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Sumário

Sumário
Ficha Técnica
Prefácio
O Desmoronamento
O Edifício Atlântico
O sumiço de crianças no Paraná
Divulgação proibida
Visita da primeira-dama
Mudança apressada
Cartazes e faixas arrancados
Ameaça aos funcionários
O Grupo Tigre
Termo de declarações
As prisões
A revolta da população
Os defensores dos réus
O pai de Leandro Bossi
A estratégia da defesa
Voltando no tempo
As procissões de Sheila Abagge
A história de Raquel
O lenhador
Linchamento moral
A caravana da libertação
Retornando ao passado
A imprensa e o caso Evandro
O conselho regional de imprensa
Fatos relacionados ao caso Evandro
Epílogo
Nota de atualização
Agradecimento
Ficha Técnica
Copyright © 2012 por Diógenes Caetano dos Santos Filho.
Publicado com autorização. Nenhuma porção desta obra pode ser
reproduzida sem a devida autorização do autor.
Projeto Gráfico e Diagramação: Publica Livros
Revisão:Publica Livros
Capa:Publica Livros
1ª Edição: Agosto / 2012
Prefácio
No dia 6 de abril de 1992, desapareceu em Guaratuba, Paraná,
Evandro Ramos Caetano.
Cinco dias depois, seu corpo foi encontrado, as mãos
amputadas, escalpelado, com os dedos dos pés cortados, sem
os olhos, sem as orelhas, sem o osso externo do tórax, e não
havendo nada em seu interior. Era nitidamente perceptível ter
havido contribuição humana para esse resultado, pois a
geometria dos cortes e a aspereza uniforme dos ossos afetados
não deixavam dúvida quanto a esta possibilidade.
No dia 2 de julho do mesmo ano foram presas sete pessoas,
entre as quais estavam a esposa e a filha do prefeito de
Guaratuba. Todos confessaram ter sacrificado Evandro em um
ritual de magia negra, na serraria do então prefeito do município.
Em seguida, orientados pela defesa, começaram a negar,
alegando terem sido torturados. Os advogados entenderam que
julgá-los separadamente seria mais vantajoso, e por isso foram
realizados vários julgamentos, sendo o primeiro deles o de
Osvaldo Marceneiro, Vicente de Paula Ferreira e Davi dos
Santos Soares. Porém, no segundo dia, uma jurada passou mal,
provocando a interrupção do julgamento. Posteriormente, foram
julgadas Celina e Beatriz Abagge. O julgamento durou 34 dias e
foi o mais longo já realizado no Brasil. Elas foram absolvidas.
Entretanto, o julgamento foi invalidado, pois a sentença foi
contrária às provas dos autos. Havia provas
inquestionáveis de que o corpo encontrado era o de Evandro,
porém isto foi desconsiderado pelo júri.
Houve a seguir uma nova tentativa de julgar os três primeiros,
contudo quando o julgamento atingia seu quinto dia, os
advogados percebendo que a derrota seria fragorosa, decidiram
abandonar os réus e se retiraram das dependências forenses,
provocando novo adiamento.
Mais tarde, os réus foram levados a outro júri e, dessa vez,
como seus defensores não utilizaram o mesmo expediente,
permanecendo até o final, houve a condenação.
Airton Bardelli dos Santos e Francisco Sérgio Cristofolini tiveram
a seguir o seu julgamento, onde foram absolvidos. O júri
entendeu que as provas não eram suficientes para condená-los.
Falta de provas não significa falta de culpa. Saber a verdade é
uma coisa, provar é outra, até porque os fatores que podem
intervir nos bastidores de um júri vão além do que se pode
imaginar. Basta ver que no Pará, onde dezenas de crianças
foram sacrificadas, dois médicos e dois policiais foram julgados
e condenados. Porém a chefe da seita LUS (Lineamento
Universal Superior), Valentina de Andrade, que os liderava, foi
absolvida.
Deverá haver novo julgamento para Celina e Beatriz Abagge.
Contudo, independente do resultado, poderão ficar sem
respostas, os demais desaparecimentos de crianças, pois a
estrutura mobilizada para impedir a continuidade das
investigações foi a mais poderosa e abrangente que já se teve
conhecimento. Envolveu sacerdotes católicos, políticos
poderosos, delegados de polícia, e a maior rede de
comunicação da capital do Paraná, entre tantos outros.
Este registro busca servir de alerta, para que os mesmos erros
não voltem a ser cometidos pelas instituições que nos
governam, e para que as pessoas possam responder mais
rapidamente se, por infelicidade um dia, também se tornarem
vítimas.
O Desmoronamento
Eram dez e meia da noite de domingo, dia 22 de setembro de 1968.
A maré estava vazando e a baía refletia a luz das estrelas em sua
superfície plana. Não havia vento, o silêncio emprestava à paisagem
uma característica oposta a que estava para se manifestar.
Na ponta do trapiche, presa a um poste, havia uma lâmpada que
sinalizava para os barcos o perigo que representavam as pedras
semi-submersas.
Lentamente, o poste inclinou-se para o centro da baía e ficou
sustentado por dois fios elétricos, os quais impediram por alguns
instantes a sua queda, mantendo-o a 45 graus.
Do alto do muro de arrimo, uma mulher, a última pessoa ainda
acordada entre os que residiam nas imediações, observou o
acontecimento, e resolveu ir até a praça do outro lado do quarteirão.
Ali na praça, encontrou dois homens no escritório de um comitê
político. Meu pai, candidato a vice-prefeito, chegou ao local com seu
amigo, candidato a prefeito, no momento em que a mulher relatava o
incidente com o poste.
Curiosos, fecharam o comitê, e se dirigiram ao local. Quando lá
chegaram, logo constataram o problema, e resolveram descer ao
trapiche para ver de perto o que estava acontecendo. Depois de
alguns segundos, os fios, não suportando mais o peso do
poste,romperam-se, a lâmpada apagou e em seguida um flash de
luz, gerado por algas marinhas, acompanhado de um estrondo,
produziu um espetacular e inesperado efeito visual. Parecia o
prenúncio de uma notícia de capa ainda mais chocante que seria
publicada na edição seguinte da revista ACONTECEU, cujo título
seria “O dia em que Guaratuba afundou”.
Antes de prosseguir algumas explicações.
Havia na região atingida muitos sobrados coloniais com paredes de
quase um metro de largura, todos no estilo da antiga prefeitura. A
igreja matriz é hoje exemplo, um pouco exagerado, do modo que se
construía antigamente. Apesar de ter apenas um pavimento com dez
metros de altura, pesava o equivalente a um edifício de vinte
andares.
A avenida frontal à baía era larga, possuía duas vias, e estava
confinada por um muro de arrimo com três metros de altura. Essa
avenida era iluminada por uma fileira de postes de luz alinhados em
sua parte central. Fios de alta- tensão e transformadores
compunham uma intrincada rede elétrica. Era a região mais nobre,
em que o comércio predominava, e também onde estavam o
mercado municipal e a prefeitura.
Em frente à prefeitura, um trapiche avançava para dentro da baía.
Fora construído em um aterro de pedras e areia, ladeado por muros
de arrimo. Nesse trapiche, os barcos descarregavam suas
mercadorias. Era comum encontrar ali pilhas de toras de caxeta, uma
madeira usada na fabricação de lápis. Nesse dia, muitas dessas
pilhas estavam amontoadas ali, aguardando a chegada dos
caminhões, que as levariam ao seu destino.
O trapiche, ao ser construído dessa forma, prejudicou o fluxo da
maré vazante na região, invertendo seu sentido e aumentando a
correnteza. Um antigo córrego, agora obstruído por obras, cujo fluxo
buscou caminhos preferenciais, aumentou a erosão do subsolo sem
deixar vestígios de sua ação, pois o solo retirado era rapidamente
levado pela correnteza.Nessa noite, com o nível da água muito
baixo, a resistência das camadas de terra que sustentavam aquelas
pesadas edificações, atingiu o seu limite, iniciando o processo
erosivo, o qual foi rápido no início, tornando-se mais lento à medida
que a erosão avançava terra adentro.
Quando o poste caiu, os fios ainda conduzindo eletricidade,
chicoteavam na água. Meu pai, que estava no início do trapiche,
percebeu logo atrás dele uma rachadura de dez centímetros, e tratou
de alertar seus amigos.
A advertência foi desnecessária, pois com a mudança de inclinação,
as pilhas de toras escorregaram e se encarregaram dessa tarefa.
Todos correram até o local da fissura, que já apresentava desnível de
um metro. Se não fossem as toras, seriam tragados para o fundo do
mar em segundos.
Diversas rachaduras começaram a aparecer no muro de arrimo,
trincas surgiram por toda parte e o silêncio se desfez com os sons
estranhos que ecoavam, enquanto os postes balançavam declinando
irremediavelmente. Nesse momento em um trecho, metade da
avenida afundou, enquanto a poucos metros dali várias dezenas de
pessoas dormiam tranquilas.
Rapidamente começaram a bater nas portas das casas, alertando
seus ocupantes. Muitos correram, mesmo de pijama, e não tiveram
tempo de voltar para buscar sequer os seus documentos. Começou
então, uma louca gritaria, e em poucos minutos, havia centenas de
pessoas apavoradas, tentando entender o que estava acontecendo.
Nesse instante, a rede elétrica começou a deslizar para baixo, os fios
de alta-tensão se romperam saltitando repetidas vezes ao tocar
o solo. Um transformador explodiu como dinamite produzindo uma
intensa luz verde e a escuridão tomou conta da avenida. Nos
minutos seguintes, outros transformadores também explodiram,
deixando toda a região às escuras.
As fortes edificações começaram a ruir, estrondos descomunais
ecoaram dentro da noite, vozes, gritos e choros surgiram por toda a
parte, pessoas com lanternas, lampiões e velas corriam de um lado
para o outro.
Na praça central, distante um quarteirão, começaram a estacionar
caminhões, que levaram a população para locais considerados mais
seguros. Alguns desses caminhões voltaram e repetiram o
procedimento, outros só foram vistos novamente vários dias após.
Muitas famílias, tentando salvar seus pertences, estendiam um lençol
no chão, jogavam sobre ele o que podiam, amarravam as pontas
fazendo uma trouxa e corriam para os caminhões. Aos encontrões e
atropelos, alguns conseguiam assegurar sua partida, enquanto
outros menos afortunados eram obrigados a esperar por melhor
oportunidade.
O padre abriu a igreja e logo percebeu que não foi uma boa ideia.
Muitas pessoas procuraram abrigo ali, por entender ter chegado a
hora do juízo final. Boatos chegavam de toda parte anunciando
desmoronamento em outros locais, isolando as duas únicas saídas
da cidade. Não restava mais nada a fazer, urgia a necessidade de
pedir perdão a Deus e garantir-se para a nova vida.
O sacerdote, conhecendo o peso da construção onde estavam,
acreditou que ela afundaria antes mesmo da erosão atingi-la, ainda
mais com toda aquela sobrecarga, fornecida pelos que buscavam a
salvação da alma. Vendo-a lotar rapidamente, começou a gritar para
as pessoas saírem, mas foi uma tentativa vã.
A histeria tomou conta, ninguém podia ouvir nada, pois o ribombar
dos prédios caindo era ensurdecedor. Paredes de pedra pesando
toneladas, ao se chocar com a água, emitiam estrondos
inimagináveis, massas de água salgada eram lançadas a dezenas de
metros, clareando a noite com a bioluminescência das algas.
O caos tomou conta, não cabia mais ninguém dentro da igreja, que
possuía vários degraus desde o passeio até a sua entrada. Na
escuridão perturbada apenas por luzes fugazes, entre atropelos e
choros de crianças perdidas dos pais, um homem tentava salvar um
grande patrimônio daquela década: sua televisão. Ao correr com ela
nas costas, para um caminhão estacionado do outro lado, tropeçou
no primeiro degrau. A explosão do tubo de imagem, na escadaria da
igreja, só foi menor do que a ocorrida em seu interior. Somente
depois de vários minutos, o padre pôde ser resgatado, ainda vivo,
debaixo de um monte de beatas, as quais acharam, que segurando
na sua batina não se perderiam no caminho para o céu.
Quando amanheceu, quase toda a quadra havia desaparecido.
Milhares de itens flutuavam na baía. Podiam ser vistos desde
pacotes com novelos de lã até telhados de casa com cachorros em
cima.
Após esse episódio, a cidade sofreu dez anos de estagnação. Nesse
período houve quem vendeu seus imóveis por preços ínfimos, e até
quem simplesmente os abandonou.
Essa foi uma tragédia que não tirou vidas, porém, 27 anos depois o
resultado seria diferente.
O Edifício Atlântico
A descrição do solo litorâneo de Guaratuba, feita a seguir, baseia-se
apenas na experiência realizada pela observação, em mais de mil
obras que tomei parte.
Na primeira faixa paralela à praia, medindo em torno de duzentos
metros de largura, encontramos presença de areia fofa. Perfurando
essa camada, cerca de dois metros, achamos água. Poderíamos
obter uma fundação mais segura, nesse local, com estacas
cravadas, dependendo do peso, usaríamos sapata corrida ou radier.
A segunda faixa, ainda paralela à praia, tem largura variada, de cem
a quatrocentos metros, está suportando vegetação transitória entre a
mata rasteira da orla marítima e a floresta. É composta por uma
camada de areia fofa com cerca de dois metros de espessura,
abaixo desse ponto aparece mescla de um arenito conhecido como
piçarra, poderia ou não, haver surgimento de água. Já é possível
executar fundações com sapatas isoladas, desde que tomando muito
cuidado, pois há variação de resistência nesse tipo de solo.
No restante da cidade, temos características diversas como:
afloramento de piçarra, onde a vegetação mal consegue existir. É um
solo excelente para a construção, pois aceita qualquer tipo de
alicerce. Em boa parte temos uma camada de areia, variando de
quarenta centímetros a um metro e vinte, abaixo dela encontramos
a piçarra. Embora seja um solo bom para a construção, em muitos
locais, sob a areia, existe a presença de camadas de turfa ou lama,
que podem passar de dois metros de espessura..
A turfa e a lama, não possuem nenhuma resistência, mas a areia
branca compacta possui. Isto pode acarretar sérios problemas, caso
não seja feita uma boa sondagem. Em obras nas quais participei,
relativamente próximas ao local onde foi construído o Edifício
Atlântico, deparamos com esse tipo de solo.
A cronologia dos eventos, envolvendo o citado prédio de seis
pavimentos, conforme foi publicado na época, é a seguinte:
a) 17/08/1990. Sai o alvará para o início da obra.
b) 17/05/1993. A obra é concluída.
c) Novembro de 1993. São colocadas duas piscinas na cobertura,
cada uma
com capacidade em torno de 5.500 litros.
d) Início da temporada de verão de 1994. Moradores percebem
rachaduras nos apartamentos. Proprietários iniciam reclamações.
Inquilinos também reclamam.
e) Réveillon de 1994 para 1995. O prédio está lotado e aumenta a
pressão para o construtor tomar providências. É realizada reunião
dos condôminos e como consequência uma das piscinas é
esvaziada.
f) 23 de janeiro, segunda-feira. São iniciadas as obras de reforço das
vigas. Cerca de oito operários começaram as escavações. O
engenheiro responsável, Nei Batista Torres e seu filho César Torres,
que auxiliava o pai na construtora, moravam em uma das coberturas.
Eles acompanhavam o trabalho. O proprietário Hernani Zanquetti
chamou, por sua conta, pelo seu celular, dois engenheiros peritos em
estruturas, para fazer a avaliação da situação.
g) 24 de janeiro, terça-feira. Os operários cavam ao redor das vigas e
percebem que os ferros dos pés das colunas estavam tortos, e
alguns colarinhos quebrados. O concreto era de baixa qualidade e
esfarinhava. As vigas foram escoradas com vigotas de madeira.
h) 25 de janeiro, quarta-feira. Ao reiniciar os trabalhos para o reforço
nos colarinhos, com ferro e concreto, os operários encontram
escoras tortas, sendo que uma delas estava quebrada. São
colocadas escoras com peças mais resistentes. O caseiro, Sr. Miro, é
transferido para um apartamento no quarto andar, pois o seu não
tinha mais condições de uso e precisava ser desocupado.
i) 26 de janeiro, quinta-feira. As escoras mais resistentes também
apresentavam curvatura. O trabalho de reforço continuou, mas os
operários já não queriam mais trabalhar. Foi colocado um prumo, o
mesmo ficou estático, não indicando inclinação. Por volta das treze
horas e trinta minutos, chegam os dois peritos, que, com Nei, César
e os operários, fizeram uma avaliação das sapatas e dos
apartamentos. Após essa análise eles teriam dito! “Já vimos coisa
muito pior, podem trabalhar tranquilos”. Os peritos pediram que
usassem oito ferros de 3/8 polegadas e que continuassem com o
reforço. Depois disso, os operários voltaram ao trabalho com mais
ânimo.
j) 27 de janeiro, sexta-feira. Prosseguindo os reforços, os operários
ouviram estalos e o medo voltou a tomar conta de todos. César teria
sugerido ao pai para reunir os condôminos e evacuar o prédio.
k) 28 de janeiro, sábado. Chega mais uma equipe para ajudar,
totalizando agora dezesseis operários, divididos em dois grupos, um
para cada pilastra. O trabalho é iniciado pouco depois das sete horas
da manhã. Alguns operários não queriam trabalhar, mas após muita
discussão, todos decidiram continuar a tarefa. O fio de prumo agora
está balançando. Por volta das nove horas e trinta minutos, houve
um grande estouro, todos se assustaram
e paralisaram os trabalhos por alguns instantes. Há discussão e
gozação, uns querem parar outros não. Todos decidem voltar aos
postos. Alguns moradores pedem para os seus familiares descerem.
Alguns veículos foram retirados do estacionamento. Por volta das
dez horas e quinze minutos, ouve-se outro grande estouro bem
acima de uma das equipes de trabalhadores, todos saíram em
disparada, enquanto a outra equipe também se retirava. Só houve
tempo de chegar ao portão, e tudo veio abaixo, o solo tremeu e uma
grande nuvem de poeira se levantou. Nei e César ficaram
desesperados, mas foram contidos pelos operários.
Nos primeiros momentos, 28 pessoas morreram. Dizem que esse foi
um dos acidentes que causou o maior número de mortes, por
número de andar. Alguns se salvaram por questão de segundos.
Famílias saíram durante a noite, por não conseguirem dormir devido
aos estalos, outras chegaram pela manhã para passar o final de
semana, e outras ainda, que já rumavam para a praia, percebendo
que esqueceram a toalha ou o bronzeador, retornaram ao
apartamento de onde jamais conseguiram sair.
Mencionamos esses dois eventos por serem fenômenos raros,
improváveis de acontecer até em uma cidade grande e agitada,
quanto mais em um tranquilo balneário. Presenciei o primeiro, estava
com 13 anos de idade, e o segundo teve a ver com a minha
profissão, por essa razão achei importante citá-los.
Houve, ainda, um terceiro desastre, sendo que o seu início estava
inserido cronologicamente entre os dois já citados. Além de afetar
profundamente a paz da localidade, eu me tornei parte dos
acontecimentos. Hoje, quatorze anos após o ocorrido e depois de
violentas campanhas da mídia buscando inocentar os assassinos,
sinto que é meu dever tentar resgatar um pouco da verdade,
relatando o que realmente aconteceu.
O sumiço de crianças no Paraná
Pessoas sempre desaparecem. Contudo, ao longo de determinado
período, aconteceram alguns desaparecimentos com características
estranhas, diferentes do que normalmente ocorre. Há vários desses
casos ocorrendo ainda, mas o que aconteceu entre 1985 e 1992 teve
alguns contornos muito estranhos.
Crianças com idade em torno de sete anos, com sete letras no nome,
desapareceram, a predominância era de loiros, com olhos azuis.
Outro fato a considerar é que procediam de classe média, oriundas
de lares ajustados, o que destoava completamente dos sumiços
anteriores. A maioria dessas crianças jamais foi vista, mesmo com
poderosas e longas campanhas levadas a cabo, tanto pela imprensa
local como nacional.
Esses desaparecimentos ocorridos no Paraná eram inicialmente
distantes um do outro. Contudo, vindo o ano de 1992, a frequência
aumentou. Desapareceu uma criança em janeiro, duas em fevereiro,
três em março, e Evandro Ramos Caetano, dia 6 de abril de 1992.
Depois dessa criança, os desaparecimentos já não possuíam as
mesmas características, voltando a ser como antes, quase sempre
solucionados. Parecia haver um propósito.

Desaparece Leandro Bossi


Em fevereiro de 1992, a imprensa paranaense dava ampla cobertura
aos desaparecimentos. Já haviam sumido mais de vinte crianças, e a
velocidade com que os sequestros aconteciam acelerava. Ocorriam
em várias cidades, porém em maior número próximos da capital.
Na noite de 15 de fevereiro de 1992, houve em Guaratuba, na praia
central, um show com o cantor Moraes Moreira. Esse show estava
marcado para iniciar às nove horas da noite. Por volta desse horário,
eu, minha esposa e nossos três filhos, chegamos para assistir ao
evento. Tínhamos uma criança de colo, outra com três anos, e a
outra com seis anos. O show atrasou seu início cerca de uma hora e
meia e ficamos terrivelmente cansados, pois, durante esse tempo,
mantive meu filho de três anos nos ombros, enquanto minha esposa
segurava o bebê. Vez por outra revezávamos para relaxar os
músculos. Diversas vezes pensamos em ir embora, entretanto não o
fizemos, pois nos distraíamos vendo os raios de luz laser colocados
diante do palco, projetando imagens na parede do edifício e sobre as
ondas.
Entre esses canhões e o palco havia um espaço livre, onde de dez a
vinte crianças brincavam, pulavam e corriam. Em dado momento,
descobriram que se jogassem um punhado de areia, na frente do
feixe de luz laser, uma imagem inusitada se formava em meio à
nuvem de areia, com cores fortes e em três dimensões, porém fora
de foco. A partir daí foi uma festa, imagens distorcidas surgiam a
cada momento. Isso fez que conseguíssemos suportar a longa
espera.
No meio das crianças que brincavam, havia um menino de
aproximadamente sete anos, cabelos muito claros, que o
destacavam entre os demais. Mais tarde, soubemos tratar-se de
Leandro Bossi, o primeiro menino sequestrado em Guaratuba.
Minutos antes de começar o show, apareceu Sérgio Cristofolini, com
sua moto, posicionou-se sobre o passeio, e colocou a roda dianteira
no alinhamento dos degraus do arrimo, que separam a areia do mar
do passeio. A luz do farol ficava bem na altura do rosto das pessoas.
Ele permaneceu diante das crianças que brincavam, sobre sua moto,
e acelerava constantemente, virando o guidão para a direita e para a
esquerda. Cada vez que a luz batia no rosto das pessoas, provocava
um enorme desconforto. Como estávamos cansados, decidimos ir
embora. Quando estávamos para sair, percebemos que a moto se
retirara, levando na garupa o menino loirinho, que antes brincava na
areia.
Atrás dele seguiu uma Caravan de cor grafite, conduzida por Airton
Bardeli dos Santos, gerente da serraria do então prefeito Aldo
Abagge, e dois outros elementos barbudos. Mais tarde, soubemos
tratar-se de Osvaldo Marceneiro e Vicente de Paula Ferreira.
Embora tenhamos assistido ao sequestro, não nos demos conta
disso, pois não conhecíamos o menino, e não tínhamos a menor
noção do que iria acontecer naquela noite. Somente por ocasião de
suas prisões, por meio da confissão dos autores, é que entendemos
ter presenciado o momento exato em que esse menino foi levado.

