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Boa Leitura!
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Ao olhar para o azul de seus olhos só tive uma certeza, estava
completamente fodido por aquela mulher.
— Eu preciso fazer uma coisa, só não me impeça. — Digo
enlaçando sua cintura fina em minhas mãos, seus cabelos ruivos
formando uma cascata sobre o peito ofegante.
— Não impedirei. — Ela diz num sussurro.
E tudo parece ser em câmera lenta, quando nossas bocas se
encontram, a maciez dos seus lábios sobre os meus. E o beijo se torna
feroz, faminto. Suas mãos pousam em minha nunca, me trazendo mais e
mais pra si...
— Já chega, Anna! — Solto o ar desabotoando o paletó e aperto
a gravata nas mãos.
Ela me fita e arqueia a sobrancelha, arfando.
— Já chega, digo eu! — Diz colocando a mão sobre a testa e
suspira. É sempre assim, Otávio. Sempre!
Ela balança os cabelos dourados e me encara.
— Eu estou tentando reconstruir nosso casamento... — Diz um
pouco mais baixo.
— Desse jeito? — Jogo a gravata na cama e a olho. — É sempre as
mesmas especulações. Desconfianças sem necessidades, Anna! Por
favor! Eu estava no trabalho!
— Até essa hora?
Passo as mãos pelo rosto e sorrio.
— Sim, Annabel, até essa hora. Tive um problema com a construção
de um prédio. — Explico suspirando. — O trânsito está caótico!
Esperava um pouco mais de compreensão da sua parte.
— Compressão, Otávio? — Joga os braços e balança a cabeça.
— Eu estava no trabalho, Anna! — Aponto para o relógio na
cabeceira da cama. — Eu não ia me atrasar apenas dez minutos, se
estivesse fazendo o que você pensa!
Ela para e balanço a cabeça.
— Pare com essa desconfiança sem..
— Eu sempre fui assim! Você sempre soube.
Não. Não era, não. Ficou surtada depois.
Meu subconsciente berra. Seu ciúmes sempre foi algo fora do
normal, e por incrível que pareça, nunca houve motivos. Nunca. Mas não
vou entrar em mais um bate boca sem fim.
A encaro morder o lábio e me olhar. Apenas me viro, entrando no
enorme closet e indo direto para o banheiro.
— Ainda vamos sair hoje a noite? — Pergunta.
— Sabe que não gosto desses lugares, Annabell... — Arfo, olhando-
a por cima do ombro.
Ela sabe o quanto eu odeio balada, tumultos e tudo que tenha muita
gente. Acho que quando se chega aos trinta e oito anos, tudo que achava
divertido, se torna um saco. Só quero descansar quando chega sexta-
feira, mas também sei o quanto Anna precisa sair para tentar se distrair.
Ela precisa é de tratamento!
— Não sei por que diabos ainda pergunto! — Ela resmunga me
seguindo. — Você só pensa em você, Otávio!
Fecho os olhos e solto o ar preso. Estou tentando fazer isso dar
certo. Mesmo sabendo que às vezes, o coração só precisa de tempo para
aceitar o que a mente já sabe.
Meu casamento acabou tem tempo. Muito tempo, para falar a
verdade.
Já tentamos de tudo: conversas, terapia de casal e o diabo a quatro.
Mas de nada adianta. O sexo vai mal. Só brigamos. O tempo inteiro.
São vinte anos casados. Duas gravidezes perdidas. E um longo
histórico de surtos.
Bato a porta do banheiro causando um pequeno barulho. Ponho as
mãos na pia e abaixo a cabeça, suspirando pesadamente.
Onde está a porra da minha vida?!
— Otávio, ABRA A PORTA! — Ela bate insistentemente do outro
lado, mas continuo parado.
Não a culpo pelo fracasso do nosso casamento, na verdade, fomos
muito felizes. Tanto, que jamais pensei que isso tudo chegaria ao fim. No
momento que coloquei os meus olhos em Anna, me apaixonei
perdidamente. Tínhamos o mesmos círculo de amigos.
Estava no primeiro semestre da faculdade de Engenharia Civil, me
preparando para assumir a empresa da minha família assim que me
formasse. Anna ainda cursava o ensino médio, só que ao contrário de
mim, ela não pareceu tão apaixonada assim no início.
Mas foi questão de tempo. Depois de dois encontros, começamos a
namorar, e com pouco mais de três meses, noivamos e casamos. Assim,
rápido. Do nada.
Duas crianças que mal conheciam a vida.
Olho para a aliança grossa de ouro em meu dedo.
Entro no box e me jogo embaixo do chuveiro, tomando um banho
demorado. Faço a barba lentamente de propósito. Estou exausto.
Saio quase uma hora depois, com uma toalha enrolada na cintura e
enxugando meu cabelo com outra. Abro a porta e vejo Anna, ainda
parada com os braços cruzados.
— Anna... — Tento falar, mas ela rapidamente me interrompe com a
mão espalmada em meu peito.
— Não vamos ficar em casa em plena sexta-feira! Por Deus! — Ela
abre os braços e se afasta, jogando os braços para o alto. — Eu juro que
estou tentando... Mas você tem que tentar também! Sinto que vou
enlouquecer, Otávio.
Paro e solto o ar preso.
— Vamos nos distrair, só hoje. Por favor.
Ela venceu, mais uma vez.
— Ok, Anna. — Fecho os olhos e suspiro. — Eu vou.
Não queria levar essa discussão adiante. Até porque, seria em vão.
— Ah, meu amor... — Ela vence o espaço que nos separa e afaga
meu rosto, descendo pelo meu abdômen e sorrindo de leve.
Sinto desejo por Anna. Ela é minha esposa e incrivelmente linda.
Corpo esguio, olhos brilhantes como pedras preciosas.
Ainda lembra a menina de vinte anos atrás.
Aliás, os traços são as únicas coisas que me lembram do passado.
Depois de alguns anos, Anna se tornou extremamente ciumenta,
agressiva e possessiva.
Então tudo começou a desandar de todas as formas. Não
conversamos mais, nem transamos.
E não, não é por falta de tesão. Pelo menos da minha parte.
Eu sou homem, inferno! Estou há dois meses sem sexo!
Pego em seus cabelos, puxando-a para mim, prestes a colar os
lábios nos seus.
— Vai bagunçar meu cabelo... — Sorri me olhando.
— Você fica linda de todos os jeitos, Anna.
— Não com os cabelos desgrenhados.
Minha mão sobe o pano leve do vestido e sinto o tecido fino da
calcinha sob meus dedos. Ela sorri levemente e afasto o tecido de
algodão para o lado.
— Agora não... — Diz descendo o vestido e se afastando. — Eu
preciso olhar a Luíza...
Ela se afasta e me encara.
— Você sabe que os remédios me deixam assim. — Sussurra e deposita
um beijo leve em meus lábios. — Te espero lá embaixo...
— Agora é sempre assim, Anna... — Dou de ombros, sorrindo de
leve assim que ela sai e fecha a porta devagar. — Sempre não.
Sempre.
Entro no closet e visto uma calça jeans escura, uma camisa preta de
mangas compridas, que dobro até os cotovelos, e apenas passo os dedos
pelo cabelo, ajeitando-o.
Alguns minutos depois, desço as escadas e paro em frente a enorme
sala de estar.
Moramos em um dos condomínios mais caros de Nova York, em
uma bela e enorme mansão. Eu mesmo fiz o projeto: Três andares, duas
salas, sete quartos, cinema e academia.
A casa perfeita.
Éramos jovens, ricos, tínhamos tudo. Tudo que um casal precisa
para ser feliz. Mas não somos, não mais.
Sorrio, me sentando à mesa onde Anna janta com Luíza, nossa
sobrinha de treze anos, que adotamos como filha quando ela tinha oito
anos, assim que seus pais morreram em um trágico acidente de carro.
Anna acabou entrando em depressão após a morte da irmã e do
cunhado. E o caso só piorou com a perda recente do nosso filho, o real
motivo de não ter pedido o divórcio.
Fazem seis meses desde a perda, tal lembrança ainda nos machuca
com força brutal.
— Tia Anna me falou que vão sair. — Luíza sorri me olhando e
assinto, segurando em sua mão.
— Mas se você não estiver à vontade, podemos ficar com você. —
Digo sorrindo.
— Não, seu bobo. — Ela sorri abanando a cabeça. — Eu vou ficar
bem.
— A Inês vai ficar com você, Luíza. — Anna a encara. — Pode
ficar vendo tevê até mais tarde, amanhã não tem aula.
— Fico feliz que estejam saindo novamente. — Luíza sorri e leva o
garfo a boca.
— Nós também... — Anna suspira e coloca a mão por cima da
minha.
— E como foi a aula hoje? — Pergunto para Luíza, que começa a
falar empolgada sobre o seu dia.
Fazemos de tudo para ela ficar bem. Perder os pais da forma que ela
perdeu não é fácil. Luíza é como uma filha para nós dois, que
infelizmente não tivemos.
— Vou terminar de me arrumar e logo desço. — Anna se ergue e sai,
jogando um beijo em minha direção.
Luíza sobe assim que acaba o jantar e eu vou para a sala de estar.
Encaro a noite incrível pelas janelas de vidro. Fico alí por uns trinta
minutos, em pé, com as mãos enfiadas nos bolsos.
Anna desce com um vestido vermelho solto, que a deixa linda e
sexy, e caminha em minha direção, segurando a pequena bolsa nas mãos.
— Natan está vindo com Gaia. — Sorri e não consegui disfarçar a
cara, que se fecha instantâneamente. — Otávio, ele é meu irmão.
E não o suporto.
Ouço a buzina e Anna sai, desfilando até a porta. Seu sorriso então
se desmancha, e me aproximo, vendo o carro do meu irmão parado.
Assim como eu não suporto seu irmão, ela não suporta o meu. E vice
versa.
— Olá, irmão mais velho. — Leon acena e me encara. — Olá,
Annabell...
Anna fecha o semblante, olhando-o.
— Educação mandou lembranças. — Leon a alfineta e o encaro
sorrir. — Fiquei sabendo que vão para a noitada, vim convidar vocês
para irem na Kiss.
Anna se vira e me encara.
— Falou ao seu irmão que vamos sair?
— Comentei por alto, Anna...
— Eu ainda estou aqui. — Leon sorri e ergue o braço.
— Leonel, não vamos para aquele pardieiro, que você chama de
boate.
Leon estremece no mesmo instante e entorta o nariz. Ele odeia que o
chamem pelo nome completo.
— É só ficar em casa, Anna. Meu irmão vai!
— Leon... — O encaro revirar os olhos assim que Anna se vira. A
fito sorrindo — É melhor ir pra lá, até porquê, não quero ir para um
lugar tão longe.
Ela me fita e fecha o semblante no mesmo instante.
— Sabe que odeio sair e só estou fazendo isso por você, será que
pode fazer algo por mim também? — Seguro em seu queixo.
— Vou pegar o carro. — Diz e Leon sai do carro, cruzando os
braços e se encostando no mesmo.
— Ela me ama.
— Você adora provocar. — Digo o encarando sorrir e coçar o
queixo enquanto me olha.
— Ela é uma bruxa. — Ele diz sério.
— É minha esposa.
— Continua sendo uma bruxa. — Diz sarcástico.
Os dois nunca se suportaram e não fazem a menor questão de
esconder isso. De ninguém. O carro preto se aproxima e vejo Natan e
Gaia. Ele me cumprimenta com um leve aceno de cabeça e respondo do
mesmo modo.
Anna para logo depois, saindo do carro enquanto me fita.
— Vamos amor, você dirige.
— Nos encontramos lá. — Digo a Leon, que manda um beijo para
Anna, que torce o nariz e entra no carro.
— Seu irmão ama me provocar. — Bufa, colocando o cotovelo na
janela. — Acho que nunca superou o fim do relacionamento com a...
— Anna, não começa com isso. — Peço e ela me olha.
Se cala rapidamente e pousa a mão em minha perna, apertando-a
com firmeza. O pequeno gesto apenas me faz a encarar.
— Anna, não comece algo que não vai terminar. — Digo baixo.
— Desculpa. Eu queria voltar a ser como antes... Mas... — Ela fala
e passa as mãos pelos cabelos. — Eu vou voltar a ser a mulher que eu
era... Eu prometo.
— Vamos esquecer isso por hoje, insistiu tanto para sair.
Ela apenas assente sorrindo.
O restante do caminho é feito em total silêncio e eu agradeço
mentalmente por isso. Estaciono o carro alguns minutos depois e logo
após o irmão dela faz o mesmo.
— Essa boate é uma das melhores. — Gaia responde entusiasmada.
— Já ouvi falar muito dela. — Natan responde, passando o braço
pelos ombros da esposa.
Realmente Leon tem um dom para investir em casas de festas, e
a Kiss é uma delas. Uma das baladas mais luxuosas da cidade.
— Vamos entrar. — Seguimos passando rapidamente pela entrada
VIP.
Está bem movimentada, pessoas por todos os lados com copos de
bebidas. Ficamos na área reservada e logo nos acomodamos em um sofá
em L.
— Seu irmão fez um ótimo trabalho. — Gaia sorri. — A boate é
incrível!
— Leon realmente tem bom gosto. — Digo enquanto o garçom se
aproxima.
— Bom gosto para a farra. — Anna arqueia a sombrancelha e a
encaro.
— Quero apenas um coquetel de frutas sem álcool...
Falo com o garçom e peço o mesmo.
— E como vai a empresa, Otávio? — Natan pergunta me olhando.
— Ótima. E o escritório?
— Vocês não vieram até aqui para falar de trabalho. Por Deus! —
Anna pede e segura meu braço.
— Há meu Deus! Eu adoro essa música. Vamos dançar. — Gaia diz
e pega na mão de Anna, que me olha e sorrio, incentivando-a.
— Volto logo. — Ela diz em meu ouvido.
Elas ficam há poucos metros e começam a dançar. Natan me fita e
volta a observar Anna, que dança junto com Gaia.
— Ela está fingindo que está feliz. — Ele diz em um sussurro e o
encaro. — Minha irmã ainda sofre muito por tudo...
O encaro me fitar e continuar:
— Não achei que ela ia superar tão cedo... A perda do Ben foi
muito... Dolorosa para ela.
— Para nós dois. — O corto e ele me olha. — Mas não vim aqui
para falar do meu filho, Natan.
Quero apenas dar um fim na conversa enfadonha.
— É mais difícil pra ela do que pra você, Otávio. — Cerro o
maxilar.
— Nós dois perdemos, Natan. Eu e Anna estamos tentando seguir
em frente... Eu quero o melhor para Anna. Sempre.
— É claro que quer. Mas você saber que se não tivessem...
— Com licença, Natan.
Não fui sua culpa!
Nego com a cabeça. Estou prestes a manda-lo se foder, mas apenas
me ergo, me sentindo sufocado. Natan e eu não estamos mais nos
suportando.
Desço as escadas lentamente e a música parece ficar cada vez mais
alta, quando me aproximo do bar. São tantas pessoas juntas dançando e
algumas se beijando.
