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Fátima Cristina Ranaldo Caldeira

Neiva Aparecida Ranaldo


Antonio Ranaldo Filho

CIDADANIA ITALIANA

Copyright © 2020 Fátima CR Caldeira, Neiva Ap. Ranaldo, Antonio Ranaldo Filho
Todos os direitos reservados
Americana/Piracicaba
2020
Dedicamos ao nosso pai, Antonio Ranaldo
(in memorian),
de quem, além da integridade de caráter,
herdamos a cidadania italiana.
Sumário
PREFÁCIO

Capítulo I
INTRODUÇÃO

Capítulo II
MIGRAÇÃO
Imigração italiana no Brasil
Como viviam os imigrantes italianos no Brasil

Capítulo III
NACIONALIDADE E CIDADANIA
Espécies de nacionalidade
Importância da nacionalidade
Critérios do ius sanguinis e ius solis
Evolução dos critérios para definir a nacionalidade
Critérios adotados pela Itália e pelo Brasil para definir os seus nacionais
DUPLA NACIONALIDADE
Cidadania italiana e União Europeia
DESCENDENTES QUE TÊM DIREITO À CIDADANIA ITALIANA

Capítulo VI
REQUERIMENTO DO RECONHECIMENTO DA CIDADANIA ITALIANA
Requerimento administrativo
Requerimento judicial

Capítulo VII
CERTIDÕES BRASILEIRAS E ITALIANAS
Localização dos registros no Brasil
Registro de nascimento tardio de pessoas falecidas
Localização de registros na Itália

Capítulo VIII
RETIFICAÇÃO DE REGISTRO

Capítulo IX
NOSSO PASSO A PASSO NA BUSCA PELA CIDADANIA ITALIANA
Museu de Imigração e Ministério da Justiça
Localização da certidão de nascimento na Itália
Necessidade de retificação dos nossos registros brasileiros
Apresentação dos documentos ao Consulado, transcrição das certidões na Itália e
expedição do passaporte
Reescrevendo a história
CONCLUSÃO

Capítulo XI
SOBRE OS AUTORES

REFERÊNCIAS
PREFÁCIO
Brindam-nos os irmãos Ranaldo – herdeiros de sanguis notariorum
– com este interessante estudo Cidadania italiana. Estudo que, nada
obstante seus pilares teóricos, é calcado também na experiência vivida
pelos autores, exatamente por isto adquirindo um atrativo matiz
prático.
O tema de fundo é o da nacionalidade italiana adquirida. O
conceito de nacionalidade anda e muito baralhado com o de cidadania,
[1] o que legitima o título da obra dos Ranaldos. Com efeito, apesar de
umas tantas prescrições de organismos internacionais (valham aqui, à
conta de ilustração, o art. 15 da Declaração universal dos direitos
humanos,[2] expedida pela Organização das Nações Unidas (ONU), e o
art. 20 da Convenção americana de direitos humanos[3] – Pacto de São
José da Costa Rica), a nacionalidade é, no plano prático, algo que
menos soa como direito da pessoa humana, do que como instrumento
dos estados. Prevalece, de fato, a ideia de nacionalidade como liame
jurídico-político[4] entre, sobretudo,[5] indivíduos e o estado, liame
cujo reconhecimento se tem atribuído soberanamente[6] ao estado.
[7]
Todavia, a preponderância da dimensão jurídico-política do
conceito de nacionalidade não deve implicar desprezo de sua dimensão
moral, é dizer, de seu significado axiológico. Essa dimensão moral
pode considerar-se e reconhecer-se de dois modos. Um, pela
efetividade dos vínculos sociais entre o indivíduo e o estado;[8] outro,
pela distinção entre, de um lado e com anterioridade, a pátria, e, de
outro lado, a nação.
A palavra pátria vem-nos diretamente do substantivo latino patria,
patriae que tem, entre outros significados, a acepção de terra,
especialmente a de terra natal. Mas o latim patria é também a forma
feminina de um adjetivo de primeira classe (patrius, patria, patrium),
que nos conduz às ideias de pai, paternal e, figuradamente, do que é
hereditário (o que advém por legado, por herança); tem-se por notório
que o adjetivo patrius deriva do substantivo pater, patris (pai). Disto
segue compreender a noção de pátria, a terra dos pais (terra patrium);
a terra, pois, onde o filho nasce. E é, portanto, nota compreensiva da
pátria o de algo provir do passado; há uma herança, há um legado
histórico: “a pátria não se concebe sem sua tradição histórica”.[9]
Pátria, pois, diz-se “a terra onde se nasce”; é a terra dos pais, é “o
chão, o território, cenário de um desenrolar de fatos – importantes
muitos, heroicos outros – que vão enchendo de ressonâncias e história
a vida de um agrupamento humano”; “é uma terra humana, porque
ressuma gestos e gestas, fatos e feitos que contam a história de um
povo, despertando uma afetividade viva e sensível”.[10]

O vernáculo nação resultado do latim natio, nationis, substantivo


de que procede a forma nominal natus, natus, cuja acepção nominativa
é nascimento e no ablativo é idade. Os vocábulos natus e nata
significam o filho e a filha. Assim, ao passo em que a pátria concerne
antes aos pais que aos filhos, a nação “tiene que ver más bien con los
hijos, los herederos”.[11]
Desta maneira, a pátria e a nação parecem apresentar-se como
realidades intimamente conexionadas no tempo: a pátria vem do
passado, a nação abre-se ao futuro. A pátria é o que viveram nossos
antepassados, mas é também a herança que eles nos deixaram; ela é,
em resumo, aquilo que o povo de agora recebe como legado de cultura
para, aperfeiçoando-o, transmiti-lo às gerações vindouras.
A leitura deste interessante Cidadania italiana descerrou-me, de
par com a busca muito prática de uma adicional nacionalidade
adquirida, a valorização patriótica da herança dos Ranaldos.
Superando as incômodas trilhas da burocracia, os caminhos tortuosos
das repartições, dos certificados, dos guichês assépticos ou avessos à
boa praxis, os irmãos Ranaldo professaram também o amor de seus
ancestrais, razão maior, no fim e ao cabo, pela qual saíram à caça de
reconhecerem-se a si próprios, tudo sem decair da brasilidade, na
condição de lídimos italianos (e trataram de ensinar a seus leitores o
caminho não só político e jurídico, mas também valorativo, de
tornarem-se conacionais de Petrarca, Dante e Alessandro Manzoni… e
isto é muitíssimo).

