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{ | oes Margareth Rago Copyright by Laie Margareth Rago cr mon “Se BLING OIL g Rav Revisto: Suely Bastos j - ee | bee oomenvie. umoave O EDGARD LEUENROTH sobre ilustragses da Revista Eu Sei MP e foto de O Estado de’ Sao Pai 8 Do cabaré ao lar wA Utopia da Cidade Disciplinar UNIVERSIDADE FEDERAL DE-UBERLANDIA BIBLIOTECA CENTRAL Direitos adquiridos pela Editor Paz.e Terra S/A Rua So José, 90 — 18.9 angar Centro — Rio de. Ja Tel. 221-3996 Rua do°Trivntoo"177 Santa Brigénia —= Sto Paulo; SP ‘Tel. 223-6522 198s Impresso no Brasil Printed in Brazil Paz e Terra INTRODUCAO ‘Uma imagem mitica; Atila, 0 temivel guerreiro huno, comanda asinvasio dos bérbaros. Com a-espada de Marte, det semeia 0 terier- por toda’a parte. Nas terras que seus ex tat, a grama jé nao cresce. Désestabilizagao da ordem $0 ‘ehos; naufragio da vida perigo-da devastagao provém de outras plagas. O mais “eiviligado: os imigrantes que chegam com outr outras cablegas; estranhes «deseonhecidos. “ Nao" écertamente sob as ‘dBniihidm W prdstitutas Hacfonais; que se revolve @ mi i da pressiio ou da influgnci ‘dos costumes, as préticas dissolutds, 0 alcoolismo, 0 jogo, o crime, as docngas que penetram pelo porto de Santos em companhia dos ianos, espanhdis, porlugueses, polacos, a nova pra’ da Tuta de classes: tudo se pass.como se 0s “novos barbaros” aportassem entre nés Marca de uma ruptura profunda; um passado tranqtilo, ca de nossos concidadaos”, desta nossa gente que no dizer de um chefe de policia, em 1904, “acolheu com, profunda simpatia" o reforgo davagao ‘policial sobre a cidade de So Paulo. De outro lado, a constatagdo ide um presente onde impgram) as: ‘dissensdes sociais, os ‘contlitos politicos, os surtos epidémicos, a criminalidade ampliada, os habitos dissolutos, a pr milsouidade das :habitagbes sujas'e fétidas, # proliferagio dos gatu: ngs, ‘vadiosveicaftens. A ameaga da intranqiilidade’ social, da con ul lizada, (Nes tempos’ tmodernos, 0 UBIVERSIDADE sist minaso-fisica e moral, da destruiga raca: resultados-nefastos-e-sombrios da: "Basta ionada para a escola que se criam no pais sidade operdria, para autoridades competentes sugerem & construgio iénicas e confortaveis, ante, nem tudo se passa como.se imagina. Pata reali : ratiads pis amor e i 3 feional ivre ¢ de tantos rere ‘oUtHGS YetHtas* que, insimiliinG; so profundamente fascinantes, 6: prajaiae seh Assim também‘enterido 0 eco que ressoou de vozés que falavam 20 universo dos valores’ bi formagio do, proletariado, acredito ‘que devemos gem. pr ‘no pi : Inicrrget OPA constriigao. no caipe.da lita pol dade-que se recusarat ‘hierdiquica © centralizadora? Seria ta de visao politica”? O'S que_atuam no interior-da-tébsiger mas’ tainb S59 perseguem 0 trabalhador-em todo: QO” nas horas de lazer, buscando gedefinir sua mancive de pen sentir, de agit e etradicar praticas © hébitos considetace NP ciosos e: tad mente a propalada “falta 8 tamllia.cons Thompson. La Formacién Histériea de la Clase Obrera, Barce- indrio de mulher, voltada-para-a Bel S2. 15 eihiiotses Contre — 6 ate mene Penso que perderiaiios a nos mantivéssemos ptésos & Iégita difundem uma outra’ concepeao’ apenas no campo da politica’ BRIGAnSATANICA/FABRICA. HIGIENICA na rua, Desvendam os intimeros-e sofisticados mecanismos’tecndlé- : . gicos do exercicio da dominagéo burguesa: do poder em sua positividade, como rede de’ relaBes | que se exerce molecular, fi os dominios da vi trando os gestos, elevando a rentabilidade do: trabalho aponta Michel Foucault —, abre toda uma perspectiva’método! que permite repensar a atuago dos anarquistas 2 partir devoutros’ - pardmetros.? Embora situados em campos te6ricos. €:metodolégicos diferenciados, Thompson e Foucault chamam a atengao:péira-outros momentos do exer cupetar as préticas p 7 x en + FP Napequena'e mal iluminade sala da gréfica'situada & rua Sante Cruz da Figueira, em Sdo'Paulo, 6 tipografo’ Edgard Letien- roth: conveisa: cpm alguns-companheitos. Discute’ cor 0 advogado Neno.Vasca¢ como. ‘a-Mota Assungao: a elaboragao ‘do »primeiro:ntimero.de-um jornal operdrio: A Terra Livre. O espanol Manuel. Moscoso também participa da reuniao. 1905. O primeiro németo deste pelo) iscurso patroniil & dos cobertas’ foram muitas. / viagem. . Marga, jas # em Sig Paulo. 0. Amigo do Povo 2. Michel Fouceult, Vigiar ¢ Punir. Petropolis, Vozes, 1977. de A Terra Livre} 14 acsarenan ' somcouti homiem seré.dono-dos.prprios atos. Propondo a reorg jatividade do ttabalho.e dos multiplos campos da vida tham9s, desejos ¢ prometem realizar as perspectivas de trabalhadores, frustrados paso a paso. pela imposigio la: yontade, dos dominantes, 7a. Nas prises por onde passa, convive 3s libertétios, entre os quais Orestes Ris- tori ¢ Alexandre \Cerchiai.. Todos ‘optamt pela. imigracio ao. Brasil. En ido-se_aqui e conhecendo outras figuras de destaque do moviments operdrio que entao se inicia, estes homens terdo intensd itica nos acontecimentos que se sucedem. Junta- istori, qué reencontra cm Sfo Paulo, Gigi iani funda o jornal libertério La Battaglia, enquento que em 1903, com Alexandre Cerchiai e Rodolfo Felipe, inaugura outro periédico de tendéncia semelhante: La Barricata. Mas é muitos anos. depois que surge a mais famosa de todas as publicacdes libertérias: Plebe, cuidadésamente editi 1en —— ando es paginas ja bastante amareledas destes jornais, reunidos hd ndo muitos anos, a primeira impresséo que me causam € a de uma riqueza muito grande de idéias e de econteciment de um pei nova. figura do: trabalho, mente rentdyel entrarem no pais, fazem explodir todas es leheadas sobre seus ombros,, procuranda cada ver mais-incisiva @ pergunta: © que queriam aqueles loucos roménticos? -Loucos? Roménticos? mente afirmar sua. Muitos sfio os que se preocupam ou mesmo antecipam a reliza- sflodeste sonho: mudar'a vida, transformar o mundo embrutésido ¢ infemal das longas horas de trabalho extenuante, das fdas ¢ das detrotes coti juebra “0 siléncio etinem @ decidém os rimos da. Tata do.dia seguinte, «Os. artigos publicados nesta imprensa nascente-e,artesanal,procurai incentivar ©. espirito de lute, estimular, as’resisténcias, nos. locais-de trabalho, informer ¢ epoiar as pequenas guerras que se travam diariathente: deniincias de exploragao,, noticias da -batalha:‘cotid de avangos e recuos, de Mas nfo s6 de iprensa: anarquiste ‘das pri- meitas décadas do do-amor, registra excursbes ¢ piqueniques, sessées, culturs de fransicdo: recém-safdos de seus paises, de suas regides edu cute uma nova: ‘moral. Propde-uma: nova “maneira fe ainda no definiram 0 novo modo de vida. Como seré de dade; na'libérdade. ele? O desconhecido assusta: & preciso que se ensine aos trabalhado- © na felicidade, que deve ser construfdo por todos és oprimidos, aquie agora, Procuro recuperar este projeto de fundacdo de’uma nova socie- inatizacdo, incessantes e ramificadas. 90 da, produgio a0 percurso de volta a casa, jo e procurando controlar até inesperados de sua vida cotidiane- Mais es privilegiados da sociedade imersos num estégio res rudes e ignorancéi uma’ hava adequada, antes que eles ‘mésiios'6 face ser organizado’ segundos interesses:8 8 efetivadas no cotidiano da pr Choque: de duas vontade rigis procuram converter dite punitiver a} Avpassagem para a iste. umacmudanca nos regimes racional de producao do novo a ¢ direta exercida no ambito da va. irteverentemente as normas de procurando padronizar os comportamentos .segundo sua determinando os horétios, 08 salirios e todas as formas foniamento entre capital e trabalho, passa-se progres: mente para a introdugdo de novas técnicas moralizadoras, dis. nas doces € suaves. Porta smo da introdugio do:taylorismo e do. for- © ,desejo"‘burgués. de. consiructo. da tureza do ‘proceso era vontade patronal ‘de ibvica ‘tenhie-signifi¢ado-um campo de experimentagio ‘ain “estratégias We controlé ¢ de fixacao da forca e fora _A elaboragao de. ial procura impor, sua vontade vde-obra rebelde, evidencia-se.naypropria. representa- ia} unidede: produtiva,:... ‘Na perspectiva do.trabalho, a:fébrica-aparece como lugar detes- 19 sével de dominago e do aniq operdtia, cconstantemente constrangida : ssi06 es. “Associada Assitnagene=da-siibiid, doseo, ‘as_primeiras a ia imprensi ani riam presenter revestida da ima de econémica ¢ do progress social. sa) unidade fabril € representada-como espaco neutro da prodigh através de uma composi¢ao estética que procura registrar o nme. ro de méquinas, de pecas, de compartimentos e de operdrios, tani- bém considerados conto, fatores dé: produigao, pelo lado ‘dest construgao imaginaria da fabric responde’a uma intengfo’ discipl nadora precisarse de incitar explicitamente ao trabalho, obrigando © operério a respeitar-as normes da hierarguia fabril, ~~~ © discurso operétio sobre a fabrica traduz, desde cedo, a revolta contra a imagem edulcorada do as estra- desde a sabotagem, ©'foubo, a desttuicio de equipamentos, até a greve,geral, luem na direcao das praticas de resisténcia cotidiana criadas | pela combatividade operdria ___ Diante da recusa inesperada que os industriais enfrentam por parte de um operariado que se nega, a compostar-se. passiveme! de acordo com normas de conduta preestabelecidas, os patres roduzem progressivamente tecnologias cada vez mais aperfeicoadas de adestramento e controle no interior da fabrica. (...) desgragadamente poucos tém algum interesse pelas suas tarefas (...) nao se submetem: a.nenhum controle. sistemético, hio permanecem em seus empregos, ndo se importam com. os | contratos “(...), A aaa drios de fébrica Unido’ Itabirana;‘de Minds Gerai inal do séculd) referindo-se ‘os’ operdirios ifdisviplin i iif internos, negavam-se a obedecer 4s normas impostas pela organiza- do capitalista da produgao,? Nem mesmo o apelo do salério parecia fedcia. em forgar o trabalhador a submeter-se aos hord- itmo da producio: rigs e. 90 ‘enttegues a8 suas vidas indolentes, trabalhando trés ov quatro dias or semana, eles nao querem ganhar mais do que um salério mi rével, porgile 86 pensam em comer, miastigar palitos, beber cachaga e se coftomperen.? Como na nau de Ulisses, os trabalhadores deveriam tampar os ouvides coin cert para’ ndo céderem as tentagdes do encantamento das serdidi'é nao’ stibmérgirem ads impulsos que os attafssem para fora. Deveriam tornar-se préticos: ‘Vigososie concentrados, os trabalhadores devem olhar para fren- te € deixar de'lado 0 que'estiver ao Iado. Bles devem sublimar 0 impulso que 0s pressiona a0 desvio, aferrando-se ao esforso suple- mentar.* Obstinadamente, os operdrios resistem as 160i introduzidas no espago produtivo para s 9605 dos patroes: a imagem da fai curso operdi balho’realizada pela linguagem do poder. Na imprensa anar indimeros art ages de opressio, de hu thagaio © de violéncia fisica e moral vivenciadas pelos produtores, constan- | temente vigiados por superiores hierérquicos: (OS PRESIDIOS INDUSTRIAIS A Companhia Pay O chefe da estagdo Jundiai da Companhia Paulista de Vias Fér- eas & um modelo de tirania, um carcereiro exemplar, e & por isso que-a Gia. o-estima © ampara. E este pequeno czar que estabelece 0s regulamentos:despoticos que pesam sobre os empregados como uma barra de chumbo (4 Terra Livre, 124-1906). 