Desaparece Evandro Ramos Caetano


Em janeiro de 1992, iniciou-se o quarto ano do mandato do então
prefeito Aldo Abagge. A essa altura do seu governo, o controle do
prefeito sobre todos os setores da administração municipal era
absoluto.
Somente pessoas de sua confiança comandavam as creches, postos
de saúde, colégios e tudo mais onde a vontade dele pudesse
interferir.
Porém, embora fosse ele a maior autoridade da cidade, todos
sabiam que sua esposa, Celina Abagge, tinha grande poder sobre as
suas decisões. Segundo as suas empregadas domésticas, até a
roupa a ser vestida por ele era ela quem decidia, desde a peça mais
íntima ao paletó.
No início do ano de 1992, Celina Abagge procurou a diretora do
colégio Olga Silveira, e disse que Maria Ramos Caetano, mãe de
Evandro, seria transferida para o colégio da Prainha. Só não seria
transferida se ela concordasse em mudar o horário de suas aulas,
trocando o turno da tarde pelo turno da manhã. O colégio Olga
Silveira ficava a cem metros de sua casa, enquanto que o da Prainha
a cinco quilômetros, sem falar na travessia de ferry-boat e na subida
de dois morros muito íngremes.
Não restou opção para a Maria a não ser aceitar, pois o trajeto de
bicicleta não seria possível, e de carro, se o possuísse, também seria
inviável.
Porém, essa inexplicável mudança causou um problema. Seu filho
Evandro Ramos Caetano estudava no mesmo colégio onde sua mãe
trabalhava como secretária. Ele cursava o pré-escolar, que só existia
no período da tarde. Eles não mais poderiam ir e retornar juntos do
colégio.
Mesmo assim, para não ficar em casa sozinho, normalmente
Evandro acompanhava sua mãe até o colégio. Seu pai trabalhava o
dia inteiro, e seus dois irmãos estudavam pela manhã.
Na segunda-feira, dia 6 de abril de 1992, Evandro foi com sua mãe
até o colégio. Não comeu nada antes de sair. Perto da dez horas,
disse estar com fome. Sua mãe lhe entregou a chave da casa, já que
a mesa com o café da manhã ficava colocada até ela regressar.
Evandro não retornou ao colégio. Ao meio-dia, quando Maria voltou
para casa, não o encontrou. Ela percebeu também que nada havia
sido tocado. Tudo estava do jeito que ela deixara pela manhã.
O sumiço de Leandro Bossi, enquanto todos esperavam o show, foi o
primeiro registro desses sequestros, mas não causou muito alarde,
pois a sua família residia havia pouco tempo na cidade e por ter
ocorrido durante a temporada, época em que toda a população da
cidade se engaja em alguma atividade. Havia também quase dois
anos que seus pais estavam separados, o que fez muita gente
pensar que o desaparecimento tivesse relação com a guarda do
filho, e ainda por ser o primeiro registrado oficialmente em
Guaratuba.
Entretanto, quando Evandro desapareceu, todos perceberam a
gravidade, e qualquer comportamento estranho ao dia a dia da
cidade passou a ser observado. A partir daí, apesar de toda a
proteção oferecida à quadrilha, eles começaram a perder o controle
da situação. Isto fez interromper o fluxo alarmante de
desaparecimentos de crianças no Paraná.
Divulgação proibida
Foi montado um esquema de proteção aos sequestradores, que
incluía impedir a divulgação do desaparecimento de Evandro Ramos
Caetano.
Na terça-feira à tarde, estiveram na residência dos pais do menino
alguns repórteres de uma rádio, os quais foram impedidos de fazer a
matéria por alguém que dizia ter ordens para exigir o cumprimento
da determinação para impedir a entrevista.
Ninguém da família presenciou esse fato, que foi narrado mais tarde
por pessoas que o assistiram.
Nesse dia, por volta das nove e meia da noite, recebi o telefonema
de um amigo, que foi abordado por repórteres da Rádio Clube
Paranaense, à procura da casa de Evandro. Devido à dificuldade de
encontrar o caminho, para quem não conhecia a cidade, acabei
conduzindo-os.
Ao chegarmos, encontramos cerca de quarenta pessoas do lado de
fora, e talvez outro tanto no quintal e interior da casa. Nessa ocasião,
havia muitos parentes do menino tentando organizar as buscas.
Enquanto os repórteres, comandados por Valter Viapiana, tiravam
seus equipamentos do veículo, um carro escuro estacionou logo
atrás, não me recordo a marca, pois a multidão, que aumentou com
a chegada da imprensa, impediu a visão. Desse veículo, desceram
quatro pessoas, sendo uma delas o Sr. Paulo Brasil, assessor de
imprensa da Prefeitura Municipal de Guaratuba. Eles impediram a
nossa entrada no portão da casa, dizendo não ser permitida a
divulgação do sumiço de Evandro.
Houve alguns segundos de silêncio, em que nos entreolhamos,
tentando entender a razão desta imposição. Enquanto isso, a
multidão aproximou-se, deixando os quatro elementos visivelmente
nervosos.
Os repórteres não queriam perder a viagem de 260 quilômetros, ida
e volta, até a capital. Como nenhum familiar questionou a proibição,
e visto que o pai do menino, Sr. Ademir, estava dentro da casa,
perguntei:
– Com ordem de quem vocês estão tomando esta decisão?
Eu esperava ouvir, que a ordem fosse do pai e da polícia, por
motivos que justificassem retardar a divulgação. No entanto, a
resposta foi:
– Com ordem do prefeito. Novamente perguntei:
– O pai do menino sabe disto, e concorda com esta atitude? Não
houve resposta alguma.
Alguém abriu os portões e os repórteres rapidamente ingressaram
nas dependências. A multidão cercou os quatro indivíduos,
impedindo que chegassem até a equipe da Rádio Clube. Como os
presentes estavam inquietos e agitados, os indivíduos acharam
melhor bater em retirada. Achei estranho, pois se houvesse respaldo
legal e compreensível para a proibição, não haveria razão para
demonstrarem insegurança e medo.
Os repórteres fizeram seu trabalho, diversas entrevistas foram
realizadas, inclusive uma com o pai de Leandro Bossi, o primeiro
menino desaparecido.
Por volta das onze horas da noite, preocupado com o que estava
acontecendo, pensei em ir até a casa do prefeito. Não entendia por
que ele tentou impedir a divulgação do desaparecimento. A renda
familiar mal chegava a quatro salários mínimos, e fiquei sabendo que
ninguém da família tinha recebido qualquer orientação, no sentido de
impedir que a imprensa divulgasse o sequestro de Evandro.
Até onde eu podia imaginar, a divulgação da foto do rosto do menino
por parte da imprensa só poderia ser benéfica, pois apressaria seu
reconhecimento, além de impedir seu embarque em aeroportos ou
rodoviárias, ou a sua manutenção nas mãos de desconhecidos.
Caso contrário, pouco deveríamos esperar.
Comecei a raciocinar: mas se o prefeito, usando sua autoridade,
entrar em contato com os diretores da rádio e conseguir seu intento?
Aí os canais de televisão não saberão e não será divulgada a foto de
Evandro.
Já que cada minuto era importante, não esperei para o dia seguinte.
Visita da primeira-dama
Pouco mais de uma hora, após conversar com o prefeito, sendo
ainda início da madrugada de quarta-feira, Celina Abagge apareceu
na casa dos pais de Evandro.Algumas pessoas estavam presentes,
mas todos ligados a Celina, e sem ter o tipo de afinidade especial
com a família que justificasse tanta dedicação. Ali estavam e
permaneceram em constante vigília, por cinco dias, até Evandro ser
encontrado.

Logicamente ela foi recebida com todo o respeito, pois além de


primeira- dama também era a patroa do Ademir e de Maria, pais do
Evandro, já que ambos trabalhavam para o município.Ao entrar,
pediu para falar com Maria. A mãe do menino estava em seu quarto
sob efeito de sedativos, pois com o início da segunda madrugada
sem seu filho, seu estado, que já se tornara lastimável, piorou.

Visto que ninguém teve coragem de impedir, ela foi conduzida aos
aposentos do casal. Lá, pediu para ficar a sós com a mãe de
Evandro. Criticou com veemência a atitude da família, em permitir
que a imprensa entrasse no caso. Afirmou que conceder uma
entrevista fora um grande erro, e arrematou dizendo: “Por causa
disto, OS CRIMINOSOS não serão descobertos”.

Mesmo que essa queixa tivesse chegado imediatamente ao


conhecimento dos familiares, não nos convenceria de que abrir mão
de uma ampla divulgação fosse mais benéfico do que conservar em
segredo o desaparecimento. Todos se preocupavam com as dezenas
de crianças sumidas. Nenhuma foi devolvida sob pagamento de
resgate.

Manifestação repelida

Quarta-feira à tarde, por volta das duas horas, aconteceu um evento


interessante. Alguns pais, com seus filhos estudantes, organizaram
uma concentração em frente ao Colégio Olga Silveira, local onde
Evandro foi visto pela última vez.

Muitos pais estavam levando e buscando seus filhos, e outros nem


mais estavam permitindo que suas crianças fossem para a escola.
Essa concentração acabou transformando-se em um manifesto
público, cujas palavras de ordem foram: “Segurança e Justiça”.

Foi um ato espontâneo, sem planejamento ou coordenação. Muitos


que passavam por ali aderiram à passeata. Inúmeros ciclistas se
juntaram ao movimento. Algumas mães, ao ver o acontecimento,
trataram de escrever frases em cartolinas ou papéis, participando
também.

Circularam pelo centro da cidade, passaram em frente à delegacia, e


quando se aproximavam da prefeitura e da câmara de vereadores,
foram barrados por um destacamento da polícia militar, solicitado por
Celina Abagge, a mulher do prefeito. Sob o seu comando, a polícia
exigiu que todos interrompessem a manifestação, sob ameaça de
prisão.

Assim foi sufocado um protesto pacífico e silencioso, que mais tarde,


quando o crime for esclarecido, será tumultuado e violento.

É importante frisar que o comandante do destacamento da polícia


militar e o delegado da polícia de Guaratuba, eram pessoas da
inteira confiança do prefeito. Descobriu-se mais tarde, que os dois
foram presenteados pelo município, cada um, com um terreno bem
valorizado na praia das Caieiras, onde havia um campo de futebol.
Mudança apressada
Apesar da sensação de obscuridade que pairava sobre a cidade, um
facho da luz divina brilhava aqui e acolá, colocando sob os holofotes
de Deus aquilo que os homens tentavam ocultar.* Olhar para os
lados não é o suficiente, é preciso olhar para cima, pois “os olhos do
Senhor estão em todo lugar a contemplar os maus e os bons”.

Ao entardecer da quarta-feira, por volta das seis horas, um construtor


preparava-se para encerrar seu dia de trabalho. Ele se agachou para
recolher suas ferramentas, quando se deparou com uma cena
estranha, principalmente levando-se em conta os dias tensos que se
vivia, e o comportamento anormal presenciado.

A obra estava em fase de levantamento de paredes. Era a última


edificação do local com a casa de um lenhador, que ficava mais para
o final da rua, porém dentro da mata. A poucos quarteirões dali,
havia uma rua sem saída margeada por coqueiros que avançava
cerca de seiscentos metros mata adentro.

Subitamente, o construtor viu saindo apressadamente da rua dois


veículos, os quais pararam lado a lado. Um dos carros levava quatro
pessoas. De um deles saiu Celina Abagge que, correndo, passou
para o outro veículo onde havia somente uma passageira. Eles
saíram em disparada, um seguindo reto enquanto o outro dobrou a
esquina seguinte.

* Lucas 8:17 “Nada há oculto, que não haja de manifestar-se, nem


escondido, que não venha a ser conhecido e revelado”. Este texto
bíblico promete o esclarecimento e a punição final para todo ato
escuso cometido por detrás dos bastidores.
Cartazes e faixas arrancados
Manhã de quinta-feira. Pais de alunos preocupados com os sumiços
de crianças não se separavam mais de seus filhos. Afinal, já eram
sete desaparecimentos em apenas três meses, sendo os dois
últimos em Guaratuba.

Vivia-se numa atmosfera de insegurança e a população estava


inquieta. Muitos abandonaram temporariamente seus serviços, para
investigar por sua própria iniciativa, já que com um segundo
desaparecimento na cidade, o perigo de um terceiro era real.

Nessa manhã, surgiu espontaneamente outro protesto. Como


haviam sido proibidos de desfilar pela cidade, alguns mais exaltados
pregaram cartazes nos muros do colégio onde Evandro estudava.
Nessa ocasião apareceram as primeiras faixas que pediam agilidade
nas investigações, justiça e segurança.

Por volta das dez horas da manhã, havia centenas de homens,


mulheres, crianças, professores e alunos concentrados em frente ao
colégio Olga Silveira. Por todo o muro tinham sido colocados
cartazes e faixas. Nesse momento chegou Celina Abagge. Ela
desceu nervosa de seu carro, repreendeu as professoras e
funcionárias que apoiavam o movimento, avançou para os cartazes e
os rasgou. Como não conseguiu fazer o mesmo com as faixas,
arrancou-as e levou para dentro da escola, dizendo que não admitia
esse tipo de bagunça nos colégios municipais.

Lá dentro reuniu a diretora, professoras e funcionárias e as advertiu


quanto ao fato de que todas perderiam seus empregos, caso isso
tornasse a acontecer.

Como nessa ocasião, os desaparecimentos da capital haviam


diminuído, e iniciados em Guaratuba, a imprensa estadual voltou sua
atenção para este balneário. Uma equipe do jornal Folha de
Londrina, após entrevista com pais de alunos, publicou esse
incidente na edição de 15 de abril de 1992*.

Há uma forte tendência para o crescimento dos chamados cultos


satânicos. Religiões de revelação progressiva que incluem sacrifícios
humanos, agulhas enfiadas no corpo, e rituais macabros.
Geralmente se relacionam com este tipo de religiosidade atos como
violência, conspirações pelo poder, pedofilia, traições, tramas
políticas, corrupção, encantamentos, crimes passionais e drogas.
Ameaça aos funcionários
No sábado, o corpo de Evandro foi levado para o Instituto Médico
Legal de Paranaguá, e depois para Curitiba, onde permaneceu até
na terça-feira, quando foi trazido de volta para ser sepultado. Celina
Abagge esteve na casa de quase todos os funcionários da prefeitura,
professores, operários, pessoal de saúde pública, pessoal
administrativo, enfim aqueles a quem de algum modo a prefeitura
pudesse se impor. Exigiu que nenhum deles comparecesse ao
enterro de Evandro, chegando ao absurdo de ameaçar, com
demissão imediata, aquele que lá estivesse por ocasião do evento.

Isso revoltou a população, porque sempre quando algum aluno


morria por doença ou acidente, não apenas a turma em que ele
estudava, mas o colégio inteiro era dispensado para prestar a última
homenagem. Muitas vezes, todas as outras escolas também eram
liberadas para comparecerem ao enterro. Com Evandro, além de não
dispensarem sequer sua turma, ainda houve a proibição, mesmo
sendo a mãe dele a secretária do colégio em que ele estudava.

O caso narrado também está descrito na reportagem do jornal Folha


de Londrina, do dia 15 de abril de 1992.

A partir desse momento, o estranho comportamento de Celina, com


relação ao episódio do desaparecimento de Evandro, começou a
chamar a atenção da população. Porém, como todos conheciam a
personalidade da primeira-dama, muitos atribuíam seu
comportamento a uma espécie de zelo inexplicável pela repercussão
negativa que isso pudesse trazer à cidade.

O poema
Havia no município um tabloide, de nome Folha de Guaratuba, com
circulação periódica. Na edição após o enterro de Evandro, foi
publicado o seguinte poema:“

NUMA EMBOSCADA, quis a fatalidade tirar do nosso convívio, um


anjo que viveu entre nós.

Um silêncio, amargurado da nossa saudade, mistura-se com atos e


sentimentos presos da comunidade, pela mágoa desse golpe.
Quiséramos homenageá-lo em outras circunstâncias, anjo Evandro,
PORÉM NÃO PUDE calar neste instante em que a morte o retirou do
nosso convívio.

Que Deus dê o Reino dos Céus à sua pequenina alma, e paz nesta
outra vida que irá viver, pois com a sua morte, as famílias
guaratubanas ficarão sem paz, até que a justiça se faça a quem
bruscamente foi retirado de nosso convívio.

Paz na terra... aos homens de boa vontade”.*

– Aldo e Celina Abagge e filhos

Quem poderia afirmar, nessa altura dos acontecimentos, apenas


uma semana depois do desaparecimento de Evandro, e sem nada
que comprovasse a tese, que o menino fora retirado do convívio, por
meio de uma emboscada?

Por que, na casa da mãe do menino, Celina afirmou que a


divulgação na mídia impediria que OS CRIMINOSOS fossem
descobertos?

* Os destaques no poema foram feitos pelo do autor deste livro.

Além de estar comandando os acontecimentos da cidade, Celina os


antecipava, afirmando coisas que somente alguém conhecedor dos
fatos poderia relatar.
O Grupo Tigre
Na noite do dia 7 de abril de 1992, chegaram a Guaratuba os
policiais do Grupo Tigre, um grupo de elite da polícia civil. Eles eram
comandados pelo delegado Adauto e por sua esposa, a delegada
Leila. O delegado efetivo deste município na época era o Dr.
Gilberto, que tendo sido informado dessa vinda, tratou de
providenciar alojamento.

Dirigiu-se à Associação dos Fiscais da Fazenda do Paraná, e


conseguiu alguns apartamentos, os quais seriam cedidos sem custo
nenhum, mesmo sendo esta uma das mais completas colônias de
férias da América do Sul. Entretanto, o Grupo Tigre, ao chegar, foi
direto à casa do prefeito, o qual os hospedou no único hotel cinco
estrelas da cidade, o Hotel Villa Real, com despesas por conta do
município.

Nessa mesma noite, fui até a casa do Sr. Aldo Abagge pedir
informações sobre a proibição que o seu assessor de imprensa,
Paulo Brasil, estava fazendo com relação à divulgação do
desaparecimento de Evandro Ramos Caetano.

Ao chegar, encontrei Celina Abagge vestida de branco, sentada em


um dos degraus da escada de sua casa, com a cabeça apoiada nas
duas mãos.

Quando me avistou, ela se levantou, e com voz insegura, fato


raramente presenciado por alguém, perguntou o que eu queria.

Respondi que desejava falar com o prefeito. Disse que não seria
possível, pois estava conversando com a polícia de Curitiba, que
acabara de chegar para investigar o desaparecimento de Evandro.
Tornei a insistir, assegurando ser melhor ainda, pois era sobre esse
assunto que eu tinha de tratar.
Após relutar, acabou chamando seu marido, que veio acompanhado
de Paulo Brasil e de um policial. O último só apareceu na porta e
retornou para o interior.

Expliquei para o prefeito que não havia motivo para coibir a


imprensa, já que os pais de Evandro eram assalariados com renda
familiar não superior a quatro salários mínimos, de modo que não era
provável tratar-se de sequestro com a finalidade de pedir resgate. No
caso das dezenas de crianças desaparecidas nos dois últimos anos,
também não houve extorsão, o que levava a crer se tratar de um
crime com outra finalidade.

Ele disse estar fazendo apenas o que a polícia determinara,


apontando para dentro de sua casa. Achei mais estranho ainda, pois
Paulo Brasil tinha passado o dia todo impedindo os repórteres de
divulgar o sumiço de Evandro, e Celina contou que os policiais
tinham acabado de chegar.

Percebi algo errado, e falei para o prefeito, que a menos que a


família fosse convencida da necessidade do segredo, nós não
deixaríamos o desaparecimento ficar sem ampla divulgação, pois
entendíamos ser esta uma medida urgente a ser tomada.

Como na época sumiram muitas crianças e os policiais da capital


atribuíam a responsabilidade desses sumiços ao comércio de
órgãos, reafirmei ao prefeito a importância de se noticiar o sequestro.
Disse-lhe o quanto isto seria benéfico, pois se as pessoas vissem o
rosto de Evandro, poderiam ajudar a encontrá-lo, impedindo que os
criminosos o retivessem, e um possível embarque em rodoviárias e
aeroportos.

Contei que os repórteres da Rádio Clube Paranaense já haviam


gravado as matérias, e adverti-o a não usar sua influência tentando
impedir a divulgação e, também, que não mandasse mais Paulo
Brasil à residência de Evandro atrapalhar o serviço da imprensa.
Ao ouvir isso, o prefeito desceu os degraus, aproximou-se e, tentou
me dar uma bofetada, que não me atingiu, por ser muito largo o muro
que nos separava. Retirei-me, porém, antes de entrar no carro,
acrescentei que se até ao meio-dia do dia seguinte nada fosse dito
pela imprensa (o programa iria ao ar às sete da manhã), a família de
Evandro procuraria outra emissora e, além do desaparecimento,
comentaríamos sobre o injustificável interesse da não divulgação.

Talvez essa advertência explique por que naquela madrugada


Osvaldo Marceneiro e seus comparsas foram até a casa dos pais de
Evandro, e levaram seus tios até o local onde o menino mais tarde
foi encontrado. Celina, receando a repercussão trazida com a
divulgação, e vendo a enorme mobilização da comunidade, deve ter
acreditado que se achassem logo o corpo tudo acalmaria, evitando
ainda a entrada da polícia federal na investigação, caso houvesse
suspeita de envio para o exterior.

Outra hipótese que justificaria a atitude de Osvaldo e seus


comparsas seria sua previsão da tragédia. Semanas antes, ele
abordava as pessoas e dizia que seus “búzios” anunciavam um
terrível evento, o qual mudaria o rumo dos acontecimentos, viraria
Guaratuba de pernas para o ar e criaria grande pavor.

Nessa época, Osvaldo cobrava CR$ 5.000,00 (cruzeiros) por


consulta aos búzios, enquanto um médico para uma consulta
particular cobrava CR$

30.000,00. Imediatamente após consumar-se a tragédia, Osvaldo


subiu suas consultas para CR$ 25.000,00, baixando duas semanas
depois para CR$ 15.000,00. Se o corpo não fosse encontrado, as
pessoas não veriam sua previsão acontecer, e assim não ficaria
famoso, nem teria muitos fregueses dispostos a pagar caro por seus
serviços.

Nos dias seguintes encontrei algumas vezes os policiais do Grupo


Tigre, na casa do Evandro e em outros locais. Num dos contatos com
o Dr. Adauto e Dra. Leila, anotei seu telefone, do Hotel Villa Real, de
sua residência de verão em Caiobá e o de Curitiba.

O corpo de Evandro foi encontrado no sábado. Na segunda--feira, o


jornal Gazeta do Povo publicou uma reportagem dizendo que o
menino, ao pegar frutas no mato, foi picado por alguma cobra, e não
conseguindo chegar até a estrada, acabou morrendo na mata, sendo
devorado por animais e urubus. Isto faria sentido para os leigos, mas
não para a família, pelos seguintes motivos:

a) O Evandro jamais ia a qualquer lugar sem pedir aos pais, e muito


menos sem autorização.

b) A mata nativa de Guaratuba não oferece nenhum tipo de alimento


ao homem, principalmente naquela região, onde o palmito foi
exterminado.

c) O tucum, nessa latitude, começa a florir em abril, ficando


comestível a partir de setembro.

d) Goiaba e araçá terminam em março, e só frutificam em


descampados, naquele lugar a mata era muito densa.

Parecia um despiste com o propósito de acalmar a população. De


que modo isto poderia acalmar a população, se em dois anos
sumiram mais de vinte crianças em condições idênticas? Fiquei
convencido de que o culpado pelo desaparecimento de Evandro era
poderoso, com dinheiro e influência suficientes, até para plantar
reportagens mentirosas em jornais de grande circulação.

Levei este fato ao conhecimento do Dr. Adauto, o delegado, porém


ele nem prestou atenção. Ele me disse que estava verificando as
fichas criminais de todos os maníacos, estupradores e viciados, com
passagem nos últimos vinte anos pela delegacia de Guaratuba e iria
investigá-los um por um.
Isto realmente ele o fez, cheguei inclusive a ajudá-lo a encontrar
alguns endereços. Porém, seus insucessos acabaram, por fim,
reforçando minha teoria.

Três semanas após, com muitas informações úteis, e vendo o Grupo


Tigre com Paulo Brasil, para cima e para baixo, achei ter chegado o
momento de procurar outros delegados. Dirigi-me a muitos deles,
com os quais trabalhei nos anos em que fui policial. Apesar de
alguns terem se empenhado, não puderam ajudar oficialmente,
devido a problemas de jurisdição, atribuição, e competência legal
para agir fora de suas delegacias.

As minhas tentativas de conseguir outro delegado repercutiram


dentro do departamento da polícia civil. O Dr. Adauto foi chamado
para uma reunião, e quando voltou passou as ordens recebidas do
delegado geral, Dr. José Maria de Paula Correa, as quais consistiam
em não dar ouvidos a nada que eu dissesse. Recebi esta informação
por intermédio de delegados e de um policial do Grupo Tigre, com os
quais, devido a nossa dedicação, havíamos conquistado respeito e
amizade. Mais tarde, esse policial do Grupo Tigre, não concordando
com as ordens recebidas, pediu para ser desligado do grupo.

Naqueles dias, o tio de Evandro, casado com a irmã de Maria, foi


procurado por policiais do Grupo Tigre, que lhe pediram para fazer
que eu fosse afastado das investigações, pois, caso contrário, o
crime não seria esclarecido. Ficávamos em evidência por sermos
profissionais liberais, o que nos dava mais tempo, além de possuir
veículo próprio para efetuar as buscas.

Esse pedido nunca foi atendido, a família Ramos sempre me tratou


com respeito, e só contaram esse episódio depois da prisão dos
acusados.

Com estranhos mimos de anfitrião, o prefeito conquistou a confiança


dos policiais. Um policial, de nome Alfredo, contou-nos que certa
manhã, ao acordar, encontrou o para-brisa do seu voyage branco
quebrado. Logo em seguida chegou Celina Abagge, acompanhada
de uma tal de Zezé (Maria José). Ao vê-lo, perguntou se havia algum
problema. Ao saber do vidro quebrado, tranquilizou-o dizendo que
mandaria o chefe da garagem municipal, Sr. José Carlos Gonçalves,
até Joinville, buscar outro sem custo nenhum para ele. À tarde, o
vidro foi trocado na oficina do Ostapa Kutianski, mais conhecido por
Gustavo, com as despesas pagas pela prefeitura.

Alguns dias depois, o motor do voyage fundiu. Celina novamente


colocou- se à disposição, oferecendo seus carros para que
continuasse seu trabalho. Nesse momento as coisas começaram a
dar errado. Pois, se com um carro apenas o policial Paulo Brasil
controlava as investigações, agora com mais de um veículo, e a
equipe dividida em duas, fez que perdesse o controle absoluto de
suas atividades. Ao saber de alguma detenção para averiguação,
feita pela outra dupla, pelo rádio de comunicação, Paulo Brasil dizia
necessitar dar um telefonema, e avisava Celina, que imediatamente
ia até a delegacia de Guaratuba, para ver quem era o detido. Isto
intrigou os policiais e o próprio delegado da cidade, pois Celina não
aceitava só saber o nome ou apelido, exigia ver o rosto da pessoa
conduzida para prestar esclarecimentos.

Com os policiais usando os carros envolvidos no sequestro de


Evandro, a cidade retraiu-se. As pessoas que podiam ajudar,
inclusive as testemunhas oculares do sequestro, entenderam o
quanto era perigoso relatar o que presenciaram. Pois nenhum policial
acreditaria nelas e, se a denúncia chegasse ao conhecimento da
quadrilha, quem o fizesse colocaria em risco a própria vida.

Nas semanas seguintes, o Grupo Tigre seria visto usando a belina


cinza e o cadete azul de Celina, em outras ocasiões utilizariam o
escort prata de Beatriz Abagge, submetendo-se assim ao ridículo
papel de investigar com o carro dos assassinos. Fato este
testemunhado por toda a população guaratubana.

