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10 a 22 de março de 2009.
ISBN: 978-85-61383-02-2
2009
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
www.telabrasilis.org.br
Retomando a questão da
Indústria Cinematográfica
Brasileira
Ao patrocinar este projeto, a CAIXA, uma das empresas que mais investem
e apóiam a cultura no Brasil, espera que os debates suscitados pela mostra
ajudem a aprofundar estas e outras questões pertinentes a uma indústria
que, como tal, também deve ser pensada sob a ótica da economia, sem
esquecer a relevância dos bens culturais que produz.
Apresentação
9 Rafael de Luna freire, Tela Brasilis
Introdução
13 André Piero Gatti, curador
Artigos
19 Aproximações a uma antiga economia do cinema, de Hernani
Heffner
Anexos
137 Bibliografia suplementar
150 Dados de mercado
155 Filmografia comentada
167 Biografia dos autores
Apresentação
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Seguindo esse viés, a ideia de “indústria cinematográfica brasileira” - e sua
viabilidade (como utopia ou objetivo real) ou as ferramentas para sua
concretização (longínqua ou próxima) - é talvez um dos temas mais
recorrentes e debatidos na história do cinema em nosso país, tanto pelos
profissionais do meio quanto pela sociedade em geral. O objetivo de
“retomar” a discussão sobre essa ideia através de uma visão retrospectiva e
de uma contextualização histórica das experiências anteriores do cinema
brasileiro é inegavelmente pertinente num momento em que termos como
“editais de fomento”, “renúncia fiscal” e “lei do audiovisual” fazem parte do
vocabulário de qualquer pessoa bem informada, e quando expressões como
“adicional de renda” e “cota de tela” retornam ao debate com
surpreendente sobrevida, dando um gostinho de (literalmente) “já vi esse
filme”.
10
Flores, curta-metragem; Vinicius, documentário contemporâneo), entre
outras possíveis formas de agrupar as produções brasileiras que possibilitam
a problematização da própria palavra “sucesso”.
11
Brasilis, tencionamos proporcionar uma visão significativamente
multifacetada sobre uma questão não menos polêmica e avessa a
discordâncias como a da frequentemente vista como intangível indústria
cinematográfica brasileira. Por esse motivo, o último e principal
agradecimento destina-se, então, aos autores que colaboraram para
transformar este livro em realidade.
12
Introdução
13
mais pitorescos aos mais dramáticos. Dessa situação deriva o fato de que
houve várias tentativas distintas de projetos de industrialização do cinema
nacional, alguns bem-sucedidos, outros nem tanto. Entendemos que tal
desenvolvimento irregular vem caracterizar a economia da indústria do
cinema brasileiro como uma indústria cíclica, instável, dependente e incipiente.
14
Observações em torno da indústria
15
XX, o cinema se configurou como a mais representativa das artes, graças ao
seu poder de persuasão e de influência junto aos jovens.
16
diminuição do fatiamento da renda bruta do filme e do controle real da
venda dos ingressos. No Brasil, por exemplo, a empresa cinematográfica
mais antiga em atividade é uma distribuidora, no caso, a Fox Filmes, que aqui
se instalou em 1915.
17
A nova circulação do filme
18
Aproximações a uma antiga economia do cinema
Hernani Heffner
1. Sobre o assunto Cf. LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil, 1808-1930. São Paulo: Difel,
1961.
19
industrial como de base se a empresa fosse uma fundição ou tivesse uma
dentro de suas instalações. Isto significava a capacidade de fabricar a maior
parte das peças, instrumentos e máquinas usadas como base no processo
manufatureiro. Mais amplamente sugeria a ideia de que o desenvolvimento,
seja da empresa, seja do país, estaria na autonomia fabril. O processo
produtivo dependeria de siderurgia - em grande escala e com qualidade - e
de energia abundante, ações estratégicas dos governos instaurados em
1930 e 1964, respectivamente, voltando-se em seguida para a fabricação de
bens duráveis, como automóveis. Os primeiros ideólogos do cinema
brasileiro, como Adhemar Gonzaga, absorvem essa formulação
argumentando que a força persuasiva do cinema precederia e influenciaria
no consumo desses bens, alavancando a economia como um todo. Alguns
dos primeiros empresários regulares da área cinematográfica, como o
mesmo Gonzaga, se preocuparam em concentrar na unidade fabril todo o
processo produtivo, da ideia à cópia final como costumavam alardear,
transformando o estúdio num êmulo da fábrica com fundição.
20
som e refletores. As primeiras poderiam ser fabricadas em madeira, como na
Cinédia, os segundos a partir de sucatas radiofônicas, como na Atlântida, e
os terceiros literalmente copiados a partir de um exemplar original na
fundição do dono da Vera Cruz. Sabendo-se que os custos mais decisivos no
Brasil estavam associados ao processo de filmagem e não aos
equipamentos, estes de resto amortizados ao longo de muitos anos e
muitos filmes, entende-se porque as limitações de decupagem e a
preferência por um diretor básico e rápido como Luís de Barros, realizador
mais prolífico do período.
2. COHN, Gabriel (org.). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Cia. Edit. Nacional, 1971.
21
bastante estreita do processo empreendedor, não importando se em
pequena ou larga escala.3
3. Para um economista como Joseph Schumpeter, a invenção é produto de mera curiosidade e engenhosidade,
não gerando ciclos econômicos significativos.
4. Cf. BAKKER, Gerben. Entertainment Industrialized: The Emergence of the International Film Industry,
1890-1940. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
5. Cf. SÁ NETO, Arthur Autran Franco de. O pensamento industrial cinematográfico brasileiro. Campinas,
2004. Tese de Doutorado; e SOUSA, José Inácio de Melo. O Estado contra os meios de comunicação, 1897-
1945. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2003.
22
brasileiro, pode-se aventar em que medida esse seria o momento inaugural,
o que o distingue, como se processou do ponto de vista macro e quais as
suas limitações. Deve-se ressaltar que a reflexão toma como perspectiva
não a inserção dessas iniciativas em um processo mais amplo, quer o
mercado cinematográfico, quer a realidade sócio-econômica brasileira, de
resto indispensáveis para uma análise mais coerente da performance geral,
mas a estruturação interna desses empreendimentos como modelos de
negócios.
6. LIVRO-CAIXA da Companhia Phebo Brasil Film. Cataguases, 1930. (O documento encontra-se depositado
na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro)
23
cuidado como e em que medida isto ocorreu. O aparente traço em comum é
a constituição de um empresariado para o setor. Com efeito, Adhemar
Gonzaga, Carmen Santos e Alberto Byington Júnior assumiram as funções
clássicas do empreendedor e propiciaram inversão de capitais bem mais
significativa do que no momento anterior. Respectivamente à frente das
três companhias citadas, também investiram prioritariamente na infra-
estrutura de produção, em vez de se voltarem somente para a realização
de filmes. Buscaram ainda, com resultados diferenciados, a inserção de sua
linha de produção dentro do mercado real, tentando ampliar e alongar a
performance comercial e compatibilizar os investimentos com o perfil de
renda do mercado. Deve-se lembrar aqui que a ação desses empresários,
como de resto de todos os demais da área, pautava-se por um caráter
exploratório da atividade no sentido econômico e que nenhum deles jamais
chegou a uma avaliação estrita de inviabilidade. Gonzaga, ao contrário,
repetidas vezes reclamou justamente da sonegação e do lento retorno das
rendas que seus filmes haviam gerado.
24
O pensamento e a prática econômicas da época pendiam sobretudo para o
keynesianismo, buscando sempre o “equilíbrio do sistema econômico”.7 Isto
significava na prática um equilíbrio de variáveis como contas externas,
balanço de pagamentos, poupança, mercado etc. As ideias
schumpeterianas, que pressupunham o sistema como naturalmente
desequilibrado, e insistiam no senso de oportunidade econômica, sempre
localizada e finita, não tinham ainda a difusão que alcançaram após sua
morte em 1950.8 Na esfera empresarial, um tal equilíbrio deveria pautar-se
pelo comedimento e pela racionalidade das ações, admitindo-se que
instâncias como o mercado se comportariam de forma igualmente
equilibrada. Keynes acreditava que cabia ao Estado regular tanto o mercado
quanto seus agentes econômicos, embora a crítica marxiana já tivesse
apontado os limites políticos de uma tal asserção. A esta altura, no Brasil,
inexistia uma ação estatal com vistas à uma legislação regulatória da
atividade econômica cinematográfica, e muito menos uma atividade
fiscalizadora e punitiva de sua parte. Na prática, o Estado brasileiro ignorava
a atividade cinematográfica nacional, impedindo a sua formalização e
sustentação, mesmo em escala tão pequena, já que, se as rendas tivessem
voltado...
7. KEYNES, John Maynard. Teoria geral do juro, do emprego e da moeda. São Paulo: Atlas, 1982.
8. SCHUMPETER, Joseph A. A teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982.
25
desenvolvimento, e o da introdução do som ótico no espetáculo
cinematográfico, tido em um primeiro momento como elemento que
colocaria o mercado à mercê do produtor brasileiro (o estalo mágico
schumpeteriano). Por outro lado, é preciso lembrar que, na prática,
inexistiam condições de equilíbrio na economia cinematográfica daquele
momento. Não era possível fazer cálculo de custos e planejamento
razoavelmente confiáveis. Corria-se o risco totalmente no escuro.
26
Em termos de escala, essa diferença de perspectiva econômica
provavelmente se manteve. Embora os números disponíveis refiram-se
apenas à Cinédia, pode-se supor um regime bem mais austero na Sonofilms.
A partir do depoimento de Ruy Costa, sabe-se que quase todos os aspectos
de produção de um filme na companhia eram reduzidos ao mínimo
absoluto.10 Quando Ary Barroso resolveu pedir um pouco mais para ceder a
canção Boneca de Pixe para Banana da Terra, foi sumariamente cortado do
filme e substituído por um jovem desconhecido e barato chamado Dorival
Caymmi, que cedeu a hoje famosa O Que É Que a Baiana Tem?. Byington
tinha no norte-americano Wallace Downey um obediente e rigoroso
supervisor de produção, cargo novo no país. Ao mínimo de investimentos se
contrapunha o máximo de rendimento. Neste aspecto, a Sonofilms
também foi distintiva, pois recusou em um primeiro momento o lançamento
de seus filmes através de distribuidores, preferindo um acordo com os
exibidores, destacando-se neste caso o acerto com o circuito de maior
prestígio e lisura do país, o da Metro-Goldwyn Mayer. Depois criou sua
própria distribuidora, a Distribuição Nacional. Byington também se dedicou à
fabricação de projetores cinematográficos sonoros, infinitamente mais
baratos que os importados, embora neste caso a qualidade deixasse mesmo
a desejar, até para os filmes da Sonofilms...
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Activo
2.295:144$200
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Passivo
Capital 300:000$000
Deposito da Directoria 40:000$000
Contas a receber 77:458$100
Titulos descontados 26:400$100
Films distribuídos 574:494$300
Fundo de depre., moveis, utensílios e vehiculos 13:857$500
Fundo de amortização, installações e machinas 117:927$600
Fundo de depreciação de filme 146:972$700
Fundo de resgate de prejuízos 173:625$600
Obrigações a pagar 85:620$800
Impostos s/ dividendos 2:659$500
Dividendos 63:828$700
Contas correntes 672:299$700
2.295:144$200
13. Para uma referência de câmbio Cf. HOLLOWAY, T.H. Imigrantes para o café. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
14. Recortes encontrados no dossiê Carmen Santos, Arquivo Cinédia.
29
primeira ou contratou artistas por preços de mercado (o casting vinha de
suas rádios e gravadora), pode-se pensar talvez em cerca de 10% do
investimento cinediano.
15. Os apuros cinedianos na área econômica vieram sobretudo da cessão gratuita da distribuidora própria, a
Distribuição Cinédia, à Associação Cinematographica dos Produtores Brasileiros, que constituiu a Distribuidora
de Films Brasileiros, posteriormente açambarcada e extinta por Luiz Severiano Ribeiro, e da compra desastrada
de uma outra distribuidora falida, a Aliança Cinematográfica, cujo passivo registrava prejuízos vultosos.
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plenamente retornadas caso o produto caísse no gosto popular, como
aconteceu com O Ébrio, que contabilizou mais de seis milhões de cruzeiros
de renda nos primeiros cinco anos de exibição.16 Apesar dos revezes sofridos
ao longo de sua história em São Cristovão, a Cinédia logrou alcançar ao fim
o equilíbrio entre despesas e receitas, evidenciando os elementos de base
schumpeterianos para o ciclo inovador: determinação e pragmatismo. A
retirada da Sonofilms do mercado, após o incêndio que destruiu suas
instalações em 1940, revela os limites do projeto de Byignton. O equilíbrio
da companhia era de outra natureza e não admitia flutuações ou
reinvestimentos. Tratava-se de um risco calculado.
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contato com o projeto gonzagueano sobretudo quanto ao nacionalismo e
ao caráter artístico do cinema.
Deve-se frisar ainda que uma eventual avaliação construída a partir dos dias
de hoje sobre a qualidade dos filmes pode tornar-se bastante relativa,
tendo em vista a percepção contemporânea dos mesmos e o seu encaixe
no sistema econômico proposto. Além disso, como empreendedores, os
empresários cinematográficos da era dos estúdios (1930-60) exibiam uma
característica bastante incomum, considerando o contexto mais amplo da
trajetória industrial brasileira. O desenvolvimento desse setor foi calcado
em grande parte em capital estrangeiro, atraído por incentivos cambiais,
tarifários e fiscais, em geral oferecidos pelo próprio governo. Poucas foram
as atividades econômicas formadas a partir do emprego de grandes capitais
que se alavancaram estritamente com base em capital nacional, como a
cinematográfica a partir de 1930. Nesse sentido, entende-se por que a
Atlântida surgirá a partir de 1948 como o mais bem-sucedido exemplo de
performance econômica privada do cinema brasileiro. Não só desfrutava do
fenômeno da verticalização, como no fundo o grupo que a sustentava era,
por sua vez, sustentado a partir do produto estrangeiro. Não é à toa
também que, no momento seguinte, começassem os estudos para
transformar esse mesmo capital auferido entre nós e remetido ao exterior,
em base econômica da atividade cinematográfica brasileira.
Bibliografia
BAKKER, Gerben. Entertainment Industrialized: The Emergence of the International
Film Industry, 1890-1940. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
COHN, Gabriel (org.). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Cia. Edit.
Nacional, 1971.
32
COSTA, Ruy. Depoimento, 1980 (CTAv/SAv).
HOLLOWAY, T.H. Imigrantes para o café. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
KEYNES, John Maynard. Teoria geral do juro, do emprego e da moeda. São Paulo:
Atlas, 1982.
LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil, 1808-1930. São Paulo: Difel,
1961.
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Industrialização e cinema de estúdio no Brasil:
a “fábrica” Atlântida
34
sala tradicional com o nome e a marca do estúdio produtor. Mal se inaugura
o primeiro “palácio de cinema” do Rio de Janeiro, o Cine Capitólio, em 1925 -
no trecho do centro da cidade que, devido à grande e posterior
concentração de salas de cinema ali existentes, ficaria conhecido como
Cinelândia nas décadas seguintes -, já aparece a marca e o logotipo da
Paramount por cima do letreiro Capitólio, associando no público, de forma
inseparável, o meio de expressão “cinema” com “cinema norte-americano”
e, mais especificamente, um grande estúdio produtor. A prática reproduzia
aqui os mesmos mecanismos de expansão e controle verticais da atividade
conforme exercida na matriz norte-americana e posteriormente
denunciada em campanhas antitruste.
17. Há outras experiências de maior ou menor presença e continuidade, como, por exemplo, a Phebo Brasil
Film, a Sonofilms, a Brasil Vita Filmes, a Cia. Americana ou a Maristela. Entretanto, a Cinédia foi realmente a
primeira experiência que permitiu essa comparação com o modelo matricial norte-americano. Entre outras
características que a aproximam desse ideal de “cinema de estúdio” estão a construção de estrutura
arquitetônica especial que lembra galpões de fábricas, a importação de equipamentos especializados de
registro e iluminação, um regime de trabalho onde atores e atrizes possuem exclusividade, entre outros.
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quanto editorial, seu primeiro número se autoproclamava “um mediador
natural entre o mercado brasileiro e o produtor norte-americano”,
exaltando e promovendo a universalidade do modelo de produção de
Hollywood apoiado em duas estruturas fortes e dominantes naquele
cinema: o estrelismo (star system) e o cinema de estúdio. O culto ao
estrelismo base de venda dessas revistas mundo afora foi adaptado, com
maior ou menor sucesso, ao cinema nacional e em suas páginas
encontramos generoso material para empreender diversos estudos sobre o
culto às estrelas (não só do cinema, mas também do rádio) na cultura
audiovisual brasileira. E, também de acordo com o que aqui chegava da
dominante produção norte-americana, celebrando um mal disfarçado
racismo ao exaltar a hegemonia de um padrão de beleza branco onde
fotogenia era sinônimo de ambientes luxuosos e higiênicos por onde
circulavam, de preferência, corpos jovens e saudáveis. A revista sugeriu,
inúmeras vezes, que a criação de um bom cinema no Brasil deveria ser um
ato de purificação de nossa realidade social, através de uma cuidadosa
seleção do que deveria ou não ser mostrado nas telas, enfatizando uma
noção de progresso, de conquistas da engenharia nacional, de uma
inseparável relação entre as belezas naturais de nossas paisagens
geográficas e a paisagem social, branca e, por isso mesmo, agradáveis de
serem vistas e fotografadas. Tal esforço na construção de uma imagem
nacional só seria melhor conseguido por meio de um modelo assentado no
controle maior que a produção em estúdio garantia. Um cinema de estúdio
do tipo norte-americano, com interiores bem decorados e habitados por
gente agradável. A Cinédia, em diversos filmes, colocou esses preceitos em
pauta e, ao longo da década de 1930, consolidou-se como o centro de
produção mais importante do Brasil. Bonequinha de Seda (1936), dirigido por
Oduvaldo Vianna, pode ser considerado paradigma de quase todas essas
intenções ao materializar alguns dos padrões de qualidade discutidos e
defendidos durante anos por Adhemar Gonzaga nas páginas de Cinearte.
Especialmente a cuidadosa elaboração de uma mise-en-scène onde
cenografia, vestuário, iluminação, movimentos de câmera, interpretações e
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enquadramentos foram orquestrados na busca de um visual bem mais
elaborado e inédito até então no cinema brasileiro.18
18. Para uma análise mais detalhada do significado desse filme para a Cinédia e para o desenvolvimento de um
visual modernista no cinema brasileiro de acordo com os preceitos ditados por Cinearte, ver João Luiz Vieira,
“Cinema brasileiro art déco”, in BUTRUCE, Débora. Hipólito Collomb, Lazlo Meitner, Ruy Costa: Cenógrafos
de Cinema. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2007, p.26-31.
19. Para uma visão mais completa do papel do cinema educativo no Brasil a partir da criação do INCE, ver o
livro de Sheila Schvarzman, Humberto Mauro e as imagens do Brasil (São Paulo: UNESP, 2004), bem como a
dissertação de mestrado de Fernanda Caraline de Almeida Carvalhal, Luz, câmera, educação: o INCE e a
formação da cultura áudio-imagética escolar. Rio de Janeiro: UNESA, 2008, p.311.
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partir dessa iniciativa, intensos debates tensionaram posições antagônicas
em torno do que seria, para os propósitos pedagógicos do governo, um bom
cinema aquele de viés meramente educativo e um mau cinema, ou seja,
todo o cinema de ficção, comercial. Conciliar propósitos em princípio
antagônicos dentro dessa visão estreita que opõe educação e
entretenimento, ao mesmo tempo em que se preconiza informar o Brasil
aos brasileiros orienta, em boa parte, certos dilemas encontrados na
produção da Cinédia e, com certeza, menos de cinco anos depois, também
na gestação do projeto da Atlântida.
...na hora presente, mais do que qualquer outra instituição, as nações reúnem e
exaltam os seus elementos nacionalizantes mais expressivos. Não precisaríamos
aqui, numa simples explanação de nossos propósitos, realçar todos os fatores
que fazem do cinema um desses fortes elementos. Lembramos, porém, que a
arte completa o nível de cultura superior e constitui com a ciência, a política e a
religião, todo o patrimônio moral e intelectual de uma época, de um povo. O
cinema, arte resultante de todas as artes e com maior poder dentre todas, para
objetivar e divulgar, adquiriu métodos próprios de expressão, fez-se arte
independente e, por esse grande poder de penetrar e persuadir as mais diversas
multidões, tornou-se indústria de vulto universal, órgão essencial de educação
coletiva.
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A finalidade da Atlântida é a produção de filmes cinematográficos
documentários, noticiosos, artístico-culturais, de longa e pequena metragem,
desenhos animados, dublagem de produções estrangeiras e atividades afins -,
implantando uma indústria e uma arte de cinema no Brasil.
A isso nos propomos levados pelo que vimos nos referindo e pelo grande ideal
de levantarmos as paredes dessa grandiosa construção que será o cinema
brasileiro, cujos alicerces já estão lançados - o nosso meio social.
20. Conforme transcrito das páginas 122-3 da recente biografia de Luiz Severiano Ribeiro, O rei do cinema, de
Toninho Vaz (Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2008), que traz, em seu caderno iconográfico, uma imagem
original do documento intitulado Estatutos da Atlântida. O pesquisador e professor Máximo Barro esclarece
no livro José Carlos Burle: Drama na chanchada (São Paulo: Imprensa Oficial, 2007) a existência de dois
manifestos - o primeiro, Manifesto de incorporação, publicado no Diário Oficial em 20 de setembro de 1941 e
outro texto ampliado e publicado posteriormente nos Estatutos da Atlântida (Rio de Janeiro: Tipografia
Mercantil, 1942).
21. Para uma leitura definitiva do papel seminal de Alinor Azevedo não só durante os anos da Atlântida, ver a
excelente (e inédita) dissertação de mestrado de Luís Alberto Rocha Melo, intitulada Argumento e roteiro: o
escritor de cinema Alinor Azevedo (Niterói: IACS/PPGCOM, 2006), p.349.
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diretor da Atlântida também havia experimentado o sucesso popular da
união entre cinema e música popular tão bem conseguido pelas produções
da Cinédia na década anterior e de realizadores como Wallace Downey,
além do próprio Fenelon, sempre ligado a questões de sonorização e, por
isso mesmo, atento ao papel sedutor que a música desempenhava junto ao
público. Portanto, além dessas produções mais artísticas e dos cinejornais
presentes desde o início da produção (e pelos quais, além das chanchadas, a
marca Atlântida permaneceria para sempre no imaginário dos
espectadores), a realização de comédias musicais também foi
experimentada nesses primeiros anos, em títulos às vezes premonitórios e
visionários como Tristezas Não Pagam Dívidas (1944), sob a direção de Burle,
ou Não Adianta Chorar (1945) de um estreante Watson Macedo, com
Oscarito, Grande Otelo e um elenco onde se destacavam números
musicais defendidos pelas irmãs Batista, Emilinha Borba, Marion, Sílvio
Caldas, Alvarenga e Ranchinho, entre vários outros nomes de grande
popularidade no rádio.
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máximo, seu horizonte natural. Ainda assim, entre retumbantes êxitos de
bilheteria como Carnaval no Fogo (1949), e Aviso aos Navegantes (1951),
ambos de Watson Macedo, havia espaço para produções como as
adaptações literárias Terra Violenta (1948) de Eddie Bernoudy (do livro de
Jorge Amado, Terras do Sem Fim), Escrava Isaura (1949) de Eurides Ramos (do
original de Bernardo Guimarães) ou o pioneiro melodrama racial Também
Somos Irmãos (1949) de José Carlos Burle. Na década de 1950, entre
chanchadas e comédias, incluindo adaptações de peças como O Golpe
(1955), Papai Fanfarrão (1956) e Cupim (1959), todas dirigidas por Carlos
Manga, há que se destacar, sempre, produções de fôlego como A sombra da
outra (1950), de Macedo, Areias Ardentes (1951), de J.B. Tanko, o noir Amei
um Bicheiro (1952) de Jorge Ileli e Paulo Wanderley, além de uma co-
produção com a Alemanha, Paixão nas Selvas (1955) dirigido por Franz
Eichhorn.
41
uma cadeia econômica de produção se fechava de forma inédita no cinema
brasileiro. Com muitos cinemas espalhados pelo país, o grupo garantiu uma
visibilidade também até então inédita para o filme nacional. Objetivando o
lucro máximo, os investimentos na produção eram mínimos - agora
localizados na Tjiuca, na rua Haddock Lobo, os “estúdios” eram bem
diferentes do que um jovem Carlos Manga, fascinado pelo cinema,
imaginava a partir do glamour que ele idealizava e lia sobre a atividade
cinematográfica. Dá o que pensar afirmações contrastantes onde, de um
lado, o patrão Severiano Ribeiro afirmava que Oscarito era a sua “mina de
ouro” e do outro, a do próprio comediante que, em diversas entrevistas,
repetia que “nunca enriqueceu com o cinema”.
A garantia de exibição - ainda que limitada a três ou quatro títulos por ano,
média da produção da Atlântida entre 1947 e 1962 - resolveu, durante pelo
menos duas décadas, um eterno “calcanhar de Aquiles” da atividade
cinematográfica brasileira que se estende até os dias de hoje. A experiência
da Atlântida, em termos de pensamento industrial, materializou um
conhecimento prático das condições reais e possíveis de um mercado
periférico, especialmente se comparadas a outras tentativas de
implantação e defesa de um cinema mais sofisticado e ambicioso. A
consciência e demonstração desse conhecimento e dessa prática estão
42
presentes tematicamente e de forma reflexiva num filme emblemático de
José Carlos Burle, realizado em 1952, chamado Carnaval Atlântida. Mas isso
já é outra história, contada inúmeras vezes em outros lugares.22
43
Bibliografia
AUTRAN, Arthur. “A questão do studio system no pensamento industrial.” Cadernos
da Pós-Graduação - Edição Especial Cinema - Fotografia, Campinas: vol. III, n.3, 2006.
STAM, Robert; VIEIRA, João Luiz Vieira. “Parody and marginality.” In ALVARADO,
Manuel e John O. Thompson (orgs.). The Media Reader. Londres: BFI Publishing, 1990.
22. Ver, por exemplo, três leituras convergentes e complementares desse filme emblemático: João Luiz
Vieira, “A chanchada e o cinema carioca (1930-1955)”. In RAMOS, Fernão (org.). História do cinema brasileiro.
São Paulo: Círculo do Livro, 1987, p.153-4; Robert Stam e João Luiz Vieira, “Parody and Marginality”. In
ALVARADO, Manuel e John O. Thompson (orgs. ) The Media Reader. Londres: BFI Publishing, 1990, p.82-104;
Arthur Autran, “A questão do studio system no pensamento industrial cinematográfico brasileiro”. Cadernos
da Pós-Graduação - Edição Especial Cinema - Fotografia, Campinas, vol. III, n.3, 2006, p.15-29.
44
Ilusões, dúvidas e desenganos: a Vera Cruz e o Cinema
Independente frente à questão da indústria
Arthur Autran
A primeira metade dos anos 1950 foi um momento crucial no que tange ao
desenvolvimento das tentativas industrializantes do cinema brasileiro, das
práticas de produção e do pensamento industrial cinematográfico entre
nós. Neste texto buscarei esquematizar algumas das principais posturas
industriais da produção da Vera Cruz, mapear a ideologia por trás de tais
posturas e indicar para o rico pensamento que surge como crítica e resposta
à Vera Cruz da parte do Cinema Independente.
45
No entanto, a Vera Cruz muda esta situação de descrédito. Com grande
vulto de capital foram construídos estúdios sofisticados em São Bernardo
do Campo e adquiridos equipamentos de ponta. Ademais, contrataram-se
técnicos estrangeiros do mais alto gabarito tais como o montador Oswald
Hafenrichter, os diretores de fotografia Henry “Chick” Fowle e Ray Sturgess
e o engenheiro de som Erik Rassmussen, dentre vários outros nomes; além
de vários artistas brasileiros de valor - Tônia Carrero, Anselmo Duarte,
Alberto Ruschel, Ziembinski etc. - sob a supervisão geral do então tido e
havido como o grande realizador brasileiro, Alberto Cavalcanti, o qual há
pouco chegara da Europa após anos de experiências bem-sucedidas nas
cinematografias francesa e inglesa. Ademais, Cavalcanti era secundado por
diretores como Adolfo Celi, Luciano Salce, Abílio Pereira de Almeida, Lima
Barreto e Tom Payne. A preocupação com a infraestrutura técnica, com a
manutenção de contratos para técnicos e artistas de maneira a assegurar a
exclusividade do trabalho de uns e outros e em seguir o star system
demonstram claramente que a empresa pretendia adotar o studio system
como modelo de produção. E da mesma forma que os estúdios
hollywoodianos, pretendia-se produzir filmes que tivessem circulação
mundial, conforme se percebe no lema da empresa: “Do planalto
abençoado para as telas do mundo”.
26. JAFA, Van. “O que vai pelo cinema nacional.” Carioca, Rio de Janeiro, vol. XVI, n.867, 17 maio 1952.
46
Embora a Vera Cruz se apresentasse como uma ruptura em relação ao
cinema brasileiro, ela punha em marcha o modelo de industrialização
defendido desde os anos 1920 pelos principais ideólogos do pensamento
industrial cinematográfico, pensamento este que tinha no modelo
hollywoodiano de produção caracterizado pelo studio system um
verdadeiro dogma. Apesar de nos anos 1930 experiências como as da
Cinédia, da Brasil Vita Filme e da Cia. Americana -
empresas com vulto de capital bem menor, mas
que construíram estúdios e que tentaram
transplantar o studio system - terem fracassado
inapelavelmente, tal dogma continuou inabalável
até a falência Vera Cruz em 1954, tornando-a
certamente o exemplo prático mais acabado
dessa ideologia.
47
industrial de produção cinematográfica, das barreiras à circulação de filmes
pelo mundo e da necessidade de domínio do mercado interno.
Em 1951, a Vera Cruz lançou suas produções seguintes: Terra É Sempre Terra
(dir. Tom Payne) e Ângela (dir. Abílio Pereira de Almeida e Tom Payne). Mas já
neste ano se afigura a primeira grande crise da Vera Cruz com a demissão de
Alberto Cavalcanti, após forte onda de boatos em torno das brigas entre
ele e Franco Zampari. Para piorar a situação, as filmagens da super-produção
Tico-tico no Fubá, cinebiografia do célebre compositor Zequinha de Abreu
27. SALLES, Francisco Luiz de Almeida. Caiçara. In _____. Cinema e verdade - Marilyn, Buñuel etc. por um
escritor de cinema. Organização de Flora Christina Bender e Ilka Brunhilde Laurito. São Paulo: Companhia das
Letras, 1988, p.240.
48
dirigida por Adolfo Celi e com Anselmo Duarte no papel principal,
arrastaram-se por bastante tempo, consumindo muito dinheiro. No
entanto, a estreia do filme em 1952 obteve grande sucesso de público,
servindo para encobrir a instabilidade financeira da Vera Cruz. Ao mesmo
tempo a empresa começou a investir em filmes mais baratos e que
pudessem obter grande rentabilidade, para tanto Abílio Pereira de Almeida
traz da televisão e do rádio o cômico Mazzaroppi, o qual estrelou três
filmes na produtora: Sai da Frente (Abílio Pereira de Almeida, 1952), Nadando
em Dinheiro (Abílio Pereira de Almeida e Carlos Thiré, 1952) e Candinho
(Abílio Pereira de Almeida, 1954).
28. CATANI, Afrânio Mendes. “A aventura industrial e o cinema paulista (1930-1955).” In RAMOS, Fernão (org.).
História do cinema brasileiro. São Paulo: Círculo do Livro, 1987, p.223.
49
muito baixo, a recusa em entrar no campo da distribuição e da exibição, o
retorno lento das rendas dos filmes característico do negócio
cinematográfico, a grande quantidade de capital empatado, as enormes
dívidas bancárias, o alto custo da maioria dos filmes, entre outros, foram os
fatores que levaram a Vera Cruz à bancarrota econômica. Isto sem deixar
de lembrar a inexistência de uma política cinematográfica consequente da
parte do Estado brasileiro.
A experiência da Vera Cruz foi tal para o cinema brasileiro que em 1960
Paulo Emílio Salles Gomes afirmou:
*
29. GOMES, Paulo Emílio Salles. “O gosto da realidade.” In _____. Crítica de cinema no Suplemento Literário.
vol. II. Rio de Janeiro: Paz e Terra/Embrafilme, 1981, p.306.
50
O que ficou consagrado historiograficamente como o Cinema
Independente brasileiro dos anos 1950 é composto por um conjunto
razoavelmente heterogêneo de filmes tais como Alameda da Saudade, 113
(Carlos Ortiz, 1951), Tudo Azul (Moacyr Fenelon, 1952), Agulha no Palheiro
(Alex Viany, 1952), O Saci (Rodolfo Nanni, 1953), Rio, 40 Graus (Nelson
Pereira dos Santos, 1955), Rio, Zona Norte (Nelson Pereira dos Santos, 1957),
O Grande Momento (Roberto Santos, 1958), Cara de Fogo (Galileu Garcia,
1958) e Rebelião em Vila Rica (Geraldo Santos Pereira e Renato Santos
Pereira, 1958).
51
Todas estas experiências não integraram nenhuma estrutura industrial, de
maneira que elas servem pouco para discutir de forma aprofundada a
questão da indústria. No caso do Cinema Independente é mais profícuo
centrar a análise nas ideias sobre como industrializar o cinema brasileiro,
defendidas pelos cineastas que se opunham às grandes empresas.
52
Mas para além dessa relativa influência do PCB, que outras características
eram comuns aos independentes? Maria Rita Galvão observa:
Uma expressão inicial mais consistente das ideias dos independentes sobre
as possibilidades de industrialização do cinema brasileiro surgiu a partir da
experiência de trabalho de alguns deles na Maristela. Logo em abril de 1951,
quando esta empresa já enfrentava uma crise, os então funcionários Alex
Viany, Carlos Ortiz, Ortiz Monteiro e Marcos Marguliès prepararam um
relatório no qual buscaram indicar saídas para os problemas da produtora.33
31. GALVÃO, Maria Rita. “O desenvolvimento das ideias sobre cinema independente.” Cadernos da
Cinemateca, São Paulo, n.4, 1980.
32. SANTOS, Nelson Pereira dos. “Caiçara - Negação do cinema brasileiro.” Fundamentos, São Paulo, vol. III,
n.17, jan 1951.
33. VIANY, Alex, ORTIZ, Carlos, MONTEIRO, José Ortiz e MARGULIÈS, Marcos. “Relatório sobre a
Cinematográfica Maristela S.A.” In BERRIEL, Carlos Eduardo Ornelas (org.). Carlos Ortiz e o cinema brasileiro
na década de 50. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1981, p.64-6.
53
Segundo o documento:
34. Para um amplo estudo sobre os congressos de cinema ver SOUZA, José Inácio de Melo. Congressos,
patriotas e ilusões e outros ensaios de cinema. São Paulo: Linear B, 2005, p.9-121. Para uma análise específica
da questão da industrialização do cinema brasileiro ver AUTRAN, Arthur. “A questão industrial nos
congressos de cinema.” In CATANI, Afrânio Mendes at al (orgs.). Estudos Socine de Cinema - Ano IV. São Paulo:
Panorama, 2003, p.225-32.
54
força em termos de orientação das resoluções finais provinha dos
independentes. Dentre as várias teses apresentadas nos congressos,
gostaria de destacar duas que têm especial significado para a nossa
discussão.
55
Complementando a “Lei do Contingente”, a tese sugeria um grande
aumento da taxação do filme importado impressionado, que de Cr$1,50 o
metro linear deveria passar para Cr$10,00 ou Cr$8,00 - neste caso se o
filme fosse copiado no Brasil. Por último, previa-se que as rendas auferidas
com a cobrança da taxa seriam revertidas pelo governo na produção,
através da criação da Carteira Bancária de Crédito Cinematográfico.
Bibliografia
AUDRÁ JR., Mário. Cinematográfica Maristela: memórias de um produtor. São Paulo:
Silver Hawk, 1997.
56
BERRIEL, Carlos Eduardo Ornelas (org). Carlos Ortiz e o cinema brasileiro na década
de 50. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1981.
FABRIS, Mariarosaria. Nelson Pereira dos Santos - Um olhar neo-realista? São Paulo:
Edusp/Fapesp, 1994.
GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema - O caso Vera Cruz. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1981.
PÓVOAS, Glênio Nicola. Vento Norte História e análise do filme de Salomão Scliar.
Porto Alegre: Unidade Editorial, 2002.
57
A Boca e o Beco
Luís Alberto Rocha Melo
Um cinema independente?
58
tecnologias de difusão do audiovisual se deram justamente no período
histórico de maior intervenção estatal, isto é, os anos do regime militar
inaugurado pelo golpe de 1964, a autonomia relativa da produção e da
circulação de filmes circunscreveu-se apenas a alguns núcleos que não se
beneficiavam do acesso direto ao guichê das verbas públicas.
59
nas proximidades da Estação da Luz, justamente pela facilidade do
transporte de filmes pela linha férrea para os cinco subterritórios em que se
dividia o Estado de São Paulo (Botucatu, Rio Preto, Ribeirão Preto e Taubaté). 35
A dinâmica da Boca era conhecida por sua informalidade, e não por acaso os
verdadeiros “escritórios” eram os bares, sobretudo o Soberano e o Bar do
Ferreira. Nesses lugares, entre refeições, cervejas e cachaças,
35. Cf. GAMO, Alessandro. Vozes da Boca. Tese de doutoramento apresentada ao Instituto de Artes da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas: 2006, p.8.
36. GAMO, Alessandro. Op. cit., P.9.
60
(...) um maquinista ou eletricista pod[ia] arrumar trabalho para as semanas
seguintes (sem garantias de continuidade, o que significa, na prática, longos
períodos de inatividade) e então garantir ao balconista o pagamento das contas
penduradas. Atores, mocinhas acreditando no estrelato cinematográfico,
figurantes “profissionais”, produtores, jornalistas, fotógrafos, todos se
encontram ali. (...) Ao final do dia os bares ficam cheios de gente e chega o
momento da troca de informações. Desde “dicas” sobre uma nova produção que
pode dar emprego a alguns, até projetos secretos ou fofocas sobre alguma
ocorrência nas filmagens.37
37. SIMÕES, Inimá. O imaginário da Boca. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento de
Informação e Documentação Artísticas, Centro de Documentação e Informação sobre Arte Brasileira
Contemporânea, 1981, p.13.
61
do que a múltipla atuação de diretores importantes como Osvaldo de
Oliveira, Ody Fraga, Luís Castillini, José Miziara ou Mário Vaz Filho.
62
A Marte Filmes, de Cassiano Esteves, a Titanus, oriunda da Fama Filmes e a
sociedade de Claudio Cunha com a Brasil Internacional, são exemplos deste
tipo de empreendimento. Outras entravam no filme ocasionalmente, como a
Paris Filmes, a Ouro - através da Ouro Nacional - e a Polifilmes. O envolvimento
com exibidores era uma prática utilizada na região pela Servicine desde o final
dos anos 1960 e vinculava o lançamento de determinado filme com um circuito.
Como havia a obrigatoriedade de reservar um mínimo de dias para o produto
nacional, percebeu-se a vantagem de participar na produção dos filmes. Dentro
desta sociedade, eram elementos fundamentais: a rapidez de entrega do filme
pronto - visando o planejamento da programação - e o custo baixo.39
38. “Em 1973, 271 empresas distribuidoras encontram-se registradas no INC, das quais 104 estão localizadas
no Rio de Janeiro e 90 em São Paulo, e as restantes espalhadas pelo país. Em 1979, esse número passa para
434 empresas, agora registradas na Embrafilme.” Cf. GATTI, André Piero. Verbete “Distribuição”. In RAMOS,
Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe de. Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Senac, 2000, p.176.
39. GAMO, Alessandro. Op. cit., p.21.
63
Nos anos 1990, o Plano Collor e o desmonte da estrutura institucional da
cultura apenas coroou simbolicamente o processo de decadência da região
da Boca do Lixo como polo produtor, processo que já vinha de alguns anos e
que não teve a ver propriamente com o fim da Embrafilme, mas com o
imediatismo e o oportunismo de exibidores e produtores, bem como com o
estrangulamento do mercado cinematográfico, do qual dependia
diretamente a produção da Boca.
Ao contrário do que ocorre com a Boca de Cinema de São Paulo, não existe
uma “história” do Beco da Fome do Rio.40 Não há, ao que se saiba, fontes
sistematizadas, estudos ou pesquisas em circulação mais ampla que dê
conta do que ocorreu, nos anos 1950-80, na região em torno da Cinelândia,
entre as ruas Senador Dantas, Evaristo da Veiga, Álvaro Alvim e suas
transversais. Embora também marcada por uma vasta produção
cinematográfica voltada para a exploração dos gêneros populares e pela
confluência de interesses entre os exibidores, as pequenas e médias
distribuidoras e os produtores e diretores que igualmente realizavam filmes
a partir de financiamento privado, a região conhecida genericamente como
“Beco da Fome”, “Beco dos Artistas” ou, ainda, “Beco dos Aflitos”, não
recebeu das pesquisas de cunho histórico a mesma atenção dada à
produção da Boca de Cinema de São Paulo, considerada de maior
significação artística, estética, política e até mesmo comercial. Assim, se há
algo a ser dito a respeito do cinema carioca do Beco, é que ele permanece
desconhecido, provavelmente porque inspirou, na maior parte dos estudiosos
e historiadores do cinema brasileiro, muito mais o desprezo que a admiração.41
40. Além de Vozes da Boca e de Imaginário da Boca, já citados, importantes fontes de referência para o
estudo da Boca encontram-se em RAMOS, José Mário Ortiz. Televisão, publicidade e cultura de massa. São
Paulo: Vozes, 1995; ABREU, Nuno Cesar. A Boca do Lixo: cinema e classes populares. Tese de doutoramento
apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas: 2002;
STERNHEIM, Alfredo. Cinema da Boca: dicionário de diretores. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2005; e FERREIRA, Jairo. Críticas de Jairo Ferreira Críticas de Invenção: os Anos do São Paulo Shimbun.
GAMO, Alessandro (org.). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006.
41. A própria indefinição quanto ao nome do Beco é um indício da ausência de pesquisas mais rigorosas sobre o
local: o Beco da Fome, dos Artistas ou dos Aflitos também surge, em reportagens ou entrevistas, como o
Beco da Esperança ou o Beco do Pentelho. Entre os profissionais que frequentaram a região no auge de sua
produtividade (anos 1970-80), é comum referir-se simplesmente ao “Beco”.
64
Vimos que, no caso da Boca do Lixo, as origens da
região como centro produtor remetem ao campo
da distribuição de filmes e à atuação de Oswaldo
Massaini à frente da Cinedistri, instalada na rua do
Triunfo em 1949. É provável que, no caso do Beco da
Fome, precisássemos focar não na produção ou na distribuição, mas no
setor da exibição, recuando até a década de 1920, mais especificamente até
1923, ano em que o projeto de construção da Cinelândia, no centro do Rio,
começa a ser posto em prática pelo poderoso exibidor espanhol Francisco
Serrador. Até meados dos anos 1930, a antiga região do Convento da Ajuda
sofreria intensas transformações e ficaria dali para diante intrinsecamente
ligada ao cinema.42
Se essa premissa for correta, será lícito afirmar que o cinema do Beco da
Fome pode ser visto antes de mais nada como o resultado da expansão dos
negócios imobiliários atrelados ao setor de diversões. A história do Beco
seria, assim, em grande parte, a história da Cinelândia carioca e do seu
entorno, pois naquela região se estabeleceram os escritórios das grandes
distribuidoras norte-americanas (as majors), bem como as distribuidoras
pequenas e médias, que comercializavam filmes estrangeiros e brasileiros
(Pelmex, Art Filmes, Paris Filmes, Condor, Unida Filmes etc.). Escritórios de
produção também não tardaram a ser abertos; nomes como Roberto
Acácio, João Tinoco de Freitas e Mário Falaschi, muito atuantes durante os
anos 1950 sobretudo em produções “independentes”, isto é, desligadas do
monopólio de Luiz Severiano Ribeiro mantiveram endereços profissionais
na região.
O montador e editor de som Severino Dadá, atuante
no cinema carioca desde 1971 e durante anos
frequentador assíduo do Beco da Fome, amplia a
relação de empresas e negócios que movimentavam
o setor:
42. Cf. GONZAGA, Alice. Palácios e poeiras. 100 anos de cinemas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Record/Funarte, 1996, p.131.
65
Se na Praça Tiradentes ficava o pessoal do samba e do circo, na Cinelândia ficava
o pessoal do cinema e do teatro. Tudo naquela região da Cinelândia era ligado ao
cinema. Ali tinha escritórios de exibidores, distribuidores, mas também depósitos
e empresas de manutenção de equipamentos, como projetores. O Cezário
Felfeli, por exemplo, era um libanês que entrou até em co-produção de filme,43
mas que na verdade era um cara muito rico que abastecia os projetores do Brasil
inteiro com carvão. Outra coisa que ele vendia era fita magnética para
sincronizar os filmes, ele tinha o monopólio disso no Rio de Janeiro, trazia da
França. (...) Ele tinha um andar inteiro ali na Senador Dantas.44
Se as produções de
“primeira linha” (Valadão,
Mossy, di Mello) garantiam
a participação de circuitos
como os de Severiano Ribeiro, o mesmo não se dava com as produções
“menores”, realizadas na base de um informal sistema de cooperativa entre
pequenos produtores, donos de equipamentos, técnicos e atores
disponíveis, bem como de um extraordinário senso de oportunismo na
captação de dinheiro privado entre os mais obscuros financistas.
66
Mozael Silveira todo ano fazia um filme. Ele era co-produtor, levantava grana
com dono de motel, dono de posto de gasolina, mas teve filme em que teve
grana da RFF [firma do diretor e produtor Roberto Farias]. Ele tinha muita ligação
com o Roberto Farias.45
Era todo mundo dando um pouquinho aqui, outro pouco ali, aí chegava pro
[produtor e diretor] Roberto Machado, que tinha equipamento, e dizia: “Roberto
Machado, a gente só vai pagar quando o filme estreiar.” Se desse dinheiro ele
cobrava, se não desse ele dizia: “Deixa pra lá.” O Roberto Machado é uma das
grandes figuras do cinema nacional, ajudou muito.46
Pappete mesmo fez algumas de suas produções dessa forma. Fundou duas
produtoras, a WC Produções e a Citera, cujos sócios, Zulfo Epifânio Pereira e
João Elias, eram empresários envolvidos com negócios extra-
cinematográficos. Os filmes, no entanto, se pagavam, consistindo numa
ótima oportunidade de fazer circular investimentos.
[Élio Vieira de Araújo] tinha um escritório na avenida Rio Branco que vendia
madeira. O apelido do Élio era Élio Madeireiro. Aí ele conheceu o Osíris [Parcifal
de Figuerôa] que foi quem convenceu o Élio a botar dinheiro em cinema. Aí o Élio
começou a tentar dirigir. Era casado com uma estrela dos filmes do Beco, a Olívia
Pineschi.47
67
O próprio Osíris Parcifal de Figuerôa é outro nome
característico do cinema do Beco. Ator, produtor, diretor e
programador de cinema, iniciou-se no departamento de
publicidade da Pelmex, ainda nos anos 1950, foi programador
por 12 anos do extinto Cineac Trianon, situado na avenida Rio
Branco, nº 181, no centro do Rio. Fundou a Hórus Filmes em
1960 e, em 1972, a O.P. de F. Cinemas e Diversões. Produziu filmes dirigidos
por Mozael Silveira, Wilson Silva, Geraldo Miranda e Fauzi Mansur (diretor
de alguns filmes dos Trapalhões co-produzidos por Figuerôa). Foi também
um dos poucos produtores cariocas a ter co-participação em um filme
“marginal” da Boca de Cinema de São Paulo (Audácia, Fúria dos Desejos, dir.:
Antônio Lima e Carlos Reichenbach, 1969).48
Acontece que a Hórus era distribuidora e a O.P. de F., produtora. Uma devia à
outra, e as duas eram do mesmo dono. A coisa era assim... No Um Brasileiro
Chamado Rosaflor, por exemplo, o Geraldo Miranda [diretor do filme] tinha que
apresentar firma para receber dinheiro da Embrafilme e, como não tinha,
apresentou o projeto pela firma do Osíris Parcifal de Figuerôa, que ficou como
produtor. Mas a grana do Um Brasileiro Chamado Rosaflor era da Embrafilme,
que depois boicotou o filme no mercado, sabotando o lançamento.49
48. Cf. MIRANDA, Luiz Felipe. Verbete “FIGUEROA, Osíris Parcifal de.” In Dicionário de cineastas brasileiros. São
Paulo: Art Editora, 1990, p.143-4.
49. DADÁ, Severino. Conversa com o autor, cit.
68
para o Rio e trabalhou nas distribuidoras Warner Brothers, Columbia e
França Filmes. Gerenciou também os cinemas Politheama, Piedade e
Eldorado, do circuito Severiano Ribeiro. Em 1953, adquiriu a distribuidora Rio-
Mar, “especializada em produções de baixíssimo orçamento, em geral
comédias grosseiras, policiais, melodramas eróticos, filmes sobre drogas e
delinquência juventil”. 50
50. LION, Remier. Verbete “MACHADO, Nilo”. In RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe de. Op. cit., P.348.
51. Cf. CHAVES, Sandra. “As 'transações filméticas' de Nilo Coelho [sic], um cineasta em via de
desenvolvimento”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: 6 jan 1979; e MEDEIROS, Benício. “Um copo na mão e sexo
na cabeça”. Isto É. São Paulo: 10 out 1979.
69
Nascido em Buriti dos Lopes, Piauí, em 1927, Dutra serviu à Marinha
Mercante e veio para o Rio com 18 anos fazer um curso de pescador na
Escola da Marambaia. Além da pesca, trabalhou durante um ano em uma
loja de roupas, até ser levado à Atlântida Cinematográfica, onde começou
como torneiro mecânico.
A profissão de assistente de câmera não era bem paga, mas, segundo Dutra,
“dava para viver”. Dutra trabalhou na Atlântida até 1963, quando a empresa
produtora de Severiano Ribeiro Jr. fechou as portas. Um pouco antes, por
volta de 1958, passou a frequentar o Beco mais assiduamente.
Ali era onde o pessoal procurava trabalho, entendeu? Todo mundo se reunia ali,
quando aparecia um filme todo mundo já sabia, os produtores iam lá e
contratavam o pessoal todo, diziam: “A turma é essa aqui, passa lá pra assinar o
contrato” aqueles contratos fajutos que nunca valiam merda nenhuma...53
52. ARAÚJO, José Assis de. Depoimento ao autor. Rio de Janeiro: 6 fev 2009.
53. ARAÚJO, José Assis de. Depoimento ao autor, cit.
70
prevalecia sobre as condições mínimas de trabalho. O famoso ator das
chanchadas da Atlântida via na produção erótica e no filme de sexo
explícito a “pior de todas as fases” pela qual passava o cinema brasileiro
durante os anos 1970 e 80:
Na maioria, os caras não são produtores. Para fazer uma chanchada, de que eles
precisam? Compram negativo, alugam uma câmera, apanham três ou quatro
casais, não precisam de técnicos nem nada, botam lá uma cruz com um fotoflu, e
fazem o filme. Agora, veja você o perigo: não precisam de atores, não precisam
de técnicos, nem de roteiristas. Dizem que dá dinheiro. Mas não dá dinheiro coisa
nenhuma. É que esses picaretas fazem seus filmes baratíssimos, e os filmes
acabam se pagando sempre. Não gastam nada. E os tarados, que só têm o sexo
na cabeça, vão lá e veem. Mas não dá dinheiro para fazer uma indústria. Isso não
dá. A maioria dos fotógrafos, dos técnicos de cinema, gente premiada e tudo,
estão todos aí, doentes, famintos, desempregados. Lá no Beco dos Artistas (...)
toda hora a gente tem que fazer uma vaquinha para um que está doente, ou que
não tem dinheiro para levar comida para casa naquele dia, por causa desta
maldita pornochanchada. E nosso sindicato (...) não olha isso. Foi aquela onda
toda, a gente foi à Brasília, e não sei o quê, profissionalização, e olha aí como é
que nós estamos. Cadê os direitos do intérprete, cadê nossos direitos?54
Isso criou um mal-estar entre os produtores [da Boca]: “[os técnicos] vão
começar a ganhar mais dinheiro e não vão querer trabalhar mais pra gente.” Mas
isso era uma besteira muito grande. Porque a gente continuava trabalhando pra
eles. A única coisa é que a gente não queria que só eles ganhassem e a gente não
ganhasse nada.55
54. GREY, Wilson. Apud. TAVARES, Neila. “Wilson Grey. De bandido de chanchada a recordista mundial de
filmes”. Ele. São Paulo: [1982].
71
Reunidos em torno da Embrapi (Empresa Brasileira de Produtores
Independentes) esse grupo conseguiu realizar, em 1982, oito longas-
metragens. Ironicamente, quatro desses longas não chegaram a ser
lançados, pois foram preteridos em função do filme de sexo explícito
importado.
Um cinema folclórico?
É que eu topava qualquer preço, queria trabalhar. Quando eu sentia que havia
grana pedia um pouco mais, quando eu sentia a boa intenção e pouco dinheiro
topava também. E o terceiro caso era o mais triste e constante. Acabava o
dinheiro da produção e a gente chorava junto. No cinema da estiva não tem
pilantra não. A grande pilantragem sempre esteve entre os poderosos. É o caso
da Embrafilme.56
72
A ideia de constituição de uma “comunidade”, que possibilitava um convívio em
torno do cinema para além de seu caráter de produto cultural como
amálgama de sonhos e projetos, tem uma forte carga de sedução. Um local
onde se poderia viver fazendo cinema produz um encanto que fascina muitos de
nós interessados em escrever sobre ou realizar filmes, algo com ecos de paraíso
perdido. Por isso, paralelamente ao preconceito dos que viam na Boca somente o
foco principal de uma produção de baixo nível que assolou o país, parece haver
também uma visão contrária que tende a “romantizar” aquele período e as
experiências dele resultantes.57
Creio que a advertência feita por Gamo, mais do que oportuna, é um alerta
necessário contra o vício acadêmico ao qual todos nós estamos sujeitos
de “folclorizar” certos períodos ou grupos da história do cinema brasileiro,
em especial aqueles voltados à produção de cunho popular que já tenham
sido “superados” quando não definitivamente “enterrados” por essa mesma
história ou melhor, pelos seus historiadores.
Por outro lado, isso não justifica calar diante desses temas e recortes. O
desconhecimento, o preconceito e o menosprezo devotados a
determinadas propostas estéticas e modelos de produção - como aquelas
73
que caracterizaram a Boca de Cinema de São Paulo e o cinema do Beco da
Fome do Rio - necessitam não só serem questionados como combatidos, se
é que buscamos entender com alguma honestidade o que significou e
significa a existência da atividade cinematográfica em um país como o Brasil.
Bibliografia
ABREU, Nuno Cesar. A Boca do Lixo: cinema e classes populares. Tese de
doutoramento apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Campinas: 2002.
ARAÚJO, José Assis de. Depoimento ao autor. Rio de Janeiro: 6 fev 2009.
BOSCOLI, Ronaldo. “Wilson Grey O bicheiro brechtiano.” Manchete. Rio de Janeiro:
26 mai 1979.
CHAVES, Sandra. “As 'transações filméticas' de Nilo Coelho [sic], um cineasta em via de
desenvolvimento”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: 6 jan 1979.
FERREIRA, Jairo. Críticas de Jairo Ferreira Críticas de Invenção: os Anos do São Paulo
Shimbun. GAMO, Alessandro (org.). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2006.
GONZAGA, Alice. Palácios e poeiras. 100 anos de cinemas no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Record/Funarte, 1996.
MIRANDA, Luiz Felipe. Dicionário de cineastas brasileiros. São Paulo: Art Editora, 1990.
MEDEIROS, Benício. “Um copo na mão e sexo na cabeça.” Isto É. São Paulo: 10 out
1979.
RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe de. Enciclopédia do cinema brasileiro. São
Paulo: Senac, 2000.
74
RAMOS, José Mário Ortiz. Televisão, publicidade e cultura de massa. São Paulo:
Vozes, 1995.
Obra audiovisual
O galante rei da Boca (dir.: Alessandro Gamo e Luís Rocha Melo, 2004).
75
A economia do cinema nacional-popular
(comentários em torno dos anos 1960)
Reinaldo Cardenuto
Em 1961, inspirado por Rio, 40 Graus (1954) e Couro de Gato (1961), Leon
Hirszman reuniu alguns colegas interessados em cinema político,
frequentadores de cineclube, com a finalidade de realizar um filme
retratando os dilemas do morro carioca. Com modesta verba adquirida pela
União Nacional dos Estudantes e pelo Centro Popular de Cultura, o longa-
metragem foi filmado e montado em meio a improvisos: com equipe
reduzida e não remunerada, negativos em número limitado e equipamentos
recauchutados, sua produção aconteceu entre dezembro de 1961 e abril de
1962. Apesar dessa evidente precariedade, também sintoma de uma
instável indústria brasileira de cinema, os jovens responsáveis pelos
episódios de Cinco Vezes Favela, alguns dirigindo pela primeira vez, estavam
otimistas com o resultado obtido. Militantes de esquerda, de posturas
ideológicas que se originavam no marxismo, eles acreditavam no filme
como possibilidade de transformação social. Leon Hirszman, Cacá Diegues,
Marcos Farias e Miguel Borges fizeram Cinco Vezes Favela em convergência
com o espírito contestador que teorizava a arte nacional-popular como
instrumento de conscientização e, consequentemente, arma fundamental
na luta pela emancipação das massas.
76
uma semana. Possivelmente para cumprir cota de tela, obrigação pouco
quista pelos exibidores, ocupou oito salas cariocas, em horários especiais,
entre os dias 3 e 10 de dezembro de 1962. Diante da rejeição do mercado
tradicional de exibição, devido inclusive ao pouco apelo comercial de Cinco
Vezes Favela, a opção foi insistir nas projeções alternativas organizadas na
sede da UNE e em espaços comunitários das camadas populares, como
sindicatos ou barracões localizados no morro. Experiência inicial de alguns
integrantes do Cinema Novo, o filme, que consumiu o orçamento anual do
CPC em 1962, tinha pretensões de transformação política e acabou
reiterando um problema que seria motivo de muita inquietação entre os
militantes de esquerda nos anos 1960: como circular a arte de engajamento
nacional-popular para um público amplo se o mercado existente estava
estruturado para contemplar o produto comercial e estrangeiro?
77
não provinha da escrita teatral - afinal um drama como Eles Não Usam Black
Tie (1958) estava em compasso com suas propostas -, mas sim pelo fato de
o grupo encenar as peças em uma sala com apenas 150 lugares.
Questionador, Vianinha se exasperava: como poderia o Teatro de Arena se
tornar porta-voz e mobilizador das massas se estava recluso a uma
experiência limitada a poucos espectadores com condições de pagar
ingressos? Articular o Centro Popular de Cultura a partir de 1961, junto a
artistas recém-egressos da universidade, significou para ele um empenho na
tentativa de levar o nacional-popular ao encontro com um público mais
amplo: “Um movimento de massas só pode ser feito com eficácia se tem
como perspectiva inicial a sua massificação, sua industrialização. É preciso
produzir conscientização em massa, em escala industrial.” (VIANNA Filho,
1983, p.93)
78
mercado cultural e, portanto, bem recebidas por um amplo público. O
militante cepecista, conforme apresentado pelo sociólogo nos textos
Anteprojeto do manifesto do CPC e Artigo vulgar sobre aristocratas (ambos
de 1962), deveria abdicar do experimentalismo formal e compreender que
as massas somente seriam conscientizadas se a arte política adotasse uma
linguagem consagrada pelos mecanismos comerciais de entretenimento.
Para ele, exemplo de comprometimento ideológico era um cineasta como
Anselmo Duarte que, ao realizar O Pagador de Promessas (1962), conseguia
unir a estética convencional a um conteúdo nacionalista e revolucionário,
fazendo com que seu filme fosse distribuído no mercado cinematográfico.
Contrário à postura autoral do Cinema Novo, Carlos Estevam era taxativo:
79
como resistência legítima à circulação do capital cultural dominante,
proveniente principalmente dos Estados Unidos, a conscientização e a
mobilização política se dariam por uma experiência de estranhamento
visual.
80
o estúdio paulista não demoraria a decretar falência. Na visão do Cinema
Novo, a velha estrutura econômica de privilégios ao colonizador era uma
das principais responsáveis pelo fracasso da primeira tentativa séria de
industrializar o nosso cinema.
81
elemento de construção criativa não eram apenas soluções de produção,
mas também configuravam uma estética ideal, na chave do realismo crítico,
para mostrar o subdesenvolvimento brasileiro. Especialmente na primeira
fase do Cinema Novo, o neo-realismo foi incorporado como parte da
proposta de conscientização política do espectador em relação aos
problemas sociais enfrentados pelo país, como pode ser observado em
filmes como Barravento (dir. Glauber Rocha, 1961), A Grande Feira (dir.
Roberto Pires, 1961), Os Fuzis (dir. Ruy Guerra, 1963), ou Vidas Secas (dir.
Nelson Pereira dos Santos, 1963).
82
Lançando as bases teóricas e estéticas de seu projeto de indústria,
colocando-se em meio aos debates da década de 1960 sobre o modelo
ideal para a modernização de nossa cultura, o Cinema Novo procurou
realizar seus filmes de acordo com um sistema alternativo de
financiamento. Segundo o sociólogo José Mário Ortiz Ramos, no livro
Cinema, Estado e lutas culturais, até o golpe de 1964 os cinemanovistas
foram radicalmente contrários às co-produções estrangeiras e procuraram
respaldo justamente naqueles sujeitos históricos considerados pelos
teóricos do desenvolvimentismo nacionalista como fundamentais para a
concretização de uma indústria cinematográfica independente do capital
estrangeiro: a burguesia nacional e o Estado. Apesar de um apoio esporádico
que não efetivou parceria duradoura, setores da burguesia acabariam
realmente se tornando patrocinadores ou financiadores de alguns longas-
metragens com postura política bem radical. O caso mais paradoxal foi o
do banqueiro José Luís de Magalhães Lins, do Banco Nacional de Minas
Gerais, que depois de emprestar dinheiro para a produção de Vidas Secas,
Os Fuzis e Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha, 1964) se tornou
um dos principais conspiradores mineiros do golpe militar. Eis uma das
principais contradições presentes na primeira fase do Cinema Novo, entre
desconfiar e depender da burguesia, e que Jean-Claude Bernardet, em
Cineastas e imagens do povo, considera fundamental para compreender as
raras críticas dirigidas a personagens provenientes dessa classe nos filmes
até 1964, justamente o ano em que fica evidente seu apoio ao regime
ditatorial.
83
estrangeiro (os nacionalistas) e outro, que ancorado no pensamento liberal,
com apoio do circuito tradicional de distribuição e exibição, não encontrava
perspectivas de desenvolvimento sem a tutela desse capital (os
universalistas). Apesar de as tensões entre essas ideologias serem mais
complexas do que o quadro dualista aqui apresentado, incluindo inúmeras
contradições, fato é que essa disputa em torno de modelos econômicos
atravessou a década de 1960, em órgãos governamentais como a GEICINE
(1960-66), o INC (1966-75) e a Embrafilme (a partir de 1969), intensificando-
se com a entrada dos militares em cena. O Cinema Novo passou a negociar
seu projeto industrial com um governo claramente disposto a conter o
radicalismo político existente na arte de esquerda.
Não será pela colaboração com o capital estrangeiro que se afirmará a indústria
cinematográfica brasileira. Mas, sim, será indispensável que o Governo Federal
lhe volte os olhos e intervenha no mercado no sentido de sua regularização e,
na indústria, no sentido de proteção para seu desenvolvimento. (DAHL: 1966,
p.203)
84
Apesar de o texto redigido por Gustavo Dahl conter uma aguçada análise
sobre as dificuldades enfrentadas pelo Cinema Novo, inclusive incluindo o
movimento na história econômica de nosso cinema, é evidente que o autor
preservou de críticas negativas seus produtores e diretores ao identificar
como culpados exclusivos da sub-industrialização os interesses
estrangeiros e os distribuidores e exibidores nacionais a eles associados.
Entretanto, na avaliação sobre o fraco desempenho comercial de seus
filmes, sobre a incapacidade de atingir um público popular, alguns
cinemanovistas não demorariam a considerar, também, a própria inabilidade
em circular no mercado existente. A negação radical às estruturas
econômicas tradicionais começou a enfraquecer quando já não era mais
possível responsabilizar apenas o outro pelo nosso subdesenvolvimento.
Como escreveu Randal Johnson no artigo “Ascensão e queda do cinema
brasileiro, 1960-1990”:
85
Produções Cinematográficas. Tardiamente, o Cinema Novo procurava unir
esforços para ampliar seus canais de circulação e não depender tanto das
distribuidoras que privilegiavam o produto importado.
86
circular, explicam parcialmente a mudança de tom em algumas produções
do Cinema Novo: em geral, há uma diminuição do radicalismo político,
provocada algumas vezes pela autocensura ou pelo desânimo com os
rumos do país, o que sem dúvida configurou uma forma de controle
ideológico do governo e agradou setores do mercado cinematográfico
convencional.
Por outro lado, o Estado cada vez mais atrelava suas formas de
financiamento às estruturas econômicas consolidadas, o que na opinião de
muitos reforçava nossa dependência estrutural em relação ao capital
estrangeiro. No Instituto Nacional de Cinema (INC), por exemplo, entre
1966 e 1969, criou-se um sistema no qual a produção de filmes brasileiros se
realizava a partir da retenção de parte do imposto de renda das
distribuidoras internacionais. A diretriz central do governo, inclusive na
época da Embrafilme, era o desenvolvimento de uma cinematografia
voltada para o mercado, ideologia que ajudou a solidificar uma indústria
cultural conservadora no Brasil e aos poucos minou o projeto industrial
nacionalista do Cinema Novo.
87
financiamentos mais caros, além de circular em canais de distribuição antes
inacessíveis. No fim dos anos 1960, ficou evidente que as propostas fílmicas
em torno do nacional-popular só seriam realmente absorvidas pelo
expansivo mercado capitalista de bens simbólicos caso abandonassem o
experimentalismo formal e suas intenções provocativas e revolucionárias:
cineastas passaram a desenvolver uma filmografia tributária da visualidade
criada pela esquerda dos anos 1960, mas cujo traço evidente foi a
transformação de utopias libertárias em ideologias de consumo. O projeto
estético, político e industrial pensado pelo Cinema Novo em seus primeiros
anos, estruturado principalmente por Glauber Rocha, entrou em colapso
junto com os primeiros sucessos comerciais do movimento, caso do filme
Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade: “A proposta do nacional-
popular, quando enunciada no contexto da cultura popular de massa,
conserva categorias teóricas do passado que adquirem agora uma função
justificadora do funcionamento da indústria cultural” (ORTIZ, 2001, p.181).
Bibliografia
BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das
letras, 2003.
88
JOHNSON, Randal. The film industry in Brazil: culture and the State. University of
Pittsburgh Press, 1987.
RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema, Estado e lutas culturais. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1983.
ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. São Paulo: Cosac & Naify,
2003.
VIANNA Filho, Oduvaldo. “Do Arena ao CPC.” In PEIXOTO, Fernando (org.). Vianinha.
São Paulo: Brasiliense, 1983, p.90-7.
89
Uma indústria da anti-indústria
Ruy Gardnier
90
Parte desse espanto inicial pode ser explicada pelo contexto. Se o Cinema
Marginal é um fenômeno especificamente brasileiro, ele existe em
consonância com uma série de fatores e modificações do cinema mundial,
em especial o europeu e o japonês que, se não explicam em suas minúcias
as características principais desse cinema, ao menos permitem perspectivar
aquilo que é próprio, aquilo que é comum e aquilo que é uma apropriação
original. Acima de tudo, podem fornecer uma base de compreensão para o
fenômeno em suas implicações maiores, globais.
91
convencional, mais ou menos ousado. Segundo vocabulário muito em voga
à época, ele vai moderar os níveis de invenção e familiarizar o espectador
com algum repertório que ele ao menos domine. E esse esquema de
“negociação” com o gosto médio do espectador domina não só o Brasil, mas
o mundo. Essa negociação também seu deu, lá fora mais do que aqui, pelo
cinema de “contrabando” (termo cunhado por Martin Scorsese), em que
cineastas dirigiam filmes de gênero, mas com sensibilidade própria, sem se
ater aos códigos e às morais habituais. Exemplos clássicos são Uma Mulher
É uma Mulher, de Jean-Luc Godard, O Tiro Certo de Monte Hellman e A
Marca do Assassino de Sejiun Suzuki.
92
próprios Beatles largaram nessa época os dias de ternos bem comportados
e passaram a desenvolver um som mais experimental e ousado, o lema que
parecia soprar no vento era “Rebeldia vende”. O surgimento, na Europa e nos
EUA, de circuitos universitários de distribuição, acenavam com a
possibilidade de um “contramercado” que pudesse dar vazão às obras de
contracultura. Havia, de forma implícita, a ideia de estar produzindo arte
para um mundo por vir.
93
fato em exibir as obras num contexto mais amplo (ao menos se
compararmos as negociações do grupo do Cinema Novo, em especial com o
exibidor Lívio Bruni).
De um ponto de vista
estritamente industrial, o
Cinema Marginal é um cinema
amador. Não que não haja
prodígios de produção e/ou de
exibição a serem observados e analisados: eles existem, sobretudo em
chave de aventura, não de planejamento. A verdadeira história industrial do
cinema dito marginal é como os grupos apareceram, como eles se
comunicavam, como eles se cotizavam para fazer os filmes, como eles
convenciam produtores iniciantes, e assim por diante. Consiste
essencialmente em mostrar como e por que surgiram alguns filmes
extremamente populares - caso de O Bandido da Luz Vermelha e A Mulher
de Todos -, como alguns filmes foram possíveis dentro de um esquema
“industrial b” como O Império do Desejo, como surgiu uma máquina de
produzir longas-metragens como a Belair, que em seis meses rodou seis
longas-metragens e um making of dos filmes e da vida em grupo. A
afirmação parece bombástica, mas ela revela toda sua propriedade com a
simples observação de que grande parte dos filmes do cinema dito
marginal, inclusive algumas de suas obras mais significativas, jamais entrou
comercialmente em cartaz. Em alguns dos casos, os filmes entraram em
cartaz cinco ou seis anos depois de sua primeira exibição pública ou
finalização, sem maiores estruturas de lançamento e com exibição em
apenas uma sala. A estética anti-industrial teve por fim seu correlato não-
industrial no consumo.
94
da Luz Vermelha, foi um enorme sucesso de bilheteria, sobretudo no estado
de São Paulo. Aproveitando o caso de um assaltante real que se
popularizou através de uma série de notícias em jornais, Sganzerla fez um
filme que flertava descaradamente com a vertente mais popularesca da
dita cultura de massa, chegando a utilizar a narração ultradramatizada e
irônica dos programas policiais de rádio como fonte de narração paralela às
aventuras de seu protagonista. Com caracterizações deliberadamente
exageradas, Sganzerla chegava a uma sofisticação que unia o histrionismo
expressionista dos personagens de um Glauber em Terra em Transe, e ao
mesmo tempo remetia ao humor tipicamente brasileiro herdado da era do
rádio, dos shows em cassinos e das chanchadas. Seu filme seguinte, A
Mulher de Todos, foi outro enorme sucesso em São Paulo, rendendo
dividendos que depois seriam utilizados como capital de produção dos
filmes da produtora Belair. O filme radicaliza as propostas de fragmentação
narrativa de Sganzerla, mas cativa o imaginário do público com título
picante referente à protagonista devoradora de homens. Cabe notar a
qualidade diferenciada dos filmes de Sganzerla, que misturavam teor pop,
irreverência, intelectualismo e um forte grau de iconicidade, fornecendo a
um público cansado dos filmes sisudos do Cinema Novo uma outra
proposta para cinema de autor.
Julio Bressane tem seu começo no Cinema Novo tendo dirigido um média e
um longa-metragem (Bethania Bem de Perto e Cara a Cara) dentro do
movimento. Quando dá a guinada para fora, realiza dois filmes de força
surpreendente, Um Anjo Nasceu e Matou a Família e Foi ao Cinema. O
primeiro jamais entra em cartaz, ao passo que o segundo foi retido pela
censura depois de 11 dias de exibição com sucesso no Rio de Janeiro em
março de 1970. No primeiro semestre do mesmo ano, Bressane se associa a
Helena Ignez e Rogério Sganzerla para criar a produtora Belair. A partir de
economias pessoais e do sucesso de bilheteria dos filmes anteriores, o
grupo rodou quatro longas-metragens em preto e branco, dois em cor, além
de um filme em super-8 registrando as filmagens. Nenhum dos filmes
95
entrou em cartaz. No entanto, se a experiência da Belair é interessante e
tão cativante nos dias de hoje (a ponto de Bruno Safadi, jovem cineasta,
estar realizando um longa sobre a produtora), é pela vertiginosa e quase
insana proposta de uma usina de filmes, quase nos moldes da produção
cinematográfica que antecedeu a chegada dos longas-metragens com
superprodução do final dos anos 1910: o cineasta como trabalhador diário, a
cada dia fazendo um filme e pensando no seguinte que virá em uma semana.
A usina foi interrompida ainda em 1970 quando Bressane, Sganzerla e Helena
Ignez receberam a informação de que seriam presos e viajaram para a
Inglaterra, seguidos de boa parte do grupo, como Maria Gladys e Guará
Rodrigues. Os filmes de Bressane feitos no estrangeiro (Memórias de um
Estrangulador de Loiras, Crazy Love, Lágrima Pantera, A Fada do Oriente)
jamais tiveram exibição fora de retrospectivas e sessões de cinemateca.
96
contemporâneo ao surgimento do grupo “marginal”, mas de trajetória
solitária. De seu primeiro longa A Margem, que batizou o ciclo, até O
Vigilante, de 1993, Candeias geralmente assumia as funções de diretor,
roteirista, câmera, produtor e montador. Uma tal acumulação, novamente,
remete o Cinema Marginal à ideia de um cinema artesanal, em franca
oposição à separação de funções típica do cinema industrial. Seu único
sucesso foi Meu Nome É Tonho, de 1969, um filme de faroeste “italianado”,
como dizia o próprio diretor, adaptado ao interior brasileiro.
97
ideologicamente reticente às preocupações artísticas e políticas dos
cineastas ditos marginais, Galante foi o mais próximo que o ciclo teve de um
produtor com visão de mercado para inserir filmes de difícil digestão dentro
do circuito cinematográfico oficial.
98
produção grande, bastante distinta dos moldes dos primeiros filmes de seus
diretores, e tiveram a Embrafilme como produtora e distribuidora.
Bibliografia
ABREU, Nuno Cesar. Boca do Lixo - Cinema e classes populares. Campinas:
Editora Unicamp, 2006.
ENTREVISTA com Antonio Polo Galante. Filme Cultura, Rio de Janeiro: Embrafilme,
vol. XV, n. 40, ago-out 1982.
99
GARDNIER, Ruy (org.). Cinema Inocente - Retrospectiva Julio Bressane. Rio de
Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2001.
PUPPO, Eugênio (org.). Ozualdo R. Candeias. São Paulo: Centro Cultural Banco do
Brasil, 2002.
RAMOS, Fernão (org.). História do Cinema Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Art
Editora, 1990.
100
58
Pacto cinema-Estado: os anos Embrafilme
Tunico Amancio
***
58. Publicado originalmente em Alceu: Revista de Comunicação, Cultura e Política, Rio de Janeiro, vol.8, n.15,
jul-dez 2007, p.173-84. Republicado com autorização do autor.
101
Cinema Educativo (INCE/1937) e também do Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), mas era uma estrutura que atendia apenas aos filmes
culturais de curta-metragem e aos filmes institucionais.
102
Andrade, 1968) e Como era gostoso o meu
francês (Nelson Pereira dos Santos, 1969), contou,
em sua composição orçamentária, com recursos
da Condor Filmes associada a empresas brasileiras.
***
103
pela União, representada pelo MEC, e o restante por outras entidades de
direito público e privado. No plano econômico-financeiro ela foi agraciada
com o montante do imposto retido sobre o lucro das companhias
internacionais. Na esfera político-administrativa, pretendia-se a promoção
do filme brasileiro no exterior. Cabe lembrar que naquele momento o
cinema brasileiro mais engajado, formal e politicamente, gozava ainda de
grande prestígio internacional, e que se torna evidente o interesse do
regime militar em manter um controle efetivo sobre a atividade. A reação
da classe cinematográfica foi de absoluta indignação, denunciando a
inconsequência e o autoritarismo da criação de um órgão voltado ao
mercado externo, sem que se considerasse a necessidade de expansão do
mercado nacional, por uma medida efetivada sem uma mais detalhada
discussão com os diversos setores da indústria cinematográfica.
59. Já em setembro de 1970, o diretor geral era Carlos Guimarães de Mattos Jr., filho de um brigadeiro da
Aeronáutica, assim como o diretor administrativo era o vice-almirante Boris Markenson. Em 1972 o brigadeiro
Armando Tróia foi o diretor geral, sucedido por Walter Borges Graciosa (1972), amigo do ministro Jarbas
Passarinho.
60. 10% de juros pela Tabela Price, carência de 12 meses e pagamento em 24 meses, através de promissórias
avalizadas.
104
feitas modificações no modo operacional da empresa, e logo surgiu a
operação de co-produção, em que a empresa se associou financeiramente ao
risco do empreendimento, comprando parte do direito patrimonial do filme.
105
financeiros destinados diretamente à produção pelo sistema de
financiamento. Na transição para o governo Geisel, os vínculos entre o
cinema e o Estado se estreitaram com a indicação do produtor/cineasta
Roberto Farias para a direção geral da Embrafilme, com o apoio explícito da
classe cinematográfica. Glauber
Rocha e Nelson Pereira dos
Santos, a nata do Cinema Novo,
estiveram nas articulações para
essa indicação.63 Roberto Farias
seria o elemento de união entre as correntes nacionalista, articulada ao
desenvolvimentismo e a industrialista, absorvendo as formas de produção e
moldes artísticos estrangeiros, correntes conflitantes desde os anos 1950-
60.64 A “nova” Embrafilme foi prioritariamente uma área de poder do grupo
“nacionalista”, associado ao Cinema Novo, e entre as mudanças
encaminhadas em 1974 se encontra a extinção do INC, a criação do
Conselho Nacional de Cinema (Concine), ampliação da Embrafilme e a
criação da Fundação Centro Modelo de Cinema (Centrocine), ligado à
cultura cinematográfica (pesquisa, memória, filmes técnicos, científicos e
culturais etc.). A Embrafilme acrescentaria a suas atribuições a co-
produção, a exibição e distribuição de filmes em território nacional, a
criação de subsidiárias em todo o campo da atividade cinematográfica e o
financiamento da indústria cinematográfica (filmes e equipamentos) etc.
63. ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Rio de Janeiro: Alhambra/Embrafilme, 1981; e DOS
SANTOS, Nelson Pereira. Entrevista ao autor. Niterói, RJ, 1989.
64. RAMOS, José Mario Ortiz. Cinema, Estado e lutas culturais: anos 50, 60, 70. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1983.
106
levaram para o interior da Embrafilme a absoluta gerência administrativa do
produto fílmico, até então delegada aos setores privados. E,
paralelamente, vimos diminuir, no âmbito da empresa, o papel dos
produtores, enquanto aumentara a importância dos diretores, a nova
clientela da casa.
107
subordinado diretamente ao MEC, com muitos representantes oficiais. Um
clima de otimismo apontava para uma definitiva consolidação industrial do
cinema brasileiro e para a obtenção de sua independência econômica. A
atividade do cinema se impunha enquanto esfera de negociação que
buscava sua legitimidade junto ao governo e à opinião pública. E as
demandas foram acolhidas e abonadas por fartos recursos oficiais. Esses
primeiros anos da década de 1970 foram a fase áurea da relação pré-
industrial do cinema intermediada pelo Estado, que só sofreu os primeiros
revezes no início dos anos 1980. Consolidou-se então um mercado de
amplas proporções, ainda que majoritariamente ocupado pelo produto
estrangeiro.
***
108
reserva de mercado evoluiu de 84 para 140 dias.66 Em 1977, a “Lei da Dobra”67
e o recolhimento compulsório de 5% da renda dos filmes estrangeiros para
pagamento dos filmes de curta-metragem, tornando obrigatória sua
exibição por uma resolução do Concine, vêm causar
sobressaltos junto ao cinema estrangeiro. Essa
resolução desencadeia a vinda ao Brasil do todo-
poderoso Jack Valenti, presidente da Motion Pictures Association, para
entabular negociações que terminaram em ameaças de recurso à justiça.68
Armava-se um cerco à evasão de divisas pelo controle de bilheteria
(através da venda do ingresso padronizado) e pela obrigação de
investimento no curta-metragem. Tudo isso detonou uma retaliação
judicial, através de um número enorme de mandados de segurança.69
109
Cesar Saraceni, 1976), A Dama do Lotação (Neville de Almeida, 1976),
Doramundo (João Batista de Andrade, 1976), A Idade da Terra (Glauber
Rocha, 1977), Gaijin (Tizuka Yamazaki, 1978), O Gigante de América (Julio
Bressane, 1978), Muito Prazer (David Neves, 1978), Pixote, a Lei do Mais Forte
(Hector Babenco, 1978), Eles Não Usam Black Tie (Leon Hirszman, 1979),
Beijo no Asfalto (Bruno Barreto, 1980), Cabra Marcado para Morrer (Eduardo
Coutinho, 1980), entre muitos outros. Um espectro amplo de filmes, com
alguns notáveis resultados de bilheteria.
110
uma velha reivindicação da categoria, são criados ou ampliados alguns
polos regionais de produção - Minas Gerais e Rio Grande do Norte (1976),
Pernambuco, Bahia e São Paulo (1977) etc.; o Conselho Nacional de
Cineclubes é reorganizado em 1973 e possibilita a criação da Distribuidora
Nacional de Filmes para Cineclubes (1976); a prática do cinema
independente enseja a criação da Cooperativa dos Realizadores
Cinematográficos Autônomos (CORCINA, 1978), reunindo 45 realizadores e
centenas de filmes, enquanto 40 profissionais de cinema enfrentam a
timidez frente à exibição e fundam a Cooperativa Brasileira de Cinema,
também em 1978, arrendando dez salas do circuito Pelmex, com o aval da
Embrafilme, para exibir suas películas.
111
O Estado encampou de modo direto as principais lutas do cinema brasileiro
deflagradas nos anos 1970, período de experimentação das políticas
propostas pela classe cinematográfica, através da construção de um canal
legítimo de representação no interior das agências governamentais.
Paralelamente, no circuito não dependente da Embrafilme, as películas de
conteúdo erótico radicalizaram seu discurso chegando ao sexo explícito.
São Paulo conhecera sua “Boca do Lixo”, mais que uma produtora, uma
associação lucrativa entre produtores e exibidores, principalmente no
interior.
71. O indicado foi o embaixador Celso Amorim, vindo dos quadros do Itamaraty. Os próximos diretores gerais
foram Roberto Parreira (1982-85), Carlos Augusto Calil (1985-86), Fernando Ghignone (1987-88) e Moacir de
Oliveira (1988-90), vindos, a maioria das vezes, da administração pública.
112
investimentos, e ameaçava os produtores independentes, atuando numa
faixa de menor disponibilidade de recursos, abertos a um maior número de
tendências e disputando no terreno de exibição de segunda linha a sua
legitimação comercial.
Em julho de 1986 foi criada a Lei Sarney, dispondo sobre a renúncia fiscal
para a produção de projetos culturais. Os filmes da Embrafilme precisavam
ter seus orçamentos completados com verba externa, dos benefícios
fiscais concedidos a operações de caráter cultural ou artístico, disputando
com as outras artes as verbas para patrocínio.
72. Os reajustes vigoravam desde a década anterior e se transformaram num pesadelo para a administração,
que via crescer de maneira espantosa o número de aditamentos aos contratos originais. O controle financeiro
das produções, com os níveis altos de inflação, chegou a ser quase impossível.
113
Em 1988 foi criada a Fundação do Cinema Brasileiro,
com a finalidade de operacionalizar o lado cultural
da atividade cinematográfica, voltado ao filme curto
e documentário.
***
114
cinema, foram a preparação do terreno onde, na década de 1970, se deu a
definitiva aproximação entre cineastas e agências estatais. Fruto de uma
política oficial de convivência com as oposições e integrada numa forma de
capitalismo de Estado que não excluía os setores da indústria cultural, a
Embrafilme consolidou aí o seu processo de modernização, embora ainda
sob a égide do regime militar e da censura e abrigou, como afirmação
ideológica, a necessidade de conquista do mercado interno. O ato
revelador desse programa foi a indicação de cineastas para o
encaminhamento da política cinematográfica dentro da mais abrangente
autonomia administrativa. Essa aceitação respondeu à pressão dos setores
organizados, delegando-lhes a competência para gerir seu próprio destino
com relação à sua inserção no mercado.
115
produtoras estabelecidas, a nova modalidade operacional levou à
responsabilidade do Estado todo o risco do empreendimento fílmico. Pelo
descomprometimento com as leis do mercado de exibição, essa distorção,
em que o Estado subsidia e promove diretamente o processo produtivo,
caracterizou também o aparecimento de um cinema híbrido, que, embora
sem chancelas dirigistas, localizou-se entre as perspectivas do mais
arrojado cinema autoral e do mais inconsistente cinema comercial. Tal
ambiguidade, que por outro lado não pode deixar de ser considerada
benéfica, dimensionada em função dos recursos disponíveis, fez imobilizar o
sistema de produção de filmes, por desconsiderar para o jogo de mercado
as expectativas e viabilidades concretas de sua comercialização.
Bibliografia
116
RAMOS, José Mario Ortiz. Cinema, Estado e lutas culturais: anos 50, 60, 70. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1983.
117
Ordem, progresso e animação
Marcos Magalhães
118
tornou-se sucesso de vendas e fenômeno de marketing no final do século,
vendido como brinquedo, objeto de estudo ou até peça promocional de
produtos como balas e biscoitos.
73. MANNONI, Laurent. A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema. São Paulo: SENAC/UNESP,
2003.
119
contrário: concentrava todas as tarefas da produção e do espetáculo em
sua pessoa, tornando o espetáculo comercialmente insustentável. Cada
filme levaria meses para ficar pronto, e por isso foi levado ao desespero
quando verificou que, a partir de 1895, seu público migrava para as sessões
do “cinema real” do cinematógrafo, este capaz de realizar uma nova
atração a cada semana... mesmo que os filmes não tivessem nenhum
atrativo além da mera reprodução fotográfica da realidade, em cenas
cotidianas como a chegada de um trem ou a saída de operários da fábrica.
120
cadeias de produção e exibição cinematográfica, o desenho animado já teve
lugar de destaque e público garantido. Personagens nascidas nas histórias
em quadrinhos (linguagem de crescimento paralelo, com a mesma idade
oficial do cinema, inaugurada em 1895 com o personagem Yellow Kid) logo
foram transpostas para as telas, e agentes de distribuição se especializaram
em comercializar seus direitos.
121
advento da televisão e sua programação das manhãs de sábado, o desenho
animado correu o risco de se tornar definitivamente um subgênero mal
explorado, aprisionado em seu nicho e sem perspectiva de libertação até o
final do século XX.
122
estabeleceu novos padrões, hoje quase em pé de igualdade com o domínio
americano.
123
de produção. Sua trajetória foi mais ou menos a mesma, com diferenças de
escala, de todos os produtores brasileiros que o sucederam no século XX:
um ou dois títulos de sucesso, comprovando o talento, mas muita
dificuldade para encaixar o produto e reproduzi-lo em série (se este fosse o
objetivo).
O que se está fazendo para recuperar o tempo perdido? A partir dos anos
1990, a chegada de mais informações, com trocas de experiências com os
produtores internacionais (em eventos como o festival Anima Mundi)
revelou as perspectivas e ajudou a definir o nosso potencial numa indústria
global de animação. No próprio festival, incentivou-se a formação de uma
associação de classe - a Associação Brasileira de Cinema de Animação
(ABCA) - que tem estruturado ações junto a diversos setores (governo,
mercado, público, empresas) que já começam a dar seus frutos. Uma série
de editais está acontecendo no intuito de desenvolver projetos e modelos
de produção (incentivando também as co-
produções internacionais).
124
Em outro setor importante, o da formação, abrem-se cursos superiores e de
especialização em animação em universidades públicas e privadas. Ainda
não se treina mão-de-obra para o mercado em cursos profissionalizantes,
pois aquele não tem padrões estabelecidos, mas os estúdios já incluem em
seu planejamento o treinamento prévio de suas equipes.
Podemos dizer, para finalizar, que a vocação brasileira para uma indústria de
animação está se mostrando criativa, cultural, geradora de conteúdo e
estilos próprios, e dificilmente seguirá o mesmo caminho dos asiáticos, que
enfrentaram uma fase inicial (em alguns casos, permanente) de apenas
executar material criado por outras culturas. Estamos no início, mas temos
feito as coisas certas. O futuro certamente será favorável, a exemplo de
duas outras vertentes culturais e de entretenimento, a nossa música e
nosso futebol, que já trilharam caminhos próximos dos industriais, e que se
não se estruturaram fisicamente de forma duradoura, pelo menos têm
marca indelével no exterior. A animação brasileira tem tudo para se juntar
a estes bem-sucedidos produtos de consumo interno e exportação.
125
O mercado cinematográfico brasileiro: uma situação global?
126
O papel da cinematografia hegemônica nunca foi tão decisivo no desenho
do mercado cinematográfico, pois foi neste momento que as distribuidoras
majors e semelhantes foram incentivadas a participar diretamente da
produção nacional. Aqui se delineiam algumas das novíssimas situações do
espaço alcançado pelo cinema brasileiro nesse período. Verifica-se, então,
um claro processo de internacionalização da realização de conteúdos
locais para as salas de exibição, tanto em território nacional quanto em
território internacional, ainda que essa situação não possa ser estendida
para todo o campo audiovisual. Isso porque, historicamente, na trajetória da
produção, o cinema não encontra no seu próprio campo uma sinergia que
lhe permita fugir do seu estado de subdesenvolvimento, apesar da atual
expansão na produção do audiovisual independente. Isso pode ser visto
também nos filmes que disputam o mercado das salas de cinema e outros
nichos da indústria cultural.
127
maneira, os espaços se abrem para uma inequívoca e maior ocupação das
empresas que operam com produto audiovisual importado, reforçando a
presença dos agentes econômicos estrangeiros no mercado nacional.
Estamos diante de um círculo vicioso do regime da economia de mercado.
128
intocável sob os pontos de vista cultural e econômico. Tal situação advém,
fundamentalmente, dos baixos índices de verticalização e
horizontalização verificados.
129
dessa maneira que se tentou manter níveis de atividade, no que se refere à
receita e ao lucro. Outro fator foi a internacionalização do comércio de
varejo de filmes no Brasil. Essa conjuntura pode ser notada pela mudança de
controladores do mercado de circuitos de exibição, que só se consolidou
porque os preços dos ingressos no mercado nacional aproximaram-se da
média internacional.
N o t r a n s c o r re r d a
década de 1990 houve
uma significativa majoração dos valores cobrados.
Verifica-se que o valor dos ingressos obteve uma
variação ascendente, entre 1990 e 1998, sempre
acima dos índices inflacionários. Em 1999, por exemplo, na cidade de São
Paulo, o preço médio do ingresso ficou por volta de R$8,14, percebendo-se
um aumento real de R$0,72. Com este valor, o preço do ingresso alcançou
sua média mais alta em uma década, US$4,70. Este índice se deve a âncora
cambial praticada no período. Entretanto, comparando-se com os períodos
anteriores, décadas de 1970 e 1980, verifica-se um aumento em dólares
norte-americanos de mais de 50%. Aqui, mais uma vez, fica clara a aliança
entre os exibidores nacionais, em sua maioria, e os distribuidores de filmes
importados, sempre com a finalidade de manter o nível da atividade do
negócio nos mesmos patamares das décadas anteriores. Entre 2000 e
2003, registra-se uma diminuição do preço real médio do ingresso, que
apresentará uma recuperação nos seus valores praticados nos últimos anos
devido ao novo fôlego cambial da moeda nacional. O que ocorreu foi um
aumento do preço em reais e uma diminuição do preço em dólares norte-
americanos por causa das constantes desvalorizações que a moeda
brasileira enfrentou no período.
130
dólares. O valor em reais dos ingressos aumentou de maneira regular, às
vezes acima dos índices inflacionários. A situação só viria se reverter no
biênio 2005-06, quando houve uma recuperação do preço praticado no
mercado, tanto em reais quanto em dólares, em 2007; o preço do ingresso
em algumas salas de São Paulo chegou a US$10, um valor nunca antes
alcançado, ainda que pese a conjuntura macro-econômica que tem
proporcionado uma desvalorização recorrente da moeda norte-americana.
Paradoxalmente, o aumento do preço médio do ingresso tornou-se um
desestímulo para o produto brasileiro, já que ele veio a afastar os
espectadores de baixa renda das salas de exibição, público que
historicamente sustentou a produção nacional. Outra questão que
contribui sobremaneira para isso é a situação desvantajosa nas relações que
o setor da produção manteve e mantém com a distribuição e a exibição de
filmes. Discrepância intensificada no período da retomada, pois o aumento
médio do preço dos ingressos foi acompanhado pelo aumento médio dos
custos nacionais de produção e de lançamento e pelo encolhimento do
setor de exibição. Essa situação é agravada por dois fatores: o exibidor
mantém um avanço expressivo sobre a bilheteria e é o primeiro elo da
cadeia produtiva a ver o capital reembolsado; e o distribuidor do filme
nacional, normalmente, não investe no negócio, apenas presta um serviço.
Com isso, todos os ônus de promoção, lançamento e distribuição de um
filme acabam, quase sempre, totalmente debitados na conta do produtor.
Assim, o produtor nacional é o elemento mais frágil da cadeia econômica
do cinema no Brasil.
131
média de filmes exibidos comercialmente, entre 1994 e 1999, não passou
de 25 filmes anuais. Tal panorama irá se modificar de maneira tímida entre
2001 e 2003, período quando se alcançou, em média, a ainda modesta
marca de 30 filmes lançados por ano. Tal panorama só veio a mudar nos
últimos anos, quando foram lançados números superiores aos citados. O
ano de 2006 é aquele com o maior número de lançamentos - 73 títulos
comercializados em todo o território nacional, o que há muito não se via. Na
época da retomada pesa ainda o fato de que vários filmes não conseguiram
distribuidor interessado em lançá-los. Até o presente momento, muitos
deles ainda não encontraram canais de comercialização por várias
questões, entre elas a falta de capital, filmes documentários que seriam
mais adequados para exibição em canais fechados e especializados, o baixo
nível de interesse que algumas obras despertam. Criou-se um razoável
estoque de filmes economicamente encalhados.
132
Por sua vez, o cenário político-econômico do período coincide com aquele
que possibilitou a inserção do Brasil no contexto da globalização dos
mercados, sendo essa uma das principais marcas da década de 1990. Ainda
deve-se destacar o fato de que alguns setores da economia nacional
também já se encontravam razoavelmente permeados pela presença das
empresas transnacionais, como é o caso específico do mercado
cinematográfico brasileiro. Nessa fase também houve a inserção e a
massificação das chamadas novas tecnologias da informação.
133
economicamente atraentes, ainda que se verifique um aumento
significativo do número de lançamentos de filmes brasileiros no período de
1995 a 2004. Entre 1997 e 2003 houve uma pequena diminuição de filmes
estrangeiros, efeito da concentração econômica derivada da política de
megalançamentos de filmes importados no mercado nacional.
134
Embrafilme para a produção local e
o surgimento da Riofilme, ou seja, a
volta da presença do Estado nos
negócios cinematográficos. O
segundo fator é de ordem externa,
pois não se deve deixar de destacar
a reordenação no seio das empresas
transnacionais, cujos processos de fusão e incorporação, ocorridos
basicamente na década de 1990, têm como principal reflexo a mudança da
hegemonia do mercado internacional como um todo. No Brasil, os reflexos
desse processo podem ser vistos quando a Columbia Tri Star Buena Vista
passou a ser uma das principais empresas em atividade, dividindo a primeira
posição com outras empresas do grupo controlador. Essa reordenação,
entretanto, não ficou restrita apenas às empresas majors, reproduzindo-se
de maneira diferente no campo das distribuidoras independentes de filmes
importados, fato que obrigou algumas delas a fecharem ou a perderem a
importância econômica. A diminuição do número de filmes comercializados
vem acompanhada da redução do tempo de ocupação de tela por um
determinado título. A vida econômica útil de um filme nas salas de exibição
é cada vez mais curta. O distribuidor de grandes obras tem imposto a sua
vontade ao mercado e, com isso, direciona a política econômica do cinema
de acordo com seus interesses. Essa situação se deve à necessidade cada
vez mais premente de lançar o filme já exibido nas salas comerciais em
outros segmentos do mercado, notadamente o home video,
constantemente ameaçado pelo fantasma da pirataria. Isso exige maior
rotatividade de títulos nos espaços de exibição, pois se corre o risco de o
filme estar sendo lançado e concomitantemente vendido por ambulantes.
Por sua vez, as grandes distribuidoras provocam o aumento do número de
cópias para um determinado filme, criando, dessa maneira, um ambiente de
baixa competitividade, pois há poucos títulos em oferta. