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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Unidade II
MÓDULO 5

Texto I - O novo povo

O povo brasileiro, segundo Ribeiro (1995), é novo, porque há uma etnia nacional, mestiça, diferente de
nossas matrizes formadoras. Formando uma nova cultura a partir de várias. É um povo novo, porque se vê
e é visto pelos outros como gente nova, diferente dos que existiam. Novo, porque é uma nova forma de
organização da estrutura da sociedade, já que inaugura uma forma particular de organização, tanto social
como econômica, a partir da restauração do escravismo e da prática de servidão contínua ao mercado
mundial. Novo, até mesmo, pela incrível alegria e inacreditável vontade de ser feliz. Mesmo passando por
tantas necessidades e sofrimentos, tem coragem e capacidade de se emocionar. E, ao mesmo tempo, velho,
porque continua a ser o proletariado das nações estrangeiras, gerando lucro na produção de bens para o
mercado mundial, a partir da deterioração e do sacrifício dos habitantes do nosso país.

Dessa forma, inegavelmente encontramos na formação do povo brasileiro um intenso processo


de aculturação. Os portugueses que aqui vieram se esforçaram para trazer e implantar no território
brasileiro o modo de funcionamento tradicional da Europa, negligenciando em muito a cultura dos
povos indígenas e dos negros africanos neste processo. A formação da sociedade se deu a partir da
formação e estruturação de uma colônia de exploração, com uma economia voltada para o mercado
externo e com base ampla na propriedade de mão de obra escrava.

O nosso povo, segundo Ribeiro (1995), é conformista e isso é resultado do comportamento aprendido
da tradição civilizatória europeia ocidental. Porém, ao mesmo tempo, é diferente, devido aos traços
herdados dos negros africanos e índios americanos. É assim que nasce o Brasil, um mutante, com
características próprias, porém, ligado geneticamente à nossa origem portuguesa.

A força da identidade étnica dos povos que formaram o Brasil fez com que sobrevivessem muitas
tradições, valores, princípios e cultos. Destes nasceram muitas das manifestações culturais que
conhecemos, amplamente marcadas pela fusão cultural e pela riqueza de tradições das matrizes culturais
que formaram o nosso povo e foram sendo adaptadas às regiões e suas estruturas econômicas.

Quando pensamos nesta grande diversidade de culturas e etnias que está na base da formação do
povo brasileiro, algo que pode espantar em um primeiro momento é o fato de que, em toda vastidão deste
território e da própria constituição do povo ao longo dos séculos, pouquíssimos conflitos interétnicos
aconteceram no Brasil. Não vemos, por exemplo, grandes levantes de grupos e minorias étnicas isoladas
na tentativa de estabelecer ou manter fronteiras étnicas claras e intransponíveis ao processo de
intercâmbio e miscigenação cultural. Em vez de vermos uma sociedade e uma cultura dilaceradas por
esse conflito, vemos nascer um povo que procura viver em paz, com sua origem multiétnica, sem que
nenhum destes grupos étnicos menores se sobressaia em busca do controle sociopolítico do país.

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A diferença do povo brasileiro em relação aos portugueses está nas nossas qualidades recebidas dos
indígenas e dos africanos, da sua unificação, das condições geográficas que enfrentaram em nossa terra
e da condição de produção que foi colocada. Porém, Ribeiro (1995) sugere que não devemos pensar que
essa unidade étnica significa uniformidade, pois não somos iguais. Isso porque tivemos a influência de três
forças diferentes: a ecológica, a econômica e a imigração. A ecológica levou a paisagens de pessoas distintas,
segundo as condições ambientais em que viviam. A econômica acabou por criar formas diferenciadas de
produção, bem como a mão de obra especializada, o processo de industrialização e urbanização do Brasil
que foi longo e se realizou mais tardiamente do que em outras nações. É nesse momento que veremos a
chegada dos imigrantes em nosso país – especialmente europeus, árabes e japoneses.

Porém, pelo fato do Brasil já estar formado, estes foram abrasileirados e absorvidos, muito mais do
que eles conseguiram “estrangeirar” os brasileiros que aqui existiam.

Texto II - Identidade

Na maioria das vezes, as pessoas, ao falarem de nossa história, não se lembram da nossas origens
indígena e africana, porque acabam assumindo a identidade veiculada à ideologia dominante, isto é, a
matriz portuguesa, da qual herdamos a língua, que marcou de sobremaneira a nossa cultura, e da qual nos
orgulhamos. Porém, temos de conhecer e reconhecer a contribuição dos povos indígenas e das diferentes
culturas africanas, que também formaram nossa forma de ser, e aprendermos a ter orgulho dessa herança.

A compreensão da alteridade é dependente do olhar que daremos ao “outro”, pois depende da


forma como cada um analisa as relações sociais, como percebem a estrutura de classe, a relação da
etnia com as demais dimensões das relações de trabalho tanto no período colonial como no modo de
produção capitalista.

Identidade é um conceito muito utilizado em Antropologia. Porém, não estamos falando daquele
documento chamado RG, nem dos traços marcantes da personalidade de uma pessoa.

Identidade, aqui, significa um conceito que é interligado a outros, como grupo social e cultura. A
identidade dos sujeitos se forma a partir das condições históricas e culturais em que vivem – condições
que não escolheram, pois, ao nascer, tudo já estava pronto, então se deparam com um grupo familiar e
social, com uma língua usada por todos e com um conjunto de regras, hábitos e tradições utilizadas. A
sociedade e a cultura delimitam a nossa vida. Porém, chega um momento da vida em que a pessoa tem
a possibilidade de negociar e alterar essas limitações, já que a cultura é dinâmica. Assim, a constituição
das identidades é vista como processos de identificação: no cotidiano, há situações em que precisamos
tomar decisões e escolhas quanto à conduta que vamos ter e os valores que nos cercam, tanto no plano
pessoal quanto no social. “Nós e os outros, os semelhantes e os diferentes: as noções que construímos
socialmente de igualdade e diferença são a moeda do jogo de construção das identidades” (KEMP, 2003,
p. 66). É a cultura que nos dá o referencial para desenvolver os papéis sociais.

A Antropologia Cultural busca conhecer “o incessante movimento de diálogo entre os símbolos que
fazem parte da cultura dos diferentes sujeitos” (KEMP, 2003, p. 66). Assim sendo, podemos pensar sobre
as várias identidades que utilizamos para cada situação social, levando em consideração os fatores
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que interferem nesse processo: a idade, a participação nos grupos, a atuação de papéis socialmente
reconhecidos. Por exemplo: hippie, rapper, homossexual, careca, compatriota, estrangeiro, negro, oriental,
índio. A rotulação social faz parte da forma de categorizar as identidades culturais na nossa sociedade.

São esses os fatores que fundamentam a identidade que cada sujeito se atribui e a que os outros
reconhecem nas pessoas. Por isso, podemos possuir várias identidades como: nacional, regional, de
classe, de grupo, de profissional, de gênero (feminino/masculino), etc.

O brasileiro tem um fanatismo por sua identidade e por seu país, como podemos notar nas palavras
de Ribeiro (1995, p. 243-244):

Pude sentir, no exílio, como é difícil para um brasileiro viver fora do Brasil.
Nosso país tem tanta seiva de singularidade que torna extremamente difícil
aceitar e desfrutar do convívio com outros povos. O prefeito de Natal morreu
em Montevidéu de pura tristeza. Nunca quis aprender espanhol, nem o
suficiente para comprar uma caixa de fósforos. Alguns se suicidaram e todos
sofreram demais. Basta ver uma reunião de brasileiros, do meio milhão que
estamos exportando como trabalhadores, para sentir o fanatismo com que
se apegam à sua identidade de brasileiro e o rechaço a qualquer ideia de
deixar-se ficar lá fora.

Segundo Alves e Barros (2007), no caso do Brasil, já que houve um período referente a um
processo de colonização, a questão da etnia se tornou um adjetivo que acaba por dar significado a
nossa identidade, como por exemplo: “trabalhadores negros”, “índios”, “operários italianos”, “alemães”,
“imigrantes brancos”. Essas etnias se tornam adjetivo e acaba dando à identidade de trabalhador uma
singularidade, de forma que passam a ser reproduzidas nas relações sociais de trabalho.

Nesse sentido, o discurso aqui tem o intuito de levá-lo a perceber que as desigualdades sociais são
históricas e que a naturalização da pobreza passa por uma falta de postura crítica quanto à vida desses
pobres, dos seus direitos como cidadão brasileiro.

Já que a constituição de identidades é decorrente do jogo simbólico, como a forma de apreensão do


mundo, preste atenção na explicação de Kênia Kemp (2003, p. 83):

Manipulamos socialmente nossa identidade, e também a dos outros,


para demarcar lugares. Numa sociedade com uma hierarquia complexa
como a nossa, as categorias sociais movem-se o tempo todo – em certos
contextos, nossa identidade nos faz ser respeitados e, em outros, sofremos
preconceito. A partir disso, elegemos os que consideramos diferentes
simbolicamente, porém iguais em direitos e posição social e aqueles que
consideramos iguais simbolicamente, porém desiguais na posição que
ocupam em relação à nossa.

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Exercício resolvido:

Um dos conceitos estudados foi o de aculturação (apresentado no capítulo 1). Inegavelmente,


encontramos na formação do povo brasileiro um intenso processo de aculturação. Isso é possível de
ser afirmado por quê?

Escolha a alternativa correta:

a) Porque o povo brasileiro foi formado por várias etnias.

b) Porque o povo brasileiro foi formado por meio da junção de três etnias: a indígena, a africana e a
espanhola.

c) Porque o povo brasileiro foi formado por meio da junção de três etnias: a indígena, a africana e a
portuguesa.

d) Porque o povo brasileiro foi formado por meio da junção de quatro etnias: a indígena, a africana,
a portuguesa e a espanhola.

e) Não ocorreu o processo de aculturação com o povo brasileiro.

Resposta correta: C

Justificativa: O povo brasileiro, segundo Ribeiro (1995) é novo porque há uma etnia nacional, mestiça,
diferente de nossas matrizes formadoras: indígena, africana e portuguesa. Formando uma nova cultura
a partir destas três. É um povo novo porque se vê e é visto pelos outros como gente nova, diferente
dos que existiam. Novo, porque é uma nova forma de organização da estrutura da sociedade, já que
inaugura uma forma particular de organização, tanto social como econômica, a partir da restauração
do escravismo e da prática de servidão contínua ao mercado mundial. Novo, até mesmo, pela incrível
alegria e inacreditável vontade de ser feliz. Mesmo passando por tantas necessidades e sofrimentos, tem
coragem e capacidade de se emocionar. E ao mesmo tempo, velho, porque continua a ser o proletariado
das nações estrangeiras, gerando lucro na produção de bens para o mercado mundial, a partir da
deterioração e do sacrifício dos habitantes do nosso país.

MÓDULO 6

Texto I - Diversidade cultural

Quando se fala da origem do povo brasileiro, só se lembra da matriz portuguesa, desprezando nossa
origem indígena e africana. Atualmente há variadas visões quanto ao ser índio na contemporaneidade.

A primeira, uma visão antiga e romântica, desde a colonização, na qual veem o índio como aquele
ligado à natureza, como o protetor da natureza, ingênuo e o incapaz de perceber a realidade de nossa
sociedade. Sendo necessário existir uma relação tutelar entre o índio e o Estado, fundamentada pelas
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políticas indigenistas, por meio do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e, hoje, pela Fundação Nacional
do Índio (FUNAI). Sendo observado como vítima e coitado que precisa de alguém para protegê-lo. A
segunda, a visão do índio enquanto cruel, bárbaro, canibal, selvagem, denominando enquanto negativo.
Utilizada também desde a chegada dos colonizadores até hoje, enquanto perspectiva dos grupos de
interesse econômico, que busca a sua extinção desses para utilizar suas terras e retirar os recursos
naturais existentes, sendo vistos como empecilhos ao desenvolvimento econômico do país. Resultando
em perseguição e violência contra os povos indígenas. A terceira visão, a da cidadania, que passou a ter
maior desenvolvimento nos últimos vinte anos, nos anos 80, com a com a Constituição de 1988. Nesta
visão, os índios são sujeitos de direitos, são cidadãos (LUCIANO, 2006).

Veja o significado de ser cidadão na citação abaixo:

Não se trata de cidadania comum, única e genérica, mas daquela que se


baseia em direitos específicos, resultando em uma cidadania diferenciada,
ou melhor, plural. Aqui os povos indígenas ganharam o direito de continuar
perpetuando seus modos próprios de vida, suas culturas, suas civilizações,
seus valores, garantindo igualmente o direito de acesso a outras culturas,
às tecnologias e aos valores do mundo como um todo. Direitos específicos
e cidadania plural indicam teoricamente que os povos indígenas têm
um tratamento jurídico diferenciado. Por exemplo, é concedido a eles o
direito de terra coletiva suficiente para a sua reprodução física, cultural e
espiritual, e de educação escolar diferenciada baseada nos seus próprios
processos de ensino-aprendizagem e produção, reprodução e distribuição
de conhecimentos (LUCIANO, 2006, p. 36).

Historicamente, podemos ver a valorização da origem portuguesa e desprezo pela indígena e


africana sendo construídas por meio de nossas produções artísticas. Por exemplo, na visão de José de
Alencar, o qual defendia que a liberdade dos escravos deveria ser aos poucos, pois precisavam aprender
a ser civilizados, alertava sobre os prejuízos que isso traria à economia, intimidando o Imperador, e
partilhando das ideias conservadoras da elite. Em sua literatura, utilizava o mito do bom selvagem.

Essa atitude era comum, pois acreditavam na inferioridade dos escravos, por meio das teorias do
determinismo biológico, como do evolucionismo social, em voga no século XIX, descartando o africano
na formação do povo brasileiro. Segundo essa visão, somente os brancos e índios formaria nosso povo.
Encarando o português como o desbravador, o destemido, o conquistador e o índio como pacífico,
passivo para receber a civilização do europeu (REIS, 2012).

No pensar de Yago Euzébio Bueno de Paiva Junho (2012), o Romantismo – do qual José de Alencar
fez parte –, foi um movimento literário que veio marcado com a dependência política e econômica de
Portugal. Os escritores colocavam o índio como o principal personagem de nossa história, sendo esses
nossos verdadeiros antepassados. Por exemplo, a obra Iracema, de José de Alencar.

Mudando as letras de Iracema, temos América. Ou seja, os índios


representavam a verdadeira América. Muitas pessoas de posses contratavam
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serviços de pesquisadores para fazer as suas árvores genealógicas para


descobrir algum antepassado indígena. Quando descobriam, mudavam o
seu sobrenome. O Romantismo, então, pode ser considerado o segundo
movimento nacionalista brasileiro. O primeiro foi a Guerra de Guararapes,
onde negros, índios e portugueses lutaram juntos para a expulsão dos
holandeses do Brasil. O Romantismo instaurou a ideia de nação entre nós
(PAIVA JUNHO, 2012).

Contrariamente ao Romantismo, tivemos a Semana da Arte Moderna, em 1922, chamado de


movimento modernista, com o objetivo de propor renovação cultural no Brasil, propondo uma nova
maneira de ver a realidade social brasileira, buscando incorporar a cultura indígena e africana, deixando
de nos envergonhar de nossa miscigenação; também mostrando que em nossas matas há curupira e não
duendes; incorporando o verso livre, com seus erros; buscando em todo território elementos de nossa
cultura para suas criações.

Em nossas matas não existe duendes e, sim, o curupira. Instaurou o verso


livre, a incorporação milionária de todos os erros. Como Manuel Bandeira
vai dizer, a língua errada do povo, a língua certa do povo. Os modernistas
viajaram pelo Brasil em busca de elementos culturais para servir de matéria-
prima de suas composições. Por exemplo, peguemos o livro na Pancada do
Ganzá, de Mário de Andrade. Essa obra é fruto de uma viagem que o escritor
fez a Natal, Rio Grande do Norte, hóspede de Luís da Câmara Cascudo, o
maior folclorista brasileiro, para estudar os cantadores de coco. Raul Bopp,
um viajante contumaz, usou e abusou, no bom sentido, de tudo o que viu
e ouviu nos vários lugares onde esteve. Cobra Norato nada mais é do que a
descoberta do interior do Brasil. (PAIVA JUNHO, 2012)

O movimento modernista mudou a nossa maneira de ver o nosso país. Aprendendo a valorizar a
nossa origem indígena e africana. O povo brasileiro. Os mais importantes pintores, ensaístas, escritores
e músicos do Brasil surgiram a partir desse movimento, como: “Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di
Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro, Graça Aranha, Raul Bopp, Oswald de Andrade, Mário de Andrade,
Manuel Bandeira, Menotti Del Picchia, Cândido Mota Filho, Ronald de Carvalho Villa-Lobos, entre outros”
(PAIVA JUNHO, 2012).

Também influenciou os movimentos culturais, na segunda metade do século XX, como, o Cinema
Novo, de Glauber Rocha e o Tropicalismo.

Perceba na nossa história os interesses de classe. A nossa sociedade é dividida em classes sociais e,
no alto da hierarquia, temos dois tipos que, apesar de serem conflitantes, se complementam.

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Observação

Classe social tornou-se senso comum em nossa sociedade, falamos


de classe social na economia, na cultura, na educação, em todas as áreas.
Pesquisas de mercado classificam as classes, porém, muitas vezes, não se
sabe o significado, mas podemos ver o conceito ser delineado segundo o
pensamento de Karl Marx, o qual considera que as classes são determinadas
na história e é produto da sociedade, pois, com a Revolução Industrial, a
sociedade será dividida em aqueles que detêm os meios de produção (terra,
máquinas, dinheiro, ferramentas, etc.), ou seja, os proprietários, a classe
capitalista ou classe burguesa, e de outro, aqueles que só possuem a sua
força de trabalho para continuar a viver (trabalhador assalariado), isto é, o
proletariado, classe dos trabalhadores.

Na análise de Darcy Ribeiro (1995), são estes: o poder do patronato de empresários advém da riqueza
que conseguem angariar a partir da exploração econômica; e o patriciado, cujo poder se deve aos cargos
que ocupam, por exemplo, os generais, deputados, bispos, líderes sindicais e outros. Consequentemente,
quem é rico quer ser patrão e, sendo, quer ter o poder de mando, podendo determinar a vida dos outros.

Durante as últimas décadas, outro segmento se expandiu no alto dessa hierarquia: os que gerenciam
as empresas estrangeiras. Segundo Ribeiro (1995), eles são os que controlam os meios de comunicação (a
mídia), deixando o povo conformado com a sua situação de miséria. Além disso, elegem políticos em todas
as esferas, seja a municipal, a estadual ou a federal, tendo poder para mandar da maneira que quiser.

Abaixo da cúpula, temos as classes intermediárias, os oficiais, profissionais autônomos, policiais,


professores, religiosos (padres). Estes são os que prestam obediência às classes dominantes, com a
intenção de receber alguma coisa em troca. É desta classe, sobretudo, entre os religiosos e os poucos
intelectuais, que advém os tipos mais subversivos, que atuam contra a ordem vigente.

As classes subalternas são formadas pela aristocracia operária, aqueles que possuem empregos
constantes, os especialistas, e também pelos “pequenos proprietários, arrendatários, gerentes de grandes
propriedades rurais etc”. (RIBEIRO, 1995, p. 209).

Abaixo de todas essas classes está a grande massa dos brasileiros, classes oprimidas dos chamados
marginais, especialmente os negros e mulatos, moradores das favelas e das periferias das cidades.

São os enxadeiros, os boias-frias, os empregados na limpeza, as empregadas


domésticas, as pequenas prostitutas, quase todos analfabetos e incapazes
de organizar-se para reivindicar. Seu desígnio histórico é entrar no sistema,
o que sendo impraticável, os situa na condição da classe intrinsecamente
oprimida, cuja luta terá de ser a de romper com a estrutura de classes.
Desfazer a sociedade para refazê-la (RIBEIRO, 1995, p. 209).
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Texto II - Estratificação social

É nessa hierarquia de classes que se estrutura e organiza a sociedade brasileira, na qual, segundo Ribeiro
(1995), os dominantes estão no comando natural, sendo o seu corpo dirigente as classes intermediárias;
e seus executores, as classes subalternas, sendo a maioria da sociedade pertencente às classes oprimidas,
resignadas em sua miséria e incapazes de organizar-se e confrontar os donos do poder. Assim, a classe
dominante é formada por um pequeno número de pessoas e tem o poder sobre a sociedade devido ao
apoio das outras classes. Os que estão na classe intermediária são os que mantêm a ordem social. As
subalternas são formadas por aqueles que estão na vida social, já que trabalham no sistema produtivo e
são os consumidores, sindicalizados, tendo como visão defender o que possuem e ganhar mais, muito mais
do que lutar para transformar a sociedade. Por último, temos as classes oprimidas, os excluídos da vida
social, que lutam para entrar no sistema produtivo pelo acesso ao trabalho.

Segundo Ribeiro (1995, p. 211) é justamente a esses despossuídos “que cabe o papel de renovador
da sociedade como combatente da causa de todos os outros explorados e oprimidos”. Já que a única
forma de pertencer à vida social é acabando com essa estrutura de classes, pois antes eram os escravos
e agora são os subassalariados.

Veja o quadro abaixo da composição das classes sociais:

Quadro 1 – Estratificação social brasileira.

PATRONATO: oligárquico – senhorial, parasitário; Moderno – empresarial, contratista.

Classes dominantes Estamento gerencial estrangeiro


PATRICIADO: estatal – político, militar, tecnocrático; civil – eminências, lideranças,
celebridades.
AUTÔNOMOS: profissionais liberais, pequenos empresários.
Setores Intermediários
DEPENDENTES: funcionários, empregados.
CAMPESINATO: assalariados rurais, parceiros, minifundistas.
Classes subalternas
OPERARIADO: fabril, serviços.

Classes oprimidas MARGINAIS: trabalhadores estacionais, recoletores, volantes, empregados domésticos,


biscateiros – delinquentes, prostitutas – mendigos.

Fonte: Darcy Ribeiro (1995)

No Brasil, as classes sociais estão separadas pela distância econômica, social, bem como, pela cultura.
O que caracteriza o rico é o vigor físico, vida longa, beleza, conhecimento e hábitos refinados como
resultados de sua riqueza. Em vez disso, o pobre, a doença, vida curta, envelhecimento, saber do senso
comum, e hábitos arcaicos resultado de sua vida de miséria.

Quando uma pessoa consegue a mobilidade social ingressando em outra classe e nessa permanece,
nas duas próximas gerações, pode se perceber a mudança: “(...) crescerem em estatura, se embelezarem, se
refinarem, se educarem, acabando por confundir-se com o patriciado tradicional”. (RIBEIRO, 1995, p. 211)

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Segundo Ribeiro (1995), a estratificação social (divisão da sociedade em camadas sociais), criada
historicamente se caracteriza pela racionalidade que resulta da sua montagem, já que os privilegiados
são os donos da vida e os demais são utilizados para o seu enriquecimento, sendo subjugados, tendo
apenas o direito de comer para trabalhar e o de fazer filhos para repor a mão de obra. Isso, para o autor,
ocorre devido ao fato de o patrão brasileiro ter sido formado a partir de relações sociais da escravatura,
do qual tirava do escravo o maior proveito possível. Assim, quando o escravo é substituído pelo parceiro,
depois pelo assalariado agrícola, os valores que irão persistir nas relações com seus empregados são as
mesmas que tinha com o escravo, valores desumanos.

Consequentemente, nas vilas em volta das fazendas, haverá uma população de velhos desgastados
no trabalho, com crianças para cuidarem. Aqueles com idade ativa ficam fora, são os boias-frias, as
empregadas domésticas, as prostitutas, etc.

Nas cidades, a situação é pior, algumas pessoas tentam sair da pobreza e outras se integram cada vez
mais nela. Ou, então, o caminho é a marginalidade.

Ribeiro (1995) fez uma pesquisa sobre as condições de vida das camadas urbanas e rurais do
Brasil e chegou à seguinte conclusão: as classes sociais brasileiras não podem ser representadas por
um triângulo, com um nível superior, um núcleo e uma base. Elas configuram um losango, com um
ápice finíssimo, de pouquíssimas pessoas, e um pescoço, que vai alargando daqueles que se integram
no sistema econômico como trabalhadores regulares e como consumidores. Tudo isso como um funil
invertido, onde está a maior parte da população, marginalizada da economia e da sociedade, que não
consegue empregos regulares nem ganhar o salário mínimo.

Para Ribeiro (1995), é possível uma pessoa melhorar de situação economicamente simplesmente
mudando de região, devido à nossa diversidade regional.

A classe dominante tem um papel de explorador sobre as demais classes sociais, sua conduta é
fundamentada em dois estilos contrários. Um, pela cordialidade com os que fazem parte da mesma
classe que eles; outro, com descaso por aqueles que são de outras classes, os que são inferiores. A mesma
pessoa representa dois papéis, gentil com seus convidados e senhor com seus subordinados.

A dignidade pessoal, para Darcy Ribeiro (1995), na condição de exploração, é preservada por atitudes
cautelosas para não cair em desentendimento, pois se isso ocorrer, a pessoa de uma classe que não
é a dominante pode perder o trabalho e acabar no banditismo. Porém, o contexto social os leva à
acomodação e não à rebeldia.

Isso vai caracterizar a base econômica brasileira até os dias de hoje, tendo suas marcar bem claras,
já que a economia tem ainda seu foco na produção voltada para exportação, com a exploração da mão
de obra de seu povo.

Uma das mais importantes influências do contexto econômico acima descrito ocorreu com o
descompromisso em relação à educação.

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Unidade II

Primeiro, causando uma ruptura, pois trouxeram o padrão de educação da Europa, sendo que os
indígenas possuíam seu próprio método. Segundo, que desde o início da colonização portuguesa, as
principais atividades voltadas para a educação ficaram principalmente sob a responsabilidade dos
padres jesuítas, que além de moral, costumes e religiosidade europeia também trouxeram os seus
métodos pedagógicos.