Balanço a cabeça, querendo ao menos ver o meu irmão, mesmo
sabendo que Leon não ficava muito à mostra.
Me encosto no bar e rapidamente peço um copo de whisky puro,
forte e sem gelo. Seguro o copo nas mãos, assim que o barman me
entrega e balanço o líquido de um lado para o outro. Me viro no banco,
olhando todo o local.
Faz alguns meses que eu não saio, e evito ao máximo, na verdade.
Por isso capto cada movimento e sorriso das pessoas que estão alí na
pista de dança.
— Três doses de tequila! Caprichadas, por favor! Estamos
comemorando!
Olho para o lado assim que a voz me chama atenção.
— Irei caprichar. — O barman a encara quando ela sorri e se
debruça sobre o balcão.
A saia curta revela o belo formato do bumbum avantajado e um belo
par de pernas de enlouquecer, cobertas pela meia-calça preta e saltos
extremamente altos. Os cabelos ruivos da cor de fogo caindo como uma
cascata sobre as costas.
É uma bela uma mulher.
Gostosa...
É muito bonita.
Incrivelmente linda e sexy.
Sexy como o inferno, pronto para queimar qualquer um.
Ela vira no exato momento, e por um instante meus olhos estão
presos aos seus. As luzes piscando e a fumaça em nossa direção.
Desvio rapidamente, assim que ela segura os três shots de tequila.
— Obrigada. — Ela aponta com o queixo e me fita. — Bela
tatuagem.
Encaro meu braço e sorrio de lado.
— Obrigado.
Levo o copo lentamente até a boca e observo seu semblante mudar
ao focar na grossa aliança em meu dedo.
Por que não escondeu esse caralho?!
Ela apenas se vira e sai andando calmamente, enquanto os quadris
balançam de um lado para o outro.
Se aproxima de uma mesa e coloca os copos. Os três rapidamente
viram todo o líquido juntos.
Não desvio o olhar quando ela me encara.
Vai lá...
Não.
Dou um sorriso torto balaçando a cabeça, enquanto ela apenas
entorta o nariz com desdém.
Ainda é atrevida.
Levanto o copo em sua direção, em um brinde imaginário enquanto a
levada vira de costas, mostrando a bunda empinada.
Ah, que vontade de dar umas palmadas.
Pare com isso, Otávio. Pare com isso
Você é casado.
Você não fez nada cara. Pode parar.
Estou flertando com uma desconhecida!
Aproveita. Desde a idade da pedra você não faz isso.
Deixo o copo em cima do balcão e uma boa gorjeta junto, e subo as
escadas. Paro no meio dos degraus, pessoas subindo e descendo. Apenas
me viro para olhá-la novamente.
Sorrio a encarando dançar levemente, e alguns olhares voarem em
sua direção.
Ela remexe os quadris no mesmo ritmo da música e sorria enquanto
os cabelos balançavam.
Ruivinha atrevida.
Subo as escadas, com a mente fodida e o pau duro de desejo por
uma mulher que nunca mais vou ver na vida.
— Senhorita Gonçalves, te vejo às oito horas na Construl Perrot,
na segunda feira. Tenha uma boa tarde.
Sorrio assim que a chamada é finalizada.
Aperto o celular no peito e me jogo no sofá.
Sabe quando você acaba de ganhar um presente que pediu muito?
Aquele que você não acredita que conseguiu...
Pois é, acabei de ganhar o meu!
CONSEGUI UM EMPREGO!
Um emprego do caralho!
Meu Deus!
Me ergo em um pulo, fazendo uma dança da alegria, balançando os
braços e pulando, jogando meus cabelos de lá pra cá.
Estou mais feliz que filhote de cachorro.
A porta se abre e Lia entra e me olha.
Começa a pular também, me acompanhando e sorrio, batendo o meu
quadril ao seu.
— Por que estamos dançando? — Ela pergunta, ainda
acompanhando meus passos.
— Arrumei um emprego! — Digo, pulando enquanto bato palmas
eufóricas.
— Aí, Miaaa! Que maravilha! — E caímos sentadas no tapete fofo
da sala.
— Começo segunda-feira. — Respiro fundo. — Vou ser secretária
de um engenheiro.
— É aquele tal Perrot? Que a Vanessa te indicou?
— O próprio. — Sorrio. — Nossa. Não sei nem como agradecer
ela. Ela disse que ele é ótimo, Liana. Um ótimo chefe.
Não faço idéia quem é meu novo chefe. Mas Vanessa, minha antiga
vizinha, ele é a melhor pessoa do mundo. Ela me indincou e precisei
apenas fazer a entrevista pela assistente do RH.
Mas estou eufórica. Não acredito que enfim vou começar a
trabalhar.
Meu último emprego foi muito caótico e estava me enlouquecendo.
Olho para Lia, que mesmo feliz por mim, ainda mantinha os olhos
distantes.
— Brigou com o Dylan?
Ela apenas suspira e põe a cabeça em meu colo, e o sorriso se
transforma em um choro intenso.
— Ai, Liana! O que faço com você, em?
— Ai amiga... — Afago seus cabelos e suspiro.
Queria poder saber o que dizer para ela.
Dá na cara dela!
Não sou muito boa em dar conselhos amorosos. Até porque, eu fujo
de relacionamentos, como o diabo foge da cruz. E sou bem mais feliz
desse modo.
Amor é cilada. Das feias.
Não que eu seja uma pessoa amarga. Eu sou bem feliz, animada,
amo sair, ser livre...
Prezo muito por ela, afinal.
E não, não acredito em príncipe, não acredito em amor a primeira
vista. Isso não existe.
— O amor é uma droga, Mia! — Ela diz e sorrio, enrolando os
cabelos em meus dedos.
— Por isso não me apaixono. — Suspiro a olhando. — Sai dessa,
Lia. Você é linda, não precisa ficar se humilhando pro idiota do Dylan.
— É mais forte que eu, Mia... Amar e se entregar de corpo e alma,
amar é só de você ver os olhos da outra pessoa, sumir o ar, sumir o
mundo e só existe você e ele alí. — Ela diz, limpando os olhos.
Quero dar na cara da Liana.
Bate boba.
— Isso não existe, Lia.
Bate logo!
— Eu sou a prova viva que existe, sim. — Ela se ergue e me encara.
— Você é uma tola, Lia... — Seguro em seu rosto. — Você só sente
aquilo que você quer, essa coisa de conexão é uma invenção dos tolos,
minha amiga.
Liana me encara e assente.
— Um dia, Mikaella Gonçalves, eu vou te ver apaixonada, mas tão
apaixonada...
Por que não bate nela?
— Você me rogou uma praga? — Coloco a mão no peito, fingindo
indignação.
— Sim. Roguei.
Não tem como ficar brava com aquela garota.
Gargalho e me jogando no sofá.
— Ok, senhorita chorona... Que tal, para te consolar, irmos comprar
sorvete, filmes idiotas românticos e chorar até de madrugada? — Digo
rápido e olho sua expressão horrorizada.
— Credo, não. Vamos nos acabar, mas é em uma pista de dança na
boate Kiss. — Ela diz, se levantando em um pulo.
Olho assustada para a garota que estava chorando agora pouco.
— Você não estava super mal por causa do Dylan? — Pergunto
arqueando a sobrancelha.
— Eu estou apaixonada, não demente!
— É a mesma coisa! — Ela estira a língua e sorrio enquanto aceito
sua mão estendida. — Então vamos lá senhorita, a balada nos espera!
A amada e linda liberdade!
Vim morar em Nova York há mais ou menos dois anos, desde a
morte da minha mãe. Deixei as mágoas e tudo para trás, quando sai do
Brasil, mas também deixei uma parte do meu coração. Minha irmã e
minha tia.
As únicas pessoas que me restam.
Apenas.
Termino de vestir a blusa e ajeito a saia, assim que coloco as meias.
Ambos têm cor escura. Soltos os cabelos ruivos de nascença e calço os
sapatos, um meia pata nude com o salto bem alto.
GOSTOSA!
Meu interior grita, me deixando mais confiante ainda. Liana já
invadiu minha casa e passa o batom vermelho, se olhando no espelho.
Ela tinha sido a primeira pessoa que encontrei aqui, e nunca mais nos
desgrudamos.
Se tornou minha família.
— Quero me acabar de tanto dançar hoje! — Diz soltando os
cabelos longos.
— Precisamos disso, amiga.
Pego minha pequena bolsa e coloco dentro as chaves, celular e
carteira. Descemos rindo, quando ouvimos um grito escandaloso que
conhecemos muito bem.
— Não acredito! — Dean aponta o dedo em nossa direção, e logo
depois coloca a mão sobre o peito, fingindo ofensa. — Vocês, suas
vacas, iam pra balada sem me comunicar?
Dean é irmão gêmeo de Dylan. Sim, o ex da Liana é a cara do nosso
melhor amigo, mas ao contrário do irmão que pega tudo que tem vagina,
Dean é gay, um gay lindo, e nosso fiel e melhor amigo.
— Dean, foi de última hora... — Digo sorrindo, para amenizar sua
expressão fechada. — Vamos comemorar o novo emprego da Mia!
— Foi tudo de última hora, Dean....
— Meu cu pra vocês. E pra provar que não me importo, irei junto,
mesmo sem ser convidado. — Ele diz, suavizando a expressão, dando
uma bela piscada.
— Anda Dean, você sabe que a gente te ama. — Lia diz o
abraçando.
— Hmm, conheço essa carinha... — Dean diz a olhando.
— Não me fale do seu irmão, Dean. Quero curtir a noite sem
lembrar que Dylan existe. — Lia diz e seguimos em direção ao seu
carro.
Fico no banco da frente, enquanto Dean vai para o de trás e
começamos a falar sobre coisas banais. Meu apartamento fica há uns
vinte minutos da boate, em trânsito tranquilo.
Liana estaciona o carro e abro a boca, está uma movimentação
incrível.
— Vamos lá, gatas. Ao ataque. — Dean diz sorrindo e caímos na
gargalhadas.
Nem precisamos enfrentar fila, Dean é figurinha carimbada e
conhece a metade dos seguranças aqui da Kiss, o que nos deixa felizes.
Sorrio enquanto observo várias pessoas dançando animadas e
seguimos sob olhares curiosos. Ficamos em uma mesa e Dean já corre
para pegar as bebidas.
Sorrio o olhando colocar os copos no balcão e grita para todo
mundo ouvir:
— EU BEBO É PRA CAIR, SE FOSSE PRA VOAR, TOMAVA
REDBULL! — E os nossos gritos ecoam por toda a boate.
É, eu tenho os melhores amigos.
Não tenho uma casa enorme, nem um carro do ano.
Mas sou feliz.
Eu sou muito feliz.
Abro a boca no mesmo instante em que começa a tocar Crazy In
Love da Beyoncé. É minha música preferida.
Lia me segura pelo pulso e sigo os passos, louca para a pista de
dança.
...You got me looking so crazy, my baby
I'm not myself lately, I'm foolish, I don't do this
I've been playing myself, baby, I don't care
Baby, your love's got the best of me
Your love's got the best of me
Baby, your love's got the best of me
And, baby, you're making a fool of me
You got me sprung and I don't care who sees
'Cause, baby, you got me, you got me
Oh, you got me, you got me...
A música nos envolve, enquanto balançamos nossos quadris, e
porra... A sensação é ótima, a euforia da música nos embalando...
I look and stare so deep in your eyes
I touch on you more and more every time
When you leave I'm begging you not to go
Call your name two, three times in a row
Such a funny thing for me to try to explain
How I'm feeling and my pride is the one to blame
Yeah, I still don't understand
Just how your love could do what no one else can...
É. Eu amo a minha liberdade!
— Preciso de algo mais forte! — Lia sorri enquanto vira o coquetel
de uma única vez.
— Minha vez de pegar a tequila! — A encaro. — Vamos fazer um
brinde!
Saio rapidamente, esbarrando em algumas pessoas e paro no balcão,
me debruçando sobre o mesmo, fazendo o pedido enquanto
o barman sorri me olhando.
— Irei caprichar...
Tamborilo os dedos no balcão.
Viro meu rosto rapidamente e encaro o par de olhos mais lindos que
já vi na minha vida.
E que estão em cima de mim.
Ele está me secando!?
Sim, ele está. Seca ele também, boba.
Uma mão grossa e grande segura o copo. Os braços descobertos
mostram uma tatuagem na metade do antebraço, que segue um longo
caminho pelo mesmo.
Viro os olhos rapidamente quando ele me fita.
Pelo amor de Jesus!
Seguro os shots de tequila enquanto o tal homem ainda me fita.
— Bela tatuagem... — As palavras saem sem eu ao menos perceber.
QUAL É MIKAELLA?!
— Obrigado. — A voz grossa e firme me invade, fazendo um
arrepio se apossar do meu corpo.
Ele rapidamente leva o copo aos lábios e arqueio a sobrancelha,
olhando um detalhe que quebrou o encanto.
A aliança em seu dedo anelar.
Ah não. Ah nãoooooooo!
Se tem uma coisa que eu fujo mais que compromisso, é homem
casado.
Tá repreendido!
Mas que é um belo e grande homem... ele é. Não sou cega. Tem
olhos claros, tão claros que hipnotizam. Aparenta ter um belo corpo.
É gostoso.
Entrego os copos para Lia e Dean, que viram rapidamente junto
comigo, mas o desconhecido não parava de me encarar. Sinto minhas
pernas frequejarem enquanto ele dá um sorriso e eu entorto o nariz.
Você é casado! Sai fora!
— Ai, vamos dançar! — Dean nos puxa e somos praticamente
arrastadas por ele.
Embalo ao som de outra música, mas levada ao sentido e o coração
disparado, decido olhar pra ele novamente, só que o banco já está
desocupado.
Apenas o fito subir as escadas sem olhar para trás.
Puta que pariu! Ele é uma tentação.
— O que foi, Mia?! — Lia pergunta me olhando. — Está séria...
Homem casado é roubada, Mikaella...
Mas acabei de molhar a calcinha para um desconhecido.
Merda de despertador do cacete!
Tateio a mão na mesa de cabeceira, tentando fazer o despertador
parar de tocar, bato no mesmo, fazendo-o cair no chão. Esfrego os olhos,
me sentando na cama. Dou aquela espreguiçada, que estala todos os
meus ossos e olho de relance para o relógio.
CARALHO!
Dou um salto da cama e meu pé se prende no tapete, e acabo de cara
no chão.
— Caraca Deus, maneira só hoje, vai! — Me levanto e corro para o
banheiro.
Já são sete da manhã!
INFERNOOOOOOOOO!
Tentei dormir o mais cedo possível, mas as segundas-feira são o
terror para qualquer pessoa. Para mim não é diferente.
— Calma, Mia. Calma. — Converso comigo enquanto tento me
apressar.
Tomo um banho tão rápido, que dá pra entrar na história
do Guinness. Saio alguns minutos depois e pego um conjunto de lingerie,
colocando-o rapidamente. Visto a saia de couro azul marinho que
separei junto com a blusa preta social.