2, Stanley Stein, Origens ¢ Evolugdo da Indistria Téxtil. Rio de Janeiro, Campus, 1979, p. 71 4 Max jeimer © T. Adorno, Sade, SES Pas, Avni Cot *Conceito de Muminismo", in: Os Pen- 1980, p, a wt a idealizagao do espaco de tra: | LL Ameagadora para a setudlidade'f por esta geragko operaria como: anuro-da perdigio ¢ da prost ago” promiscua_& estreita dos d da desagregacéo da familia em fungdo da participate ? infantil nas fébricas reaparece no’ diséulso opetario, ie mesma percep¢Ho moral do espago da produgio qui nas descrig6es de Marx e de Engels, sobre os estabelecimentos fabris ingleses: (oc) as fbricas, isto & esses lupanares, essas pocilgas onde se encerram milhares de prolet ; focos permanentes de degradagio ¢ de pro do Povo, 5-7-1902) Constantemente desvalo violéncia direta, fisica e duzir uma nova economia dos gestos adaptados & producdo, o trabalhador luta pela revalorizacdo de sua figura en- quanto produtor diteto da riqueza social e.enquanta'seriddtado de criatividade e de um saber prOprios. Para enfrentar esta,zésistenci todo um conjunto de encarregados do exercicio, da_vigilancib, tres, contramestres, inspetores, fiscais deve set integtade ngste em que a imposigdio de comportamentos, padronizadds.. ae a emergéncia da ago esponténea. » ado. por esta, forme, do. exexeicio. da ‘A maquinaria de controle e a regulago do cotidianc absentei Q.pauite: sale one e com o novo modelo produtivo explicam: a. lughowdé;rigorosos regulamentos internos de fabrica destinados#.consttingélos ao ntrolivelienaio’ fora ‘A irregularidade do ritmo de trabalhoy 5. Karl Mary, 0 Copia. México, Fondo, de Culture. Bee rich Engels, A Situapdo da’ Classe. Tha Flies Forty Aponiunetto, 1977 22 Spbraviddorni fbricay mas sinda-e execucio regu lade produtiva. 5: jiterngs dé -fabrica:definern'as’-modalidades impSem regias:de conduta, instauiram e6digos: de’ pen: 26e6 & prémios, de modo a’ gerirem, nos minimos de- ientos dos trabalhadores. a ie aes: de" Sada, TSRTO "icon do Tes emp” que veprimie atras0s, ausncias, Imerrupgoes das atividades ¢ tudo aquilo. i ritmd “da exploragio do" cay ital. Sepu Segund rabalhador, de 1-3-1915, os regulamen ulavain Horfrio— A hora de entrada para os empregados do sexo ‘masculino € as 7 da manhi e para os do sexo feminino, ’s 8 horas 6 da: tarde, o§ empregados,. salvo io prolongéle até 28 7 da a feta Senipte pela porta’ do angilo’forimado peta rua Unugaiana’e travessa do Rosério, a qual sera fechadw’cinico ‘minu: tos! dey "para a efitrada 'e “Avolta ‘das voraz dé poder Patrenial eram representados pela ual dés trabalhidofes. Na verdade, todos os movi mentosdo operério, sua:postura, seus. atos, seu-ritmo de trabalho, suaiproptia*histéria pessoal-e’préfissional sao objetode um controle disciplinarsatimagem de um acimpamento military: objetivando-se 6, Michel Foucault, Vigiar © Punir, op. city p. 159. 23 extrair 0 méximo rendimento ¢ anestesiar a explosio da revolte latente Os regulamentos internos incidem sobre a prépria distribuiggo 10s ho espaco da produgéo de modo ixando-os junto as.méquinas e curt fculagio esponténea, O despotismo da determinando minuciosa ¢ arbitrariamente o cotidiano do. tra- balhador contradiz, portanto,.o argumento,ideolégico ‘da liberdade das relagdes contiatuais. As normas disciplinam as idas e perma- néncias no banheiro, dispSem sobre a durago do alinogo, proibem as conversas nas horas‘de trabalho, instauram uma vigildincia inin- terrupta através do jogo de olhares- entre empregadores e empre- gados. Segundo-A Terra Livre, de 12-4-1906: om. estranhos no servigo, ou fumando, ot fora do posto, embora por forga maior, seré severamenté punide, (...) Ao mie 86, ( pode ir um empregado de cada vez, devendo pedir licenga e expli- C © empregado que se achar conversando, quer com colegas, quer gat 0 que Vai fazer. Bro al 1a Fabrica Cedro Cachoeira, de Minas Gerais, pro’ 40 dos operdrios no interior da empresa ou fora dela, estipulando-se ainda as seguintes interdigées: ou reps — sair da f4brica sem licenga por escrité do administrador ou ivros, jornais ou outra qualquer distragao ineom- el com a boa ordem do trabalho,” aparece como ameaca de perigo, assim como toda £0 dé-iHlormagSes;-disoussBessholitiees ow peopagetle por- mada de -consciéncia :por parte do 1872:1972", p.,77. Guiveraceds yeasrs) Userianuie trabalhedor! ‘ética de antiaglomerestor te Pet on Test enema igem 0 operério como um corpo coletivo, pretendendé constituir um conjunto ordenado e coerente de trabalhadotes, anulahdo ten: déncias cadticas. © hébitos individuais, por outro lado, distribuem idualizadamente os produtores diretos, buscando dissolver os lagosique'os-unem no processo de trabalho. ‘A repressfo 20 alcool, ao fumo, aos jogos, as diversbes & ‘“papostisrevela, por sua vez,,a tentativa de negar o sei tual da.acdo operdria, desqualificada como manifestagfo instintiva, selwagem, descontrdlada e desviante. Dois anos aps @ greve geral’ de 1917, Simonsen defendia a importancia da imtrodug&o de um método de racionalizagao da produgdo que traria “a cooperagao cordial entre patrdes © operdrios”. Tomando como exemplo a organizagéo industrial das empre- sas norte-americanas, ele propunha a diretoria da Cia. Construtora de Santos, em 1918, sua reorganizacdo interna “em moldes. mais chegados da administragdo cientifica”’. Reforina que foi iniciada no ano seguinte, Argumentando segundo’ l6giéa do “‘engenheito” nor- te-americano, este industrial afirmava que. pretendia ‘superar a or- ganizacdo militar da antiga industria, em que ‘“patrdes;-contrames- ties e feitores se sucedem numa preocupagio: mais’ de’ miando-'do que da perfeita feitura dos servigos”,-procurando “evoluit ‘no sénti- do da administragio ‘de fungao’”. Para evitar a "giéita entre as classes” ¢ conseguir ganhar a adesio 6 trabalhador na inten: cacao da producao, Simonsen propunha que se adotasse nas indds-’] ias brasileiras o tratamento individualizado do operétio, inclusive \ © pagamento de salétios diferenciadés| de acordo com os’ Pr pios da Administragio Cientifica, elaborados por Taylor: i, © Trabaiho Modemo, Sao Paulo, Segio de Obras de 1919, p. 1 26. Kem, p. 3 40 iliiaanatiaesas Texfamos desie modo individualizedo 0 operétio, interessando-o diretammente na produglo, tornando-o um fator crescente da riqueza ¢ incorporando-o grandemente na sociedade estimulada”” Nesta l6gica, a disciplina do trabalho na fébrica_deveria ser ‘ca € progresso apareciam inextricavelmente associados neste discur- so de valorizagio. da “‘nova fébrica”’,.espaco apolitico da producio, ‘[Ae-normas disciplinares deixariam de ser impostas pelo capricho de patrdes ambiciosos ¢ de contramestres desalmados, para apare cerem autonomizadas ¢ inscritas no aparato técnico da producao, isto é dotadas de uma aparéncia de objetividade e de exteriorida de, A’ uma fortna de exercicio do poder c mana do contramestre ou do patrao tradicional opunhe-se a Hancia mecanica, exercida pelo maquinismo, aparentemente pendente de qualquer interferéncia subjetiva da vontade patron: Assim, esta estratégie de despolitizaca ..que se con jente na décade obter a intensificagio aa Sede Fauna wexutoracas “rasjonal™ da Torca ropor condigbes atfaentes © confortaveis no interior da , ptetendia contrapor-se as antiges modalidades coercitivas nO mesmo momento em que se domesticavam as relagdes da familia operdriq © em que se destilava o gosto pela intimidade do lar no proletatiad ponsabilizando o desinteresse dos empresérios pelo estado de dege- neragdo fisica e moral da classe operdria. Fundamentado na teo! 27, Idem, p. 12 41 iolégica do meio, que se cotistitui ina. Fringa id do século XIX, 0 dr. José Ribeiro de ‘Oliveira Netto ‘a 1926, que @ insalubridade da maioria das fabrigas t8xteis paulistas, incio e o desinteresse. do governo’¢, ainda ‘a ma educacao do , que nao tem orientadores sinteros.¢ wren : organismo-Uo:trabalhader. de reivindicagdes"”, danificavam 0 prépti ndo ele, embora existisse’ na capital: um-Servigo Sat as nfo eram aplicadas-e a grande jas se encontrava rluma situacao lastimavel. A de- jesultante para a sade ¢ para o carter do traba- vel: Os (edificios 4 quase todos sao do agente pi finado, oferecendo cheiro caracteristico, repugnant de regra “se Tcom esse estado; Ado sente’ us desagradaveis ‘menos conhecidos. que um estranho: experimente, sensagbes € f por instantes gesse"éffbiente, Todavia o ataque se vat Sperando lentamente. Apresentadistirbios a que nfo liga impor- rabaiho comega a faltar, sentindd € dizendo “smo homem enérgico de tempos passédos. a fungdes orginicas, & smelios fsiste menos & fadiga, Moléstias infecciosas o atiiyém com ‘Domina-o a fadiga. Em breve, a anemia, a tuber- pada. © Ele usufruisse bém porque “otutria favot abuso de bel © sdneainenite' riais de trabalho, nesta perspectiva, produzin is dondgBes, ‘a'eliminacdo natu- ral de préticas: impuras, ou antes, mesma forma, o saber médico def como a mistura'do algodao, como meio de defesa ja sua emergéncia, Da mecanizacdo de certas da satide,do trabalhador;.a introdugdo de ventiladores e aspirado- res artificiais; a utilizago de aventais.e.calcados especiais de tra balho.-para..os operérios; a. pint neutralizar a influénc’ © homem sendo 0 produto d qual h 0 lo meio, qual 0 que poderiam gerar estes “covis que so atentados os mais revoltantes nossa civili- zagio © a0 nosso progresso (. sio:nesses:cortigos, sendo pelo contrétio, mais natural, dio das alcovas reflitase em sua alma, gerando a mali mie das revoltas, prgdutora dos crimes, impulsora do aleo © dos. vicios série, junho de 1926, n° 4. Nesfes discursos, a idéia de que os gestos.despendidos na it externa. da fabrica com tinta condigdes de habitago do jigiene s6 poderiam sereno ¢ alegre, alma animada dos lutar de aspirar mais folgada ia e ordem, morando 0 operi- sos industriais poderiam con- is empregados, ou mesmo redefinir as Rormas:de funcionamento da fébrica. A. domesticagaondascrelagSes de producao, nesta. perspectiva,'¢ reduzida aim problemb téonico: que os especialistas deveriam: mniipulare. resoh dodges’ me da escolir HErtéamié- ricana, expressa:peldi:figura de’ Gataldé. Hirde "Paula: Souza. ‘Crit. cando as prai its do’ periédd “eni-qiié Emilio Ribas-di- Higira o ServivoSanitério do-Bstado de” Sao: Paulos novo defendia a tese segundo a qual a attiaedo= 6 sao pobre deveria visar a coristi da criagao de‘centios-e pi Servigo Sar panhas autoritérias de ertadicacfo das. doengas por ui trabalho co- tidiano.e permanente de reéduicagio e de domest da populegio, aliado a0 saneamento ambient que informam estas transformagGes das préticas sanitatigtas devem ser registradas Substituindo & teoria’ dos miasmag. ‘a teOria pasturiand dos que.a doenga nao, proyitha fundar iente dos Pontos concentrados de sujeira,,mas poderia emanar de qualquer parte: assim, todo individuo-se, tornava suspeito, aparecendo como ‘um portador em potencial dormicrébio. A ameaca do contégio po- deria estar em toda parte. Veremos que a mesma representagio da virtualidade da doenga, fisica ou moral, @ptermina a reorientagio dos poderes piblicos e dos industriais em relagdo’a’nioga6''dé cri. ide. A atuago dos médicos higi recair'/sobre. toda” a populig localizar-se apetias: sobre Os £6 mente sobre crittinosos jé Absit, toda cinagdes obrigatdrias, de-pontos ¢ detine of cédigos de’ gar ias Mery, A EmerBéncia das Phitioas. Sanit fese de Mestrado, USP; pp. 108-9 30. Emerson de Sao Paul 44 sida .acima dos interesses particulares das ‘or da fabrica. £ de acordo com esta Idgica que os indus ‘els; Organizados, no CIFTSP, jntroduzem 0 sistema de ident tim. tempo os patrées vinham repressdo aos roubos de. peca: bricas téxteis, ato que percebiam como resisténcii balhadotes & exploracio do capi enviada aos industriais associados do CIFTSP, o sect associagdo.patronal, Pupo Nogueira, informava: . © nosso venerando Presidente, tao profundamente observador, chegou a conclusio. de que, para os nossos opersrios, imbui ldéias novas e inquietadoramente ousadas, © roubo furto, representam tributo Quem retira das fabricas, sub-rey qualquer, ‘etira 2 sua parte de lucros e, ou mi ‘ouvisto € comunismo en herbe (CIFTSP, circular n.