Método utilizado durante 210 anos, de 1549 a 1759, quando uma outra ruptura ocorreu com a
expulsão dos jesuítas por Marquês de Pombal, ministro do rei português. Destruindo a estrutura existente
e implantando caos. Tentou as Escolas Régias, mas o caos continuou até a vinda da Família Real ao
nosso país, fugidos de Napoleão que invadiu suas terras.

Os jesuítas foram expulsos porque se preocupavam com o proselitismo (converter o povo ao


catolicismo) e o noviciado (preparação religiosa antes do voto). Enquanto que Pombal queria reerguer
Portugal da decadência que se encontrava perante as outras potências europeias. Assim, os ensinamentos
dos jesuítas não respondiam aos interesses comerciais de Portugal. Dessa forma, “Pombal pensou em
organizar a escola para servir aos interesses do Estado” (BELLO, 2001).

Pombal criou as Escolas Régias com latim, retórica e grego, sendo que cada escola era autônoma
e isolada, com um único professor. Logo, a metrópole percebeu que a educação aqui não estava
desenvolvendo-se. A solução encontrada foi o “subsídio literário”, um imposto para manutenção do
ensino primário e médio. Além de ser escasso, esse não era cobrado com regularidade e os professores
ficavam sem receber seu salário e esperavam uma solução de Portugal. Tudo resultou que no início do
século XIX, a educação estava reduzida a nada.

No período colonial os que queriam concluir seus estudos iam para fora do país “como, por
exemplo, estudar Direito na Universidade de Coimbra ou Medicina na Montpellier na França, tais
cursos eram destinados unicamente às elites. Assim, quem estudava fora do país durante esse período
era o filho do Barão, dos grandes proprietários de terras da colônia; o índio e o negro não tinham
privilégios” (CABRAL; PENA, 2010).

Como eram os escravos quem fazia o trabalho pesado, não havia, segundo os colonizadores, motivo
para que esses fossem qualificados, “posto que, estes nasceram sem alma, por isso sua função era
simplesmente trabalhar e nada mais” (CABRAL; PENA, 2010).

A consequência dessa forma de pensar, etnocêntrica, preconceituosa, foi econômica, política e social
para as futuras gerações desses escravizados, que formaram os proletários explorados de nosso país.

O primogênito do colonizador era aquele que com conhecimento tomava conta dos negócios da
família, enquanto os demais descendentes acabavam na vida sacerdotal ou intelectual. Essa cultura só
para os privilegiados causará danos à cultura brasileira, pois somente os homens faziam parte desse
processo educacional, preparando a mulher apenas para o casamento, para cuidar do lar, fomentando
uma cultura machista para nossa sociedade.

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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

A Família Real veio para o Brasil em 1808, e com ela uma nova ruptura. D. João VI abriu academias
militares, escolas de direito e medicina, criou a biblioteca real, o jardim botânico e a imprensa régia. A
imprensa permitiu a divulgação de informações ao meio letrado, porém, a educação ainda continuou
em plano secundário.

D. Pedro I, em 1822, proclama a Independência do Brasil e, em 1824, temos a primeira Constituição


que diz que a instrução primária seria garantida a todos os cidadãos (BELLO, 2001).

Quadro 2 – Mudanças realizadas na educação no período imperial (1822-1888)

Para suprir a falta de professores, instaura-se o método Lancaster, no qual um aluno é treinado e
1823 esse ensina a um grupo de 10 alunos, com a vigilância de um inspetor.
1824 A instrução primária é garantida a todos pela constituição.
1826 Criação dos quatro graus de instrução: Pedagogias, Liceus, Ginásios e Academias.
1827 Criação de pedagogias em todas as cidades e vilas, com exame de seleção aos professores.
A Constituição passa para as províncias a responsabilidade de administrar o ensino primário e
1834 secundário.
1835 Surge a primeira Escola Normal, em Niterói.
É criado o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, com o objetivo de se tornar um modelo pedagógico
1837 para o curso secundário.

Fonte: Bello (2001)

Segundo Cristina Costa (2005), é a partir do século XVIII, por causa da mineração, que houve
transformações sociais. Minas Gerais passa pela urbanização, contando com atividades comerciais e
para exportação, mudando a organização social colonial, passando a ser dividida por dois grupos: os
donos de terra e administradores, e os escravos. Novas profissões começam a surgir: comerciantes,
criadores de animais, artífices, funcionários administrativos para controlar a mineração e a exportação.
Nesse momento, a população livre é maior do que a escrava e essa camada intermediária precisa de uma
cultura que seja diferente da do escravo inculto e dedicado ao trabalho braçal. Será essa camada, as dos
homens livres e sem propriedade, que irá consumir a erudição e a cultura europeia, o conhecimento
como forma de ostentação.

Quanto à produção intelectual, Cristina Costa (2005) conta que se destinavam a descrever a colônia
a partir de estudos naturalistas, com o nome de História Natural, e passaram a recrutar da classe
intermediária intelectuais que estivessem dispostos a servir ao rei e às classes dominantes. Continuava
a ser uma produção alienada, ditada pelos europeus, com o objetivo de organizar o saber descritivo,
funcional e de ostentação. Havia um grupo que possuía conhecimento jurídico e descritivo, mas
sem pensamento crítico. Era uma formação filosófica e humanística desempenhada por professores,
jornalistas e funcionários públicos que eram dependentes da corte e dos donos de terras.

Como consequência, quase que direta da forma de exploração econômica, ocorreu a formação de
uma sociedade rural, patriarcal e fortemente estratificada.

57
Unidade II

Ao longo de uma parte considerável da formação da nossa sociedade predominou uma estratificação
“piramidal e bipolarizada”. Isto é, de um lado, os senhores brancos, que constituíram uma aristocracia
agrária, bem característica do Brasil, até a época da economia cafeeira. De outro lado, até o final do século
XIX, a grande quantidade de escravos. No meio, poucos homens livres (brancos e mestiços), altamente
subordinados aos senhores rurais, como os “lavradores” das denominadas “fazendas obrigadas” e os
pequenos comerciantes e poucos profissionais liberais.

É interessante destacar o problemático papel dos mestiços, principalmente mulatos e cafuzos, que
conforme é destacado pelo Prof. Darcy Ribeiro (1995), estavam numa situação de “homens de segunda
categoria” e em constante conflito, na medida em que ocupavam uma situação problemática entre os
brancos e os negros escravos.

Em função dessas características, houve uma significativa dependência em relação aos senhores e
a formação de uma verdadeira “clientela” do senhor, incluindo os denominados agregados da família
patriarcal, muitos relacionados a uma relação de compadre, com os senhores rurais.

Nesse tipo de sociedade, houve o desprezo pelo trabalho manual, relacionado à inferioridade, à
pobreza e outros valores negativos.

Em relação à formação da família patriarcal, na qual o poder básico estava com o denominado
pater família e o destaque do filho primogênito (inicialmente o único herdeiro), a família era organizada
segundo as normas do direito romano canônico, isto é, o pátrio poder é ilimitado, tendo poucos freios
para sua tirania. É clara a referência do autor à uma constante prática da violência, em diversos sentidos
e não somente em relação aos escravos, mas tornando-se algo que, infelizmente, ficou marcante da
construção de características da nossa cultura cotidiana, a cultura da violência.

A ostentação senhorial, durante a fase colonial e imperial, no sentido de posse material, a escravaria
doméstica e nas festas, contrata com uma pobreza de parte da maioria da população, com o baixo nível
sanitário e uma certa promiscuidade, propiciando a propagação de doenças venéreas, como a sífilis.

Segundo Bello (2001), até a Proclamação da República, em 1889, nada se fez de concreto pela
educação. Com a república, tentou-se muitas reformas para melhorar a educação, porém não houve
um processo de desenvolvimento significativo. Até hoje, muito tem se alterado no planejamento
educacional, mas a educação continua a ter as mesmas características, a manutenção de “status quo”
para aqueles que frequentam a escola.

O analfabetismo sempre foi usado como apelo político e ideológico. Por meio de um tema educacional
e social retorna à agenda pública, mesmo não oscilando na escala de prioridades governamentais. É
usado como índice de desenvolvimento, aliado aos problemas econômicos, políticos e sociais, como:
crime, desemprego, mortalidade infantil, aumento da natalidade, a pobreza, etc. O debate para erradicar
o analfabetismo assume conotações políticas.

Nas décadas de 50, 60, e 70, o pensador Paulo Freire foi criticado nos meios acadêmicos, pelo seu “entusiasmo
em relação ao poder da alfabetização na promoção do desenvolvimento humano” (LUCIANA, 2007).
58
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Porém, precisamos pensar que um homem que vive em uma sociedade com o modo de produção
capitalista, em uma sociedade letrada, urbana, industrial, escolarizada, fundamentada pelo conhecimento
científico tecnológico, necessita conhecer a escrita, como os demais. Pois, ser analfabeto em sociedade
letrada, demonstra ao indivíduo a falta de um requisito presente e valorizado em nossa sociedade.
Assim sendo, o grupo cultural do analfabeto, tem um lugar definido, tendo como característica da
sua identidade a negação: a de que não sabe ler e nem escrever, por isso não tem acesso à forma de
funcionamento da sociedade. Isso cria um estigma do analfabeto, simbolizado pela marca do “dedão”,
repercutindo em sua vida pessoal e social (SANTOS, 2005).

A apropriação das competências de leitura e escrita traz consequências sociais, culturais para o
cidadão, já que muda sua condição social, sua forma de ver e viver na sociedade, pois passa a ter acesso
a bens culturais produzidos por sua sociedade, que antes não podia ter. Porém, não basta aprender a
ler e escrever, isto é, precisar haver a preocupação com a elaboração desses conhecimentos, pois se tem
claro que, na maioria das vezes, a educação destinada aos menos favorecidos economicamente é de
baixa qualidade, feita de qualquer jeito, apenas para dizer que está sendo feita, para contar como índice
de alfabetização, nos quadros políticos. Assim, a educação é realizada com menor custo e com maior
número de pessoas possíveis, resultando no analfabeto funcional. Sabe ler e escrever, porém não sabe
interpretar, analisar, utilizar esse conhecimento.

Veja a mudança do conceito de alfabetismo realizado pela UNESCO (TOLEDO, 2012):

A definição de alfabetismo vem sofrendo significativas mudanças nas


últimas décadas. Se em 1958 uma pessoa era considerada alfabetizada
quando conseguia ler ou escrever uma frase simples, hoje, com o avanço
das tecnologias de comunicação, a modernização das sociedades e o
aumento da participação social e política, essas habilidades não são mais
suficientes. A Unesco define que uma pessoa alfabetizada é aquela capaz de
ler e escrever em diferentes contextos e demandas sociais e de utilizar essas
habilidades para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida,
dentro e fora da instituição escolar. Para essa nova maneira de conceber
a alfabetização, a Unesco sugere a adoção do conceito de Alfabetismo
Funcional, (7) o qual indica que, além de possuir as habilidades de leitura
e escrita, a pessoa deve saber utilizá-las, processando diferentes textos em
diferentes contextos e situações comunicativas.

Segundo Toledo (2012), analfabetismo funcional está ligado ao pouco tempo de escolaridade e
contamos com mais de 30 milhões de pessoas em nosso país com essa categorização. Quando analisamos
a educação brasileira, chegamos a dados alarmantes, por exemplo, uma pessoa com 25 anos ou mais
precisa ter no mínimo 11 anos de estudo (concluindo o ensino médio), porém muitos brasileiros não
concluíram o ensino fundamental, pois a média é de 6,7 anos de estudo. Quando os dados se referem às
pessoas pardas e negras, o número é mais baixo, já que em média estudam 2,1 anos a menos do que os
brancos. Isso é resultado da desigualdade racial, econômica, educacional e social presente historicamente
em nosso país, acaba resultando em violência. O povo continua a ser tratado de maneira desinteressada
pela esfera política.
59
Unidade II

Assim, percebe-se que, nesse contexto, não há instituições democráticas, mas o autogoverno, pois o
governo político, desde a Colônia, no Império e na República sempre foi exercido pela classe dominante.

A sociedade resultante deste contexto tem problemas impossíveis de serem resolvidos como a
impossibilidade de garantir um padrão de vida satisfatório para a maioria da população brasileira,
a incapacidade de ter uma cidadania livre e, por isso, a impossibilidade de fundar uma sociedade
democrática. Segundo Ribeiro (1995, p. 219), “a eleição é uma grande farsa em que massas de eleitores
vendem seus votos àqueles que seriam seus adversários naturais”.

A única forma de mudar essa estrutura de opressão é a partir do surgimento e expansão do


movimento operário. O operário sindicalizado, nas cidades, reivindica, apresentando-se como um
lutador enfrentando seu patrão.

Além da distância econômica entre pobres e ricos, também há discriminação dos negros, mulatos e
índios, sendo os negros os que mais sofrem. Entretanto, a rebeldia desses é menor do que deveria ser.

No passado, as lutas mais longas que aconteceram no Brasil foram a “resistência indígena secular
e a luta dos negros contra a escravidão, que duraram os séculos do escravismo. Tendo início quando
começou o tráfico, só se encerrou com a abolição”. (RIBEIRO, 1995, p. 219-220).

A fuga era sua forma de resistência, e sua intenção era recomeçar uma vida com liberdade nos quilombos,
comunidades de negros fugidos que se multiplicavam em milhares. O quilombo era um negro aculturado,
pois usava uma cultura brasileira e não tinha como voltar a ter uma vida como na África. Ribeiro (1995) diz
que isso demonstrava seu drama de vida, pois não podia voltar mais a ser o que era.

Ribeiro (1995) diz que a maior luta do negro africano e de seus filhos brasileiros foi e é a busca por
um lugar e por um papel como participante legítimo da sociedade brasileira. Ele, a partir de sua força,
ajudou a construir esta sociedade, e, com isto, ocorreu a sua desafricanização, começando pelos fatos
de ter aprendido a falar o português e de tê-lo difundido por todo o território.

No fim do período colonial, os negros tinham a maior quantidade de gente aqui no Brasil. Sua
abolição levou à queda do Império e à proclamação da República. Porém, a classe dominante reorganizou
a estrutura de força de trabalho com mão de obra do imigrante no lugar da dos escravos, já que esses
estavam adaptados ao processo salarial e com vontade de trabalhar para conquistar um pouco de terra.

Os negros, por sua vez libertos, abandonavam as fazendas, ganhavam a estrada e procuravam
um terreno baldio para plantar milho e mandioca para comerem e viverem livres. Isso os levou a
miserabilidade, pois toda vez que acampavam, os fazendeiros, por meio da polícia, os expulsava, já que
toda terra tinha dono.

Mas os negros se mantiveram por meio da sua resistência cultural, como por exemplo, a sua música,
a sua dança e com a sua religião, o candomblé e a umbanda. Quando ouvimos alguém falar que é
candomblecista ou umbandista, muitos pensam, isso é coisa do diabo. Porém, perceba que essa é uma
posição etnocentrista, pois coloca a religião do outro como menor, sem valor, se autovalorizando.
60
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Perceba o processo de aculturação a partir do sincretismo, isto é, a junção de várias religiões em uma
só, como, por exemplo, o candomblé a e a umbanda. O candomblé é a religião de origem africana, que
se formou na Bahia no século XIX, tendo outras modalidades, segundo a região, como (PRANDI, 2004):
xangô (Pernambuco), tambor de mina (Maranhão), batuque (Rio Grande do Sul), que se constituíram no
século XX. A religião se tornou uma forma de resistência cultural e luta contra a dominação dos brancos
e a religião católica.

Essas religiões citadas acima representam a preservação do patrimônio étnico dos descendentes
africanos, os antigos escravos. Hoje, contam com a presença de brancos dentro dessas religiões.

Enquanto o candomblé e as demais denominações dos cultos africanos tradicionais mantinham-se


e preservavam-se, uma nova religião foi criada no Brasil, no Rio de Janeiro, a Umbanda.

Na verdade, poderíamos dizer que essa é uma religião genuinamente brasileira. Ela nasce aqui, por
meio do processo de aculturação, por meio do sincretismo, isto é, unindo várias religiões em uma só.

Vou te explicar melhor!

A Umbanda nasce da junção com o “catolicismo branco, a tradição dos orixás da vertente negra, e
símbolos, espíritos e rituais de referência indígena, inspirando-se, assim, nas três fontes básicas do Brasil
mestiço” (PRANDI, 2004).

Ela, rapidamente, se espalhou pelo Brasil, pelos países do Cone Sul, chegando até ao velho mundo.
Porém, nos anos de 1960, o candomblé, com sua raiz instigante de interpretação do mundo, espalha-se
pela Bahia e para todo o Brasil, seguindo a mesma trilha da Umbanda.

O que essas religiões têm em comum?

Tanto uma como a outra oferecem uma magia para resolver problemsa do não devoto, sem que esse
tenha de se envolver com a religião (PRANDI, 2004). Como a consulta pelo jogo de búzios e ebós (ritual
para limpeza ou oferenda) do candomblé, ou pela conversa e passe com os caboclos e pretos velhos, da
umbanda. Desta forma, as pessoas que vão se consultar, em sua maioria, são das mais variadas religiões.

Observação

Magia não é mágica. Magia significa um conhecimento que, a partir


de práticas, rituais, entram em contato com aquilo que está oculto, na
natureza, no universo e na divindade, buscando desenvolver integralmente
o homem.

Nos anos de 1960 e 1970, a classe média intelectualizada, do Rio e de São Paulo, legitimam
socialmente a cultura negra do candomblé, valorizando a cultura baiana, os intelectuais e os artistas.

61
Unidade II

Segundo Prandi (2004), começa aí a africanização do candomblé, isto é, a busca pela tradição, a
volta ao original, em busca do aprendizado da língua, dos ritos e mitos, voltando à África para recuperar
o patrimônio perdido na adversidade entre as etnias no Brasil. A partir de então, é “motivo de orgulho,
sabedoria e reconhecimento público e, assim, ser o detentor de uma cultura que já é, ao mesmo tempo,
negra e brasileira, porque o Brasil já se reconhece no orixá, o Brasil com axé” (PRANDI, 2004, p.224).

Acredito que você não entendeu o que eles foram recuperar, não é? Pois, então, vamos à história.

Desde a colonização, o discurso e a legislação impunham a cultura do branco, do português, a religião


católica. A religião do branco era a verdadeira, a única, absoluta. Assim, como a sua forma de celebrar e crer
era a única forma de se encontrar com Deus. Desprezando e desvalorizando as demais religiões.

O Candomblé, desde a colonização foi um instrumento de luta e resistência da cultura negra africana.
No período de escravidão, a luta dos povos negros pela liberdade se travará em diferentes contextos, até
por meio de guerras, como, por exemplo, os vários quilombos espalhados pelo país.

Além disso, a classe dominante é quem organiza o Estado e, desta forma, as leis são instituídas por
ela, proibindo os cultos africanos e fazendo destes caso de polícia, mas, apesar da opressão com invasão
policial em domicílios e prisões, espancamentos e destruição dos objetos sagrados, os religiosos não
deixaram sua crença.

Apesar de essa religião estar no Brasil desde a colonização, não há documentos que o comprovem
sua origem, a única data de 1830 é a da fundação da Casa de Candomblé. Porém, apesar de não haver
documentos, o Candomblé era praticado, pois havia em nosso país várias nações de África desde os
primeiros colonos portugueses.

Candomblé, na verdade, significa o termo escolhido para definir os vários cultos africanos no Brasil,
a palavra designa:

a interação e adaptação das diversas formas de culto dos africanos para


aqui trazidos, predominando entre essas, às influências, Congo/Angola
(contribuição dos africanos da África Bantu), Nagô/Ketu (contribuição
das etnias iorubás, sobressaindo-se os sistemas Ketu e Oyo), e Jeje/
Nagô (contribuição dos povos Fon/Ewe). A palavra Candomblé,
simultaneamente, é associada à prática de tais cultos, ao mesmo tempo
em que é entendida como sinônimo dos locais onde tais cultos são
realizados (SANTOS, 2011, p.5).

Por mais que o colonizador tivesse deixado existir o Candomblé, isso não significou a sua aceitação
pela elite e pelo Estado. Sempre ocorreu a tentativa de acabar com a crença e também com a forma
de resistência. Mesmo com a Lei Áurea, em 1888, não há a liberdade. O povo negro africano terá de
resistir para se inserir na sociedade, sofrendo preconceito, exclusão, insultos, agressões e perda de sua
liberdade para ter direito de celebrar sua crença, que era diferente da elite branca e da profetizada
pelo Estado (SANTOS, 2011). Por mais que o Estado tivesse se separado da Igreja em janeiro de 1890
62
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

e efetivado a liberdade de culto, nas reformas constitucionais de 1891, 1926 e 1934, a lei estabelecia
que, todos tinham a liberdade para a prática de cultos religiosos, contanto que não transgrida a
ordem e os bons costumes.

Porém, isso não vale para os negros e sua religião, pois eram declarados como bárbaros, e tratados
como marginais. Por outro lado, a lei e a elite, não considerava a religião dos africanos como religião,
mas como seita.

Tudo isso revela o preconceito que sempre existiu com a religião do povo negro e existe até dos dias
de hoje.

Em 1997, foi aprovada a lei sobre o ensino religioso, que deve atender à diversidade, desta forma não
cabe mais posturas radicais, preconceituosas, porém nas instituições escolares, pois o educador precisa
ter uma postura relativista, respeitando a diversidade cultural e religiosa da identidade brasileira.

Percebemos o sincretismo, nas religiões, quando encontramos os vínculos dos Orixás, do Candomblé
e da Umbanda, com os santos da Igreja Católica, pois São Jorge é Ogum, Santa Bárbara é Iansã.

Segundo Mota (2011, p.198), o sincretismo nada mais representa do que a contradição, a dialética
existente na sociedade brasileira:

O Candomblé e com ele o sincretismo, representam, por assim dizer, um


momento dialético, um mundo de contradições, entre igualitarismo e
escravismo, entre pertencer à sociedade fundada e organizada pelos senhores
e não pertencer, entre assimilação ao caráter predominantemente europeu,
ocidental, de nossa cultura e a altiva manutenção de nossa identidade do
Brasil, mulata, morena. Enunciei alguns aspectos do mundo de contradições
de que o sincretismo representa não a conciliação precária, mas a síntese
vivida. Entre todos os ângulos da contradição, o menos importante me
parece justamente aquele com que se tem mais preocupado etnólogos e
leigos, desde o tempo do nosso patriarca Nina Rodrigues: o sincretismo
puramente lógico, que funde (no Recife) Xangô e São João, lansã e Santa
Bárbara, lemanjá e a Virgem da Conceição.

Ribeiro (1995) afirma que, pelo fato de os membros das classes dominantes no Brasil serem
descendentes dos antigos senhores de escravos, persistiu nesses o comportamento de desprezo para
com os negros e com sua cultura.

A classe dominante apreendeu, com seus antepassados, que o negro servia apenas como força para
o trabalho. Por isso, quando se encontrava sem força, este negro poderia ser substituído por outro como
um objeto qualquer. Da mesma forma são tratados os pobres, considerados ordinários pela falta de
conhecimento, pela preguiça, pelos delitos que são inatos, sem a possibilidade de mudança.

63
Unidade II

Desta forma, todos os pobres são considerados culpados pela sua desgraça, já que isso é característico
da raça e não da escravatura. O pior é que essa forma de pensar também vai ser utilizada pelos mulatos
e negros que passam a uma posição melhor na sociedade, acabando por discriminar a massa miserável
de negros. Como podemos ver na fala de Ribeiro (1995, p. 222):

A nação brasileira, comandada por gente dessa mentalidade, nunca fez


nada pela massa negra que a construíra. Negou-lhe a posse de qualquer
pedaço de terra para viver e cultivar, de escolas em que pudesse educar
seus filhos, e de qualquer ordem de assistência. Só lhes deu, sobejamente,
discriminação e repressão. Grande parte desses negros dirigiu-se às
cidades, onde encontrava um ambiente de convivência social menos hostil.
Constituíram, originalmente, os chamados bairros africanos, que deram
lugar às favelas. Desde então, elas vêm se multiplicando, como a solução
que o pobre encontra para morar e conviver.

Devido ao contingente de homens brancos vindos para o Brasil e às poucas brancas que para cá
vieram, a matriz fundamental foi a mulher indígena, na maioria das vezes fecundada pelo branco. Isso
explica a branquização do brasileiro, já que o mestiço de europeu e índio tem a pele de tom moreno claro,
o que, no pensamento racista, passa facilmente como o “puro branco”. Darcy Ribeiro (1995) demonstra
isso por meio do censo, no qual apresenta uma diminuição progressiva da população negra brasileira.

Quadro 3 – Distribuição da população brasileira segundo a cor de 1872 a 2010[1]

Cor 1872 % 1890 % 1940 % 1950 % 1990 % 2010 %


Brancos 3.854 38 6.302 44 26.206 63 32.027 62 81.407 55 91.051 48
Pretos 1.976 20 2.098 15 6.644 15 5.692 11 7.264 5 14.517 8
Pardos 4.262 42 5.934 41 8.760 21 13.786 26 57.822 39 82.277 43
Total 9.930 14.333 41.236 51922 147306 190.749

Fonte: RIBEIRO (1995, p. 229). Fonte de 2010, Censo do IBGE.


Foram considerados pardos os chamados de amarelos, nipobrasileiros e índios, que não são nem 5% dos totais.

Ribeiro (1995) chama a atenção para o crescimento do grupo branco, que vai de 38% para 55%
da população. Isso não ocorre devido à vinda dos imigrantes, mas é claro que esta porcentagem pode
ter aumentado devido à melhor condição econômica, porque, enfim, isto resulta em uma parcela da
população que vive em melhores condições – os bem-sucedidos –, que se classificam como brancos.