Des. Ricardo Dip


Capítulo I
INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, centenas de milhares de descendentes de


italianos nascidos e residentes no Brasil – os chamados oriundi – têm
requerido o reconhecimento do seu direito à cidadania pelo ius
sanguinis.
Muitos encontram obstáculos pelo caminho. Às vezes, os
documentos dos ancestrais são difíceis de serem localizados. Não raro,
é necessária a retificação de registros devido a erros gráficos. Ao par
disso, de tempos em tempos, surgem rumores de mudança na lei
italiana.
Se estes percalços causarem desânimo, os titulares do direito
devem lembrar-se que nasceram com ele graças à valentia e ousadia de
seus antepassados que, há mais de cem anos, viajaram em condições
precárias, enfrentando doenças, medo de tempestades e de naufrágios,
amparados apenas pela esperança de dias melhores para si e suas
próximas gerações. Esta coragem tornou-os atores importantes da
história contemporânea do Brasil e Itália. Exerceram influência na
religião, cultura, gastronomia e em outros aspectos que integram a
identidade do povo do Sul e Sudeste do país. O reconhecimento é
apenas a formalização do direito existente. Também vivemos
esta saga. As adversidades enfrentadas nos trouxeram experiências
valiosas. O objetivo desta singela obra é compartilharmos o nosso
aprendizado.
Procuramos tratar, de forma concisa, questões que ajudam a
compreender aspectos básicos deste importante direito e os fundamentos
legais que o embasam. Indicamos alguns mecanismos que facilitam a
localização de documentos e, por fim, relatamos o nosso passo a passo e um
pouco do que descobrimos da nossa história familiar nesta instigante viajem
no tempo. Esperamos com ela auxiliar aos que estão trilhando ou pensam
em trilhar este caminho.
Na trajetória, em algum momento, o caminho que nos leva ao Velho
Mundo se encontra com o que conduziu os nossos antepassados ao Novo
Mundo, mostrando-nos que a conexão entre passado, presente e futuro é
mais significativa do que imaginávamos.
Capítulo II
MIGRAÇÃO

Migração, basicamente, é o ato de transferir a residência de um espaço


geográfico para outro. Emigrar é sair e imigrar é chegar a um local (SILVA
2003). Os movimentos migratórios sempre exerceram relevante influência
nos hábitos, estilo de vida, religião e cultura dos diferentes povos.
Para o antropólogo Darcy Ribeiro, a matriz formativa do povo
brasileiro são os índios, africanos e europeus (RIBEIRO 1995).
A participação dos europeus neste processo ganhou relevância com
a maciça chegada de imigrantes italianos em determinado período.

Imigração italiana no Brasil

A industrialização e a chegada dos métodos capitalistas na Itália do


século XIX tiraram de milhões de pequenos proprietários rurais a
possibilidade de concorrerem com grandes produtores. Além disso, na
época, houve um significativo aumento populacional. A soma destes fatores
impedia que as novas indústrias absorvessem toda a mão de obra disponível
(BERTONHA 2005).
A dificuldade econômica no país levou inúmeros italianos a emigrarem
para a América. A imposição pelos EUA de barreiras para a entrada de
estrangeiros em 1870 fez do Brasil uma opção de destino, com propaganda
de ser um local de oportunidades (GOMES 2007).
Com a proibição do tráfico de escravos, pela Lei 581 de 1850, começou
a faltar mão de obra para a cultura cafeeira. Uma das formas que o governo
brasileiro encontrou de repô-la foi incentivando a imigração,
subvencionando-a, mediante o pagamento de passagens de navio.
Os agentes de imigração convenciam os moradores das pequenas
aldeias a emigrarem para o Brasil, prometendo-lhes ganho garantido e
possibilidade de tornarem-se proprietários rurais. A entrada em vigor em
1850 da Lei n.º 601 (Lei das terras devolutas) dificultou a aquisição de
propriedade pela posse, tirando de ex-escravos e imigrantes a oportunidade
de tornarem-se pequenos proprietários.
Aos imigrantes recém-chegados era permitido permanecerem alguns
dias na Hospedaria do Imigrante, construída em 1887 no bairro do Brás, em
São Paulo (GONÇALVES s.d.). Os que ainda não tinham destino certo
eram ali visitados por fazendeiros que podiam contratá-los verbalmente. Se
aceita as condições do contrato, iam para as fazendas de trem, com
passagem custeada pelo Estado (CRYSOSTOMO e VIDAL 2013). Este
prédio hoje abriga o Museu de Imigração.