° 39, 25-6 1921, grifos meus) ° ma de enquadramento dos téxteis apresenta-se co- ago cientifica”, procurando com este ape- Jo B tidgadede Ciencia justificdr-se como necessidade objetiva do de- senvolvimento industrial. Segundo este,.otrabalhadosteria_uma fi- charoomeridoseus dads’ pessoais uma portas do.mereado e pressionando-o GtamienMrernorsetitide de evitar qualquer manifesiagao de i si © Noguelea: a. ‘cianudiendammtbenrs dete dasane iomusipera cont one Fi ap Bacon eee ies ae ne 45 © elemento perigoso afastado da fébrica; pela p% ‘A sua ficha serd comunicada as fébricas:associadas,” fard com os ladrdes (“Repressdo aos Roubos: e sgrifos meus). almente, © fichamento dos operdrios deveria ser feito pe- dor, & me- seu contetido passou a ser mascarado de almente invertido, apresentando-se nao como expressio de uma estratégia que tro da fabrica. Po UA cain ) este metodo de ide (para o trabaihador, tratado como um criminoso'qualquer: oes _tratado como um criminoss qualaus (C Até agora a policia identificaya apenas os criminosos, de crimes de certas aravidades, ¢ os anarquistas, que slo, a eles equiparados 4 Agora, para a policia, ser operério 6 ser.suspeito,-é ser quase ) criminoso. (...) Isto € uma infémia contra a qual é necessério / que os trabalhadores se rebelem. Do contrério, a moda pegarée a (medida se estenderé a todo o Estado, quigé todo o Bras A critica operdria evidencia 9 déslocaminio reptesentacao imagindria do criminos, a nogio de culpabilidade.designavar i jadramento disciplinar® Onobjetivo:sdesta: medida. consi srevistas' de; outras ffbricas, os quai em patte alguma, porque t6xos os patrées. dis “listas negras” com os nomes dos operérios demitidos, em ocasiéo de greve (4 Plebe, 15-10-1919), impedir a introdugao ‘de anto recusando-se_a_serem fotografades; coma informavam cau- i is-téxteis_em circular confidencial do CIFTSP, de 22-6-1927. a Ainda em.julho-deste ano, os canteiros irrompiam em greve protestando contra a mvermdade vedere: Uversimuid Gibtotecs Cons: — © ste, senior curiosa, inovacio que os patrées pretendem introdui que os operdrios sejam portadores de um cartdo de fornecido de um burgués para outro, ¢« balhadores; “como ‘se fossem uma mercadoria qualquer (A Plebe, 14-5-1927, grifos meus) A despeito da adesio unénime dos indu: posto por Pupo Nogueira, as expulsdes ¢ det veis” prolongamse por toda. década de 20, atestardo sua insubor- ids repressivos da burguesia industrial: as listas ucedem tido demissGes'por roubo de pecas, boicote, sabo- tagem,. destruigéo. de materiais, infragao das norma: gteves, etc. ‘A proposta alternativa de uma organizago auténoma das re- lagées de trabalho aparece, na verdade, desde os primeiros nime- 47 ros da imprensa anarquista. Mesmo que difugamente; propunham a edificacéo da nova sgciedade a pai Bo da atividade econémien, da zas naturals © soUlals € {GeUTo da dominacao de classe: técuTo da dominacao de classe: libertérios (areranstorma- (...) & preciso abolir 0 prinéfpic individual da propriedade’ das riquezas (...). Todas as grandes © péquenas enipresas de produ: 80, que sao exploradas por ptoprietérios tendo por fim os pré- prios interesses, devem ser reorganizadas por: comissdes populares tendo por.mira, wxclusivamente, as necessidades do povo (A Terra [ Livres <6 « Srifosumesis Expondo “As vantagens da revolugdo social”, 9 anarquista Lu. cas Mascolo imaginava a s0tiedade' do futuro como aquelarem que os meios de jam sOcializados, a produgho seria orga: izada pelos préprios trabalhadores; @ tament@ com a gucras € Outros problemas soc! tab: de realizar as: tarefas de execugdo ¢ as de concepeto, j& que so- mente eles conheceriam de fato e'na prética a realidade'da produ $0: af, 2 possibilidade de superagdo da divisio social do trabalho, instaurada pelo sistema capitalista>! 31, Assim como os marsstas, of anarquisias_partem, de ume lectual comm e:recolbem toda tims idealizagio. ut6pica de "3 ns Skprestto a 16gica que se. difunide:-hay Europa: nag) primeiras —decadas: do" século” XIX, Proudhon ¢ Marx. encontram, gande. pari das Tormulagdes. que ofstituem suas problemiticas, Os. trés pensadores,refleein. no universo intelectual, debatendo a cotliccido. cient fo. ul ‘Fetico las relagSestocinis ¢: que se opSena0\ Estado, poder 'astonoBl- Fevoluciondrio das classes produtoraya.necessidede da teang, dda reorganizagao da vide econén -ocupagded Marr y el Andrquismo. Bateelona, Batt 48 4 'O-autér tece uma critica contundente & hierarquia despéi Noventanto, se nos anos 10 os dade da.formagao de '‘comissdes po} equenas ¢ grandes empresas vjeandk sresses. do povo (A. Terra os anos de 1918 a 1922 que surg | anarquista, enfatizando a importincia da constituicéo de formas al: ternativas de'poder na fébrica Erm 25-9-1920, A Plebe publica o artigo i fa de classes”, em que se propdem est naa serem travadas.no ambito da produ: 8 operd tulad “Aspectos da mité de-oficinas”, 0 qual se encarregaria do controle da ad tracdo e entfoXa ocupagio direta das fabricas, “como fazem momento os operérios selhistas de Turim. Ao comités colocariam o produtor do 6 mecanismo de funcionamen modo, cada trabathador poder ide de direcdo da indistria, capacitando-se a s fas, burgueses e realizar a expropriagao final. N os anarquistas propunham a reapropriagio de um saber que 1 | de. propriedade (,..) que conduz naturalmente & formagdo do co- ) Uma outra conquista realizada em parte na Inglaterra © nos Estados ‘Unidos € a que j& nos referimos, a formacdo de comité: operdrios nas oficinas e nas fébricas para 0 controle di tragdoy’temuma conseqiiéncia ainda maior Ela’‘pGe"0 produtor em -contato direto com o mecanismo da prodagio, iicia-o nos segredos da administragio das indistrias, interessa-o na sua marcha e coloca-o em condigdes de apés a expropriagdo final (...) Aeon exproaries ¢ { inererité a0: précesso capi mesmo no interior idé um mesmo oficio, criando uma “hierarquia de) fungdes”..Conclui que este procedimento resulta de duas con: cepedes: Rindamentais: nayordem burguesa: de.um lado, a idéia de que sem autoridade, hierarquia ¢ mando nao pode haver disciplina Cc 49. © organ: De outro, que o trabalho deve ser remanerado se-”) gundo a importncia de cada offcio ea capacidade de cada um. Prosseguindo em sua critica, demofistra como esta situagéo viven- ciade no cotidiano pelos operérios visa 3s; na medida em que se pautem por valores a9 mesmo tempo, o artigo revela a preocupagio do mi quista em fazer com que trabalhadores de varios oficios se iden assem com a figura desqualificada ¢ exproprieda do proletério. Certamente, a valorizacio do offcio ndo era apenas uma imposicao -oldgica dos dominantes, mas uma fo; entre este e entre um fotogravador. Avaliem bem o orgulho | com que olha um decorador para um pedreiro e este para seu | dante. E donde vém estes sentimentos? Que & que os:cria, que | que alimenta tantas distingdes? A diferenga de salérios, a possibil | dade de maior ou menor conforto ea nogao decorrente dé que hé | profissées superiores e inferiores... (A Plebe; 25-9-1920). Dois_pontos_parecem_fundamentais:_primeire, a_percep¢éo antes se utilizam de mecanismos.sut ira articulagao dos operdrios, réncia e a luta por objetivos esti nna-ge 0 argumento emplament dos salarios obedeceria monstrando seu contedido . : Como alternativa de luta contra estes mecanismos sutis da do 10 burguese, propde-se no mesmo artigo: difundido de que a diferen neutra e impessoal do, mercado, de 50 Que ‘se organizem unides de indiistria sindicatos de offelé. Qué dentro de éada indi 08-oficios, reivindicando pata i 4 ordem hierérquica p -$-1920, grifos meus) _produtivo Tevari pressao da difer ‘do trabalhador a idéia da j principio: “‘a cada um segundo gundo suas forcas”. (“Problemas da reconstrugio”, 1,%4-1922). Em “Métodos de organizacao operéria”, também publicado iza a formacio em cada fébrica, de um conselho de jébrica, que teria por fun: go a administragao da ynidade produtiva, resolvenido todos os pro- blemas emergentes. De cada conselho de fabrica sairia unr repre- sentante, eleito pelos operdrios, que se reunindo aos outros forme: A Plebe, relagées distritais, yoltados para a propaganda e educaglo. Os car- gos seriam revogéveis e todas as agdes dos delegados de base deve- riam ser controladaé pela base: (...) Como medida necesséria & salvaguarda da auto trabathador,. todos os delegados 0 seriam com mandato e nefhuma resolugao seria, executada sem referendum dos organi- zad0Fes da fAbrica, da ia ov de todas asindtstries conforme fosse essa resolugdo de interesse particular ow geral (A.Plebe, 1.°- 4-1922, grifos meus). lide ea necessidade dos cheles — técnicos capitali tas ou “comissérios do povo” — so questionadas nos artigos dos, denunciando-se sua fungéo meramente repressiva, isto é, de vigiléncia e controle sobre o trabalhador, impedindo que se orga. 51 de fabrica ou em outras formas descentralizadas de poder. A expe- iéncia da Revolugao Bolchevique, com a supresséo dos sovietes € invocada para apontar a necessidadé'de se “tomar outro: caminho” (...) B preciso que cada operétio conhega tao bem ou melhor que seus patrées 0 miecanismo complexo da produgéo na indistria, em que trabalha. Se se organizarém conselhas de fabrica, Srgios de combate sobre 8 administragdo das fabricas que este seja escolhide como.o meio + mais adequado as investigagSes; desta. natureza. (.. .) Conhecedores da capacidade atual da produgéo do pais, do estoque de mercadorias existentes e dos meios de transportes wtili- ziveisy tendo o preparo técnico necessério a por em movimento as inddstrias terdo os trabalhadores adquirido uma das co! necessdrias para construit a sociedade nova (“Problemias da re- construe”, 4 Plebe, 1.9-4-1922) (© ° Vale atentar para a importdricia de uma ‘proposta qué questio- \ na a valorizacio hierarquica do offeio, institixida pelo ‘ittiagindrio Dburgués, num momento em que 0 taylorismo ainda’ nao transforma ~\ ra a estrutura da indésttia no pais © em que os opetérios ainda | mantinham uma certa margem de controle sobre 0 ptocess0 produ \ tivo, em alguns ramos da produgio. Ox seje, propde-se 0 redimen- sionamento das estratégias de luta a partir de uma dutra represen- tagio da atividade do trabalho.,Ao invés da_identificagéa do tra balhador com a fung&o que Ihe € outorgada dentro ‘dé uma ‘qualificando radicalmente.o srabajho-e “pravecan ‘MEO -€-a resistencia, dos opera ferarquizacio das profissdes institulda pelo Tmagmério: burgués, © que resulta na divisio competitiva entreros.trabalhadores) se @ unio dos operétios em sindicatos.de inddstria, em:subs 20s sindicatos de oficio, neste inicio da.década de 20: Os anarguistde’ procuravam mostrar as fraquezas da estruitira de offcioudo :sindi- calismo brasileiro ¢ incitavam os opersvios mibiiscarém nos $ getuta, num momento em Uder Proceso semelhante parece ter ocorrido em outros paises. Os operitios norte-americanos advogavam a substituicao dos sindicatos de oficio.,pelos de indiistria, como resposta a reorganizagéo taylo- rista-do.processo de trabalho.nas décadas iniciais do século.)? Est ‘momento histérico assiste, nos Estados Unidos, a0 confronto entre } patrées e operdrios qualificados pelo controle das relagdes de tra- balho’ no ambito da fébrica. Os primeiros desejavam limitar a autonomia dos trabalhadores ¢ intensificar o ritmo da produga Os. segundos .questionavam a forma tradicional do exercicio de” poder, simbolizada pela figura do contramestre e sua perda crescente | de autonomia dentro da fabrica. £ neste contexto que surge 0 taylorismo como estratégie patronal para quebrar a relativa margem de autonomia, que 0 operdtios qualificados detinham no interior da_produgéo 8 a crescente forga do sindicalismo americano, 'Enquanto os sindicatos defendiam, desde fins do século XIX, jue 0s conttatos de trabalho fossem negociados de acordo com suas exigéncias ¢, nesse sentido, que os salérios fossem fixados por categoria, Taylor e Henry Gantt propunham a individualizagéo dos pagaientos © que as tarefas e os rendimentos de cada traba- Inador fossem avaliados separadamente, instituindo-se 0 salétio Por pegas, t20 combatido pelos sindicatos operarios, ue @ organizagio da industria -se_mo Sontra este movimento, os operdrios, influenciados pelos vanarco-sindicalistas, desenvolviam ampla Iuta na esfera d: $80. Boris; Fausto fornece algumas indicagdes sobre as trayadas contra a introdugdo de novas méquinas, provenientes do extedio®, na ferrovia Cia, Paulista, no final de 1905, e que resultam na greve de 1906, Entre as queixas dos ferrovidrios, a Liga Operdria de'Jundiaf apontava a reducéo da jornada de trabalho e as demis- Worker's Control in America. Cambridge Univer “A Ciéncia da Produgio: Fabrica Despt Revista Brasileira de Historia, n.° 6, Rio de Janeiro, Marco Zero, 1984. P68 ess 33 s6es provocadas pela introdugdo de uma tecnologia capitalintensive, a desvalorizacéo da atividade profissional,a intensifieagio de ritmo do trabalho € 0 congelamento dos salérios. Os trabalhadores recla- mavam contra a desqualificacio de suas profissdes: 0: maquinista executaria o trabalho de um foguista, este o deum limpador de méquinas © ambos se tornariam simples carregadores de catvao ou limpadores de lixo.* Em 1906, no Rio de Janeiro, os sapateiros lutavam para que © cédigo de ética profissional defendido pela Unido Auxiliadora dos Artistas Sapateiros fosse respeitado. Este procurava impedir 0 “aviltamento da ‘arte’, assegurando um certo grau de controle sobre as relagdes de trabalho, O regulamento da Unido estipulava, entre outros pontos, os seguintes artigos: Art, 3.8 — Néo coser obras de outras ffbricas, nem ter em sua fébrica operdrios fora da oficina, salvo acordo feito com a Unis. Art. 4.0 — $6 dar trabalho aos sécios da Unio, de acordo com 1a Comissio do Sindicato.35 Em 1909, os sindicatos da construgio civil de Santos. conse- guiam que os patrdes reconhecessem suas entidades de classe, tendo obtide deles a garantia de que somente os trabathadores a sua “propaganda” durante o trabalho.26 « ato dos gréficos cariocas também) procurava: manter alguma margem de controle sobre as relagdes'de trabalho, exigindo que 86 os sécios da associac&o fossem admitidos como empregados; incumbindo-se de garantir o fornecimento da forga de trabalho necesséria, acompanhada “das respectives tabelas de ordenad assumindo a responsabilidade de resolugdo de qualquer conflito entre industriais e empregados, tentando impedir que os conflitos 34, Boris Fausto, Trabalho Urbano e Conflito Social, So Paulo, Ditel, 1977, p. 136, 35, Maria Cecilia B, Neves, op. clty p. 32. 36. Sheldon L. Maram, Anarguistas, Imigrantes ¢ 0 Movimento Operdrio Brasileiro, Rio de Janeito, Paz e Terra, 1979, p. $2-3 34 ee fossem resolvidos individualmente entre ambos; , finalmente, pro- pondo-se a organizar uma ativa propaganda para o levantamento moral e artistico da classe, por meio do seu érgio oficial, conferencias € publicagdes educativas, criando, também, uma oficina prépria para o ensino téenico e escolas de portugués e desenho (4 Voz do Trabalhador, 1.8-6-1909) cad evade nimero de groves desncadendas no sett tExl, no entanto, € suas respectivas derrotas revelam a intransigéncia di (gates no.caga, dos ramos industiis em que o trabalho ere de \\ qualificado, possibilitando joger com o emprego macigo da forga } de trabalho feminina e infantil. As iniciativas patronais visando reduzir a capacidade de presso e de intervencio dos operdrios / contra a crescente exploragao do capital se fazem sentir tanto pela >) introdugdo das inovagées teenol6gicas, quanto pela constituigéo de seus'Srgios associativos de defesa. Em 1917, convoca-se uma assem- bléia da Unio dos Operdrios em Fabricas de Tecido (UOFT) do Rio Wise operdria, € que denota @ progressiva des- qualificaco que sofriam os operérios, mesmo nos setores mais meca- izados como 0 téxtil, ao lado da. preocupagio moral com a explo- tago do ttabidtho'femininio e infant E claro que a constatagéo da-existéncia de uma proposta de controle operario das fabricas; 2 exemplo do que ocorria na Itélia no perfodo,-nao ¢ suficiente para demonstrar a dimensdo de sua penettacdo'na'‘classe operéria, Os dados fornecidos pela imprensa anarquista também ndo! nos levam a conclusGes mais: avancadas. Atestam, no entanto, a colocagdo do problema pelo movimento opérério da época eas tentativas espatsas de constituicdo © de reconhecimento destes contrapoderes na fébrica, ou a0 contréric lenciamento ede subsuncdo destes organismo indicatos seja pelos patrdes. Dentre os’ artigos publicados pelos jornais anarquistas refe rentes &formacdo de comissSes operdrias de base, A Plebe, de 16-10-1919, fornece algumas indicagdes. Noticia a ocorréncia de uma asseribléia realizada pelos operdrios téxteis durante uma greve na fabrica Jaffet, em que reivindicam, entre outros pontos, 0 tv conhecimento de uma comissfo interna ¢ da Unifio dos Operétios 53 em Fébricas de Tecidos. Alguns dias antes, 0 mesmo periédico publicava trechos de uma carta do Coto: UOFT, em que os industriais exprimiram suas resolugdes da recusa dos trabalhadores de aceitarem as imposigées anterior- mente formuladas, Num tom paternalista, a empresa respondia que: Dada a forma como foi redigido 0 artigo 4.° de dita sua comu- nicagao, nfo deveriamos ter dado resposta alguma, mas para de- monstrar a nossa boa vontade para com os nossos opetiirios (...) comunicamosslhes quanto segue: (..:) Pelo que diz respeito & Comissdo interna, precisamos saber quais as. atribuigées ¢ como foi eleita « mesma. Repetimos que os nossos operdrios ficario livres de reclamar perante os seus superiores e, em. dltimo caso -& geréncia, soja individualmente ou em comissio entre si escolhida em qualquer ocasido © para qualquer assunto. Cotonificio Rodolfo Crespi. (0-3-1919), A UOFT, neste. momento, néo estava sob, controle dos anar- quistas, embora contasse com sew apoio. A Plebe, de 30-9-1919, registra ainda.o mesmo proceso de formagio de comités de fabrica em ouiros estabelecimentos pau- listas: Na sucursal da Mooca, presidindo 0 camarada Antonio Fal © pessoal da Fabrica Labor escolheu as suas comissdes internas € tomou importantes deliberagées, (...) As 17 hotas reuniram-se, na mesma sede os opéritios que tia- batham na fébrica de seda ftalo-Brasileira, para ‘nomear os com paoheiros que faltavam para completar a comissdo interna de dbrica ¢ discutirem 0 modo gue deviam proceder com os com- panheiros que ainda nfo sao sécios da Unido (...). Nas negociagdes entre a UOFT, fundada em agosto de 1917, € 08 industriais, que se realizam em setembro de 1918, estes, lide- rados por Jorge Street, reconhecem a existéncia do sindicato téxti exigindo em troca que a UOFT fizesse “cesar a-ingeréncia dos delegados de fabrica, que havia se tornado intolerdvel, e era de fato um ponto bésico sobre © qual nfo havie transigéncia possi vel”. Também o sindicato dos téxteis, de linha moderada, procurava estabelecer relagdes de controle sobre as comissdes de Fabrica exis- tentes nas inddstrias do ramo, que deveriam. subordinar-se,.a ele. Segundo o jornal O Combate, a diretoria da UOFT declarava que: 36 A Unio nao aprova nenhum ato de indiscip! dentro das fabricas (pratieado) por oper: bém ndo aprova les que incitem outros para a pai 0. Para os que assim procederem, a Unio interviré com energia, tomando as necessétias. medidas para fazer-se resp: cio da classe. © nosso programa € bem definido: conseguir © méximo bem-estar para os trabalhadores. ... As Comissdes Internas néo devemn absolu tamente consentir que 0 trabalho seja interrompido, sein primeiro @ Unido haver autorizado essa medida, da qual s6 se langaré quando se tratar.de um caso de importancia ¢ que néo possa ser resolvido por negociagdes ¢ discvtide em Assembléia Geral, nas sedes da Unio e da sucursal.2” a_que se vei As. referencias & constituigdo destes organismos alternativos de poder operdrio so, no entanto, escassas-ios jornais anarquistas pesquisados, referindo-se 20 periodo de 1918 a 1922 ¢ a industria téxtil paulista,*De qualquer, modo, os artigos apresentados nos jornais operdrios'revelam que @ questéo do controle do processo de trabalho nfo estava ausente do conjunto das preocupagées dos' trabalhadores,. nfo justificando sua total omisséo nas produgées académicas sobre 0 movimento operdtio brasileiro. No entarito, a questo do controle operétio do provesso: pro- dutivo néo passava, neste momento hist6rico, pela critica da tecno- logia erisi: Dotada de’neutralidade, a’ tecnologia capitalista ainda nO era represénitada como a contretizacao de um saber produzido pela lita declasses, da mesma forma que néo se questionava a ideologia do trabalho, como hoje fazem os operdrios nao identifi cados com uma atividade totelmente mecanizeda.* Tanto quant marxistas e socialistas, os anarquistas participavam da crenga no poder libertador da técnica, instituida pelo imaginério burgués. da reorganizagio do_pro- sea destrnisia_das_funcoesdireivas Assim, 0s textos libertérios relativos & méquina sdo apologéti cos, apresentando-a como grande conquista da humanidade, a des peito. de seus efeitos negativos para os trabalhadores. Mesmo quan- do, no ano de 1928, os operdrios da fébrica Mariangela realizamn 37. Boris Fatisto, op. cit, p. 187, 38: Comelius Castoriadis, “Techniqus Seuil, Coll, Esprit, 1978 a sair em por Carrefours du Labiryntie. Paris, 18, pela Editora Paz e Te 7 uma greve contra a introdugHo dé teares autométices, que dobra- tiem a quantidade de méquinas com es quais cada operéria deveria dar, nenhuma mengdo é {eita ao progresso téenico ou &.maquinaria si. Apenas se questiona sua ulilizacdo soci iri teahalbador— ‘Do mesmo modo, embora o taylorismo stiscite uma forte resis- ‘éncia por parte do operariado em todos os paises em que é intro: duzido, nos Estados Unidos, na Franca, na’Ttélia, ou-na Rissia, € contra sua apropriacdo pelos interesses particularistas de tima’deter- minada classe social que se investe ¢ nao contra o sistema Taylor propriamente dito. "A mesma operagao ideolégica que dissocia técnica e politica, méios e fins, recorrente no discutso de marxistas, anarquistas © socialistas em geral, em Lénin ou em Trotsky, reaparéce no artigo do anarquista Florencio de Carvalho, ao criticar a taylorizago da pfodugéo no Brasil. Segundo el ‘A cigncia a servigo do cay prejudica, em razdo inversa, os trat Pfeio nas fabricas ow oficinas € obrigado a empregar todas as suas faculdades ¢ adquitir uma pericia superior paraentregar-se a0 torvelinho dos cilindros dos colossais aparethos mecinicos, que se movern com velocidade elétrica (...). Como se-vé, a taylorizagao, cestandardizagio, a racionalizagio, vém sendo, pelos chefes indus ‘adotadas e aplicadas no que elas Ihe oferecem de stil. Quanto 1¢ possam oferecer aos trabalhadores, isso néo Ihes ‘mo porque o mercado de bragos ¢ de inteligéncias doe, desse produto, a natureza @ assaz prédiga (4 ‘Também os anarquistas sonhavam. com uma sociedade em que © desenvolvimento da tecnologi ‘o homem do “reino da i indo uma vida mais livre ¢, criativa, nde o trabalho seria transformado enquanto at incendiando fébricas, teares,-aniqui que sub: 1m seu saBertazer tradi¢ional,, revelami até’ que ‘porto 38 © desenvolvirgento téemico contém, em stia mento téeni ; propria, l6gica 0 desejo pétropal de. duitdnagaey ese a, races operétog fabri Inglesee Mota Assungao av ir of tps, im 1908; da lime inensdo de dest os noves equipamentos ‘mecanicos que, 2 patrao pretendia introduzir. Argu- mentava que 0 processo de mecanizagio da indus sivel, necessério © positivo, a.despeito dos males i , 08 aipdgrafos néo. compre inal dos tempos modernos, a0 afin oe cer 7 marem em seu, jornal O Compo: quentodas as desgragas dos tipégrafos eram devidas @ maldade de tos patrBes ¢ chefes ey como exemplo, citava-se o dr. Edmundo da Manha, um dos él mor jomais a inttoduir se maquines (A Vee do 15-6-1909, grifos meus) : LD | \ Muitas vezes, no entanto, a represséo policial utilizou da violéncia fisica contra as prostitutas ¢ homossexuais. Jacob Penteado recorda que freqiientemente a policia prendia as prostitutas do Brés que, quando néo levavam uma surra, recebiem uma ducha de égua fria e tinham suas cabegas totalmente raspadas. As resis- téncias também se faziam sentir: Vingavam-se, porém, do delegado Bandeira de Mello, cantando: "Q Dotd Bandaio de Merda & home muito canaia. Pega cabeca de nega e manda rapa a navaial” ® Procedimento que, alids, prossegue nos dias de hoje. Apesar dos regulamentos da policia de costumes visarem as prostitutas. de todas as classes sociais, na prética eles incidem mais severamente sobre a prostituicao clandestina popular. ‘As criticas que varios setores da sociedade dirigem ao sistema regulamentarista de controle da prostituiggo avolumam-se na déca- da de 20, no Brasil. Segundo a nova corrente que passa a predo- minat principalmente nos meios médicos — 0 abolicionismo —, tal como ocorrera anteriormente em outros paises europets,'o antigo método de vigilancia da prostituiggo comportava ihmeras falhas: em primeiro luger, visava apenas a mulher perseguindo-a por um tipo de relagdo em que o homem também estava envolvido. Ela era seqiiestrada e confinada em casas isoladas e especiais, fichada na policia como prostituta profissional, vigiada cia e pelos médicos, acusada de ser transmissora de si outras doengas venéreas, sofrendo sozinha toda a reptessio de prétcas intolerdvels para a sociedade, enguantg, que 0 homem ficava isento de qualquer responsebilidade. Além disso, o resultado do sistema regulamentarista entio adotado fora o oposto do que se propusera: a prostituigdo clandestina aumentara a olhos vistos, tanto aqui quanto em outros paises. As prostitutes inscritas fugiam quando estavam doentes 20 invés de se apresentarem as visitas sanitdrias, e tomavam-se clandestinas. Mas 0 ponto sobre © qual incidia mais vigorosamente a critica abolicionista aos regulamentaristas era que o registro legal das prostitutas prendia.as ¢ impedia sua possivel recuperagao. A policia de costumes era vista como uma maquina que transformava “putas 42, Jacob Penteado, Memérias de um Postalista, Sio Paulo, Martins, 5/4. P. 56. 94 ccasionais” em “(putas eternas”: a prostituta insorita acaba se tor- nando uma prisioneira perpétua da policia® ‘Ao contrério dos regulamentaristas, os abolicionistas recusaveam a legalizagdo da prostituicdo, pois viam neste ato uma medida de repressdo e de controle sobre as mulheres pitblicas. O objetivo dos abolicionistas nfo era, no entanto, a eliminagao da prostituigo que também consideravam necesséria, mas a libertagio das prostitutes das garras da policia, que exercia sobre elas um poder arbitrério e violento, ¢ a destruiggo de‘um sistema que marginelizava as mulherés ¢ violava o diteito de liberdade individual. No entanto, se por um lado os abolicionistas defendem pontos como a liberdade individual, os direitos do homerh, o fim da interven¢#o do Estado nas relagdes pessoais, por ‘outro, a campanha abolicionista era levada em nome'da decéneia da familia, das ruas ¢ de salvagio do casamento, Evidentemente, nfo hé nenhuma apologia do prazer. Outros alvos-de-ataque dos médicos aboliciohistas, como o dr. Flavio: Goulart, referiam-se &s visitas sanitérias forgadas e muito répidas que ndo permitiam diagnosticar seguramente a sifilis; & brevidade dos tratamentos; a0 medo do internamento nos hospitais, Ievando as ‘prostitutés @ fugirem ott a usarem. de “diversos truques para dificultar 0 exame”. Segundo cles, a administragio ptiblica deveria oferecer tratamento gratuito &s meretrizes ¢ aos indigentes nos dispensdrios estabelecidos pela satide piblica, No caso dos que abandonassem o tratamento, deveriam ser enviadas cartas que advertissem contra os possiveis perigos resultantes. No entanto, apesar do-discurso liberal dos abolicionistas, vale lembrar que é em nome da moralizagio das condutas, da repressio dos instintos e do controle das pulsées que eles batalham © nisso distinguem-se radicalmente dos anarquistas. Os anarquistas e o campo da moral “A vida nfo cabe dentro de um programa... M, Lacerda de Moura Creio que nao ée pode afirmar tranqililamente a existéncia de uma unidade absoluta de opinides entre os anarquistas a respeito 33, Flavio Goulart, Profilaxia da Sifili. Tese de Doutoramento, Rio de Taneiro, 1922, p. 43. 95 de questées como a nova familia, "& emancipagio da mulher, 0 amor livre, 0 direito so prazer, que constituem’o campo ‘da moral, na imprensa anarquista em geral. Fundamentalmente, a critica enderegase & sociedade burguese que, assentada na exploragéo do trabalho € na dominagao pc produz uma moral decadente, repres em relagdes pretender def uma nova economia do desejo: 2 émar ges afetivas ¢ a moral sexual; © as préticas condendveis. pA emancipagio da mulher 4 Tema fre so da talkie pensada-eanal iente-na~imprensa_anatquista, a condig&o de opres: ndo_s6 da-operatia ‘mas também, da. burguesa, ¢ jada_por_vérios_articulistar=deTendéncia ,libertéria, Contra’o mito da mulher-passividade, sentimento, abnegacdo, som- ym: mulheres, como a jas_vozesse_ levi Ide Magrassi, Maria de Oliveira, Tibi, Josefina Stefani chi, Maria S. Soares, que assinam. icagdes-defendendo a causa feminina, elas promovem reunides, conferéncias, palestras ed cantos do pats.e fundam_uma Federagdo Interns Se € possivel perceber no conjunto dos textos representacao masculina da mulher, que a torna simbolo da mater- nidade, da passividade e da fragilidade, a esta’se-opde uma outra igo contestadora dos valores domninantes. Partindo de vozes ni ‘ior dos anarquistas, propie-se a emancipagso de mulher de todas as classes sociais dos papéis que Ihe so atribui- 96 jo, emerge ma outra figura feminine, simbolizada-pela combatividade, i ja; forga, figura que luta pela transfor- magaorte-sumrealidade cotidiana, tanto a partir da prépria presenga ‘destas_ativistas, quanto pelas~suas projecSes. Maria Lacerda de Moura, por exemplo, indo as concepsdes dos “es sobre a inferioridade biol6gica da mulher, afirmava com um hemem apenas, com 0 Sr. som Lombroso ou com Fer de que a te para ser mie, para o lar, para brincar com o homem, para Mu wxiversiaads reuerst Uverianat @Biiotess Contes — Nao € ocasional, portanto, que encontremos nos jorndis ie Al@mie: térios artigos que, ao criticarem a situaggo social da mulher no sistema capitalsta, apontem a instruco como arma pri ertagdo. Matilde Magrassi, por exemplo, propde que a mulher fio lute apenas por seus direitos no int : da Tébrica, ‘a fim.de melhorar um vous obt€ndo uma jornada de trabalho mais curiae salarios mais dos, mas_que procure se para poder defender-se melhor frente A explor al. A educagio da mulher trabathadora aparece como insirumento de luta contra as classes dominantes, conta 6 poder-da-Tgreja e-contra o Estado, na medida em que ela Se conscientize de seus direitos. pessoais ¢ ainda, possi a instriigio_dos-prdprios.filhos, “impedir que Vitimas do_injusto sistema social em que vivemos” (O Amigo do Povo, 17-1-1904). A instrug&o de “operéria seré também funda- mental para que ela desmistifique a io e a figura imperiosa do padre, como conselheiro e guia espiritual Compreendereis que ¢ inteiramente imitil que: confieis aos padres as. vossas dores. Aconselhando-vos a resignacio, o que ele faz € impedir-vos de reagir contra quem vos oprime. Revoltando-se, a mulher enquanto mae e educadora serviré de exemplo aos filhos que, por sua vez, também se rebelaréo. E poderé compreender ainda que a nocdo de patria € uma reagent que os vossos filhos nenhum dever ‘tém‘a-icihipritpatcom ea, ‘¢ que quando, em nome dessa patria} os vierema arfubicar Wos-VO%s0s bracos, deveis revoltar-vos contra semelhiante:lei-(..). A idéia de que a mulher nfo & apenas portadora'de senti- mentos € emogées, mas de que possui a mesma capacidade de pensar, de questionar e de brigar que o homem e para a qual a educagdo é uma arma importante de luta, revela'a recusa do modelo de feminilidade institufdo pelo imagindrio social. Izabel Cerruti reafirma esta posi¢o a0 analisar as causas da situagfo alienante € opressiva em que se encontra a mulher na sociedade atual. Esta i mpreender os motivos da exploracao social \dustificadora de sua condi¢ao: Antes de tudo, € isso & 0 essencial, ela deve fazer uso do seu raciocinio para se despir dos vaos temores, dos tolos preconceitos los escrdpulos que Ihe incutiu a falsa, moral de Deus para assim, obter 0 seu pensamento emancipado (A Plebe, 20-11-1920). ‘As barreiras & superagdo da alienacdo da mulher nao se lo emancipagio da mulher”, publicado em O Ami 11-9-1902, ds, @ questo da libertacdo.feminina ndo.se. limita. ria, De modo geral, o discurso_anaequiste-proovratevelar a fo de sujeigéo e de-humilhacio quexsofrem: as. mulheresude todas as classes sociais, numa sociedade dominada-pelo-ped« Por isso, elas devem preparar-se-inteléctualmente para poder e= frentar a concorréncia masculina. Assim, como_a mulher trabalha- dora, a burguesa-€ oprimida, teve sue vida dedidida ‘desde a_in- fancia, aprendeu a reprimir seus se sente, a “fingir dotes que no post livre nem feliz”, deve participar da luta pela sua auto-emancipa- 80 — afirma Maria Lacerda, Estas anarquistas sugerem que as proletérias se organizem’em 98 baila cialis il + sociedadesifgreistfeinpara que possam conquistar melhores con- digdeside vida © de-trabullio. Freqiientes’apelos na finprensa Liber. ‘dria’ sigeremia formagao de grupos de estudo compostos por Iheres‘operérias, para discutirem sua situagdo social ¢ as possiveis, formas de resistén larg; Nesse panto, Tiistas ligadas & Re Ac ago. Segundo aquela revista,a mulher-deveria. ut independén- cia_politica, o-dirsito devato_e de participayso-nro~processo_clei- "ara. as anarquistas citadas, evidentemente, esta proposta no € libertadora, uma vez que se restringe a h ttitamente politicas e ainda porque aceita ¢ ral burguesa..Em suas palavras: © programa anarquista é mais vasto neste terreno} é vastissimo: quer fazer compreender & mulher, na sua inteira concepga pel grandioso que ela deve desempenhar, como fatora histérica, Para a nossa inteira integralizacdo na vida social (A Plebe, 20-11. 1920) A luta das mulheres, na-concepgdo-libertéria, deve passar pe- Jo questionamento das _xelacHes que se estabelecem no cot tat no ‘interior da f i < Cofiquistar- ito.de-participagfio no campo da “ao pelascclasses.dominantes, mas. de batalhut polo eres seal, complete-integral- : Qualquer reforma nas leis vigentes que venha a conferir-Ihe di- reit icos.iguais aos-homens, no a pde a salvo das chacotas eh es, no a.livra de ser espezinhada pelo sexo forte ¢ Prepstente, enquanto perdurar a moral social que constrange e Protege a prostituigio (4 Plebe, 20-11-1920). Wp No verdade, a transformacao radical da’ condigéo da mulher 86 serd possivel numa outta orgenizagio ‘da sociedade, mais justa, onde o amor livre assegure a integridade das relagdes familiares, ‘onde os jovens .possam escolher livremente seus companh: formar suas-familias, sem contar com os obstéculos econ aviltantes do mundo capitalista. Assim, a luta pela emancipagio da mulher néoxpassa: pela vindicagdo de aceder & esfera publica simplesmente;smas &-p ramente uma questdo de ordem moral: trata-se_da jidade de libertar-se do modelo burgués aus The ¢imposto-c-de-constyuir uma nova Tigureneg “egadora daquel daquela forjada = sas e de Dentre as autoras que pes samos, a que nos parece mais inovadora ¢ radical pelas suas indagagSes e propostas € Maria La- cerda de Moura ros publicados, Renascenga em 1923 e, dois anos ant nacional Feminina, com o obj ica — para o advento de uma sociedade melhor 15-4-1922), Ela tea nos cfroulos oper (A Plebe, a conferéncias em varios centros’ ci jos ou na Federacio A condig&o feminina Lacerda, preocupada com a que se encontra na sociedade capitaliste, Ela pregava a lu seus direitos, a necessidade da instrugio, da educagao sexual aos jovens, a Tiberdade“de amar, a matemidade “livre e consciente™e a ferrenha das relagdes de dominagio que se estabe- homens e mulheres, pretendia conscientizar. as mulhe- res de sua situacdo opressiva e mostrarlhes a possibilidade de uma participagio social efetiva sexual, a mulher nfo passou de espectadot no cenério da vida, afirma em Han Ryner eo Amor Plural’. Embora tentem libertar- se da dominacao machista, as mulheres tém de enfrentar a oposigéo dos que nao querem perder seus privilégios: 35. M. L. Me p. 34. , Han Ryner © 0 Amor Plural, Sko Paulo, Unites, 1932, 100 4 Eo homem continua a querer entravar-Ihe os movimentos ¢, portanto, a cercear-lhe © progresso. A sair, dé se locomover se vai trabalhar, ganhar dinheiro. Continua dando conta 20 homem de todos os seus passos © até do seu salério. B outra espécie de exploragao, £ 0 caftismo em familia (...).2 ‘Também para ela a questéo de degradagdo das relagdes fami- lignes sd pode ser resolvida soclalmente- apenas ém uma nova Or- ganizagea da sociedade, 6 jomens © mulheres tenham os mes- ortunidades, suas diferengas poderao ser respe do atual regin® soci estas palavras: se eu ndo arrancar os olhos do. proximo, ele arrancaré os meus” Mas a transformacéo nio, ndo deve passar pela ditadura do p: @ aproxima totalmente dos anarquistas fo podem ser organizadas p considere representante dos interesses do proletariado: € 0 caso, exemplo, do amor, impossivel (segundo ela) de ser “organizado’ Em trabalho recente, Miriam Moreira Leite procura desvendar 08 caminhos de Maria Lacerda de Moura, cujo pioneirismo em sua ¢ deu,basicamente na érea de estudos sobre a condicio 2 Também em seu parecer, ela no poderia ser consi- uma anarquista p , ou como comunis- ta ou socialista, no sentido de afiliacdo politica. Na verdade, se es- ta escritora mineira em muito se aproxima dos libertérios, ao negdr 36, Idem, p. 35, 37. M. L. Moura, 4 38 5. 177 39. Miriam M. Leite, op. cit, p. 21 ier & uma Degenerada?, op. cit. p. 257 101 qualquer vinculo com o partido politico, ou nas criticas que ende- Tega ao governo e ao clero, ou ainda na defesa de uma nova mo- ral, do amor livre, da libertaggo da mulher, ela mesma nega qual- quer rotulagdo politica, considerando-se uma pensadora indepen- dente. r-de Josefina 8. Berte Em_‘'o_que_deveria_ser_a_mulher”, ela explicita sua gérmen, matutando-o na dor, consagrande-5 CoH 9 seu sang, Ge & humualdade o milagre dw pare sa sla. com i écom els, eter namente se renovando até a0 iafinile.C...) Se de um lado ngs condenamos a feminista_ultta(...) doutro lado 6 qiigremos.to.pouco a mulher méquina,s-mulher_besta de carga, a chamada governadeifa (A Terra Livre, 156-1910). O ideal feminino que aparece nos textos atiarquistas € deliriea- do difusamente: nfo se pretende construir um modelg acabado, evi- dentemente, De qualquer f modelo burgués da esposa-mae-dona-de-casa, vigilante, assex ta, conio-défendiam os médicos ¢ jilantropos do comeed do’ século, 0 @ exigéncia que se faz do trabalho. excessive! da Fmiédelo feminino, que co riamente’the atribui cas de indolEncls, passividede Qual foi até hoje a noiva ideal ou a admirdvel mae de familia ras classes pobre ¢ média? Aquela que sabe fazer tudo, que tra- balha sem tréguas, e que por conseguinte (...) acaba com a propria satide e envelhece antes do tempo, jd que nfo se diverte e que no tem tempo para si prépria, Imagi- na-se ent&o a possibilidade do crescimento pessoal da mulher, livre 102 da prisio'dos ‘afazeres domésti¢os ou da-extensa jornada de traba- Iho fora'de casa: ‘Com a subdivisio do trabalho, pelo contrério, satisfeita a ta- refa que the compete ‘como costureira, tecedeira, lavadeira, cozi- nheira © educadora, artista ou talvez médica, (...) poderd de- pois dispor a seu bel-prazer das horas livres, quer dedicando-se a0 estudo ou a exerefcios artisticos, quer gozando as diversdes a todos proporcionadas pela vida social (A Terra Livre, 15: A discussfo sobre.a necessidade da emancipagéo da mulher remete evidentemente a recusa do casamento monogémico, da im- osigao dos cOnjuges e leva & proposta de uma nova forma de rela- cionamento afetivo, A moral sexual AMOR LIVRE 1 Virgens: erguei o olhar que as sombras do convento Acostumou a andar cerrado para a luz. Deixai um instante s6 os éxtases de cruz, g-eachelvod deste aol que bile turbulent, Vinde gozar a vida em toda a plenitude © nic faneis assim a Vossa juventude ‘com sonhos infantis duma banal pureza. ri A. viggindade & quase um crime, Cada seio deve florir num ser tal como a terra em flores. Veneer 0 preconceito e os falsos vios pudores fem que'vos abismais num subitineo enleio. ey Como na antiga Grécia esteta, rediviv 6 virgens, desnudai a vossa carne altiva ¢ fecundai, apés, num sopro de enetsi E vés, homens do amor e vés que a desejais, Arrancai-thes da fronte as coroas vi emente & grande luz do C. Leite (4 Plebe, 21-10-1917) 103 Em um de seus livros, Maria, Lacerda de Moura revela que 0 tema do amor livre “é hoje muito discutido ¢ necessério nas rodas de intelectuais e proletérios”#° Afirmac&o intrigante para. quem acreditava que esta questo fosse colocada recentemente. A critica & virgindade, exigéncia “ridicula para.o homem” e “profundamente humilhante para a mulher”, segundo esta mesma autora, remete efe- tivamente & negagao do casamento como relagio monogamica eter- na, legitimada pelo clero ¢ pelo Estado. Os libertérios questionam. f institucionalizacdo das relagdes afetivas e a forma pele qual as relagdes sexuais se manifestam numa sociedade autoritéria ¢ repres- siva de ponta a ponta, Por que esta necessidade obsessiva de en- quadramento dos comportamentos sexuais, principalmiente em rotu los prontos, acabados, aceitaveis ou condendveis? A despeito de to- da acusaco atual do moralismo dos anarquistas, nfo se pode deixar de considerar avangadas suas propostas de relacionemento afetivo entre homens ¢ mulheres, Somente é valida uma unio conjugal que se estabelece livre- mente, independente dos interesses econémicos ou das obrigagées sociais. Vérios artigos publicados na imprensa anarquista discutem fa questo do amor livre, procurando diferencié-lo de uma valoragao burguesa: ‘Amor livre, nfo é como alguns pretendem e outros julgam, as relagdes sexusis havides de momento em praca péblica, ou num andar registrado sob um nimero de policia. (...) & um todo formado pelo homem e pela mulher que se completa. (...) Vivern juntos porque se querem, se estimam no mais puro, belo e desinteressado sentiment de amor; vivem juntos porque € essa_a sua vontade © no esto ligados por determinagéo alheia hem pot interesses que a um digam respeito. (...) Amor livre 6 plena liberdade de amar ¢ so a forma hipécrita do casamento fem que 0 homem ¢ a mulher ligados indissoluvelmente pelo ca- Samento civil ou religioso 460 obrigados pelo ‘preconceito. a ‘su- portarem-se com enjéo. (...) Antonio Altavile (A Vor do Trabalhador, 1.9-2-1915) Nae) Oreste Ristori, também preocupado em deffazet qualquer iden- tificagdo entre amor livre e prostituiggo, comiim na representagdo 40. M. L. Moura, Religido do Amor e da Beleza. Sio Paulo, Condor, 1926, p. 110. 104 imagindria do sexo na sociedade burguesa, afirma que “Amor livre ¢ livre unio” nfo devem ser tomados como sindnimos, um poden- do existir-sem'o outro, e define sua concepedo de ator livre: © amer live no slgifen a ap iti @ apropriagho comom da. mulher, ras quer dizer: a iberdade limitada pore 0 mulher, como Par. @ homem, de amar . cue uma pessoa, antes wem 4@ liberdade de concentrar sobre SNivscs say oe sue impor um reo eof Livre, 2-4-1907), ‘ Na sociedade atual, as relagSes afetivas entre o homem © @ mulher sio falgas e imorsis, porque se fundam em interesses eco- nomicos e confagram uma situagao de dominacao: a mulher se tor na escrava do homem, a quem deve obedecer servilmente. Isto, por sua vez, significa sua total enulagio social, refletindo hipocrisia © matriménio apenss serve para abreviar a duragio do amor tomar odiose unido. No lar, a mulher é a escrava, o homem € 0 senhor; este tem 0 dreito de mandar. aguels o di obedecer. (...) a Por isso se diz: 0 casamento é a de A do Povo, 2-8-1902). i . A anarquista Tibi, autora deste artigo, continua suas reflexdes mostrando que a organizagao familiar que se forma a partir do samento monogamico legal gera seu oposto: a prostitui¢go, Alids, pergunta, no casamento ou na prostituicio, 0 ae stituigiio, 0 amor no & le um comércio? objeto di ‘Ao menos, « prota no precisa f recta fing. Todos sabem que © seu amor é vendido, a ninguém engana. : Finalmente, conclui incitando as mulheres a se revoltatem contra os. papéis humilhantes que devem representar, jé que nao podem esperar que sua libertacdo seja fruto da providéncia divina 105, ‘A emancipagio da mulher hé de ser obra dela prépria. va familia na sociedade andrquica, como os marxistas, 05 io se aprofundam no exame da natureza do lago conjugal fu- turo. No regime capitalista, a familia se funda sobre relagdes de interesse © pretende manter unidas pessoas cujos desejos sfo di vergentes, cujas ligagdes sdo artificiais, que se ofendem, que se Ientam, ou que se odeiam, pois umas oprimem as outras. Trate-se portanto de desmistificar os dois pilares de sustentago da ordem burguesa: tanto 0 contrato de trabalho quanto 0 contrato de casa- ‘Ao contrério, no “‘comunismo anérquico” a base tnica da familia € 0 amor e nao uma relagéo mercantil: livres de preocupa- Ges econémicas, seus membros s¢ respeitam e se aproximam por famizade. Se acaso estas relacdes se alterarem ¢ tornarem-se insupor- , dissolve-se a familia e a comunidade ampara seus filhos. Néo hd nada a temer (A Plebe, 12-10-1919). Condgnando. o casamento indissolivel, portanto, os anarquistas defendem o diyéreio que, 20 do que se afirma, néo viré trazer a diseérdia no interior oferecer um abrigo seguro, um porto de salvagio Aqueles para os quais no mais sorria na terra a esperanga de um claréo de ven- tur. (..) O divércio ndo facultaré a separagio completa dos éasais, senio ‘em casos perfeitamente definidos e quando a separagao ‘dos cOnju- ges redundar em felicidade relativa para ambos (A Lanterna, 10-8-1912). 7 © divéreio € uma necessidade fundamental numa. sociedade que nfo sabe amar, que nfo tem tempo para isto, que consome as energias dos individuos explor tes de. suas forgas. Preocupadas com a sol neste sistema social relacionarem-se de outro modo que nfo compe- titiva e auloritariamente, ameacadas o tempo todo de perderem seu ganha-péo, humilhadas pelos dominantes, ou nas classes privilegi tando para se auto-afirmarem continuamente? Quem tem “O pergunta A. Vizzotto, no artigo que A Plebe, de Quando 0 pr «.) aps uma jornada de 10 a 12 horas de trabalho, Volta exausto de forgas para sua casa, poders, se & 86 106 RE - equ uinatuntin, procurar:t “ 1, roctirartanglila © serenamente aguela que tera ‘deiser a: ‘sua: companheira(...)? Teré tempo, vontade, aoe ssgfo,para orientarihe 0 carder, conhecerihe os sentmento aspiragGes?.Terd, a0. menos, forea para exprimir. vinho? ‘A.teposta tem de ser forgosamente negativa, Portanto, o amor en comport regres, nfo pode ver enquadredo nat forms imaginério deve fluir sem imposigg. sigGes. A liberdade de i sl Maria Lacerda, refere-se a liberdad: uw render a amar”, sem regras, livremente, sem : regras, mente, qualquer inter- feréni externa sobre as opcdes individuais, sem imposigoes social ‘ou ainda sem a orientagfio do partido: : _(o-),Sothar com 0 dominio de um’ pas aia para tado 0 ‘orbe © “orgatizar” o amor seguado os interes deste Partido ou dessa clase ou idcologia ~~ € sifocar' liberdade, aesprézar as’ experiéneias do passado (...).#1 1 “Maria Léverda diverge de Alexandra Kollontai, me Oposigéo Operdtia do Partido Bolchevique, em welagio ao angie, Stamento do ator pela moral proletiria, questionando que este Ossarser-“forganizado"'segundo os interesses: do. partido. » “OH, diz ela, quando se esquece ‘do partido Kollon! coisasmuito interessantes, mas'o amor deve ser ‘iva atorostsufeita a lei da oferta ¢ da pi gia burgudsa ‘quer fazer or novas formas efetivas de rela como @ ideolo- ladé de se criarem | Deicem © amor le, sboluumene te, Homers = mules tncontraréo, nas leis bol6gieas ¢ nas necesidades fetvan © cop «tis seu eminho, a sun verdade a sun vida, A slaseo 86. pode. ser inc lual. Cada qual ama como pode. . 42 : Maria Lacerda, produz a os dois sexos esto em absoluta 8s! € imposstvel o amor entre pessoas fue se oprimem, que tém medo de se perderem, que vivem uma relegdo 41. ML. M Han Ryner ¢ 0 Amor Plur ar Ry) Amor Plural,.op. cit, p. 128 107 © amor-camaradagem, ta © possessivo que conhecemos, libertaré a mulher e 0 homem, acabaré com a exploragdo femi na, com o infanticfdio, com as figuras humilhantes ctiadas-pela re- presentago burguesa dos papéis atribuidos a mulher, a exemplo da “solteirona” ¢ da prostituta, A mulher poderé entio unir-se a quem amar ¢ ser mae quando quiser: Por que s6 divinizar « Maternidade dentro do casamento legal? (...) Aceitar um senhor imposto pela religifo, ‘pela lei ou pelas conveniéncias € que é imoralidade.