Você pode perceber que, com o passar das décadas, a porcentagem de negros diminui de 20% da
população, para 15%, depois para 11% e, na década de 1990, para apenas 5%. Porém, em 2010 volta
a crescer para 8%. Podemos presumir que a porcentagem de preto e pardo tem aumentado e o branco
diminuído, porque está havendo maior identificação do brasileiro com essas raças. Essa mudança cultural
é percebida pela professora Paula Miranda Ribeiro, professora de demografia da UFMG e, segundo ela,
essa mudança cultural de identificação de raça é chamada desejabilidade social. Antes, pretos e pardos
eram desvalorizados socialmente, agora sendo mais valorizados do que antes, passam a se identificar
64
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

como pretos e pardos, reafirmando sua identidade. O coordenador do Laboratório de Análises das
Relações Raciais da UFRJ, Marcelo Paixão, esse aumento reflete a valorização étnica, que por meio da
maior visibilidade étnica e valorização por meio de atores, personalidades públicas negras quanto devido
a políticas públicas, como as cotas (OGLOBO, 2011).

Percebe-se a mudança na valorização de ser pardo também, na palavra do povo brasileiro:

Moradora de Campo Grande, Zona Oeste do Rio, a vendedora Gisela Zerlotine


fez questão de se declarar parda no Censo de 2010: - Apesar de não ter pele
tão escura, eu me sinto mais próxima de pardos e negros, minha família tem
muitos negros - diz Gisela, casada há sete anos com Luiz Carlos de Oliveira,
negro. - A gente tem dois filhos. Um é meu de uma relação anterior, Pedro, de
8 anos, branco mesmo, o pai era bem branco. E a outra é a Milena, de 2, filha
minha com o Luiz Carlos. Ela já é caramelo. É bem misturada. (OBLOBO, 2011).

Os indígenas foram quase exterminados devido às doenças, às condições de miséria e opressão em


que foram colocados. Hoje, a população cresce; em 2000 eram 734.127 e em 2010 totalizavam 817.963
(IBGE, 2010).

Todas as nações indígenas lutam pelas suas terras até hoje. Para eles, a terra significa mãe, aquela
que cuida de seus filhos, que dá a eles tudo que precisa para viver. E é nela que se conserva a história de
seu povo, dando sentido à sua cultura. Por exemplo, “quando os Himbra do norte da Namíbia fizeram
notar que o projeto de construção de uma usina hidrelétrica destruiria uma série de cemitérios sagrados,
sua mensagem era, na realidade, que toda sua estrutura social estava ameaçada” (FUNAI, 2012), pois,
toda sua história, seus valores e cultura se perderiam. A terra significa a sua identidade.

Na nossa cultura, a terra significa propriedade privada. E, por mais que esse conceito não faça
parte da cultura deles, eles precisaram aprender para conseguir lutar pelo direito deles perante as leis
brasileiras, principalmente, perante a política e o capital, interesses comerciais sobre suas terras.

A terra, na cultura indígena, é necessária para garantir sua sobrevivência e a sua formação da sua
identidade cultural. A demarcação é necessária para sua proteção, além da preservação de um gigantesco
patrimônio biológico e do conhecimento milenar desses povos sobre sua utilização.

As sociedades indígenas da Amazônia conhecem mais de 1.300 plantas


portadoras de princípios ativos medicinais e pelo menos 90 delas já são
estilizadas comercialmente. Cerca de 25% dos medicamentos utilizados nos
Estados Unidos possuem substâncias ativas derivadas de plantas nativas das
florestas tropicais. Por isso, a preservação dos territórios indígenas é tão
importante, tanto do ponto de vista de sua riqueza biológica quanto da
riqueza cultural. (FUNAI, 2012)

As classes que detêm o poder econômico e político valorizaram e desvalorizaram nossa descendência
indígena, segundo seus interesses. Tanto é que até os dias de hoje as nações lutam para garantir a posse
65
Unidade II

de suas terras (SANTOS, 2006). O pior é que as ideias produzidas por esses é massificada para o povo
brasileiro, resultando em visões deturpadas da realidade.

Segundo a cineasta Ana Carvalho Ziller de Araujo (2010), há alguns equívocos que os brasileiros
cometem hoje, como:

A do índio genérico, de que os índios constituem um único bloco, com a mesma forma de pensar,
sentir e agir, isto é, com a mesma cultura. Pelo contrário, hoje possuímos no Brasil mais de 220 etnias,
falando 188 línguas diferentes, sendo que cada uma possui a sua forma de ser, sua religião, sua arte,
sua história. A de que eles são de cultura atrasada e primitiva. Como pensaram os colonizadores e
ainda hoje muita gente pensa a sim. Porém, a verdade é que possuem culturas complexas, produzem
conhecimento, arte, música, religião. Como, por exemplo, as suas línguas, que pelo colonizador foram
consideradas, erroneamente, como “inferiores” e “atrasadas”. Pois, como explicam os linguistas, se
uma língua é capaz de expressar pensamento, sentimento, não existe a melhor ou a pior, mas, sim,
diversidade. Outro exemplo, são as religiões indígenas, que foram consideradas pelo catolicismo, no
passado, como superstições (visão etnocêntrica e preconceituosa). Na realidade, por exemplo, os
Mbyá-Guarani foram considerados por pensadores como os “teólogos da América”, já que possuem
profunda religiosidade, manifestada em seu cotidiano em todos os momentos de sua vida, sendo uma
das características de sua identidade.

Em qualquer aldeia Guarani, a maior construção é sempre a Opy – a Casa


de Orações. (...). Nas três aldeias do Rio de Janeiro, a reza ou porahêi é
realizada diariamente, todas as noites, durante os 365 dias do ano, de
forma comunitária, contando com a participação de quase toda a aldeia.
Começa por volta das 19h e vai até a meia-noite, podendo algumas vezes
estender-se até a manhã. O cacique toca mbaracá e dirige as rezas,
acompanhadas de cantos e danças. Não existe nenhum grupo dentro da
população brasileira que reze mais do que os Guarani. Os Guarani Mbyá
mantêm fidelidade à religião tradicional, resistindo às investidas de grupos
evangélicos, católicos, e de outras religiões. (...) A importância da religião
Guarani pode ser avaliada através das palavras do vice-cacique, Luis
Eusébio: “Se o Mbyá deixar a religião dele, a língua, vai começar a beber,
faz baile, tem briga com parente, casa com branco e desaparece a nação,
morre o índio.” (ARAUJO, 2010, p. 20-21)

Os conhecimentos dos indígenas também foram vistos de maneira preconceituosa, desprezados


e ridicularizados pela nossa sociedade. Como se esses estivessem negando a nossa ciência. Mas, em
1992, o Museu Goeldi fez uma exposição sobre a ciência dos Kayapó, expressando a importância desse
saber para a humanidade. Demonstrando o conhecimento sofisticado que produziram sobre “plantas
medicinais, agricultura, classificação e uso do solo, sistema de reciclagem de nutrientes, métodos de
reflorestamento, pesticidas e fertilizantes naturais, comportamento animal, melhoramento genético
de plantas cultivadas e semidomesticadas, manejo da pesca e da vida selvagem e astronomia”
(ARAUJO, 2010, p.21).

66
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

O terceiro equívoco é quanto à cultura indígena ter de manter-se estagnada, não podem mudar. Já
que a grande maioria dos brasileiros pensa que o índio deve continuar usando tanga, vivendo na floresta,
com arco e flecha, tal como os portugueses os encontraram aqui em 1500. Desta forma, qualquer
mudança é vista como algo estranho, fora de lugar. Se fosse assim, nós também não poderíamos mudar,
teríamos de viver sempre da mesma forma. Lembre-se: a cultura não é estática. Nem a nossa e nem a
deles. Quando o índio não se enquadra na imagem feita em 1500, logo dizem (ARAUJO, 2010, p.24): “Ah!
Este aí não é mais índio, já está civilizado”. Ele usa calça e camisa, óculos e relógios, fala português, ele
sé ex-índio. Mas esquecem de que em todas culturas tomamos emprestados elementos de outras, mas
nem por isso deixamos de ser brasileiros.

É impossível que cada povo mantenha-se fechado, sem contato com outros povos. Por mais que,
muitas vezes, o contato seja conflituoso, violento, há também momentos em que ocorre a cooperação,
o diálogo e a troca de conhecimento, estabelecendo o processo de interculturalidade. Isto é, a partir
do contato, cada povo usufrui da cultura do outro, aquilo que lhe fizer bem. Veja a citação abaixo:

Uma excelente matéria sobre a escola Waimiri Atroari foi publicada no


jornal A Crítica, de Manaus, com belíssimas imagens do fotógrafo Euzivaldo
Queiroz, mostrando índios, seminus, usando um computador em uma
escola – uma construção coberta de palha – combinando o novo com o
tradicional. Quando a reportagem passou lá, os alunos estavam em sala de
aula, numa atividade escolar. Os índios Waimiri Atroari, há 40 anos atrás,
não falavam português e nem sabiam o que era escola. Eles tinham outras
instituições encarregadas de transmitir saber, ciências, artes e literatura, que
era a tradição oral. No contato com a sociedade brasileira, eles decidiram
criar uma escola, para aprender português como segunda língua, da mesma
forma que a gente aprende o inglês, para poder sobreviver e entrar em
contato com o mundo. O brasileiro aprende o inglês, não para substituir
o português, mas para desempenhar outras funções. Assim também os
índios aprendem o português, não com o objetivo de eliminar suas próprias
línguas, que continuam com a função de comunicação interna, mas para se
comunicar para fora. (ARAUJO, 2010, p.26).

A quarta visão equivocada, está em achar que os índios fazem parte apenas do nosso passado.
Perceba, por mais que eles façam parte do nosso passado histórico, fazem parte também do nosso
presente e de nosso futuro, a cultura indígena faz parte da cultura brasileira. Veja o exemplo abaixo:

Para ilustrar este tópico, pode ser interessante contar para vocês o que
aconteceu com o bairro Amarelo, um grande conjunto habitacional
localizado em Hellesdorf, no norte da ex-Berlim Oriental, na Alemanha. Em
1985, organismos governamentais construíram um conjunto habitacional
tipo BNH, em Berlim. Eram blocos pré-moldados de cinco a seis andares,
uns caixotões de concreto pré-fabricados, com uma fachada pintada de
um amarelo duvidoso. Cerca de dez mil pessoas de baixa classe média
moravam lá, em 3.200 apartamentos. Os moradores reclamavam muito,
67
Unidade II

depois do trabalho não tinham vontade de voltar para casa, porque


achavam o bairro feio, o lugar horrível, pesado e triste. Quando caiu o
muro de Berlim, em 1989, a cidade passou por um processo de reforma
urbana sem precedentes. O Instituto de Urbanismo de Berlim colocou 50
milhões de dólares para dar uma melhorada no bairro. Chegaram com os
moradores e disseram: “a gente quer mudar o bairro de vocês, mas a gente
quer saber com que cara vocês querem que ele fique”. Os moradores se
reuniram, discutiram e concluíram: “nós queremos que nosso bairro tenha
a cara da América Latina, que é bonita e alegre”. Foi feita a licitação e
se apresentaram mais de 50 escritórios de arquitetura da América Latina.
Ganhou um escritório brasileiro de São Paulo – Brasil Arquitetura. Aí os
arquitetos foram lá, conversar com o pessoal do bairro. (...) A primeira
proposta deles foi construir jardins e colocar algumas esculturas de artistas
plásticos brasileiros nessas entradas de acesso. Depois discutiram sobre a
reforma nas fachadas dos edifícios, com a qual os moradores implicavam.
Os moradores pediram: “nós queremos que sejam colocados azulejos com
arte indígena, com desenhos dos índios”. Bom, se os arquitetos andassem
5 km, iam chegar no Museu Etnográfico de Berlim, onde existem milhares
de obras de arte indígena, com desenhos em todo tipo de suporte: em
cerâmica, tecido, palha e até em papel. No entanto, o que se queria não era
arte indígena do passado, mas arte indígena de hoje, contemporânea. Os
arquitetos decidiram sair atrás de desenhos novos, atuais, com uma série
de dúvidas: será possível encontrá-los, depois de 500 anos de contato, do
saqueio colonial, do trabalho compulsório, dos massacres, das missões, das
invasões de terras, das estradas, dos colonos, dos garimpos, das frentes
extrativistas, das hidrelétricas, dos grandes projetos? Os índios não teriam
perdido suas fontes de inspiração? Em muitas sociedades indígenas, as
tigelas e potes de cerâmicas foram substituídos por peças de alumínio
e plástico, as indumentárias e adornos tradicionais foram trocados pelo
vestuário ocidental: em que medida este fato afetou a expressão artística
tradicional? Hoje, no Brasil, existem mais de 200 povos indígenas, quase
todos eles produzindo artes gráficas. Os arquitetos Francisco Fanucci e
Marcelo Ferraz, responsáveis pelo projeto de remodelação das fachadas,
acabaram optando pelos Kadiweu, cujos desenhos consistem em figuras
geométricas abstratas. Como a pintura Kadiweu é tarefa exclusiva da
mulher, os dois arquitetos realizaram concurso entre as índias da aldeia
Bodoquena, no Mato Grosso do Sul. Mandaram para a aldeia um lote de
papel cortado no tamanho estabelecido, as instruções sobre as cores e
canetas hidrográficas. Noventa e três índias, de 15 a 92 anos de idade,
realizaram três propostas cada uma. O resultado agradou a todo mundo. Os
arquitetos selecionaram, num primeiro momento, 300 estampas coloridas,
exclusivas, criadas pelas índias, e depois escolheram seis delas como
vencedoras do concurso. No dia 19 de junho de 1998, essas estampas,
transformadas em azulejos, foram inauguradas nas fachadas dos blocos
68
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

do Bairro Amarelo, alegrando-o, humanizando-o, tornando-o mais belo,


habitável e civilizado, facilitando a convivência e a comunicação entre os
seus moradores. A aldeia Bodoquena ganhou, por esse trabalho civilizatório,
20 mil marcos alemães e mais passagens e estadias de dez dias para as seis
índias, artistas Kadiwéu, que estiveram presentes na festa de inauguração.
A reforma urbana de um conjunto habitacional de Berlim com desenhos
Kadiwéu mostra os equívocos da concepção evolucionista ultrapassada que
considera as experiências das sociedades indígenas no campo da arte e
da ciência como primitivas, pertencentes à infância da humanidade, sem
lugar no tempo presente. Ele serve também para exemplificar como um
bem cultural pode adquirir novos usos e novas significações, se nele é
investido um novo trabalho cultural. Serve ainda para formularmos algumas
perguntas inquietantes: por que um povo, como o alemão, possuidor de um
expressivo patrimônio artístico próprio, busca melhorar sua qualidade de
vida, lançando mão de elementos atuais das culturas indígenas? Será que
moradores de qualquer bairro de uma cidade brasileira tomariam decisão
semelhante? Por que não? (ARAUJO, 2010, p.28-30).

Quinto equívoco, e último, está em não considerar o índio na formação da nossa identidade de
brasileiro (ARAUJO, 2010). Há 500 anos, nós brasileiros não existíamos no planeta terra. O povo brasileiro
é novo, fomos formados nos últimos cinco séculos, por meio de três matrizes: a europeia, principalmente
pelos portugueses, mas também pelos espanhóis, italianos etc.; a indígena, composta por variados
etnias, como o tupi, o karib, o aruak, o jê, o tukano e outros; a africana, que também é formada por
um grupo de povos diferentes, como, os fon, os yorubás, os nagôs, os gêges, os ewés, os haussá, os
bantos kimbundos, os kicongos, os benguelas e outros. Além dessas matrizes, no período da migração,
contamos com a etnia japonesa, sírio-libanesa e turcos, que enriqueceram ainda mais a formação do
povo brasileiro. Porém, como os europeus foram os que dominaram economicamente, politicamente e
militarmente os demais povos, a tendência é de identificarem nossa formação enquanto povo apenas
com o vencedor, a matriz europeia, principalmente a portuguesa. Acabando por ignorar a indígena e a
africana, empobrecendo a cultura brasileira.

Por mais que façam isso, o índio está vivo dentro de nós, mesmo não sabendo disso. Pense bem,
quando aquele descendente de alemão, que vive lá em Santa Catarina, louro e do olho azul, começar
a rir – como é que ele faz? Do que é que ele ri? (...) Quando tiver que fazer suas opções culinárias, de
música, de dança, de poesia, de onde é quem saem os critérios de seleção?” (ARAUJO, 2010, p.32). É
nesse momento que aparecem as heranças culturais, incluindo as indígenas e as negras.

Veja essa história:

(...) o escritor português Antônio Alçada, (...), estava fazendo turismo na Grécia
com um grupo de amigos portugueses, lá numa daquelas ilhas gregas. Estava
em pé, parado, conversando com esses amigos, quando passou um grupo de
turistas japoneses, carregados de máquinas fotográficas. Até aí nada demais,
porque tem turista japonês em qualquer biboca do mundo. Acontece que
69
Unidade II

enquanto os turistas japoneses prosseguiram seu caminho, um deles parou


diante do grupo de portugueses, ficou olhando e ouvindo os portugueses por
alguns minutos, depois se aproximou e perguntou num perfeito português com
sotaque paulista: “Desculpa. Eu sou brasileiro. Vocês são portugueses?” O Antônio
Alçada respondeu: “Somos”. O “japonesinho” de São Paulo, então, deu um logo
e estridente assobio para o grupo dele, que havia se distanciado. Todo mundo
virou a cabeça para trás e ele gritou: “Ei, pessoal! Venham aqui que eu encontrei
um grupo dos nossos antepassados”. O escritor português contou que sentiu
uma coisa estranha e pensou: “Eu? Antepassado desses japoneses? Como? Se os
pais deles deviam estar numa ilha, lá no Japão, na geração anterior, e não têm
nada que ver com o meu passado!”. Acontece que os imigrantes, que chegam
aqui no Brasil, acabam assumindo a cultura e a história do país, assumindo desta
forma um passado que não é dele individualmente, nem de sua família, mas é
coletivo, da nação, do povo ao qual ele agora pertence. (ARAUJO, 2010, p.32-32).

Nós somos lindos, porque somos a união de várias etnias e devemos respeitá-las.

O negro não foi destruído como os índios o foram no primeiro contato com os portugueses, por
terem melhores condições quanto às doenças, já que possuía anticorpos contra estas, uma vez que na
África estavam expostos às mesmas enfermidades que os europeus, pois já estavam em contato com
eles. Com a abolição da escravatura, a população de negros livres também foi diminuindo devido às
condições de miséria colocadas.

Ribeiro (1995) afirma que, ao analisar as condições de carreira do negro em nosso país, chegando
como escravo e sendo colocado para fazer as tarefas mais duras, como base para o processo produtivo,
sendo tratado como um burro de cargas, para produção do lucro máximo e recebendo, em contrapartida,
uma vida de miséria. Ao se tornar livre, o negro vai ter contato com novas formas de exploração que,
ainda que menos cruéis do que na época da escravidão, ainda não vai lhe permitir pertencer à sociedade
e ao mundo do conhecimento, tornando-se parte do subproletariado: o animal de serviço.

Observação

Proletariado é a classe dos trabalhadores. Portanto, o subproletariado


consiste na classe que está abaixo da dos trabalhadores, pois as condições
de trabalho e direitos são miseráveis.

No momento da Lei do Ventre Livre, a primeira lei abolicionista, na qual os filhos das escravas
passavam, a partir deste momento, a nascer livres, os fazendeiros abandonavam as crianças nas estradas
e nas vilas, pois, não sendo objetos seus, não queriam mais ter de alimentá-las. Depois, o estado de
São Paulo criou nessas vilas asilos para acolher essas crianças. Com a abolição, os que não queriam
mais servir aos senhores saíram e os velhos e doentes foram expulsos. Desta forma, acabaram por se
concentrar na entrada das vilas e cidades, em condições terríveis, e acabaram por aceitar condições de
trabalho exploradoras ditadas pelos latifundiários.
70
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Com a implantação de máquinas nas lavouras comerciais, outro grupo de trabalhadores foi excluído,
o que levou ao aumento da população dessas vilas: não havia mais somente negros, mas também
pardos e brancos pobres, todos considerados como massa dos trabalhadores livres para comporem o
subproletariado. Ribeiro (1995) diz que até hoje podemos observar que, próximos às cidades, encontramos
essas concentrações de mendigos, domésticas, cegos, aleijados – os miseráveis –, sendo que os velhos,
cansados pelo trabalho, cuidam das crianças.

É a partir dessas condições que, segundo Darcy Ribeiro (1995), devemos procurar a diferença social
entre a expansão do branco e do negro no desenvolvimento da sociedade brasileira. Essa situação ainda
persiste na década de 1990:

A situação de inferioridade dos pardos e negros com respeito aos brancos persiste em 1990. Os
poucos dados disponíveis mostram que 12% dos brancos maiores de sete anos eram analfabetos, mas
os negros eram 30% e os pardos 29%. Por outro lado, o rendimento anual médio (em Cr$) de pessoas
de mais de dez anos era de 32212 para os brancos, de 13295 para os pretos e de 15308 para os pardos
(Anuário estatístico do Brasil, IBGE, 1993). Lamentavelmente, as informações quanto à cor para 1990
são muito mais escassas que para 1950 (RIBEIRO, 1995, p.234).

Assim, a base da sociedade continua em situação de miséria, pois, pela industrialização, não está sendo
alterada a concentração de poder, riqueza e prestígio do branco. Por isso, as condições seculares de miséria
do negro persistem ainda no século XXI, resultando nas maiores taxas de analfabetismo, criminalidade e
morte, em um cenário em que predominam os negros, demonstrando o fracasso da nossa sociedade em
promover uma democracia racial que incluísse o negro na condição de cidadão brasileiro.

E, pior do que tudo isso, segundo Ribeiro (1995), mais do que preconceito por causa da raça ou da
cor, hoje, na sociedade brasileira, se tem o preconceito de classe, pois a distância entre os pobres e os
privilegiados é imensa, já que a diferença se dá não tanto pela posse financeira, mas também pelo estilo
de vida, como a questão do conhecimento. Se diferenciarmos analfabetos e letrados, conhecimento
vulgar e científico entre os de famílias abastadas e as de origem humilde, a oposição entre as classes
sociais de pobres e ricos é muito maior do que a oposição entre negros e brancos. Por isso, é mais
aceitável o casamento entre pessoas de raças diferentes do que o de pessoas de classes opostas, devido
à discrepância social e cultural.

Darcy Ribeiro (1995) critica Gilberto Freyre por este dizer, em “Casa-grande e senzala”, que a mulher
morena atraía o português. Para ele, é desnecessária a explicação desse interesse sexual, já que este
ocorreu no mundo inteiro, no período da colonização, quando o homem branco se encontrava com
gente de cor e na ausência de suas mulheres brancas.

E, para o autor, hoje ocorrem também relações sexuais entre homens de condição social superior
com negras, índias e mulatas, mas são apenas relações de interesse sexual sem apego afetivo. São raros
os casos de amor entre ambos. O sexo, nessa situação desigual, torna a mulher servil e dependente do
homem, aceitando o que este lhe impõe, aceitando as relações ocasionais e de amasiadas temporárias.
A partir disso, a família se estrutura na mulher, que tem filhos de homens diferentes. Só quando a
mulher muda de condição social é que também consegue ter uma vida sentimental autônoma, na qual
71
Unidade II

adquire dignidade nas relações sexuais e, a partir disto, conseguindo uma estrutura familiar estável, de
reconhecimento religioso e social. Assim, essa mulher passa a superar as condições desfavoráveis e passa
a ter condições igualitárias. Mas, para isso ser possível para todas as mulheres, é necessária a superação
da condição de marginalidade socioeconômica da maioria da população.

O que há de positivo na condição de conjunção interracial no Brasil é que o nascimento de um filho mulato
não é pejorativo. Assim, podemos pensar que a população brasileira continuará a se homogeneizar, com um
patrimônio multirracial. Por exemplo, nas famílias brasileiras, a composição dos filhos se difere muito: um moreno
ou outro mais claro; um com cabelo liso, outro de cabelo encaracolado; irmãos com diferentes aberturas de
olhos, de nariz, etc. Ninguém estranha esse fato, segundo Ribeiro (1995), pois o fenótipo dos membros se deve
ao seu patrimônio genético, que conta com todas as matrizes, resultando em brasileiros muito variados.

Quanto ao contingente de imigrantes vindos para o Brasil, veja a tabela abaixo:

Quadro 4 – Distribuição dos contingentes imigratórios por período de entrada


(em milhares) de 1851 a 1960.

Período Português Italianos Espanhóis Japoneses Alemães TOTAL


1851/1885 237 128 17 - 59 441
1886/1900 278 911 187 - 23 1398
1901/1915 462 323 258 14 39 1096
1916/1930 365 128 118 85 81 777
1931/1945 105 19 10 88 25 247
1946/1960 285 110 104 42 23 564
TOTAL 1732 1619 694 229 250 4523

Fonte: RIBEIRO (1995, p. 242).

Perceba que tivemos poucos imigrantes, porém o papel deste foi muito relevante na formação de
determinadas regiões, criando paisagens com características europeias e de populações, em sua maioria,
brancas. Quanto às características da população brasileira, não houve interferência, pois quando os
imigrantes começaram a chegar em maior número, a população nacional já era definida etnicamente,
acabando por absorver a cultura e a raça desses sem que, com isso, houvesse grandes alterações.

Esse cruzamento entre multietnias, formando a etnia nacional, não deixou lugar para tensões
regionais, étnicas ou culturais, pois todos acabaram por se definir como participantes da cultura nacional
e da sociedade brasileira.

Sempre debaixo da permanente ameaça de serem erradicados e expulsos. O negro, por não ter tido a
oportunidade econômica, acaba, pois, correndo o risco de ir para a favela. No ponto de vista de Ribeiro
(1995), o negro urbano é o mais vigoroso e belo de nossa cultura. É a partir dele que se desenvolve o
Carnaval, o culto aos orixás, a capoeira e muitas manifestações culturais. Estas são oportunidades em
que o negro expressa o seu valor, nas quais não se necessita a escolaridade. Isto ocorre também na
música popular, no futebol e em outras formas menos visíveis.
72
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

As línguas africanas tiveram tanta influência no nosso modo que a nossa língua é diferente do
Português de Portugal. “Na Bahia, são usadas cerca de 5 mil palavras de origem africana. A maior parte
das palavras enriqueceram o vocabulário vêm do quimbundo, língua do povo banto” (EBC,2012).