Como viviam os imigrantes italianos no Brasil

As condições de vida dos imigrantes não eram das melhores e a crise


cafeeira do final do século XIX agravou tal situação. Esta notícia chegou às
autoridades italianas através dos oficiais do governo daquele país, que
enviou ao Brasil duas pessoas para efetuarem uma inspeção.
Rossi, que fez a verificação no Estado de São Paulo, elaborou
relatório definindo a situação dos italianos como precária, o que levou o
Commissariato dell’ Emigrazione italiano a promulgar o Decreto Prinetti,
proibindo a emigração subvencionada e o recrutamento de mão de obra por
agentes de imigração. A partir daí, o Brasil se tornou um destino menos
atraente.
Apesar de a imigração ter sido quase que exclusivamente rural,
muitos italianos saíram das lavouras e foram trabalhar em atividades
urbanas (HUTTER 1987).
Capítulo III
NACIONALIDADE E CIDADANIA

No direito brasileiro, nacionalidade e cidadania não são sinônimos. A


nacionalidade é o vínculo que liga um indivíduo a um Estado e a cidadania
é o direito do nacional participar da vida política. No direito imperial e
Primeira República usava-se a palavra cidadania para definir o que, depois,
veio a ser chamado de nacionalidade (FERREIRA 1977).
No idioma italiano, a palavra que, conceitualmente, corresponde à
nacionalidade é cittadinanza (TRECCANI.IT s.d.).

Espécies de nacionalidade

A nacionalidade é originária quando acompanha o indivíduo desde o


nascimento e secundária quando decorre de naturalização (BASTOS e
MARTINS 2004.). A cidadania italiana pelo ius sanguinis é originária.

Importância da nacionalidade

Pela sua importância, a nacionalidade é considerada um direito


fundamental pelos Tratados e Convenções internacionais de Direitos
Humanos. Assim o faz a Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948, no seu artigo 15, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
assinada em São José da Costa Rica em 1969, no seu artigo 20, parágrafos 1
a 3.
Este direito é relevante para o indivíduo e para o Estado. É ele quem
confere as prerrogativas de proteção diplomática, de entrar e residir no país
do qual se é nacional e das condições para ingressar e permanecer em
outros.

Critérios do ius sanguinis e ius solis


Cada Estado é soberano para definir quem são os seus nacionais. Os
critérios utilizados pela maioria são o ius solis, o ius sanguinis ou ambos.
Os que adotam o primeiro estabelecem a nacionalidade pelo território do
nascimento; os que optam pelo segundo consideram que ela é transmitida
dos ascendentes para os descendentes, independentemente de onde estes
últimos nasceram. Atualmente, a maioria dos países, embora adote
predominantemente um deles, faz flexibilização em favor do outro para
evitar a apatridia (pessoas sem nacionalidade).
Os países de emigração costumam adotar o ius sanguinis com a
finalidade de manterem o vínculo dos descendentes com o local em que
seus ascendentes nasceram; e os de imigração, em regra, adotam o ius solis
com o objetivo de que os indivíduos criem forte ligação com o território de
seu nascimento (FERREIRA 1977).

Evolução dos critérios para definir a nacionalidade

Nas civilizações primitivas não havia a concepção de cidadania, diante


da ausência, na época, de normas e regras, cada um defendia o que achava
ser o seu direito.
Na Antiguidade, a família era considerada a base da sociedade e o
Estado era visto como o seu prolongamento com um número maior de
pessoas. No período, era a filiação (ius sanguinis) que definia a
nacionalidade pelo nascimento. Assim acontecia na Grécia, Roma, Egito e
Índia (Código de Manu) e entre os hebreus.
Na Idade Média – época dos feudos – o ius solis passou a
predominar devido à própria organização socioeconômica, em que a terra
era símbolo de riqueza e de poder. Com o Código de Napoleão, o ius
sanguinis voltou, gradativamente, a ganhar força na Europa, embora o ius
solis não tenha sido totalmente suprimido (FERREIRA 1977).

Critérios adotados pela Itália e pelo Brasil para definir os


seus nacionais

A Itália trata da cittadinanza, na Legge n.º 91 de 1992. No art. 1 define


que são seus cittadini, os filhos de italianos (ius sanguinis)
independentemente do local onde nasceram; os nascidos em seu território se
os pais forem desconhecidos, apátridas e se não herdaram a nacionalidade
pelo critério do ius sanguinis (ius solis).
O Brasil cuida do assunto no art. 12 da sua Constituição. Considera
brasileiros natos os nascidos em seu território, independente da
nacionalidade dos pais (ius solis), exceto se estes forem estrangeiros a
serviço de seu país. Também considera brasileiros natos os filhos nascidos
no exterior, de pais a serviço do Brasil e os dos que não estejam a serviço
do país, desde que o nascimento do filho seja registrado no Consulado
Brasileiro (ius sanguinis).
Os filhos de brasileiros registrados na repartição estrangeira são
considerados brasileiros natos até a maioridade. Após, para mantê-la
precisam vir a residir no Brasil e optarem por ela a qualquer tempo junto à
Justiça Federal (BRASIL, Supremo Tribunal Federal 2005). Desde a
Constituição Imperial de 1824, o Brasil adota predominantemente este
critério.
Capítulo IV
DUPLA NACIONALIDADE

O Brasil recebeu grande número de imigrantes italianos, especialmente


na segunda metade do século XIX e primeira do XX, que geraram muitos
descendentes.
Os descendentes de italianos que nasceram no Brasil são brasileiros
pelo ius solis e, ao mesmo tempo, se o ascendente cumprir os requisitos, são
italianos pelo ius sanguinis.
Ambos os países admitem a dupla nacionalidade em suas
legislações.

Cidadania italiana e União Europeia

Na Europa, a cidadania deixou de estar juridicamente vinculada


apenas aos Estados nacionais. Qualquer cidadão de um Estado-membro da
União Europeia é, automaticamente, um cidadão europeu, conforme artigo
20, parágrafo 1.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia.
Diante disto, os brasileiros que tiverem a cidadania italiana reconhecida
são europeus.
Capítulo V
DESCENDENTES QUE TÊM DIREITO À CIDADANIA
ITALIANA

Nem todos os descendentes de italianos têm direito à cidadania.