® Apesar da radicalidade e da novidade ‘de suas posigdes, a crf- ticd libertéria desta pensadora mit | organizago burguesa das relagdes sociais esbarra com 0% flo de idéias que dominavam o pensamento cul € 0 caso da idéia de eugenia, do aperfeigoamento da raga, da influéncia do posi = mo e do evolucionismo em seus escritos e, ao mesmo tempo, a ex- Plicitagéo de uma postura moralista diante de certos temas, como a condenac&o dos “tangos e ) da fanfarra louca do -band infernal — meio seguro de abafar vozes interiores.”” No entanto, diante da’ prostituigio, Maria Lacerda se sente in- dignade com a marginalizacao e com a infantilizagdo de mulheres a quem se qualifica como “perdidas”, como "a. peste das pestes”, refletindo uma posigo novamente muito préxima da dos anarquis- tas. Para estes, o fendmeno da prostituig#o € visto como ma} ne- cessdrio observavel em todo tipo de sociedade desde os.tempos an- tigos. No si ili pois fundadg a partir de um con- exige o funcionamento deste comércio sexual i bil. As jovens pri i seus namorados, enquanto que uma série de interdigées sexuais re- caem sobre a casada. Além do que, muitas vézes; a mulher se casa com um homem escolhido pelos Tes pobres a venderem 43, M. L. Moura, Religido do Amor da Beleza, op. cit, ps 48. 108 @iblictaes Conte: — ¢ ove, monte’ _prdprio corpo-para.garantirem o sustento da familia, A origem do problema é essencialmente econémica: ‘Sabemos, e temos consciéncia de estar com a verdade, que a muther de nossa época que recorre a vida ignominiosa e anti natural da pros econémicos (A um caminho diametralmente-oposto stado de prostituicdo-eomo-antindmi- @ @ operdria, Por isso ela néo deve ser desprezada nem marginalizada, dizent os libertirios, iado fornece ‘0 éontingente principal. O_burgués sedutor, eterna- mente insatisfeito, vai buscar a satisfacdo de seus caprichos.libidi- nosos nas_jovens de classe social~inferior; iludidas com promessas de luxo, de ascenséo ou dé conforfo, ¢ nao entre as mulheres de sua prépria classe, embora isto também possa ocorrer. lo que dizem os médicos burgueses, a “vocacéo ” nfio nasce de um instinto natural, mas provém de um problema econdmico, A imprensa libertéria se insurge con- tra.a teoria da prostituta natae, nesse sentido, so-os falsos homens de ciéncia que folheiam os livros e revirai cas, com o intuito de, por todos os ms ciada_preguig: supostas taras heredité- ", procuram fazer todo o incapacidade’ para rias (...) eles, os fundamento da prostituicao. Na verdade, dizem.os anarquistas, o saber burgués niio pode explicar devidamente 0; problema prostitucional porque teria de fa- zer a critica do sistema capitalista, do governo e da familia exis- 109 aise. eomvenddae tente, teria de encarar a questéo social ¢ econdinica e desejar ‘sua superacdo: ‘Tocar, também nos motivos 'verdadeiros da prostitiiigao, seria mostrar uma das calamidades doa desprestigiar um pouco a to politica em que nos encontramos, com o fim do Estado-e-sobrettds cori a teversio-da-moral:bar- guesa. Na nova_ordem vremente a sua iy indeptcdeahe tai uma nova moral, elaborada ‘para os Holfiens ¢ par’ aé thi Theres, que determinaré uma nova forma de: comportattitnto os sexos. Ambos se aproximario naturalmeinte, impelidds- Por’ v ja € atracdo miituas ¢ nfo pela’ impos i frustragdes inerentes ao casamento buirgués: A prostititigad delxard de ser necesséiia “direito a0 prazer” que os libertérios reivitidi¢a para-is mulheres “e para os homens s6° poderé ser toncrétiznd6 “ha ‘Ho¥e sociedade, onde todos estardo livres da sujeig& As necessidedes- hit imediatas e também dos ptecoticeitos e faitatishio’ iinp6stes iGo. Os jovens nfo precitardd busca as" présiititis “pata jazem na vida sexual, nem as’ mogas'manteré © dia do casamento: 'A virgindade 6 quase um crime. Cada seio deve'flotir nuit ser tal como a terra em flores. Muitas vezes, os anarquistas t8m'sido qualificados’de'moralis- tas e acusados de no terem praticado o amor livre que fafito “exal taram e de condenarem praticas como danca, carnaval, fumo, bebi da, como veremos no préximo item. Na verdéd zacdo da classe operdtia se evidencia no discuirso libertétio: 0 vicio € ericarnado pelo burgués, 0 patrdo € censurado por s6 pensar nos prazeres materiais. Ele ¢ apresentado como um bor! vivait, eércado de luxo e refestelando-se em orgias,'dom-juah itifatigavel, enquanto que 0 operdrio honesto e sem defeitos traballi 110 ‘Ao -miesind tempo}. uima-éertadefesa dos padrées familiares ¢ do modelo sexual ‘burgués: pode 'serpercebida no discurso anarq Ett algtins thofrientos, a'Tuta: cont wueles que fundam a familia burguesa: lade, exaltacfio da maternidade. Como X Jé se tornou conhecida ’ critica a0 smo dos anarquistas quando, condenam o camnaval,,o baile, 0 alcool, o fumo © mesmo 9 futebol como vici da..De fato,, uma certa, as lar, do sexo,,do alcoolismo ou do fumo pode ser constatada no dis- ‘outso, libertério, que revela a nitida intengao.pedagdgica de contro- lat-as.formas de lazer.do-proletariado. Por outro'lado, € insuficiente constatar a contradigao ‘que permeia este. discurso que, 20 mesmo tempo'qiie préga 0 aitior livre e 0 direito do’ prazet para homens e mulheres, condena a danca, o bar, a bebida ou o esporte. Talvez Se’ possaenVeredar por urna outta direea e pérguntar sobre os ob- jetivos'e os-ddVersérios Visados’pela'douttina ariarquista. O que di- eria'tespeito das‘riécessidades que poderiam estar por trés destas iteraigoes? melham em varios aspectos castidade pré-conjuge As préticas condenaveis is fmidrals que visam enftaquecer e entorpecer a classe operé. destitnd6-a ‘do cumprimento de sua fungao hist6rica revoluci ndrid.'O dathaval ¢ associado & idéia de degradacio do individuo, & Visto cOml6 ato’ de imoralidade, representando o momento et o'trabalhador perde sua dignidade, abandona cepgto: ABAIXO 0 CARNAVAL (s.) O que é 9 carnaval? Uma tradigio popular das mais tolas que por toda a parte exis rr ‘GAIVERSIDADE FEDERAt DB URE ARANDA, cem, © morrem, vitimados pela sua prépria culpa, perdendo noites de sono, ingerindo refrescos gelados, tendo 0 corpo a suar por todos 0s poros, caminhando horas inteiras, sob um sol catisticante, Tufando eaixas, tocando bombos, empunhando estandartes. (...) carnaval & uma imoralidade! A mesma imagem do trabalhador que abandona 0 aconchego do lar em troca do bar, deixando seus filhos doentes e famintos chorando, enquanto a mulher se desespera e a filha se prostitui, tal como aparece nos romances naturalistas do século XIX, a exemplo do Germinal, de Emile Zola, € sugerida no discurso anarquista a0 ctiticar o bar: (...) se em lugar de as passar (as poucas horas de descanso) na taverna ou em outros antros do vicio, se as passésseis nas ass0- ciagGes discutindo ¢ trocando idéias uns com 0s outros sobre o$ as- suntos que vos interessam mais de perto (...) chegareis & conclu- so de que &melhor, mais digno e mais humano exigit do patrao um ordenado: suficiente para sustentar a familia do que trabalha- rem mulheres ¢ filhos para o préprio sustento (...) Albino Moreira (A Vor do Trabalhador, 19-3-1913). Recrimina-se 0 operério que, ao invés de lutar pelos interesses de sua classe, aliena-se nos “antros do vicio”, bebendo, jogando, fumando, desperdigando tanto seu dinheiro quanto suas energias, enfim, fazendo exatamente 0 jogo do inimigo, O trabalhador politi- zado € aquele que se mantém Iticido, consciente da guerra cotidia- © ha que se trava entre as classes, que acumula energias para empre- sé-las no momento certo © que, portanto, sabe quéo importante & reforgar os lagos de solidariedade que 0 une aos seus familiares ¢ @ seus companheiros de luta. A taberna deve ser evitada porque é um espaco privilegiado da alienagao politica, lugar onde se con- traem os grandes vicios e se perdem as grandes idéias. E interessan- te observar que exatamente pelo motivo oposto o bar é condenado no discurso burgués, ou seja, porque € o lugar da germinagdo ¢ Propagagéo de idéias subversivas, entre outros vicios, A Terra Livre, de 23-10-1906, publica um artigo enderegado “'Aos jovens”: A 6s que s6 pensais em vos divertir, que para nada vos ocupais da vida social, que, ao sair da oficina, correis taberna.ou 20 lupanar, a vés me dirijo, como muitos outros tém feito pedindo- vos que sejais homens verdadeiros, que deixeis de ser bestas como 112 tendes sido, embora penseis ao contririo, que estudeis trocando a venda eo lupanar pelo centro de estudos alcangando dignidade ea forga de ser pensante ¢ consciente dos seus direitos e do seu valor. José Postigo, © centro de estudos versus 0 bar ou 0 bordel; o estudo, @ conscientizacéo versus os prazeres da bebida, do sexo, do fumo; a razdo versus os sentidos; 0 espaco ventilado e higiénico versus 0 salfo abafado, escuro, aglomerado de corpos. Além do que, a ta- berna é 0 lugar onde o operdrio aprenderd a beber, se tornaré um alcodlatra e seré perdido para @ revolugdo social, Dupla arma dos capitalistas, o dlcool deve ser combatido: aqueles interessa 0 au- mento de seu consumo pela classe operéria, tanto economicamente quanto por manté-la num estado de ignorancia e de alienago pol tica. Assim, 0 lcool € condenado no discurso anarquista como fla- gelo das classes trabalhadoras porque degrada 0 operdrio, transfor ma-o num ser émbrutecido, arrasta-o para o submundo, entorpece seu raciocinio, retira-lhe as forgas, a perspectiva e a iniciativa para a luta de emancipagao social. Na medida em que condena a bebida e 0 fumo por enfraquece- rem fisica e moralmente 0 trabalhador, o discurso anarquista se aproxima do burgués, segundo o qual so necessérios homens fortes e sadios para “construirem a riqueza da nego”, Num e noutro, 0 bordel, o bar, 2 bebida, 6 fumo e 0 jogo sao condendveis porque destroem a satide e o carter do trabalhador: para os libertérios, 0 operério aliena-se, despolitiza-se e degenera-se; para os dominantes, ele se perde como forca produtiva e se corrompe porque adquire idéias e hébitos subversivos. Nao existe no pensamento burgués uma linha divis6ria entre vicios morais e idéias politicas: ambos sao nefastos para o espirito do trabalhador e para o crescimento da na- so. Evidentemente, no discurso anarquista ou operario em geral, a causa do alcoolismo nos meios populares encontra-se no tipo de so- ciedade em que vivemos, onde a bebida, o fumo, o jogo surgem co- mo valvulas de escape diante de um cotidiano massacrante, No di curso do poder, por seu lado, a questo remete & falta de cultura; de educagao e de civilizagéo dos pobres, ainda em estado pré- zado. © baile, por sua vez, 6 censurado como pritica imoral, alie. nante'e corrompida, pelas tentagdes que desperta ao aproximar os corpos de sexos diferentes. Os anarquistas concordam com a moral burguesa que condena 113 a danga diante da ameaga que representa o contato fisico dos jo- vens ¢ por alienar o trabalhador de sua missio histérica: Quando comega o baile, assiste-se & cena mais repugnante deste mundo, capaz de nausear as propria meretrizes. A orquestra entoa as primeiras notas para saltar, e todos aqueles espasmados mance- bos correm como loucos eth busca da mais bem fetta, para. satis- fazer a ansia de 2 apertar nos bragos, de The revelar — sob forma de amor — todo 0 seu desejo de posse, pois que daquele (...) enlace libidinoso (,..), daquelas cécegas, néo pode resul- tar senfio a excitagéo dos sentidos de ambos. (A Terra Livre, 5- 241907) Até mesmo o futebol nfo escapa a critica veemente dos anar- quistas como prética degradante que embrutece o trabalhiador e des- perdica suas energias, que deveriam ser canalizadas para a militin- cia politica. Néo obstante a fregiiéncia destes artigos na imprensa anarquis- ta, reprimindo estas praticas festivas, devemos lembrar que também eram comuns os antincios ou comentarios de festas tibertérias in- cluindo bailes apés as sessdes de conferéncia ou de outra, manifes- tacdo politica. A titulo de ilustragio, um cartaz de “A -Plebe, 2-7-1922, convidava: GRANDE FESTIVAL PRO-A.PLEBE Organizado pelo Centro Libertério “Terra Livre” realizar-se-4 no dia 12 de agosto, as 20 horas, no Saliio Celso Garcia, sito & rua do Carmo, 23. Este festival obedecerd 20 seguinte € PROGRAMA 1 — “A Internacional”, pela orquestra; IL — Conferéncia; III — Seré tevado & cena o belo drama histérico e social, em latro_atos: OS CONSPIRADORES; IV — Baile Familiar. Nos intervalos haverd quermesse ¢ venda de flores. Fica evidente a intengio pedagégica que permeia 0 discurso anarquista, preocupado em formar o militante politito consciente, combativo ¢ produtivo. Nessa medida, entende-se o moralismo desta doutrina que visa atingir um nimero cada vez maior de trabalhado- res € trazé-los para a causa da revolugdo, fazé-los manter- uma .cons- tancia relativa na participagao nos centros de estudo, na leitura dos 114 jomais operdtios, nas discussGes com seus compenheiros e nas ma- nifestagOes pitblicas. Uma maneira de viver, pode-se dizer, esté com- prometida com este disctrso: nfo se trata apenas de introduzir uma série de interdigdes, impedirido que os operdrios joguem, dancem ou bebam nas horas de lazer, mas de interferir positivamente, fa- zendo com’que se’enigajem politicamente e que abram méo de uma atividade em beneficio de cutras Aléin disto, pode estar em jogo uma questio mais profunda. A condenagfo veemente das atividades festivas, de bebedeiras, far- ras, frequéncias a bares e bordéis, fumo, nesta perspective, visaria “menos a repressio ¢ a vigilincia efetivas, isto é, teria menos uma fungdo negativa do que visaria funcionar como mecanismo de auto- defesae de protecto da classe trabalhadora, frente & violéncia da dominaco classista. Como outros tantos grupos politicos que se consideram representantes do proletariado, os anarquistas se vem na obtigacio de defender os representados contra @ ago pui dos dominantes. Reprimir 0 alcoolismo, a embriaguez, 0 fumo, ¢ condenar 0 boteco © o bordel significa proibir tudo 0 que possa dar miargem ou pretexto para o poder atacar. O reforgo da sangdo ‘moral péderia ser uma maneira de escapar da penalidade do Estado © da violerita repressio policial que recaiam sobre o trabalhador e os pobres em: geral.“* Além disso, esta tentativa de regulamentar @ moralidade cotidiana da vida social seria uma maneira que os tra bathadotes tériam de assegurar sua prdpria ordem e, deste modo, destzuir a imagem operdria fabricada pelo adversério, segundo a qual os eleméritos das classes sociais inferiores so seres pré-civili- zados, irresponséveis, de vida desregrada e de habitos perniciosos. © que, por sua vez, justificaria a mobilizacio de um enorme apa- rato policial © judicial repressivo. O que estaria em jogo na conde- nagdo das préticas referidas seria, entfo, a luta para desmistificar no plano’ do real a imagem imoral do trabalhador construfda pel discurso do poder e pata convencer a opiniio publica de que 0 grante poderia comportar-se de acordo com a ética moral dominan- 44, E. P. Thompson, “Lucha de clases sin clases’ » Revuelta y Consciencia de Clase. Barcelona, Critica/Grijalbo, 1979, p. 31. Neste exce- lente artigo, o autor mostra. como a cultura dos dominantes pode ser 12 apropriada no interior das priticas dos trabalhadores. Para Thompson, 0 conceito de hegemonia esté intimamente ligado 2 idéia de encenagio e de teatro, Neste, a construcio de um contrateatro por parte dos dominados marca a possibilidade da imprevisibilidade da ago, Ver Michel Foucatl La Verdad y Las Formas Juridicas. Barcelona, Gedise, 1980, 4.8 Conferéacia 5 te, negando assim a necessidade do aparaio policial constantemente mobilizado pelos patrées e pelo Estado para conter os impulsos po- ulares. Ao anarquista perigoso, subversivo, corruptor de menores, assassino, ladrio, promiscuo ¢ grevista, que a lei Adolfo Gordo ex Pulsou do pafs, contrapor-se-ia 0 operério produtivo, honesto, vit. tuoso, educado, comportado, disciplinado, cumpridor de seus deve- Tes, mas consciente de seus direitos, Trata-e, portanto, de demar. car nitidamente as fronteiras que separam o vagabundo, o desor- © imoral, de um lado, ¢ 0 trabalhador pobre, sério, produti inado ¢ civilizado, de outro. A condenago moral de certas préticas sociais visaria conse- giientemente garantir 0 controle sobre 2 organizagio do lazer ope- ririo, proteger 0 proletariado contra a violéncis do exercicio da dominacio burguesa, e formar o militante combativo, dedicado, la- borioso, figura com a qual deveriam identificar-se os trabalhadores uurbanos do periodo. A construgio deste modelo normativo de com. portamento militante refletiria como num espelho a.imagem do tra- balhador que, inimeras vezes, aparece desenhado nas péginas do jornal operério: jovem, forte, saudavel, simbolo do crescimento eco- nOmico ¢ do progresso da nagdo, garantia da possibilidade do novo mundo, contra-imagem da projegdo burguesa\A representago ima- ginéria do operdrio bébado, fumante, decafdo, 'selvagem e arruacei- to, 0 trabalhador sdbrio, sério e produtivo: debochada, ameasadora j i - _ privilegiadas,”@_tral cdona-e-casa-mae-desfam{. Tia, aus seada,_Aos jovens que levam “uma vide int nenosa”, os militantes estudiosos, combativos, enérgicos zados. A imagem de um mundo operétio confundido com mundo da marginalidade e da criminalidade, contrapor.se-ie o mun- do do trabalho ¢ da luta, associado & nogéo de produtividade e de rogresso, 116 Loy Ul. A PRESERVACAO DA INFANCIA. Apropriagio Médica da Infancia 3° De hoje em diante ficais sabendo que a higiene é a parte da medicina que cuida da satide de pessons, estabelecendo as tegras do modo de viver com cuidados imprescindiveis, sobre a habitagio, 4 alimentagio, o vestir, o dormir, a educagao, ete Dr. Moncorva Filho, 1901 Na empresa de constituigéo da familia nuclear moderna, higié- nica e privativa, a redefinigéo do estatuto da crianca pelo’ poder médico desempenhou um papel fundamental, De uma posicgo_se- sundéria e indiferenciada em relacio ao mundo dos adultos, a crian- sa foi paulatinamente scparada e elevada A condigdo de figura cen. tral_no_intevior da familia demandando uim_espago.proprio e aten- so especial: tratamento ¢ alimentacdo especificos, vestudrio, brin. quedos ¢ horétios especiais, cuidados fundamentados nos novos sa- beres racionais da pediatria, da puericultura, da pedagogia e da psi. cologia.! Se, até 0 final do século XVIII, a medicina no se interessava particularmente pela infancia nem pelas mulheres, 0 século XIX as siste & ascensfo da figura do “reizinho da familia” e da “rainha do Tar”, cercados pelas lentes dos especialistas deslumbrados diante do desconhecido universo infantil e do territério inexplorado da se- xualidade feminina, A conquista deste novo dominio de saber, 0 objeto-infancia, abriu as portas da-casa para a interferéncia deste corpo de especia. listas, os médicos higienistas, no interior da familia. Através de trés 1, Phillipe Arits, Histéria Social da Crianga e da Familia, 2.8 ed, Rio de Janeiro, Zehat, 1981; J. Donzelot, op. cit 117 as pegas eram reaquecidas para o acabamento”. Com isso, a erdrias acabavam trabalhando ainda mais gue 0s mais. vel jo a Tisas do Vidis Fetardava, aumentavam para onze, do- € quinze horas de trabalho”.2° Se 0 retrato da exploracdo infantil foi tema constante nas pé& ginas da imprensa anarquista e operdria em gerel, @ problematize- go da relacio com a infancia para os libertdrios certamente enve- xedou por outras diregées. No apenas uma atitude defensiva de dendncia da violencia fabril, mas um pensar sobre a formago do homem novo, desde a mais tenra idade A pedagogia libertria. e a tormaga0 do homem novo ‘Como entdo formar este novo personagem capacitando-o a con- viver com as mais variadas diferencas, de idade, sexo, cor, nacio- nalidades, sem todos estes preconceitos que, nos atravessam, crian- do tantos desencontros, tantas dificuldades de comunicagio ¢ en- 10? Seremos capazes de quebrar tantas molduras, de des” fazetmo-nos de nossas mascatas? A infancia é uma esperanca. Uma educagao especial, capaz de respeitar sua individualidade, de dei- xé-la falar em sua linguagem, sem ter de suportar obrigagbes, deve- res, punigdes, Por que ndo deixé-la encontrar seus rumos, expressar ua diferenga, sem recriminacSes? Suportaremos no nos ver reflee tidos em suas’ pulses infantis, como diante de.um grande espelho cujas formas projetassem nossas imagens reduzidas? As experiéncias deCEeriz3 abrem perspectives sedutoras.. Afi- nal, em Barcelona, 1901, pde em prética suas idéfs; seu projeto educativo e funda a “escola modem”, Por: vari to em 1909 pelo governo autoritétio espanhol ¢ rememotado na poesia publicada em A Plebe: A MEMORIA DE FERRER Educar para a vida a mocidade. Para uma vida forte e sem mentite? Horror! Isto é a anarguia, isto conspita Contra o céu, mais’o trono, mais 0 abade! 30. Idem, p. 117. 146 no que & loucura aspira! nossa. propriedade, Nao deixeinos. morrer # autoridade, Como se esvai,o fumo duma piral Morte’ao infiel — a terra horrorizada Viu 2 ressurreigao de Torquemada Dum mar de sangue, horrivel e iracundo; Num renascer da ingui sanba, Viu Ferrer sucumbir dentro da Espanba, — Para viver no coragio do mundo! Beato da Silva © que se pode esperar de educegio tradicional, sendo que cons- titua individ i a fuios? E para is80 que sqgve a escola burguesa: para fazer as pessoas acei- tarem cegamente as riormas. estabelecidas, para incutir valores so- iais ¢ morais da classe dominante, para produzir e reprod do, podey_nas-teleeSesque-seproduzem. em to na casa, no trabalho, rier propSe um tipo de escola que.néo in- ve o espitito de compelicdo enite as ctiangas. comd corre nos 10s. disciplinares burgueses, mas_que crie condicées para a descoberta de novas fotitias demonvivénicia baseadas na cagperagdo, na-conflanga e no respeito métuo. A escola racional ou moderna no pretende realizar uma grande obra de ortopedia soci rege as pessoas segundo. as suas diferengas. Ela pode ada por individuos de meios soci de_ainbos os sexes. As/Ascolas mistas facilitam 0 convivio e 0 co. aheclnient® entre homéss €7EUTAeres, colocando-os nume relacéo dB igualdade. desde: cedo. . A educacio anarquista, deve fazer-da_crianca_um “anim yagem”, na expresso. da pedagoga sueca Ellen Key (1894-1926), colaboradora do Boletiin da'Escola Maderna publicado por Ferrer entre 1901 e 1909 ¢ admirada por Maria Lacerda de Moura: porque ela deve. ter iniciativa, vontade firme, tornar-se, um_conquistador, el 147 digas do..." O novo homem ‘deve ser capaz de andar so! /oar com asas Seguras para espagos novos e d&s ¢, mergulhar_profundemente. Nada disso.é possivel com uma ediicacao que exige obediéncia 10 prego aos que se recusam e pte: escolher um caminho préprio, da formagéo do gresso Brasileiro de Protegéo & Infancia por Taciano Basilio, em 1922, cujo eixo € a defesa do Castigo as Criangas: Com essa orientugGo Facional, 56 hd vantagens em reprimir com firmeza as més 3 08 10s atos, Ligard entéo a idéia de bem 20 que Ihe & permitide e de mai ao que ‘lhe € vedado ou na linguagem familiar seré bonita se nfo: desagradar 408 pais © feia no caso contrério.3t pressio das tendéncias naturais da crianga deverd ser, s¢ 4, através dos castigos corpérais, safandes: pal. las, quanto passar de modo sutil pelo’ gesto, pelo jo- pelo tom da voz, ou ppelo’siléncio’ pesado, AconeepER ia da eduCaeD propte exctamente 9 cine dee Se lacionamento opressivo com a crianga: kusca formar pessoas ‘ctf ligas. desenvolver_a_espontaneidade criadara, liberiar o homem das i Criancas. Meméria apresentada ao 1 Con- Infancia, Rio de Janeiro, Revista dos Tri a t | i k Supetslictes—e~preeonesites—quie_iniham seu ciescimeniopessoal. através.de unt outro procedimento pedagggico. Partindo de uma ou crianga, os anarquistas no aceitam que ela

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