A investigação
O trabalho do Grupo Tigre desde o início esteve comprometido.
Serviu apenas para eliminar por exclusão algumas possibilidades.

Após o enterro de Evandro, os familiares se reuniram quase todas as


noites na casa dos pais do menino. Embora as reuniões não fossem
programadas, sempre contávamos com boa participação. Agora sem
a presença de estranhos, e sem a correria do início, pudemos
raciocinar com mais calma, organizando todas as informações e
histórias contadas nos dias anteriores.

Durante os dias que se seguiram, separamos as informações


referentes a cada uma das probabilidades. De uma parte de relatos
avulsos, e inicialmente sem sequência lógica, começou a delinear-se
uma teia a ser investigada.

Inicialmente, a tese montada nem sequer foi discutida, pois a família


era muito religiosa, não sendo capaz de admitir uma tamanha
maldade. Foi preciso descobrir mais, antes de considerar o assunto
plausível.

Reconhecemos que chegara o momento de organizar uma comissão


de família, semanas adiante, após várias tentativas inúteis de obter a
atenção do Grupo Tigre para levar o assunto ao Ministério Público.

Coube a mim a tarefa de expor os fatos conhecidos, os quais serão


descritos no capítulo seguinte, conforme declarações prestadas junto
a essa instituição.
Termo de declarações
No dia 29 de maio de 1992, compareceu à Coordenadoria das
Promotorias Criminais o senhor Diógenes Caetano dos Santos Filho,
brasileiro, casado, engenheiro civil, residente em Guaratuba--Paraná,
à rua Coronel Carlos Mafra n.º 400, centro. Na presença do Dr. Celso
Carneiro Amaral, Procurador de Justiça, prestou as seguintes
declarações a respeito da morte do menor Evandro Ramos Caetano,
ocorrida entre os dias 06 a 11 de abril de 1992, na cidade e Comarca
de Guaratuba - Paraná.
Disse o declarante que no mês de novembro de 1991 apareceram
em Guaratuba cinco pessoas, quatro homens e uma mulher, sendo
um deles, um tal de Osvaldo Marceneiro, jogador de búzios, e os
outros seus auxiliares. Essas pessoas foram trazidas por Maria
Helena Moro, esposa de Paulo Brasil, que é assessor de imprensa
do prefeito de Guaratuba.
Ele declarou, também, que no mês de dezembro de 1991, foi
procurado pelo presidente e secretário da Associação dos Artesãos
de Guaratuba, que lhe disseram que por determinação da esposa do
prefeito, Celina Abagge, o jogador de búzios e seus auxiliares
ocupariam um espaço dentro da área reservada para a exposição e
a venda de artesanato. A área cedida ao jogador de búzios foi maior
que a permitida a cada artesão, além de situar-se na região mais
nobre do espaço a eles destinado. Os artesãos ficaram indignados
pelas seguintes razões:
a) O estatuto da associação diz que os espaços da feira de
artesanato só podem ser ocupados por artesãos, e jogador de búzios
não é artesão.
b) Para que a feira pudesse funcionar, os artesãos tiveram gastos
com a infraestrutura. O jogador de búzios apenas iria desfrutar do
que já estava pronto.
c) Quando foram reclamar junto à prefeitura, ficaram sabendo que,
por vontade de Celina Abagge, se os artesãos não concordassem
com a permanência do pessoal do jogo de búzios, todos teriam de
sair do local e não haveria feira de artesanato.
O declarante afirmou ainda, que em janeiro de 1992, uma senhora
chamada Astir, que lida com saravá, foi até a casa da mãe de
Evandro e profetizou o rapto do filho dela, dizendo que, como vidente
havia visto em um copo com água, que alguma coisa preciosa seria
tirada de dentro de sua casa, e isto lhe faria doer muito o coração.
Astir procurou a avó de Evandro e disse também a ela o que vira no
copo com água.
Nessa época, segundo o declarante, um genro de Astir, a profetisa,
cujo apelido é CHERO, era visto com frequência com o pessoal do
jogo de búzios. Nesse período, Osvaldo, o jogador de búzios, estava
desenvolvendo uma campanha para unificar todos os centros de
saravá do município. Ele afirmou que era o vice-presidente da
Federação Afro-Brasileira de Candomblé (segundo o declarante isto
foi desmentido pela federação), e, então, para impressionar seus
seguidores, sacrificaram um bode preto, lhe abriram o ventre,
retirando todos os seus órgãos, suas vísceras, amputaram suas
patas e arrancaram seus testículos, da mesma forma que
encontraram o garoto Evandro. A diferença é que o menino estava
com as sobrancelhas e cabelos raspados, além de ter sofrido
inúmeros cortes de bisturi ou navalha. Porém, asseverou o
declarante, que a cerimônia de iniciação do praticante inclui que, no
sétimo ano, o jogador de búzios tenha suas sobrancelhas e seus
cabelos raspados, e leve 21 cortes de navalha por todo o corpo.
Diz o declarante que em meados de fevereiro de 1992 houve o
desaparecimento de um menino chamado Leandro, o qual até hoje
não foi encontrado. Nesse período, o pessoal do jogo de búzios era
visto com frequência em companhia de Antonio Costa e do Chero
(genro de Astir).
Segundo o declarante, Antonio Costa foi gerente da Copel no
município, mas acabou sendo demitido por vender material e
equipamento pertencentes à empresa. Tal fato teria se dado em
consequência das dívidas que Antonio Costa assumira algum tempo
antes, quando abriu duas lojas de calçados, as quais lhe custaram
muito e não deram retorno. As dívidas estão sendo acionadas na
justiça, e conforme relata o declarante, existe também um processo
administrativo.
Conta o declarante, que em março de 1992, Antonio Costa, com
esposa e filha filiaram-se ao PDC (Partido Democrata Cristão). Mas
cerca de vinte dias depois, Antonio Costa pediu suas fichas
partidárias ao presidente do PDC, para filiar-se ao PST a convite de
Celina Abagge, a qual pagaria todas as suas dívidas e ainda, com a
ajuda de um deputado do partido, conseguiria o arquivamento do
processo administrativo.
O declarante achou estranho que Antonio Costa tenha recebido
tanto, apenas pela sua filiação, pois sua esposa e sua filha, segundo
o presidente do PDC, continuaram no partido.
Nota do editor: O objetivo do livro não é político, pois acreditamos
que a fachada partidária não transforma o coração de ninguém. Só
Jesus faz isto. Ele disse: “Quem crer em mim, rios de águas vivas
fluirão de seu interior”.
Afirmou o declarante, que no mês de março de 1992, Osvaldo, o
jogador de búzios, divulgou para inúmeras pessoas, que segundo
seus búzios iria acontecer uma tragédia na cidade, a qual apavoraria
a população e geraria muita polêmica. Segundo soube o declarante,
Osvaldo abordou um grupo de oito pessoas e contou a elas a
respeito desta premonição.
O declarante acha que ele agiu assim, porque tinha certeza de que
algo iria acontecer, e quanto mais pessoas soubessem, mais
testemunhas ele teria para divulgar os seus poderes sobrenaturais.
Na semana seguinte ao desaparecimento de Evandro, ele encheu a
cidade com anúncios, e passou a cobrar CR$ 25.000,00 por
consulta, sendo que antes eram apenas CR$ 5.000,00.
Segundo relato feito pela mãe de Evandro ao declarante, Antonio
Costa não costumava passar pela sua casa, mas na semana que
antecedeu o rapto, ele foi visto várias vezes trafegando com seu
carro na rua lateral (de menor movimento). Astir, a profetisa, passou
a visitá-la quase todas as semanas nesse mesmo período.
Diz o declarante que na noite de 3 de abril de 1992, por volta das
nove horas da noite, um homem foi visto num terreno vizinho ao da
casa de Evandro.
De acordo com o testemunho de Inácio, que mora em frente a esse
terreno, do outro lado da rua, esse homem estava encostado no
muro e conversava com Evandro, que estava dentro do quintal da
sua casa. Achando estranho, o senhor Inácio foi até essa pessoa e
perguntou-lhe o que estava fazendo ali. Ele respondeu que iria roçar
o terreno.
– Mas a esta hora da noite? – perguntou-lhe.
– Eu roço a hora que quero – respondeu com as costas voltadas
para o interlocutor, sem mostrar o rosto já coberto por um boné.
O boné também foi relatado por um irmão de Evandro, que veio
chamá-lo para recolher-se ao interior da casa.
A presença daquele homem alarmou tanto a vizinhança, que um
deles telefonou para a polícia militar. Uma viatura foi até o local,
falou-lhe e ele foi embora, mas continuou nas imediações.
Os policiais que atenderam à ocorrência não foram identificados, não
se sabe o teor da conversa, nem a identidade do elemento. Porém o
proprietário o terreno afirmou que ninguém fora autorizado por ele
para roçar aquele lote.
Afirma o declarante que na manhã de 6 de abril, Evandro e sua mãe
foram para o colégio, que ficava a cem metros da sua casa, e que
por volta das nove e meia ele disse estar com fome. Foi então que
sua mãe lhe deu a chave da casa para ir tomar café. A partir daí,
Evandro desapareceu. Segundo a mãe, ele nem chegou em casa,
pois nada fora mexido.
Diz o declarante que Paulo Brasil, o assessor de imprensa do
prefeito, impediu a imprensa de divulgar o sequestro, apesar da
vontade da família favorável à divulgação. Paulo Brasil chegou a
ameaçar os familiares, caso fizessem qualquer depoimento à
imprensa. Isto os chocou, pois todos na cidade sabem que os pais
de Evandro são assalariados, não podendo, portanto, pagar qualquer
resgate, mesmo pequeno. Obviamente, o sequestro não poderia
visar ao resgate e sim outra coisa, neste caso a divulgação seria
favorável.
Conta o declarante, que um Opala preto, quatro portas, vidro fumê,
foi visto várias vezes nas noites que se seguiram ao sequestro, na
rua em que foi encontrado o corpo de Evandro. Esse Opala possui
placa ACU 0877 e pertencia até poucos dias atrás ao jogador de
búzios, ou a algum dos seus auxiliares, pois eles apareceram na
cidade com esse carro.
Afirma o declarante, que na tarde de 8 de abril, quando estava quase
anoitecendo, um construtor viu, de dentro de uma obra, dois carros
pararem, e apressadamente saiu uma mulher de um
dos carros. No interior desse carro havia três homens. A mulher
entrou em outro carro que tinha apenas um homem, em seguida se
afastaram do local rapidamente. A mulher que mudou de carro era
Celina Abagge.
Conta o declarante que, às dez horas da noite de 7 de abril conduziu
dois repórteres da Rádio Clube Paranaense, o Sr. Valter Viapiana e o
Sr. Fernando, para fazerem uma reportagem, embora impedidos e
ameaçados por Paulo Brasil, mesmo assim foi gravada a matéria.
Após ter se despedido dos repórteres, o declarante foi até a casa do
prefeito para pedir explicações a respeito do impedimento. Chegou
por volta das onze horas da noite e lá encontrou o prefeito, sua
esposa, Paulo Brasil, e alguns policiais do Grupo Tigre da polícia
civil. Como o prefeito não tivera resposta para o que estava fazendo,
o declarante avisou-o que se até as 12 horas do dia seguinte não
houvesse a divulgação do rapto, a família iria procurar a imprensa, e
além do desaparecimento comentariam sobre a proibição.
Afirma o declarante, que cerca de uma hora após ter ido à casa do
prefeito, apareceram na residência de Evandro, Antonio Costa,
Osvaldo (jogador de búzios), e Chero (genro de Astir), e se
prontificaram a ajudar a encontrar a criança. Após alguns demorados
arranjos, Osvaldo e Chero foram com Mário e Davina, tios de
Evandro, fazer uma busca. Nessa busca os tios de Evandro foram
conduzidos a poucos metros do local onde mais tarde foi achado o
corpo, que só não foi encontrado nessa noite porque os familiares de
Evandro não quiseram continuar com a busca na região, devido à
escuridão e também por acreditar que o menino estivesse vivo.
Naquele lugar, às cinco horas da madrugada, não era de se esperar
que pudessem encontrar um garoto de seis anos de idade com vida.
Acrescenta ainda o declarante que Osvaldo, ao saírem das
imediações, não demonstrou interesse por outro lugar, e pediu
para reiniciar as buscas depois do meio-dia, pois estava cansado, já
que na noite anterior também não havia dormido, em razão de ter
feito um trabalho. No entanto, a família não procurou mais a ajuda
desse pessoal, e apenas no sábado (11 de abril), o corpo foi
encontrado, ali aonde tinham ido.
A cidade foi tomada de pavor e pânico, após encontrarem Evandro,
devido à forma que o corpo foi achado. Conta o declarante que
houve muita polêmica sobre o que teria ocorrido, porém uma coisa
era certa, a previsão de Osvaldo tinha se concretizado.
Diante do quadro que se apresentara, surgiram manifestações da
população, pedindo segurança e justiça, porém, conta o declarante,
que a esposa do prefeito (Celina Abagge), impediu as pessoas de
expressarem seus sentimentos. Ela acionou a polícia militar para
dispersar as manifestações, ameaçando de demissão os professores
e funcionários da prefeitura que comparecessem ao enterro de
Evandro. Tal fato encontra-se relatado no jornal Folha de Londrina,
edição de quarta-feira, 15 de abril de 1992.
Diz o declarante, que chegaram aos policiais informações de que um
tal de Chero e um tal de Juarez estariam envolvidos com o caso. Por
coincidência, Astir tem um filho com o nome de Juarez, que é
soldado da polícia militar, e um genro com apelido de Chero. No
entanto, como o Grupo Tigre parece ter estabelecido sua base de
operações na casa do prefeito, e como o guia que leva os policiais
do Grupo Tigre às pessoas e aos lugares desejados é o próprio
Paulo Brasil, as investigações não foram bem-sucedidas. Foram
presos outro Chero (existem pelo menos três com esse apelido na
cidade) e outro Juarez que, após serem interrogados, por nada
saberem, foram liberados.
Acrescenta o declarante, que no dia em que circulou na cidade, a
polícia prendera Chero e Juarez, Astir saiu contando a seguinte
história:
“Que dois homens pararam um carro em frente a sua casa,
desceram e pediram para a sua filha que deixasse fotografar seu
neto, um guri de quatro anos de idade. Sua filha, assustada, disse
que não era possível, pois a criança estava dormindo. Os elementos
disseram que fotografariam mesmo assim. Nesse instante, vendo
que um dos homens passava para o outro uma seringa de injeção,
ela falou que se insistissem iria gritar. Eles insistiram e ela gritou
chamando o vizinho, e os homens recuaram, mas antes de entrar no
carro disseram em voz bem alta: ‘desta vez ele escapou, mas da
outra ele não escapa’”.Mais adiante, quando as investigações
voltavam ao rumo, uma moça procurou uma funcionaria da FASPAR,
e disse a ela que com outra amiga, transaram, certa vez, com dois
médicos, e que durante a madrugada uma delas levantou e saiu
abrindo as portas dos quartos da casa onde dormiam. Em um dos
quartos encontrou uma clínica, com mesa e equipamentos de
cirurgia. Essa moça levou a funcionária até a tal casa, e passou-se
então o relato para o Grupo Tigre.
Conta o declarante que, mais tarde, a polícia voltou onde estava a
moça e a pressionou a contar quem era a outra amiga. Segundo ela,
a outra não poderia se identificar, pois gozava de boa reputação, e
caso seu pai viesse saber ela correria perigo. Mesmo assim ela
acabou levando a polícia até a sua colega e, para surpresa de todos,
se tratava de outra filha de Astir.
Nessas duas histórias, acredita o declarante, houve um plano para
mudar o rumo das investigações, induzindo os policiais a pensar que
poderia tratar- se de coisa ligada a médicos, como venda de órgãos,
e não coisa ligada a saravá, como MISSA NEGRA.
Diz o declarante, que a mãe de Evandro, às vezes, ia a um centro
espírita de mesa branca, e que sempre encontrava por lá Antonio
Costa. Depois do sequestro de Evandro ela continuou indo, mas não
viu mais a referida pessoa. Os tios do menino também perceberam a
diferença e afirmaram que,antes, quando viam Antonio Costa, ele os
cumprimentava, agora quando os encontrava abaixava a cabeça, ou
desviava o olhar, não conseguia encará-los.
Conta o declarante, que Adalberto Maria Machado, um dos auxiliares
de Osvaldo, tentou algum tempo atrás fazer uma iniciação de santo
junto à Federação Espírita, mas devido ao custo não pôde fazer.
Cerca de 25 dias após a morte de Evandro, ele voltou à Federação,
desta vez com dinheiro, mas a Federação, por saber do ocorrido em
Guaratuba, em vez de pedir quatro milhões, que seria o custo, pediu
quinze milhões de cruzeiros.
O declarante não sabe dizer se ele aceitou pagar ou não.
Afirma o declarante, que Osvaldo está para abrir um centro de
umbanda, em sociedade com Beatriz Abagge, filha do prefeito, e que
o jogador de búzios falou para algumas pessoas que haveria em
Guaratuba sete desaparecimentos de crianças.
Conta o declarante, que Celina Abagge, esposa do prefeito, é uma
mulher de personalidade muito estranha. Já tentou o suicídio três
vezes, e pouco tempo atrás na creche “Pingo de Gente”, após fazer
uma demonstração para as serventes de como é que se limpa uma
privada, passou a mão num copo e bebeu água do vaso sanitário
(isto no ano em que a epidemia de cólera varria o país).
Diz o declarante, que uma das filhas do prefeito, Sheila Abagge, foi
colocada no Colégio 29 de Abril, como professora de psicologia.
Embora não estivesse credenciada para isso, a diretora a aceitou em
troca de algumas serventes que o prefeito doaria para o colégio.
Essa moça, como tarefa para as suas alunas, mandava que se
vestissem com capuz, guarda-pós brancos, e saíssem à noite com
velas acesas nas mãos. Geralmente, em grupos de doze alunas,
entravam na igreja durante a missa, circulavam pelos corredores e
saíam, entravam nos bares, nas lanchonetes, e desfilavam pelas
ruas. Fizeram isto também nas cidades vizinhas de Caiobá, Matinhos
e Garuva. O declarante testemunhou certa vez uma dessas
aparições na Pizzaria Tia Geni. Nessa noite, uma das moças, a líder
que vinha na frente, tinha um esqueleto estampado na túnica, mais
ou menos como é representada a morte, só que com as cores
trocadas, branco onde seria preto e preto onde deveria ser branco.
Em vez de zenso, que nenhuma delas portava, cada moça levava
uma vela acesa nas mãos, riam muito e conversavam entre si.
Relatou ainda o declarante, que tempos atrás, Osvaldo, o jogador de
búzios, chegou até uma mulher e disse que ela receberia um
presente, mas quando isso acontecesse não deveria abri-lo, teria de
levar para ele. Passado algum tempo, ela recebeu o presente, levou
para Osvaldo, que abrindo o embrulho encontrou um vaso fechado.
Propositadamente deixou o vaso cair para que quebrasse, dentro
tinha fezes, cinzas e dinheiro picado.
O declarante acha que esse episódio do vaso assemelha-se ao caso
de Evandro, e que o conhecimento de Osvaldo a respeito dos
acontecimentos é preciso demais, tornando impossível de se pensar,
que para esses eventos ocorrerem não tenha havido sua
participação.
Diz o declarante, que Evandro quando foi achado não tinha mãos, no
entanto a chave da casa que levara nas mãos, quando saiu do
colégio estava colocada ao lado do corpo, como se quisessem dar
algum recado, ou provar a identidade, pois devido às mutilações, não
seria fácil reconhecê-lo.
Acrescenta ainda o declarante, que dos três filhos de Ademir, seu
primo, Evandro era o que mais se parecia com um dos seus filhos.
Receia o declarante, que o crime de Evandro possa ter ligação com
sua luta pela moralização da administração pública de Guaratuba,
durante a gestão do prefeito Aldo Abagge, conforme demonstram os
seguintes panfletos, anexos a estas declarações.
Título dos panfletos:
a) Quantas Vezes o Povo Pagará?
b) Guaratuba Sofre Outra Catástrofe.
c) Prefeito e Vereadores Não Perdoam Nem Mesmo a Cristo. d) Aldo
Abagge – Traição e Mentira.
e) Prefeito e Vereadores Insistem no seu Propósito – Matar a
População de Fome.
f) Máfia Domina a Prefeitura. g) Guaratuba Urgente.
h) Convite.
Para encerrar, diz o declarante, que nem todas as informações aqui
registradas puderam ser comprovadas, contudo poderá levar a quem
as passou. Quanto aos principais suspeitos, são os seguintes seus
endereços.
– OSVALDO e seus auxiliares – Rua Monsenhor Lamartine, entre a
avenida 29 de Abril e a avenida Dr. João Cândido.
– ANTONIO COSTA – antigo Mercado Municipal.
– ASTIR – Rua Dr. Carlos Cavalcanti, entre a rua Meneleu Torres e a
rua Antonio Alves Correa.
– CELINA ABAGGE – Avenida 29 de Abril esquina com a rua José
Nicolau Abagge.
As prisões
Após ter prestado as declarações junto ao Ministério Público,
voltamos a Guaratuba.
De tanto sermos ignorados pelo Grupo Tigre, e agora com Osvaldo
prevendo novos desaparecimentos, achamos ser imprudente esperar
pela duvidosa ação das autoridades do Estado do Paraná.
Tentamos, com a ajuda de pessoas influentes, fazer contato com o
superintendente da polícia federal, em Brasília, e levar a ele as
informações de que dispúnhamos. Contudo, essa tarefa foi
dificultada pela realização da ECO 1992, pois a metade do efetivo da
polícia federal fazia a segurança dos chefes de Estado, que foram ao
Rio de Janeiro participar do evento.
Duas semanas após ter prestado as declarações, fui procurado por
duas pessoas, as quais se identificaram como policiais militares do
Grupo Águia da PM 2 (polícia reservada e sem farda) enviados pelo
Ministério Público. Pediram que os levasse até as pessoas
responsáveis pelas informações mencionadas no termo de
declarações.
Mais tarde, fiquei sabendo, que duas equipes foram enviadas, uma
delas para verificar se minhas declarações eram verdadeiras, e a
outra tentaria mostrar que eram falsas. Porém, não conseguiram
trabalhar separadas por muito tempo, pois em poucos dias tinham
descoberto fatos ignorados até por nós, que reforçavam a linha de
investigação.
Uma testemunha ocular do momento do sequestro, que estava em
silêncio devido à estreita relação da polícia civil com a prefeitura,
sabendo que esses policiais seriam confiáveis, resolveu contar o que
tinha visto.
Como se aproximava a data prevista por Osvaldo para um novo
sumiço de criança, o Ministério Público requereu à Justiça a sua
detenção com Vicente de Paula Ferreira e Davi dos Santos Soares,
que foram avisados e trataram de desaparecer o quanto antes.
Contudo, um acontecimento inesperado levou a antecipação das
prisões em cerca de doze horas, fato que impediu suas fugas.
Ao ser detido, Osvaldo saía da casa de pessoas ligadas à seita, que
criara na cidade. Durante uma festa de despedida, pois no dia
seguinte embarcaria rumo a Foz do Iguaçu, e de lá para o Paraguai,
onde ficaria até as coisas esfriarem. Vicente de Paula foi preso em
Curitiba, embarcando num ônibus, seu destino final era o Estado de
Goiás. Davi dos Santos Soares foi detido quando procedia de
Paranaguá, e partiria no dia seguinte para São Paulo, onde ficaria
expondo artesanato até que pudesse regressar.
O primeiro a ser detido foi Osvaldo. Consta que tentou subornar os
policiais, oferecendo CR$ 6.000.000,00 para ser liberado
prometendo sumir de Guaratuba. Apressado, receando ser levado
para local onde as negociações ficassem mais caras, contou tudo
que aconteceu com Evandro. Porém, a polícia não aceitou sua
proposta. Os outros dois foram detidos, e em separado, contaram a
mesma história. No dia seguinte, a Justiça decretou a prisão de
Celina e Beatriz Abagge, as quais, relutantes, no início acabaram
confessando ter participado no ritual de magia negra* que envolveu
*O indivíduo que inicia as suas práticas neste campo alega fazer
pacto com demônios e espíritos, chegando até a vender a sua alma
em troca de sucesso, poder e satisfação pessoal. A invocação
demoníaca e o bruxedo são considerados práticas da magia negra.
Já as práticas do vodu, do feitiço e da necromancia podem ser
utilizadas para o bem ou para o mal, podendo ser vistas, no segundo
caso, também como peculiaridades da magia negra.
o sequestro de Evandro e, ainda, denunciaram mais dois elementos,
Airton Bardelli dos Santos, gerente da serraria onde aconteceu o
ritual, e Francisco Sérgio Cristofolini.
Durante vários dias, na presença da imprensa, relataram com
detalhes o modo que sacrificaram Evandro durante um ritual de
magia negra. Osvaldo chegou a organizar os repórteres, pedindo
calma e dizendo que responderia a todas as perguntas.
Nos dez dias seguintes, até terminar o prazo para a conclusão do
inquérito, não mudaram seus depoimentos. Seria arriscado demais
para os advogados de defesa escolher uma estratégia sem conhecer
tudo a respeito do crime praticado.
A partir daí, adotaram como linha de defesa a negativa de autoria.
Alegar insanidade mental não seria aceitável, por ser inaceitável
requerer tal coisa para sete pessoas ao mesmo tempo.
Osvaldo chegou a confessar para o Grupo Águia o sequestro de
outras crianças, e que tiveram o mesmo fim. Entre elas estavam
Leandro Bossi, Everton, Guilherme e outras. A partir desse
momento, a rivalidade que sempre existiu entre a polícia civil e a
polícia militar assumiu proporções inconcebíveis.
O Grupo de Elite da polícia militar havia resolvido o mistério dos
desaparecimentos de crianças no Paraná, ao passo que o Grupo de
Elite da polícia civil tinha sido engabelado por uma quadrilha de
semianalfabetos, uma infâmia maior do que poderiam suportar.
Alguns delegados que não pertenciam à banda podre da polícia civil
entenderam que apenas cumpriam ordens. José Maria de Paula
Correa, diretor da polícia civil, era protegido do deputado e
presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, Sr. Aníbal Curi,
amigo do prefeito Aldo Abagge. Desde o início, Aníbal usou da sua
influência para tentar libertar os assassinos, conforme ficou provado
pelas cartas publicadas na revista Veja.
Graças à intervenção do político, nada mais foi feito para elucidar os
outros desaparecimentos. A polícia civil esforçou-se para fazer o
Caso Evandro cair no esquecimento. Chegaram a ponto de levar o
pai do garoto até a delegacia, para tentar persuadi-lo a assinar um
documento, dizendo que o menino encontrado não era Evandro.
Isso veio a confirmar um telefonema anônimo, feito no dia seguinte
às prisões, para a nossa casa. Alguém que se intitulava funcionário
da Secretaria de Estado da Segurança Pública do Paraná, avisava
que o delegado Luís Carlos de Oliveira seria enviado para investigar
o desaparecimento de Leandro Bossi, mas que sua missão era
desfazer o Caso Evandro a qualquer custo. De fato essa foi sua
conduta.
Quando a Rede Globo de Televisão exibiu em cadeia nacional, a
remoção de um pote contendo sangue humano ou de primata, que
havia sido enterrado por Antonio Costa, a mando de Osvaldo
Marceneiro, debaixo da calçada de sua loja, este delegado deveria
pedir exame de DNA, para compará-lo com o da mãe de Leandro
Bossi, já que Antonio Costa foi visto por testemunhas, enterrando o
pote durante a madrugada, em seguida ao desaparecimento daquele
menino. Isso ele nunca fez.
O delegado, em uma de suas investidas, auxiliado pela poderosa
Rede Paranaense de Comunicação, apresentou para o Brasil, o
maior show teatral ao ar livre já encenado em nosso país: a vinda do
garoto de Manaus, Diogo Moreira Alves, como sendo Leandro Bossi.
Luís Carlos de Oliveira, durante muitos anos, não deixou escapar as
oportunidades de propalar pela imprensa que os assassinos eram
inocentes. Nunca em mais de dez anos, exibiu sequer a menor
evidência desta possibilidade. Procedia de modo contrário a como
deveria agir, pois nenhum policial pode emitir boletins na imprensa,
sem ter provas concretas, já que esta atitude, a menos que tenha
outro propósito, acaba prejudicando seu próprio desempenho.
A revolta da população
Com o crime esclarecido, não foi possível conter a fúria dos
habitantes. À medida que se espalhava a notícia, ondas de pessoas
indignadas surgiam por todos os cantos da cidade, agrupavam-se
em frente ao fórum, em frente à prefeitura, em frente à câmara de
vereadores e em frente à casa do prefeito. A angústia reprimida,
durante meses, explodiu. O pelotão de choque da polícia militar que