Até 1861, a península itálica era constituída por vários estados
independentes. A maioria deles foi unificada aos 17 de março de 1861,
formando o Reino de Itália. Só a partir daí os moradores dos estados que
foram unificados passaram a ser italianos. A região do Veneto foi
incorporada ao novo Reino em 03 de outubro de 1866 (Tratado de Viena) e
Roma aos 29 de setembro de 1870. O Trentino, localizado na porção
Nordeste foi anexado ao Império Austro-húngaro em 25 de dezembro de
1867 e só voltou a fazer parte de Itália aos 16 de julho de 1920 com o
Tratado de Saint Germain-en-Laye assinado em 10 de setembro de 1919.
O Códice Civile del Regno D’ Italia de 1865 adotou, majoritariamente,
o ius sanguinis (livro primo, título I, 4), reservando o ius solis para alguns
casos; determinou que mulheres que se casassem com estrangeiros perdiam
a sua cittadinanza e adquiriam a do marido. Estes dispositivos foram
ratificados pela Legge n.º 555 de 13 de junho de 1912. A Constituição da
República de 01 de janeiro de 1948 garantiu a igualdade de direitos. A Lei
n.º 91 de 05 de fevereiro de 1995, em vigor, definiu que cidadãos de ambos
os sexos transmitem a cittadinanza pelo ius sanguinis, mas estabeleceu a
irretroatividade de seus efeitos.
Os nascidos e que residiram nos locais que pertenceram ao Império
Austro-húngaro, mencionados na Circolare : Prot. n.K.78 dd. 24.12.2001,
entre 25 de dezembro de 1867 e 20 de julho de 1920, puderam até 19 de
dezembro de 2010 requerer o reconhecimento da cittadinanza , nos termos
da Legge n.º 379 de 2000 e suas regulamentações. Aos que não o fizeram
neste período, só resta tentar uma decisão favorável da Justiça italiana.
Quanto às mulheres casadas com estrangeiro, a Corte Constitucional,
em 1975 (Senteza n.º87) e 1983 (Sentenza n.º30), declarou
inconstitucionais, respectivamente, a perda da cidadania por elas,
permitindo-lhes reavê-la e a impossibilidade de transmitirem-na aos
descendentes pelo ius sanguinis, mas, esta segunda decisão só alcançou os
nascidos após 01 de janeiro de 1948 (início da vigência da Constituição). A
partir de 2009, o Supremo Tribunal de Cassação em seções conjuntas
(n.º4466) decidiu pela aplicação da Sentenza n.º 30 também aos nascidos
antes de 01 de janeiro de 1948, entretanto, até o momento, o requerimento
do reconhecimento nestes casos deve ser judicial.
Diante da evolução legislativa e jurisprudencial, conclui-se que têm
direito à cidadania italiana pelo ius sanguinis todos os descendentes
cujo antepassado italiano (homem ou mulher) não emigrou ou faleceu
antes de 13 de março de 1861 para a maior parte de Itália; antes de 03
de outubro de 1866 para a região do Veneto e antes de 16 de julho de
1920 para as áreas que pertenceram ao Império Austro-húngaro.
Capítulo VI
REQUERIMENTO DO RECONHECIMENTO DA
CIDADANIA ITALIANA

O direito à cidadania pelo ius sanguinis é transmitido pelo ascendente


em linha reta (pai, avô, bisavô, etc.), nascido em Itália, chamado dante
causa, sem limite de geração. Os descendentes nascidos no exterior
precisam que ele seja formalmente reconhecido para exercerem as suas
prerrogativas.
Para o reconhecimento é necessário requerimento do interessado,
prova de que o dante causa não se naturalizou e apresentação das certidões
de toda a ascendência. O pedido é feito na Comune ou Consulado italiano,
respectivamente, conforme o interessado tenha residência na Itália ou no
exterior. Os nascidos antes 01 de janeiro de 1948 que têm mulher casada
com estrangeiro na linha de transmissão precisam fazê-lo judicialmente.

Requerimento administrativo

Os requerentes residentes na Itália devem apresentar o pedido no Ufficio


di Stato Civile da Comune onde residem. A residência precisa estar
registrada no Ufficio Anagrafe (orientação de Comune para o pedido).
Para os residentes no exterior, o Consulado da Itália em São Paulo
indica o passo a passo (veja aqui). Atualmente, a lista de inscritos não mais
está disponibilizada no site devido à entrada em vigor aos 25/05/2018 do
Regulamento Geral sobre a Proteção dos Dados Pessoais UE 2016/679’,
que não permite a publicação dos nomes.

Requerimento judicial

Os descendentes nascidos antes de 01 de janeiro de 1948 (início da


vigência da Constituição italiana), em que na linha de transmissão exista
mulher casada com estrangeiro, devem fazer o requerimento ao Tribunal
Civil de Roma. Aos descendentes dos que residiram nos territórios do
extinto Império Austro-húngaro no período de 25 de dezembro de 1867 e
20 de julho de 1920, que não fizeram o pedido de reconhecimento até 19 de
dezembro de 2010, só resta tentarem uma decisão favorável na justiça.
Quando o pedido é judicial há necessidade da assistência de advogado.
Capítulo VII
CERTIDÕES BRASILEIRAS E ITALIANAS

Independentemente de onde for feito o requerimento (Comune,


Consulado, Justiça) será necessária a apresentação das certidões da
ascendência para comprovação do parentesco.
As certidões dos registros lavrados no Brasil depois de 01 de janeiro
de 1889 são obtidas no Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais do
local onde os fatos e atos ocorreram.
Registro e certidão são documentos autônomos. Os nascimentos,
casamentos e óbitos tanto no Brasil quanto na Itália são registrados em
livros específicos, conservados ad aeternum na repartição que os lavrar.
Deles podem ser extraídas certidões em número indeterminado. Estas são
documentos avulsos que provam o conteúdo dos registros onde forem
apresentadas. Das “resumidas”, também chamadas “em breve relatório”,
constarão apenas os elementos principais e das em “inteiro teor”, a
integralidade do registro.
Portanto, só é possível obter a certidão se existir o registro.
No Brasil os registros são públicos e na Itália são estatais. No Brasil,
conforme artigo 236 da Constituição Federal, regulamentado pela Lei
n.º8.935 de 18 de novembro de 1994 , a sua prestação é delegada a
particulares aprovados em concurso público, chamados Oficiais de Registro
Civil das Pessoas Naturais. Na Itália, a atribuição de Ufficiale dello Stato é
do Prefeito das Comuni ou de quem este indicar (veja o regulamento).
Nem sempre foi assim. Em ambos os países, a atribuição já foi da
Igreja Católica.