Na música brasileira além do samba, tiveram influência africana, o Maracatu, Congada, Cavalhada,
Moçambique. Além de muitos instrumentos musicais: agogô, caxixi, atabaque, cuíca, djembe, ganzá,
afoxé, berimbau.

Por esses motivos, o negro, apesar de todos os problemas que enfrenta, é o ser mais criativo de nossa
cultura e é justamente ele e o índio os que mais caracterizam o nosso povo. Há uma grande multidão de
negros e mulatos que, por terem perdido a sua cultura africana, e não sendo nem índios nem brancos,
encontraram sua identidade como brasileiro. Um povo novo, feito de gente de todos os cantos do
mundo, completo e feliz com sua fusão. Por isso, os negros não disputam autonomia étnica, pois se
sentem integrados, sendo o povo brasileiro.

O mulato acaba, devido às suas características físicas, participando da vida do branco, recebendo
conhecimento e participando da arte e da vida política. Ribeiro (1995, p. 223) cita:

o artista Aleijadinho; o escritor Machado de Assis; o jurista Rui Barbosa, o compositor José Maurício;
o poeta Cruz e Sousa; o tribuno Luís Gama; como políticos, os irmãos Mangabeira e Nelson Carneiro; e,
como intelectuais, Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos.

Além dos mulatos, também as mulatas, pela sua beleza estonteante, tiveram mais chances de
ascender socialmente. Assim, o mulato estará na composição de dois mundos em conflito: o do negro,
ao qual ele mesmo nega pertencer, e o do branco, que o rejeita. Assim, o mulato se humaniza em dois,
não sendo de ninguém.

É a partir dos últimos anos apenas que o negro tem sentido e expressado o orgulho de sua raça,
devida à ascensão de alguns negros, a partir de uma melhor educação e de melhores oportunidades de
emprego. O mesmo ocorreu com os mulatos, que passaram para o lado do negro a partir dessa ascensão.

No ponto de vista de Ribeiro (1995), a sociedade brasileira é doentia com essa consciência deformada
de que o negro é culpado pela sua miséria, e que este deveria desaparecer para haver a branquização
brasileira. Porém, temos, na, realidade o contrário, com a branquização do negro e a negrização do
branco, levou a uma população morena.

O racismo no Brasil não ocorre devido à origem racial, mas sim sobre a cor da pele. Aqueles que
passam a integrar os grupos dos brancos passam a ser e a se sentir como brancos. Veja o exemplo de
Darcy Ribeiro (1995):

Exemplifica essa situação o diálogo de um artista negro, o pintor Santa Rosa, com um jovem, também
negro, que lutava para ascender na carreira diplomática, queixando-se das imensas barreiras que
dificultavam a ascensão das pessoas de cor. O pintor disse, muito comovido: “Compreendo perfeitamente
o seu caso, meu caro. Eu também já fui negro”. Já no século passado, um estrangeiro, estranhando ver
73
Unidade II

um mulato no alto posto de capitão-mor, ouviu a seguinte explicação: “Sim, ele foi mestiço, mas como
capitão-mor não pode deixar de ser branco” (KOSTER apud RIBEIRO, 1995, p. 225).

O autor critica os intelectuais que acreditam em uma democracia racial. Já que o mestiço em nossa
cultura não é punido, mas bem-visto. Isto se deve ao fato de sermos resultado da mestiçagem de
poucos brancos com uma grande maioria de índios e negros. Tanto é que a situação colocada como
uma democracia racial, como desejou apresentar Gilberto Freyre, é devido à imensa carga de opressão,
preconceito e discriminação. Perceba que o desejo de que o negro suma, a partir da mestiçagem, é um
racismo. Para Ribeiro (1995, p. 227), o lado mais perverso do racismo é esse que dá uma imagem de
maior sociabilidade, pois isso desarma o negro para lutar contra a miséria que lhe é imposta e o leva a
aceitar as condições de violência em que vive. “O assimilacionismo, como se vê, cria uma atmosfera de
fluidez nas relações inter-raciais, mas dissuade o negro para sua luta específica, sem compreender que
a vitória só é alcançável pela revolução social”.

A democracia racial é possível. Porém, só é realizada com uma democracia social. Isto é, “ou bem há
democracia para todos, ou não há democracia para ninguém, porque à opressão do negro condenado à
dignidade de lutador da liberdade (...)”. (RIBEIRO, 1995, p. 227)

Octavio Inni (2004, p.13-14), critica Gilberto Freyre quanto a sua teoria da democracia racial, trouxe-
lhe na integra o pensamento, veja:

Farei agora uma digressão. Assisti a última conferência que Gilberto Freyre
fez em São Paulo, num clube de empresários (quase não me deixaram entrar
porque exigiam gravata). Ele iniciou sua fala com muita graça: “Dizem que
sou saudoso da escravatura” e depois de um silêncio longo: “Sou. Sou sim!”.
Passou então a relatar sua infância, sua convivência com pessoas oriundas
do escravismo (da casa-grande), contando as histórias de Felicidade,
uma negra chamada afetivamente por ele de Dadade. Ao narrar essas
experiências afetivas, algumas até engraçadas, outras alusivas ao erótico,
etc. – notei que não havia referência alguma ao eito, ao trabalho pesado do
escravismo. Observei algo que tem a ver com a literatura, com a oralidade
dos contadores de causos. Percebi que quando falava de Dadade, ele estava
fortemente impressionado com aquelas histórias que ele assimilou, com
aquela oralidade que transcreveu em seus escritos, principalmente da
primeira fase. A questão racial vem junto com a ideia de que a escravatura
no Brasil foi diferente, a ideia de que houve revoluções brancas (também
de Gilberto Freyre) e a ideia de índole pacífica do povo brasileiro. Há vários
emblemas do que seria a ideologia das elites dominantes no Brasil que tem a
ver com uma certa invenção de tradições e uma pasteurização da realidade.
Nesse contexto, se vocês permitem a provocação, é que o homem cordial faz
parte dessa visão. Não foi essa a intenção de Ribeiro Couto nem de Sérgio
Buarque, mas vendo esses emblemas, tomados em conjunto na história do
pensamento brasileiro, concluímos que há uma tradição forte de se pensar
o Brasil como um país diferente, com uma história incruenta. A produção
74
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

de Ciências Sociais na USP começou a pôr em causa essa visão, tanto no


que se refere à questão racial, quanto à questão social. Colocou em causa
inclusive a ideia de nação que vinha sendo elaborada. Enfim, começamos a
formular (na base de Caio Prado, de Manuel Bonfim e de uma literatura de
esquerda) a hipótese de que o país podia ser diferente. Isto é, um país mais
democrático, com um estado de bem-estar social mais avançado – quem
sabe até uma nação socialista, etc.

Octavio Ianni (2004, p.14) coloca a seguinte interrogação:

Como é possível afirmar e reafirmar a democracia racial num país em que as


experiências de democracia política são precárias e que a democracia social,
se existe, é incipiente? Isso é minimamente uma contradição, um paradoxo
num país oriundo da escravatura, autocrático, com ciclos de autoritarismos
muito acentuados. Acrescento ainda (algo muito pessoal) que o mito da
democracia racial não é só das elites dominantes. Quando pensamos que
as relações sociais estão impregnadas pela ideia de democracia racial,
descobrimos, então, que se trata de um mito cruel, porque neutraliza o outro.

A democracia racial é um mito. É só darmos uma olhada nos altos índices de desigualdade racial.
Os negros estão em desvantagem em relação ao branco em várias áreas, como: infraestrutura urbana e
habitação, acesso à educação, acesso à justiça, mercado de trabalho e renda.

No pensar de Octavio Ianni (2004, p.21), em “Dialética das Relações Raciais”, a questão racial
é debatida em nosso país segundo um jogo de forças sociais, entre os subordinados e dominantes,
mostrando como se formula a estrutura da sociedade, “compreendendo identidade e alteridade,
diversidade e desigualdade, cooperação e hierarquização, dominação e alienação”. Isso permeia o mundo
moderno, o século XXI, com preconceitos, intolerâncias, racismos, interesses e ideologias.

Segundo Ianni (2004), o processo de racialização que ocorreu com o mercantilismo, colonização,
volta ocorrer, quando as pessoas e a sociedade, são levadas a perceber, que são definidas pela etnia,
mais precisamente pela raça, levando o traço fenotípico a se tornar um estigma. Para continuar as
operações de “limpeza étnica”, em diferentes países, como a que aconteceu pelo nazismo, na Segunda
Guerra Mundial (1939-45), levando à morte judeus, ciganos, comunistas e outros; tudo em nome da
civilização ocidental. No século XXI, isso é visível pelas elites dominantes norte-americanas, que, em
2002, combateram no Afeganistão, e, em 2003, no Iraque, sempre com a utilização da ideia de civilização,
que, na verdade, nada mais é do que a expansão do capitalismo.

Apesar de o “mito da democracia racial” ser um marco na história do racismo brasileiro, há outra
tese, a do “branqueamento”, que também fez parte da agenda política e social. Essa tese foi pensamento
dominante da elite que comandava o país. E, permaneceu até o surgimento do “mito da democracia racial”.

Basicamente, a tese propunha que a partir da mistura de brancos e negros, a raça branca (sendo a
melhor, a superior) predominava sobre a negra (o inferior), desta forma haveria o melhoramento genético.
75
Unidade II

Assim, quanto mais branca fosse a pele do brasileiro, mais privilégios, poder e ascensão teria, no
entanto se fosse de outra cor, passava a ser desvalorizado, sendo considerado o “outro”, aquele que não
faz parte da cultura, da sociedade brasileira. Isso foi incutido de tal forma, que o próprio negro chegou
ao ponto de autonegação (TABORDA, 2007), desprezando sua origem africana, procurando se parecer
mais com o branco.

Muitos criticam Gilberto Freyre pela teoria da democracia racial, porém quem usou o termo
primeiramente, em 1941, foi Artur Ramos, em um “seminário sobre a democracia no mundo pós-facista”
(TABORDA, 2007). Porém, a expressão foi criada na década de 30, começa a ser usada em 40, e a crença
da democracia racial como crença do ideal de igualdade e respeito é consenso em 50, sendo seu auge
nos anos 60. Sendo usada por intelectuais, universitários, movimentos sociais, e até o Jornal Quilombo,
entre 1948 e 1950, tem uma coluna intitulada “Democracia Racial”.

Segundo Taborda (2007), apesar de Freyre não ter criado o termo “democracia racial”, ele contribuiu
de sobremaneira para a legitimação científica do pensamento de que no Brasil não havia preconceito
e discriminação racial. A esquerda brasileira, em 1964, representada nesse momento por Florestan
Fernandes, tinha consciência que a democracia era um mito e mais, que essa, na verdade, era uma forma
de manipulação social para manter os ideais da aristocracia no poder.

O mito da democracia racial levou a propagandear pelo país uma das formas mais severas de racismo,
o mascarado, com status de democrático. A ideia de que o país é resultado da mistura de raças, que
viviam harmonicamente, levou o povo brasileiro a acreditar que vivemos em uma sociedade harmônica
e sem diferenças sociais, raciais.

Vamos refletir junto com Ianni (2004), o enigma escondido na questão racial, no mundo contemporâneo.

A raça e o racismo resultam das relações sociais, com implicações políticas, econômicas e culturais,
pois é pelas relações sociais que há mudança de etnia para raça, sendo essa última uma questão social,
psicossocial e cultural, desenvolvida na rede de relações sociais, por meio do jogo de forças sociais,
do processo de dominação e apropriação. A classificação dos seres humanos como técnica política,
em que se fundam a estrutura de poder. Desta forma, ao colocar um rótulo no outro, eu coloco nele
um estigma, uma marca, deixando claro a todos quem é ele nas relações cotidianas (trabalho, estudo,
entretenimento), impedindo que tenha relações sociais, tirando-lhe possibilidades e oportunidades, o
alienando, assim como os outros, a sociedade (criando tramas nas tensões de “identidade”, “alteridade”,
“desigualdade”, compreendendo integração e fragmentação, hierarquização e alienação).

Enquanto categoria social, a “raça” representa um signo, um traço, uma característica, uma marca
do olhar de uma pessoa sobre a outra, nas relações sociais. Assim, a pessoa sendo negra, índio, japonês,
na relação com o outro, seja, ele, o grupo, a família ou a sociedade, aos poucos, vai identificando-o
como aquele que não faz parte de seu grupo, vão lhe classificando, hierarquizando. Acabam por
transformar a “raça” em marca de estigma, resultando no preconceito, no racismo, desde atividades
lúdicas às relações de poder.

76
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

O estigma não se restringe a etnias. Ele pode ser colocado em qualquer um, na mulher, no operário, no
camponês, nos adeptos do candomblé. É a representação simbólica que fazem da “marca”, transfigurando-
se em “estigma”. Essa forma de pensar, é chamada de ideologia racial, porque aquele que sofre o estigma, se
relaciona recebendo esses rótulos, porém sabe que é mentira. Assim, precisa desenvolver a autoconsciência
crítica, para conseguir sair da condição de subalternidade em que foi colocado.

O racista tem papel importante em toda essa trama social, pois, no modo de produção capitalista,
na empresa, os indivíduos competem entre si, em busca do status socioeconômico e da classificação
(democrático, autoritário, egoísta, altruísta, neurótico, psicótico). Sendo que essas características acabam
por serem decisivas na maneira como o indivíduo se relaciona com o “outro”, podendo levá-lo a ser
tomado como estranhos, diferentes, como ameaças. A intolerância do racista ou preconceituoso pode
levá-lo ao ódio, agressão, independente do que seja, ele não quer lidar com o diferente, surpreendente.

A ideologia racial dos que dominam, sejam “brancos” ou outros, dinamizam a intolerância, xenofobia,
preconceito ou racismo. Criando uma gama de manifestações, signos, símbolos ou emblemas para
“explicarem”, “justificarem”, “racionalizarem”, ”naturalizarem” ou “ideologizarem” as desigualdades
raciais. Colocando o dominador em lugar privilegiado, e como se esse lhe fosse natural, o controle e
instrumentos de poder.

Perceba que essa ideologia é uma técnica de estigmatização utilizada e transmitida por gerações
e gerações, por meio dos meios de comunicação, dos sistemas de ensino, das instituições religiosas e
partidos políticos. Sendo componente central da cultura atual burguesa (IANNI, 2004).

É dentro desse contexto que se cria o “mito da democracia racial”, o Brasil que nem se quer consegue
ser uma democracia política, muito menos, seria social.

A expressão “democracia racial” leva uma forma sofisticada de racismo patriarcal, patrimonial.
Levando a mistificação da igualdade, como se em nosso país não houvesse desigualdades raciais.
Neutralizando protestos e reações, lutas e reivindicações dos estigmatizados.

Aquele que sofre com o estigma, cria uma contraideologia, de protesto e emancipação. E, desta
forma, o dominado, estigmatizado, elabora e reelabora sua identidade, “contraponto com a alteridade,
na dinâmica das relações, processos e estruturas hierarquizadas, desiguais, com as quais os que
mandam ou desmandam empenham-se em preservar ‘a lei e a ordem’” (IANNI, 2004, p.25). A partir da
autoconsciência crítica, vem a transformação e a emancipação.

Paulo Prado vai trabalhar a miscigenação em outra perspectiva. Em 1928, Paulo Prado lança um
pequeno livro que causa polêmica no país, “O retrato do Brasil”. Esgotando a primeira edição rapidamente
e recebendo muita atenção dos jornais. Sendo editada por 11 vezes.

Paulo Prado, contrariamente aos ufanistas, via a relação social das três raças: a indígena, portuguesa e
africana, com um fim violento. O autor expõe em sua obra, as nossas mazelas e nos pede que reflita sobre
os defeitos de nossa formação e tendência para a política que adia a preocupação com as questões sociais.

77
Unidade II

Observação

Ufanismo – é o ato, atitude de enaltecer o potencial, no nosso aqui, era


o fato de autores brasileiros enaltecerem o potencial brasileiro, as belezas
naturais, as riquezas. Por exemplo, Gilberto Freyre.

Para Paulo Prado, a cultura brasileira é resultado da depravação dos costumes, por causa da luxúria
do português com a do indígena, e pela passividade do negro, sendo a cobiça econômica o alimento dos
colonos e o que levava à desintegração dos costumes. Desta forma, a junção da luxúria com a cobiça
resultaria na tristeza. Por meio do espírito triste, se chegaria a um idealismo e excesso de romantismos,
destruindo por completo o caráter do brasileiro (VENTURA, 2011).

Perceba que essa maneira de ver a sociedade é dada pela ordem moral.

Para Florestan Fernandes, marxista como Ianni, o padrão de relações raciais em nosso país depende
menos da interação entre escravos e senhores e depende muito da estrutura social aqui criada,
rigidamente estratificada. O preconceito racial, apesar da miscigenação, resulta da forma incompleta em
que passamos de uma sociedade escravista, na qual sua posição social é determinada pela hereditariedade,
nascimento (estamentos e castas), para uma sociedade de classes (na qual a sua posição hierárquica é
fundamentada no seu poder econômico). Podendo serem superaradas, as relações raciais por meio da
melhor condição econômica do negro, pois com a ampliação do emprego, teriam condições de ascensão
social, possuindo outro lugar na estrutura de classe (SANTOS, 2004).

A crítica de Florestan Fernandes ao mito racial atinge a obra de Gilberto Freyre, que tinha muito
prestígio na década de 30 e 40. A “democracia racial” passa a ser vista como falsa consciência, como
forma de impedir a mudança social das relações raciais, já que o racismo não era encarado.

A escravidão do negro africano o transformou em mercadoria, em rês/rêses, peça, o desumanizando.


Assim os colonizadores os trataram, tirando-lhes suas histórias, culturas e identidades. Milhares morreram
em guerra, na captura em África, outros nos navios negreiros, chegando ainda milhares ao nosso país,
fazendo a riqueza econômica para os conquistadores. Por fim, formando o povo brasileiro e sua cultura.
A economia escravista foi desumanizadora e desculturadora (RIBEIRO, 1995), obrigando o africano a
deixar de ser alguém para se tornar um animal de carga.

Além de econômica, a escravidão levou a sociedade brasileira a uma estruturação social e política,
imprimindo uma desigualdade entre os seres humanos.

Ao negro foi negada a cidadania, mesmo após a abolição, sendo recusado e discriminado como
mão de obra paga. Isso levou muitos a fixarem a base da agricultura de subsistência e comercializando
os excedentes. “Na maioria das vezes, posseiros ou pequenos proprietários os grupos rurais negros
constroem coletivamente a vida sob uma base material e social, formadora de uma territorialidade
negra, na qual elaboram-se formas específicas de ser e existir como camponês e negro” (SILVA, 2012).

78
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Quando se analisa a questão fundiária em nosso país, ela está fortemente ligada à população negra,
pois quando se institui a compra, os negros foram excluídos desse processo, já que eram escravizados
e depois por serem marginalizados na sociedade, portanto, sem a possibilidade de adquirir terras. A
obrigatoriedade da compra excluiu, além deste, os imigrantes e brancos pobres.

Porém, a história não é marca apenas de submissão, pois houve a resistência negra à escravidão
por meio de práticas como fugas, revoltas, assassinato de senhores, abortos e a formação de quilombos
(SILVA, 2012).

Os quilombos foram a materialização da resistência negra, uma das primeiras formas de defesa
contra não só a escravização, mas à discriminação racial e preconceito. Quando da fuga, os escravizados
buscavam refúgio em áreas afastadas, nas florestas, se tornando seu abrigo e possibilidade de vida em
liberdade, para os indígenas, os mestiços e negros.

O Quilombo dos Kalunga começa com a aliança entre os indígenas que já viviam no lugar há centenas
de anos, de diversas nações: Acroá, Capepuxi, Xavante, Kaiapó, Karajá, entre outros. Tratavam-se por
tapivas ou compadres. No quilombo, também chegavam brancos pobres. As terras eram dos próprios
negros que acabavam sendo donos delas de várias maneiras. Assim, iam se formando as terras de pretos.
O povo Kalunga foi se estendendo pelas terras. Eles ocuparam um grande território que abrange três
municípios do Estado de Goiás: Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás (BRASIL, 2001).

Desde o início da colonização, os africanos escravizados se engajaram no combate contra a condição


de escravizados. O quilombo mais conhecido é o da República de Palmares.

Eram sociedades político-militares, que nasceram de movimentos de insurreições, levantes, revoltas


armadas, proclamando a queda do sistema escravocrata. Frequentemente, aqueles movimentos
tomavam a forma de quilombos à semelhança de Palmares. Os quilombos existiram em múltiplos pontos
do país, em decorrência das lutas ocorridas em diferentes lugares, onde houvesse negação de liberdade,
dominação, desrespeito a direitos, acrescidas de preconceitos, desigualdades e racismo. A dimensão dos
quilombos variava de acordo com a proporção de habitantes, tamanho das terras ocupadas, e estrutura
da produção agrícola organizada nos lugares onde se eram estruturados (SIQUEIRA, 2005).

Os quilombos eram organizados segundo os valores africanos. O termo quilombo, (Kilombo vem
de Mbundu, origem africana), “provavelmente significado de uma sociedade de iniciativa de jovens
africanos guerreiros Mbundu – dos Imbangala” (SIQUEIRA, 2005).

Veja o caso do Quilombo de Palmares!

Palmares se localizava na capitania de Pernambuco, que hoje é o estado do Alagoas, e recebeu esse
nome por causa das árvores, as palmeiras agrestes, que delas tudo aproveitava para produção de vinho,
azeite, sal, roupas; das folhas cobria-se as casas; dos ramos, fazia-se os esteios da cobertura da casa; dos
frutos, o sustento; além de servirem com ligaduras e amarras.

79
Unidade II

Palmares era composto por vários mocambos, grupos de povoamento (Subupira, Macaco e Zumbi,
os principais), composto por mais de 15 mil pessoas os quilombolas.

O rei de Palmares era Ganga-Zumba, ele representava o senhor de todos os que chegassem em Palmares.
Era uma cidade, na qual tinha sua capela, e com imagens de Menino Jesus, Nossa Senhora da Conceição e São
Brás. Lá realizava casamentos, batizados, mas não da forma determinada pela Igreja. Era a cidade principal,
dominada pelo Rei, e as outras cidades ficavam nas mãos dos potentados e casos (SIQUEIRA, 2005).

A razão dos oficiais terem falhado, tantas vezes, em seu embate com Palmares, é que pelo caminho
há falta de água, serra elevada, causando fadiga, mata espessa, com muitos espinhos. Isso fazia com que
os soldados tivessem que carregar comida, armas, água, rede e ainda aguentar o peso das dificuldades
do caminho e da montanha. Isso tudo, deixava muito difícil o acesso até o quilombo. O oficial queria
destruir Palmares, porque teria terras, escravos e honra.

Ganga-Zumba governou Palmares de 1670 a 1687. Em 1678, firmou acordo com o governo de Pernambuco,
após grande período de luta. Mas, o acordo não foi cumprido, sendo destruído o Quilombo oficial.

A partir daí, Zumbi é aclamado como rei e intensifica a luta contra os proprietários e autoridades que
mantinham a escravidão (SIQUEIRA, 2005). Zumbi nasceu no quilombo, foi capturado quando criança, por
soldados e entregue ao padre Antonio Melo, que ensinou português e latim, sendo batizado com nome
de Francisco. Com 15 anos fugiu e voltou ao Quilombo, se tornando líder contra a escravidão (EBC, 2012).

Zumbi não aceita fazer acordo com os colonizadores e, em 1694, cercam o quilombo, destruindo
Palmares. Zumbi, com 39 anos, escapa e ao ser capturado é morto, em 20 de novembro de 1695
(SIQUEIRA, 2005).

Por isso o dia da Consciência Negra ser 20 de novembro, em homenagem ao herói nacional Zumbi
dos Palmares.

Hoje, os espaços dos quilombos são constituídos por populações quilombolas. “O território foi visto
como um espaço físico, mas também como um espaço de referência para a construção da identidade
quilombola” (SILVA, 2012). Territórios que se tornaram motivos de disputas e conflitos, cobiçados pelas
monoculturas de cana de açúcar e eucalipto, ou expansões urbanas, quanto como áreas à preservação
ambiental. O território para quilombolas é, antes de tudo, a base para a construção da identidade
quilombola, pois antes de tudo, o material é político, é econômico, sendo representação simbólica. A sua
terra, além do local de reprodução material para sustentar fisicamente, e também o seu local simbólico,
dos mitos e lendas, do sagrado desse provo.

No Brasil, há aproximadamente 1.209 comunidades quilombolas, em 143 áreas já tituladas, segundo


levantamento da Fundação Cultural Palmares, órgão do Ministério da Cultura. As maiores populações de
quilombolas estão na Bahia (229), Maranhão (112), Minas Gerais (89) e Pará (81). A constituição de 1988
assegurou as terras aos descendentes, devendo o Estado conceder a o título da terra. A partir da sua história,
os quilombolas criaram sua identidade, deixando de ser simplesmente comunidades negras, para serem
quilombolas. Hoje, contam com 1500 comunidades certificadas, graças ao Movimento Negro (SILVA, 2012).
80
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Com a globalização da questão social, intensifica-se a racialização do mundo, transnacionalizando


movimentos sociais de todos os tipos, como feministas, étnicas, religiosas, ecológicas, etc. Muitos
acreditam que esses enigmas são insolúveis, que a globalização implica em mudar alguma coisa, mas
sem alterar nada. Porém, prefiro acreditar que esses problemas ou enigmas podem ser outras formas
de sociabilidade, levando à mudança no jogo de forças sociais, resultando em outro tipo de sociedade.

Vita (1989) vê a cidade enquanto um espaço privilegiado para análise da mudança social. A multidão
é um fenômeno resultante das áreas urbanas, mostrando as necessidades das massas despossuídas.
É só olharmos para os espaços geográficos contrastantes e veremos as desigualdades sociais. Por
exemplo, o Rio de Janeiro com prédios estonteantes ao lado dos barracos. Mostrando as duas faces do
desenvolvimento econômico: a opulência e a miséria.

Segundo a ONU, em 2007, a população urbana se igualou à população rural no mundo. O processo
de urbanização é visto por especialistas como inevitável e cabe às cidades se prepararem para receber a
população rural que cada vez mais tende a deixar o campo.