veio da capital não foi suficiente para garantir a segurança do
prefeito e sua família, que resolveram fugir da cidade.
Celina e Beatriz foram retiradas rapidamente do fórum, pois a
população estava prestes a desencadear um processo de
linchamento. Por ironia do destino, o capitão da polícia militar que,
com seu revolver em punho, salvou Celina de morrer esfaqueada, foi
posteriormente acusado de torturar Celina e Beatriz para que
confessassem o crime. Esta cena foi filmada e divulgada pela
emissora SBT.
Quanto à casa do prefeito, a qual já tinha sido evacuada, nem todo o
destacamento da polícia militar de Guaratuba e da cidade vizinha de
Matinhos foi suficiente para conter a revolta. A cena do momento em
que a turba enfrentou a polícia e invadiu a residência foi filmada e
divulgada por diversos canais de televisão. Nessa invasão o homem
que chutou a porta da casa do prefeito, arrombando-a, tem uma das
mãos enfaixadas.
Esse detalhe é importante ser destacado, pois se usará mais tarde,
quando trouxerem o falso Leandro Bossi, numa tentativa frustrada de
desfazer o Caso Evandro.Alguns dias após sua fuga, o prefeito,
protegido por inúmeros guarda-costas tentou reassumir a prefeitura.
Antes dispensou Ademir Caetano, pai de Evandro, de suas funções
por tempo indeterminado, pois não tinha coragem de manter um
convívio desta natureza. Entretanto, Ademir recusou-se a ficar em
casa ganhando sem trabalhar.
A população não aceitou o retorno do prefeito, e apedrejou a
prefeitura e a câmara de vereadores. Estas cenas foram divulgadas
por inúmeros canais de televisão. Foi preciso que o pelotão de
choque da polícia militar viesse novamente da capital para salvar o
prefeito, que sob uma chuva de pedras e vaias foi retirado da
prefeitura e levado para fora da cidade, dessa vez não mais
retornando.
Alguns dias depois, na reunião dos vereadores, ainda sob o tilintar
dos cacos de vidros, que vez ou outra se desprendiam dos caixilhos,
diante de pessoas inquisidoras e descontentes, unanimemente
entenderam ter chegado a hora de afastar o prefeito de suas
funções, e para tanto escolheram um motivo banal, ignorado anos
atrás, como justificativa para o ato. O impechament saiu, tendo o
prefeito Aldo Abagge cumprido três anos e meio de seu mandato.
Os defensores dos réus
Ao entardecer de um dia no final do ano de 1991, com minha esposa
e filhos fui jantar numa cidade distante setenta quilômetros de
Guaratuba. Quando saíamos do balneário em um trecho de praia
deserta, visível da beira do asfalto, percebemos alguns carros
estacionados e algumas barracas armadas.
Notava-se que tudo era alto nível, a começar pelos veículos.
Imaginamos de imediato que ali fosse acontecer algum daqueles
casamentos excêntricos. Ao retornar, por volta da meia-noite,
deparamos com um quadro assustador. Os veículos que inicialmente
não passavam de dez, agora eram em torno de cinquenta, alguns
estavam estacionados na beira da rodovia, e havia cerca de vinte
Mercedes Benz. Mais barracas foram montadas e formavam uma
circunferência incompleta. No centro estava acesa uma grande
fogueira próxima a uma espécie de altar e uma mesa. Em volta da
fogueira, dezenas de pessoas vestindo túnicas com capuz longo e
cônico posicionadas de modo ordenado. As túnicas eram
semelhantes àquelas que a polícia civil apreendeu em Londrina na
casa da Valentina de Andrade (chefe da seita LUS, Lineamento
Universal Superior), entre as quais havia uma com o nome de
Osvaldo.
A defesa dos réus, na luta que se seguiu para inocentá-los, foi
amparada por poderosas instituições, as quais compreenderam:
delegados de polícia, construtoras multinacionais, setores da mídia
como a Rede Paranaense de Comunicação, sacerdotes católicos
como o arcebispo Dom Pedro Fedalto e frei Miguel, Conselho
Municipal da Condição Feminina. Um fato deve ter desviado o
interesse do Estado para as investigações, que foi o casamento de
um sobrinho direto de Celina Abagge com a filha do ex-prefeito de
Curitiba, Cássio Taneguchi, que possuía estreitas relações com o ex-
governador Jaime Lerner. Durante os oito anos de seu governo,
nossos insistentes apelos para resgatar os restos mortais de Leandro
Bossi, cujo local da ocultação era conhecido, não receberam
nenhuma atenção.
Sabemos que existem bons e maus em todos os segmentos da
sociedade, por isso não guardamos rancor da igreja católica, pois
outros padres apoiaram muito a família. Alguns deles eram de
cidades do interior do Paraná e chegaram a fazer manifestos
públicos pedindo que a justiça fosse feita. O arcebispo dom Pedro
Fedalto recebeu uma censura pública do promotor Antonio César
Cioffi de Moura publicada na Tribuna do Paraná, por estar entrando
em assunto que não era do seu conhecimento. O frei Miguel foi
desmascarado publicamente ao gravar uma matéria que foi exibida
no julgamento. Quando terminou sua encenação, ele perguntou:
– Como me saí?
Por um descuido “inexplicável” a fita não foi cortada no momento
certo, e a pergunta foi ao ar, não só desfazendo a trama como
colocando em dúvida tudo que a defesa apresentaria a partir daí.
Não temos nada a afirmar a não ser o que já foi dito sobre o ex-
prefeito Cássio Taneguchi e sobre o ex-governador Jaime Lerner.
Não estendemos responsabilidade para nenhum familiar além dos
indiciados, contudo uma pergunta sempre nos inquietou. Será que
interessaria ao ex-prefeito Cássio, cuja filha agora é uma Abagge,
que seu amigo o Sr. Jaime Lerner deixasse a polícia resgatar os
restos de Leandro Bossi, e como consequência atribuir mais um
crime à tia da sua filha? Pode ser que não, porém o governador que
o sucedeu, Sr. Roberto Requião, já recebeu três cartas nossas,
pedindo providências para resgatar o que sobrou de Leandro Bossi.
Também escrevemos para o Chefe da Casa Civil, Sr. Caito Quintana,
e para o seu Secretário de Estado da Segurança Pública, Luiz
Fernando Delazari, que também nada fizeram.
Um tabloide de nome Hora H foi criado com o propósito de
desacreditar o Caso Evandro. Durante meses suas manchetes
tinham a ver com o caso. A metade de suas folhas tratava do
assunto e recebia um colorido especial. Em sua segunda fase, esse
jornal publicou calúnias e reportagens mentirosas, causando um
enorme mal a Curitiba, pois as pesquisas apontavam como favorito
para ocupar a prefeitura a competente e grande alma do Sr. Carlos
Simões. Houve por parte do tabloide um linchamento moral, com
ataques tão mesquinhos que tornavam inconveniente para alguém
digno como ele descer a ponto de ter de responder os seus insultos.
Com isso Curitiba e o Paraná perderam muito, pois o tabloide
conseguiu eleger seu concorrente o Sr. Cássio Taneguchi. Surgiu daí
outra pergunta. Se não havia um esquema montado para proteger os
assassinos, então por que o referido tabloide durante anos atacou o
Caso Evandro, e em seguida lutou a favor da eleição de um parente
de Celina Abagge?
Os advogados defensores dos criminosos eram grandes expoentes,
professores de famosas faculdades de Direito, inclusive Evaristo de
Moraes Filho, advogado criminalista do Rio de Janeiro, filho do
advogado que conseguiu absolver o assassino do grande escritor
“Euclides da Cunha”.
Não foi nada difícil imaginar o que viria pela frente.
O pai de Leandro Bossi
Preciso comentar algo sobre João Bossi, porque a credibilidade que
lhe confere o fato de ser pai de criança desaparecida está sendo
usada em defesa dos assassinos, ou seja, daqueles que mataram
seu próprio filho.
Leandro Bossi desapareceu durante um show de Moraes Moreira,
realizado na praia central de Guaratuba. Nessa época fazia quase
dois anos, que seus pais se separaram. Como o garoto ficou sob a
guarda da mãe, João Bossi durante todo esse tempo nunca visitou
seu filho nem tentou fazer qualquer contato com ele.
Com o desaparecimento de Leandro, procurou a delegacia para
prestar queixa. Diz que foi maltratado por isso não voltou mais.
Durante os próximos
51 dias, até o sequestro de Evandro Ramos Caetano, isto foi tudo
que ele fez para encontrar seu filho.
Na noite de 7 de abril de 1992, quando conseguimos romper o
bloqueio feito à imprensa por Paulo Brasil, fiquei conhecendo João
Bossi.
Enquanto os repórteres da Rádio Clube comandados por Walter
Viapiana tomavam as entrevistas, João Bossi apareceu vindo do
meio da multidão e deu seu primeiro depoimento. Nessa ocasião, já
revelou seu lado arrogante, perguntando por que na casa do Ademir
tinha tanta gente e na dele, ninguém.
Conversei rapidamente com ele, peguei seu endereço e até a
elucidação dos desaparecimentos, nos encontramos em mais três
ocasiões, uma buscando informações que ajudassem a resolver o
mistério (porém não havia nenhuma), a segunda foi quando os
policiais do Grupo Águia vieram a Guaratuba, e outra levando uma
equipe de reportagem.
Quando os sete acusados foram presos, João passou a me procurar.
Ele queria saber como foi que chegamos à conclusão a respeito dos
culpados.
Como era o pai da criança, coloquei à sua disposição todas as
informações dadas pela população, o resultado que apurei das
diligências feitas pelo Grupo Tigre, da polícia civil e dos familiares de
Evandro. Prontifiquei-me até a levá-lo às pessoas caso quisesse.
Porém nunca se interessou, (mais tarde, quando mudou de lado, ele
disse para a imprensa, em função do material que leu e da ajuda que
lhe prestei, que havíamos ensaiado as mentiras que teria dito com
relação aos Abagge). Ele gostava de dar entrevistas, pois naqueles
dias éramos com frequência visitados por equipes de reportagem.
Comecei a conhecer melhor João Bossi. Às vezes, enquanto
conversávamos, ele ria, fazia gracejos, mas ao ver um carro da
imprensa estacionar, começava a chorar, derramava muitas lágrimas,
dava a entrevista e depois que partiam continuava a conversa como
se nada tivesse acontecido.
Estranhei sua atitude, mas não por muito tempo. Logo em seguida
ele começou a pedir coisas, principalmente dinheiro, fazia isso
durante as gravações e para as pessoas presentes.
No início todos o ajudaram muito, contudo quando percebemos que
ele havia parado de trabalhar e estava vivendo da caridade alheia,
usando o desaparecimento de seu filho como forma de explorar as
pessoas, resolvemos parar com as contribuições. Ao tornar a pedir
dinheiro, (uma vez que ele havia sido pedreiro) falei que só daria se
ele levantasse um pouco mais alto o muro dos fundos da minha
casa. Ele acabou fazendo o serviço, recebeu o pagamento, mas não
apareceu mais em minha residência.
Depois disso, falamos ao telefone, quando ele ligou de Curitiba
pedindo o nome dos pais de Evandro porque iria à Rádio Cidade, no
programa do Ricardo Chab, pedir que as pessoas depositassem
dinheiro numa conta que abrira para reunir fundos, os quais seriam
destinados à busca de seu filho e de outras crianças.
Como seu filho estava morto, mas em lugar conhecido, e sob a
responsabilidade da polícia civil, respondi indignado que não o
autorizava usar o nome do Ademir e da Maria para esse propósito.
Reprovei esse tipo de conduta e arrematei dizendo:
– Se pedir qualquer coisa em nome da família do Evandro, nós o
desmentiremos no mesmo veículo de comunicação.
João Bossi enfureceu-se comigo por não permitir que usasse o nome
do Evandro Ramos Caetano para ganhar dinheiro. Mesmo assim,
passou a viver principalmente da caridade dos outros. Ele sabia que
seu filho fora sacrificado em um ritual de magia negra, e que fora
colocado dentro de um saco com pedras e jogado em Guaratuba.
Tratava-se de uma oferenda a Iemanjá, o que fingia não saber.
Aproveitando-se do fato de que a maior parte da imprensa
paranaense só dava espaço para a defesa dos assassinos, resolveu
se bandear definitivamente para o outro lado.
Antes de ir até Aparecida do Norte carregando uma cruz, pediu
ajuda. Soubemos que só em Guaratuba arrecadou R$ 5.000,00,
além disso, foi às rádios de Curitiba onde pediu ajuda. Não sabemos
quanto conseguiu, entretanto ouvimos dizer que nos dias da romaria,
dezenas de carros descarregaram grandes quantidades de
mantimentos em sua casa.
Durante a novela Explode Coração, tentou fazer o mesmo, contudo
não sabemos se chegou a ir até o Rio de Janeiro, pois não apareceu
nas cenas da novela que mostrava os pais de crianças
desaparecidas, com o retrato de seus filhos.
João Bossi declarava não crer em ritual de magia negra e dizia que
os acusados eram inocentes e que os visitava no presídio. Foi visto
várias vezes conversando com os familiares desses prisioneiros.
Fui procurado por uma jornalista do jornal Hora H, que fez várias
perguntas, entre elas havia uma a respeito de Leandro Bossi.
Respondi que segundo a confissão de Osvaldo Marceneiro, que foi
ao ar numa reportagem de Gladimir Nascimento, CNT, Leandro foi
levado do show de Moraes Moreira, de moto por Sérgio Cristofolini,
que o convidou para dar uma volta, seguiram até a praia das
Caieiras onde o degolaram, tirando-lhe o sangue para um trabalho a
Iemanjá. O cadáver fora ocultado em um lugar entre o antigo
mercado e o ferry-boat. Existe somente um local onde isso poderia
ser feito com segurança dentro desse intervalo, mesmo assim os
órgãos responsáveis nunca se interessaram em recuperar o que
sobrou do menino, apesar dos insistentes apelos e dos fortes
indícios de que a operação poderia ser bem-sucedida.
João Bossi sempre soube disso. O próprio repórter Gladimir
confirmou o fato, pois na época da divulgação da confissão de
Osvaldo, ele entrevistou João Bossi sobre o assunto. Contudo,
quando o jornal Hora H divulgou novamente essa notícia, anos
depois Bossi teve uma reação explosiva, também publicada no
mesmo jornal, onde ele afirmou nunca ter ouvido falar sobre o
assassinato de Leandro e sua ocultação, revelando assim um
enorme talento artístico, e sua capacidade de negar em um veículo
da imprensa o que admitira em outro. Talento esse que não passou
despercebido pela defesa e a seguir seria muito bem explorado.
A partir daí ficou evidente que João Bossi seria uma peça importante
no jogo da defesa, e esta, enquanto pedia na justiça a prisão
domiciliar dos demais presos, preparava o cenário para o maior show
teatral que o Brasil já assistiu, onde os principais atores seriam: João
Bossi e Diogo Moreira Alves.
A notícia da localização de Leandro Bossi vivo foi um embuste
arrasador, as empresas de comunicação do Sr. Francisco Cunha
Pereira Filho, que sempre tentaram desvirtuar o Caso Evandro, se
encarregaram disso.
A TV Paranaense, de sua propriedade, filiada à Rede Globo,
anunciava de quinze em quinze minutos em horário nobre, as
manchetes do dia seguinte no jornal Gazeta do Povo, também de
sua propriedade. Diziam que havia sido encontrado vivo o menino do
rumoroso caso de Guaratuba. Lógico que todos pensaram tratar-se
de Evandro (pois o desaparecimento de Leandro passou
praticamente batido e como não gerou prisões não foi tão
rumoroso).
Algumas vezes, propositadamente, foi trocado o nome de Leandro
por Evandro, confundindo desse modo a retransmissão da notícia
para outros Estados e criando confusão ao raciocínio dos ministros
em Brasília que julgavam o pedido de habeas corpus. Pois tudo foi
planejado para acontecer simultaneamente, de maneira que poderia
parecer a esses ministros serem incompatíveis com a realidade as
peças processuais de que dispunham. Assim, com a ajuda dessa
trama, Brasília concedeu o habeas corpus e os assassinos voltaram
para Guaratuba, sem precisar cumprir a prisão domiciliar, porque
agora além da proteção da polícia civil, tinham também a de um juiz
e um promotor, indicados para essa comarca pelo então deputado e
presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, Sr.
Aníbal Curi.
Quando o falso Leandro Bossi desceu no aeroporto, tudo havia sido
ensaiado, desde a saída do avião nos ombros de João Bossi, para
não se perceber que o menino agora com 13 anos era menor do que
quando tinha 9 anos. As constantes passadas de mão no rosto,
buscando tapar os olhos para dificultar a visualização de não mais
serem azuis, e sim castanhos claros, e a proibição de perguntas que
não fossem previamente analisadas por parte do grupo que o
conduzia.
Imediatamente, por meio de estratagema, a repórter Vânia, do jornal
Hora H, certa de que esse seria o golpe de misericórdia no Caso
Evandro, contatou-me pelo telefone. Eu estava decidido não dar
mais entrevistas, pois em uma reportagem feita no Jornal do Estado,
modificaram todas as minhas respostas, tentando me fazer parecer
um débil mental ou retardado (o que espero não ser, apesar de estar
lutando por justiça neste país onde as leis e as Associações de
Direitos Humanos favorecem mais os assassinos do que suas
vítimas). Ela me perguntou:
– E agora, o que você tem a dizer?
Respondi, antes de desligar, que apostaria em cartório dez contra
um, como não era Leandro Bossi. A repórter, achando que a trama
não seria desfeita, publicou minha resposta na edição seguinte, e se
arrependeu, pois a credibilidade tirada no início da farsa acabou
sendo devolvida em dobro quando tudo ficou esclarecido.
Dona Paulina foi procurada pela reportagem do SBT, e ao ver
imagens do menino, assegurou publicamente com toda convicção
não tratar-se de seu filho. Porém, depois que as empresas
Demeterco--Mercadorama deram vale-compra vitalício para Leandro
Bossi, ela mudou de ideia, chegando até a subir de joelho alguns
degraus do Morro do Cristo, em Guaratuba, com João Bossi, para a
Rede Globo exibir no programa Fantástico.
É importante ressaltar que a Rede Globo exibiu a farsa, porque sua
filiada gerou a matéria, não sendo possível no nosso entender, que a
matriz tivesse condições de avaliar o que estava se passando no
Estado do Paraná, assim sendo, a excluímos da responsabilidade
pelo ato danoso ao Caso Evandro. Também o trabalho feito pelas
empresas Demeterco-Mercadorama é digno de elogio, pois
realmente buscavam resposta para as famílias que sofriam o drama
dos desaparecimentos, publicaram milhares de retratos nas
embalagens de seus supermercados, e por isso se sentiram
responsáveis para encontrar a localização de Leandro Bossi, o que
na euforia os levou a presentear a família com vale-compras vitalício.
Todavia, ao reconhecer mais tarde a que ponto as coisas podiam
chegar, aparentemente perderam o entusiasmo pelo que faziam.
Existem duas confissões de Osvaldo Marceneiro, uma dizendo como
mataram Evandro e outra como assassinaram Leandro. Para a
defesa, seria interessante, no dia do júri, mostrar que se uma não
fosse verdade, a outra também não seria.
Mesmo sendo tudo esclarecido, restou a eles o benefício da prisão
domiciliar conseguida com a ajuda dessa trama, pois durante quinze
dias praticamente todos os canais de TV do país mantiveram esse
assunto, como sendo o mais importante acontecimento jornalístico
da época.
João Bossi, quando chegou a Guaratuba, com o falso Leandro,
desfilou pela cidade em cima de um caminhão do Corpo de
Bombeiros, recebendo as mesmas honrarias que Airton Sena teve
em seu enterro. Entretanto, as pessoas que conheciam o menino se
escandalizaram com o acontecimento. Suas entrevistas afirmando
não se tratar do menino não foram exibidas pela Rede Paranaense
de Comunicação, mesmo sendo a maioria, apenas as poucas
pessoas que ousaram dizer tratar-se de Leandro tiveram seus
depoimentos divulgados.
No dia seguinte, João Bossi e o menino foram ouvidos pelo promotor
no fórum. Soubemos que o falso Leandro declarou ter sido
sequestrado nesse balneário por dois homens, e que um ele
reconheceu numa fita de vídeo que lhe foi mostrada, o qual estava
com a mão enfaixada e chutou a porta da casa do prefeito no
momento da invasão. Como é interessante ele lembrar isto se não
soube dizer o nome da cidade quando perguntado nem reconheceu
seu irmão mais velho. Mesmo assim o promotor não interrompeu a
farsa nessa mesma hora, ele deixou que a imprensa nacional, sem
querer, continuasse a prejudicar a credibilidade do Caso Evandro,
facilitando com essa omissão a volta dos assassinos de crianças nas
ruas.
Em uma aparição de João Bossi, com o falso Leandro, no programa
Hebe Camargo, João Bossi mentiu, dizendo que o fórum de
Guaratuba era sua casa, pois havia gravado uma entrevista defronte
a ele, que foi exibida. A justiça, conhecendo este fato, poderia tomar
alguma providência para desmascará-lo, mas não o fez. Todavia, a
população de Guaratuba, indignada com tamanho atrevimento, de
exibir para o Brasil uma encenação de nível tão baixo, que o país
assimilava, nos cobrava providências. Só que nada podíamos fazer,
porque os repórteres do Paraná arriscariam seus empregos caso
abrissem espaço para o lado da acusação, pois até emissoras de
rádio e televisão haviam sido compradas, para tirar do ar e demitir os
profissionais que lutavam pela verdade e por justiça.
Com a ampla divulgação nacional, o tiro acabou saindo pela culatra.
A verdadeira mãe, residente no Estado do Amazonas, reconheceu
seu filho pela televisão, bem como seus parentes, e o exame de
DNA acabou definitivamente com essa farsa quinze dias depois.
Antes de embarcar no avião, retornando para a sua casa, num
descuido da segurança, um repórter do SBT perguntou para Diogo:
– Porque você mentiu dizendo ser Leandro Bossi? Este respondeu:
– Porque um homem pediu.
Mesmo sendo um caso de grande interesse e importância, não se
investigou para saber quem era esse homem. Assim, as instituições
que já vinham sendo complacentes, tornaram-se também coniventes,
pois ao não punir os envolvidos nessa forma escandalosa de tentar
livrar os assassinos de crianças de suas culpas, ensejou-se
condições para que a justiça não triunfasse, e para que os bandidos
fossem colocados em liberdade.
Depois desse episódio, João Bossi percebeu que o expuseram
perigosamente, e passou a ser mais cauteloso para permitir que o
usassem.
Certa vez, logo no início da descoberta dos assassinos, fui procurado
por uma equipe de TV que queria entrevistar João Bossi. Como não
sabiam ir até lá, pediram para levá-los. Ao chegarmos, o
encontramos chorando, agarrado em uma rede de pesca.
Estrategicamente pendurada, havia muitas outras, ele soluçando
falava das pescarias que fez com aquela rede e dos peixes que
pegou. Não sei se os repórteres perceberam, pois nada disseram,
porém aquela rede era nova, cheirava a nylon, não estava pronta,
faltavam os cabos de lastro e de flutuação, portanto, jamais poderia
ter ido para a água. Devido a isso procurei saber entre os
pescadores a respeito de João Bossi. Descobri não tratar-se de
pescador. Ele chegou a Guaratuba com o pouco dinheiro que ainda
tinha da venda de sua casa, e decidido a pescar profissionalmente
comprou os equipamentos, todavia na primeira tentativa acabou
desistindo e passou a ser atravessador. Decorou sua casa com
redes e colocou placas com o anúncio – peixe direto do pescador –
só que como tem de comprar para revender, seus preços são mais
caros do que no mercado.
A estratégia da defesa
Para poder inocentar os sete acusados, a defesa teria de inventar
uma boa história.
A melhor delas não deu para ser usada, que seria atribuir à seita
LUS, de Valentina de Andrade e José Terugi, a responsabilidade pela
morte de Evandro.
Essa seita internacional estava se reunindo com seus seguidores
nesse balneário. Hospedaram-se várias vezes no hotel “Villa Real”,
onde Dona Paulina, mãe de Leandro Bossi, trabalhava de camareira.
Como Leandro estava sob a guarda da mãe, ficou conhecido pelos
integrantes da seita, e por ter sete letras no nome, ser loiro de olhos
azuis acabou sendo escolhido para o sacrifício.
Osvaldo Marceneiro chamou dois delegados de polícia, entre eles o
delegado Noronha, que presidia o Caso Evandro, cerca de dez dias
após sua prisão. E, no presídio do Ahu, relatou a eles que
sequestraram Leandro Bossi na noite do citado show, e que o
entregaram para Celina Abagge, mediante pagamento de dois
milhões de cruzeiros, sendo que ela o repassou para Valentina de
Andrade.
Uma testemunha que pintava uma cerca metálica da residência de
um banhista, a qual se situava em frente ao local
escolhido naquele dia, para a seita LUS fazer seus ritos de adoração,
testemunhou apenas durante à tarde, quatro encontros de Celina
com Valentina, estacionando seu veículo a poucos metros de onde
trabalhava.
O vice-prefeito, que assumiu o município após a fuga do prefeito, foi
procurado pelo gerente do Hotel Villa Real, o qual tentou cobrar-lhe a
hospedagem de Valentina de Andrade e de seus súditos argentinos,
pois segundo o gerente, sempre que eles vinham a Guaratuba e ali
se instalavam, era a prefeitura que pagava as despesas. Com a
recusa do vice-prefeito em pagar a conta, o gerente ainda tentou
trocá-la por desconto no imposto predial e territorial urbano do hotel,
porém essa tentativa também não foi bem-sucedida.
Embora o sacrifício de Evandro não tenha ligação com Valentina de
Andrade, o de Leandro tem, e há um elo que os liga, que é a
participação em ambos os casos de Osvaldo Marceneiro; Vicente de
Paula Ferreira; Sérgio Cristofolini e Airton Bardelli dos Santos.
Acusar Valentina e sua seita não seria viável, pois todos estavam
entrelaçados, e uma acusação dirigida a Valentina no final atingiria a
todos os responsáveis.
Meu pai havia concorrido, em 1972, para prefeito em Guaratuba e
venceu. Foi apoiado por Aldo Abagge. Devido ao convívio diário e a
liberdade que a euforia de uma campanha propicia, surgiu um
relacionamento amoroso entre ele e Celina Abagge. O amor foi
recíproco, mas somente meu pai separou da minha mãe. Celina
continuou com Aldo Abagge, mas mantinha um relacionamento
secreto com o então prefeito.
Cerca de vinte anos mais tarde, e depois de quatro tentativas
frustradas, Aldo Abagge se elegeu prefeito do município. Quis o
destino que nessa gestão eu precisasse tornar público um fato
referente à sua administração, fazendo-o por intermédio de
panfletos, pois o único jornal da cidade pertencia à situação.
Esta seria a história escolhida para tentar lançar dúvidas àqueles que
não conhecem de perto os fatos, e às pessoas do júri na ocasião dos
julgamentos.
Diriam vários veículos da imprensa nacional que eu armei tudo isso
para me vingar de Celina, alegando os seguintes motivos: Por ter
separado meus pais, e por ter interesses políticos. Afirmariam que
escondi Evandro, e até que o teria matado, e por meio dos
conhecimentos adquiridos durante os anos em que fui policial,
consegui acusar e prender Celina.
Seria uma história absurda, cheia de falhas, mas dita por bons
advogados, publicada em poderosos veículos de comunicação,
respaldada com o prestígio de delegados de polícia, arcebispos e
freis, poderia dar resultado, já que em caso de dúvida o benefício é
do réu.
Entre muitas outras razões que anulariam essa tese, uma delas seria
esta: Se o caso fosse vingança, por que mais seis pessoas foram
presas, sendo que três delas eu não conhecia? Quem trabalha com
justiça sabe que seria mais fácil ganhar na Sena, do que deixar sete
pessoas inocentes sem álibi para o momento do crime caso não o
tivessem cometido. Outra dúvida que a escolha dessa teoria não
conseguiria responder seria: Por que Leandro precisaria desaparecer
se bastava o Evandro para incriminar Celina?
Em razão das acusações feitas pela defesa dos assassinos, precisei
informar ao promotor do Caso Evandro o que aconteceu nos anos
anteriores. Pois, já que a defesa estava se reportando a outra época,
seria necessário que ele soubesse mais a respeito do município,
para não ser pego desprevenido no dia do julgamento, ou ser levado
a raciocinar sem conhecer devidamente os fatos que agora estavam
sendo levantados.
No capítulo seguinte, transcrevo a carta enviada ao promotor de
justiça.
Voltando no tempo
Conteúdo da carta enviada em 5 de maio de 1998 para o promotor
do Caso Evandro.