Localização dos registros no Brasil

No Brasil, o registro civil de nascimento e óbito em todo o país tornou-


se obrigatório pelo Decreto n.º9.886 de 07 de março de 1888, que também
determinou o registro de casamentos religiosos e entrou em vigor no dia 01
de janeiro de 1889 (Decreto n.º10.044). Aos 26 de junho de 1890, o Decreto
n.º 521 proibiu a celebração de casamento religioso não registrado no
“Cartório”.
Antes, houve um período de transição. O registro público foi
implantado pela Lei n.º 1829 de 09 de setembro de 1870, regulamentada
pelo Decreto n.º 5.604 de 25 de abril de 1874 e a partir de 1875 foram
instalados alguns “Cartórios” em grandes municípios e outros que já
existiam (Tabelionatos) passaram a praticar atos registrais.
Desta forma, as certidões dos nascimentos, óbitos e casamentos
religiosos ocorridos após 01 de janeiro de 1889 e as de casamentos civis a
partir de 26 de junho de 1980, em todo o Brasil, são obtidas no “Cartório”
de Registro Civil das Pessoas Naturais do local onde estes eventos
ocorreram. As posteriores a 1875 nos locais que já possuíam Cartório
devem ser solicitadas nestas repartições e, onde não existiam, na Paróquia.
As anteriores são obtidas na Paróquia.
Em relação aos não católicos, o Decreto n.º1.144 de 1861 deu efeito
civil aos casamentos, nascimentos e óbitos anteriores a ele, desde que
provados através de certidão do ato religioso, expedida pelo ministro ou
pastor de religião tolerada. O Decreto 3069 de 17 de abril de 1863, que
regulamentou o anterior, estabeleceu que as certidões dos casamentos
realizados após tal data fossem registradas na Câmara Municipal e
nascimentos e óbitos pelos Juízes de Paz. As certidões dos atos e fatos
ocorridos entre 11 de setembro de 1861 e 17 de abril de 1863 deveriam ser
registradas na Corte e Província do Rio de Janeiro ou em outras, nos prazos
definidos.
As certidões expedidas pelas Paróquias antes da obrigatoriedade do
registro civil têm valor jurídico.
O Ministério da Justiça do Brasil disponibiliza o endereço dos
“Cartórios” brasileiros.

Registro de nascimento tardio de pessoas falecidas

Quando o antepassado nasceu no Brasil após a obrigatoriedade do


registro civil, mas, por alguma circunstância, não teve o seu nascimento
registrado, ainda que já falecido, é possível requerê-lo tardiamente ao
“Cartório” do seu último domicílio ou judicialmente (Decisão da CGJSP).

Localização de registros na Itália


A compreensão sobre os registros italianos, especialmente os do
século XIX, exige que se conheça um pouco da sua história. A partir do ano
380 d.C., o cristianismo se tornou a religião oficial no Império romano.
Quando destruídos os registros imperiais, a prova da existência das pessoas
e do seu estado civil era feita com base nos documentos da Igreja Católica.
No Concílio de Trento, realizado entre 1545 e 1563, ficou definido
que a Igreja Católica registraria os casamentos, batismos e mortes. Assim
permaneceu até o início do século XIX, mais precisamente até 1806.
A partir de 1796, Napoleão Bonaparte conquistou grande parte da
península itálica. Em 1806 iniciou a implantação dos registros estatais
(especialmente no Norte), nos moldes estabelecidos pelo Código
Napoleônico de 1804 (título II, capítulo I). Depois, através do A.R.D. 29-X-
1808, n.º 198, estendeu-os para todas as regiões sob seu domínio. Com a
sua abdicação em 14 de abril de 1814, algumas regiões mantiveram este
formato de registro e outras devolveram a atribuição para a Igreja Católica.
Na maioria do Sul (Apúlia, Basilicata, Calábria e Campania), os
registros estatais, implantados por Napoleão, se iniciaram em 1809 e foram
mantidos até hoje, assim como aconteceu na Toscana e Abruzzo. Na Sicília,
os registros passaram a ser estatais em 1820. Nos Estados Pontifícios
(Lácio, Marche e Leste de Emilia Romagna) foram feitos de 1810 a 1814;
no Veneto de 1804 a 1814/1815; e em Piemonte de 1804 a 1814. Não
existiram na Sardenha e no Sul do Tirol. Os registros estatais são lavrados
pelo Ufficio di Stato Civile da Comune. Onde foram interrompidos ou onde
não existiram eram feitos pela Igreja Católica.
A implantação do registro civil na Itália unificada ocorreu em 1865,
através do Regio Decreto n.º2602 , que entrou em vigor em 01 de janeiro de
1866, devolvendo às Comuni a atribuição nos locais em que eram de
competência da Igreja Católica. Em Mantova e Veneto que estavam sob o
domínio austríaco, estes registros passaram a ser lavrados em 01 de
setembro de 1871.
Na prática, as certidões dos atos e fatos ocorridos em toda a Itália
antes de 1806 e as das regiões que devolveram-lhe esta atribuição, após a
que de Napoleão, devem ser buscadas na Igreja Católica da respectiva
Comune. Aqui, a relação das Paróquias. Para a localização dos atos e fatos
ocorridos de 1806 até 01 de setembro de 1871 é preciso saber a
competência para a lavratura na região, conforme explanação acima. Aqui,
a relação das Comuni.
As imagens dos registros civis de inúmeras Comuni estão
disponíveis na página do (MINISTERO PER I BENI E LE ATIVITA CULTURA E PER IL
TURISMO DI ITÁLIA s.d.). Localizado o registro, deve ser solicitada a certidão
ao Ufficio.
Além da atribuição, existe outra peculiaridade. A Itália passou por
diversas modificações geopolíticas que influenciam na localização dos
registros. Para que a busca seja bem-sucedida, além de saber de quem era a
atribuição no período (Ufficio di Stato ou Igreja), é importante que se saiba
se a Província de nascimento do antepassado sofreu algum
desmembramento ou aglutinação. Se sim, quando não se conhece a Comune
de nascimento, as buscas devem abranger todas as Comuni da antiga
Província e as da formada posteriormente.
Capítulo VIII
RETIFICAÇÃO DE REGISTRO