Estou acabando de me arrumar quando a porta do quarto é aberta e
Lia entra, os cabelos para o alto e vestindo a mesma roupa da festa de
ontem.
— Por que está acordada uma hora dessas? — Pergunta, esfregando
os olhos enquanto se joga em minha cama.
— Primeiro dia de trabalho, Lia! Estou super atrasada. — Falo e
ligo o secador, fazendo uma escova rápida em meus cabelos.
Não é porque acordei tarde, que vou sair como uma bruxa!
Isso jamais!
— Boa sorte. — Ela diz com olhos fechados. — Ainda estou com
sono... Seu sofá é péssimo!
— Dormiu lá por que quis, Liana!
— Te odeio!
— Também te amo. — Digo sorrindo e saio, mas percebo que o
chão está gelado sob meus pés.
Ah, que ótimo! Ia para o trabalho sem sapatos!
Esse dia está perfeito! O que mais falta acontecer?
Pergunta não, amor, que só piora.
Volto correndo e pego os sapatos, estilo Peep Toe cinza com a sola
preta. Sorrio e o beijo o mesmo. Tenho uma paixão gigante por sapatos.
Pego minha bolsa, e estou pronta!
Desço rápido e entro no meu fusca, e não, não é uma lata velha. Esse
é um modelo novo, branco. Meu xodó. Comprei assim que sai do meu
antigo trabalho, junto com algumas economias. Ao menos algo bom.
Dirijo apressada. Meu apartamento não fica tão longe da empresa
assim, uns vinte minutos.
Aperto o volante entre as minhas mãos. Parada no sinal vermelho,
sorrio, pensado em toda a descarga elétrica que foi o final de semana,
dançamos tanto, que os pés ficaram dormentes.
Fomos em várias baladas, bebemos e beijamos horrores.
A deprê de Lia passou um pouco. Fomos na Kiss novamente, já que
é uma das melhores boates.
Mordo o lábio, sorrio e nego com a cabeça.
Fui traída pelo meu próprio corpo, quando fiquei olhando o bar
igual uma idiota, procurando...
Nego veemente.
Reviro os olhos e balanço os cabelos suspirando.
Se poupe, Mikaella. Se poupe.
Estaciono o carro em frente ao enorme prédio e ergo a cabeça,
olhando o grande prédio. Em letras douradas estava escrito o
nome: Construl Perrot.
E mesmo que toda a seleção para a vaga tenha sido feita aqui, ainda
fico abismada com o luxo do lugar. Passo pelas portas duplas de vidro e
dou de cara com dois seguranças altos, com cara de Pitbull raivosos.
— Bom dia. — Ensaio um sorriso os olhando e ouço responderem
educadamente.
Paro em frente a recepção e a loira insossa me fita de cima à baixo.
Quer uma foto?
— Em que posso ajudar? — Ela pergunta, ignorando completamente
meu bom dia.
Vaca!
— Sou Mikaella Gonçalves, a nova secretária do senhor Perrot.
— Pode me entregar um documento com foto? — Pergunta e assinto,
entregando.
Ela digita algo em seu computador, com o nariz enrugado e fala
rapidamente com alguém pelo telefone.
— A senhorita Honot está esperando no 10⁰ andar. — Agradeço, já
me virando.
Volto a observar todo o interior, uma sofisticação em cada detalhe.
Claro! É uma empresa de engenharia e arquitetura!
Reviro os olhos para minha mente enxerida e entro no elevador,
ergo os olhos vendo os números passarem. Sorrio assim que a porta se
abre e dois senhores entram, me olhando lascivamente.
Putz. Deveria ter pesquisado sobre o meu chefe. Que mancada do
caralho!
Espero que o velho barrigudo do senhor Perrot seja legal.
O elevador para na cobertura e já vejo uma morena com um sorriso
simpático me olhando assim que as portas se abrem.
— Mikaella? — Ela pergunta enquanto sorrio e assinto. — Prazer,
me chamo Katy Honot, sou assistente do departamento.
— Prazer, senhorita. — Digo, apertando sua mão gentilmente. —
Quero pedir desculpas pelo meu atraso, mas tive um imprevisto...
Teve nada, mentirosa.
— Não se preocupe, e pode me chamar de Katy. — Ela diz e suspira
pesadamente. — O senhor Perrot ainda não chegou.
Graças a Deus. Não vai ver o meu atraso.
— Vamos dar uma volta, posso te mostrar algumas coisas enquanto
isso.
— Perfeito.
— Temos as salas de reuniões aqui, nesse andar. A sua sala é ligada
com a dele. Para ficar mais fácil. — Katy me explica enquanto a
acompanho. Ela me mostra cada detalhe com paciência. É jovem e muito
bonita, acho que é só uns dois ou três anos mais velha que eu.
O corredor é enorme e com várias portas. Todas elas de madeira
escura, com detalhes de vidro e puxadores dourados. Ao todo têm seis
portas, e uma pequena entrada para outra sala com portas duplas.
— Você vai se sentir muito bem, Mikaella. Otávio é um excelente
chefe. Chamamos ele pelo primeiro nome, por insistência do próprio. —
Katy sorri. — Organizado ao extremo, mas nada que vá te incomodar.
— Sem problemas. — Sorrio, apertando a bolsa nas mãos. —
Vanessa me falou muito bem dele.
— Seu sotaque... — Ela me olha e semicerra os olhos.
— Sou brasileira. — Explico e ela abre a boca sorrindo.
— Da terra da feijoada? Caipirinha? — Katy estende o braço e
sorri. — Nos daremos muito bem! Não precisa ficar nervosa... Vem, vou
te mostrar o resto desse andar.
— Estou tentando não parecer tão nervosa. — Balanço a cabeça e
sorrio.
Estou nervosa para cacete, mas ao mesmo tempo, ansiosa.
Calma, Mia. É o trabalho dos sonhos.
O que pode dar errado?!
— Onde estava?
— Fui tomar um whisky. — Sorrio, olhando-a morder o lábio.
— E por que não pediu para tomar na mesa com Natan?
Sério isso?!
E era.
— Porquê eu não quis, Annabell. Desci para tomar no bar. Algum
problema? — Indago e ela franze o cenho, com os olhos fixados aos
meus.
— Nenhum, meu bem... Apenas fiquei te procurando. — Acaricia
meu rosto e me beija.
Anna consegue ser extremamente controladora. O que me causa
uma irritação tremenda. Ela disfarça o semblante fechado e tenta
sorrir.
— Será que meu marido pode me beijar agora? — Suas mãos
seguram na lapela da camisa e assinto.
Fecho os olhos, suspiro, e a beijo com uma ânsia fora do comum.
Um desejo sôfrego e ansioso. Mas apenas por causa de uma pessoa
que me vem a cabeça:
A maldita ruiva!
Anna sorri quando quebro o contato dos nossos lábios e a olho.
— Que saudade eu estava desse beijo...
◆◆◆
Estaciono o carro e um dos seguranças se aproxima e pega minha
chave. Cumprimento-o rapidamente e vou direto para o elevador.
Sou completamente apaixonado por minha profissão. Não teria
como escolher outra. O meu pai era um grande engenheiro, e a empresa
tinha sido dos meus avós, e dos avós deles... E assim vêm passando de
geração em geração.
Sempre fui o filho perfeito: Me dedicava à empresa, ao meu
casamento...
E mesmo assim, sinto como se faltasse algo. E talvez eu tenha
perdido a perspectiva de que um dia serei tão feliz, ao ponto de me
sentir totalmente realizado.
Fecho os olhos e me encosto no elevador.
Não estou reclamado de nada, não mesmo. Mas estou cansado.
Esgotado.
Um dor de cabeça se apossa de mim e passo direto para a minha
sala.
— Bom dia. — Elliza me segue enquanto me sento na cadeira e
dobro as mangas até os cotovelos. — A sua nova secretaria chegou. A
senhorita Katy a levou para conhecer todo o andar.
Assinto e me ergo.
— Pode, por favor, me trazer algo pra dor de cabeça? Antes que a
minha exploda. — Digo e ela sorri tímida, erguendo os enormes óculos
com os dedos.
— Pode deixar. E vou avisar as senhoritas que o senhor já chegou.
— Ela se afasta.
Abro a planta do projeto da construção de um aeroporto, que vai
demandar todo o meu tempo e conhecimento. Pelo menos tenho a ajuda
do meu irmão.
A Construl Perrot têm filiais espalhadas por vários estados e
cidades diferentes, então Leon toma conta de algumas. A Matriz é essa,
onde eu mais fico, até pelo fato de não poder viajar sempre, por causa
da Anna.
Logo, Elliza chega com um copo de água e um comprimido nas
mãos. Sorrio em agradecimento quando me entrega e tomo rapidamente.
— Elas estão vindo, senhor Otávio. O senhor Leon acabou de
chegar também.
— Ótimo. Obrigado.
Espero que a nova secretária supere as expectativas da antiga.
Vanessa precisou pedir demissão e me deixou depois de três anos,
já que vai se casar e mudar de cidade. Tivemos um tempo para procurar
as candidatas, mas deixei todas as exigências e entrevistas encarregadas
pelo RH.
Preciso apenas de uma boa funcionária.
— Querido irmão, sinto informar, mas temos um problema na sala
de reuniões. — Leon entra, abrindo os braços.
— Bom dia pra você também, Leon. — Massageio minhas têmporas.
— Problemas com a BruxAnna? — O encaro sorrir de lado.
— Para de chamar ela assim. — Vejo-o revirar os olhos enquanto se
senta. — Já são vinte anos...
— Nunca vou me acostumar em ver você jogar sua vida toda fora.
— Assim como você ia fazer? — Pergunto e ele me encara sério.
— O debochado aqui, sou eu. Não confunde em Otávio.
Sorrio, já sabendo que não posso tocar no assunto proibido para o
meu irmão.
Leon passou toda a adolescência na Grécia e mal acompanhou meu
casamento, mas odiou de todas as formas.
— Doido para ver a secretária nova... Os burburinhos lá fora estão
a todo vapor.
— Que burburinhos? — Pergunto e ele sorri.
— Que é gostosa. Mais do que a Vanessa. — Leon gira de um lado
para o outro na cadeira, me olhando.
— Vanessa era uma ótima profissional, Leon. E comprometida.
— E muito gostosa. Você saberia disso, se não fosse cego. —
Caçoa, se erguendo. — Agora vamos tentar arrumar aquele monitor...
Preciso fazer uma vídeo-conferência.
Me levanto abanando a cabeça e seguimos para a sala de reuniões.
— Tá vendo? A conexão está péssima. — Leon me olha.
— Não sou técnico de informática, não. — Digo, tentando
restabelecer a conexão de novo.
E demora pouco mais de um minuto para funcionar perfeitamente.
Leon sorri e me abraça.
— Te amo, irmão mais velho.
— Falso.
— Meninos... A Mikaella está esperando. — Katy entra e assinto.
Hummm, Mikaella...
— Katy... Que perfume gostoso é esse?! — Leon sorri a olhando. —
Posso sentir mais de perto?
Reviro os olhos e sorrio.
— Te trago o frasco, se quiser. — Balanço a cabeça enquanto Katy
o encara. — Otávio, já mostrei tudo para ela, menos a sua sala e a dela.
— Eu faço isso. — A encaro e fito Leon sorrir, olhando-a de cima à
baixo.
— Ela é gostosa, Katy?
— Leon! — O encaro dar de ombros.
Diz que sim...
— É linda. Venham... Ela já esperou demais.
— Estou bem atrás de você, Katyzinha...
Encaro o relógio no pulso e saímos da sala.
— Que que é isso! — Ouço Leon murmurar.
Ergo os olhos e paro estático.
— Aí está ela...
Ela se vira no mesmo instante e me encara. As bochechas rosadas, a
boca vermelha e carnuda entreaberta.
Ela me olha fixamente enquanto desço meu olhar por todo o seu
corpo.
Ela pelada deve ser um estrago!
— Otávio, essa é sua nova secretária. — Katy diz me olhando. —
Mikaella, Otávio.
Mikaella.
Mikaella. Isso mesmo.
O nome é tão lindo, quanto a dona.
Seu olhar cruza com o meu novamente.
E franzo o cenho, a olhando.
Qual é, mané?!
— Prazer. Mikaella Gonçalves. — Ela diz e me estende a mão.
Não é possível...
É ela.
É ela! Meu Deus! É ela!
Prazer... Prazer...
Encaro a mão delicada estendida e a aperto. Sinto uma descarga
elétrica passar por todo meu braço, assim que sinto seus dedos tocarem
minha mão.
— Prazer. Otávio Perrot. — Dou ênfase ao prazer, por que ela
exala isso.
Mas gente... Que safadinho.
Ela é muito mais bonita do que imaginei. As luzes da boate
ofuscaram toda a sua beleza, que é incrivelmente perfeita.
A boca desenhada, os olhos azuis cristalinos...
Por que diabos eu estou tão afetado?!
E por que ela parece tão afetada, quanto eu?!
Ou é coisa da minha cabeça?
Com qual das duas você está pensando amigo?
Percebo Leon suspirar, enquanto ele e Katy sorriem.
Acho que perceberam a tensão que se formou aqui.
A tensão e o tesão!
— Esse é meu irmão, Leon Perrot. — Digo rápido, a olhando.
— Prazer. — Ela diz olhando para Leon, que está com um sorriso
diabólico nos lábios.
— O prazer é meu. Seja bem vinda, Mikaella.
— Espero que se dêem bem. Aliás, deu trabalho achar ela. — Katy
nos olha e sorri.
— Tenho certeza que sim. — A fito e ela fixa os olhos aos meus.
Tá dando muito na cara, em meu filho...
— Otávio vai mostrar a sua sala e a dele, Mikaella. Ela está
ansiosa.
— Claro, vamos. — Pigarreio, olhando-a assentir. — A sala é por
aqui...
Pretendo fazer horrores nela...
Ela é minha secretária!
Mas não é freira!
Mas eu sou casado!
Mas não é capado!
— Aqui fica a sua sala... — Mostro a pequena sala e o ambiente
confortável e ela sorri. — Pode arrumar tudo do seu jeito.
— Está perfeito. — Suspira e coloca a bolsa na mesa.
— A agenda está toda no computador, e todas as ligações passam
por você, e você só passa para minha linha se necessário. — Explico e
ela concorda. — Se tiver qualquer dúvida, por favor, me avise.
A encaro e rapidamente coloco as mãos nos bolsos da calça.
Não seria melhor nos peitos dela?
— Pode deixar, senhor Perrot. Qualquer dúvida eu o aviso...
— Otávio... — Digo arqueando as sobrancelhas. — Apenas Otávio.
Meus olhos cravam aos seus e ficamos por alguns segundos nos
encarando.
— Otávio. — Ela sussurra e apenas em ouvir ela chamar meu nome,
faz um arrepio passar pela minha espinha.
Se fosse só pela espinha...
Realmente estou ficando maluco. Eu sou casado, e durante todos
esses anos eu nunca olhei para uma mulher e senti esses pensamentos
tomarem conta de mim.
Nunca.