Há aproximadamente vinte anos, ingressei na Escola de Formação


de Oficiais da Polícia Militar do Estado do Paraná, ficando lá cerca
de um ano. Como não me adaptei ao regime militar, pedi baixa.

Dois anos depois, entrei para a polícia civil como detetive, onde
fiquei oito anos na ativa e dois em regime de licença sem
vencimentos.

Durante esses anos como detetive, cursei engenharia civil na


Universidade Federal do Paraná.

Quando eu estava no último ano da faculdade, o então delegado


geral da polícia civil, Dr. Rubens de Quadro Ribas, pessoa muito
educada e de grande competência, resolveu aproveitar os policiais
que cursavam arquitetura e todos os tipos de engenharia, e uni-los
em um departamento cuja finalidade era agilizar reformas e
pequenos consertos, nos imóveis onde funcionavam as delegacias.

Pelas vias normais, uma reforma poderia levar muito tempo para ser
realizada, pois dependia de grande burocracia. Por intermédio da
nossa equipe, isso levaria apenas alguns dias, e ainda
conseguiríamos atender a todo o Paraná.

Os recursos para custear o material, a própria polícia civil, por meio


de empenhos, o obteve.

As operações com dinheiro eram feitas por delegados, nós apenas


executávamos o trabalho.

Por determinação do delegado geral, fiz um curso de Licitações


Nacionais e Internacionais junto à Fidepar. Ele queria melhorar nosso
nível, para que atuássemos como representantes da polícia civil em
assuntos dessa natureza quando nos dissesse respeito. Contudo,
não conseguiu implantar completamente suas inovações, pois algum
tempo depois foi substituído por outro delegado.

Como agora eu já estava formado havia dois anos, e desejando unir


os dois filhos do meu irmão que estavam sendo criados separados (a
filha morava com minha mãe, em Guaratuba, e o filho morava
comigo, em Curitiba, pois o pai deles morreu em um acidente), decidi
voltar para o balneário e aqui trabalhar como engenheiro civil.

Quando retornei, já estava no terceiro ano da administração do


prefeito Acir Braga, o qual governou um mandato tampão de seis
anos, sendo sucedido pelo Sr. Aldo Abagge.

A administração do Sr. Acir Braga foi muito boa para Guaratuba, não
pelo que ele fez, mas sim pelo que ganhou do Estado. Inúmeras
obras foram executadas, como: pavimentação, escolas, postos de
saúde, ginásio de esportes, aeroporto, revestimento das vias de
acesso, rodoviária, creches, etc, tudo feito pelo governo estadual na
época chefiado pelo Sr. José Richa e depois pelo Sr. Álvaro Dias.

O Sr. Roberto Requião estava na presidência do Conselho de


Desenvolvimento do Litoral, conselho esse que controlava o uso do
solo nos municípios litorâneos do Paraná. Tal conselho impedia a
construção de arranha-céus na orla marítima, entre outras coisas. E
isso bastou para incomodar as grandes construtoras e imobiliárias
que especulavam essa área.

Essas empresas exerciam influência sobre a política do município,


não gostavam das limitações impostas, e por isso articularam junto
aos vereadores a independência em relação a esse conselho.

No ano das eleições estava em andamento, nesse balneário, a mais


importante de todas as realizações do governo estadual. Construía-
se a rede coletora de esgotos, com estações elevatórias e projeto
para emissário submarino. O governador Álvaro Dias, nem é preciso
dizer, encheu a cidade com outdoors, citando a fabulosa soma gasta
nesse empreendimento.

Enquanto isso, sob pressão, o prefeito Acir Braga relutava em


desferir o duro golpe contra o Estado, que seria retirar Guaratuba do
Conselho de Desenvolvimento do Litoral, como exigiam os
especuladores, tarefa que ficaria para o seu sucessor, Aldo Abagge.

Eu, de fora acompanhava atentamente. Podia perceber as


implicações. Seria loucura retirar o município do conselho, pois em
cinco anos recebemos do Estado o que não ganhamos em
cinquenta.

A máquina montada para conseguir isso estava pronta no final da


administração do Sr. Acir Braga, e era composta de todos os nove
vereadores, vários secretários municipais, alguns empresários e
outras pessoas.

Ao assumir a prefeitura, o Sr. Aldo Abagge promoveu algumas


mudanças que enfraqueceram a tal máquina, embora os vereadores
continuassem quase os mesmos, pois houve apenas duas
alterações.

Imediatamente o prefeito passou a ser atacado na câmara de


vereadores. Antes de ceder às pressões que exigiam o retorno das
pessoas substituídas, resolvi escrever uma carta para a câmara,
dizendo que achava a administração Aldo Abagge, corajosa,
competente e moralizadora.

Essa carta foi lida em plenário, registrada em ata e comentada no


jornal de Guaratuba. Mas não impediu o processo, se bem que pode
tê-lo atrasado.

Alguns dias depois, recebi um convite do prefeito para integrar o


recém-criado Conselho Municipal de Urbanismo. Aceitei o convite e
passei a frequentar as reuniões, feitas numa sala da câmara de
vereadores, a qual funcionava no mesmo prédio da prefeitura.
Permaneci nesse conselho cerca de seis meses. Assisti de perto a
todos os preparativos para a retirada de Guaratuba do Conselho de
Desenvolvimento do Litoral. Percebi que estava sendo usado, e por
não concordar com o que ia ser feito, comuniquei ao prefeito minha
saída.

Nesse ínterim, as alterações feitas inicialmente pelo prefeito já


haviam sido revogadas.

As reuniões do Conselho de Desenvolvimento do Litoral, presididas


pelo Sr. Roberto Requião, eram feitas uma vez por mês, sendo uma
em Guaratuba, outra em Matinhos, Paranaguá, Morretes, Antonina e
Guaraqueçaba. Quando completava todos os membros, o ciclo
reiniciava.

Numa das reuniões realizadas em Guaratuba, quando o Sr. Roberto


Requião fazia a abertura da sessão, foi dado um sinal, e quase todos
se levantaram e se retiraram da sala, ficando apenas a comitiva e
alguns convidados.

Solenemente Guaratuba não mais compunha o citado conselho,


todavia a câmara de vereadores teria ainda de votar três vezes para
que o ato fosse oficializado.

Como antes da terceira votação haveria uma oportunidade de usar a


tribuna livre (só era autorizada uma vez por mês), tratei de me
inscrever. Queria tentar dissuadir os vereadores a não consentirem
com isso, pois tal ato isolaria o município, fazendo paralisar as obras,
especialmente a rede de esgotos, que era cara, demorada e não
poderia ser terminada pelo município.

Durante as várias vezes que fui até a câmara para assegurar o meu
direito de usar a tribuna sempre me afirmaram que isso deveria ser
feito poucos minutos antes do início da sessão.

Quando chegou o dia, fui para o estabelecimento, porém nem me


deixaram entrar, disseram que para usar a tribuna eu teria de
inscrever-me 24 horas antes.

Foi feita a última votação e Guaratuba passou então ao isolamento.


Segundo o plano, Matinhos seria o próximo município a retirar-se,
um a um todos sairiam, provocando a falência do Conselho de
Desenvolvimento do Litoral.

O governo do Estado sabia disso desde o começo, só não acreditava


que alguém tivesse coragem de ser o primeiro.Com o motim iniciado,
os investimentos em Guaratuba cessaram e Matinhos foi alvo de
toda a atenção.

A poderosa força do Estado sufocou o movimento por meio de


doações que o citado município nunca esperou receber, criando
assim um clima difícil que culminou com a permanência dos demais
membros no referido Conselho.

Todavia, para Guaratuba o pesadelo havia começado.

Por intermédio dos esforços do deputado Aníbal Curi, o prefeito Aldo


Abagge ainda que lentamente, conseguiu concluir algumas obras,
mas a rede de esgotos não teve jeito, seu custo caiu sobre a
população.

Os vereadores votaram também, três vezes por unanimidade, uma


lei de contribuição e melhoria que obrigava a população a pagar os
custos do empreendimento.

A importância cobrada era astronômica, somente os ricos poderiam


pagá-la, nem a classe média seria capaz de arcar com tamanho
ônus.

Como poucos pagaram, e conscientes da inconstitucionalidade da


lei, a administração municipal criou um plano comunitário. Nesse
plano os proprietários de imóveis eram coagidos a assinar um
contrato de adesão voluntária, sob ameaça de que se não
assinassem cortariam a água que servia as suas propriedades. Claro
que nem a prefeitura nem os vereadores queriam assumir
diretamente essa tarefa, pois traria enorme prejuízo às urnas. Deste
modo, firmaram um convênio com a Sanepar, que contratou com o
executivo uma empresa particular. Esta sim, sem dó nem piedade,
obrigaria os contribuintes a assinar os contratos. Tudo seria feito pelo
simples acréscimo de 15% naquela fabulosa soma.

A Sanepar, Companhia de Saneamento do Paraná, foi conivente o


tempo todo, pois tinha conhecimento da ameaça de corte no
fornecimento de água e não respondeu a isso.

Os empregados da empresa contratada para obter as adesões foram


orientados para agirem proporcionalmente com a aparência e
capacidade de discernimento de cada um, ou seja, se parecesse
esclarecido ou rico, deveriam tratar com mais cuidado, se fosse
humilde e leigo poderiam usar os meios disponíveis para obter a
assinatura.

Citarei um caso. Certa manhã, um juiz de Direito estava aparando a


grama de sua casa, vestia uma calça jeans manchada de tinta.
Chegaram dois elementos, e ao saberem ser esse senhor o
proprietário do imóvel, trataram de expor o assunto. O juiz não falou
muito, ouviu atentamente e no final não concordou em assinar.
Pensando tratar-se de alguém sem expressão, os dois indivíduos
começaram a engrossar, chegaram a ponto de ameaçá-lo com a
interrupção imediata no abastecimento de água se ele não
assinasse. Ele educadamente pediu licença, disse que ia buscar os
óculos para ler o contrato, entrou, telefonou para a polícia e mandou
prender em flagrante os dois elementos. Soubemos que somente no
dia seguinte os advogados da empresa conseguiram libertá-los.

Na cidade havia somente um jornal. Era um tabloide pertencente ao


genro de um vereador, um dos principais responsáveis pela retirada
de Guaratuba do Conselho.

O jornal, para tentar minimizar o desgaste político que isso estava


trazendo, não parava de tecer elogios a todos os envolvidos. Isso
irritava ainda mais a população guaratubana.

Esse jornal era o representante oficial da prefeitura, e mais tarde


passou a ser também da câmara de vereadores. Desde o início
recebeu dotação orçamentária maior do que os serviços prestados.
Isso eu mesmo pude comprovar pelos valores declarados pelo
município, pois antes de partir para os panfletos, avaliei os custos de
produção de um jornal com igual tiragem.

Agora, dessa forma, muitos estavam assinando, comprometendo-se


a pagar um valor que não seria necessário se Guaratuba tivesse
permanecido no Conselho de Desenvolvimento do Litoral.

Muitos donos de imóveis tinham suas residências no centro, por


terem herdado ou comprado quando esses bens ainda eram baratos,
contudo não possuíam renda para cobrir tais despesas. Por isso
começaram as vendas. Quase metade da população atingida se viu
forçada a vender suas casas.

As pessoas que arquitetaram a saída de Guaratuba do Conselho


aproveitaram e adquiriram todos os imóveis que puderam,
incentivaram a invasão de lotes na periferia, e para viabilizar suas
transações, com a ajuda do poder político, conseguiram a ligação de
água e energia sem a apresentação do documento comprovador da
propriedade.

A população estava consciente dos descaminhos trilhados por


nossos governantes, havia um clima propício para uma revolta que
sem dúvida poria fim a tudo isso. No entanto, não aparecia ninguém
para liderar o movimento. Era como se uma orquestra estivesse
pronta e com seus instrumentos afinados, esperando por um maestro
que não aparecia. Nenhum político de oposição atrevia-se a
enfrentá-los. O máximo que arriscavam era alguma conversa de
esquina. Não assumiam uma posição declarada, talvez por
comprometimento, quem sabe por medo, ou ainda por
desconhecerem seus direitos.
Como tinha algum conhecimento sobre licitações, comecei a estudar
melhor o assunto. As irregularidades eram muitas e graves.
Chegava-se ao cúmulo de repassar para a câmara de vereadores
25% do valor cobrado, além disso, estavam cobrando um emissário
submarino, com custo três vezes maior do que o de uma lagoa de
decantação. Porém, o jornal da prefeitura divulgou que não mais
seria feito o emissário e sim a lagoa. Mesmo assim os custos não
foram reduzidos.

No início do seu mandato, o Sr. Aldo Abagge havia elevado


demasiadamente os impostos, supervalorizando os imóveis e
abandonando o valor venal tomado como referência.

O descontentamento era geral, alguém precisava fazer alguma coisa.


Havíamos esperado demais, tínhamos de moralizar a administração
pública e reintegrar Guaratuba ao Conselho de Desenvolvimento do
Litoral.

Acredito que essa era minha missão, pois, por mais que tenha
tentado evitar ir a tal extremo, não consegui, e ao longo dos três
anos seguintes publicaria oito panfletagens.

Inicialmente não havia pretensões políticas, entretanto a partir da


quarta publicação não foi mais possível evitar isso.

Quando editei o primeiro panfleto, busquei esclarecer a população,


procurei apenas romper sua inércia. Achava que se os vereadores
sentissem seus votos ameaçados, revogariam rapidamente a tal
lei.Foram três mil panfletos e que caíram como uma bomba. Naquela
semana não se falava em outra coisa.

O prefeito e os vereadores não recuaram, entenderam que já era


tarde demais para isso, e decidiram processar-me por calúnia e
difamação.

Uma semana antes do carnaval, soube que estava sendo


processado, e já que ia ser mesmo processado, reproduzi mais doze
mil panfletos, que foram distribuídos durante o carnaval, com a
cidade cheia de veranistas.

O apoio que tive da população foi muito grande, não dá para


descrever. Também seriam terríveis as represálias.

Além do processo tentaram desacreditar-me, imputando-me


publicamente todos os tipos de calúnias imagináveis.

Foi necessário um segundo panfleto, que rendeu mais um processo.


A raiva deles não aumentou muito, pois já devia estar no limite,
todavia o apoio das pessoas que tinham imóveis tresdobrou. Muitos
queriam que eu saísse candidato a vereador, outros já falavam até
que eu seria o prefeito, porém sempre deixava claro que isso não me
interessava, não gostava de política, porque conhecia muito bem
seus meandros, e tinha plena consciência de não possuir os
requisitos necessários. Também não se tratava de anarquismo, pois
não havia a intenção de agredir nenhum governo, como prova a
carta enviada à câmara de vereadores no início do mandato do Sr.
Aldo Abagge. Eu apenas reconhecia a urgência da revogação da lei
de contribuição e melhoria, e a necessidade de um bom
relacionamento com o governo estadual.

Os acontecimentos obrigaram-me a publicar mais um panfleto, foi


mais um processo. A população estava firme comigo e decidiu não
pagar mais a contribuição.

Cada publicação distava uma da outra de três a seis meses. Quando


publiquei o terceiro panfleto, já havia se passado um ano. O povo
ainda estava me apoiando. Os políticos estavam desmoralizados,
entretanto o clamor inicial havia acalmado porque a população não
se sentia mais ameaçada com a cobrança, uma vez que ela fora
interrompida.

Se o povo estava mais tranquilo, o mesmo não acontecia comigo.


Para publicar os panfletos e para me defender na justiça, acabei
colocando minha família em dificuldades financeiras.
Como não dava mais para voltar atrás, a partir do quarto panfleto
comecei a aceitar o envolvimento político. Já que eles me
processavam com dinheiro público, se eu me elegesse vereador
poderia enfrentá-los em melhor condição.

Nessa época, estava difícil conseguir serviço. Os funcionários da


prefeitura eram obrigados a dizer para as pessoas interessadas em
construir que não deveriam me contratar para o projeto de suas
casas, pois eu era relaxado, incompetente e meus serviços quase
sempre eram reprovados.

Mas não ficou só nisso. Como meus antigos clientes me


recomendavam, ainda tinha um nível mínimo de atividade
profissional. Para acabar definitivamente com a minha carreira,
decidiram não liberar mais nenhum de meus alvarás de construção.
O prazo máximo para a liberação de um alvará era de dez dias,
como não liberavam os alvarás, eu era forçado a autorizar por minha
conta, o início das construções.

Os meses passavam e ninguém sabia dizer onde estavam os meus


projetos, já dera entrada em dezessete e nenhum foi liberado nem
devolvido para correção. Como nenhum engenheiro civil podia tocar
simultaneamente mais de vinte obras, restavam apenas mais três
antes de ficar impedido de entrar com o vigésimo primeiro, e a partir
daí não teria mais como sustentar a minha família, nem como pagar
a publicação de panfletos.

Se eles tivessem parado por aí, talvez conseguissem fazer que eu


fosse embora de Guaratuba. Porém, quiseram me massacrar.

Sabendo que minhas obras estavam em andamento, mandaram em


um só dia embargar todas as dezessete. Foi uma enxurrada de
pedreiros em minha casa. Todos queriam a liberação imediata das
respectivas construções, pois em muitos casos os pagamentos eram
por etapas, logo se não trabalhassem não receberiam.
O que eu poderia fazer? Sabia que não liberariam os alvarás, não
tinha mais dinheiro nem para contratar um advogado, além disso,
todos queriam uma solução imediata. Fiquei encurralado. Pedi a
todos que voltassem ao trabalho, peguei os embargos e me dirigi até
minha moto com o intuito de ir à prefeitura.

Meu filho possuía uma arma de brinquedo, daquelas vendidas no


Paraguai. Pouco antes ele estava brincando na moto, acabou
largando-a perto do pneu. Instintivamente, talvez pelos anos em que
trabalhei na polícia, juntei-a e coloquei por baixo da camisa, indo a
seguir até o departamento de obras. Lá chegando pedi mais uma vez
os meus projetos, disseram que não sabiam onde estava mesmo eu
tendo os protocolos nas mãos. Perguntei então:

– Por que embargaram minhas obras se a culpa da não emissão dos


alvarás é de vocês? Eles responderam que receberam ordens e
tiveram de cumprir.

Como não haveria espaço para argumentação nem com quem


argumentar, rasguei os embargos e os joguei sobre o balcão,
aconselhando-os a não embargarem novamente, pois senão eu
voltaria e dessa vez iria ter com o prefeito. Ao fazer isso, da sala à
esquerda saíram dois fiscais, e da frente vieram outros dois
funcionários, simultaneamente todos me atacaram. Rapidamente
encostei-me em uma parede e puxei o revólver de brinquedo,
apontando-o para cima. Nesse instante, todos recuaram e eu pude
ter acesso à porta de saída.

O saldo positivo desse episódio foi que, receando possíveis


repercussões, o prefeito mandou liberar rapidamente os alvarás. O
negativo foi que o jornal de Guaratuba e o Diário Popular de Curitiba,
publicaram: engenheiro louco invade prefeitura com duas armas de
fogo, uma em cada mão, tenta matar todo mundo e foge em seu
carro. Naquela época, nem carro eu tinha mais, pois necessitei
vendê-lo meses antes.
Também rendeu mais um processo, só que foi arquivado, pois até
então, portar arma de brinquedo não era crime.

Percebendo o quanto seria perigoso tentar viver só da engenharia,


minha esposa e eu resolvemos começar a fazer bolos, doces e
salgados por encomenda. Durante as temporadas, transformávamos
uma sala da nossa casa em confeitaria e também quando algum
professor de física ou matemática se licenciava, ou quando
sobravam aulas, eu assumia. Desta forma pudemos continuar a luta,
e mais outro tanto de panfletos seria publicado antes de tudo
começar.