A retificação é o remédio jurídico utilizado para colocar registros


posteriores em conformidade com os anteriores, quando houver
divergências entre eles. Se a grafia constante do registro de nascimento
italiano do dante causa estiver diferente da dos registros brasileiros dos
descendentes, estes últimos devem ser retificados para evitar a recusa do
pedido do reconhecimento da cidadania. Não é necessária a inversão da
ordem entre prenome e sobrenome nos registros brasileiros, como consta
das certidões italianas.
O pedido de retificação pode ser endereçado ao Cartório onde o
registro está lavrado, nos casos em que os erros não exijam indagação para
a sua constatação imediata; quando tratar-se de mera imprecisão na
transposição dos elementos dos documentos que lhe deram origem; se
houver inexatidão na ordem cronológica do número, livro, folha, página ou
data do registro. Também pode ser incluída através de pedido
administrativo a indicação do nome do município onde ocorreu o
nascimento ou a naturalidade do registrado, se houver endereço e o nome
do Município no caso de elevação de Distrito por força de Lei.

O pedido deve ser judicial, quando os erros forem mais complexos e


exigirem uma análise mais apurada.
A retificação administrativa (no Cartório) está disciplinada no artigo
110 e a judicial no 109, ambos da Lei 6.015 de 31 de dezembro de 1973.
Capítulo IX
NOSSO PASSO A PASSO NA BUSCA PELA CIDADANIA
ITALIANA

Descrevemos aqui o nosso passo para o reconhecimento da nossa


cidadania italiana.
Há aproximadamente trinta anos começamos a trabalhar em
Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais do interior paulista. Ali,
muitos descendentes de italianos solicitavam certidões de seus antepassados
para fins de “cidadania”.
Com base nas informações destes usuários, concluímos que
tínhamos tal direito, uma vez que nossos avós paternos e bisavós maternos,
que não conhecemos, nasceram na Itália.
Resolvemos buscar o seu reconhecimento. Primeiro planejamos uma
sequência lógica das etapas a seguirmos. Como temos mais de um dante
causa, decidimos nos concentrar na busca dos documentos do nosso avô
paterno. Tínhamos poucas informações dos nossos ancestrais.

Museu de Imigração e Ministério da Justiça

Para começar a direcionar a busca do registro italiano, precisávamos


saber a grafia original ou a mais próxima dela possível, assim como a
provável data e local do nascimento de nosso avô. O seu provável nome
correto e o de seus pais, assim como o possível ano de nascimento de todos
(através da referência à idade), descobrimos no registro da Hospedaria do
Imigrante. Atualmente esta pesquisa pode ser feita online (MUSEU DE
IMIGRAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO s.d.). Quando o
desembarque ocorre em outro Estado, a pesquisa pode ser feita no
ARQUIVO NACIONAL.
Com o conhecimento do possível nome original, requeremos
certidão referente à naturalização à Secretaria Nacional de Justiça e
Cidadania, que hoje pode ser solicitada online. Se o dante causa se
naturalizou, o descendente não tem direito à cidadania italiana.
Localização da certidão de nascimento na Itália

Para complementar as informações necessárias à localização da certidão


na Itália faltava sabermos onde nosso avô nasceu. Esta informação não
consta nos documentos do Museu de Imigração. Sabíamos onde ele se
casou, então, requeremos a certidão da qual constou que sua naturalidade
como sendo Lecce.
No início do século XX, raramente era apresentado documento para
o casamento. Quando acontecia, encontra-se, ainda hoje, arquivado no
processo de habilitação. Pedimos ao Cartório esta pesquisa com resposta
negativa.
Um fato importante, que soubemos só depois de já termos a certidão
italiana, é que os imigrantes costumavam declarar como o local de
nascimento a Província e não a Comune. A Província corresponde ao
Estado e a Comune ao município.
Tentamos localizar a certidão enviando pedido de busca para a
Comune de Lecce e demais Comuni da Província. Como as respostas foram
negativas e ainda não tínhamos conhecimento de algumas peculiaridades,
contratamos ajuda especializada.
A certidão foi encontrada na Comune de Ginosa, que hoje pertence
à Provincia de Taranto, criada em 2 de setembro de 1923 por
desmembramento da Província de Lecce. Por isso não conseguíamos achar
o documento.
As disponibilizações das imagens do século XIX pelo Ministério da
Cultura é talvez a melhor ferramenta para localizar registros antigos em
Itália. Encontrada a imagem, basta, depois, solicitar a certidão ao Ufficio di
Stato Civile respectivo.