O processo de urbanização é uma manifestação da modernização da sociedade, que passa por uma
transição do rural para o urbano-industrial. Os problemas nas áreas urbanas são inúmeros, a falta do
planejamento urbano permite receber os contingentes populacionais que acabam formando bairros
periféricos, nos quais os serviços públicos são ausentes, as condições de moradia são precárias e as
distâncias dos bairros centrais são enormes.

A violência tem se constituído em um dos principais problemas das áreas urbanas, com crimes, que
apontam para condições degradantes da vida. Esta situação provoca insegurança social, depredação
física e abalos morais, além dos custos elevados com serviços policiais e equipamentos de segurança.

Na esfera da cultura também há contraste.

A urbanização, apesar de criar muitos modos citadinos de ser, contribuiu para ainda mais uniformizar
os brasileiros no plano cultural, sem, contudo, borrar suas diferenças. A industrialização, enquanto gênero
de vida que cria suas próprias paisagens humanas, plasmou ilhas fabris em suas regiões. As novas formas
de comunicação de massa estão funcionando ativamente como difusoras e uniformizadoras de novas
formas e estilos culturais. Conquanto diferenciados em suas matrizes raciais e culturais e em suas funções
ecológico-regionais, bem como nos perfis de descendentes de velhos povoadores ou de imigrantes
recentes, os brasileiros se sabem, se sentem e se comportam como uma só gente, pertencente a uma
mesma etnia. Vale dizer, uma entidade nacional distinta de quantas haja, que fala uma mesma língua,
só diferenciada por sotaques regionais, menos remarcados que os dialetos de Portugal. Participando de
um corpo, uma das variantes subculturais que diferenciaram os habitantes de uma região, os membros
de uma classe ou descendentes de uma das matrizes formativas. Mais que uma simples etnia, porém, o
Brasil é uma etnia nacional, um povo-nação, assentado num território próprio e enquadrado dentro de
um mesmo Estado para nele viver seu destino... (RIBEIRO, 1995, p. 21-22).

No pensar do professor Perillo (2005) o sistema de representações simbólicas encontrado na cultura


visam compreender, explicar, solucionar e justificar situações resultantes das relações dos seres humanos
81
Unidade II

com a realidade. Desta forma, reproduzem a realidade, segundo as leituras da visão que têm da realidade,
segundo suas linguagens e formas de interpretar essa realidade. Assim, cada um tem sua verdade, sua
forma de ver, pensar e sentir o mundo contaminada pelas ideologias.

Exercício resolvido:

Precisamos pensar que um homem que vive em uma sociedade com o modo de produção capitalista,
em uma sociedade letrada, urbana, industrial, escolarizada, fundamentada pelo conhecimento científico
tecnológico, necessita conhecer a escrita, como os demais. Pois ser ___________________ em
sociedade letrada, demonstra ao indivíduo a falta de um requisito presente e valorizado em nossa
sociedade.

Escolha a alternativa que preenche o espaço corretamente:

a) Analfabeto funcional.

b) Alfabetizado.

c) Escolarizado.

d) Analfabeto.

e) Cientista.

Resposta correta: D

Justificativa: O grupo cultural do analfabeto tem um lugar definido, tendo como característica da
sua identidade a negação: a de que não sabe ler e nem escrever, por isso não tem acesso à forma de
funcionamento da sociedade. Isso cria um estigma do analfabeto, simbolizado pela marca do “dedão”,
repercutindo em sua vida pessoal e social.

MÓDULO 7

Texto I - Característica de ser brasileiro

Buarque de Holanda descreve de maneira inovadora os costumes e as características do povo


brasileiro, destacando sua formação colonial em uma sociedade dividida entre senhores e escravos.
O autor busca uma série de considerações sobre a nossa formação no passado, tentando explicar a
nossa época.

Holanda (1995) explica que a busca pela propriedade e riqueza sem muito esforço é uma característica
do nosso povo, a partir da influência do tipo de homem português aventureiro, o que influenciou a
formação da vida nacional. Isso se deve a vários fatores, como: as raças que se encontraram aqui, os
hábitos que trouxeram e as condições geográficas (terra, clima) às quais se adaptaram. Entendendo que
82
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

os portugueses eram os mais preparados para executar a colonização brasileira, devido à sua forma de
civilização. Essa conquista é vista como consequência das suas necessidades naturais de aventuras.

Destaca as formas de sociabilidade, da vida social, das instituições, da vida social e das mentalidades
segundo nosso passado e que, de certa forma, marca nossa identidade nacional. Apresentada como
em constante construção, marcada pelas contradições, refletindo o choque entre o passado e a nova
sociedade, a brasileira.

Ao analisar a colonização da América, destacou a sua concepção de cultura da personalidade, na qual


o seu apego pelo prestígio pessoal resultava da ausência de uma moral de culto ao trabalho, diferente
dos países protestantes. É essa cultura que contribuiu para que se desse valor ao indivíduo autônomo e
não à organização espontânea, formada pela coesão social. Assim, essa característica está intimamente
ligada à outra herança ibérica, que é a repulsa ao trabalho. Segundo Sérgio Buarque de Holanda,

(...) a carência dessa moral do trabalho se ajusta bem a uma reduzida capacidade de organização
social. Efetivamente o esforço humilde, anônimo e desinteressado é agente poderoso da solidariedade
dos interesses e, como tal, estimula a organização racional dos homens e sustenta a coesão entre eles.
(HOLANDA, 1995, p. 39).

O “homem cordial” é um de seus conceitos centrais que, na verdade, demonstra que o homem realiza
determinadas atitudes mais pessoais em certos momentos que deveria ser mais formal. Assim, mostrando
que a cordialidade, torna-se mais flexível. Por exemplo, no uso de nome e sobrenome, normalmente o
sobrenome é deixado de lado para haver mais personalização nas relações sociais. Isto se dá de forma
semelhante na religião pela superficialidade, para que não haja extremismos.

As principais características que acarretaram influência sobre a formação da cultura brasileira são
(HOLANDA, 1995):

• Predomínio da cultura da personalidade e valorização extrema da pessoa. Exalta o mérito pessoal,


riqueza, feitos e virtudes. Isso contrasta com o processo de autodepreciação do homem comum.
Reflete-se em expressões cotidianas até hoje encontradas (“sabe com quem está falando”; “deixa
pra mim, que eu resolvo”; contador de bravatas, “papudo”).

• Valorização da fidalguia – receber honras e comendas, mas dentro do que o autor fala ser de “uma
digna ociosidade”.

• Predomínio da ética aventureira e da valorização da riqueza fácil, sem maior trabalho, ou


atividade verdadeiramente produtora (prosperar sem custos e esforços que tragam proveito
material imediato).

• Desenvolvimento do espírito perdulário e inconstância nas atividades (foge para o que possa dar
lucro imediato). Não se mantém fiel à inicial profissão. Preferência pelos meios de vida que deem
a ele segurança, riqueza mais fácil, rápida e sem exigir muito esforço pessoal, como em certos
empregos públicos.
83
Unidade II

• Dificuldade em manter formas de associação mais duradouras, acarretando em dificuldade em


desenvolver cidades ou núcleos urbanos maiores.

• Mentalidade do improviso (seus reflexos nos dias atuais).

• Sociedade tendo por base a herança rural, na qual os núcleos urbanos são áreas dependentes do
mundo rural. Alteração dessa característica só com o processo de industrialização, urbanização e
desenvolvimento das atividades comerciais e financeiras.

• Fortalecimento da família e relações patriarcais. Pátrio poder penetra em tudo e chegou aos
núcleos urbanos. O mundo rural possuía muita autonomia: tinha escola, capela, casa grande,
produzia quase tudo que precisava.

• Valorização de atividades que envolvam o pensamento e não as atividades práticas, marcadas


pelo trabalho manual. Reflexo disso nos símbolos dessas atividades: anel de bacharel, de doutor,
títulos, honrarias, comendas, roupas especiais para especiais ocasiões.

• Valorização e importância do romantismo – “criação de um mundo fora do mundo” (reflexos no


sucesso do espírito novelesco).

O “homem cordial” seria o resultado da cultura patriarcal e rural, própria da sociedade brasileira. A
cordialidade do povo brasileiro foi formada pelo predomínio de relações humanas mais simples e diretas
que rejeitavam a polidez e a padronização, características da civilidade.

A dificuldade de desvincular-se de laços familiares e se constituir como cidadão brasileiro se expressa


no fato da oposição entre Estado e família. Ao contrário do que o senso comum mostra, o Estado
não é extensão da família – pelo contrário, é seu opositor. Porém, para a sociedade brasileira, isso é
complicado, já que aqui a instituição família é a base de nossa sociedade. É na esfera da família que se
constituiu o aconchego e as formas emotivas de tratar o próximo. Consequentemente, isso interferiu
na organização da esfera do Estado, gerando confusão entre aquilo que é privado e o que é público. O
famoso jeitinho brasileiro.

Essa cordialidade seria alcançada a partir da divisão das emoções, da fala de seus sentimentos e
problemas sentimentais. Esse comportamento está, segundo Buarque de Holanda (1995), presente em
nossa vida cotidiana por meio da linguagem, na religião, buscando diminuir as diferenças de classe e de
poder entre as classes sociais.

Segundo Holanda (1995), a contribuição do brasileiro para a civilização é a cordialidade, isto é, a


sua forma de se comportar, por meio da hospitalidade e da generosidade, demonstrando esses traços
como componentes do nosso caráter, segundo os estrangeiros que vêm nos visitar. Porém, para o autor,
isso não representa boas maneiras, muito menos civilidade. Pois, na verdade, isso representa nosso lado
emotivo rico e envolvente. Já que a civilidade carrega dentro de si a coerção, a partir de regras, normas
e castigos. Assim, a civilidade implica em controlar as emoções e subordinação às regras mais formais.
A forma natural do “homem cordial brasileiro” pode até parecer uma atitude polida, de bondade. No
84
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

entanto, essa é mais uma forma de defesa dele perante a sociedade. Isso é um disfarce, uma máscara
para manter intocável sua sensibilidade e emoção. Desta forma, o pessoal se sobressai ao social.

O brasileiro tem aversão ao ritual social, assim, precisa muitas vezes apresentar uma personalidade
semelhante e equilibrada, para conseguir mostrar respeito a um superior. O nosso temperamento até
concebe um acatar o comando de outro, mas somente quando não é possível um contato mais íntimo,
familiar. A questão do respeito a outros povos está na intenção de construir uma relação de intimidade.
A expressão do homem cordial é a expressão simbólica do malandro carioca, o malandro brasileiro, que
sempre dá o jeitinho brasileiro.

Por isso, é tão difícil saber viver a vida privada distanciada da vida pública, pois a relação entre vida
privada e esfera pública está colocada já no momento de nossa colonização. Ela pode ser vista quando
passamos de uma economia rural para uma economia industrial. Nós tivemos dificuldade em abolir a
ordem familiar e implantar outra, pois a ordem familiar tem a base no afeto, no sangue e a outra em
instituições sociais e nas relações sociais.

Os colonizadores educavam seus filhos em casa. Porém, isso desaparece devido às novas condições
de vida, libertando o indivíduo da comunidade doméstica. Afirmando que a pedagogia moderna se
coloca como favorável a essa separação, colocando a liberdade como condição necessária para o ser
humano se adaptar à vida prática. E reconhece que a sociedade brasileira possui base muito sólida na
família, em especial a patriarcal.

Isto passa a ser um problema, já que acaba por não auxiliar na formação de uma sociedade do
modo de produção capitalista, isto é, não incentiva valores como a iniciativa pessoal e concorrência
entre os cidadãos.

Tanto é que Holanda (1995) afirma que, mesmo no Império, em 1827, a fundação do ensino superior,
em São Paulo e Olinda, foi de grande ajuda para formar profissionais públicos competentes, fazendo com
que esses conseguissem se libertar das amarras familiares, conforme se desenvolviam em sua faculdade
de curso jurídico.

Assim, com essa nova pedagogia, os jovens eram levados para estudar longe de seus pais, para
adquirirem responsabilidade, já que, como crianças, ficaram dependentes dos pais. Porém, nem sempre
isso bastava para destruir os vínculos familiares, valores que eram opostos às necessidades de uma
sociedade de homens livres. Tanto é que Holanda (1995, p. 144) cita o pensamento de Joaquim Nabuco,
o qual afirmava que “em nossa política e em nossa sociedade (...), são os órfãos, os abandonados, que
vencem a luta, sobem e governam”. Desta forma, a concorrência entre os cidadãos é vista como um valor
positivo. Por isso, a necessidade de uma nova forma de educação que levasse os jovens a ter iniciativa
pessoal e desenvolver o individualismo.

Assim, para Holanda (1995), no Brasil, o tipo de família que tivemos foi e é patriarcal. Desta
forma, o desenvolvimento urbano vai acarretar um desequilíbrio social sentido até hoje. Segundo
ele, o desenvolvimento urbano não é resultado apenas do crescimento das cidades, mas também do
crescimento dos meios de comunicação e de sua influência sobre todos, inclusive sobre as áreas rurais.
85
Unidade II

Na definição da família patriarcal, temos uma família numerosa, composta não só pelos pais e filhos,
mas incluindo: criados, parentes, agregados e escravos. Todos aqueles que são submetidos ao poder
absoluto do chefe da família, isto é, o marido, o pai, o patriarca.

Essa cultura familiar doméstica irá influenciar os profissionais da esfera pública levando a não
compreender a diferença entre privado e público.

Veja os perfis dos funcionários públicos (HOLANDA, 1995):

• O primeiro destes perfis é o patrimonial, no qual o funcionário público vê as questões políticas


como assunto de interesse particular, assim sendo, sua gestão será a de conceder empregos e
benefícios segundo seus interesses particulares e não segundo os interesses do Estado. A escolha
dos homens para funções públicas faz-se segundo a confiança pessoal e não de acordo com as
suas capacidades próprias. Sendo o pessoal que determina a vida no Estado burocrático.

• O outro tipo de funcionário público é o puro burocrata, categoria de Max Weber, o funcionário
de formação especializada, profissional, cujas condições de serviço estão determinadas por um
contrato, com pagamento fixo e sua ascensão na hierarquia de cargos é determinada por regras
do Estado. Seu trabalho segue o objetivo ao qual foi determinado, não levando em conta seus
interesses pessoais, mas as regras racionais de sua função.

Para Holanda (1995), nossa história governamental foi marcada muito mais pela existência de um
sistema administrativo com um corpo de funcionários dedicados aos seus próprios interesses, isto é,
dedicam-se aos seus objetivos particulares e pouco se mobilizam em função de uma ordenação impessoal.
Chegando à conclusão de que a família é a instituição que mais influenciou o desenvolvimento de nossa
sociedade dentro desses padrões. Isto é, as relações domésticas nos forneceram um modelo de organização
social no qual as relações de sangue e de sentimento determinam nossas escolhas profissionais. Este será o
modelo utilizado até em instituições democráticas, que, em sua base, deveriam ser neutras. Isto é, deveriam
guiar-se sem interesses particulares, apenas para o interesse do público, do povo.

Para a nossa sociedade o fato da esfera pública ser tratada como privada resultará no nepotismo,
apadrinhamento e no protecionismo.

Uma das características da sociedade contemporânea, assim como de outras, é a grande diversidade
interna. Isso decorre do fato de que a população se encontra colocada de modo diferente no processo
de produção capitalista (SANTOS, 2006). Há setores que são os proprietários das indústrias, das
fazendas, dos negócios em geral, chamados de capitalistas e, do outro lado, há os que nada possuem
para produzir para se manter e, por isso, tornam-se os trabalhadores dessas organizações, chamados
de proletariados. As classes sociais possuem formas diferentes de viver e enfrentam problemas
diferentes em sua vida social.

Mas não é apenas isso: é algo mais complexo, pois se formos analisar as maneiras, os modos não são
homogêneos nem dentro das classes.

86
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Perceba que a realidade social dos trabalhadores rurais e suas famílias são diferentes das enfrentadas
pelos trabalhadores industriais ou dos comerciários. Temos diferenças de renda, de estilos de vida, de
acesso à escola, a hospital, a lazer. Além disso, também não há uma distinção muito nítida entre as
classes, já que nas áreas urbanas encontramos camadas intermediárias, chamadas de classes médias.

Essa análise acima nos serve para iniciar uma reflexão sobre como tratar a dimensão cultural de
nossa sociedade. A cultura, entendida como a forma de dar conta dessas particularidades, pode detalhar
ainda mais a vida concreta apresentada acima, já que é possível diferenciar a vida social entre homens e
mulheres, bem como entre crianças, jovens e idosos. Também podemos diferenciar as práticas religiosas,
médicas e alimentares (SANTOS, 2006).

Desta forma, poderíamos falar, a partir do exposto acima, em cultura dos idosos, dos evangélicos,
dos aposentados, das mulheres de classe proletária. Ou poderia ser também dos idosos aposentados
evangélicos, ou das mulheres de classe proletária do estado de São Paulo em 1980.

Texto II - As categorias científicas

Perceba que algumas preocupações são mais recorrentes do que outras. Assim, ao estudarmos
cultura no Brasil, podemos nos preocupar em saber o que são as várias categorias de cultura utilizadas
por pesquisadores e intelectuais como: cultura popular, cultura erudita, cultura de massa (ou indústria
cultural), cultura popularesca, folclore. Existem autores que dizem já não ser possível achar cultura
simplesmente popular ou erudita em uma sociedade como a nossa, integrada pelos veículos de
comunicação, ou seja, pela indústria cultural.

Segundo Santos (2006), na história das preocupações com a cultura, em um primeiro momento,
a cultura é entendida como refinamento pessoal e, posteriormente, a cultura passa a ser a descrição
das maneiras de conhecimento produzidas pelos dominantes nos estados nacionais, principalmente na
Europa, a partir do fim da Idade Média.

Desta forma, a preocupação com a cultura nasce voltada para o conhecimento erudito, cujo acesso
era possível apenas às pessoas que pertenciam aos setores dominantes desses países. Segundo Santos
(2006), essa forma de conhecimento, denominado erudito se contrapõe ao que a maior parte da
população possuía: um conhecimento classificado como atrasado e inferior, que passou a ser visto como
outra forma de cultura, chamada de cultura popular.

Talvez você se pergunte, agora, o que é popular e o que é erudito, não? Então, prossigamos:

Segundo Nelson Tomazi (2000), para pensar cultura popular versus cultura erudita, as quais designam
formas diferentes de ser, pensar e agir, associando os dominados ao popular e os dominantes à erudita,
é preciso, antes de tudo, entender os porquês desta oposição.

Por que fazer distinção, categorizar a cultura em tipos e conceder a ela valores diferentes? Como
defini-las e distingui-las uma da outra?

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Unidade II

Os antropólogos brasileiros Gilberto Velho e Eduardo Viveiros de Castro (apud Tomazi, 2000, p. 179)
afirmam que a cultura se refere a toda produção simbólica, trazendo em si todas as contradições da
sociedade. No caso de sociedades capitalistas como a nossa, a produção simbólica estaria relacionada às
próprias relações capitalistas de produção, relações que opõem capital e trabalho e, consequentemente,
dominantes e dominados.

A preocupação dos dominantes em estudar a cultura popular, na verdade, representa uma tentativa
de classificar a forma de pensamento e ação dos mais pobres da sociedade, buscando a lógica interna, a
sua dinâmica e principalmente as consequências políticas dessa forma de pensar e ser.

Percebe-se que, ao longo da história, a classe dominante desenvolveu o controle da cultura erudita
e criou um mundo de legitimidade própria, expressado pelo conhecimento científico, pela filosofia e
também pelas instituições oficiais, como a universidade, a academia, a ordem dos profissionais (por
exemplo, dos médicos, advogados, etc.). Desta forma, no modo de produção capitalista, no qual a
sociedade é dividida em classes, essas instituições não passam pelo controle das classes dominadas.

Pensando dessa forma, cultura popular é a manifestação dessas classes chamadas de dominadas,
que são manifestações diferentes das elaboradas pela classe dominante, já que são produzidas fora das
instituições oficiais, que existem de forma independente dessas.

Ao pensar em cultura erudita, imediatamente somos remetidos ao fato de que seus produtores fazem
parte de uma elite política, econômica e cultural que tem acesso à escrita, a livros, ao estudo. Porém,
afirmar que quem faz cultura erudita são os que pertencem a uma classe dominante não significa
que essa cultura seja homogênea. Segundo Gilberto Velho e Eduardo Viveiro de Castro (apud TOMAZI,
2000), “é impossível definir a cultura erudita, porque os elementos culturais produzidos por intelectuais,
fazendeiros, industriais, empresários, burocratas e políticos (...) não podem ser homogeneizados”.

Definir a cultura popular no que tange a seus produtores é mais complexo ainda, pois, como coloca
Tomazi (2000), expressando o pensar de Gilberto Velho e Eduardo Viveiro de Castro, é impossível
homogeneizar, formando apenas um caráter, pois há diferença entre as produções dos camponeses,
dos operários, de classes médias, baixas e outros setores sociais. Além desse fato, temos de considerar a
multinacionalização do capital e, consequentemente, a transnacionalização da cultura, já que, a partir
da internet, grupos étnicos de locais mais remotos podem realizar o intercâmbio econômico, político e
cultural, de maneira que influenciam e são influenciados pela produção cultural mundial.

Mas quando há essa separação entre cultura erudita e popular?

Segundo o historiador Peter Burke (apud TOMAZI, 2000), isso aconteceu no final do século XVIII
e início do XIX, momento em que os intelectuais europeus passaram a se preocupar com a produção
do povo. Começaram a visitar casas e festas dos artesãos e camponeses para saber e aprender suas
canções e estórias. Alguns desses intelectuais eram filhos de artesãos e camponeses. Porém, a maioria
era de classes superiores e não os conheciam. “Quando pensavam no povo, imaginavam-no natural,
simples, analfabeto, instintivo, irracional, enraizado na tradição e na terra, sem nenhum sentido de
individualidade. Exatamente por isso queriam conhecê-lo” (TOMAZI, 2000, p. 191).
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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Em um primeiro momento, consideraram o povo como exótico. Depois, passaram a admirá-lo e


até chegaram a imitá-lo. Porém, essa valorização do povo pelos intelectuais tinha motivos políticos,
intelectuais e estéticos. Segundo Tomazi (2000), esse movimento representava a revolta contra a “arte”,
sendo esta considerada como artificial. Desta forma, o que o povo elaborava era valorizado como o que
era simples e natural, como os velhos poemas. Além disso, foi um movimento contra o Iluminismo, já
que este não era apreciado em países como a Alemanha e a Espanha, pois ele se originara na França e,
desta forma, representava o predomínio da cultura estrangeira.

Assim, a busca pela cultura popular significava oposição à dominação estrangeira e fundamentação
ao nacionalismo. É por isso que a cultura popular vai ser descoberta pelos intelectuais europeus
“primeiramente na Alemanha, na Polônia, em Portugal, na Espanha, na Sérvia, que tinham problemas
com relação à sua construção nacional (...)”. (TOMAZI, 2000, p. 192). Sendo assim, pode-se inferir que, de
certo modo, foram os intelectuais que, ao pesquisar e coletar as canções, poemas e estórias populares,
inventaram entre o próprio povo a ideia de “nação”.

Além deste fator, as pesquisas também objetivavam resgatar a memória, pois, em 1800, falavam
que as canções folclóricas estavam ficando esquecidas, já que o crescimento das cidades e o aumento
da alfabetização acabavam com a cultura popular tradicional, segundo Tomazi (2000). Por isso, os
pesquisadores de tradições populares faziam a coleta de antiguidades populares. Porém, esse produto
era direcionado a um público constituído de pessoas que sabiam ler, escrever, conhecedoras da música
erudita, sendo assim, que possuíam uma visão de mundo muito diferente da dos produtores, o povo.
Desta forma, muitas vezes, os intelectuais adaptavam o produto do povo para a linguagem e valores do
público a que se direcionava.

Harmonizavam as composições, modificavam as linhas melódicas que achassem desafinadas (ou seja,
fora do padrão musical dominante) e substituíam as letras que julgassem inadequadas ou grosseiras.
Ao transcreverem estórias e poemas para a língua nacional, também as transformavam, quer seja em
termos de forma (a estrutura da métrica, do ritmo, da rima), quer em termos de conteúdo (colocavam
finais moralizantes, mudavam as características de personagens, etc.) (TOMAZI, 2000).

Porém, Tomazi (2000) nos lembra que só foi possível saber da existência desse material a partir desses
registros, que os pesquisadores ligados à cultura erudita realizaram. Mas, também, isso demonstra o
grau de interferência, com a mudança da linguagem, valores do popular para o público erudito. O autor
ainda nos lembra que a grande maioria das canções e estórias brasileiras tradicionais foram produzidas
pela escrita literária e musical de nosso país. Muito pouco foi passada oralmente, pela herança familiar.

Conforme foi colocado até agora, as duas culturas se desenvolvem com a oposição entre o que é
erudito e o que é popular, sendo que é transferida para a dimensão da cultura a oposição existente
no modo de produção capitalista, os diferentes interesses das classes sociais. Segundo Santos (2006),
a existência de classes dominadas demonstra a existência das desigualdades sociais e a obrigação de
superá-las, por isso a cultura popular pode ser vista com um conteúdo transformador.

Como também a cultura erudita compreendida como a elaborada pelas classes dominantes reflete a
sua expansão colonizadora. Desta forma, segundo Santos (2006), a expansão do conhecimento a partir
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Unidade II

das escolas pode ser entendida como controle social, mantendo as desigualdades básicas da sociedade,
sempre em benefício dos que dominam a estrutura econômica e política de nossa sociedade.

Perceba o quanto essa oposição entre cultura popular e cultura erudita nos leva a conclusões complicadas.