Na metade do mandato do Sr. Aldo Abagge, houve eleições para


governador, onde sairia vitorioso o Sr. Roberto Requião. Nem é
preciso dizer o que isso significou para os políticos dessa cidade.

Requião no seu comício, em Guaratuba, falou que queria ser


governador do Paraná e prefeito deste município.

Para atrair seu apoio, caso viesse a disputar para prefeito, coloquei
em um de meus panfletos “Se for eleito, oferecerei a prefeitura para
o Sr. Roberto Requião, e juntos administraremos”. A repercussão foi
bombástica, a população entendeu o quanto seria promissor para
nós se isto acontecesse. Votar em mim seria colocar o governador
dentro da prefeitura.

Era uma estratégia que poderia dar certo, com esse panfleto o
quadro começava a delinear-se para as eleições municipais. De um
lado o filho de um ex-prefeito muito bem votado, com maciço apoio
popular, e aliado do governo estadual, de outro lado à situação
desmoralizada e saindo de uma péssima administração. Estava difícil
até para lançar candidato.

Na medida em que se aproximava o final do prazo para as filiações


partidárias, minha casa era visitada todos os dias por muitas
pessoas. Todos queriam saber em qual partido eu sairia candidato.
Havia um partido, o PDC (Partido Democrata Cristão) que estava sob
controle de um ex-vereador, o qual perdera o cargo porque arriscou
para prefeito, e acabou não conseguindo.

Conversei com ele sobre a minha entrada. Ele gostou muito, mas
queria que eu concorresse a prefeito, porque ele já havia tentado
antes e acreditava ser melhor concorrer à vaga de vereador. No
fundo, sua preocupação era com a legenda, pois se eu não
concorresse com ele ao Legislativo, seu retorno estava garantido.

Decidi então fazer um panfleto, convidando toda a população para


filiar-se.

Como esse convite deveria ser emocionante e eloquente, para que


as pessoas sentissem a determinação que o momento exigia,
adaptei parte do discurso de Winston Churchill à mensagem que
pretendi passar.

É importante observar, antes de prosseguir, que havia clima para a


frase (nada tenho a oferecer, senão sangue, suor e lágrimas). Quem
não viveu o drama dos guaratubanos poderá achar graça, como
também o fariam os ingleses, se o primeiro-ministro, em época de
paz, quando seu povo não se sentisse ameaçado, as proferisse
publicamente.

A repercussão foi acima da esperada. Três pessoas com máquina de


escrever não venciam filiar todos que chegavam, sem que formasse
fila.

A maioria deixava bem claro que se eu não fosse o candidato a


prefeito, cancelariam suas filiações.

No entanto, o grande aumento de filiados e a boa expectativa


despertaram no antigo dono do partido a vontade de concorrer
novamente ao Executivo. Pouco depois surgiu um terceiro
interessado.
Na velocidade que iam as filiações, até o final do prazo já haveria
votos suficientes para passar na convenção e disputar para prefeito,
mesmo que todos os antigos filiados continuassem fiéis ao
presidente do partido.

Caso isso ocorresse, eu pretendia marcar uma audiência com o


governador e pedir seu apoio para enfrentar as eleições.

Tudo estava indo bem, as pessoas tinham esperança, acreditavam


em um futuro melhor para a nossa cidade, e não tinham dúvida
quanto a sairmos vitoriosos. Se nada de extraordinário acontecesse,
ganharíamos as eleições.

Mas aconteceu.

Dias antes da convenção, desapareceu Evandro Ramos Caetano.


Meus panfletos eram assinados por Diógenes Caetano dos Santos
Filho. Poucas pessoas acharam ser apenas coincidência, e antes
mesmo do corpo de Evandro aparecer com tantos sinais de
violência, alguns já pediam suas fichas partidárias e se desligavam
do partido. Quando Evandro foi encontrado daquele jeito, o pavor
instalou-se, aumentando mais ainda a evasão do partido, pois como
havia um clima de confronto, muitos, receando que algo parecido
pudesse acontecer em suas famílias, desistiram da luta.

Para mim isso não tinha mais importância, pois o que realmente
imperava era esclarecer o fato, agora só restaria lutar por justiça,
pois também não achei que o desaparecimento de Evandro fosse
apenas mera coincidência.

Por ter sido detetive durante dez anos, obviamente estava


qualificado para realizar investigações e tentar auxiliar a polícia da
qual fiz parte. Ainda mais que havia a ligação de parentesco, o que
acrescentava uma dose extra de responsabilidade para com meus
familiares.
Ao fazer a pergunta, a quem interessava o desaparecimento de
Evandro?, excluí muita gente. Ao tomar conhecimento da reportagem
apressada da Gazeta do Povo, aquela que dizia ter Evandro ido
cortar frutas no mato e que fora picado por cobra, senti que o
responsável era poderoso e podia manipular o referido jornal.

Passei minhas desconfianças ao Dr. Adauto, porém ele não deu


crédito. Disse que estava investigando todos os que tiveram
passagem na delegacia nos últimos vinte anos, por estupro e uso de
drogas.

Seu insucesso reforçava a minha teoria. Eu estava intrigado com o


comportamento de Osvaldo Marceneiro, pois já sabia que ele havia
levado tios do Evandro próximo ao local onde o corpo foi encontrado.
Sabia que era um impostor e que sacrificou bodes pretos, os quais
no final ficavam do jeito como Evandro estava quando foi localizado.
Além do mais, inquietava-me sua previsão, anunciada de graça para
toda a cidade, de que uma tragédia ia acontecer, a qual apavoraria
todo mundo, viraria a cidade de pernas para cima e mudaria o rumo
dos acontecimentos.

Qual rumo dos acontecimentos? Será que era a possibilidade de eu


sair candidato a prefeito, acabar sendo apoiado pelo governador
Roberto Requião, e quem sabe até sair vitorioso?

O fato é que realmente abandonei a política.

Devido à insistência dos que ficaram no partido, consenti deixar meu


nome como candidato a vereador. Entretanto, nunca pedi votos, não
subi em palanques, não visitei ninguém. Meus companheiros de
partido e dos partidos coligados, que também pleiteavam uma vaga
ao legislativo, vendo que muitos ainda votariam em mim,
apressaram-se a dizer, inclusive nos comícios, que eu não era mais
candidato. Isso revoltou alguns parentes e amigos, os quais
publicaram um panfleto sem meu consentimento, negando o fato e
pedindo para votarem, porém era tarde demais, campanhas violentas
na mais poderosa rede de comunicação do Paraná caluniaram-me
cruelmente, fazendo comigo o que o jornal Hora H fez com o
candidato a prefeito de Curitiba, Sr. Carlos Simões.

Com um certificado de segunda suplência foi que terminou minha


rápida passagem pela face política dos terríveis acontecimentos, que
marcaram para sempre a vida dos guaratubanos.

Tem sido difícil para mim imaginar que Celina Abagge escolheu
Evandro como forma de nos intimidar. Só sinto grande conforto
quando olho para um dos dois milhões de cartazes publicados pelo
Lions Club, com os retratos das crianças desaparecidas no Paraná, e
vejo que em janeiro de 1992 sumiu uma criança, em fevereiro
sumiram duas, em março sumiram três, em abril sumiu Evandro, e
depois ninguém mais. Foram sete crianças em três meses.

Teria sido Evandro, o novo Cristo que precisaria ser sacrificado, para
que outros pudessem viver?

Se esta era a vontade de Deus, espero que Ele em sua sabedoria,


encontre uma maneira de confortar seus pais, seus irmãos, e todos
aqueles que sofreram junto, e principalmente que dê ao Evandro um
lugar tão especial, onde nenhum preço seja tão caro, que não
compense pagar para conseguí-lo.
As procissões de Sheila Abagge
A filha do prefeito, Sheila Abagge, conseguiu dar aulas de psicologia
no segundo grau do Colégio 29 de Abril, cargo concedido em
gratidão ao seu pai, por ter doado algumas serventes, pois segundo
o Conselho Regional de Psicologia, ela não possuía tal atribuição.
Essa moça, entre uma série de comportamentos estranhos, chegou
a aplicar prova para as suas alunas, perguntando se elas sabiam o
que era magia negra. Uma cópia da prova foi entregue ao nosso
assistente de acusação para que juntasse ao processo.
Essa professora mandava suas alunas vestirem túnicas com
capuzes e saírem com velas acesas pelas ruas da cidade,
normalmente havia uma conduzindo incenso. Entravam aos grupos
em ambientes públicos conforme dito anteriormente.
Colocaram certa vez um caixão de defunto em frente à igreja matriz,
e esperaram escondidas na saída da missa. O caixão estava cheio
de pedras e o trabalho das alunas consistia em analisar o
comportamento das pessoas ao depararem com essa cena.
Milhares de pessoas, moradores ou veranistas, assistiram pelo
menos uma das muitas aparições que faziam em público, vestindo
suas túnicas, algumas vezes com capuzes. Quando não usavam os
capuzes, pintavam todo o rosto com pomada, assumindo um aspecto
aterrador. Também se podia ver na vestimenta da líder, a estampa de
um esqueleto, como a morte é representada.
Essas aparições duraram cerca de um ano, e só acabaram porque
segundo se soube, foram todas presas em Garuva-SC, ao invadirem
uma igreja durante a missa. Nas cidades do Paraná vizinhas a
Guaratuba, elas tinham trânsito livre, por serem municípios do
mesmo Estado e todos saberem de quem se tratava. Entretanto, em
Garuva não foi bem assim, lá apesar da proximidade, era outro
Estado, com cultura e modo de viver um pouco diferente.
O prefeito conseguiu libertá-las. A partir desse dia ele proibiu Sheila
de fazer novas aparições. Esses episódios nos fizeram questionar,
se Beatriz Abagge, que era bem mais discreta, participou do ritual de
magia negra que sacrificou Evandro, então será que Sheila seria
capaz de fazer o mesmo? Onde aprendeu o que estava passando
para as suas alunas?
Na busca por essa resposta, considerei relevante o que aconteceu
em 1973. Lembro-me da data porque meu pai havia assumido como
prefeito nesse ano. Ele abandonou minha mãe dois meses antes de
assumir.
O primeiro caso ocorreu no início do mandato do meu pai, ocasião
em que o amor recíproco entre ele e Celina alcançava altas
temperaturas. Aldo Abagge já desconfiava de alguma coisa, e havia
imposto obstáculos nas saídas da esposa. Ela raramente conseguia
escapar. Foi numa dessas escapadas que encontrou comigo em
frente a minha casa, conversando com vários amigos. Parou seu
Maverick azul, estava acompanhada de uma senhora chamada
Juraci. Seu estado era deplorável, nervosa e angustiada, pediu que
eu levasse um recado ao meu pai, marcando um encontro para a
noite. Eu não a desprezava, por meu pai ter se separado da minha
mãe, entendia muito bem a força do sentimento surgido entre ambos.
Contudo, recusei-me a levar o recado para o meu pai, achei isso um
desrespeito para com minha mãe, além de repugnar-me a ideia de
contribuir com um adultério.
Disse a ela que eu não faria isto, pois nesse assunto eu não me
envolveria. Ela insistiu, e recusei novamente. Dois amigos que
estavam comigo se retiraram devido ao constrangimento causado
pelo que presenciavam. Ela ficou enfurecida e falou que se não
conseguisse encontrar com ele, se mataria, pois nada mais
importava, já que seu corpo e sua alma pertenciam a satanás. Disse
isso e partiu em alta velocidade.
Semanas antes de ser presa pela morte do Evandro, algumas
pessoas contaram que ouviram Celina dizer: meu corpo e minha
alma pertencem a satanás. Esta frase agora fazia sentido para nós,
pois havia sacrificado Evandro, mas será que significava que já era
adepta desta prática naquela época? Isso explicaria por que ela
pegou tantas crianças recém-nascidas de pessoas carentes, de
mães solteiras, de mães com vários filhos e que não tinham
condições de sustentar mais um. Ela abordava pessoas humildes
dos sítios que acreditavam que ao entregarem seus filhos para
Celina estariam proporcionando-lhes melhores oportunidades.
Também explicaria o ódio às mães que na última hora recusaram-se
a entregar seus filhos. Algumas delas tiveram de se desviar com
suas bicicletas, jogando-as em valetas, para não serem atropeladas
pela primeira-dama, pois esta, em alguns casos, as ajudara com
dinheiro e mantimentos durante a gravidez, não se conformando com
a recusa de entregar as crianças.
O segundo caso foi quase na mesma época, poucos dias antes de
seu esposo conhecer toda a verdade e trancafiá-la. Devido ao
falatório que já havia na cidade e também por estar desconfiando, o
Sr. Aldo Abagge exigiu que Celina, se tivesse de sair, levasse as três
filhas com ela. Em determinado dia, próximo das 11h45 da manhã,
meu pai saía da prefeitura, que na ocasião situava-se em frente à
praça central, o local mais movimentado da cidade, acompanhado de
diversas pessoas. Quando ia atravessar a rua, Celina parou seu
carro com as filhas dentro, as quais assistiram a tudo, desceu,
abraçou meu pai e deu um beijo na sua boca que durou mais de um
minuto, segundo as dezenas de pessoas que testemunharam.
E tudo isso com seu automóvel atrapalhando o trânsito, pois ficou no
meio da pista com a porta aberta, impedindo que os veículos de trás
passassem. Segundo fiquei sabendo mais tarde, dito pelo meu
próprio pai, ela fez isso para que parassem de ligar anonimamente
para a sua casa, perguntando se era verdade que tinha um caso com
o prefeito. Naqueles dias esta cena repetiu-se em outro lugar, com as
três filhas assistindo dentro do veículo.
Estas duas narrativas podem ajudar a entender mais sobre o
comportamento de Sheila Abagge. Quem sabe se com a mesma
insanidade que Celina expôs a si própria, diante das pessoas e
diante das suas filhas, não expôs também suas crenças? Talvez aí
esteja a resposta para a conduta de Sheila perante suas alunas,
tanto no conteúdo da disciplina como nos atos praticados.
A história de Raquel
Evandro desapareceu dia 6 de abril de 1992 (dia de São Diógenes),
por volta das dez horas da manhã. Guaratuba entrou em pânico e a
atenção do Estado voltou-se para esse balneário.
No entardecer do mesmo dia começaram as concentrações em
frente à casa de Evandro. Todos sentiram que o perigo de outras
crianças desaparecerem era iminente. Precisava-se descobrir o que
estava acontecendo, era necessário tomar providências.
Começaram então as manifestações públicas, pedindo segurança e
empenho dos órgãos competentes.
Celina Abagge sentiu que as coisas poderiam fugir do seu controle,
era necessário agir, ou passaria a correr sério risco, pois além do
perigo de aparecerem eventuais testemunhas do sequestro,
precisava explicar o motivo pelo qual Airton Bardelli, gerente de sua
serraria, dispensou subitamente 45 funcionários. Foi a primeira vez
em cinquenta anos de existência da marcenaria que houve dispensa
coletiva. Essas dispensas aconteciam somente em períodos de
escassez de matéria-prima, mas mesmo assim o pessoal da limpeza
e manutenção nunca fora liberado. Dessa vez, todos foram
dispensados, inclusive o vigia, e com grande estoque de madeira a
ser beneficiada, e só voltaram a trabalhar na segunda-feira pela
manhã, iniciando o descanso a partir de meio-dia. Claro que uma
dispensa desse porte dependeria de motivo e planejamento, pelo
que se viu, com a paralisação súbita das atividades em meio à
jornada de trabalho, só algo tão vultoso como um sequestro
justificaria essa atitude. Além do mais, precisariam do local para que
o ritual de magia negra pudesse acontecer, sem presenças
indesejáveis.
Sentindo o perigo muito próximo e vendo a população revoltada,
investigando sem parar, organizando-se em grupos, não teve dúvida
quanto à necessidade de agir. Levou uma moça de nome Raquel até
a presença do delegado Adauto, a qual contou a seguinte história: –
Ela estava terminando seus trabalhos domésticos, na residência
onde trabalhava, isto por volta das 10h30 da manhã. Ela varria a
frente da casa quando viu um carroceiro passar, com dois guris na
carroça, um deles ela conheceu como sendo Evandro Ramos
Caetano. Dirigiram-se em direção à praia (lado oposto ao da
serraria), a praia ficava a três quilômetros a leste da casa de Evandro
e a serraria a cinco quilômetros a oeste.
Todos, polícia, populares e parentes, voltaram a atenção para o outro
lado da cidade, ali foram feitas buscas exaustivas, não paravam nem
mesmo durante a noite.Era comum encontrar grupos armados com
revólveres, facões, foices, lanterna e lampião. Em várias ocasiões,
algumas pessoas escaparam por pouco do linchamento.
As buscas nessa região foram inúteis, e outros lugares começaram a
ser investigados. Segundo o ritual, as mãos, couro cabeludo e
órgãos deveriam ficar três dias em uma casinha lá na serraria, por
isso era preciso desviar a atenção para um local distante, ou seja, a
praia.
Surgiu, então, a segunda história, que se encaixou como uma luva
na história contada por Raquel. Um menino de aproximadamente 13
anos correu esbaforido para perto de algumas pessoas e contou o
seguinte:
– Acabei de fugir de uma casa abandonada, na beira da praia, onde
estava preso com mais dois meninos, fomos levados por um
carroceiro que nos convidou para passear. Fomos trancados lá e
amarrados, eu consegui me soltar e também desamarrei os outros
guris que não conheço. Porém, somente eu consegui pular por uma
janela que fica muito alta. Disse isto e saiu em disparada.
As pessoas confirmaram o relato e descreveram o menino que
passou. Contudo, ele jamais foi encontrado. Quase todas as casas e
todos os colégios foram vasculhados, chegando a polícia a por em
formação os alunos, para que o reconhecimento fosse feito, mesmo
assim o autor da segunda história não foi localizado.
Quando surgiu esse relato, um enorme grupo de pessoas organizou-
se e efetuou uma varredura em toda a praia. Nenhuma casa ficou
sem ser investigada, estando com morador ou não. Nada foi
encontrado naquela região que se parecesse com o local descrito.
Todos aqueles que procuravam Raquel para obter maiores detalhes
ouviam sempre a mesma coisa, está com Celina e Beatriz, ajudando
a procurar o carroceiro. De fato, durante toda aquela semana, em
toda parte elas foram vistas juntas, ora no cadete azul de Celina, ora
no escort cinza de Beatriz. Dessa maneira Celina impediu que
Raquel acabasse entregando o jogo.
Mesmo assim, conseguimos encontrar Raquel na casa de seu pai.
Fizemos algumas perguntas, que ela respondeu olhando para o chão
ou para os lados. Insistiu em afirmar que era Evandro, contudo, não
conseguiu descrevê-lo corretamente, nem dizer onde o conhecera
nem que roupa estava vestindo.
Quando perguntei como podia ter certeza que era Evandro, se a
carroça, segundo ela, passou rapidamente e a certa distância? Ela
respondeu que ele passou duas vezes. Questionei, então: “Se é
assim, ele voltou em direção a sua casa e não rumo à praia, como
você declarou para o delegado”. Nesse momento, ela teve um mal-
estar, começou a tremer e a suar, não conseguia soltar as palavras,
com muito esforço retrucou dizendo, que foram três vezes que viu
Evandro na carroça, sendo a última em direção à praia.
Claro que ela estava mentindo, isto era importante demais para ela
não ter mencionado, quando relatou o fato para a polícia.
No dia seguinte, Celina tirou Raquel da cidade e soube-se que fora
trabalhar em Matinhos, porém nos meses seguintes não foi mais
vista por ninguém. Seu pai, homem bom, evangélico, morreu do
coração algum tempo depois do crime ser desvendado.
O fato mais esclarecedor da participação de Raquel surgiu quando o
crime em questão foi solucionado. Entre os sete acusados havia um
com o nome de Sérgio Cristofolini. Por coincidência, Raquel
trabalhava na casa do irmão desse indivíduo, e chegou a manter um
romance com o acusado, conforme relato de pessoas que os
conheciam.
O lenhador
Na ocasião em que o corpo de Evandro foi encontrado, jogado num
matagal, havia um lenhador de nome Euclides Soares dos Reis, que
morava nas proximidades, com sua esposa Cecília e seu filho de
aproximadamente 10 anos de idade.

Até o dia em que os policiais do Grupo Águia, da polícia militar,


chegaram à cidade, eu não conhecia o Sr. Euclides. Contudo por
meio de informações, sabia que se tratava de um lenhador, e que
residia próximo ao fim de uma rua margeada por palmeiras, distante
cerca de duzentos metros do local onde Evandro estava.

Nas declarações que prestei ao Ministério Público, referi-me a um


Opala preto, o qual teria sido visto diversas vezes trafegando
naquela rua. Quem fez essa observação foi o lenhador. Esse fato
chegou ao conhecimento da família, por intermédio de populares,
como a maioria das informações que ajudaram a esclarecer o crime.

Em meados de junho de 1992, fui procurado pelos policiais que


queriam ser levados até Euclides. Segui com meu carro, uma Elba
verde-escuro, e eles me acompanharam em um Gol cinza. Embora
ainda não tivesse ido até aquela casa, sabia ser fácil encontrá-la. Ao
chegarmos perto do local encontramos três pessoas, duas sentadas
em um tronco de árvore e a outra com uma motosserra, desgalhando
e amontoando lenha. Pedi informações de como chegar até a casa
de Euclides. Eles riram e apontaram para o homem que trabalhava.

Após as devidas apresentações, retirei-me do local, ficando lá os


policiais. Não sei o que conversaram.

É importante destacar que não foi Euclides quem achou o corpo de


Evandro, ele apenas foi um dos primeiros a chegar pelo fato de
morar perto.
Com a prisão dos acusados, a população revoltada aglomerou-se em
frente à residência do prefeito que mesmo tendo sido cercada pela
polícia, foi apedrejada. Em determinado momento, algumas pessoas
enfurecidas romperam a linha de policiais e entraram quintal adentro.
Um homem chutou a porta arrombando-a. Seguiu-se a invasão
acompanhada pela equipe de reportagem da TV Paranaense,
chefiada pela repórter Dulcinéa Novaes.

Entretanto, a polícia militar conseguiu fazê-los sair, antes que danos


mais graves fossem causados pela multidão.

O homem que investiu contra a porta da residência era Euclides


Soares dos Reis. Nessa ocasião, ele estava com uma das mãos
enfaixadas, devido a um acidente de trabalho.

Quando João Bossi trouxe o falso Leandro do Estado do Amazonas,


orientaram o menino para que dissesse ao promotor que um dos
homens que o sequestraram era o que aparecera naquela
reportagem da Rede Globo com a mão enfaixada. Soubemos
também que caso a farsa vingasse, em seguida, ele deveria
reconhecer o segundo homem, como sendo eu.

O plano de reverter tudo que se sabia até então, foi bem arquitetado,
trouxeram um sósia de Leandro Bossi de muito longe, porém não
mediram adequadamente os meios utilizados na divulgação, e a
própria rede de comunicação que ajudou a cometer este crime, fez
com que os familiares do menino o reconhecessem em Manaus, por
meio do programa “Fantástico”.

Dois dias após a depredação na casa do prefeito, apareceram em


minha casa o lenhador com sua esposa e seu filho, estavam
apavorados e queriam que os levasse até os policiais do Grupo
Águia, pois na ocasião ninguém confiava na polícia civil nem no
destacamento da polícia militar de Guaratuba.

Pedi a eles que aguardassem, telefonei para o número que me


haviam deixado para contato, e em poucos minutos chegaram alguns
policiais. Euclides queria que lhe dessem proteção, porque nos dois
dias anteriores havia sofrido algumas tentativas de assassinato, das
quais só escapou por conhecer muito bem as picadas que seguiam
mato adentro, nas imediações de sua casa.

Os policiais, embora comovidos com o choro da Dona Cecília e com


o pânico do menino, disseram que nada poderiam fazer com relação
a isso.

Sentindo o desespero daquela família, propus-me a ajudá-los. Fui


conversar com minha mãe, pois ela era a dona da casa em que eu
morava, um sobrado com quinhentos metros quadrados. Ela residia
no pavimento superior e eu com minha esposa e três filhos no
pavimento inferior. Nos fundos do terreno havia uma meia-água com
cem metros quadrados, a qual estava desocupada, sendo alugada
somente na temporada para veranistas.

Expliquei o problema para a minha mãe, e ela concordou que


morassem ali por alguns dias, até que a situação acalmasse. Para
mim isso também foi bom, pois estava recebendo telefonemas com
ameaças, e tiros haviam sido disparados à noite em frente a minha
casa.

Nos dias que seguiram, pude conhecer melhor Euclides e tudo que
aconteceu com ele, e com os policiais do Grupo Tigre. Pude
entender melhor a razão daquela agressão contra a casa do prefeito
Aldo Abagge.

Tão logo chegaram a Guaratuba, os policiais civis do delegado


Adauto e da delegada Leila, começaram a assediar
Euclides,desconfiaram dele pelo fato de residir perto do local onde
Evandro foi encontrado e isto não passou despercebido. Euclides
entendeu que corria o risco de ser levado ao pau-de-arara.

Para escapar da violência que poderia sofrer, Euclides passou a


tratar os policiais como eles, provavelmente, nunca foram tratados.
Pediu para a sua esposa fazer bolos, pães, doces e assim por diante
(era visitado no mínimo duas vezes por dia, isto durou cerca de 45
dias), quando os policiais chegavam, rapidamente recomendava que
Dona Cecília passasse café e assim foi cativando os policiais e
adiando o dia de sua provação.