Necessidade de retificação dos nossos registros brasileiros

Devido a divergências gráficas, precisamos retificar os nossos e o


nascimento de nosso pai, o casamento de todos e o óbito de nosso pai e avô.
Fizemos o pedido judicial. É importante pedir também a retificação das
anotações e averbações lavradas à margem.
Nessas alturas já estávamos inscritos no Consulado, aguardando
agendamento. Recebida a convocação, solicitamos a expedição de todas as
certidões brasileiras em inteiro teor e providenciamos a sua tradução. O
tradutor precisa ser juramentado, o que corresponde a estar inscrito na Junta
Comercial. Aqui pode ser acessada a relação dos tradutores do Estado de
São Paulo (JUCESP). Atualmente, as certidões, antes de traduzidas,
precisam ser apostiladas. Este serviço pode ser feito pelo Cartório que as
expedir.

Apresentação dos documentos ao Consulado, transcrição


das certidões na Itália e expedição do passaporte

Apresentados os documentos no Consulado, depois de alguns


meses, fomos comunicados que o nosso direito tinha sido reconhecido, o
que se consolida com a transcrição das certidões brasileiras na Comune
onde está registrado o nascimento do dante causa.
Depois, é possível solicitar ao Consulado italiano a expedição do
passaporte da União Europeia.

Reescrevendo a história

De posse do passaporte europeu, interessamo-nos em conhecer a


história dos que nos permitiram obtê-lo. Durante meses consultamos
imagens de registros. A visualização nos permitiu saber, entre outros
elementos, a profissão e o endereço de seus participantes.
Começamos as pesquisas por Ginosa, Comune onde estamos
registrados. Esta localiza-se na Província de Taranto, região da Apúlia.
Além das consultas dos registros, lemos livros e matérias de jornais e
revistas que pudessem nos fornecer alguma informação. Soubemos muito
da história da Comune no livro “Ginosa, contrade, strade e piazze di um
paese antico,” de Dario Pedrosino.
Na sequência, passamos a pesquisar as imagens de Arce, Província
de Frosinone, região do Lácio (local de nascimento da nossa avó paterna).
Antes, esta Comune pertencia à Província de Caserta, local informado por
ela como sendo o do seu nascimento quando se casou. Frosinone tornou-se
Província por decreto de 6 de dezembro de 1926, absorvendo parte de
território do Lácio e da Campania.
Depois, pesquisamos as imagens das Comuni de Anguillara Veneta,
Província de Padova, região do Veneto (local do nascimento dos pais do
nosso avô paterno) e de Pasiano, Província de Podernone, região de Friuli
Venezia Giulia (onde nasceram os pais da nossa avó materna).
Os períodos em que as imagens estão disponíveis são variáveis,
conforme a região. As das Comuni da Província de Taranto – caso de
Ginosa – vão de 1809 a 1900; as de Arce de 1809 a 1866. Nestes locais
pudemos ver os registros dos nossos antepassados até a sétima geração.
Anguillara Veneta e Pasiano se localizam em regiões onde os registros civis
voltaram a ser feitos pela Igreja Católica a partir de 1815, depois da derrota
de Napoleão. Além disso, as imagens após 01 de setembro de 1871 (início
da obrigatoriedade do registro civil) ainda não estão disponíveis.
Durante as pesquisas, soubemos que um dos irmãos da nossa sexta
avó exercia a profissão de Notaro em Ginosa, que corresponde a Tabelião.
Uma de suas filhas casou-se no ano de 1817 com o filho do Notaro de outra
Comune. Este fato chamou-nos a atenção porque, além desta não ser uma
profissão comum, através de uma revista periódica italiana, já sabíamos que
outro nosso possível antepassado mais remoto foi Notaro em Calitri. O
curioso é que a grafia original do sobrenome do Notaro de Calibri era
exatamente igual à do nosso avô. Ocorre que, no início do século XVIII, ele
a retificou para a forma que seria a “errada”. Depois de tanto tempo, até
hoje se especula o motivo de ele ter tomado esta providência.
O autor do artigo levanta a hipótese de que ele poderia ter origem
“zingari”, o que não o agradaria (Nannariello 2017). Recentemente,
obtivemos informações que indicam que a forma correta do sobrenome
seria aquela para a qual o Notaro do século XVIII o retificou. Esta questão
ainda está em aberto.
Nas pesquisas de Arce, descobrimos que, ali, um antepassado nosso,
em linha reta, teria, no século XVIII, exercido a profissão de Giudice de
contrato. Estas coincidências parecem indicar que nossos ancestrais tinham
aptidão para profissões relacionadas a contratos.
No momento continuamos as buscas utilizando como fontes as
imagens dos registros, livros e artigos italianos e contatos com pessoas na
Itália e de diversos outros países.
Capítulo X
CONCLUSÃO
A busca pelo reconhecimento da nacionalidade italiana, ao colocar-
nos em contato com a nossa origem, nos leva a compreender um pouco
mais sobre a nossa própria história.
Hoje, com os recursos tecnológicos, muitos documentos antigos
podem ser localizados do conforto do lar. Um bom planejamento e um
passo a passo ordenado proporcionam economia de tempo e de dinheiro a
quem pretende ter formalizado o seu direito.
Para que a transmissão da cidadania ocorra, o antepassado que
nasceu na Itália não pode ter se naturalizado, ter morrido ou emigrado antes
de 17 de março de 1861 para a maior parte da Itália; 03 de outubro 1866
para a região do Veneto; e 16 de julho de 1920 para as regiões que
pertenceram ao Império Austro-húngaro.
A transmissão acontece de geração para geração. Se o italiano for o
trisavô, ele a passará para o bisavô e, assim, sucessivamente. Se houver
uma mulher nesta linha que tenha se casado com estrangeiro, o descendente
nascido antes de 01 de janeiro de 1948 precisa fazer o pedido ao Tribunal
Civil de Roma. Os descendentes das regiões que pertenciam ao Império
Austro-húngaro antes de 16 de julho de 1920 e não fizeram o pedido até 19
de dezembro de 2010 podem tentar obter uma decisão judicial favorável.
Os descendentes de italianos são italianos originários, independente
da sua vontade, já que nasceram com este direito. Lhes é facultado, no
entanto, fazerem uso das prerrogativas decorrentes dele. Os que nasceram
fora da Itália precisam solicitar o reconhecimento da nacionalidade.
Capítulo XI
SOBRE OS AUTORES