Eu nunca traí Anna, sempre a respeitei. Não era um sacrifício, e sim
minha obrigação. Meu dever. Sempre levei o "para amar e respeitar"
comigo.
E porque diabos, agora não está funcionando?!
Mikaella arruma os cabelos e sorri, se sentando na cadeira.
— Obrigada.
— Qualquer coisa só me chamar. — Digo a olhando, e entro em
minha sala rapidamente.
Qualquer coisa me chama...
Desabo na cadeira e passo as mãos pelo cabelo nervosamente.
Será que é normal sentir uma atração tão forte por uma pessoa,
dessa forma?!
Óbvio que não. Respondo para mim mesmo.
É normal, sim.
Não quando se é casado.
Giro a cadeira com um pouco mais de força e suspiro.
— Merda! — Exclamo alto e firme, jogando a cabeça pra trás.
Sempre honrei meu casamento e estou me sentindo mal por está
sentindo essas coisas.
Diga por você. Por quê eu, estou me sentindo muito bem,
obrigado!
— Toc...Toc... Posso entrar? — A voz de Leon me tira do transe e o
encaro entrar.
— Já não está dentro, Leon? — Pergunto e giro a cadeira para
encara-lo.
Meu irmão sorri, coloca a mão no queixo e eu o encaro. Ele
tamborila os dedos na mesa e fica me olhando, em total silêncio. Sei
exatamente o que ele vai falar e já estou com minha defesa pronta.
Não estraga nada, seu babaca!
— O que foi aquilo lá fora?
— O quê?
— Otávio, eu sou seu irmão...
— Do que está falando, Leonel?
— Por favor! Essa troca de olhares entre vocês dois... — Ele
semicerra os olhos e encaro-o de volta, balançando a cabeça.
— Você ficou louco, só pode! — Sorrio, tentando disfarçar o
nervosismo que tenta me tomar.
— Você está nervoso por que, Otávio?! — Cruza os braços me
analisando e sorrio balançando a cabeça. — Você estava quase comendo
a Pimentinha alí fora!
Franzo o cenho o encarando.
Ele chamou ela de Pimentinha?!
— Do que você está falando? — Ele continua me olhando, com
olhos semicerrados e a boca curvada num sorriso debochado.
Ele chamou ela de Pimentinha!
— Otávio, você não está querendo me enganar não, né? Eu vi, Katy
viu. Vocês estavam quase fazendo sexo só com o olhar!
— Leon, por Deus... Você não sabe o que diz. — Digo e viro de
costas.
Seria melhor fazer sexo corpo a corpo. Olho no olho é tão...
Cala a boca!
Eu não tô falando, sou fruto do seu pensamento.
Foda-se!
— Ao menos olhe pra mim. Porra, eu sou o seu irmão!
É muito cedo para dizer algo, mas a atração entre nós dois é visível
e isso me deixa completamente confuso.
Mas não sei mentir para Leon. É meu irmão e melhor amigo.
— Eu a vi na boate... E nós trocamos olhares. — Confesso e Leon
abre a boca, me fitando sério. — E foi isso. Apenas.
Só por que você quis...
Meu irmão abre a boca rapidamente.
— Milagre, Senhor. O pau de Otávio Miller Perrot, está tarado por
uma periquita que não é da Anna! — Olho para ele, que mantém os
braços para o alto.
Nego com a cabeça o olhando. Estou me sentindo patético, como se
fosse a porra de um adolescente que não sabe distinguir as reações do
próprio corpo.
E não está sabendo...
— Vai pegar ela? — Leon indaga.
— Leon, você não tem o que fazer não?! — Me sento, o olhando
erguer um lado do rosto em um meio sorriso. — Minha relação com
Mikaella, vai ser extramente profissional, somente profissional.
Mente pra mim... É o que eu gosto!
— Otávio, quer um conselho? — Me sento na cadeira e finjo prestar
atenção em uns papéis qualquer.
— Não. — Digo sem olhá-lo, mexendo nos papéis sobre a mesa.
Ele chamou ela de Pimentinha!
— Pega a ruiva. Dane-se a Anna, você já viveu demais por esse
casamento, agora quem tem que viver é você. Sua vida está passando
diante dos seus olhos... E você não está percebendo!
Aperto a caneta nas mãos e o olho sair rápido. Para Leon, é tudo tão
fácil, tão simples. São vinte anos de casado, uma vida. Não posso deixar
tudo em um simples estalar de dedos.
Pode sim...
Mesmo sabendo que meu casamento não é mais o mesmo, que eu e
Anna somos mais como amigos, do que como um casal...
Sei um remédio para isso... DIVÓRCIO!
Já tentei.
Eu juro por Deus que eu tentei.
Tiro a aliança do dedo, olhando-a.
Tinha decidido conversar com Anna e tentarmos nos divorciar de
uma forma amigável, já não estava mais feliz e sentia que ela também
não.
Mas aí veio a notícia da gravidez.
Já tínhamos perdido um bebê, e não poderia deixa-la passar por isso
sozinha. Deixei aquele assunto de lado, porque era nosso sonho alí. E já
tinha tido a morte da sua irmã, e há alguns meses, a perda trágica de Ben.
E lembrar daquele dia, me fez sentir uma culpa da qual carrego até
hoje em meu peito.
Anna piorou, e me sinto em dívida para não deixa-la. Estou
empurrando com a barriga, e isso é frustrante.
No fundo ela sabia que tinha acabado, era nítido, pela crise que
estávamos passando. Mas faltava a coragem para dar um ponto final.
Porque no fundo, foi virando comodismo, culpa, e não havia mais
nada. Apenas a vontade de ir.
Vontade tem de sobra...
Vinte anos, não são vinte dias.
Faço alguns traços na planta de um prédio que está ganhando forma.
Passei quase a manhã inteira fazendo isso e mal reparei o quanto o
tempo passou rápido.
Estou tentando ver os melhores cálculos para a solidez do projeto, e
isso está me deixando muito estressado. Bato com o lápis na mesa e olho
para a porta quanto ouço as batidas leves na mesma.
— Desculpa interromper, mas está na hora do almoço...
Abano a cabeça a olhando e sorrio levemente.
Disfarça, porra!
— Me desculpe, esqueci de avisar. Pode ir almoçar, Mikaella... —
Falo me erguendo.
— O senhor quer algo? — Os olhos brilham me encarando.
Quero você.
Para, inferno!
— Eu como qualquer coisa. Nem vi a hora passar. Obrigado.
— Eu posso... Trazer algo... Algo para o senhor? — Olho para ela um
pouco surpreso e assinto.
Trás esse corpo projetado pelo pecado para cá, minha filha!
— Se não for te incomodar. — Digo sorrindo.
— Jamais. — Ela retribui o sorriso. — Com licença. Katy está me
esperando...
— Mikaella? — A chamo quando ela se vira, segurando a porta.
Os cabelos caindo feito uma cortina nas costas. Os lábios
entreabertos me encaram.
— Oi...
Diz que quer transar com ela!
— Obrigado.
— Por nada. — Sorri timidamente. — Com licença.
Cansei, não dou mais dicas.
Obrigado por isso.
A porta se fecha e sobressalto quando meu celular começa a tocar,
mas demoro alguns segundos para atende-lo. Olho a tela piscar e seguro
o mesmo, colocando no ouvido.
— Amor? — A voz de Anna me tira dos devaneios e me faz encarar
a realidade.
Pesadelo, você quer dizer.
— Oi. — Respondo, fechando os olhos e me sentando novamente.
— Esperei você para o almoço, querido. Por que não me acordou?
Giro a cadeira de um lado para o outro.
— Você estava dormindo tão bem. Avisei a Tina que não iria
almoçar, estou sufocado de trabalho.
E de você também...
— Senti sua falta...
— Também senti sua falta. — Bato os dedos na mesa, sorrindo.
Mentira, você não sentiu.
— Promete vir cedo para jantar em casa, amor?
— Prometo. — Digo, a ouvindo falar com alguém do outro lado. —
Está sozinha?
— Gaia está me fazendo companhia, sabe que me sinto só às
vezes. — Me ergo da cadeira, me aproximo da janela e encaro a
movimentação de Nova York. O prédio é bem localizado e com uma
vista incrível.
Coloco uma mão no bolso e mordo o lábio.
— Que bom, amor...
Humm, chamando de amor...
— Espero você mais tarde, te amo.
— Certo, também. — Digo e vejo Leon entrar e cruzar os braços,
sentando no sofá.
— Também o que, Otávio Perrot? — Anna indaga, fingindo
indignação.
— Também te amo, Anna. — Digo e Leon me fita. Rapidamente
coloca o dedo na boca, fingindo vomitar.
— Melhor assim, beijo.
— "Também te amo, Anna", não tinha algo melhor para casar não?!
— Leon se ergue, indo até o bar pegar uma dose de Whisky.
— Nem começa. — Reviro os olhos, me sentando e relendo o
projeto do metrô central.
— Cadê a ruiva? — Leon para na minha frente e o encaro.
— Foi almoçar. — Digo seco.
— E você não foi, porquê? — Ele me olha.
— Se você não percebeu, eu estou trabalhando. — Digo, voltando a
atenção para os papéis.
— Vai trepar, que você ganha mais.
Também acho.
Nego com a cabeça.
— Eu estou bem, como estou, Leon. Ponto. Assunto encerrado.
Mas pode melhorar... Com certeza.
Me encaro no espelho do banheiro pela milésima vez, tentando
absorver o que está acontecendo.
Treta, minha filha! Treta! E da pesada!
O tatuado gostoso da boate é meu chefe! Senhor da glória!
Que homem é aquele?!
O destino é um grande pau. E está tentando me foder.
Quero! Digo... CREDO!
Só pode ser isso.
O homem parecia ter saído de uma capa de revista, esculpido pelo
pecado. Eu devia ter procurado e olhado alguma coisa sobre ele, apenas
para saber um pouco mais sobre meu chefe. Mas, não. Não!
Eu tinha que ser pega de surpresa, para foder com tudo.
Eu gostei, e quero que ele foda com tudo mesmo...
Calma, Mia. Calma.
Passo o lenço umedecido devagar em meu rosto e suspiro. Pego a
bolsa, arrumo meus cabelos e saio, me equilibrando nos saltos altos.
Katy acena, já sentada, bebendo uma taça de vinho. Estamos no
restaurante na frente da empresa.
Temos quase uma hora de almoço, mas já perdi quase vinte minutos
no banheiro. É isso, ou pirar na frente de Katy.
Me sento e fazemos nossos pedidos. Respiro aliviada por ela não
tocar em nenhum assunto que fizesse eu me entregar. Por que ainda sinto
o impacto dos olhos presos aos meus. Aquele homem alto e
incrivelmente lindo.
Afasto o prato e seguro a taça nas mãos, balançando o vinho
levemente e o levando aos lábios.
— Já pedi o almoço do Otávio para viagem. — Katy explica e
assinto. — Pedi a mesma coisa que comemos. Ele é bom de garfo. Na
maioria da vezes ele come aqui, ou vai para casa...
Deposito a taça levemente na mesa e sorrio.
— Ele é casado a muito tempo? — Pergunto, tentando não aparentar
muita curiosidade.
Se esforça mais então, fofa.
— Não pasme... — Katy sussurra e me encara. — Vinte anos.
Dou umas tossidas de leve e a encaro.
Tu ainda estava de fraldas quando ele subiu no altar!
Valha-me Deus!
Ele casou jovem demais.
Vinte anos de casado? Meu Deus!
— Caramba. — Solto um pigarro a olhando e ela assente. — Mas
ele tem quantos anos? Ele parece ser tão jovem...
Minha curiosidade ganha todo o espaço e Katy sorri me olhando.
— Casou com dezoito anos. Acredita? A primeira namorada... E a
primeira mulher dele.
Tento não deixar o espanto me tomar enquanto a fito. É surreal. Não
no sentido ruim... Mas não sei explicar.
Só é estranho. Muito.
— Leon não a suporta. Na verdade, ninguém, a não ser o próprio
Otávio. — Katy suspira e se aproxima. — É uma socialite de nariz em
pé, arrogante e metida. Ela é totalmente diferente dele.
Fico em silêncio por uns segundos, e porra! Odeio essa sensação
estranha de inquietação, que possuiu meu corpo.
Será que ela estava com ele na boate?!
Menina... Eu estou passada.
— Ela vem sempre na empresa? — Rodeio antes de perguntar.
— Não tanto, como antes. — Katy leva a taça aos lábios. — Mas
sorte a nossa.
Está querendo saber demais...
Sorrio e tento manter a droga da minha boca fechada. Não quero
ficar especulando sobre a vida pessoal do meu chefe. Ainda mais sobre
a vida de casado. Tudo em extremo profissionalismo.
Hanramm...
— Ah, Mia. Pode entregar o almoço do Otávio? Tenho que pegar
uns documentos... — Katy me entrega o saco da embalagem assim que
chegamos no nosso andar.
— Claro, Katy. Pode ir.
Me aproximo da porta e bato delicadamente, e logo a voz rouca e
grossa sussurra um "Entre".
Entra você em mim!
Consciência de merda!
Entro devagar, só então olhando bem sua sala; a mesa de vidro
preta, duas cadeiras de couro na frente, no lado direito um espelho
enorme, tomando conta da parede. Tem quadros enormes, um frigobar e
um mini bar. Tudo muito bem equipado.
Só falta uma cama.
Humm... Danadinha.
— Trouxe o seu almoço. — Estendo o embrulho e ele me olha.
— Obrigado, não precisava se incomodar. — Se ergue vindo em
minha direção.
Olha o tamanho desse homem...
Olho nada.
Olha boba...
NÃO!
O encaro discretamente, de cima à baixo, observando os braços
fortes e com certeza ele tem um belo abdômen trincado por baixo da
camisa.
MIKAELLA, CARALHO!
A maldita tatuagem no braço...
Os olhos marcantes, a boca bem desenhada, a barba e os cabelos de
um castanho escuro, mesclados com alguns grisalhos, o deixam o mais
atraente possível.
Meu Deus... Para, Mia.
Para nada... Desce mais, vai.
As mãos extremamente grandes seguram o embrulho em minhas
mãos.
Pare com isso, Mikaella. Isso é encrenca.
Eu gosto de encrenca!
Ele é casado. E isso é uma regra inquebrável.
— É o meu trabalho, senhor... — Pigarro e olho seu irmão se erguer
e me encarar
É tão bonito quanto Otávio. Só que têm os cabelos mais negros,
como a noite, mas os olhos são tão azuis quanto os do irmão, que dói só
de olhar.
Ao menos é solteiro...
— Seu sotaque... Você é de onde, Mikaella?
— Sou do Brasil. — Sorrio enquanto Leon bate no peito de Otávio
sorrindo. — Rio de Janeiro
— Brasileira... Sabia que não era daqui. — Diz me olhando de cima
à baixo. — Somos apaixonados pelo Brasil... Não é, Otávio?
— Somos. — Ele sorri e o encaro.
— Brasil... As melhores mulheres são brasileiras. — Leon sorri, me
olhando. — Né, irmão?
Mordo o lábio, querendo sair daqui o mais rápido possível, mas não
faço idéia do porquê. Ou até faço. Mas sou durona demais para admitir.
Admitir o quê?!
Que acabei de me meter numa fria.
00:30
Olho para o relógio no painel do carro e giro a chave, desligando-o.
Passo as mãos pelos cabelos e saio do mesmo, coloco a digital no painel
e abro a porta, vendo a sala completamente escura, assim como a casa
toda.
Sinto o cansaço me tomar ao entrar em casa. Não o cansaço físico...
Mas o mental.
Subo as escadas e passo no quarto de Luíza, que está vazio, já que
ela está com os avós paternos, a passeio. Ela não é muito ligada a eles,
mas sempre vai.
A porta do quarto está entreaberta, a empurro devagar e entro. Anna
está deitada, dormindo. Os cabelos espalhados pelo lençol de linho,
parece ter adormecido enquanto me esperava.
Balanço a cabeça, entrando no closet tirando a roupa e vou para o
banheiro, tomar um banho quente e relaxante.
Fecho os olhos, deixando a água cair e suspiro. Ainda posso ver o
corpo de Mikaella sobre o meu... Quente. Deliciosa. Apertada. Os
cabelos ruivos, a bunda avantajada. Os gemidos esganiçados são como
músicas para os meus ouvidos.
Ela vai aceitar?
Será que vai aceitar ser tornar minha...
Não sei o que vai ser dali para frente, mas quero dar um sentindo em
minha vida. Dar um rumo.
O que já devia ter feito há muito tempo.
Acha que não sei? Estava empurrando com a barriga. Tentando
fingir e acreditar que tudo ia mudar. Mas não vai.
Coloco a calça de flanela e uma camisa quando saio do banheiro.
Anna está dormindo do mesmo jeito. Não teve gritos, nem brigas. Estou
aliviado.
Não consigo olhar para ela e ver a mesma mulher com quem me
casei, é como se a Anna de vinte anos atrás, fosse fruto da minha
imaginação, e que foi embora.
Não dá mais. Não dá para fingir que estou feliz, que está tudo bem.
Não dá.
Me deito e viro de costas, suspirando.
Amanhã vai ser um longo dia.
Pego o celular, que vibra insistentemente, seguro o aparelho,
franzido o cenho ao ver o nome do meu irmão na tela. Acabei de
estacionar o carro em frente a empresa, quis sair mais cedo, antes que
Anna acordasse.
Tomei apenas uma xícara de café, por insistência de Tina, que odeia
quando eu saio sem me alimentar.
— Leon?
— Onde está? — A voz do meu irmão soa diferente e franzo o
cenho.
— Acabei de chegar na Perrot. Por que?
Ouço um suspiro pesado e depois fica tudo em silêncio do outro
lado da linha.
— Leonel...
— Sobe. E vêm direto para a minha sala.
Ele desliga rapidamente e engulo em seco. Os funcionários ainda
estão chegando, cumprimento-os e entro no elevador, vendo a hora
no rolex em meu pulso.
As portas se abrem e percebo que nem Mikaella chegou ainda.
Sorrio, olhando a mesa, que aos poucos já está ficando a cara dela.
Canecas com canetas, flores delicadas e potes de doce. Ela está sempre
comendo alguma coisa.
Viro o corredor, indo direto para a sala do meu irmão. Leon mal fica
na matriz, mas sempre teve uma sala disponível, assim como Lúcia.
Abro a porta e ele me encara.
— Caiu da cama? — Indago, enquanto ele se ergue e dá a volta na
mesa, se sentando ao meu lado.
— Não. Fui na casa de mamãe ontem, e ela ficou muito nervosa
depois que recebeu a ligação da bruxa.
Me sento ao seu lado, franzindo o cenho.
— Anna?
— Conhece outra bruxa que inferniza a sua vida? — Meu irmão
dispara e passo as mãos pelo rosto.
— O que ela fez?
— Ela estava aos prantos, no telefone, falando que ia se matar, que
você estava negligenciando-a, tratando-a mal e que está agressivo.
— O que!? — Disparo e me ergo.
— Mamãe ficou nervosa, papai também. Eu sei que isso é armação
da Anna, ela está fazendo chantagem emocional com todos nós... Mas eu
não caio nessa. — Leon suspira. — Otávio, ela não é louca, Anna é
esperta... Muito.
— Ela está descontrolada. Ela teve um surto de ciúmes ontem, pela
amanhã, quebrou louças e... — Nego com a cabeça. — Eu bloqueei a
chamadas de casa, não atendi durante todo o dia.
— Foi por isso que ela surtou. — Leon morde o lábio.
— Estava na casa da Mikaella, ontem a noite.
Leon arregala os olhos e me ergo, passando as mãos pelos cabelos,
solto o ar preso e sorrio sem humor.
— Ela me faz me sentir vivo, entende? — Me viro, o olhando. —
Ela me faz querer...
— Ser livre?
Franzo o cenho quando ele completa.
— É... — Respondo, com a voz arrastada. — Mikaella é tudo que
eu prometi não fazer... Não ter, Leon.
É a minha loucura. Minha insanidade. Meu prazer. Meu desejo.
— Eu perguntei se ela aceitava... Ser a minha amante.
— E ela?
— Não respondeu. — Ele volta a se sentar e cruza as pernas na
altura do tornozelo. — Eu não consigo entender o que é, Leon, mas sei
que é muito mais que sexo.
— Você está caidinho por ela.
— Leon...
— Está sim. — Ele sorri, balançando a cabeça. — Você nunca,
sequer olhou, para outra mulher com desejo, era cego por aquela naja...
E agora? Está prestes a ter uma amante.
— Ela ainda não aceitou.
— Mas, e se ela aceitar? — Leon se remexe e me sento ao seu lado.
— Vão ter um caso? E aí? Mikaella não é do tipo que vai aceitar essa
situação por muito tempo.
Encaro a aliança em meu dedo anelar, o aro grosso e dourado com
diamantes cravejados, foi escolhida por mim, há alguns anos, em nosso
aniversário de casamento. Anna ficou radiante e prometemos que jamais
iríamos tirar. É como um símbolo do nosso amor.
Mas como usar algo que simboliza um sentimento, que você não
sente mais?
Estou confuso, tentando entender e assimilar tudo. Leon se ergue,
segurando as pastas com alguns projetos e plantas, enquanto vamos para
a minha sala.
— Já estou fazendo o levantamento topográfico dos Davis. —
Coloco as mãos nos bolsos, andando pelo corredor.
— Vou mandar os relatórios para você depois. — Leon para e
coloca a mão em meu peito, me fazendo parar imediato.
Mikaella está de costas e parece bem distraída falando ao celular,
mas a gargalhada gostosa que ela deu, não foi o que nos fez parar para
admira-la.
As belas pernas, apoiadas em saltos altos, o vestido do uniforme
colado ao corpo, como se tivesse sido feito sob medida. As curvas
acentuadas e... Aquela bunda incrível, empinada.
— Agora entendo o porque ela te deixa vivo... — Leon sorri e bato
em sua mão. — Ai, Otávio. Agressivo.
Isso é suficiente para ela se virar e nos fitar.
— Claro... Marcamos sim. — Diz baixo, colocando uma mexa de
cabelo atrás da orelha. — Outro. Até mais.
Desliga o aparelho e nos olha.
— Bom dia.
— Excelente dia. — Meu irmão sorri para ela.
— Bom dia, Mikaella. — Cumprimento e ela me encara.
Os cabelos soltos e incrivelmente lindos, aliás, ela é toda linda.
— Katy chegou?
Mikaella abre a boca para responder meu irmão, mas as portas do
elevador se abrem.
— Acabei de chegar e não estou atrasada. — Katy sorri nos
olhando. — Bom dia, senhores e senhorita.
A cumprimento e Leon a encara de cima à baixo.
— Quer me matar do coração, vestida assim uma hora dessas?
— Como se você fosse morrer tão cedo, Leon. — Katy dispara. —
Olhe Mikaella aí, toda linda e maravilhosa também.
Ela sorri, balançando a cabeça.
— Vocês enchem meus olhos, com essa beleza contemporânea de
deusas do Egito.
— Me sinto lisonjeada. — Mikaella sorri, enquanto Leon segura em
sua mão, beijando-a.
Franzo o cenho, engolindo em seco.
Hummmm... Ciúmes?
Nem estou sentindo sua falta. Sai.
— Vou para a minha sala. — Falo e Mikaella me encara. — Pode
me passar a agenda depois?
— Vamos Katyzinha, preciso dos seus serviços. — Leon dá uma
piscadela, passando o braço ao redor do pescoço de Katy.
— Otávio, eu exijo hora extra. — Ela diz, enquanto sai aos risos.
Os dois são bons amigos. Agora.
Mas já tiveram seus momentos há uns tempos, e acho que ainda têm.
Mas sem envolvimentos profundos. Entro na sala, afrouxando os botões
do colarinho e dobro as mangas da camisa até os cotovelos. Me sento na
cadeira, relaxando e começo a girar de um lado, para o outro.
Ligo o computador e um e-mail aparece de imediato, com um
documento anexo.
Mikaella.
Estalo os dedos e sorrio, digitando rapidamente.
Otávio.
Aperto em enviar e estalo os dedos sorrindo.
Olho para a tela, esperando a resposta do e-mail, quando a porta se
abre e ela entra, segurando o Ipad. Arqueia a sobrancelha, ajeitando os
cabelos e descendo o vestido rapidamente.
— Pode se sentar, Mikaella. — Tento esconder o sorriso e ela anda
calmamente, sentando-se na minha frente.
Ela morde o lábio, sorrindo de leve e cruza as pernas lentamente.
— Você tem duas reuniões agora, pela manhã. Um vídeo conferência
com o senhor Clark... — Ela leva a caneta touch aos lábios e minha
atenção vai totalmente para esse pequeno movimento.
Engulo em seco, cerrando o maxilar.
Os cílios baixam e ela ergue os olhos, me olhando.
É proposital.
Ela sabe do controle que tem sobre mim.
Sinto meu pau rapidamente dar sinal de vida, apenas por imagina-la
sentada em mim, cavalgando enlouquecida. O quadril rebolando, os
cabelos caído nas costas, enquanto ela me encara sobre os ombros.
Aquelas sardinhas lindas fazendo um caminho lindo e delicado.
A bunda...
— Otávio?
Ergo os olhos, a fitando e balanço a cabeça.
— Ouviu o que eu disse?
Nego devagar com a cabeça, pego a caneta na mesa, apertando-a em
meus dedos.
— Você tem uma reunião mais tarde, com o senhor Rodrigues. —
Diz me encarando com aqueles olhos perfeitos. — E depois um vídeo
conferência senhor Clark.
Me remexo, sentindo ela me encarar.
— Dormiu bem? — Indago, vendo-a franzir o cenho.
— Sim. E você?
Me ergo sob seu olhar e me aproximo, apoiando as mãos em cada
lado da cadeira em que ela está.
— Estava me evitando? — Sussurro baixo, aproximando meu rosto
do seu.
— Estava. — Rebate no mesmo tom.
— Por que, Mikaella? — Encaro seus lábios entreaberto e ergo os
olhos, que se fixam aos meus de imediato.
— Por que é inevitável te olhar, e não sentir vontade de te beijar...
É o suficiente para eu selar meus lábios nos seus, e como um imã,
nossas bocas se grudam de imediato. A língua entra na minha boca e a
sugo, enfiando os dedos em seus cabelos, puxando-a para mim.
É loucura, insano. É gostoso...
Suas mãos seguram em minha nuca e descem para os meus braços, a
ergo facilmente, colocando-a sobre minha mesa.
Passo o polegar pelos lábios, colando a testa na sua.
— Diga que aceitou... — Seguro em seu rosto, esfregando o nariz ao
seu. — Diga que aceitou...
A mão espalma em meu peito e meu coração dispara.
— Me deixe pensar.
— Pensar em que, Mikaella? — Vejo ela engolir em seco e desço as
mãos pelos ombros, apertando-os.
Sua mão segura a minha rapidamente e ela me encara, dizendo o
óbvio, apenas com o olhar.
A aliança.
— Eu quem deveria...
— E você acha que me importo? — Diz sorrindo. — Eu não dou a
mínima para o seu casamento, ou para sua esposa... Mas eu sei o que é
ter um lar destruído por uma traição.
— Não se destrói, o que não tem mais, Mikaella...
— Talvez. Mas mesmo assim, ainda é um. — Diz rápido e me
afasto. — Eu... Só me deixe pensar.
Assinto, olhando-a se erguer e segurar o Ipad nas mãos.
— Vou preparar a sala de reunião.
Ouço os passos ecoando pela sala, até ela se retirar.
Fecho os olhos e balanço a cabeça assim que meu celular vibra, me
aproximo para pegar o aparelho e vejo quem liga:
Anna.
Desligo a chamada, jogando o aparelho sobre a mesa novamente.
Estalo o pescoço de um lado, para o outro lado. Os cálculos
espalhados por cima da planta, que está estendida sobre a mesa, para ter
uma visão melhor.
É um projeto delicado, de uma ferrovia expressa, que precisa de
toda paciência e dedicação, mais do que sempre tive. A paixão por
cálculos, veio antes do que eu pudesse me dar conta.
A manhã se arrastou em reuniões e projetos. Leon está na empresa e
acabamos trabalhando juntos, o que adiantou muito para mim.
— Vamos almoçar? — Chama, me olhando..
— Quer pedir algo?
— Não. Vamos comer lá embaixo, quero beber uma cerveja, para
dar coragem. — Meu irmão se ergue e o fito. — Vamos, só hoje. Há
muito tempo não almoça comigo.
Reviro os olhos.
— Vamos. Também estou com fome. — Pego a carteira e os óculos
de sol, enquanto Leon sorri, abrindo a porta e falando animado:
— Vamos meninas?
Paro e olho para Katy, que sorri, e Mikaella, que continua sentada.
— Eu vou comer qualquer coisa.
— Ah não, Mika. Vamos. Sempre almoçamos juntas. — Katy sorri,
segurando em sua mão e me encara. — Otávio não morde...
Ela me encara e arqueio a sobrancelha.
Eu mordo, sim.
— É, ruiva. Ele não morde. — Meu irmão completa, sorrindo.
— Vamos? — Ela se dá por vencida e assente.
Pega a bolsa e Katy entrelaça o braço ao seu. As duas vão na nossa
frente e chamam o elevador, que se abre rapidamente. Entramos,
enquanto Mikaella e Katy conversavam animadamente.
O restaurante está bem movimentado, escolhemos a melhor mesa e
bem mais reservada.
Katy se senta e Leon faz o mesmo, puxando a cadeira para o seu
lado, encaro Mikaella e arrasto uma cadeira, apontando para ela sentar.
— Que cavalheiro. — Katy elogia.
— Tinha que ser meu irmão.
Me sento, balançando a cabeça enquanto ela fica me olhando.
Fazemos os pedidos e um vinho para acompanhar. Acabou que
escolhemos o mesmo prato: uma massa com molho de ervas finas e filé
de peixe grelhado.
Katy e Leon estão conversando aos sussurros e risos, olho Mikaella,
que retribui o olhar, mordiscando o lábio devagar. Estamos lado a lado,
e falta pouco para minha perna tocar a sua.
Engulo em seco quando sinto a perna encostar a minha, é um toque
simples, mas o suficiente para uma corrente elétrica passar pelo meu
corpo.
Sorrio e aperto a coxa levemente.
Saliente...
Quebro o contato assim que nosso prato chega, e começamos a
comer tranquilamente, está delicioso.
— Acho que vou para a matriz, pegar o projeto para avaliar em
casa. — Leon sussurra, bebericando o vinho. — Vou mais cedo para
casa também. Vamos comigo, Katy?
Sorrio quando ela o encara.
— Para a empresa pegar os projetos... Achou que era pra minha
casa, né!?
Ele sorri, descarado.
— Se Otávio me liberar, eu vou.
— Pode ir. Mikaella fica comigo... — Falo olhando para ela pela
borda da taça.
Leon solta um pigarro sorrindo e eu reviro os olhos.
Entramos no elevador e Katy a frente com Leon, pedimos sobremesa
e subimos rapidamente. Encaro Mikaella que me olha de relance ao meu
lado, estava em silêncio durante todo o almoço.
Encaro o painel enquanto os números passam. Me espreguiço
rapidamente e coloco o braço em suas costas ela me fita e acaricio
descendo-a lentamente e aperto a cintura roçando o polegar devagar.
O elevador se abre a ela é a primeira contato saindo a frente, me
despeço de Leon e de Katy e sigo para minha sala. Mikaella ja estava
em frente ao computador e se quer voltou a me encarar.
E passei o restante da tarde na sala, revendo projetos e plantas.
Aperto o lápis nas mãos e o celular vibra pela milésima vez naquele
dia.
20 ligações perdidas. 34 mensagens não lidas.
Desbloqueio a tela e o nome de Anna aparece em todas as
chamadas.
Volto a bloqueio o celular e viro a tela para baixo, tento focar ao
máximo nos cálculos a minha frente. E assim que continuo durante o
restante da tarde sem ao menos perceber que as horas se passem.
Parei minha vida depois que ela saiu do hospital, fizemos uma
viagem curta para a França alguns meses depois, para tentar nos erguer
emocionalmente.
Mais uma vez deixei o assunto do divórcio de lado, e tentei reerguer
meu casamento.
E falhou, mais uma vez.
— Otávio?
Viro a cadeira e vejo Mikaella parada na porta da sala de reunião.
Acabei de sair de um vídeo conferência e estou exausto. Ela aperta a
bolsa no antebraço e os cabelos soltos caem sobre os ombros. Morde o
canto do lábio e a boca desenhada é como uma chama do pecado.
Linda. Sexy. Quente.
— Todo mundo já foi embora... — Diz baixo. — Quer que eu
arrume a sala?
Nego, juntando os papéis.
— Não. Eu vou trabalhar mais um pouco.
É só uma desculpa para não ir para casa, por que eu sei exatamente
o que está por vir, assim que chegar lá.
Mordo o lábio devagar, me ajeitando na cadeira e relaxando os
ombros, que parecem pesar uma tonelada, assim como todo o resto do
corpo.
— Eu posso ficar...
— Já passou do seu horário, Mikaella. — Sussurro, enquanto ela
fecha a porta e entra.
— É o meu trabalho. — Fala, mordendo o lábio e ajeita os cabelos
ruivos.
Balanço a cabeça, negando.
— Sabemos bem que eu só estou enrolando aqui. — Confesso o
óbvio e ela sorri.
É o sorriso mais lindo.
As sardas no nariz parecem ficar mais aparentes ainda quando ela
sorrir, me deixando louco.
Pisco devagar, olhando-a de cima à baixo.
Mikaella me encara, suspira e morde o lábio lentamente. Ficamos
nos encarando por segundos, sem falar absolutamente nada.
Mas em um piscar de olhos, afasto a cadeira e venço o espaço que
nos separa, o coração a galope, enquanto me aproximo e seguro em sua
cintura.
Os olhos azuis presos aos meus.
— O que é isso que nos atraí assim? O que você faz comigo,
Mikaella?
Ela me encara, negando com a cabeça.
— Não sou apenas eu, não é? Você sente esse desejo...
— Acha que eu estaria aqui, se não sentisse o mesmo? — A voz sai
baixa e arrastada.
Sorrio, apertando-a em meus braços e a beijo.
A beijo, tomando os lábios em uma necessidade absurda, os lábios
grudados aos meus, enquanto a língua entra e sai da boca quente e
molhada.
Agarro os cabelos, a puxando e colando a testa na sua.
— Eu aceito.
Franzo o cenho, olhando-a.
— O-que?
— Eu aceito ser a sua amante.
O que aconteceu?
Volto a me sentar no sofá, puxo as pernas para cima e olho a TV, que
passa Querido John. Depois que ele saiu, tentei descansar, mas parecia
estar mais elétrica que antes.
O celular vibra e encaro a mensagem piscar na tela.
— Quando eu te vi
Na minha frente
Vi que o amor
É tão diferente
Eu inocente caí sem querer
Foi de repente
Nem deu pra perceber
Canto, enquanto afasto os móveis, acabando de limpar toda a casa.
Mudei alguns de lugar e tirei o pó de tudo. Minha casa estava
precisando.
Danço e seguro o espanador, fazendo uma espécie de microfone, me
preparando para o refrão.
— Eu acho que pirei
Meus pés saíram do chão
Eu posso até voar
Segura o meu coração
Até me belisquei
Será que é ilusão
O que eu senti não dá pra explicar ou cantar numa canção
Nada como música, para animar um domingo de faxina.
Quando eu te vi logo pensei
É o amor que eu sempre sonhei
Meu coração então disparou
Quando você sorrindo me olhou...
Me deito no tapete, vendo tudo completamente organizado e limpo,
do jeito que eu gosto. Acabei tudo justamente da hora do almoço.
Esquento o strogonoff, que fiz na noite anterior e comi junto com
Dean e Lia, que passaram a noite comigo, como nos velhos tempos.
Assistimos filme e conversamos por horas, até pegarmos no sono, no
colchão que estava chão.
Almoçamos comida japonesa e depois que eles foram embora,
resolvi fazer uma faxina na casa toda, por que estava inquieta demais
para ficar sentada.
Coloquei uma roupa confortável e fui de carro até o supermercado
mais próximo fazer umas compras básicas de itens de sobrevivência.
Alguns chocolates, salgadinhos, refrigerantes e bastante comida
congelada.
Tomei um banho morno e demorado, onde lavei os cabelos e fiz
um spa day em mim. Enrolo uma toalha na cabeça e saio apenas de
calcinha do banheiro, passando um creme esfoliante na pele.
Olho o celular, que está com a luz acesa e o pego, vendo a
mensagem na tela de bloqueio. É dele.
Me mandou uma mensagem no dia anterior e depois disso não nos
falamos mais.
Mordo o lábio, desbloqueando o aparelho e lendo a mensagem.
Beijos.
Só com você.
Grávida 3
— E aí, Mikaella? — A voz de Lia vai ficando longe e apenas sinto
as
lágrimas queimarem meus olhos.
— E-eu... E-estou... Estou...
— Grávida. — Lia sorri, me olhando — Você está grávida. Ah, meu
Deus!
Meu Deus.
Saio do banheiro com as mãos nos cabelos, balançando a cabeça.
Meu coração palpita forte, fazendo minha garganta se fechar.
— Eu vou pegar uma água...
Um bebê. Eu vou ter um bebê.
O que eu vou falar?
Meu Deus. O que eu vou fazer?
Seguro o copo com água, bebericando devagar. Sinto o medo se
apossar de mim e as lágrimas queimarem, enquanto Lia me abraça e
choro.
— Liana...
— Mia... — Ela sussurra, afagando meus cabelos. — Amor, eu
estou aqui. Vai ficar tudo bem...
— Se ele não quiser, Lia... Eu... Não sei o que fazer.
— Você tem a mim. Você sempre vai ter a mim, Ruiva. Eu estou
aqui. — Segura meu rosto e limpa as lágrimas, que descem
copiosamente.
— Você vai ser mãe... — Espalma a mão em minha barriga rindo e a
abraço.
— O que seria de mim, sem você, Li?
Fecho os olhos e suspiro.
Almoçamos juntas, algo rápido que Lia preparou. Otávio está
resolvendo algo com Leon e vai vim mais tarde. Passei o resto do dia
tentando colocar a cabeça no lugar.
Mas ela parecia estar em qualquer lugar, menos comigo.
Penso em Michael. Na minha irmã, e agora no meu...
— Quer um sanduíche? — Lia diz, me olhando.
— Quero, vou tomar um banho. — Assinto e ela sorri devagar.
Entro no banheiro e fico me olhando no espelho. Balanço a cabeça e
tiro a roupa, me jogando embaixo do chuveiro.
Fico por longos minutos só deixando a água rolar pelo meu corpo,
então desço a mão para a barriga imperceptível.
— Eu não sei quem está aí dentro, e nem sei como vai ser. Mas...
Estou com medo.
Mordo o lábio.
— Fica quietinho, até eu ver como vamos contar.
Ela me fita calada e entrelaço meus dedos aos dela, que mantém uma
expressão indecifrável.
Eu a quero... A quero com tudo de mim.
— Case comigo? Case comigo, por favor.
— Otávio... Eu...
Abaixo meu olhar e ela põe a mão em meu queixo, o erguendo
novamente.
O vazio que eu sinto é imenso. Um grande peso em cima do meu
corpo e vários sentimentos ao mesmo tempo, me invadido.
Ela é tudo que eu quero. Tudo que preciso
— Otávio... — A encaro fixamente e colo nossos rostos.
— Eu te dou o mundo, se quiser. Eu te dou...
— Eu não quero nada. Você me basta. — Diz baixo e a encaro. —
Eu... Eu caso. Eu caso.
Sorrio e a puxo, dando um beijo em seu rosto.
— Eu te amo tanto... — Sussurro em seu ouvido e seguro em seu
rosto.
— Eu também te amo. Meu Deus, como eu te amo.
Passo o polegar pelos lábios, a olhando de cima a baixo. O coração
palpitando, dói, só em pensar que dentro dela, tem um serzinho
crescendo a cada minuto.
Deixo um suspiro alto escapar. Não sei se foi de alívio, por que por
um momento, eu senti que aquele vazio que tanto me atormenta, está se
esvaindo.
A dor ainda me toma.
Sinto a língua ávida percorrer minha boca com pressa, e nossos
corpos falando por si só. Retiro o vestido com uma rapidez invejável, os
seios firmes, altos e... Grandes! Me fazem perder o foco ao olhar.
Tem tudo de antes. Desejo e tesão. Mas não foi como das outras
vezes... Admirei cada mudança que em seu corpo.
Ela arfa e os olhos dopados de desejo, me deixam em êxtase. Chupo
seu pescoço, provando a carne macia, sinto a camisa ser arrancada de
meu corpo, enquanto ela passa a espalhar beijos por todo meu peito,
descendo.
Engulo em seco, encarando-a.
Tiro a calça com uma rapidez invejável e em questão de segundos,
estamos pelados e as bocas coladas, assim como nossos corpos vão
estar em poucos minutos.
— Otávio... — Diz entre gemidos. E ouvir meu nome saindo assim
de sua boca, tão manhosa, me faz quase gozar, sem nem encostar nela.
Beijo cada centímetro de seu corpo. Beijo sua barriga perfeita e
redonda, a coisa mais linda. Afasto sua pernas, parando meus olhos na
boceta linda, que baba de tesão.
Minha língua parece ter vida própria, pois vai diretamente para a
entrada molhada. O gosto dela me invade, me dopando de desejo. Ela
geme alto quando mordo o clitóris.
Sinto os espasmos em minha boca e aumento o ritmo, quando sinto o
gozo preencher minha boca, me afasto e vejo ela apoiada em seus
cotovelos. Percorro meus dedos pela boceta molhada, passo o polegar
pelos lábios, vendo-a tremer e me aproximo, abrindo as pernas devagar.
— Eu amo essa boceta, Mikaella. — Mordo os lábios e chupo.
Fecho os olhos e gemo. Gemo quando ela me aperta firme, meu pau
deslizando e começo a movimentar rápido. Mikaella morde forte meus
lábios e me afundo mais, fazendo-a arquear as costas e colar a testa na
minha, olhando hipnotizada para sua boceta, que engole meu pau.
É como uma anestesia, que faz tudo passar.
Meus músculos se erijecem sobre ela, os barulhos ecoando pela
sala. Os cabelos espalhados como uma cortina, os seios balançando a
cada estocada rígida.
Procuro sua boca, tomando-a e mordendo os lábios entreabertos.
Ela geme e eu bebo seus gemidos com beijos.
Em cada movimento, cada estocada funda, eu me entrego mais e
mais.
O sorriso estampado, enquanto me sento, vendo-a montar em mim.
Seguro em sua cintura e ela senta devagar, fazendo meus olhos se
revirar.
Eu viro um nada, com ela em mim.
Entrelaço os dedos aos seus, chupo seus lábios, enquanto ela desce
devagar e aperto sua cintura. Ela arqueia o pescoço e sinto os espasmos
da gozo a preencherem inteira.
A visão daria uma obra de arte magnífica. Passaria o dia inteiro
olhando-a assim, por que eu sei que se tenho uma certeza nessa vida, é o
quanto nós fazemos parte, um do outro.
— Casa comigo? — Repito, com um sorriso.
Ela me fita, negando devagar e sorri.
Sorri, virando meu coração e meu corpo ao avesso.
— Caso. — Repete, mordendo o lábio.
Fito o monitor e meus olhos estão paralisados, encarando a imagen
turva, que de repente se torna nítida. Mikaella sorri, me olhando e
seguro em sua mão, apertando-a.
— Está tudo ótimo, olhe os dedinhos... — A médica sorri,
apontando.
Meu coração dispara e engulo em seco, olhando admirado.
— Já dá para ver o que é? — Mikaella indaga.
— Sim. — A médica sorri. — Já está na 16⁰ semana de gestação.
Está perfeita.
Fito a doutora, que sorri levemente.
— É uma mocinha.
Sinto o coração parar por um instante e ele volta a bater
desenfreado.
— Uma menina? — Sussurro.
— Muito sapeca e agitada. — Ela sorri.
— Puxou a mãe. — Fito Mikaella, que limpa o rosto e sorri.
A doutora continua a fazer a ultrassonografia, e eu não consigo tirar
os olhos daquela coisinha perfeita e magnífica diante dos meus olhos.
As semanas passaram lentas, e mesmo que eu quisesse continuar
com a minha vida normal, eu sei que ela nunca mais vai ser a mesma. A
mídia e todo resto, ainda falam sobre o assunto.
Todas as noites, eu ainda sinto o vazio e o tormento daquela dor, que
me tortura. E seria mentira se eu falasse que não choro.
De culpa, arrependimento e raiva.
Luíza é a única que foi poupada dessa história. Foi passar uns dias
na casa dos avós paternos, na fazenda. Nos falamos todos os dias e estou
com muita saudade.
Meus pais e meus irmãos são minha fortaleza, onde não me deixam
ser derrubado. Mikaella é meu ponto de apoio, ela é o motivo pelo qual
eu não desisto.
Elas.
Sorrio com o pensamento e a beijo.
— Uma menininha... — Me encara e espalmo a mão na barriga,
ainda exposta.
— Nossa ruivinha. — A voz embarga e engulo em seco. — Nossa,
Alice.
Ela assente, me beijando.
— Nossa, Alice. — Repete e encosta a testa na minha.
Pensamos em tantos nomes, mas esse tomou nosso coração.
— Alice Gonçalves Perrot... — Encaro Mikaella, que balança a
cabeça. — Tem noção do quanto me faz feliz?
— O mesmo tanto que você me faz. — Diz baixo e a beijo.
A acompanho em todos os exames e ultras. Me sinto tão realizado.
Mikaella está saudável e faz de tudo para manter a gravidez bem.
É surreal sentir cada chute, que começou imperceptível, mas é como
se meu coração pulsasse junto.
Tenho uma audiência em breve, para resolver o divórcio e o
processo do hospital. Não vou desistir.
Há algumas semanas, fiquei frente a frente com Anna, e meu Deus,
eu mal consigo encara-la sem sentir a raiva me dominar de uma forma
absurda.
◆◆◆
Michael passou por testes rápidos e foi levado para uma sala. Os
minutos parecem não passar de forma alguma. Estou desesperado,
agoniado.
Me ergo, olhando o policial passar e Michael parar a minha frente.
— Eu quero dizer que sinto muito por tudo.
— Sente? Sente, mesmo? — O olho de cima a baixo. — Você é
falso demais.
Ele assente, nos olhando.
— Eu só fui atrás de você, por que querendo ou não, Mikaella ainda
é sua filha.
— Diga a ela que seja feliz.
— Ela vai ser mesmo. Bem longe de você. — Liana dispara.
— Senta. — Roger me olha. — Quer tomar alguma coisa?
Nego veemente.
Eu não consigo engolir absolutamente nada. Nada.
Olho para o relógio a cada segundo, mas parece que a hora não
passa. Ou eu não consigo raciocinar para vê-las passando.
— Otávio... — Leon começa, mas vejo o médico se aproximar.
— Doutor...
— Como elas estão? — Meu pai pergunta na frente.
Mamãe se levanta, vem em minha direção e já sinto minha garganta
fechar.
Lúcia entrelaça os dedos aos meus e meu coração começar bater
descontrolado.
— Ocorreu tudo bem. Mikaella e a bebê estão bem.
Solto a respiração, que nem percebi que está segurando. Sorrio de
alívio, entre as lágrimas e Leon bate em meu ombro, me abraçando.
— Graças a Deus. — Um misto de emoções transborda de mim.
— A cirugia foi delicada, mas conseguimos reverter a hemorragia.
As duas estão bem, Mikaella ainda está desacordada e a bebê está
fazendo os procedimentos necessários.
—Ah Deus! — Mamãe comemora, com a mão no peito.
— Alice nasceu... — Leon me encara.
— Nossa princesinha. — Lúcia me beija sorrindo, enquanto limpa o
rosto.
— P-posso vê-la?
— Claro, mas com calma.
Encaro Lia, que segura em minha mão e sorri.
— Vai. Vai vê-la. — Funga.
A cada passo que dou, é como se meu coração disparasse mais
ainda. Entro pelas portas duplas de vidro e suspiro pesadamente, ao
ouvir o choro baixinho.
Meus olhos fixam na bebê e eu paraliso.
— É ela? — Leon pergunta.
Os bracinhos balançam de um lado para o outro, me deixando
hipnotizado.
Ela é perfeita.
— Olha só, Otávio... O tamanhozinho.
Sorrio, percebendo meus olhos marejarem. Ela está sendo embalada
por uma enfermeira. Os olhos abertos e os poucos fios na cabeça,
revelam que vai ser a cópia da mãe.
— Meu Deus! — É a única coisa que consigo pronunciar.
— Entra, papai. — Meu irmão sorri e o fito.
Entro na sala, coloco as roupas descartáveis e me aproximo,
enquanto a enfermeira a segura.
— Já fez isso antes?
— N-não. — Digo visivelmente nervoso e sorrio.
— Mantenha os braços firmes e apoie a cabeça dela em seus
braços...
Quando finalmente a seguro em meus braços, as lágrimas vão
descendo sem eu ao menos perceber. Leon me encara pelo vidro e sorri.
— Oi, minha filha... — Ela me encara e engulo em seco. — Então
era você esse tempo todo...
Pisca devagar, abrindo a pequena boca e sorrio.
Sorrio como um louco.
Escuto as batidas no vidro e vejo todos alí. Mamãe sorri abraçada
ao meu pai. Lúcia limpa o rosto e Roger a fita. Lia está com as mãos no
vidro, enquanto Leon a encara.
— São seus avós alí, amor. Seus tios e sua tia postiça. Eles estão
aqui, por que sua mãe nos deu um baita susto...
Minha voz sai embargada.
Encosto os lábios de leve na cabecinha com a touca cor de rosa e a
lágrima desce.
— Seja bem vinda ao mundo, minha Ally...
— Ela é linda, meu filho. Linda! — Mamãe fala encantada.
Olhamos Alice, que coloca as mãozinhas na boca. Está deitada no
berço e eu poderia passar uma vida inteira olhando-a, que não me
cansaria nunca.
— Ela é a coisa mais fofa que eu já vi. — Lúcia completa com as
mãos juntas.
— É a cara da Mikaella. — Roger sorri.
— Preciso ver, Mikaella.
— O médico disse que ela vai acordar daqui a pouco. Pode ir.
Vamos ficar aqui, babando nessa princesa. — Leon diz.
— Eu vou vê-la daqui a pouco, também. — Liana fala.
Meu sorriso é gigante, só não é maior que meu coração. Meus olhos
se fixam novamente em Alice.
É um amor surreal de lindo. Meu coração batendo fora do peito.
Abro a porta do quarto devagar e vejo que Mikaella dorme
tranquila. Suspiro pesadamente ao me sentar ao seu lado e seguro em
suas mãos.
Ela se mexe devagar.
— Obrigado, amor. Obrigado pelo presente mais lindo... — Beijo a
mão devagar. — Ela é linda. Linda como você.
Ela abre os olhos devagar, piscando algumas vezes.
Ela me encara com os olhos perdidos e sorrio, segurando sua mão
perto do meu rosto e dou um beijo em sua testa.
— Deu tudo certo, amor. Tudo certo. — Aviso e ela suspira
aliviada.
— Eu tive tanto medo, amor.
— Eu sei.
— C-como ela está?
— Está bem. Ela é linda. Linda...
— Quero vê-la. — Pede sorrindo. — Quero vê-la.
— Já vão trazer ela. — Acaricio seu rosto e ela fecha os olhos.
Vou contar sobre Michael depois, ela precisa saber. Depois de
algum tempo, a porta se abre e a enfermeira entra, trazendo o pacotinho
embalado nos braços.
Alice resmunga e Mikaella olha rindo e limpa uma lágrima que cai
de seu rosto.
— Alguém está com fome.
A enfermeira ajuda Mikaella a botar Alice para mamar.
— Oi, meu amor. — Diz baixou. — Ela é tão linda... Tão pequena...
Mia segura na mãozinha, que aperta seu dedo em um reflexo. Rimos
e choramos ao mesmo tempo em que ela dá um resmungo alto.
As duas mulheres da minha vida.
— Olhe os dedinhos. — Me mostra. — O nariz...
— Tão linda, quanto você. — Acaricio a cabecinha, enquanto Alice
abocanha o seio, mamando desesperada.
— Você é esfomeada, também.
— Uma mini versão sua. — Fixo os olhos aos seus e ela ri, me
olhando.
Os olhos azuis brilham e a beijo devagar, com todo amor e carinho
do mundo.
O coração dói, de tanto amor.
Mia segura Alice no colo conversando baixinho, quando a porta se
abre devagar e todos entram sorrindo. Lia abre a boca ao ver Mikaella.
— Ah, Mia. — Diz chorosa e vai para perto. — Quer fazer um teste
no meu coração? É isso?
— Eu te amo.
— Eu amo mais. — Lia sorri
— Não canso de falar o quanto ela é linda. — Lúcia fala, olhando-a.
— Realmente, ela é sua cara, Mikaella. — Mamãe a segura nos
braços. — Oh, vovó...
— Graças a Deus, é a cara da mãe! — Leon exclama e rir.
— Está muito feliz, meu filho. — Meu pai assente e suspiro.
— É um sonho que foi realizado, pai. Um sonho. — Olho para ele.
— Quero ser para ela, o que o senhor sempre foi para mim.
Ele bate de leve em minhas costas e me abraça.
Não nego que chorei.
Chorei de alívio, de felicidade e de um amor inexplicável, que me
toma. Alice é nosso mundo. O centro do nosso mundo, agora.
— Ela dorme tão tranquila. — Mikaella diz. — Como ela é linda,
não é?
Acaricio os cabelos dela, que dorme nos braços de Mia.
Estamos apenas nós três no quarto. Todos estão na recepção e
vamos passar o resto da madrugada, que já está acabando.
— Não vou me cansar de olha-la, nunca.
Acaricio devagar e ela me encara, suspirando.
— O primeiro passo dela, vai ser para l meu abraço. Eu nunca vou
deixa-la cair. Nunca vou falhar com ela, Mikaella. Você e ela, são o
motivo de tudo... O furacão mais lindo que já passou em minha vida.
— Eu te amo. — Me dá um beijo.
Mia conseguiu descansar e por mais que o cansaço me domine, eu
não consegui pregar o olho. É uma inquietação, e olho a cada segundo
para Alice no bercinho.
A pego no colo, embalando o corpinho mole em meus braços e me
sento na cadeira.
Essa coisinha minúscula, é uma das coisas que eu tenho de mais
precioso na vida.
— Sempre sonhei com você. Eu te amo tanto. Você é a prova mais
linda do perdão do seu irmão, que está lá no céu, minha pequena. E vai
te proteger lá de cima.
Sorrio, a olhando.
— Otávio? Otávio?
Abro os olhos e vejo Leon me olhando.
Mikaella sorri, segurando Alice, que parece faminta, nos braços.
— Apaguei depois de colocar ela no bercinho. — Me ergo e
segurando no pescoço.
— Cara, você pegou no sono aí. Sua idade não permite mais isso.
— Leon debocha.
— Engraçadinho. — Olho para Mia, que está sentada e beijo sua
testa. — Descansou?
Ela assente devagar.
— Alice estava chorando e Leon chamou a enfermeira. Ele ficou
com medo de pegar ela.
Mikaella diz com um tom divertido.
Olho para Leon, incrédulo.
— Não! Você não está com medo de segurar um bebê nos braços. —
Começo a rir.
— Claro que não... Ela só é muito pequena e...
Sorrimos, olhando Leon.
— Trouxe umas roupas para vocês. Lia separou a roupa da ruiva e
eu a sua. Lucy está trazendo as da pequena.
— Vou tomar um banho.
Tomo um banho rápido e visto a roupa rapidamente. Saio,
olhando Mikaella ri de algo que Leon fala.
Lúcia e Liana já estão no quarto, babando em Alice, que está usando
um macacão cor de rosa, assim como o laço minúsculo em sua cabeça.
— Cadê a boneca da titia?
— Vamos dar uma volta? — Leon chama e assinto.
— Volto já.
— Elas estão bem cuidadas. — Liana sorri.
Meus pais foram descansar. Vamos para a lanchonete, Leon se senta
a minha frente, estendendo o copo de café em minha direção. Ele bebe o
seu devagar e o fito.
— O que aconteceu?
Me olha por cima da borda do copo e o deposita sobre a mesa.
— É algo delicado. — Suspira e franzo o cenho.
— Leon...
— Anna deu entrada na clínica, mas tomou uma quantidade absurda
de remédios e...
O encaro suspirar.
— Causou um AVC isquêmico. Ela está em coma.
Continuo calado, o olhando.
Eu não consigo sentir nada. Nada.
— Natan me avisou, está todo mundo muito abalado.
— Luíza? Ela já sabe?
— Ela foi lá para casa com mamãe e papai. — Ele assente e nego
devagar. — Ela está...
Me ergo em um salto rápido.
— Eu preciso vê-la.
Salto do carro assim que Leon estaciona, mil e uma coisa passando
pela minha mente. Subo os degraus da entrada, abro a porta da sala e
meu pai me encara.
— Onde ela está?
— Está no quarto, com Felícia.
Pulo os degraus de dois em dois, passo pelo corredor e abro a porta
do quarto, ouvindo o choro estrondoso e paro.
— Ela me deixou... Ela me deixou, igual minha mãe! Eu não tenho
ninguém... Eu não...
Mamãe me encara enquanto a abraça e abro a porta.
— Ela me deixou! Ela me deixou!
Me sento devagar, olhando-a soluçar alto.
Só então percebe que estou ao seu lado, ela se vira e se joga em
meus braços. A aperto, ouvindo o choro esganiçado que sai do fundo da
sua garganta.
— Estou aqui.
— Ela me deixou! Me deixou...
Afago seus cabelos e beijo sua testa.
— Ela não pensou em mim... Por que tudo que eu amo se vai? Por
que, tio Otávio... Por que!?
Seguro em seu queixo e limpo as lágrimas que caem.
— Eu estou aqui, meu amor.
Luíza nega veemente e levanta.
— Você tem sua família! Eu? Eu não tenho ninguém! Eu sou sozinha.
Não tenho mais pai, não tenho mais mãe. Eu não tenho ninguém!
— Luíza...
Arfa e solta um soluço esganiçado.
— Tudo que eu amo, se vai.
A encaro fixamente, seguro em sua mão e a aperto entre a minha.
— Eu sempre vou estar aqui, Luíza. Sempre. — Ela nega com a
cabeça. — Eu nunca vou te deixar, minha pequena, nunca.
— Vai sim, vai me deixar.
Sorrio devagar e afago seu rosto.
— Você tem sua família, agora. Tem sua filha e tem...
— Tenho duas filhas. — Corrijo e ela fecha os olhos. — Esqueceu?
A puxo para um abraço, coloco o queixo no topo de sua cabeça,
ouvindo o choro baixo e as batidas frenéticas do coração disparado.
— Eu nunca vou te deixar. Nunca. — Repito.
Ela deita na cama e pousa a cabeça em meu peito.
— Alice me lembra você, quando nasceu. Quando segurei aquele
pacotinho loirinho nos braços, pela primeira vez...
Luíza está em silêncio.
— Só que ela vai ser ruivinha.
Ela ergue os olhos e me encara.
— Como sabe? Ela é pequena ainda.
— Mas dá para ver que vai... Eu não sei segura-la direito, vou
precisar de ajuda... — Digo baixo, vendo-a piscar devagar.
— Eu sei segurar o Noah. Tia Gaia me deixa segurar ele.
— Você pode segurar a Alice, também.
Luíza me olha e sorrio.
— Posso?
— Claro. Você é a irmã mais velha... Pode ensinar ela a fazer tudo.
— Tia Anna vai morrer? — Pergunta, depois de alguns segundos em
um longo silêncio.
— Eu não sei, meu amor. Eu não sei.
— Não quero que ela me deixe, não quero perde-la.
Volta a deitar em meu ombro e fecho os olhos, suspirando. Luíza a
amava com todas as forças. Ela pega no sono e a ajeito na cama, beijo
sua testa e saio do quarto devagar.
— Ela dormiu um pouco.
— Coitadinha. — Mamãe coloca a mão no peito, com tristeza.
— Eu volto para vê-la. Cuidem dela.
— Sempre. — Papai assegura.
Pego o carro e paro em frente ao hospital, desço devagar, tiro os
óculos e entro na recepção. Leon saiu na frente e já me espera.
Paro ao ver Letícia e Gaia, que se levantam assim que nos vêem.
— O que está fazendo aqui? — Letícia me encarando com o rosto
banhado por lágrimas.
— Você sempre passou as mãos na cabeça dela. Para tudo. Você é
tão responsável pelo que aconteceu, quanto ela, Letícia. — Digo firme e
engulo em seco. — Queria dizer que sinto muito, mas seria hipocrisia da
minha parte.
Gaia baixa os olhos e Letícia continua me olhando.
— Ela vai se recuperar, minha filha é forte.
— Que ela pague por tudo que fez. E pode demorar, Letícia, mas sua
conta chega. — Vejo-a me olhar fixamente. — Só queria dizer que o
único motivo de eu não levar você para a cadeia, é a Luíza. Ela já
perdeu pessoas demais e eu a amo muito, para vê-la sofrer, mais do que
já está sofrendo.
Letícia ergue o queixo trêmulo.
— Minha relação com Luíza, vai ser a mesma. De pai, para filha.
Sempre. Mas meu contato será apenas com ela. Eu não quero saber, ou
ouvir falar de vocês.
— Digo o mesmo.
— Luíza é minha prioridade. Vou priorizar o bem estar e a saúde
mental dela, acima de qualquer coisa. — Torno a falar firme. — Espero
que para você, seja igual, Letícia. Por que eu movo o céu e o inferno
para proteger ela... Até de vocês, se for o caso.
— Luíza é minha neta. Acha que eu faria...
— Ben também era, Letícia. — A corto de imediato. — O recado
foi dado.
Saio e ouço os passos apressados logo atrás.
— Otávio? — Olho para Gaia, que se aproxima. — Parabéns pela
sua filha.
Sorrio, a encarando.
— Obrigado. Parabéns pelo seu filho, também.
— Eu não vou deixa-la também. Amo muito Luíza. — Diz baixo. —
Sinto muito por tudo que Anna fez. Eu sinto muito, de todo meu coração.
— Eu sei, Gaia.
Ela sorri levemente e assente suspirando.
— Você merece ser feliz.
Engulo em seco e Leon me encara de relance.
Nathan nos olha parados.
— Posso falar com você?
— Não estou para brigas, Nathan. — Digo de imediato.
— Não vou. — Diz com as mãos enfiadas nos bolsos da calça.
Ele se aproxima de Gaia, que o olha.
— Eu sinto muito por tudo que aconteceu, e ouvi sua conversa com
mamãe. Sobre Luíza, sobre tudo. — Ele assente e continuo calado, o
olhando. — Eu agora consigo imaginar a dor que você sempre sentiu, a
perda de um filho.
— Sua irmã causou uma dor, que nem em mil anos conseguirei
suavizar. — Mordo o lábio. — Realmente, a única coisa que eu quero, é
viver em paz.
— Todos nós. — Ele diz.
Assinto e me viro, saindo rapidamente. Sigo com Leon em silêncio.
— Como está se sentindo? — O olho de relance.
— Livre. — Dou de ombros.
Ele bate em meu ombro e sorri.
— Agora acabou.
Nego devagar.
— Apenas começou, Leon. A minha vida começou.
— Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota a voar no céu
Canto baixinho, enquanto Alice mama, me olhando.
É a conexão mais linda do universo.
— Vai voando
Contornando a imensa curva, norte, sul
Vou com ela viajando
Havaí, Pequim ou Istambul
Pinto um barco à vela branco, navegando
É tanto céu e mar num beijo azul (...)
Minha mãe cantava essa música sempre que íamos dormir. Me deu
saudades.
Alice faz um barulhinho lindo e sorrio.
Mesmo com todo o cansaço, tudo se vale a pena quando a olho.
— (...) E o futuro é uma astronave
Que tentamos pilotar
Não tem tempo, nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença, muda a nossa vida
E depois convida a rir ou chorar
Sussurro baixo, vendo os olhinhos se fecharem e uma mão
espalmada em meu peito.
— Nessa estrada não nos cabe
Conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe
Bem ao certo onde vai dar...
Otávio entra, para a nossa frente e cruza os braços, nos encarando.
— Vamos todos numa linda passarela
De uma aquarela
Que um dia enfim descolorirá
Ele sorri e se ajoelha em frente a poltrona.
— Dormiu? — Assinto. — Luiza já foi?
— Leon a levou. — Acaricia os cabelinhos de Alice.
Sei o estado de Anna, que agora é bem delicado. Está com metade
do corpo paralisado e havia perdeu os movimentos. Não me abalou
quando soube.
Eu não sinto nada com aquilo, a não ser um certo tipo de pena.
Otávio se aproxima e beija minha testa.
Meu coração bate desenfreado e suspiro quando ele a pega no colo
e sorrir de lado
Eu amo observar ele, com ela no colo.
Capaz de me deixar trêmula. Um homem alto, forte, com uma bebê
dormindo tranquilamente em seu peito, é uma cena de filme.
Mas não qualquer filme, O filme da minha vida.
Depois de algum tempo, ele a coloca no berço, sinto os braços me
rodeando e apoio a cabeça em seu peito.
— Nem acredito que estamos aqui... Assim, com ela.
— Talvez acredite, quando ela te chamar de pai pela primeira vez.
— Digo sorrindo.
— Aí eu posso ter um infarto. Minha idade já não permite mais isso.
— Dramático. — Brinco e ele me beija, esfregando o nariz ao meu.
— Você aguenta muita coisa ainda...
— Mikaella... — Diz sério e rio baixo.
Amo vê-lo sorrir.
— Será que sempre vamos ser assim?
— Assim, como? — Indaga.
— Assim... Como somos.
Ele põe os dedos nos meus lábios.
— Somos imperfeitos, Mikaella. Somos falhos... Mas eu prometo
que vamos viver cada dia de nossas vidas, como se fosse o primeiro. —
Acaricia meu rosto. — Por que eu te amo, com tudo de mim. Por que eu
descobri o que é realmente o amor, ao seu lado.
O abraço quando ele me beija devagar
— A nossa vida está apenas começando. — Entrelaço os dedos aos
seus.
Alice chora, nos fazendo sorrir e Otávio a segura, me olhando.
— O papai e a mamãe estavam falando de como nos amamos, e a
você também. — Otávio fala com ela.
— De como você veio ao mundo, trazendo tudo de bom, Alice. Que
é a nossa vida.
— O começo dela.
Sorrio ao me aproximar do jardim e ver Otávio erguer Alice para
cima, a risada contagiante ecoa e é impossível não sorrir junto com ela.
Os poucos cabelos ruivos de Ally e
os olhos, que são de um azul, igual os do pai. Ela coloca as mãos no
rosto de Otávio, que sorri a beijando.
Esses 4 meses, foram as maiores emoções das nossas vida. Os
primeiros meses da vida de Alice contagiaram a todos nós. Tudo que ela
faz e cada descoberta, por menor que seja, é motivo de alegria.
Nos mudamos há dois meses, e que surpresa foi a minha ao ver a
casa de dois andares, com mais cômodos do que eu poderia imaginar.
Casa é modéstia ao falar, é literalmente uma mansão, com seis quartos,
duas salas de estar e uma de TV. Fora uma brinquedoteca, cinema,
academia e uma área gourmet.
— Vai bagunçar todo o vestido dela. — Digo, o olhando e ele sorri.
— Ela que quis ser jogada para cima. — Otávio a encara. — Não
foi, filha?
Nego e suspiro.
— Vamos?
— Vamos. — Entrelaçamos nossos dedos.
Hoje é um dos aquelas dias, em que a emoção toma conta. Minha
irmã e minha tia estão chegando, finalmente. Eu não sei explicar a
sensação que estou sentindo em meu corpo e no meu coração nesse
momento.
Alice fala algumas coisas desconexas e logo sorri, assim que a
coloco no bebê conforto. Seguro em suas mãos e ela aperta, me olhando.
— Vai conhecer sua titia. — Digo rindo. — Está ansiosa, Ally?
É um amor inexplicável, que não tem medidas. Apenas dá para
sentir de uma forma única.
Nossas vidas deram um salto tremendo. Vivemos um dia de cada vez
e eu nunca, em toda minha vida, achei que viveria tudo isso.
A Perrot está crescendo mais a cada dia, graças aos três, que dão o
sangue pela empresa. A união de Otávio, Leon e Lucy é uma das coisas
mais lindas que já vi.
— Está nervosa? — Ele pergunta, assim que chegamos no aeroporto
e assinto.
— Estou. — Sorrio, mordendo o lábio e olho para Alice, que dorme
deitada em seu ombro.
— Estou aqui. — Segura em minha mão.
A ansiedade está a flor da pele.
Enquanto caminho, equilibrada nos saltos, cada passo, é uma batida
frenética no peito. Passamos pelos portões, e esfrego a mão de Otávio,
que segurava a minha.
Ando de um lado, para o outro por alguns minutos, sabendo que o
avião já pousou.
Solto o ar, olhando para as escadas quando elas aparecem com as
malas.
O encaro e ele aponta rindo.
— Vai... Esperaram demais por esse abraço.
As lágrimas nublam a visão, enquanto ando depressa e Gaby desce
os escadas rapidamente.
Me aproximo e ela se joga em meus braços, nós duas chorando de
emoção e saudade.
— Mia... — Seguro em seu rosto, olhando-a de cima a baixo.
— Como você está linda, meu amor. Meu Deus. — Sorrio e choro
ao mesmo tempo. — Cadê minha irmã caçula, de quando vim para cá?
— Você está tão linda.
Limpo o rosto, enquanto minha tia me encara e a aperto.
— Eu senti tanto a sua falta, meu amor. Você está tão linda, tão
linda...
— Ah, tia. — A abraço e o cheiro do perfume que eu amo me
invade.
— Está uma mulher, maravilhosa. Anwwww...
Ela para, sorrindo e olhando por cima do meu ombro, quando
Otávio se aproxima com Alice, que ainda dorme.
— Tia, quero conheça as duas pessoas que me mostraram o que é
amor.
— Ela é sua cara, Mikaella... — Tia Vera fala, com Alice já em seu
colo.
Estamos em casa e minha irmã está encantada com toda a cidade.
Elas vão ficar aqui até o batizado de Alice, que é em dois dias, mas
depois vão para o apartamento.
Preparamos tudo para as duas.
— Eu estou tão feliz por você, minha filha. Tão feliz. — Me sento
ao seu lado e ela segura em minhas mãos.
— Agora eu posso dizer que minha felicidade está completa, com
vocês aqui... — Digo, vendo minha irmã rir com Alice em seu colo.
— Se Vivian estivesse aqui para ver tudo isso... Sua filha.
— Acho que ela não ia me perdoar — Mordo o lábio, mas ela nega.
Algumas lágrimas caem e ela as limpa.
— Não diga isso, Mikaella. — Diz séria. — Ela ia vê-la feliz. E
você está feliz...
Assinto e a abraço, deitando a cabeça em seu colo, enquanto ela
afaga meus cabelos.
— Eu senti muito a falta de vocês.
Minha tia, depois de alguns minutos, sai com Alice para conversar
com Otávio. Minha irmã me olha fixamente e volto a abraça-la.
— Achei que nunca mais íamos ficar assim de novo. — Afago seus
cabelos, que são um pouco mais escuros que os meus.
Limpo seu rosto e aperto suas mãos.
— Sinto saudades da mamãe. — Ela fecha os olhos e assinto.
— Eu também sinto. — A puxo para os meus braços. — Ela está
olhando pela gente, de onde estiver.
Gabriella assente e ergue o rosto, limpando-o.
— Lembra daquele filme que a gente assistia? — Indaga e franzo o
cenho.
Ela sorri e pega na mochila o pequeno Stich.
— Ohana, quer dizer família. E família, quer dizer nunca abandonar,
ou esquecer.
Falamos em uníssono e rimos.
Foi um presente que dei a ela antes de viajar. Costumávamos assistir
ao filme, que de uma certa forma, nos lembrava.
Uma irmã mais velha, que fica responsável pela guarda da irmã
menor quando os pais morrem. Lillo e Stich, fez parte de nossa infância.
Realmente, família quer dizer nunca abandonar, ou esquecer.
Conversamos por longos horas, mas pela exaustão da viagem, minha
irmã foi dormir e Otávio foi colocar Alice em seu quarto.
Minha tia me encara e se aproxima, sentando ao meu lado.
— Quis te dar isso quando a Gaby não estivesse perto.
Franzo o cenho assim que ela me entrega o envelope branco.
— Leia com calma. Boa noite, meu amor. Até amanhã.
Me beija devagar e sai.
Abro o envelope rapidamente e as letras, de quem eu conheço muito
bem, me deixam com as mãos trêmulas.
◆◆◆
Oi, Mia. Provavelmente, quando estiver lendo essa carta, eu já não
estarei mais aqui. Mas calma... Vai ficar tudo bem. Vai ser difícil no
começo, mas sei que sua tia vai cuidar de vocês, com todo o amor do
mundo.
Sei que é forte, minha filha. Que a saudade será dolorida e irá
sufocar às vezes. Mas não podemos adiar a partida. Eu peço perdão,
por não estar presente quando você for mãe e construir sua família.
Peço perdão, por não ver o crescimento de sua irmã, por não abraça-
las quando o medo pairar.
Falei coisas, da qual eu sei que causaram um peso enorme em seu
coração e na sua mente de menina. Mas não é porque o amor não deu
certo para mim, que não dará para você, filha. Eu fui feliz com seu
pai, pelo menos, achei que fosse.
Mas não se pode amar por um.
Não se pode lutar sozinho, por alguma coisa que não existe mais. O
casamento é uma via de mão dupla e só funciona se ambos quiserem.
Eu estou bem, mas com o coração em pedaços, por estar deixando
vocês duas... Eu sinto muito. Saiba que de onde estiver, estarei
olhando por vocês.
Aproveite cada segundo de sua vida, ame o tanto que puder.
O amor, é um dos sentimentos mais belos e puros de uma vida
toda.
Seja forte e corajosa, Mikaella.
Com todo amor do mundo.
Mamãe.
◆◆◆
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