Semanas após, esse dia chegou. O delegado Adauto mandou em


determinada noite, que trouxessem Euclides até o Hotel Villa Real,
onde se encontrava hospedado por conta da prefeitura. O delegado
e sua esposa, decepcionados com o fracasso de suas investigações
decidiram espremer Euclides, para obter o serviço. Depois de horas
sem sucesso, resolveram que teriam de usar outros métodos.
Euclides ouviu a tudo, mas nenhum policial conseguiu atirar a
primeira pedra. Embora a sugestão do Dr. Adauto fosse séria, os
policiais não a obedeceram, talvez por não desconfiarem mais dele,
ou por ser difícil agredir a pessoa que os tratou tão bem. Enfim,
todos acabaram desistindo, libertaram Euclides e se retiraram para
Curitiba, encerrando assim suas investigações em Guaratuba.

Euclides comentou que para atender aos policiais da forma como


fez, teve até de tomar dinheiro emprestado, o que aumentou sua
revolta quando soube que o crime havia sido desvendado, e quem
eram os culpados.

O lenhador contou-me que não temia ser forçado a assumir a culpa


pela morte de Evandro, pois morreria antes de admitir ter praticado
tamanha crueldade, o que ele realmente receava era que
produzissem provas que o incriminassem. E isto se devia a dois
fatores:

a) Era público e notório, desde o momento da chegada do Grupo


Tigre, que sua base de operações era na casa do prefeito, pois não
se afastavam do guia, Paulo Brasil, que era assessor de imprensa do
município.

b) Euclides ter flagrado uma cena de sexo, envolvendo o prefeito e


Paulo Brasil.
Como se deu este fato: Euclides estava trabalhando na mata, no final
da rua das Palmeiras, quando ouviu um carro se aproximar.
Silenciosamente ele saiu da mata, ocultando-se em sua extremidade
(a prefeitura tinha feito alguns serviços no local, aberto valetas e
colocado manilhas, certamente o prefeito estava inspecionando o
trabalho – pensou ele), o carro manobrou e ficou na rua com as
portas abertas, se alguém viesse pela rua, que era um beco sem
saída, ninguém veria nada. Porém, a posição que Euclides ocupava
era privilegiada. Após assistir alguns momentos resolveu aparecer e
ao ser percebido, fez que se jogassem para dentro do veículo e
saíssem em disparada.

Paulo Brasil havia se separado de sua esposa Maria Helena Moro, e


estava morando no Hotel Villa Real, com despesas, inclusive de
alimentação, pagas pelo município.

Este episódio chegou ao conhecimento da imprensa, que devassou a


vida dos envolvidos, e teve a confirmação por parte de Maria Helena,
quanto a possíveis encontros dessa natureza envolvendo seu ex-
marido e o prefeito. O jornal Diário Popular de Curitiba publicou em
manchete de capa este assunto e o repórter Alborguete, durante
semanas, com um dos maiores índices de ibope por ele já
alcançado, explorou esta matéria em seu programa de televisão.

Euclides entendeu mais tarde, com a elucidação do caso, que se o


incriminassem poderiam jogá-lo ao linchamento, pois sendo pobre,
se fosse considerado culpado, não haveria polícia para lhe proteger,
como houve para a família do prefeito. Desse modo os verdadeiros
culpados, entre os quais a esposa e a filha do prefeito, escapariam, e
deixaria de existir a incômoda testemunha do relacionamento
ocorrido no final daquela rua.

Cecília e Euclides vinham de um casamento que estava cansado


pelo tempo, e pelas dificuldades que juntos enfrentaram. Nos dias
que Euclides ficou sem trabalhar (não podia se arriscar em seu ofício
de lenhador, sozinho no meio da mata), seus problemas
aumentaram, estava endividado pelo que gastou com o Grupo Tigre,
com pouco crédito e sem muitas esperanças. Estabeleceu-se então
um clima que culminaria com a separação do casal. Cecília
apavorada, com medo do que poderia acontecer com seu filho, e
sentindo-se mal por estarem vivendo às minhas custas (não tinham
dinheiro nem para comprar alimentos), preferiu ir embora para a terra
de sua origem, levando consigo o menino. Euclides não se opôs a
essa partida. Fazia dois meses que estavam morando nos fundos da
minha casa, quando Cecília partiu, ele ficou morando ainda mais
alguns dias, até que pedi para se retirar.

O lenhador voltou então a trabalhar em sua profissão, mas acabou


desistindo porque durante seu afastamento havia perdido a
freguesia. Resolveu então montar um bar, mas como naquele lugar
jamais conseguiria encontrar compradores, tentou atrair clientela
contratando mulheres de programa, e espalhando a notícia pela
cidade. Havia clandestinamente montado um bordel, que também
não deu certo. Finalmente, não restou mais nada a fazer, a não ser ir
embora de Guaratuba. Contudo, sua tentativa de reconciliação com
Cecília fracassou, e mais uma vez Euclides tentou o comércio nesse
balneário, dessa vez, amasiado com uma mulher de boate, arrendou
um bar que estava sendo dirigido pela ex-esposa de Paulo Brasil e,
nesse lugar, além de bebidas, proporcionava jogatina de baralho.

Nesse local Euclides foi preso, supostamente portando 33 papelotes


de cocaína, que a polícia civil garantiu serem dele. Ele foi levado
sem a autorização do juiz da comarca para a capital onde em troca
de não ser feito o flagrante, e com a compensação de receber muito
dinheiro, declararia ter me visto jogar um corpo enrolado em jornais
onde Evandro foi encontrado.

Euclides deu a declaração sobre coação, ao retornar a Guaratuba a


justiça já o aguardava para ouvi-lo, pois antes de assinar o falso
documento foi visitado por sua amásia na prisão de Guaratuba e
comunicou a ela o que desejavam dele. Sua companheira avisou o
juiz da cidade e a trama veio à tona. Quatro delegados participaram
do esquema, alguns se intitularam desembargadores. Embora
nenhum tenha sido exonerado, todos foram afastados de suas
delegacias. O jornal Folha de Londrina, de 4 de maio de 1995
publicou em manchete “Polícia Tentou Reverter Caso Evandro”.

Os policiais do Grupo Águia da polícia militar descobriram, mais


tarde, que um dos elementos que tentou assassinar Euclides, era
motorista policial da polícia civil e estava lotado na Assembleia
Legislativa, à disposição do deputado Aníbal Curi.
Linchamento moral
Na ocasião em que a polícia civil tentou reverter o Caso Evandro,
com a declaração de Euclides, a imprensa da capital agia
estranhamente. Só podiam abrir espaço para a defesa dos
assassinos, a família de Evandro não era recebida, ou quando era,
tinha seus depoimentos modificados.

Existiam três caminhos para os repórteres e jornalistas.

O primeiro seria ficar do lado dos criminosos e ter suas carreiras


amparadas e prestigiadas como aconteceu com a jornalista Vânia,
do jornal Hora H, a qual foi condecorada como sendo a melhor
repórter do Brasil, no ano em que mais atuou em defesa dos bruxos
de Guaratuba. Era desconhecida antes e nem se sobressaiu depois,
porém recebeu sua recompensa pelos serviços prestados.

O segundo seria não falar nada em defesa do Caso Evandro, não


denunciar as tramas para inocentar os assassinos e não clamar por
justiça, em troca não seriam molestados e poderiam seguir suas
carreiras normalmente. Este foi o caminho escolhido pela maioria.

O terceiro era permanecerem íntegros, honestos, cumpridores do


seu dever e perder o emprego, como se presenciou com vários
deles, alguns com carreira consagrada e que hoje não encontram
onde trabalhar.

Canais de televisão e rádio foram comprados, com o propósito de


tirar do ar programas e demitir apresentadores, já que alguns se
recusavam a ceder a pressões.

Centenas de afirmações mentirosas foram publicadas visando


inocentar os bruxos de Guaratuba.

O maior jornal da capital, em menos de uma semana divulgou 52


afirmações, algumas reportagens eram de página inteira e com
chamada na primeira página.

Embora a acusação de ter montado o caso pesasse mais sobre mim,


nenhum dos envolvidos escapou aos ataques. A juíza da cidade, o
promotor do caso, o Grupo Águia, da polícia militar, os policiais
federais e até mesmo o governador, pelo fato de não se curvar às
pressões políticas, receberam sua dose, conforme a conveniência do
momento.

O deputado Aníbal Curi, ao assumir interinamente o governo do


Paraná, ofereceu uma festa para a imprensa curitibana. A partir
desse dia nunca mais a família de Evandro foi procurada para se
pronunciar sobre a morte do menino.

Sem ter onde e como pedir por justiça, o Caso Evandro caiu no
esquecimento. Passou-se para o Brasil a impressão de que não
havia interesse da família nem clamor público. Dessa forma, os
assassinos e seus defensores conseguiram ambiente favorável para
pleitear seus objetivos, como atrasar seus julgamentos e aproveitar
todas as brechas da lei brasileira para escapar à aplicação da pena,
pois os anos de prisão domiciliar, mesmo não tendo sido cumpridos,
também seriam computados no final.

Foram tantas as calúnias, injúrias e difamações propagadas pela


imprensa, e repetidas tantas vezes, que a opinião pública acabou
cedendo, e hoje quando conversamos com pessoas informadas
apenas pela mídia sobre o Caso Evandro, quase sempre perguntam:
“Será que foram eles mesmo que mataram o garoto?” Outros dizem:
“O menino está vivo em tal lugar”.

No início, tentamos processar os veículos de comunicação. Como as


mentiras se sucediam rapidamente, os advogados não conseguiam
avaliar o trabalho que teriam nem dava tempo de fazer orçamento.

Refletimos sobre o assunto e concluímos que não teríamos como


custear as despesas em uma batalha desse porte, pois para
conseguirmos um advogado de pouca expressão já seria caro, e o
poderoso jornal que mais nos agredia, tinha colunistas que eram
advogados, professores e juristas com grande penetração dentro do
judiciário, os quais poderiam defender o jornal até de graça, já que
não desejariam ver o conceito do instrumento onde expunham suas
ideias, desacreditado.

Relatarei um fato onde foi explorado ou provocado um acidente, com


o propósito de manchar a imagem da juíza que determinou a prisão
dos bruxos de Guaratuba. Nessa ocasião, aqueles que defendiam os
assassinos já tinham a seu favor boa parte da opinião pública. Seu
trabalho de anos junto à imprensa dera bons resultados, restava
agora concentrar suas atenções sobre como desmoralizar o judiciário
de Guaratuba, atingindo sua representante, a doutora Anésia Edite
Kovalski.

Na mesma semana do acidente do teleférico de Matinhos, o qual


tirou a vida de três pessoas ferindo outras 26, circulou entre os
familiares dos bruxos o seguinte comentário: “Desta semana a juíza
não escapará, pois está em curso um plano infalível, o qual
culminará com sua saída desta comarca ou até mesmo do judiciário”.
Pode parecer estranho termos ouvido esse tipo de conversa, porém
isso já era comum. Muitas coisas foram ditas pelo pessoal da seita
satânica e acabaram acontecendo. Subitamente, em pleno horário
nobre, o repórter Cid Moreira, da Rede Globo, que recebe o noticiário
do Paraná elaborado pela TV Paranaense, pertencente ao senhor
Francisco Cunha Pereira Filho, abriu a manchete do jornal das oito
responsabilizando a juíza de Guaratuba pelo acidente do teleférico, e
pelas mortes consequentes. Ele elogiou e enalteceu as atitudes do
verdadeiro vilão, o delegado de Matinhos, filho de um
desembargador muito amigo do deputado Aníbal Curi. Conseguiram
seu propósito, entretanto, como o judiciário não pode agir de ofício, e
sim somente se solicitado por escrito (naquele caso o delegado fez
apenas uma consulta), jamais a juíza poderia ser responsabilizada
pelo que aconteceu, antes seria obrigação da prefeitura e do corpo
de bombeiros tomar as providências, suspendendo o alvará de
funcionamento, caso fosse constatado alguma irregularidade.
Saber o que aconteceria naquela semana pode não ser tão estranho,
porque afrouxando alguns parafusos, qualquer leigo seria capaz de
provocar um acidente como aquele.
A caravana da libertação
Ao ver que alguns repórteres corajosos, destemidos ante as
baionetas da ditadura, estavam agora com receio de perder seus
empregos, ou ambiciosos por se locupletarem, colocando qualquer
coisa que pudesse ajudar os assassinos em suas colunas, sem
proceder a nenhum trabalho investigativo, eu entendi que havia
chegado a hora de cobrar das autoridades o resgate do cadáver de
Leandro Bossi. Se houvesse sucesso na operação, isso colocaria fim
à onda de descrédito lançada sobre o Caso Evandro. Mas já era
tarde, porque as instituições brasileiras estavam se curvando ao
poder da caravana da libertação, a qual extrapolou fronteiras com a
vinda de Diogo Moreira Alves para o Paraná como sendo Leandro
Bossi.

As autoridades perceberam o poder que a imprensa tinha de


comprometer carreiras, e de criar falsos talentos. Diante desse
quadro ninguém quis expor sua trajetória profissional, pois o que
havia acontecido com a juíza de Guaratuba era mais do que
suficiente, para servir de lembrete a quem se atrevesse a ousar.

Enviei cartas à Secretaria da Segurança Pública do Paraná, à


Corregedoria do Tribunal de Justiça do Paraná, à Corregedoria Geral
do Ministério Público do Paraná, ao diretor da Polícia Federal do
Paraná, ao chefe da Casa Civil do Paraná, ao governador do Paraná,
ao observador do Ministério da Justiça, no caso das crianças de
Altamira, ao secretário especial de Direitos Humanos da Presidência
da República, ao Ministério da Justiça e ao presidente da República.
Alguns receberam até três cartas, e nenhuma providência efetiva foi
tomada para recuperar os restos mortais do menino.

Foi lamentável ver a que ponto o Brasil chegou. Por mais


subdesenvolvida que uma nação seja, se alguém disser que sabe
onde existe um cadáver ocultado ele deve ser obrigado a mostrar o
local, ou no mínimo dizer de onde tirou essa ideia. Cheguei a
escrever ao Ministério da Justiça, e até para a presidência da
República, pedindo providências para resgatar o que sobrou do
menino. Porém, nunca efetuaram nenhum mergulho, mesmo eu
possuindo credibilidade para ser levado a sério, pois até quando
dona Paulina afirmou que Diogo Moreira Alves era Leandro Bossi,
seu filho, me mantive firme em minhas convicções e provei estar
certo.

Se sacrifícios humanos* envolvendo crianças, não for motivo


suficiente para despertar o interesse das nossas autoridades, o que
poderá ser?

Entendemos que há um bloqueio no Paraná para nada mais ser feito


a respeito do caso, porém o Ministério da Justiça foi alertado sobre
isso e deveria saber como contornar o problema.

* Sacrifícios humanos. Várias seitas ditas como satânicas oferecem


seres humanos em seus altares com o objetivo de conseguir favores
ou de se graduarem na hierarquia espiritual da seita. Algumas, como
a Igreja de satanás, mais conhecida como irmandade, possuem uma
organização altamente sofisticada. Seu objetivo é infiltrar-se nas
diversas camadas sociais para influenciar de tal modo, que
introduzam o Reino do anticristo. A Bíblia prevê que tais
acontecimentos se intensificariam com a aproximação da volta de
Cristo.
Retornando ao passado
Como éramos vítimas de calúnias constantemente, pela mais
poderosa empresa de comunicação do Paraná, e percebendo
que novas infâmias poderiam ser utilizadas no julgamento, já
que a escolha das testemunhas de defesa indicava certa
direção, resolvi prevenir a assistência de acusação.

O texto enviado é descrito a seguir:

Em junho de 1979, meu irmão, o tenente Alfredo Caetano dos


Santos Neto, comandante do destacamento do Corpo de
Bombeiros de Guaratuba, foi atropelado por um motorista que
dirigia embriagado. Ele morreu com 24 anos de idade, deixando
sua esposa com 19 anos, uma filha com quase três anos e um
filho com apenas um ano.

Como a esposa do meu irmão, Rosicler Margarida dos Santos,


não tinha condições de criar os filhos, conseguimos que
entregasse a menina Rosirene Caetano dos Santos para a avó
Irene Gastaldi, minha mãe, a qual não sobreviveria à dor da
perda, naqueles dias que se seguiram, não fosse por essa
responsabilidade que assumiu. A mãe, Rosicler, ficou com o
menino, porém logo constituiu família novamente e teve mais
dois filhos. Como estava difícil para ela cuidar dos três, minha
esposa Berenice e eu conseguimos que nos entregasse o guri
Alfredo Caetano dos Santos Júnior, e o levamos para morar
conosco em Curitiba.

Nessa ocasião, eu estava terminando o curso de engenharia


civil e trabalhava como detetive na Polícia Civil do Paraná.

Exerci essa profissão por oito anos, antes de tirar licença sem
vencimentos e voltar a residir em Guaratuba.
Entre os motivos que me levaram a retornar para o litoral, o mais
importante foi o de unir os dois irmãos. Minha mãe morava
apenas com a neta em um enorme sobrado com cerca de
quinhentos metros quadrados.

Ao retornar, passei a morar no pavimento inferior com minha


esposa, minha filha Diana e meu filho Cristian. Alfredo passou
para um quarto exclusivamente seu no pavimento superior.
Embora houvesse essa divisão por andar, éramos apenas uma
família, os filhos do meu irmão tinham novamente um lar, minha
esposa os tratava como se fossem filhos dela. Eu fiz mais por
eles do que tenho conseguido fazer até agora pelos meus filhos,
já que hoje não tenho mais tempo nem paciência para ficar a
tarde toda, do lado dos meus filhos, ensinando as lições como
fazia com os filhos do meu irmão.

Quando retornamos para Guaratuba, Rosirene tinha nove anos,


Alfredo oito anos e Diana três anos. Cristian tinha alguns meses,
Alessi nasceu três anos depois.

Passei então a trabalhar como engenheiro civil, montando meu


escritório numa sala em minha residência.

Nos anos seguintes, os dois irmãos, Rosirene e Alfredo,


estudaram no ginásio pela manhã, e à tarde, de uma às cinco
horas, ficavam no meu escritório juntos, fazendo as lições.

Eu estabelecia, nesse período, uma hora todos os dias para


leitura obrigatória. Hoje, reconheço que fui muito duro com eles,
ao fazer essas exigências, porém sei que um dia isso lhes será
útil. Quase todos os clássicos foram lidos. Anos mais tarde,
quando fazia cursinho pré-vestibular no “Positivo”, em Curitiba,
numa sala com quase trezentos alunos o professor de literatura
perguntou:

– Alguém desta sala leu o livro Os Sertões, de Euclides da


Cunha? Rosirene foi a única que levantou a mão. O professor
não acreditou muito, fez perguntas, as quais ela respondeu com
detalhes.

Minha esposa e eu sempre estávamos juntos, pois ela


trabalhava comigo no escritório, investimos muito na educação
dos meus sobrinhos. Além do horário de estudo, eu exigia da
Rosirene meia hora por dia de “artes” como: crochê, bordado,
tricô, costura, culinária, etc, sendo esses conhecimentos
ministrados pela minha mãe ou pela minha esposa, conforme o
caso.

Era rigoroso no cumprimento dessas atividades, contudo, ao


longo de quatro anos nunca cheguei sequer a dar uma palmada
em nenhum deles. Quando faziam coisa errada, eu os castigava
exigindo que lessem uma ou mais horas, no sábado ou no
domingo, lá no escritório onde pudéssemos vê-los, pois
trabalhávamos também nos fins de semana.

Com a chegada da adolescência, comecei a ter problemas com


Rosirene, ela queria sair sozinha, ir às discotecas, voltar tarde
para casa, como suas amigas do colégio. No começo consenti,
estabelecendo horários e limitando as amizades, porém cada
vez que ela violava o combinado, eu restringia suas saídas.
Como o uso de drogas era comum entre os alunos de sua
classe (também fui professor nesse colégio), acabei quase a
isolando de todos os amigos, não fosse pelo contato que tinha
com eles na sala de aula.

Foi um erro que cometi, mas tudo foi um processo lento, nem
me dei conta, pois preocupado em fazer dela um exemplo de
virtudes, esqueci que Rosirene tinha uma infância e
adolescência para viver.

A forma rígida de disciplina imposta colocou-a em profunda


depressão, e suas queixas quanto à falta de liberdade passaram
a afligir minha mãe, a qual não via nenhum perigo no fato de sair
sozinha e voltar de madrugada, ela também era contra tanto
estudo, pois achava desnecessário esse esforço só para passar
de ano. Contudo, eu a preparava para o vestibular que era bem
mais difícil e isto minha mãe não entendia.

Tive várias discussões por causa disso com minha mãe.


Rosirene passou a lutar por sua emancipação, ou seja, sair da
minha tutela e passar a obedecer apenas à avó. Como não abria
mão deste propósito, o clima começou a ficar insuportável.
Mergulhando em depressão cada vez maior, Rosirene começou
a dizer para a avó que poria fim à vida, se não pudesse sair à
noite como todas as suas amigas. Isto foi a gota d’água, minha
mãe disse que a partir desse dia ela não desceria mais ao
escritório, e também quem decidiria sobre as saídas, e horário
de chegada seria ela. Não concordei porque achava que
noitadas em discotecas poderiam levar às drogas e à
prostituição, e isso era igualmente perigoso. Tivemos uma
grande discussão, minha mãe ficou muito nervosa e acabou
tirando proveito da situação para conseguir seu objetivo.

Antes de prosseguir, faço uma pausa para dizer que considero


minha mãe uma das melhores mães do mundo. Eu a admiro e a
respeito muito. Entretanto, é necessário narrar este fato, para
que a defesa dos bruxos não pegue de surpresa os
representantes do Ministério Público e o nosso assistente de
acusação.

Depois de termos discutido, minha mãe, vendo que eu estava


irredutível, pegou seu carro e foi para a Santa Casa de
Misericórdia de Guaratuba, pediu para o médico atendê-la, na
época era o doutor Luiz Sérgio Márquez. Ela estava muito
nervosa. O médico fez os exames de praxe, receitou calmante e
ia liberá-la, entretanto ela chorando muito disse estar morrendo,
falou para o médico e enfermeira que eu estava escravizando
meus sobrinhos. Achava que existia segundas intenções da
minha parte com relação a Rosirene, já que eu a criava em uma
redoma de vidro, não a deixando falar nem sair com ninguém.
Sentindo o problema, ele resolveu interná-la até o dia seguinte.

Minha mãe era secretária no Colégio Estadual 29 de Abril, foi


diretora, inspetora e professora, por isso recebeu muitas visitas,
para todos contava a mesma coisa. Ao receber alta, retornou ao
colégio. Era época de matrículas e havia muito serviço. Dezenas
de pais aguardavam na fila para matricular seus filhos. Muitos
presenciaram as crises de choro, e ouviram as acusações de
que eu estava criando minha sobrinha para mim.

Ao tomar conhecimento disto, tive um dos piores dias da minha


vida. Eu estava sendo acusado daquilo que mais abominei. Eu
havia largado tudo para dar a ela educação, lar, proteção e um
futuro promissor, e estava sendo colocado em suspeita, e o que
é pior, pela minha própria mãe.

Não tive escolha, fui forçado a ceder, mandei o recado de que


seria do jeito dela, não exigiria mais nada de nenhum deles. Ela
assumiria a partir daquele momento o controle da situação.

Foi difícil concordar com isso, pois sabia que o destino deles a
partir daquele instante estava perigosamente comprometido.
Mesmo assim, não interferi mais.

Na ocasião em que isso aconteceu, a diretora do colégio em que


minha mãe trabalhava era a professora Vera Leomil. Esta
mulher era muito amiga do prefeito Aldo Abagge e de sua
esposa Celina Abagge. Contudo, tratava-se de uma excelente
profissional, uma competente professora de português, uma das
melhores daquele estabelecimento de ensino.

Com a descoberta dos assassinos de Evandro, houve uma


manipulação nos cargos de comando influenciados pela
prefeitura.

Fizeram a professora Vera Leomil licenciar-se e assumir a chefia


da Santa Casa. Lá emitiram documentos para a imprensa,
dizendo que o guardião da serraria estava internado na noite do
ritual, não podendo ser verdade o que havia afirmado, em juízo,
que os sete acusados estiveram na noite de 7 de abril de 1992
na serraria, uma vez que embora dispensado, presenciou o fato
por residir em frente ao local, do outro lado da rua. Também
sumiu a folha do livro de registro da Santa Casa, justamente a
datada de 7 de abril.

O guardião, embora obediente ao patrão, relatou inicialmente a


verdade, porque no começo tudo aconteceu rápido, os
advogados não tinham ainda um plano de defesa, não
conheciam o que estava por vir e não tiveram tempo de instruir o
guardião antes da justiça e da imprensa entrevistá-lo. Semanas
depois, ele concordou em mudar seu depoimento.

Em vista do que fizeram, penso que estava em curso um plano


de usarem o internamento da minha mãe para me acusarem de
algum tipo de agressão, contra ela ou contra Rosirene, pois no
jornal Hora H disseram que tentei estuprar minha sobrinha.
Acredito que tentaram distorcer o que minha mãe falou, e
usaram o doutor Sérgio e a professora Vera Leomil (ambos
estão sendo arrolados como testemunhas da defesa para o
próximo julgamento) para tentar convencer o júri, de que essa
acusação me foi imputada por minha própria mãe.

Comentários a respeito do Dr. Sérgio:Trata-se de um bom


profissional, é o nosso médico da família. Tem sido neutro em
relação ao Caso Evandro. Foi ele quem, na manhã da prisão de
Celina e Beatriz, dirigiu-se até a prefeitura para ver como o
prefeito estava passando, e ao chegar ao seu gabinete
encontrou também Airton Bardelli. Pediu para ver a pressão
sanguínea do prefeito, constatou-a praticamente normal, como
Bardelli estava muito agitado aproveitou para medir a dele,ao
vê-la tomou um susto, estava 24 por 11. Foi esse médico que fez
o parto da criança lá do sítio denominado “Descoberto”, que
Celina Abagge pegou. Essa criança foi entregue para a primeira-
-dama pelos próprios pais, porém sumiu, não foi dada para a
adoção. Seus pais, depois da elucidação do crime, denunciaram
o fato para o repórter Gladimir Nascimento, da TV CNT. O Dr.
Sérgio também foi entrevistado pelo mesmo repórter e a matéria
foi exibida pela emissora.

