso, por parte do beneficiado, de exercer a
profissão, no Estado de origem, no mínimo durante os dois primeiros anos
que se seguirem a, conclusão do curso.
Art. 28 - Os casos omissos ou duvidosos serão propostos à
Diretoria do Ensino Superior, que decidirá, ouvido o Conselho Nacional
de Educação.
Art. 29 - Este decreto entrará em vigor na data de sua
publicação, revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, em 2 de abril de 1954; 133º da Independência e


66º da República.

(a) GETÚLIO VARGAS


Antônio Balbino

p. 226

PARECER N9 342, DE 13 DE MARÇO DE 1970

Do Conselho Federal de Educação, fixando o currículo mínimo e


estabelecendo a duração dos Cursos de Serviço Social

O Conselho Federal de Educação, usando das atribuições que lhe


conferem os arts. 9º, letra c, e 70 da Lei nQ 4.024, de 20 de dezembro
de 1961 e nos termos do Parecer número 342 que a esta fica incorporado.

Resolve

Art. 1º - O currículo mínimo do Curso de Serviço Social é


constituído das seguintes matérias:

a) no ciclo básico:

Sociologia
Psicologia
Economia
Direito e Legislação Social
Teoria do Serviço Social

b) no ciclo profissional:
Política Social
Métodos do Serviço Social (Caso-Grupo-Comunidade)
(Ética Profissional)

Art. 2º - No ciclo básico, procurar-se-ão desenvolver sobretudo


métodos de análise aplicada à realidade em cada-um dos campos por ele
abrangidos.
Art. 3º - A Sociologia terá por principal objetivo fixar uma
visão da totalidade social com as várias estruturas que a integram, e as
conexões que lhes asseguram coerência e os mecanismos de mudança,
destacando-se os métodos de análise prospectiva.
Art. 4º - A Psicologia, além de fornecer métodos e princípios
teóricos fundamentais, esclarecerá a estrutura da personalidade e seu
comportamento e as suas múltiplas formas de relacionamento.
Art. 5º - A Economia fornecerá conceitos básicos, aplicados ao
conhecimento das estruturas econômicas, especialmente do Brasil.

p. 227

Art. 6° - No Direito deverão ser ministradas noções gerais de


Direito Público e de Direito Privado, de Direito Penal e de Direito do
Trabalho.

Art. 7º - A Teoria do Serviço Social cabe dupla função: a de


recolher das diversas ciências sociais do ciclo básico uma visão
integrada com vistas à ação social e a de ligar a ordem teórica à ordem
prática.

Art. 8º - A Política Social e os Métodos do Serviço Social


representam termos correlatos, na medida em que a primeira dessas
matérias determina os conteúdos específicos pelos quais os métodos são
determinados, e a segunda, os métodos adequados a desdobra a política
social, anteriormente discriminadas no currículo mínimo corro matérias
autônomas, fluem agora da Política Social, seja porque esta disciplina
está em condições de abrangê-las, seja porque, no caso de se
individualizarem essas subespecializações, compete ainda à Política
Social enfeixá-las numa perspectiva integradora.

Art. 9º - Faz parte igualmente do currículo mínimo um estágio


prático de seis meses, incluídos na duração prevista no item
subseqüente.

Art. 10 - O Curso terá a duração mínima de 2.400 horas-aulas,


correspondendo a quatro anos de duração.

SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO

LEI Nº 3.252, DE 27 DE AGOSTO DE 1957

Regulamenta o exercício da profissão de assistente social


O Presidente da República

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a


seguinte lei:

Art. 1º - É livre em todo território nacional o exercício da


profissão de assistente social, observando-se as disposições da presente
lei.

Art. 2º - Poderão exercer a profissão de assistente social:

a) os possuidores de diploma expedido no Brasil por Escolas de


Serviço Social, oficiais ou reconhecidas

p. 228

pelo Governo Federal, nos termos da Lei nº 1.889, de 13 de junho de


1953;
b) os diplomados por escolas estrangeiras reconhecidas pelas
leis do país de origem, cujos diplomas tenham sido revalidados de
conformidade com a legislação em vigor;
c) os agentes sociais qualquer que seja sua denominação, com
funções nos vários órgãos públicos, segundo o disposto no art. 14 e seu
parágrafo da Lei nº 1.889, de 13 de junho de 1953.

Parágrafo único - Vetado.

Art. 3º - São atribuições dos assistentes sociais:

a) direção de Escolas de Serviço Social;


b) ensino das cadeiras ou disciplinas de Serviço Social;
c) direção e execução de Serviço Social em estabelecimentos
públicos e particulares;
d) aplicação dos métodos e técnicas especificas do Serviço
Social na solução de problemas sociais.

Art. 4º - Só assistentes sociais poderão ser admitidos para


chefia e execução do Serviço Social em estabelecimentos públicos,
paraestatais, autarquicos e de economia mista.
Parágrafo único - Em caráter precário, até 31 de dezembro de
1960, poderão ser admitidos para o Serviço Social, nos vários órgãos
públicos, paraestatais, autárquicos e de economia mista, candidatos não
diplomados, desde que estejam cursando o 3° ano de escola de Serviço
Social. Após está data, o preenchimento das vagas se fará mediante
concurso, de conformidade com o disposto neste artigo.
Art. 5° - Nas escolas oficiais de Serviço Social que se criarem,
apenas assistentes sociais poderão assumir os cargos docentes, de
direção, secretaria e supervisão, excetuando-se, no caso do ensino, as
cadeiras ou disciplinas que, pelo seu programa, possam ou devam ser
ensinadas por outros profissionais.
Art. 6° - O disposto nos artigos anteriores se praticará sem
prejuízo da observância das normas relativas ao provimento das cátedras
de ensino e da legislação geral sobre os funcionários públicos civis da
União.

p. 229
Art. 7° - Vetado.
Art. 8º - Dentro do prazo de 90 (noventa) dias, a partir da data
da publicação da presente lei, o Poder Executivo baixará a sua
regulamentação.
Art. 9º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação,
revogadas as disposições em contrário

Rio de Janeiro, 27 de agosto de 1957, 136º da Independência e


69º da República.

JUSCELINO KUBITSCHEK
Nereu Ramos Antônio Alves Câmara
Henrique Lott José
Carlos de Macedo Soares João de Oliveira Castro V. Jº
Lucio Meira Mario
Meneghetti Parsifal Barroso Francisco de Mello
Maurício de Medeiros

DECRETO Nº 994, DE 15 DE MAIO DE 1962

Regulamenta a Lei nº 3.252, de 27 de agosto de 1957, que dispõe


sobre o exercício da profissão de assistente social

O Presidente do Conselho de Ministros, usando das atribuições


que lhe confere o art. 18, item III, do Ato Adicional à Constituição
Federal, e tendo em vista o disposto no art. 8º da Lei nQ 3.252, de 27
de agosto de 1957, decreta:
Art. 1º - Fica aprovado o Regulamento da Lei nº 3.252, de 27 de
agosto de 1957, que dispõe sobre o exercício da profissão de assistente
social e que a este acompanha, assinado pelo Ministro do Trabalho e
Previdência Social.
Art. 2º - O presente decreto entra em vigor na data de sua
publicação, revogadas as disposições em contrário"

Brasília, Distrito Federal, em 15 de maio de 1962; 141º da


Independência e 74º da República.
(a.) TANCREDO NEVES
André Franco Monturo

p. 230
REGULAMENTO DA LEI Nº 3.252, DE 27-8-1957

Art. 1º - O Serviço Social constitui o objeto da profissão


liberal de assistente social, de natureza técnico-científica.
Parágrafo único - A designação profissional de assistente social
é privativa dos habilitados na forma da legislação vigente.
Art. 2º - São atividades profissionais do assistente social
aquelas cujo exercício determina a aplicação dos processos específicos
de Serviço Social.
Art. 3º - O exercício da profissão de assistente social é livre
em todo o território nacional, observadas as exigências previstas na
legislação em vigor e no presente regulamento.
Art. 4º - Somente poderão exercer a profissão de assistente
social:

I - Os possuidores de diploma de assistente social expedido no


Brasil por Escolas. de Serviço Social oficiais ou reconhecidas pelo
Governo Federal, nos termos da Lei nº 1.889, de 13 de junho de 1953;
II - Os diplomados em Serviço Social, por escolas estrangeiras,
reconhecidas pelas leis do país de origem, cujos diplomas tenham sido
revalidados de conformidade com a legislação em vigor.
III - Os agentes sociais, qualquer que seja sua denominação, que
tiverem seus direitos resguardados, segundo o disposto no art. 14 e seu
parágrafo único, da Lei nº 1.889, de 13 de junho de 1953.
§ 19 - Aos assistentes sociais, para que possam exercer a
profissão, é obrigatório o registro do diploma no órgão competente,
assim como a inscrição no respectivo Conselho Regional de Assistentes
Sociais, previsto no art. 6º deste regulamento.
§ 2º - Aos agentes sociais, referidos no item III deste artigo,
para que possam exercer a profissão de assistente social, é obrigatória
a inscrição no respectivo Conselho Regional de Assistentes Sociais, de
acordo com as instruções que forem expedidas po Conselho Federal de
Assistentes Sociais.
Art. 5º - São prerrogativas do assistente social:
I - Dirigir escolas de Serviço Social;

p. 231

II - Ensinar as cadeiras ou disciplinas de Serviço Social e


supervisionar profissionais e alunos em trabalhos técnicos e práticos de
Serviço Social;
III - Planejar e dirigir o Serviço Social, bem como executá-lo
em órgãos e estabelecimentos públicos, autárquicos, paraestatais, de
economia mista e particulares;
IV - Assessorar tecnicamente assuntos de Serviço Social nos
órgãos e estabelecimentos públicos, autárquicos, paraestatais, de
economia mista e particulares;
V - Realizar perícias, judiciais ou não, e elaborar pareceres
sobre matéria de Serviço Social.
Parágrafo único - Além do disposto no artigo, constituem
atribuições do assistente social:

a) integrar comissão examinadora de concursos e provas em


cadeiras ou disciplinas específicas de Serviço Social, assim como
representar congregação ou corpo de professores em conselho
universitário;
b) participar de comissões, congressos, seminários e outras
reuniões específicas de Serviço Social, como representantes dos poderes
públicos, de classe, de órgãos e estabelecimentos de Serviço Social
públicos, autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares.

Art. 6º - A disciplina e fiscalização do exercício da profissão


de assistente social caberão ao Conselho Federal de Assistentes Sociais
(C.F.A.S.) e aos Conselhos Regionais de Assistentes Sociais (C.R.A.S.),
citados por este regulamento.
Art. 7º - Para o efeito da constituição e da jurisdição dos
C.R.A.S. fica o território nacional dividido nas seguintes regiões:
1º Região: Amazonas, Pará e Territórios do Acre, Rio Branco,
Rondônia e Amapá, com sede em Belém;
2º Região: Maranhão e Piauí, com sede em São Luís;
3º Região: Ceará e Rio Grande do Norte, com sede em Fortaleza;
4º Região: Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Território de Fernando
de Noronha, com sede em Recife;
5º, Região: Bahia e Sergipe, com sede em Salvador;
6º Região: Espírito Santo e Minas Gerais, com sede em Belo
Horizonte;

p. 232

7ª Região: Estado da Guanabara e Estado do Rio de Janeiro, com


sede no Rio de Janeiro;
8ª Região: Distrito Federal, Goiás e Mato Grosso, com sede em
Brasília;
9ª Região: São Paulo, com sede na Capital;
10ª Região: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com sede
em Porto Alegre.

Parágrafo único - Qualquer dos Estados poderá constituir-se em


região autônoma desde que atinja o número de 500 profissionais que
exerçam a profissão na áreespectiva.
Art. 8º - O Conselho Federal de Assistentes Sociais será
constituído de nove membros efetivos e nove suplentes: presidente,
vice-presidente, dois secretários, dois tesoureiros três membros do
Conselho Fiscal, todos assistentes sociais, habilitados de acordo com o
item I do art. 4º deste regulamento, devidamente inscritos no C.R.A.S.
§ 1º - A eleição dos membros do C.F.A.S. far-se-á,
indiretamente, por delegados-eleitos credenciados pelos C.R.A.S., na
proporção de um delegado para cada grupo de 50 assistentes sociais, ou
fração, registrados na região, devendo recair, preferencialmente, a
escolha daqueles membros em profissionais residentes na sede do Conselho
Federal.
§ 2º - O presidente do Conselho será escolhido dentre seus
membros.
§ 3º - Ao presidente caberá a administração e a representação
legal do Conselho.
§ 4º - A substituição de qualquer membro em seus impedimentos
far-se-á pelo suplente na ordem da votação obtida e, em caso de empate,
pela antigüidade do registro do diploma.
§ 5º - O mandato dos membros do C.F.A.S. será de 3 (três) anos.
Art. 9º - O C.F.A.S., com sede no Distrito Federal, terá as
seguintes atribuições:
I - Orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão
de assistente social;
II - Conhecer das dúvidas suscitadas pelos C.R.A.S. e
dirimi-las;

p. 233

III - Examinar e aprovar os regimentos internos dos C.R.A.S.,


assegurando sua uniformidade na medida em que desta depender a
necessária unidade de ação;
IV - Elaborar e aprovar o Código de Ética Profissional dos
assistentes sociais;
V - Funcionar como tribunal superior de Ética Profissional;
VI - Julgar, em última instância, os recursos contra as sanções
impostas pelos C.R.A.S.;
VII - Estabelecer o sistema de registro dos profissionais
habilitados de acordo com o art. 2º da Lei nº 3.252, de 27 de agosto de
1957;
VIII - Servir de órgão técnico consultivo do governo, em matéria
de Serviço Social;
IX - Organizar o seu regimento interno dentro de 120 dias, após
a sua instalação.
Art. 10 - O C.F.A.S. será mantido:
I - Por 20% das contribuições, taxa de emolumentos arrecadados
pelos C.R.A.S.;
II - Por subvenções do governo;
III - Por doações e legados;
IV - Por outras rendas.
Art. 11 - Os C.R.A.S. serão constituídos de nove membros e nove
suplentes: presidente, vice-presidente, dois secretários, dois
tesoureiros, três membros do Conselho Fiscal, todos assistentes sociais
habilitados de acordo com o item I do art. 4º deste regulamento,
devidamente inscritos nos C.R.A.S., procedendo-se a escolha por eleição
direta.
§ 1º - A escolha dos membros de cada C.R.A.S. será feita por
eleição direta dos assistentes sociais inscritos na região e em pleno
gozo de seus direitos.
§ 2º - Aplica-se ao C.R.A.S. o disposto nos parágrafos 2º, 3º e
4º do art. 8º do presente regulamento.
Art. 12 - São atribuições dos Conselhos Regionais de Assistentes
Sociais:
I - Organizar e manter o registro profissional dos assistentes
sociais;
II - Expedir os títulos dos agentes sociais, referidos no item
III do art. 4º deste regulamento, observado o parágrafo 2º do mesmo
artigo;

p. 234

III - Fixar as anuidades que devem ser pagas pelos assistentes


sociais;
IV - Expedir Carteiras Profissionais de Assistentes Sociais,
fixando a respectiva taxa;
V - Fiscalizar e disciplinar o exercício da profissão de
assistente social na respectiva região;
VI - Zelar pela observância do Código de Ética Profissional-
aprovado pelo C.F.A.S., funcionando como tribunais regionais de Ética
Profissional, segundo normas expedidas por aquele Conselho;
VII - Impor as sanções prescritas no Código de Ética
Profissional;
VIII - Elaborar o respectivo regimento interno e submetê-lo à
aprovação do C.F.A.S. dentro de 120 dias da data de sua instalação.

Art. 13 - Os C.R.A.S. serão mantidos:

I - Pela receita das unidades pagas pelos assistentes sociais;


II - Pelas taxas de registro de profissionais;
II - Pela receita da expedição de carteiras profisssionais;
IV - Por subvenções governamentais;
V - Por doações e legados;
VI - Por outras rendas.