Os autores são profissionais do direito, atuam na área de registros


públicos, cargos que ocupam devido à aprovação em concurso de provas e
títulos realizados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Já
exerceram a função de Tabeliães.
Iniciaram-se na área há mais de trinta anos, como funcionários em
Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais de município do Estado
de São Paulo, cuja população, em sua maioria absoluta, é descendente
de europeus, especialmente de italianos.
A partir daí, passaram a ter contato, não só por razões profissionais
como também devido à identificação com os usuários, com o assunto
abordado nesta obra.
Para escrevê-la, conjuntamente, recorreram à experiência pessoal e
profissional sobre o tema e a conhecimentos acadêmicos não só na área
jurídica como na de geografia, esta última, responsável por estudar a terra e
sua ocupação pelo homem, fato este fundamental na existência do direito à
cidadania italiana.
REFERÊNCIAS
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Saraiva, 2004, p. 591-592.
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nascimentos e óbitos dos não católicos.
BRASIL. Lei 6.015 de 31 de dezembro de 1973. Disciplina os registros públicos.
BRASIL. Decreto nº 9.886 de 07 de março de 1888. Estabelece o registro civil.
BRASIL. Decreto nº 22 de setembro de 1888. Fixação da entrada em vigor do Regulamento
do Registro Civil.
BRASIL. Decreto nº 521 de 26 de junho de 1890. Proibição de celebração de casamento
religioso sem casamento civil.
BRASIL. Lei nº 8.935 de 18 de novembro de 1994. Regulamente o artigo 236 da
Constituição Federal.
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http://www.treccani.it/enciclopedia/cittadinanza/. Acesso em: 17 dez. 2019.

[1] Sobre a vagueza da noção de cidadania e seu relacionamento com a ideia de nacionalidade,
vidē, por muitos, Mazzuoli (2012, p. 680-683) e Coste (1964, p. 245-246).

[2] Art. 15 da Declaração da ONU: “1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém
será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.”

[3] Art. 20 do Pacto de São José da Costa Rica: “Direito à nacionalidade. 1. Toda pessoa tem
direito a uma nacionalidade. 2. Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território
houver nascido, se não tiver direito a outra. 3. A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua
nacionalidade, nem do direito de mudá-la.”

[4] Vínculo jurídico-político, diz Mazzuoli, porque “a nacionalidade, em si, não constitui mero
vínculo jurídico, pois pode o indivíduo ser nacional e um país e estar sujeito, juridicamente, à
legislação de outro, como a lex domicilii ou a lei do centro vital dos seus interesses” (o.c., p. 676).

[5] Há quem sustente ser própria a extensão da nacionalidade às pessoas jurídicas (por exemplo,
Coste, o.c., p. 247).

[6] Confira-se, neste sentido, brevitatis causa, o conceito de nacionalidade emitido por Marcelo
Varella, in Direito internacional público (3.ed.; São Paulo: Saraiva, 2011, p. 176). Em rigor, não
destoa deste entendimento, por exemplo, a lição de Hildebrando Accioly, ainda que assente ele o
conceito nas pessoas dos nacionais (a quem reporta a faculdade de escolher o estado a que ligar-se),
porque remata: “Incumbe, sem dúvida, ao direito interno da cada Estado a fixação das regras
relativas à sua nacionalidade” (Direito internacional público; São Paulo: Saraiva, 1948, p. 156-7).
Na mesma linha de Accioly, cf. Faro Júnior, Luiz (Direito internacional público. 4.ed., Rio de
Janeiro: Borsoi, 1965, p. 167) e Belfort De Mattos, José Dalmo F. (Manual de direito internacional
público; Sãpo Paulo: Educ -Saraiva, 1979, p. 145-6). Lê-se em Michael Akehurst que o perdimento
dos pilares iusnaturais, com o predomínio do positivismo a partir do século XIX, acarretou que se
passasse a considerar “os estados como únicos sujeitos de Direito Internacional” (Introdução ao
direito internacional, trad. portuguesa; Coimbra: Almedina, 1985, p. 90).

[7] Nada obstante a prevalência da vontade soberana do estado, cabem reconhecer, ao menos
numa esfera de normalidade política, as restrições impostas pelo direito internacional e a inclinação
correntia em benefício da voluntariedade das naturalizações, em que pese às hipóteses frequentes de
naturalizações ope legis, como consequentes de mudanças no status civil das pessoas (p.ex., adoção,
reconhecimento de paternidade, casamento); vidē Brownlie, Ian, Princípios de direito internacional
público (trad. portuguesa; 4.ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 413 et sqq.).

[8] Assim, Francisco Rezek reporta-se ao princípio da efetividade da “existência de laços sociais
consistentes entre o indivíduo e o Estado” (Direito internacional público; 12.ed., São Paulo: Saraiva,
2010, p. 186).
[9] CATURELLI, Alberto. La Patria y el orden temporal. Buenos Aires: Gladius, 1993, p. 134.

[10] GALVÃO DE SOUSA, José Pedro; LEMA GARCIA, Clovis; TEIXEIRA DE CARVALHO,
José Fraga. Dicionário de política. São Paulo: T.A. Queiroz, 1998, p. 408-9.
[11] SÁENZ, Alfredo. Siete virtudes olvidadas. Buenos Aires: Gladius, 1988, p. 400.

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