Comentários a respeito da professora Vera Leomil:Infeliz no


casamento, ela se separou. Costuma dar festas em sua casa
para professores e amigos. Bebe descontroladamente e agride a
moral dos homens. Certa noite em sua casa durante uma festa,
depois de ter tomado um pouco além da conta, discursou para
todos os presentes dizendo que em Guaratuba não havia
homens. Um senhor muito forte ergueu-se, virou a mesa e partiu
para cima dela. Contam que quatro pessoas não foram
suficientes para contê-lo, perseguiu-a por toda a casa com suas
pernas e braços arrastando os que tentavam segurá-lo, somente
depois de muito tempo conseguiram acalmá-lo.
A imprensa e o caso Evandro
No início de um evento jornalístico, todos os órgãos da imprensa
agem como deveriam agir, relatando o fato de modo independente.
Se não houve tempo para os interesses se manifestarem, o repórter
poderá manter-se dentro da verdade.

No Caso Evandro não foi diferente. Nos primeiros dias, quando os


assassinos foram presos, a imprensa divulgou a verdade. As
confissões dos acusados foram exibidas na presença do secretário
de Estado da Segurança Pública, do diretor da Polícia Civil, de várias
autoridades, diante de repórteres e jornalistas, que tiveram liberdade
para fazer as perguntas que desejaram, sem que houvesse qualquer
tipo de coação sobre os acusados.

Nesse momento, o trabalho da imprensa foi extremamente


responsável, pois o assunto não foi obtido na rua ou no porão de
alguma delegacia suspeita. Para que o Caso Evandro fosse entregue
ao jornalismo, houve anteriormente o trabalho da polícia militar, do
Ministério Público, da Polícia Federal, do Poder Judiciário e até da
Polícia Civil, pois esta, investigando todas as outras possibilidades e
nada encontrando, também contribuiu. Todos atuaram dentro de
suas atribuições e se fizeram presentes no momento que o fato
exigiu suas participações.

Acontece que quando se trata de crime organizado, de criminosos


poderosos financeira ou politicamente, ou como no Caso
Evandro,onde estão presentes todos esses elementos juntos, não
seria de esperar que não houvesse nenhum tipo de manobra.

Ao terminar o prazo para a conclusão do inquérito, o jornal Gazeta


do Povo já estava iniciando o bombardeio sobre o Caso Evandro,
fazendo um linchamento moral daqueles que ajudaram a esclarecer
o crime. E insinuaram que nada havia em Guaratuba que
relacionasse os sequestros aos rituais satânicos. Noticiaram que
cinquenta mil pessoas vestidas de branco fizeram oferendas a
Iemanjá, no réveillon de 1992 para 1993, nesse balneário, quando na
verdade uma única pessoa foi avistada fazendo isso, e ao perceber
que estava sozinha, retirou-se apressadamente.

Um repórter da capital mentiu tanto sobre o Caso Evandro, que


quando chegou o dia em que três dos acusados seriam julgados,
compareceu ao fórum com colete à prova de balas ostensivamente
vestido por cima da sua camisa. O medo mostrado em sua entrevista
foi tão grande, face ao enorme fardo que trazia em sua consciência,
que mesmo ao lado de policiais, não conseguiu permanecer de
frente para o cinegrafista durante a gravação. Virou-se repetidas
vezes para o lado e para trás, revelando publicamente sua
fragilidade. Seu trabalho desprovido de autoridade moral, que a
verdade confere, o subjugava, o acovardava, o atormentava com a
possibilidade de represálias, das quais se sentia merecedor, já que
sempre atuara muito além dos limites da dignidade, da decência e do
profissionalismo. Algumas pessoas acreditam que tudo foi um show
encenado, com o propósito de levar aos telespectadores a impressão
de que os responsáveis pela prisão dos bruxos de Guaratuba tinham
poder e índole violenta, até diante das emissoras de televisão.

Em geral, as mentiras eram divulgadas como reportagens, e não


como matéria paga (uma vez que não vinham em quadro fechado),
mesmo não existindo o menor respaldo legal que as legitimasse. Em
algumas ocasiões, foram apresentados depoimentos de delegados
conhecidos, arcebispos e freis, aos quais já nos referimos. Um
desses delegados exibiu em programa de televisão um exame de
DNA, dizendo que o documento afirmava não ser Evandro, quando
na realidade era exatamente o contrário. Não houve o menor
interesse do apresentador em verificar o que estava escrito naquele
laudo. Assim as mentiras iam sendo lançadas para a população, com
a ajuda de conceituados programas e emissoras, e respaldadas pelo
fato de ser um delegado de polícia que as proferia.

No decorrer dos anos, outros métodos foram usados para isolar a


família de Evandro e os que nos ajudavam. Muitos dos que nos
apoiavam eram caluniados. O jornal Gazeta do Povo cantava a
jogada, pois assim evitava expor-se, tendo de difamar mais um
inocente, caso ele não se retirasse da luta.

Eis um exemplo: Uma pessoa que estava do nosso lado, Paulo


Araújo, e uma família importante de sobrenome Nogueira. O jornal
vendo ser inútil continuar difamando-o passou a chamá-lo de Paulo
Nogueira, mandando assim um aviso para o seu patrão, pois não
demiti-lo implicaria em tornar-se o novo alvo das agressões. À
medida que se tornavam conhecidos, casos como esse, as pessoas
para evitarem os ataques da poderosa mídia, ou por questão de
subsistência, eram forçadas a não se manifestar nem empregar
aqueles que estivessem do lado da família de Evandro. Dessa
maneira, deixando o caminho livre, para que a sórdida trama da
defesa pudesse colocar os assassinos de crianças em liberdade.

Campanhas para localizar crianças desaparecidas não deveriam ser


estimuladas, uma vez que poderiam acabar complicando ainda mais
a situação dos assassinos de Evandro.

Eis outro exemplo: O Lions Club preparou, imprimiu e divulgou dois


milhões de cartazes com o retrato de crianças desaparecidas no
Paraná. O Rotary Club, até onde conhecemos, não fez nada nesse
sentido. Quando as campanhas para reverter o Caso Evandro
estavam em seu auge, a “Gazeta do Povo” enalteceu os brilhantes
esforços do “Rotary Club” em prol das crianças desaparecidas,
ignorando propositadamente aqueles que realmente mereciam tal
deferência. Assim, poucos continuaram empolgados com esta causa,
pois ficou evidente, que essa atuação contrariava o interesse de uma
associação poderosa.

É importante considerar que os integrantes do Rotary Club, uma vez


que são pessoas de bem, devem ter sofrido mais que os do Lions
Club, pois certamente não sentiram grandeza nenhuma, em serem
condecorados por um mérito que não possuíam. Quanto aos
membros do Lions Club, não devem ter se importado com isso, pois
sua atitude filantrópica não buscava reconhecimento nem gratidão,
fizeram porque entenderam ser útil e necessário para a humanidade,
e isto só bastou para recompensá-los.

Quando trouxeram o falso Leandro Bossi, a Rede Paranaense de


Comunicação anunciou as manchetes de seu jornal Gazeta do Povo
do dia seguinte que dizia: “Foi encontrado vivo o garoto do rumoroso
caso de Guaratuba”. Nas publicações seguintes, em várias ocasiões,
o nome Leandro foi substituído por Evandro.

É difícil imaginar, como esta empresa de comunicação se permitiu


descer tanto neste processo. Afinal não estava ajudando a por um
batedor de carteiras na rua, mas sim, tentando inocentar indivíduos
que sacrificam seres humanos, crianças na mais tenra idade, muitas
vezes recém-nascidas, as quais são torturadas, retalhadas,
esquartejadas, e tem seus corações arrancados ainda pulsando,
para serem oferecidos ao satanás.

Felizmente, algumas pessoas tinham capacidade de discernimento,


e perceberam que não se podia atribuir valor, ao conteúdo
jornalístico dessas matérias, já que o referido veículo não conseguiu,
mesmo tendo dois milhões de exemplares ao alcance, saber sequer
quem os publicou. Também, para quem sabia qual era o Leandro e
qual o Evandro, ficou obvio que tudo não passava de uma trama
para inocentar os assassinos, pois nenhum jornal deixaria de ter em
suas fileiras, jornalistas e revisores em condições de diferenciar os
dois garotos.

Eis a razão, por que no Brasil se alguém tirar um pedaço de casca


de árvore para levar um pouco de chá, a quem necessita dele, será
preso, se furtar um pedaço de pão buscando impedir que um filho
pereça por inanição, também sofrerá as consequências. A culpa não
é da justiça, esta tenta proceder do mesmo modo com relação a
todos. O que ocorre, é que nesses dois casos os acusados não
podem contar com o auxílio de poderosos veículos de comunicação,
de bons advogados, de alguns delegados de polícia, de freis e
arcebispos, para tentar mudar a versão dos fatos, encontrando um
meio de atribuir a outros, a responsabilidade por seus crimes.
O conselho regional de imprensa
Se um médico cometer algum tipo de erro lidando com um paciente,
ele poderá ser chamado perante o Conselho Regional de Medicina
para responder pela imprudência, negligência ou imperícia, porém a
menos que esse médico seja louco, jamais praticará
intencionalmente qualquer tipo de ação que o prejudique, pois não
apenas a vida do paciente estará em jogo como também sua
carreira.

Se um engenheiro, por qualquer motivo, comete erros em algum


projeto, que trouxer danos ou riscos às pessoas, também poderá ser
levado ao Conselho Regional de Engenharia para assumir sua
responsabilidade. No entanto a menos que sofra das faculdades
mentais, ele jamais fará isso intencionalmente, uma vez que a vida
de pessoas pode estar em jogo, bem como sua profissão.

Isso também acontece até com os advogados, que mesmo podendo


defender o assassino ou a vítima, conforme o lado que o estiver
pagando, ainda poderão ser levados à Ordem dos Advogados para
responder por seus excessos.

A imprensa é o único ramo de atividade profissional, que tem “licença


para matar”. Protegidos pelo escudo do cerceamento da liberdade de
informação, usando palavras que trazem conotação política como
“censura, autoritarismo e democracia”, os jornalistas tornam-se
intocáveis. Os que entendem a necessidade de organizar essa
atividade são ferozmente rechaçados.

É ilusão pensar que alguém pode livrar-se de calúnias e difamações,


proferidas intencionalmente pela imprensa, usando a justiça. O Caso
Evandro demonstra bem isso. Quando o poderoso Jornal do Paraná
iniciou sua campanha para inocentar os assassinos das crianças,
não tínhamos capacidade para enfrentar tamanha estrutura. Mesmo
que tivéssemos recursos, a sentença final levaria muitos anos para
sair, e já não teria nenhum valor, pois muitos amigos e parentes
poderiam estar mortos, e o dano perante a opinião pública
consolidada.

Reunir a população indignada, quando a ofensa atinge mais de uma


pessoa e protestar em frente à sede do jornal, também é de efeito
duvidoso. Fizemos isso no Caso Evandro, só que a poderosa Gazeta
do Povo associou-se ao Jornal Folha de São Paulo, o qual gerava as
infâmias num dia e aquela as retransmitia no dia seguinte. Se
desejássemos continuar com essa tática, teríamos agora que ir até
São Paulo e as despesas aumentariam ainda mais. Se
conseguíssemos fazê-lo, seria usado outro jornal de um Estado mais
distante, até esgotar completamente nossos recursos, e as mentiras
que inicialmente atingiam só os paranaenses, passariam ao
conhecimento da população dos outros Estados.

Somos totalmente a favor da liberdade de imprensa, no entanto não


é justo nem seguro para a população permitir que essa profissão não
seja disciplinada. No mínimo ela deve ser obrigada a apresentar as
provas no mesmo dia da publicação, sem que a justiça precise ser
acionada.

Grandes grupos de comunicação, como já presenciamos várias


vezes, podem não ser capazes de eleger um presidente da
República,mas na atual conjuntura possuem capacidade para
impedir que um candidato que não tenha seu beneplácito vença a
disputa, o que em última análise contradiz a primeira colocação.

Nota do Editor: A maioria dos jornalistas não concordaria com a


sugestão deste conselho, pois cercearia a lei da liberdade de
imprensa.

Os profissionais da mídia não deveriam se importar tanto com a


criação de normas de conduta, pois sabem que nunca terão a
liberdade que gostariam. Como todo órgão de imprensa pertence a
alguém, nenhum repórter continuará trabalhando nessa empresa se
insistir em divulgar assuntos que sejam contrários ao desejo do
patrão. No Brasil, onde a concentração de renda se acentua, e onde
o crime organizado consegue penetrar em nossas instituições,
também pode fazê-lo junto à mídia, como aconteceu no Paraná.

Aqui, alguns repórteres e jornalistas, que desejavam ver a justiça


triunfar, não concordaram em fazer adaptações, entenderam que se
perdessem seus empregos em uma emissora encontrariam outra
que os aceitaria. De fato conseguiram no início, entretanto as
demissões iam se sucedendo até não terem mais onde trabalhar.

Isso demonstra bem como é falsa a sensação de liberdade que um


repórter possui, e se isto não pode ser mudado, então por que não
dificultar a veiculação de tantas mentiras, tantas calúnias e tantas
difamações nos meios de comunicação? Vendo por esse lado, a
criação de um Conselho Regional de Imprensa não prejudicará o
bom profissional, mas evitará que outras “Vânias” passem a existir,
tirando o brilho das homenagens, que futuramente possam ser dadas
para quem realmente merecê-las.
Fatos relacionados ao caso Evandro

– Tentativa de Furto do Processo

Algumas semanas após a prisão dos bruxos, dois elementos que se


encontravam presos na delegacia de Matinhos foram colocados
durante a noite dentro do Fórum de Guaratuba, provavelmente pela
escrivã de justiça, Sra. Leila, que tinha a chave.

Nessa noite, um policial militar fazia a segurança do estabelecimento


forense, pernoitando em seu interior. Normalmente a segurança era
feita pelo lado de fora e em apenas alguns dias da semana, sendo a
escala aleatória para melhor proteção.

Durante a madrugada, o policial ouviu barulho e acabou efetuando a


prisão dos ladrões, os quais adentraram ao local sem arrombar a
fechadura e procuravam os autos do Caso Evandro. Nunca ficamos
sabendo a mando de quem foram colocados lá, porque o delegado
de Matinhos levou os ladrões, e eles desapareceram. Assim a
sociedade ficou sem explicação, sobre esta absurda violação,
ocorrida no fórum de Guaratuba. Soubemos que a escrivã Leila não
foi trabalhar no dia seguinte. Dias depois, com a ajuda do deputado
Aníbal Curi, ela foi transferida para a capital e promovida.

– O Caso Aruba

Desde o dia em que Evandro desapareceu, até a prisão dos


responsáveis, decorreram quase três meses. Nesse ínterim, um
primo de Evandro, de nome João Caetano Souza, resolveu trabalhar
em Aruba com outros amigos, pois foram informados de que o
serviço em lanchonetes e restaurantes era rendoso. Seu irmão José
ficou no Brasil.
Quando foi elucidado o sequestro de Evandro, José escreveu para o
irmão e enviou recortes de jornais, informando-o sobre o acontecido.
Passado algumas semanas João retornou ao Brasil. Meses depois
voltaram também seus amigos, narrando o seguinte fato:

Durante alguns dias perceberam estar sendo vigiados e seguidos,


algumas vezes perceberam estar sendo filmados. Finalmente,
tiveram seu apartamento invadido por diversos homens, armados de
metralhadoras e portando filmadoras. O apartamento foi todo
revistado e quando um deles (mais tarde soube-se tratar do
delegado Luís Carlos de Oliveira) encontrou os recortes de jornais,
dava pulos de alegria e dizia: “Aqui estão as provas”. Foram todos
levados para uma delegacia e mantidos ali durante toda a noite
sobre terrível tensão. Sofreram torturas psicológicas para contar
onde Evandro estava escondido. Como obviamente nada poderiam
dizer, acabaram sendo soltos.

Esse episódio foi levado ao conhecimento do promotor Antonio


César Cioffi de Moura. Interessante ver como o delegado foi
dedicado enquanto fazia turismo em Aruba e recebia diárias. Todavia
não foi capaz de resgatar o cadáver de Leandro Bossi que estava tão
perto, mesmo havendo confissões feitas pelo Osvaldo a dois outros
delegados. A Rede Globo de Televisão exibiu a reportagem sobre os
delegados que ouviram Osvaldo no presídio do Ahu.

– A Coação de Testemunhas

Alguns meses depois da prisão dos bruxos, três elementos


começaram a investir sobre as testemunhas do Caso Evandro.
Tentavam convencê-las a mudar seus depoimentos, em favor dos
acusados. Se alguma delas não concordava, a advertiam da
possibilidade de sofrer algum acidente, ou até de ser morta.

O caso que descrevemos foi gravado com um gravador de bolso, por


uma das testemunhas de acusação. Essa testemunha chama-se
Edésio da Silva, irmão de Edílio da Silva, vereador e líder do prefeito
Aldo Abagge, na Câmara. Trata-se, portanto, de uma testemunha da
mais alta credibilidade. Edésio contou que foi procurado por um
parente distante, conhecido pelo apelido de Toco, o qual serviu de
intermediário para aproximá-lo de João Carlos Anderson (sobrinho
de Celina Abagge) e de um tal de Joca (pistoleiro).

Toco explicou que o negócio renderia muito dinheiro, e que ele


deveria aceitar senão poderia ser assassinado, ou preso portando
droga declarada como sua. Diante dessa colocação, Edésio não teve
escolha, a de não falar com aqueles elementos. Muniu-se de um
gravador e avisou o promotor Antonio César Cioffi de Moura. Foi ao
local do encontro e de lá o conduziram até uma residência dos
Abagge. Com o gravador ligado, Edésio registrou a conversa, pediu
tempo para pensar e levou a fita ao promotor. Isto resultou na prisão
dos três elementos, sendo a gravação divulgada em alguns veículos
da imprensa que ainda não estavam impedidos de falar.

Edésio presenciou o sequestro de Evandro. Se concordasse em


mudar seu testemunho receberia de quarenta a sessenta milhões de
cruzeiros (moeda da época).

Caso aceitasse seria levado a São José dos Pinhais, onde um juiz
amigo da família Abagge estaria esperando, para tomar seu
depoimento e fornecer uma espécie de salvo-conduto, que o
impediria de ser preso ou molestado por qualquer tipo de polícia que
fosse.

O pistoleiro conhecido por Joca chegou a expor, durante a gravação,


sua tabela de preços para matar juiz, promotor, advogado,padre
etc..., comentou ainda ter matado cerca de doze pessoas no Estado
do Ceará, terra de onde viera para escapar de pagar pelos crimes
cometidos.

– O Atropelamento de um tio de Evandro

Maria, mãe de Evandro, tem muitos irmãos, um deles chamava--se


Sebastião Correa Ramos. Todos eles são muito religiosos, e de
índole extremamente pacífica, porém Sebastião foi um dos que mais
buscaram justiça, mostrou coragem e determinação em todos os
eventos em que foi necessária a presença da população. Esteve em
Curitiba protestando em frente à redação da Gazeta do Povo, pelas
reportagens mentirosas e participou da concentração em frente à
delegacia de Guaratuba quando da prisão de João Carlos Anderson,
Joca e Toco. Inicialmente eles foram tratados com privilégios e
mordomias, fato que revoltou a população provocando o manifesto
em frente à delegacia. Esse protesto, levado a cabo por mais de
quinhentas pessoas, fez o delegado os trancafiar no xadrez.

Estranhamente, após algumas semanas da libertação do trio,


Sebastião foi morto em um atropelamento. Esse acidente pelas
circunstâncias causou dúvidas entre os familiares e entre os que
acompanhavam o desenrolar do Caso Evandro.

O atropelamento foi na noite de sábado. Domingo pela manhã o


atropelador foi preso. À tarde, foi solto por um advogado e
desapareceu. Na segunda-feira chegaram de Curitiba as
informações sobre ele, de que tinha duas condenações por
homicídio.

Um jornal publicou que o atropelador foi morto numa cidade do


interior, poucos dias após o acidente que vitimou Sebastião.

Alguns acreditam que a morte do atropelador possa ter sido queima


de arquivo, caso realmente tenha ocorrido.

– O Suicídio da Testemunha

No julgamento ocorrido na cidade de São José dos Pinhais, o mais


longo da história brasileira, que durou 34 dias, onde Celina e Beatriz
foram absolvidas, e que foi posteriormente anulado, havia um médico
perito criminal, que era testemunha da acusação e deveria depor
naquele julgamento. Foi esse médico que, na ocasião das prisões,
examinou Celina e Beatriz e declarou não haver sinais de torturas
compatíveis com a alegação dos seus advogados, as quais teriam
sido impostas para admitirem a culpa pela morte de Evandro.
Na noite anterior ao dia em que seria ouvido, o médico foi
encontrado morto, com um tiro na cabeça em frente ao jazigo do seu
pai.

Soubemos que esse médico deixou esposa e três filhos, e que ele
estava sendo ameaçado por forças poderosas, as quais exigiam que
não depusesse em juízo, pois se fizesse isso em breve dariam um
jeito de fazê-lo perder o emprego, como fizeram com alguns
repórteres e como tentaram fazer com a juíza de Guaratuba.O
médico, não suportando a pressão e com medo de não poder
terminar de criar seus filhos, preferiu morrer garantindo a
aposentadoria para a sua família. Muitas pessoas, inclusive
delegados com os quais trabalhei, não acreditam que tenha havido
suicídio.
Epílogo
A imprensa acendeu-nos a luz da esperança, quando divulgou o
desaparecimento de Evandro, e depois a apagou.

Contudo, tivemos a honra de conhecer verdadeiros heróis,


profissionais que sacrificaram suas carreiras em busca de justiça
para as crianças desaparecidas. Talvez eles nunca voltem a ocupar
seus lugares, mas Deus haverá de recompensá-los pela abnegação.

Também encontramos grandes valores dentro da polícia civil, cuja


ajuda foi determinante para que o crime fosse esclarecido, muito
embora eles jamais tenham ocupado cargos relevantes nesse órgão.

A polícia militar merece toda a nossa gratidão por seus esforços, e


por sua dedicação, apesar de algumas exceções, nosso Estado deve
orgulhar-se da capacidade e da competência desta corporação.

O Ministério Público provou ser de extrema importância. Quando


tudo parece perdido, aqueles que estiverem em busca de justiça
reacendem aí suas esperanças. O promotor enviado politicamente
para dar proteção aos bruxos de Guaratuba, não foi suficiente para
ofuscar o brilho dos grandes valores que conhecemos, nem foi capaz
de macular a instituição.

O poder judiciário esteve acima das expectativas. Todos os juízes


que atuaram no caso, excluindo a juíza que presidiu o julgamento
que foi anulado e o juiz que acompanhou o promotor politicamente
enviado, mostraram o elevado nível da justiça brasileira, a qual tem
pessoas em seu quadro capazes de representar-nos no cenário
mundial, destacando-se entre os demais.

As pessoas que hoje acreditam na inocência dos assassinos,


também merecem a nossa compreensão, pois influenciadas pelas
mentiras perpetradas pelos poderosos setores da imprensa e com o
desinteresse da Secretaria de Estado da Segurança Pública do
Paraná avalizando-os, não seria possível conhecer a verdadeira
história do Caso Evandro.
Nota de atualização
Nota feita pelo autor do livro.

- Em 28/05/2011, Beatriz Abagge foi condenada pelo assassinato de


Evandro Ramos Caetano, em um ritual de magia negra, e
sentenciada a vinte um anos e quatro meses de reclusão. Celina
Abagge não será mais julgada, pois os inúmeros recursos utilizados
pela defesa, protelando os julgamentos, a beneficiaram quando
completou setenta anos de idade.

- Em 29/01/2013, o Conselho Nacional de Justiça, determinou o


afastamento de Beatriz Abagge do Tribunal de Justiça do Paraná,
onde atuava como terapeuta ocupacional, e incluiu a ação criminal
referente ao Caso Evandro, no programa Justiça Plena.

- Em 03/04/2013, o delegado de Polícia Civil Luiz Carlos de Oliveira,


que tanto defendeu os assassinos, foi preso pelo Grupo de Atuação
Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), criado pelo
Ministério Público, quando este através da “Operação Vortex”,
investigava um esquema de extorsão sobre proprietários de
desmanches de veículos.

- Em 09/04/2013, o Superior Tribunal de Justiça, anulou o resultado


do julgamento que absolvia Sergio Cristofolini e Airton Bardelli dos
Santos.
Agradecimento
A família do Evandro agradece a todos que contribuíram, para
que a justiça fosse feita, pois segundo agências internacionais
de investigações, os crimes envolvendo rituais satânicos, são os
mais difíceis de conseguir condenação.
Table of Contents
Sumário
Ficha Técnica
Prefácio
O Desmoronamento
O Edifício Atlântico
O sumiço de crianças no Paraná
Desaparece Leandro Bossi
Desaparece Evandro Ramos Caetano
Divulgação proibida
Visita da primeira-dama
Mudança apressada
Cartazes e faixas arrancados
Ameaça aos funcionários
O poema
O Grupo Tigre
A investigação
Termo de declarações
As prisões
A revolta da população
Os defensores dos réus
O pai de Leandro Bossi
A estratégia da defesa
Voltando no tempo
As procissões de Sheila Abagge
A história de Raquel
O lenhador
Linchamento moral
A caravana da libertação
Retornando ao passado
A imprensa e o caso Evandro
O conselho regional de imprensa
Fatos relacionados ao caso Evandro
Epílogo
Nota de atualização
Agradecimento

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