Art. 14 - As carteiras profissionais emitidas pelos C.R.A.S.


conterão:

I - Nome por extenso do profissional:


II - Filiação;
III - Nacionalidade e naturalidade;
IV - Data do nascimento;
V - Estado civil;
VI - Nome da Escola de Serviço Social em que se diplomou;
VII - Data da expedição do diploma ou do título previsto no art.
4º, itens II e III, deste regulamento;
VIII - Número do registro do diploma no órgão competente;
IX - Número de registro no C.R.a.S. respectivo;
X - Fotografia de frente autenticada;
XI - Impressão dactiloscópica;

p. 235

XII - Assinatura do presidente do C.R.A.S. e do portador.


Parágrafo 1º - A expedição de Carteira Profissional está sujeita
ao pagamento de taxa a ser arbitrada pelo C.R.A.S. de acordo com o art.
12, item IV, do presente regulamento.
Parágrafo 2º - A carteira profissional servirá de prova para o
exercício da profissão, de carteira de identidade e terá fé pública.
Art. 15 - Os infratores do presente regulamento, estão sujeitos
às sanções estabelecidas pelos Regimentos dos Conselhos Regionais, além
das penalidades previstas em lei.
Art. 16 - Os estudantes do curso de Serviço Social terão
preferência para a prestação de tarefas auxiliares do Serviço Social sob
a supervisão direta de assistente social devidamente habilitado.

Disposições Gerais e Transitórias

Art. 17 - Nenhum órgão ou estabelecimento público, autárquico,


paraestatal, de economia mista ou particular poderá ter a denominação de
"Serviço Social", se, na execução de seu trabalho, não observar os
princípios do Serviço Social e não empregar assistentes sociais no
desempenho do mesmo.
Art. 18 - Aos admitidos para o Serviço Social a título precário,
segundo o disposto no parágrafo único do art. 4° da Lei nº 3.252, de 27
de agosto de 1957, bem como aos titulares de outros cargos que tenham
exercido antes de 12 de julho de 1960, pelo nos dois últimos anos,
atribuições de competência específica de assistentes sociais, nos
diversos órgãos públicos, federais, parestatais, autárquicos e de
economia mista, é assegurado o enquadramento direto como assistente
social, a partir daquela data, nos respectivos Quadros de Pessoal,
mediante a prova daquela condição e apresentação de diploma devidamente
registrado, nos termos da Lei número 1.889, de 13 de junho de 1953.
Art. 19 - Enquanto não for aprovado o Código de Ética
Profissional a que se refere o art. 9º, item IV, deste regulamento, será
aplicado o Código de Ética Profissional

p. 236

aprovado em convenção nacional da A.B.A.S., publicado na Revista do


Serviço Social nº 48, ano VII - editada em São Paulo.
Art. 20 - A primeira Diretoria do C.F.A.S. será constituída de
nove membros e nove suplentes, todos assistentes sociais, habilitados de
acordo com o item I do, art. 4º deste regulamento, eleitos por
representantes credenciados pelas associações e funcionamento há mais de
dois anos, ininterruptamente, de conformidade com as instruções que
forem expedidas pelo Ministro do Trabalho e Previdência Social, dentro
de 30 dias contados da vigência deste regulamento.
Art. 21 - Competirá à primeira diretoria do C.F.A.S. tomar as
providências necessárias, dentro do pravo de 180 dias, para as eleições
das diretorias dos C.R.A.S.
Art. 22 - Enquanto não for efetivada a transferência da maioria
dos órgãos da Administração Pública para o Distrito Federal, o C.F.A.S.
poderá ter a sua sede no Estado da Guanabara.
ANDRÉ FRANCO MONTORO - Ministro do Trabalho e Previdência Social.

p. 237

BIBLIOGRAFIA

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VIVES, Juan L. De L'Assistence aux Pauvres, Ed. Valem & Fils,
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ESTE LIVRO FOI IMPRESSO PELA (MAGO EDITORA IMP. E EXP. LTDA., À RUA
BERNARDO FIGUEIREDO, 46, RIO DE JANEIRO, RJ, PARA AGIR S.A., NO
TERCEIRO
TRIMESTRE DE 1985

EXEMPLAR

***

HISTÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL

DA MESMA AUTORA
em edição AGIR

Supervisão em Serviço Social


Modelos de Supervisão em Serviço Social
História do Serviço Social: Contribuição para
a Construção de sua Teoria

Metodologia do Serviço Social: Contribuição


para sua Elaboração
Serviço Social: Processos e Técnicas
Serviço Social: Política e Administração

Serviço Social
são Internacional
BALBINA OTTONI VIEIRA

História do Serviço Social


Contribuição para a construção de sua teoria
4ª EDIÇÃO
1985
LIVRARIA AGIR EDITORA

SUMÁRIO

Apresentação 11
Introdução - História do Serviço Social: Contribuição para a
Construção de sua Teoria 13

PRIMEIRA PARTE
EVOLUÇÃO DA IDEIA DE AJUDA AOS POBRES
NO MUNDO OCIDENTAL

CAPfTULO I - A Ajuda aos Pobres: Interpretação do Passado 27

A Antigüidade - A Era da Cristandade - O Início da Secularização: O Renascimento e


os Tempos Modernos -
Juan Luis Vives (1492-1630) - São Vicente de Paulo (1581-1660) - Primeiras
Intervenções do Estado - O
Século XIX e as Primeiras Tentativas de Organização da Caridade.
Capítulo II - A Ajuda aos Pobres: Interpretação do Presente 46
A Família - A Igreja - O Estado - Influência de Organizações Internacionais -
Influência da ONU e de Suas Agências Especializadas
- Nova Concepção de Ajuda: Serviço
Social X Social Work.

CAPÍTULO III - A Construção da Metodologia e da Teoria do Serviço Social


.......................
Primeiros Modelos para o Serviço Social - Campos do Serviço Social - A Procura de
uma Metodologia do Serviço Social - A
Procura de uma Teoria do Serviço Social -
Tendências Atuais do Serviço Social.
BALBINA OTTONI VIEIRA

SEGUNDA PARTE
EVOLUÇÃO DA IDÉIA DE AJUDA E DE SERVIÇO
SOCIAL NO BRASIL

CAPÍTULO I - Realidade e Desenvolvimento 105


A Realidade - Ideologia e Serviço Social - 0 Processo de Desenvolvimento.

CAPÍTULO II - A Ajuda aos Pobres no Brasil até o Século XX 128


Da Época da Colonização até a República - O Século X%.
CAPfTULO III - Perfil Inicial e Fatores de Evolução do Serviço Social no Brasil 1
141

Perfil Inicial do Serviço Social no Brasil - Fatores que Influíram sobre o Serviço
Social no Brasil.

CAPÍTULO IV - Perfil Emergente do Serviço Social no Brasa 157


Interpretação do Presente - Teorização do Serviço Social - O Seminário de Araxá;
Março de 1967 - A Metodologia do Serviço
Social: O Seminário de Teresópolis; Abril
de 1970 - Tentativas de Reconceituação - O Enfoque Sistêmico

CAPfTULO V - O Serviço Social na América Latina 176


Estudos dos Encontros Internacionais - O Serviço Social visto por Diversos Autores.

CAPÍTULO VI - Síntese: Perspectivas Futuras ..........


... 194

ANEXOS

ANEXO I - Organizações Profissionais 201

- Estatutos da Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (A.B.E.S.S.).


- Estatutos da Associação Brasileira de Assistentes
Sociais (A.B.A.S.).

ANEXO II - Legislação
- Lei n.º 1.889, de 13 de junho de 1953, sobre o ensino do Serviço Social.
- Decreto n.º 35.311, de 8 de abril de 1954, regulamentando a lei acima.
- Parecer n.º 342, de 13 de março de 1970, do Conselho Federal de Educação,
determinando novo currículo mínimo.
- Lei n.O 3.252, de 27 de agosto de 1967, regulamentando a profissão de assistente
social.
- Decreto n.º 994, de 16 de maio de 1962, regulamentando a lei acima.
BIBLIOGRAFIA....................

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