Na verdade, a oposição não existe. Porque aquilo que antes era restrito a determinadas classes, agora
é domínio de uma grande maioria. Por exemplo, o domínio da escrita e da leitura, que antigamente era
um saber de domínio das classes dominantes, tende cada vez mais a se generalizar, deixando de ser
restrito e não podendo mais ser classificado como erudito. Não só o conhecimento da escrita como
da leitura, mas também isso pode ser expresso a partir da formação das classes trabalhadoras em
universidades. Essas classes agora estão obtendo nível universitário e pessoas pertencentes a esta classe
estão se tornando professores, advogados, engenheiros, etc., antes privilégios apenas de pequenas elites.

Isso demonstra como é errôneo polarizar a cultura entre popular e erudito, segundo a classe. Na
verdade, essa oposição denuncia a associação ao processo político, no qual as ideologias são produzidas
para manutenção do modo de produção capitalista, mantendo a desigualdade entre as classes sociais.
Desta forma, Santos (2006) demonstra que as classes dominantes existem em relação com as classes
dominadas e, assim, partilham de um único processo social e comum, do qual possuem o controle.
Assim, toda a produção cultural é resultado dessa existência comum, da história coletiva, por mais que
seus benefícios e controle sejam desiguais.

Vejamos o futebol. Vamos analisá-lo?

Pense! Tanto o futebol quanto o carnaval fazem parte do processo histórico da sociedade brasileira
como um todo (SANTOS, 2006). Fazem parte da vida urbana, estão expressos nos centros políticos
e econômicos tanto em nível nacional quanto internacional. Tanto um quanto o outro mudaram
conjuntamente com o país, deixando de ser exclusivamente parte de uma população tanto na prática
quanto na organização.

Se a origem fosse tão determinante, teríamos de considerar o futebol como erudito, já que este é
de origem inglesa e foi introduzido no Brasil pela elite no começo do século XX. Além disso, ele não se
generalizaria como o fez, tornando-se popular.

Fique atento, pois o modo que pensamos a cultura de uma sociedade está unido a outras preocupações
e às relações sociais, econômicas e políticas.

Pense sempre a cultura em todos os processos sociais que fazem parte de toda a sociedade. A cultura
é produto da sociedade e a sociedade produto da cultura, numa relação dialética. A cultura não pode ser
entendida como apenas representação de outras esferas da sociedade, ela é a própria sociedade.

Assim, por mais que se fale em cultura brasileira, ela não é homogênea, isto é a mesma para todas
as pessoas que vivem em nossa sociedade. Porque a realidade não é uniforme, muito menos em uma
sociedade moderna, muito menos no modo de produção capitalista, isto é, na sociedade que divide seu
povo em classes, na qual sua posição é determinada pela sua condição econômica.
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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

As categorias de cultura

A tradição da nossa Antropologia Cultural, como foi mostrada até aqui, fez o Brasil segundo critério
racial: cultura indígena, cultura negra, cultura branca, culturas mestiças. Outros podem dividir em
categorias de cultura europeias e não europeias. Em categorias de classe, como cultura burguesa, cultura
proletária. Porém, por mais que se mudem os critérios, o plural continua a existir.

Para Alfredo Bosi (1992), o importante é fazer uma análise dialética.

Vamos lá, então!

Segundo Bosi (1992), ao entendermos a cultura pelo prisma da herança de valores e objetos que
recebemos de nosso grupo e que é compartilhada por este, podemos falar em uma cultura erudita
brasileira, mas pelo viés do conhecimento produzido dentro das universidades.

A cultura popular, pelo conhecimento que não é letrado, pelos produtos materiais e simbólicos do
homem rústico, sertanejo ou do interior, e do homem pobre suburbano, que não assimilou as estruturas
simbólicas da cidade moderna.

Ao demarcarmos, podemos acrescentar outras duas dentro da própria sociedade urbano-capitalista


(BOSI, 1992):

• Cultura criadora individualizada de escritores, compositores, artistas plásticos, dramaturgos,


cineastas, enfim, intelectuais que vivem fora da Universidade.

• Cultura de massas ou os meios de comunicação, que incentivam o consumo.

Pensando assim, chegaríamos ao seguinte quadro analítico (BOSI, 1992): cultura universitária,
cultura criadora extrauniversitária, indústria cultural e cultura popular. Esse esquema coloca como base
das diferenças as que são feitas dentro e fora das instituições, e essa é definida como organização das
classes dominantes. Precisamos relativizar a categoria de instituição e, para isso, vamos entendendo-a
como os sistemas culturais organizados para serem instituições como a escola, empresa, etc., e as
manifestações para vida como, poema, mutirão, roda de samba, etc. Assim, a procissão do Senhor Morto
na Semana Santa e também uma instituição, como o candomblé, e um rito indígena, são concebidos
enquanto cultura popular. E a peça teatral, também como forma de instituição, como expressão da
cultura criadora.

Vamos analisar cada uma delas?

A cultura universitária (BOSI, 1992), denominada cultura erudita, pode ser delineada como
setor privilegiado, já que é instrumento de interesse de grupos privados, particulares, e é protegida por
eles, já que é um meio para fazerem investimentos, ou pelo Estado, o qual investe financeiramente no
ensino superior. Sendo o ensino superior meta de todos os jovens das classes alta, média e pobres, tendo
como apoio os veículos de comunicação, a indústria cultural, que por muitos pensadores é vista com
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Unidade II

um dos aparelhos do Estado, como a educação e, principalmente, o ensino superior, que é quem forma
os profissionais e pesquisadores para o país.

Observação

Os aparelhos do Estado é uma forma de pensar da teoria marxista, na


qual diz que a classe que tem o poder econômico também tem o poder
político – o Estado. E, desta forma, o Estado administra a sociedade segundo
os interesses da classe que domina o poder econômico.

Assim, a destruição do universo educacional prioriza a falta crítica para a sociedade capitalista se manter.
Por isso, a cada dia, as disciplinas que ensinam o pensamento crítico são retiradas dos currículos universitários,
causando deficiência crítica e lógica no discurso dos profissionais e pesquisadores, das pessoas em geral, pois
assim acabam sendo conformistas e não lutam pelas mudanças sociais, nem se quer sabem como mudar.

Uma demonstração histórica disso foi o que ocorreu com as Ciências Sociais. O Estado, no momento
militar, contrário ao pensamento crítico, responde com as seguintes medidas (BOSI, 1992):

• Implanta em todos os graus de ensino doutrina sociopolítica com ideais capitalistas. Por meio das
disciplinas de Organização Social e Política do Brasil (no 1º e 2º graus) e Estudos de Problemas
Brasileiros (ensino superior) levam o pensamento nacionalista, como se a sociedade estivesse
vivendo um progresso técnico e social, dando lugar a todos que trabalham e que cumprem com
seus deveres profissionais; doutrina usada por Getúlio no Estado Novo, mas não com tanta ênfase.

• Substituição do ensino de História Geral, de Geografia Geral, de História do Brasil e de Geografia


do Brasil, no 2º grau, por uma única disciplina denominada de Estudos Sociais, prejudicando o
conhecimento, pois o reduziu em muito, além de fazer vários professores formados em Ciências
Sociais, História, Geografia, Pedagogia concorrerem por essa aula, já que suas disciplinas tinham
sido extintas do ensino secundário.

• Filosofia desapareceu do 2º grau, tirando a reflexão teórica e a crítica da formação dos adolescentes.
Como também desapareceu no ensino superior.

• A exclusão do ensino de Francês em todos os níveis de ensino, devido à predominância econômica


dos Estados Unidos em nosso país.

• Unificação do vestibular por meio de questões alternativas e sem redação, levando como
consequência ao ensino de 2º grau um conhecimento informativo no lugar de formativo e
axiológico, como também, para os cursinhos pré-vestibulares.

Essas medidas atingiram de sobremaneira o universo educacional, principalmente prejudicando o


conhecimento do povo brasileiro, tirando-lhe a base necessária para o pensamento crítico para com a
vida cultural, social, econômica e política de nosso país.
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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

A política nacional e internacional apoiou a multiplicação das instituições privadas, em sua grande
maioria, puramente mercadológicas, e o ensino acabou se tornando um serviço, uma mercadoria. Mais
uma vez levou à alienação do povo, pois, segundo o Banco Mundial, nos países periféricos – classificação
do Brasil – deve-se ter “poucas universidades de pesquisa, seguidas por universidades de formação
profissional de quatro anos, institutos isolados e centros vocacionais e/ou de formação técnica com
duração de dois anos” (OTRANTO, 2006, p.2).

Esses anos de política voltada ao desenvolvimento do país, a ciência em geral, foi levada pelo Estado
e pela empresa privada nacional e internacional, a produzirem segundo os seus planejamentos, voltadas
não para a democratização dos bens culturais, mas para o atendimento das necessidades de mercado,
principalmente das empresas multinacionais.

O povo sendo alienado, pelo conhecimento mínimo, faz o Estado ficar mais forte e seguro. Podemos
aqui, incluir que essas forças não foram apenas do Estado brasileiro. Devemos pensar que o Brasil faz
parte de um mundo globalizado. Então, as leis determinadas pelo Estado também estão atendendo a
interesses de outros países como de empresas estrangeiras. Quem manda é quem tem capital, dinheiro.
Pois, passamos muito tempo de nossa história dependente desse capital para comprar tecnologia, para
desenvolver o nosso país e dar melhores condições de vida, por meio de empregos em multinacionais.

Vivendo em uma sociedade de consumo, que tudo se compra e se vende, tudo vira moda, acaba por
ser diluída no abuso verbal, chegando a integrar o pensamento científico, o qual perde seu objetivo de
transformador do status quo (veja o significado, que já foi apresentado a você).

A estrutura do capitalismo, da sociedade de consumo, cria recursos dentro desse processo


modernizante para punir expressões ou atitudes que não se enquadram aos padrões desejados, pois
estes podem levar a observar as contradições econômicas existentes. Havendo tolerância apenas quando
a atitude não fere a estrutura dada, punindo aqueles que se rebelam a essa determinação para que
aceitem as ordens determinadas; manter a ordem para chegar ao progresso do capitalismo.

A falta do conhecimento lógico, dos variados métodos de pesquisa, leva a análises incoerentes sobre
as censuras realizadas em todas as áreas, seja na política, jornalismo, cinematográfica, teatral, etc.

A cultura popular, a que é elaborada fora da universidade, para que se possa entendê-la, primeiro
precisa estar claro que cultura é a maneira de pensar, sentir, viver e falar de um grupo.

Segundo Alfredo Bosi (1992), o que caracteriza a cultura produzida fora da universidade é que
ela é passada ao povo junto com desenvolvimento de sua vida em sociedade. Contrariamente ao que
acontece com a cultura universitária, que é centrada e especializada, só para aqueles que entendem as
normas, fórmulas, técnicas, etc.

No mundo elaborado fora da universidade, a cultura por meio dos símbolos e bens culturais é criada
para ser usada, vivida e não analisada cientificamente.

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Unidade II

A cultura popular (BOSI, 1992) produz representações simbólicas da vida brasileira, o seu imaginário,
dos mais variados modos, que vão desde os rituais indígenas, ao candomblé, ao samba de roda, à festa
do Divino, aos terreiros de umbanda, etc. É uma imensa diversidade de estilos, cultos e expressões
culturais, que são vistos enquanto instituições, como as manifestações de grupos, sem a rede de poder
econômico e ideológico que dispõe a cultura universitária e a indústria cultural. Poderíamos chamá-las
de microinstituições com boa distância da cultura oficial, que expressam o pensar, sentir e viver de grupos
mais fechados, apesar de seus membros pertencerem as demais culturas, como deter o conhecimento
universitário e receber a de massa.

Bosi (1992) critica os autores que chamam essas manifestações de folclóricas, por serem classificadas
em hábitos rústicos ou suburbanos, como a cultura indígena, negra, cabocla, escrava, isto é, culturas
produzidas pelos dominados.

O pensamento do evolucionismo social, com análise etnocentrista, classificou a cultura popular


como a primitiva, atrasada, subdesenvolvida, transformando-as em resíduo para serem difundidas pela
cultura de massa e cultura escolar.

O pensamento dos românticos (nacionalista, regionalista ou populista) valoriza os valores transmitidos


pelo folclore, recusa a sua transmissão por meio da cultura de massa e a cultura universitária.

No pensar de Bosi (1992), para que se faça uma análise da cultura brasileira, é preciso analisar o
cotidiano simbólico, físico e imaginário das pessoas que vivem aqui, buscando seus pensar, sentir, enfim,
a sua visão sobre tudo.

Bosi deixa claro que para pensar a cultura popular não é possível separá-la do material, pois o simbólico
e o espiritual fazem parte das relações do homem com a esfera econômica, formando um único contexto.
Implicando no alimento, no vestir, nas relações entre o homem e a mulher, na sua casa, na higiene, nas
práticas de cura, nas formas de parentesco, na divisão do trabalho, nas crenças, nos cantos, nas danças,
nos jogos, na pesca, na caça, na bebida, no fumo, no comportamento de cumprimentar, nas palavras que
formam os tabus, na maneira de olhar, de sentar, de andar, de visitar, nas romarias, nas festas religiosas,
nas promessas, na forma de criar os animais, de plantar, no conhecimento do tempo, da maneira de chorar,
de rir, de consolar, de se tornar amigo, etc. Não dá para separar o ser humano da sua forma de ser da sua
relação econômica (do material ao simbólico e do simbólico ao material). Essa observação é difícil de ser
apreendida pelos letrados, por buscar dividir a experiência popular em itens materiais e não materiais.

Nesse materialismo animista (expressão de Guimarães Rosa), é entendido como materialismo os


meios usados para produção que dá ao homem um conhecimento da realidade, da praticidade, senso
de limites e possibilidades futuras, sendo sua defesa numa sociedade desigual. Por exemplo, o homem
pobre, que trabalha na terra, com enxada, sendo seu meio de sobrevivência, tira dessa vida diária
o conhecimento de sua realidade, sabedoria empírica, para lidar com adversidade da natureza e da
própria sociedade. Porém, esse mundo da pobreza, da necessidade não é desencantador. Pois esses seres
humanos têm uma relação implícita com a força superior, Deus, que no sincretismo religioso aparece
por meio dos santos, de espíritos celestes ou infernais, nos mortos, bem como nos ídolos advindos dos
meios de comunicação, que são pessoas prestigiadas na sociedade (BOSI, 1992).
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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Desta forma, a relação de produção econômica resulta em um empirismo, realismo no trabalho


que converge com o universo mágico, que os leva a crer em sortes, azares, maus olhados, simpatias,
acabando por resultar em objetos com essas crenças, como fitas, medalhas, pedras, amuletos, imagens,
ervas, formando um sistema de representações simbólicas do animismo brasileiro nos grupos mais
pobres, mas não somente nelas. Essa visão aceita com facilidade a crença na reencarnação, por isso
o grande número de católicos espíritas no Brasil. Esse materialismo cíclico nos faz acreditar que nada
morre, que todos podem voltar se assim quiser quem rege nosso destino, nos colocando uma esperança
que renasce sempre. Essa forma de pensar faz parte da nossa cultura popular.

O pesquisador Alessandro José de Oliveira (2003, p.17), em sua dissertação de mestrado, nos deixa
claro que “uma das atribuições dada ao conceito de ‘popular’ remete fundamentalmente à noção de
generalidade, assim, algo é popular porque todos conhecem sem distinção”.

Isso significa que a cultura popular é aquela que é feita apesar das classes sociais, aquilo que todos
sabem fazer, sem distinção.

Veja o exemplo do Samba de Roda (OLIVEIRA, 2003, p.122):

Tudo indica que o samba de roda é, na verdade, uma roda de samba. Geralmente, em festas e encontros
de finais de semana, grupos de amigos se reuniam e entorno de comes e bebes no despojamento de uma
festança iniciava-se uma batucada. Diante da mesa, encontravam-se pratos e talheres que somados
ao palmeado simples marcava o ritmo da dança. Algumas vezes, uma viola, comumente um pandeiro,
modernamente atabaques, entraram no jogo. Por essas características, o samba de roda passa a ser
considerado o pai do pagode e do samba miudinho. Com o tempo, o Samba de Roda se caracteriza por um
círculo. A princípio, os homens formavam uma fila indiana circular na qual as mulheres posteriormente
se intercalavam. Sempre rodando da esquerda para a direita, com as mãos nos ombros ou nas cinturas,
todos gingavam por tempo indeterminado. Há, porém, duas variantes no samba de roda: o paulista e o
baiano. O primeiro (que acontecia na região de Caçapava) se iniciava com um desafio de dois violeiros
através de ‘passes de violas’ – acrobacias realizadas com o próprio instrumento. Sua característica
principal se dava pela organização em torno de uma mesa de alimentos em que se utilizavam talheres
e utensílios domésticos para a batucada. O samba de roda baiano apareceu na periferia de Salvador e é
uma roda de samba mais simples, acompanhada, basicamente, por instrumentos musicais de percussão.

A indústria cultural (BOSI, 1992) é conhecida por você, como meio de comunicação de massa (a
televisão, o rádio, principalmente). É quem, fora da universidade, leva, transmite os bens culturais. Por
exemplo, a dona de casa assiste à sua novela, do horário nobre, na TV; o filho ouve música brasileira ou
norte-americana. Na roça, o trabalhador rural, com seu rádio de pilha, ouve o jogo de futebol. Todos
assistem ao jornal da noite, consomem as imagens de outros países, sabem dos problemas e enchentes
e secas que estão ocorrendo nos estados. E quase nunca a família vai ao cinema, muito menos para
assistir aos filmes brasileiros.

Os adolescentes têm as revistas de fofocas, da vida de artistas, de resumo das novelas. Tudo fabricado
em série, a cultura para as massas (BOSI, 1992). Esse é o processo de difusão na sociedade de consumo.
Trabalhando com processos psicológicos como sentimentalismo, agressividade, erotismo, curiosidade.
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Unidade II

Com dosagem de conservadorismo e realismo, mexendo com as emoções primárias. Perceba que os
programas no seu decorrer apresentam uma crise que ao final tudo fica reestruturado, rearranjado. Essa
é a fórmula da estrutura da consolação, que prende a atenção dos milhões de consumidores.

Com êxito e eficiência, a indústria cultural desenvolve seus bens culturais.

Podemos falar em indústria cultural, segundo Tomazi (2000), a partir do século XVIII. O fato histórico
que marca esse século é a multiplicação dos jornais na Europa, já que, até a Idade Média, a leitura e a
escrita eram privilégios do clero e de parte da nobreza. Isso muda com o capitalismo, pois o novo modelo
socioeconômico trouxe como características a urbanização, industrialização e o aumento do mercado
consumidor. Desta forma, as cidades se tornam polos de importância econômica, social e cultural. Por
isso, a população deixa o campo rumo à cidade para trabalhar nas fábricas. Com a introdução das
máquinas na produção de mercadoria, tem-se o barateamento dos produtos e, com isso, o aumento
do mercado consumidor. Assim, a burguesia tanto comercial quanto industrial se constitui como classe
hegemônica e as classes médias aumentam, sendo esse novo público conquistado pelo mercado e pelos
bens culturais.

Observação

Hegemonia – “Em primeira instância, hegemonia significa simplesmente


liderança, derivada diretamente de seu sentido etimológico. O termo
ganhou um segundo significado, mais preciso, desenvolvido por Gramsci
para designar um tipo particular de dominação. Nessa acepção, hegemonia
é dominação consentida, especialmente de uma classe social ou nação
sobre seus pares.

Na sociedade capitalista, a burguesia detém a hegemonia mediante a produção de uma ideologia


que apresenta a ordem social vigente, e sua forma de governo em particular, a democracia, como se não
perfeita, a melhor organização social possível.

Assim, os jornais, como produto cultural, assumem grande importância, já que, com o barateamento
do papel, há o aumento dos leitores, e esse produto divulga notícias e os folhetins (estórias publicadas
em nota de rodapé das páginas, que, para saber a continuação, o leitor precisa comprar o próximo
exemplar, como nas novelas atuais).

Os veículos de comunicação serão chamados de indústria cultural.

Assim, os meios tornaram possível levar até o povo as obras de arte como os discos, as reproduções
dos quadros, a música clássica em filmes de cinema, etc. Mas isso não significou a democratização
da arte, pois não chegou a esse público o conhecimento sobre estas, levando-as à banalidade e o
consumidor a ser passivo. Assim, o único objetivo da indústria cultural é a alienação dos homens.

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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

A crítica a tudo isso é produzida dentro da cultura universitária, que permanece nesse reduto, para
aqueles que a compreende. Como o pensamento de Umberto Eco quando trata das críticas elaboradas
pela Escola de Frankfurt a indústria cultural, denominada por ele de apocalípticas, e a Escola Funcionalista,
denominada de integrada (BOSI, 1992). Os apocalípticos criticam por alienarem, manipularem, a massa,
e os integrados defendem por considerarem essa a única forma de todas as classes terem o mesmo nível
de informação, acabando com a alienação do seu modo de vida.

Essa questão, esse discurso, fica em aberto, pois o julgamento desse processo fora da universidade
necessita de uma política de educação (feita pelo Estado), que ofereça à maioria dos brasileiros condições
para julgar.

O problema aumenta com a chamada cultura popularesca, quando ocorre a ligação entre a cultura
popular e cultura de massa, ou entre a cultura popular e a cultura criadora dos artistas.

O que significa popularesca?

No pensar de Alfredo Bosi (1992), os meios de comunicação, que representam a indústria cultural e
produzem a cultura de massa, com seu poder econômico, aboliram as manifestações da cultura popular,
reduzindo-as à utilidade de folclore para o turismo. Isso porque certos programas de rádio e TV, ao
atingirem às classes pobres, acabam levando-os a uma vida com aparência de modernidade. Parece até
que eles não têm suas próprias vidas (modos de ser, pensar, sentir e falar). Por exemplo, a novela entra na
casa do caboclo e do trabalhador da periferia, empatando horas de lazer, as quais poderiam ser usadas
para criar. Ou, a indústria usa os aspectos diferentes da vida desses para explorá-los com categoria de
reportagem popularesca e de turismo, destruindo o processo histórico e a exibição da própria cultura,
substituindo-a por minutos de consumo, restando apenas o artesanato, as festas, os ritos.

Assim, a cultura popular é explorada pela indústria cultural, transformando-a em produto de


consumo, ou como reportagem, se transformando em cultura popularesca ou como produto para
turismo. O capital usa a cultura popular como matéria-prima, para manipular e vender, para alienação.
Por exemplo, a escola de samba no Carnaval é usada como ponte para o turismo.

Porém, por meio da dialética, a exploração da cultura de massa não conseguiu interromper com a vida
popular, com a cultura popular, que se reproduz em microescalas, nos grupos familiares e comunitários.

O povo brasileiro assimila do seu modo a cultura de massa, segundo o seu sistema de significados.
A propaganda não consegue vender, pois eles não têm como comprar, mas acaba fornecendo imagens,
palavras, ritmos que são rearranjados segundo o imaginário popular. Por mais que o torcedor corintiano
deixe de ir a campo e veja o jogo via televisão, não deixará de acender a vela de Nossa Senhora Aparecida,
ou para uma entidade, ou Orixá da umbanda para proteção do time.

Segundo Bosi (1992), os meios de comunicação vão regulando seus conteúdos e formas, procurando
atender ao gosto do povo, passando de cultura de massa a popularescos ou pseudotradicionalistas, que
buscam, em alguns programas e novelas, apresentarem o típico popular, com caricaturas, projetando o
povo na televisão, como se ele fosse outro.
97
Unidade II

É delicada a relação entre cultura de massa e cultura popular.

A indústria cultural tira do povo a sensibilidade de viver e sentir a cultura popular, lhe oferecendo
um lazer mínimo, por meio de imagens e pensamentos prontos e slogans de propaganda. Talvez seja por
isso que somos uma sociedade de consumo, pois a cultura de massa nos invade e nos modela.

Mas, e a cultura erudita?

O conhecimento produzido na universidade, chamada de erudita, ou ignora ou debruça-se sobre


as manifestações simbólicas do povo. Por isso, surge trabalho dos mais variados, desde os demagogos
populistas a mais bela obra com motivos populares, como a música de Villa-Lobos, a pintura de Portinari,
o romance de Guimarães Rosa e a poesia negra de Jorge de Lima.

Para Bosi (1992), a relação existente entre o artista, possuidor da cultura erudita, e a vida popular
é a relação amorosa. Pois, sem isso, a linguagem redutora dominante da cultura erudita se encherá de
preconceitos, interpretando de forma etnocêntrica, colocando o popular como primitivo, suburbano. Ou
as interpretações simpáticas, mas distorcidas dos antropólogos nacionalista (populistas) como Gabriel
Soares de Souza, ou algum jesuíta que diz que a língua dos tupis precisava apenas de três letras F R L,
por isso não podiam ter Fé, ser Rei, nem Lei.

Outro exemplo no século XVIII, o colonialista preocupado com a religião afrobrasileira procurou a
origem da palavra calundu, estupidamente ligou como latina, interpretando calundu como calo duo,
que significa calam os dois. Assim, se duas pessoas estão caladas, é porque o mau pensamento está
nessas cabeças, possuídos por Satanás. Nos trabalhos de Gregório de Matos, ele atribui o demônio à ação
dos candomblés, colocando-os como pecadores, segundo o mandamento.

Com a independência, a cultura erudita passa a exaltar a cultura popular, usando imagens tupis
para desenvolver ideologia nacional conservadora (BOSI, 1992). O interesse pelo selvagem, na metade
do século XIX, pelo negro, sertanejo, usa a cultura popular por meio de análise evolucionista social,
classificando-os em primitivos, e os próprios em modernos.

Uma quarta expressão da cultura para Bosi (1992) é a cultura criadora individual, essa é
representada pelos artistas e escritores. Pois a música, a pintura, o teatro e a literatura fazem parte do
dentro e fora das instituições. A sua criação é dada a partir do resultado de tensões entre o artista, na
busca de novos modelos, e a tradição condicionada pelos modos de comunicação.

O conhecimento erudito apresentando o popular, do qual o artista faz parte, enquanto cultura
nacional, o que apresenta suas contradições.

Obras-primas como Macunaíma, de Mário de Andrade, Vidas Secas, de


Graciliano Ramos, Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa e de João Cabral
de Melo Neto, autor de Morte Vida Severina, nunca poderiam ter-se produzido
sem que seus autores tivessem atravessado longa e penosamente as barreiras
ideológicas e psicológicas que os separavam do cotidiano ou do imaginário
98
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

popular. As contradições de nossa formação social estão pontualizadas no


romance memorialista e regionalista de José Lins do Rego e na epopeia gaúcha
de Érico Veríssimo. A classe média e a pobreza suburbana encontraram sua voz
no primeiro Dyonélio Machado e nos contos de Dalton Trevisan e João Antônio.
A violência burguesa combinada estrategicamente com o seu oposto e correlato
simétrico, os bas-fonds grã-finos, fala pelas narrativas de Rubem Fonseca. O
regionalismo não está, como supuseram alguns mal-avisados, tão mortos que
não sejam capazes de renascer nos romances e contos de Bernardo Élis, épico
de Goiás, ou de ajustar-se às atmosferas de estranheza nas páginas sóbrias
de J. J. Veiga. As pontes continuam lançadas ou em construção na música de
Adoniran Barbosa, de Chico Buarque, de Gilberto Gil, de Caetano Veloso, de
Milton Nascimento, de Geraldo Vandré, de Clementina de Jesus, de Edu Lobo, de
Sérgio Ricardo e de tantos outros. O teatro de Guarnieri, de Boal, de Oduvaldo
Viana Filho, de Plínio Marcos, de Ariano Suassuna tem, apesar das diferenças de
orientação estética, realizado a possível mediação entre público culto e temática
– se não linguagem – popular. (BOSI, 1992)

Para a cultura criadora individual, para elaborar toda sua produção, é essencial assumir uma atitude
de respeito e de esperança, buscando realizar a socialização humana e a autoconsciência.

Cultura popular ou folclore?

Existem pesquisadores que usam o termo cultura popular no lugar do termo folclore e outros que
acham que não há distinção entre os termos. Mas, segundo Tomazi (2000), o antropólogo Antonio
Arantes deixa claro que os dois termos servem para as mesmas realidades. Porém, o folclore tem um
sentido mais conservador, enquanto a cultura popular é mais progressista. Já para Carlos Brandão, o
conceito de folclore foi se ampliando, durante a história, e acabou por se associar à maneira do povo
viver, incorporando as festas, os ritos e, também, o cotidiano e seus produtos: “a comida, a casa, a
vestimenta, os artefatos de trabalho. E, nesse sentido, os dois termos – cultura popular e folclore –
querem dizer a mesma coisa” (TOMAZI, 2000, p. 194).

O importante é entendermos que nenhum autor considera a cultura popular (ou folclore) como algo
estático, parado. Pelo contrário, é consenso que a cultura popular incorpora novos elementos e acaba
por sofrer mudanças. Carlos Brandão (apud TOMAZI, 2000, p. 194) demonstra isso a partir da Folia de
Santos Reis, quanto à máscara de um dos participantes dessa expressão cultural: “Quando é difícil fazer
de palha, nós faz de plástico”. Vejam que a cultura popular ou o folclore, para continuar a existir, se
utiliza de elementos da vida urbana. Assim sendo, Tomazi (2000, p. 194) explica que “a transformação
dos eventos culturais em espetáculo ou a distribuição dos produtos culturais no mercado acaba servindo
muitas vezes para a manutenção da prática cultural e para a projeção social de seus produtores (...)”.

Oliveira (2003) diz que o conceito Folclore abrange o estudo do específico e do permanente, o
durável, como um grupo, uma manifestação popular. No entanto, para estudar a Cultura Popular, é
preciso ver a dinâmica e mudança dos signos, saindo apenas dos aspectos culturais e analisando também
econômicos, políticos e sociais nos quais esse grupo, essa manifestação, se desenvolve.
99
Unidade II

Segundo Tomazi (2000), a Folia de Santos Reis, assim como o Carnaval, tem sua origem nos
antigos rituais da Idade Média na Europa, que acabaram por se tornar festa popular brasileira. Muitos
acreditam que o Carnaval deixou de ser popular e, hoje, se tornou uma festa puramente turística.
Porém, é preciso pensar o tema com maior atenção. Na atual sociedade em que vivemos, esse evento,
o Carnaval, necessitou de toda uma nova estrutura de apoio que antes não era necessária. Isso
demonstra que não há tradição pura e imutável. Por isso, a cultura popular não deve ser entendida
separada da sociedade moderna.

Além da Folia de Reis e do Carnaval, quando falamos em cultura popular brasileira, pensamos logo
nas festas como a de São João, Bumba Meu Boi; personagens como a Mãe d’Água, Saci Pererê; as
religiões afrobrasileiras; as músicas como samba, xaxado, forró, sertanejo, maxixe; literatura de cordel,
adivinhas e os ditados populares; artesanato como “carrancas” de madeira, rendas e colchas de retalho
realizadas por mulheres rendeiras; a comida típica como a feijoada, o tutu de feijão, vatapá, acarajé, e
os doces como quindim, cocada e o brigadeiro. (TOMAZI, 2000).

Na análise de Sylvia Gemignani Garcia (2001), em seu artigo “Folclore e sociologia em Florestan
Fernandes”, no qual demonstra o pensar desse importante intelectual que analisa a função do folclore,
segundo Florestan Fernandes, a função dos folguedos é o de levar a criança a adquirir os padrões de
comportamento e valores culturais da sua comunidade, conforme você pode ver na citação abaixo
(GARCIA, 2001, p. 149-150):

Florestan busca demonstrar o duplo caráter do grupo infantil: grupo de


iniciação e de antecipação da vida adulta do indivíduo. Nele, a criança
aprende, na medida em que participa dos folguedos, os valores positivos e
negativos básicos da sociedade, relativos ao amor: romântico, ao namoro,
ao casamento, à família, à fidelidade, ao incesto, conformando o indivíduo
ainda imaturo aos valores e padrões de conduta da cultura tradicional
em que se insere. A socialização no grupo infantil não se restringe ao
aprendizado de relações específicas entre membros da comunidade, mas
abarca também o aprendizado de regras sociais e de comportamento em uma
situação privilegiada, já que a criança obedece espontaneamente às regras
de funcionamento do grupo. O grupo infantil fornece, assim, elementos de
base para a formação de personalidades ajustadas às formas que tomam as
relações sociais em certa tradição cultural. É a opinião pública tradicional
que fala nos folguedos, ensinando ludicamente às crianças como se vive em
certa sociedade, o que se deve fazer, como se deve fazer e o que é proibido
e castigado. Desse modo, revela-se a função que o grupo infantil exerce
para a continuidade cultural. Ainda que de modo sucinto, Florestan aponta
para a problematização desse aspecto da cultura infantil. Considerando
que os padrões de comportamento que a criança adquire na infância
podem orientar sua conduta de indivíduo adulto e que o grupo incorpora
antigos elementos transferidos da cultura adulta do passado para a cultura
lúdica do presente (...). A descrição detalhada das duas análises demonstra
claramente a perspectiva generalizante a partir da qual Florestan aborda o
100
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

folclore infantil, buscando identificar as funções que ele desempenha para


a manutenção de uma certa identidade coletiva, atuando diretamente na
socialização dos indivíduos desde a infância. A ideia da sociedade como
totalidade coloca, desde o início, o problema da socialização do indivíduo,
ou seja, os modos pelos quais os indivíduos são conformados pelo sistema
sociocultural em que se inserem. (...). O enfoque sociológico não está
apenas na representação do social como uma totalidade, mas também no
desenvolvimento da análise do folclore a partir do estudo do grupo social
que o pratica. Pela investigação do grupo e dos usos que faz do folclore,
Florestan aborda-o como “cultura infantil”, isto é, como um sistema parcial
de um sistema sociocultural mais geral ao qual o primeiro vincula-se e em
relação ao qual se define sua função, isto é, os resultados úteis que produz
para a satisfação de necessidades gerais da estrutura social. CULTURA
BRASILEIRA

Em uma sociedade com o modo de produção capitalista, não é possível ignorar as relações
estabelecidas entre a cultura erudita e a cultura popular, sua importância para a manutenção da
própria sociedade. Todos os elementos mencionados como as festas, culinária, literatura, religião
etc., demonstram em si a organização político-econômico-cultural do país, seus valores e suas
contradições. “Apesar de estarem associados imediatamente a uma certa visão do povo e da cultura
popular brasileira, de elite e da cultura erudita, esses elementos não são necessariamente harmoniosos
nem estão parados no tempo” (TOMAZI, 2000, p. 201).

Para que essa sociedade possa permanecer e atingir seus objetivos, fazem-se necessários mecanismos
adequados, que tenham capacidade de levar mensagens com enorme rapidez para esse grande número de
pessoas, transmitindo uma cultura capaz de homogeneizar a visão de mundo e a vida das populações tão
diferentes que formam a nossa sociedade, capaz de atravessar fronteiras de classe social e promovendo,
por causa disso, o controle das massas. Segundo Santos (2006), os mecanismos seriam principalmente
o rádio, a televisão, a imprensa e o cinema. Eu incluiria aí também a internet.

Na época em que Darcy Ribeiro (1995) escreveu “O povo brasileiro”, o panorama estava piorando,
pois, as instituições tradicionais estavam ficando sem poder, como por exemplo, a escola, a Igreja
e os partidos. O sistema de comunicação de massa, a televisão e o rádio, principalmente, estavam
deixando tudo pior, já que reproduziam padrões de consumo que, além do alcance da grande parcela
da população, geravam desejos inalcançáveis, aumentando a marginalidade desse povo e sua
tendência à violência. Os meios de comunicação se preocupam apenas em vender produtos, não com
os problemas morais que desencadeiam.

São meios que transmitem mensagens e informações, agem poderosamente, principalmente porque
não há controle do conteúdo que é transmitido. Até parece que a mensagem é dirigida a um indivíduo,
porém suas mensagens são para todos, procurando criar necessidades e expectativas nas massas.

Segundo Santos (2006), a lógica de funcionamento da indústria cultural está na tentativa de deixar
a massa igual, isso é, acalmar os conflitos sociais. Porém, a cultura na sociedade contemporânea não
101
Unidade II

é resultado apenas do conteúdo dos meios de comunicação de massa, e muito menos a lógica do
funcionamento da indústria cultural é obrigatoriamente uma descrição da cultura de uma sociedade.

Walter Benjamin teve concepção diferente: para ele, a revolução tecnológica, do final de século XIX
e início do XX, alterou o papel da arte e da cultura (TOMAZI, 2000), sendo que os meios de comunicação
de massa trouxeram novas mudanças de visão ao público consumidor, podendo gerar mobilização como
contestação política.

Isso porque temos de considerar que as populações a quem são dirigidas essas mensagens também
passam por problemas sociais concretos e tensões que fazem parte de sua vida diária e, por mais que
esses meios tentem dar-lhes explicação e solução para esses problemas, não são capazes de massificar
a ponto de substituir completamente a percepção dos consumidores. Assim, a sociedade continua
diferenciada e a sua história marcada por conflitos de classe.

Hoje, com os avanços tecnológicos, temos o computador, a internet, que nos permitem o
armazenamento e divulgação de ideias, dão acesso a conteúdos de museus e bibliotecas, catálogos de
imagens, dicionários, enciclopédias, etc., facilitando o acesso aos bens culturais e o intercâmbio cultural,
científico e político entre nações. As vantagens que a informática gera são benéficas para empresas,
partidos, organizações não governamentais, estudantes, empresários, etc. Enfim, para todos que têm
condições econômicas e conhecimento para utilizar esse veículo, que é um meio mais interativo que a
televisão e o rádio, já que em um computador conectado à internet os sites e programas levam o sujeito
a se comunicar em tempo real com outros indivíduos do mundo por meio de teleconferências, seções
de bate-papo (ou chat rooms).

Um exemplo do uso desses recursos como meio de revolução e transformação das desigualdades é
a Primavera Árabe, os protestos, revoltas populares contra governos do mundo árabe que aconteceu em
2010-2011, em que os povos lutaram pela democracia e o fim de governos ditadores. Até o momento, há
revoluções na Tunísia, Egito, Líbia, Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Síria, Omã, Iémen, Kuwait,
Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara Ocidental. Além de os movimentos serem
expressos nas ruas, manifestações e passeatas têm contado com redes sociais, como Facebook, Twitter e
Youtube, se estruturando e divulgando o movimento, levando ao mundo, à comunidade internacional o
conhecimento da realidade vivida por eles em busca de apoio político.

Esse novo meio reforça a possibilidade de intercâmbio cultural e devemos discutir sobre o uso que
se deve dar a esse recurso.

A cultura é uma dimensão do processo social e devemos utilizá-la como instrumento para entender
as sociedades contemporâneas. O que não devemos fazer é debater sobre cultura sem ignorar as relações
de poder que há entre as sociedades.

Exercício resolvido:

No pensar de Alfredo Bosi (1992), os meios de comunicação, que representam a indústria cultural e
produzem a cultura de massa, com seu poder econômico, aboliu as manifestações da cultura popular,
102
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

reduzindo-as a utilidade de folclore para o turismo. Isso porque certos programas de rádio e TV, ao atingirem
às classes pobres, leva-os a uma vida com aparência de modernidade. Parece até que eles não têm suas
próprias vidas (modos de ser, pensar, sentir e falar). Por exemplo, a novela entra na casa do caboclo e do
trabalhador da periferia, empatando horas de lazer, as quais poderiam ser usadas para criar. Ou, a indústria
usa os aspectos diferentes da vida desses para explorá-los com categoria de reportagem popularesca e de
turismo, destruindo a processo histórico e a exibição da própria cultura, substituindo-a por minutos de
consumo, restando apenas o artesanato, as festas, os ritos. Qual é o nome dado a esse tipo de cultura?

a) Cultura erudita

b) Cultura de massa.

c) Cultura popular.

d) Industria cultural.

e) Cultura popularesca.

Resposta correta: E

Justificativa: A cultura popularesca ocorre quando a indústria cultural (os meios de comunicação)
utiliza a cultura popular como meio de atração turística, tirando o indivíduo da produção da cultura
popular para ser apenas um expectador.

MÓDULO 8

Texto I - A cultura brasileira

Nesse tópico, vamos compreender como a cultura brasileira foi se alterando por meio dos movimentos
sociais ocorridos em nosso país.

Para isso, não pode ser esquecido que a cultura diz respeito a um produto coletivo e a uma construção
histórica, o que vale dizer que suas características não são as mesmas ao longo do processo histórico
de uma sociedade, visto que, inclusive, ocorre a alteração dos valores e padrões básicos dessa formação
social ao longo do tempo cronológico.

Cultura é, pois, o conceito considerado o ponto de partida para a análise de qualquer realidade
cultural. Evidentemente, que a produção cultural de uma sociedade não pode ser desvinculada das
demais dimensões estruturais que articulam a sua vida social, ou seja, da íntima relação que possui com
o mundo econômico e político dessa sociedade. Por isso mesmo é que mais à frente dos capítulos dessa
disciplina temos de estabelecer a importante correlação histórica entre os principais aspectos da formação
econômica e política brasileira, incluindo características advindas de processos econômicos e políticos,
anteriores períodos históricos, para melhor compreender a atual manifestação cultural brasileira.

103
Unidade II

Para uma análise do processo de formação das bases da cultura brasileira e suas influências no
presente, é fundamental que percebamos em cada momento histórico básico os valores socioculturais
predominantes, os padrões de conduta e comportamento mais significativos e quais as razões que
explicam a alteração desses valores e padrões do quadro cultural. É nesse sentido que temos, a todo
momento, nos reportado ao nosso passado histórico para melhor percebermos a origem de uma grande
parte de ideias, valores e padrões comportamentais que fazem parte da atual cultura brasileira.

Outro conceito advindo das ciências sociais e que é importante retermos seu significado para melhor
compreendermos a formação cultural de uma sociedade é o de representações simbólicas de uma cultura.

Mas, você deve estar se perguntando: o que vem a ser essas representações simbólicas? Vamos esclarecer!

Em toda cultura, há o denominado sistema de representações simbólicas que deve ser entendido
conforme é citado pelo professor Fernando Perillo da Costa (2005), em seu capítulo Representações
Simbólicas, as Leituras do real e a Comunicação Social, que faz parte do livro “Comunicação, Política e
Sociedade”, ao afirmar que:

Constituem o sistema de representações de uma determinada sociedade


os diferentes produtos simbólicos de uma cultura, dentre os quais são
encontradas as explicações provenientes do senso comum, das magias e das
crenças populares, as relacionadas aos mitos, as manifestações do folclore
e artísticas, em geral, incluindo a produção literária, as interpretações
científicas e religiosas, as reflexões filosóficas, as interpretações contidas no
saber jurídico, dentre outras (...). O sistema simbólico de representações é
constituído de diversas formas de se reconstruir a realidade natural, social e
psicológica. São, pois, construções da realidade, socialmente determinadas
(COSTA, 2005).

De acordo com o mesmo autor:

As representações simbólicas visam a explicar, solucionar, ordenar, coordenar


e/ou justificar diversas situações derivadas do conjunto de relações travadas
com a realidade natural, social e suas implicações no plano psicoemocional
(...). As representações simbólicas constituem, ao mesmo tempo, diferentes
formas de leituras do real, correspondendo a diversos tipos de linguagem
e formas de se interpretar a traduzir a realidade (...), possuindo também
diferentes lógicas de explicação e reflexão do real, relacionadas a várias
concepções de “verdades” (...), tornando-se “formas de falar o mundo”.

Deve ser destacado que as representações simbólicas não são mais o real em si, mas a sua leitura, sua
interpretação e sua apreensão, ideologicamente contaminada.

É fundamental, portanto, que ao analisarmos o processo de formação da cultura brasileira, temos


de procurar entender os valores e a lógica básica de cada importante momento histórico, ou seja,
104
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

quais os princípios mais significativos que caracterizam o nexo explicativo de cada época histórica,
principalmente num país portador de características bem específicas e de um passado ainda muito
presente como o Brasil.

Para que possa entender o que é um movimento social, trouxe-lhe essa narrativa contada por Tomazi
(2000, p.223):

Ainda não havia amanhecido e a maioria dos moradores do conjunto habitacional já estava na
rua. Haviam decidido em reunião do dia anterior, impedir, a qualquer custo, que a ordem de despejo
expedida pela justiça fosse executada contra mais um dos mutuários inadimplentes.

O dia se anunciava com muita tensão. A maioria dos moradores não fora trabalhar, quebrando a
rotina de um dia normal. Chegara o momento de uma decisão definitiva. Não era mais possível aceitar
passivamente as consequências de uma situação socioeconômica que lhes tirava o emprego, a comida, a
escola, e agora a casa. Para onde iriam? As leis não contemplavam direitos que os moradores acreditavam
serem seus, de justiça.

Logo mais chegaria o oficial com a ordem do juiz; com ele viria o caminhão para levar os móveis;
viria também a polícia para garantir que a ordem judicial fosse cumprida.

Meses de negociações resultaram em nada. Mais uma família seria despejada. Na semana anterior,
duas outras já haviam sido. Na próxima seriam mais outras. O advogado da Associação dos Moradores
dissera que não podia fazer mais nada. Ainda assim, uma comissão de moradores se deslocara para a
Prefeitura Municipal; tentariam a intervenção do prefeito. A financeira mencionava que estava no seu
direito legal e que era de seu interesse obter a casa de volta. Os moradores estavam desesperados. Não
restava outra coisa senão o enfrentamento, a violência física. Poderia haver mortes...

Por volta das 8h, chegou o oficial, e, como previsto, trouxe a polícia. Os moradores fecharam a rua
com barricadas. Eram muitos. Não havia saída, tudo já fora conversado através de advogados. Agora
existia uma ordem judicial e a polícia estava ali para garantir que fosse cumprida. Chamaram reforços,
mais viaturas apareceram trazendo cães e bombas de gás lacrimogêneo. A imprensa, chamada pelos
moradores, a tudo registrava...

Nesse momento você pode estar com essa imagem em sua cabeça, já que a descrição acima se
identifica com muitas de nosso cotidiano. Quase todos os dias vemos cenas de manifestações em
grupos, ou de multidões, pela TV, em defesa de democracia, do ensino público, por melhores salários,
por liberdade sexual, etc. E, em contrapartida, a polícia, com seus cassetetes, golpeando as pessoas que
participam do movimento, em nome da segurança pública. Com certeza vemos isso acontecer em nossa
cidade, no Brasil e no mundo.

Texto II - Os movimentos sociais segundo a sociologia

Agora vamos compreendê-los segundo o conhecimento científico da sociologia (ciência que estuda a
sociedade). A partir dessa ciência, é possível analisar três formas desse mesmo fenômeno. Vamos a elas:
105
Unidade II

Primeiramente, podemos analisar esse fenômeno a partir do marxismo, análise histórico-estrutural.


Por meio desse pensamento, o que chama atenção no exemplo contado por Tomazi (2000) do movimento
é o conflito entre mutuários e policiais, ou seja, a situação descrita evidencia um conflito. Assim sendo, o
conflito é um elemento que constitui todo movimento social. Isso não quer dizer, que todo movimento
precisa chegar a um enfrentamento. A questão é que o modo de produção tem em sua base uma situação
de conflito, devido às desigualdades sociais entre a classe capitalista e a classe proletária. Desta forma, o
movimento social nada mais é do que a explicitação das contradições sociais, existentes, os conflitos.

Podemos entender que o movimento social é resultado da incapacidade do Estado em atender as


reivindicações, que levou ao conflito. Perceba que a sociedade, segundo o marxismo, se desenvolve de
forma contraditória, já que a produção é realizada por todos, “as casas são produto do trabalho coletivo,
mas a apropriação, o consumo, é privado”. (TOMAZI, 2000, p.224). Isto é, apenas para alguns.

A segunda forma de análise é a dos denominados neopositivista, que recebem influência da teoria
de Durkheim. Segundo essa forma de pensar, o movimento dos mutuários não representa um conflito,
mas um desequilíbrio social. Pois, segundo eles, não existem desigualdades e contradições entre classes.
A sociedade é vista como superior aos indivíduos, ela se desenvolve naturalmente, agindo sobre as
pessoas, ensaiando, tentando novos comportamentos, novos valores que são expressos nos movimentos
sociais. Instaurando a ordem social, por meio do atendimento das reivindicações ou pela ação da polícia.

A terceira forma de análise é a culturalista, fundamenta na teoria de Weber, a qual busca os aspectos
subjetivos, isto é, se preocupa em compreender os discursos e as representações que os indivíduos têm
de suas práticas. Entendendo as ações dos indivíduos, se entende os movimentos sociais.

Assim, você tem três maneiras diferentes de ver o mesmo fenômeno.

Porém, perceba que para ser um movimento social, se faz necessário ter algumas características, isto
é, ser uma ação conjunta de pessoas, com uma mesma visão de mundo, com um objetivo, seja ele de
mudança ou de conservação das relações sociais existentes em sociedade.

Pense, o movimento pode levar à mudança ou à conservação. Isso quer dizer que o caráter de
conflito mostra uma relação de poder, que resulta na mudança ou na conservação dos valores, regras
existentes. Por exemplo, no caso dos mutuários, citados aqui, eles queriam impedir a ação de despejo,
isso resulta em uma mudança das leis sobre financiamento de imóveis. Porém, não conseguindo evitar
o despejo, as regras se mantêm. Há uma relação de poder, uma correlação de forças, uns querem se
libertar e outros querem conservar as relações, regras e valores da sociedade. Um outro exemplo, a do
movimento de resistência da União Democrática Ruralista (UDR), composta por proprietários rurais, que
lutou na Constituição de 1988 contra a reforma agrária, contrário aos que lutavam para ter acesso à
terra para viverem (TOMAZI, 2000).

Os movimentos sociais buscam produzir formas de se relacionar que atendam à satisfação de suas
necessidades, que, ao mesmo tempo, significa a possibilidade de libertação de relações de opressão
como, também, a criação de uma nova sociedade.

106
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Ao procederem assim, os homens estão produzindo um movimento social, estão produzindo novas
formas de se relacionarem para a satisfação de suas necessidades. E essa questão é fundamental porque,
ao mesmo tempo que significa a possibilidade de se libertarem de relações de opressão, significa,
também, a produção da sociedade de forma modificada, de forma nova.

Agora que já entendeu o conceito de movimento social, vamos ver como esses ocorreram
para formação da cultura brasileira!

O movimento negro é o movimento mais antigo do Brasil, existe desde o século XVI. Sendo sua
bandeira a luta para romper com a “a inércia existente, reverter o estigma, recuperar a autoestima,
afirmar a igualdade dos direitos e agir para que a lei garanta as mesmas oportunidades a todos”
(TABORDA, 2007).

Esse movimento teve muita dificuldade por não contar com espaço de atuação na esfera estatal,
já que o governo sempre usou o mito da democracia racial como fundamento para não enxergar as
desigualdades raciais e o preconceito. Além disso, no início, o próprio movimento utilizou a tese da
democracia racial como ideal de luta, mas em pouco tempo percebeu o caráter ideológico do conceito
e passou a denunciar o mito desta tese. Fundamentando seu pensamento em dados estatísticos,
demonstrando a desigualdade existente, a discriminação racial presente no Brasil.

Segundo Taborda (2007), de 1930 a 1964, vivemos no país “o pacto populista” ou “pacto nacional
desenvolvimentista”. Nesse momento, os negros foram integrados à nação, por meios simbólicos, de uma
cultura nacional mestiça ou sincrética, na área econômica, por meio da regulamentação do mercado de
trabalho e da seguridade social. Esse pacto tentou reverter a exclusão e o descompromisso vividos pelos
negros na Primeira República.

Nesse momento, o movimento firmou sua luta contra o racismo, com uma política de integração
universalista do negro à sociedade contemporânea. Com o golpe militar em 1964, teremos a ditadura
militar e o povo brasileiro passará por momentos trágicos, por muito sofrimento e tortura.

O pacto populista cai por terra e acaba com o elo de ligação entre movimento negro e o Estado. Nesse
momento, o movimento lutava pela negritude e pela valorização das raízes africanas, e continuava a
denunciar o mito da democracia racial, mas o governo ignorava o problema existente.

Somente com a volta da democracia, na década de 80, é que vamos ter as primeiras respostas
do poder público quanto às questões raciais. É criado em São Paulo o Conselho de Participação e
Desenvolvimento da Comunidade Negra, buscando criar políticas de valorização para facilitar e inserir
a população negra (TABORDA, 2007). Esse conselho é um marco, pois foi o reconhecimento estatal da
discriminação racial, cabendo ao governo ações retificadoras. A partir deste conselho, muitos outros
foram implementados, em sua maioria de cunho cultural.

A valorização cultural também aparece por meio de dois símbolos: o dia 20 de novembro passa
ser comemorado “O Dia da Consciência Negra” e cria-se o Memorial Zumbi, organização que reúne
os representantes do movimento negro, de setores do governo, da academia. Nos anos 1980, o IBGE
107
Unidade II

publica estudo mostrando a desigualdade social entre brancos e negros no mercado de trabalho. Na
Constituição de 1988, tem-se avanços quanto à questão racial:

Fundada no respeito da dignidade da pessoa humana (art.1º., III) tem como um de seus objetivos
fundamentais “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação” (art. 3º., IV). Com este artigo, o Estado reconhece que não basta somente
declarar que todos são iguais perante a lei. Ao contrário, são reconhecidas as desigualdades e a Nação
se dispõe a promover o bem de todos, cujo significado implica em medidas efetivas e objetivas para
que sejam eliminadas as diferenças raciais. Ao criminalizar o racismo (art. 5º., inciso XLII) reconheceu
também sua existência e, consequentemente, a existência das desigualdades raciais (TABORDA, 2007).

Em 1989, vai haver uma campanha publicitária, “não deixe sua cor passar em branco”, para que o
negro identifique sua cor no censo.

Nos anos de 1990, haverá processo de mudança quanto às questões raciais, aproximando o
Movimento Negro e o Estado. Dois acontecimentos, um nacional e outro internacional, demonstram
a mudança de postura, “a Marcha Zumbi de Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, em
1995, ano de comemoração do tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, e as Conferências de
Durban, 2001” (LIMA, 2010). A marcha representou uma estratégia do movimento negro para tirar o
foco da abolição, de 13 de maio, para o dia 20 de novembro, que é o Dia Nacional da Consciência Negra.
Levando aproximadamente 30 mil pessoas na Marcha, destacando a temática racial no cenário do país
e resultando em uma proposta para o “Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Racial”,
entregue ao então presidente FHC. Documento este que apresentava a desigualdade racial e a prática
do racismo, na esfera da educação, da saúde e do trabalho. Bem como, as reivindicações necessárias
para esses problemas e também, “incluía religião, terra, violência, informação e cultura e comunicação”
(LIMA, 2010).

Nesse dia, foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra (GTI),
com a finalidade de aproximar o Movimento Negro e os representantes dos Ministérios da presidência
da República para criarem políticas para a valorização do povo negro. Esse grupo permanecerá no
governo Lula.

E em 13 de maio de 1996, o governo Fernando Henrique criou o Programa Nacional de Direitos


Humanos (PNDH), com objetivo de tratar dos direitos das mulheres, deficientes físicos, indígenas e
negros. Porém, houve debate, mas nenhuma política afirmativa foi efetivada.

O acontecimento internacional que demonstra a mudança de postura do governo foi a Conferência


Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial e a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância,
de 2001, que aconteceu na África do Sul, na qual o Brasil teve participação de destaque, ratificando a
Declaração de Durban, assumindo a necessidade de implantar medidas em favor das vítimas de racismo,
discriminação, xenofobia e intolerância correlata, promovendo a integração deste na sociedade.
Corrigindo as condições, permitindo a participação igualitária de todos os grupos raciais, culturais,
religiosos em toda a sociedade (LIMA, 2010).

108
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Em 2002, por meio de decreto do presidente FHC, o governo lança o Programa Nacional de
Ações Afirmativas, porém, não cria ações específicas. A política do governo FHC foi o de promover o
reconhecimento, porém, sem investimentos.

O movimento negro nacional mobiliza a sociedade civil brasileira para que, por meio de ONGs,
organizações de bairros, universidades, igrejas e prefeituras sejam feitas ações voltadas à população
negra, como cursos: profissionalizantes, preparação para vestibulares, informática e alfabetização. “O
momento representou a reconfiguração social e política, através de ação afirmativa como política social
e também como redefinição da estratégia de ação na sociedade” (TABORDA, 2007).

Observação

ações afirmativas são políticas públicas ou privadas criadas para


reparar, que buscam estabelecer a igualdade material dos grupos que,
historicamente, foram discriminados.

Perceba que a temática racial entra na agenda das políticas públicas de âmbito federal na Constituição
de 1988, a qual introduziu o racismo enquanto crime, o direito à posse de terra das comunidades
quilombolas e a criação da Fundação Cultural Palmares. Todas essas ações são respostas às reivindicações
do Movimento Negro durante toda sua existência e luta contra a discriminação.

A partir de 2000, na questão ao tratamento da temática racial, tem havido mudanças significativas que
levam a um intenso debate na sociedade em geral, quanto à adoção de políticas de ações afirmativas. As
desigualdades raciais no Brasil, ao fim dos anos de 1990, contribuíram para o cenário político de 2000 a 2010.

No início do governo Lula, em 2003, há uma mudança profunda na política racial e na relação do
Movimento Negro com o Estado, já que o Movimento Negro passa ser um dos atores na formulação de
políticas, ocupando cargos e sendo representante da sociedade civil no governo. Desta forma, haverá
maior visibilidade as suas reivindicações (LIMA, 2010).

Em 2009, é aprovado o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PLANAPIR), um documento


que determina ações e programas a serem implantados pelo governo. O plano contém 12 eixos de
atuação para desenvolver ações junto a população negra, indígena, quilombola e cigana e segmentos
específicos dentro desses grupos.

A educação sempre foi objetivo de destaque no movimento negro, como na academia, quanto às
desigualdades raciais, por ser de extrema importância para compreensão e para o enfrentamento da
desigualdade social e racial do país. A educação é um capital primordial para realização do indivíduo.
Segundo Lima (2010), para compreender o sistema educacional brasileiro é preciso analisar:

I) a estrutura de oportunidades e os efeitos da universalização e/ou expansão do acesso; II) sua


distribuição e produção de desigualdades (idade, “raça” e sexo); e III) sua qualidade, marcada pela
dicotomia entre sistema público e sistema privado, pelo rendimento dos estudantes medidos por
109
Unidade II

avaliações, além de taxas de evasão e repetência. As políticas educacionais brasileiras propiciaram


uma universalização tardia e sempre coadunaram com a perda de qualidade e a expansão do
sistema privado. Nos últimos quinze anos, os indicadores educacionais têm melhorado para todas
as faixas de ensino, em todos os grupos sociais, embora ainda sejam observadas desigualdades
raciais, principalmente nas séries mais adiantadas.

No âmbito federal, a Lei 10.639, que inclui no currículo da rede de ensino a obrigatoriedade do tema
“História e Cultura Afrobrasileira”, o Prouni (Programa Universidade Para Todos) e ações afirmativas nas
universidades públicas. Percebe-se na análise do documento sobre a lei que o esforço do movimento negro
para efetivá-la nas redes de ensino e a implementação das cotas no ensino público são representativas
de um marco importante na política de diversidade (LIMA, 2010).

Apesar dos dados alarmantes das desigualdades existentes no Brasil, as ações afirmativas são
fortemente criticadas. Os argumentos fundamentam que as políticas afirmativas são uma forma de
ressaltar o preconceito. A que recebe maior crítica é o sistema de cotas em universidade pública. Os
argumentos são (TABORDA, 2007): primeiro, por ferir a isonomia a qual pede o tratamento de todos
igualmente, sem diferenças; segundo, o mérito, já que o lugar deve ser conquistado pelo melhor, pela
excelência, já que estamos em uma sociedade competitiva, e capacidade da pessoa é fundamental;
terceiro, a pobreza, sendo economia a questão a ser enfrentada e não racial; quarto, a miscigenação,
pois seria difícil identificar o negro e o não negro, sem critérios objetivos para os beneficiados.

Segundo Taborda (2007), esses argumentos demonstram ainda o pensamento do mito da democracia
racial na mente dos brasileiros, não reconhecendo o preconceito racial existente, do qual a população
negra é vítima por séculos. Não percebem que só tratando diferentemente os desiguais será possível
chegar uma sociedade igualitária.

O mérito só pode ser usado se a população negra tiver as mesmas oportunidades de aceso à educação
que o branco.

As cotas nas universidades são distribuídas ou sorteadas. Os alunos que se inscrevem a essas vagas
precisam prestar o vestibular, e precisam ser aprovados, segundo a nota de corte. A diferença está
que pelo fato do vestibulando ter se declarado negro ou afrodescendente, no ato da inscrição, após a
correção da prova, segundo o seu mérito, no seu grupo, será classificado segundo as vagas previstas
(TABORDA, 2007).

Abrir a universidade pública para negros, pobres, advindos da escola pública não é diminuir a
qualidade desta, pois já foi comprovado por estudos que esses alunos acabam se sobressaindo aos
demais. Tanto é que a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em 2003, realizou um levantamento
e 49% dos cotistas foram aprovados, no primeiro semestre, em todas as disciplinas, já os alunos que
ingressaram pelo sistema regular totalizaram 47%. Na Universidade de Campinas – Unicamp, em 2005,
ao verificar o desempenho, constatou-se que a média dos cotistas é superior aos demais, em 31 dos 56
cursos. Sendo que, no curso de Medicina, os cotistas se destacaram, pois, a média dos que vieram de
escola pública foi de 7,9, já os oriundos de escola particular foi de 7,6 (MANDELLI, 2010).

110
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Temos de ter claro que o sistema de cotas não é a solução para o problema, porém, no mínimo, “ajuda
a resgatar a cultura de um segmento da população discriminada, afastada do processo educacional e,
consequentemente, do mercado de trabalho” (MARQUÊS; MAIA, 2006).

Do ponto de vista de Ianni (2004), a obrigação de cotas é uma conquista social do movimento
negro. Outros diriam, concessão dos dominantes. Porém, se os setores dominantes estão aceitando
as cotas é porque, de determinada forma, estão aceitando atender algumas reivindicações. Sendo
assim, é uma conquista positiva. Mas, também, demonstrando como a organização da sociedade é
injusta, preconceituosa, já que precisa delimitar espaços para que esses participem, para que tenham a
oportunidade de estudar. Em suma, as cotas são uma conquista do movimento negro e uma concessão
dos que têm o poder, legitimando uma sociedade preconceituosa.

O sistema de cotas não foi a política afirmativa mais criticada na esfera da educação, na verdade, foi
o PROUNI – Universidade para todos. “Criado em 2004 pelo Ministério da Educação, o ProUni já ofereceu
mais de 1 milhão de bolsas de estudos em cursos de graduação e sequenciais de formação específica”
(BRASIL, 2012).

Esse programa concede bolsas de estudos integrais ou parciais para estudantes de baixa renda para
formação em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de
educação superior. Se o aluno, se declarar negro, pardo ou índio, no momento da inscrição, também
entra em um processo de cota dentro do ProUni. Mas, independentemente da raça, o aluno deve se
enquadrar em outros critérios, a saber: “renda familiar per capita de três salários mínimos, ter realizado
o ensino médio em escola pública e ter realizado a prova do Enem” (LIMA, 2010).

O ProUni recebe críticas não por existir critérios raciais, mas por ser uma política que transfere
recursos públicos (via isenção de impostos) ao setor privado, às instituições de ensino superior particular.

Perceba que a questão que se coloca aqui se refere ao público, estatal e privado. A universidade
pública tem na sua origem uma contradição: destinar-se ao público, torná-la um bem público, isto é,
para o povo, no entanto a grande parcela do povo não a recebe, principalmente as camadas populares
(ALMEIDA, 2009).

Só é possível entender essa contradição, segundo Sanfelice (2005), ao se analisar o conceito de


público e estatal que não são a mesma coisa. Deve-se lembrar que o Estado, mais do que qualquer
outra Instituição, tem como função manter a dominação e a exploração de classe. Tal situação serve
exclusivamente para a administração dos interesses da burguesia. Marx (1998), no Manifesto Comunista,
afirma que o Estado moderno não é mais do que uma organização para administrar os negócios da
classe burguesa.

Para Sanfelice (2005), a educação oferecida pelo Estado é a educação pública, é a educação
estatal que exerce ação educativa do público, mas não para o público. O público, em uma sociedade
de antagonismos de classes, é, na essência, um conceito ideológico, já que escamoteia a existência
de diversos públicos, ocultando-se a associação existente entre os que controlam o Estado e os que
possuem os meios de produção.
111
Unidade II

A confusão de tomar a educação estatal como pública, como explica Sanfelice (2005), decorre de
o ordenamento jurídico ser resultado da democracia burguesa instalada em grande parte dos países
capitalistas. No plano jurídico, de maneira geral, denominam-se de públicos certos serviços estatais,
que podem ser serviços-privativos e não privativos. Os privativos são exclusivos de prestação do Estado,
mas também, por meio de concessão, podem ser oferecidos pelo setor privado. Os serviços chamados
de não privativos são os de livre acesso do setor privado. Além disso, existem atividades que são
consideradas serviços públicos, sendo ou não desenvolvidas pelo Estado; mesmo assim, não perderiam
suas características se oferecidas pelo Estado ou pelo setor privado. Esse é o caso da educação.

A educação é um serviço público que tanto o Estado ou setor privado podem oferecer. Seguindo
essa lógica jurídica, a educação (estatal e do setor privado) é sempre um serviço público, por mais que a
realidade demonstre o contrário.

Ideologicamente, a democracia burguesa, por meio do Estado, utiliza desse ordenamento jurídico
para deixar a esfera da educação ao setor privado, bem como para passar recursos públicos a esse setor.
Tira a educação da classificação de bem e direito do cidadão e ela passa a ser um serviço de consumo
(ALMEIDA, 2009).

A cidadania, esse conceito tão divulgado na educação, serve ao discurso ideológico como forma
de superar as desigualdades do modo de produção capitalista, pois serve ao discurso da inclusão, da
igualdade, no qual “todos são iguais perante a lei” (PEREIRA, 2006). Na verdade, o capital vê a educação
como uma mercadoria, um serviço e não um direito. É dessa maneira que as forças ligadas aos interesses
do capital, com consentimento popular, ardilosamente mantêm a ordem estabelecida. Trata-se de, ao
fazer recurso da ausência da explicitação do conceito na formação social a que se reporta, universalizá-
lo e descolá-lo da base material da produção da vida.

A educação brasileira vive e sempre viveu no conflito de interesses de classes. Neste momento,
principalmente, o conflito de interesses se encontra entre os que são a favor da educação pública, laica
e para todos os que buscam uma educação privada laica ou confessional juntamente com a pública.

Para sanar a dificuldade de falta de vagas nas universidades públicas, para atender aos jovens que
desejam ingressar no ensino superior, são ampliadas as vagas nas instituições particulares. De um lado,
isto não basta, pois muitos dos alunos não têm como custear as mensalidades cobradas, ficando à
espera de bolsas de estudo ou de financiamento. De outro lado, as instituições alegam que passam
por dificuldades para resolver o problema da inadimplência e o excesso de vagas em aberto. É nesse
quadro que são implementadas as políticas inclusivas e compensatórias no governo Lula, que objetivam
remediar (positivista!) a falta de condições econômicas das classes mais baixas por meio da concessão de
bolsas de estudos, propiciando a uma pequena parcela a realização de seu sonho: cursar uma faculdade,
como é o “Programa Universidade para Todos”.

Cury (2005, p. 14) demonstra, a partir de uma análise da etimologia da palavra, que, dialeticamente,
há relação entre excluir e incluir, como pode ser observado nesta citação:

112
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

“Incluir” vem do latim: includere e significa “colocar algo ou alguém dentro


de outro espaço/lugar”. Esse verbo latino, por sua vez, é a síntese do prefixo
in com verbo cludo, cludere, que significa “fechar, encerrar”. Participa da
origem desse verbo um substantivo em português. Trata-se do termo
“claustro”. Claustro é um espaço do qual alguns já “fazem parte” como
“espaço delimitado, murado, rodeado”. Aliás, o claustro lembra uma parte
de um mosteiro, próprio da vida conventual, espaço por vezes interdito a
leigos e seculares. Incluir será, pois, “entrar no claustro”, adentrar um lugar
até então fechado e que, por encerrar determinadas vantagens, não era,
até então, compartilhado com outros. A expressão popular brasileira não
hesitaria em aproximar tais termos do “entrar no baile”. E a canção que
expressa o desejo do sujeito de entrar no circo, isto é, na festa, lamenta
que “todo mundo vai ao circo, menos eu, menos eu...”. Os excluídos são os
“barrados no baile”. Nesse sentido, há uma dialética entre a inclusão (o de
dentro) e a exclusão (o de fora) como termos relacionais em que um não
existe sem o outro. Excluir é tanto a ação de afastar como a de não deixar
entrar. No entanto, não se pode deixar de dizer que o preso, excluído do
convívio social, é também um incluído nas grades prisionais.

O setor privado vende ao cidadão o bem público (estatal) que era seu por direito. Mas, o conhecimento
universitário privado segue a necessidade do mercado, assim, seus alunos saíram para atender ao
mercado e não como pesquisadores. Diante disso, pode-se concluir que o ProUni se compromete,
ideologicamente, para a manutenção da classe hegemônica, nacional e internacional, no poder do Estado
e na sociedade global. Trata-se de um programa emergencial, de cunho assistencialista, que não coloca
a ordem vigente em discussão. Ao contrário, adapta-se a ela e mantém as condições que produzem a
desigualdade para o acesso ao ensino superior. O investimento no setor público seria o caminho para se
conseguir a democratização da educação superior no Brasil, e um projeto nesse sentido seria no atual
momento histórico contraditório com os interesses dominantes. Na verdade, o que se assegura com o
ProUni são benefícios concedidos aos estudantes egressos da escola pública e com situação financeira
desfavorável e não o direito de todo cidadão à educação pública/estatal de qualidade. Dessa forma, o
ProUni contém uma visão de mundo ideológica, comprometida com a conservação da ordem vigente,
apesar de autoproclamar-se promotor da democratização da educação superior.

Por mais críticas que se façam, devemos ter claro que o ProUni tem ajudado as minorias a melhorarem
sua condição social e cultural. Porém, isso não significa a democratização, pois, para sê-la, o ensino
universitário deveria ser um direito de todos.

Outro programa que adotou o critério racial foi o FIES (Programa de Financiamento Estudantil). Coloca
o quesito cor/raça como índice de classificação, aumentando as chances dos negros de conseguirem
esse financiamento. Porém, como no ProUni, o foco é na população de baixa renda e o critério de raça
é usado após classificação pelo critério social (LIMA, 2010).

A partir dessas ações afirmativas, o Brasil assume que é um país racialmente desigual e que essa
situação se deu pela discriminação e preconceitos históricos, e não somente por questão de classe social.
113
Unidade II

O problema é que esses programas são focados, não mudam a estrutura social, só amparam as distâncias
inter-raciais.

Uma maneira de combatermos seria o investimento maciço no ensino fundamental e médio,


garantindo aos alunos melhores condições para universidade, melhor ainda, para sua prática cidadã.

Perceba também que todas essas mudanças refletem não só o movimento negro, como também o
movimento estudantil, que sempre esteve à frente de grandes lutas no país. Na ditadura militar, foram
os que lutavam contra o regime, o que foi ponto crucial para a abertura democrática; no impeachment
do Collor foram com suas caras pintadas exigir a saída desse presidente.

Também estiveram em luta pela democratização do ensino superior, buscando a ampliação de vagas
para todos que queriam estudar, sendo um dos movimentos que mais apoia o ProUni.

A partir daí, podemos dizer que o movimento mudou para Novos Movimentos Sociais, pois
não conseguimos mais encontrar um “um movimento estudantil unitário, mas movimentos
estudantis que se inter-relacionam e se intercruzam” (MESQUITA, 2003). Assim, dentro de um
movimento há inúmeras tribos, grupos, desde aqueles que são ligados a partidos políticos, quanto
aqueles que se interessam por um tema, como por exemplo, o grupo de estudantes do ProUni.
Não conseguimos perceber essa pluralidade muitas vezes devido ao estilo de se fazer política
de entidades clássicas. Porém, devemos ter claro que em décadas anteriores, o movimento
estudantil era a única forma de expressão política dos jovens, no entanto, hoje os estudantes
podem acessar múltiplos e diferentes canais. Atuando em diferentes campos, como em ONGs,
movimentos de cunho cultural, etc. Assim, eles vão desenhando novos elementos e expressando
outras demandas da juventude.

Segundo Boaventura de Souza Santos (1995), há uma grande diversidade de novos movimentos
sociais, sendo difícil conduzir a um conceito, mas de maneira geral, eles propõem o pensamento de Dalton
e Kuechler – “um setor significativo da população que desenvolve e define interesses incompatíveis com
a ordem política e social existente e que os segue por vias não-institucionalizadas, invocando o uso da
força física ou da coerção” (1990: 227).

A realidade social é tão abrangente que é pouco o que se diz sobre ela, já que nos novos movimentos
sociais inclui-se tipicamente os movimentos ecológicos, feministas, pacifistas, antirraciais, de
consumidores, etc. Aqui, ainda podemos falar dos movimentos sociais urbanos propriamente ditos, as
Comunidades Eclesiásticas de Base (formados pelos adeptos da igreja católica), o novo sindicalismo
urbano, o novo sindicalismo rural, o movimento feminista, o movimento ecológico, etc.

A enumeração de Käner para o conjunto de América Latina é ainda mais heterogênea e inclui “o
poderoso movimento operário democrático e popular surgido no Brasil, liderado por Luís Inácio Lula
da Silva (Lula), que, em seguida, originou o Partido dos Trabalhadores; o Sandinismo, que surgiu na
Nicarágua como um grande movimento social de caráter pluriclassicista e pluri-ideológico; as diferentes
formas assumidas pela luta popular no Peru, tanto nos bairros (pueblos jóvenes) quanto em nível
regional (Frentes Regionais para a Defesa dos Interesses do Povo); as novas experiências de “paralisações
114
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

cívicas nacionais”, com a participação de sindicatos, partidos políticos e organizações populares (grupos
eclesiásticos de base, comitês femininos, grupos estudantis culturais, etc.) no Equador, na Colômbia e
no Peru; os movimentos de invasões em São Paulo; as massivas invasões de terra pelos camponeses
do México e de outros países; as tentativas de autogestão nas periferias das grandes cidades, como
Caracas, Lima e São Paulo; os comitês de defesa dos Direitos Humanos e as Associações de Familiares
dos Presos e Desaparecidos, tendo essas duas últimas iniciativas surgido basicamente dos movimentos
sociais (KANER apud SANTOS, 1995).

O que tem de novo nos NMSs (SANTOS, 1995) é que esses movimentos produzem uma crítica para
regular a sociedade capitalista, como uma crítica para emancipar a sociedade socialista. Por meio da
identificação das novas maneiras de opressão da sociedade capitalista, que ultrapassam as relações de
produção, como: a poluição, o machismo, o racismo, etc., defendendo um novo modelo (paradigma)
social, cultural, na busca de qualidade de vida, não de riqueza, preservando a natureza; denunciando
o radicalismo, os excessos não só do modo de trabalho e de produção; se preocupando com a pobreza,
mas também com o desequilíbrio interior dos seres humanos; e denunciando que as formas de opressão
atingem todos de maneira geral, a sociedade. Principalmente, a emancipação que buscam, não é para o
futuro distante, mas para o hoje.

Os NMSs afirmam a subjetividade frente à cidadania. Isso quer dizer que a emancipação não é
política, mas também, social e cultural. Pois, “as lutas em que se manifestam se pautam por formas
organizativas (democracia participativa), diferentes das que precederam as lutas pela cidadania
(democracia representativa). (...) os protagonistas destas lutas não são as classes sociais, mas, sim,
grupos sociais, às vezes, maiores, às vezes, menores que as classes (...)” (SANTOS, 1995). Sendo os
interesses coletivos o que define cada movimento, podendo serem localizados como global. As
formas de opressão e de destruição contra as quais esses grupos lutam não poder ser eliminadas
simplesmente com a concessão de direitos, como no caso da cidadania, é preciso mudar o processo
de socialização e formação cultural, exigindo mudanças reais, instantâneas e pontuais, como, por
exemplo, a construção de uma escola, de uma creche, fechamento de uma indústria poluente, a
proibição de publicidade enganosa.

Esses movimentos estão presentes na sociedade civil e não no estado, mantendo uma distância deste.

A novidade dos NMSs não está em rejeitar a esfera política, pelo contrário, está em ampliar a política
para todas as esferas da sociedade, colocando a sociedade civil como a mola propulsora da prática política.

Exercício resolvido:

Perceba que para ser um movimento social, se faz necessário ter algumas características, isto é,
ser uma ação conjunta de pessoas, com uma mesma visão de mundo, com um objetivo, seja ele de
_____________ ou de ________________ das relações sociais existentes em sociedade.

115
Unidade II

Escolha a alternativa que preenche as lacunas corretamente:

a) Movimento, democracia.

b) Democracia, revolução.

c) Mudança, conservação.

d) Conflito, conciliação.

e) Democracia, comunismo.

Resposta correta: C

Justificativa: O movimento pode levar à mudança ou à conservação. Isso quer dizer que o caráter de
conflito mostra uma relação de poder, que resulta na mudança ou na conservação dos valores e regras
existentes. Por exemplo, no caso dos mutuários, citados aqui, eles queriam impedir a ação de despejo,
isso resulta em uma mudança das leis sobre financiamento de imóveis. Porém, não conseguindo evitar
o despejo, as regras se mantêm. Há uma relação de poder, uma correlação de forças, uns querem se
libertar e outros querem conservar as relações, regras e valores da sociedade. Um outro exemplo, a do
movimento de resistência da União Democrática Ruralista (UDR), composta por proprietários rurais, que
lutou na Constituição de 1988, contra a reforma agrária, contrário aos que lutavam para ter acesso à
terra para viverem. (TOMAZI, 2000).

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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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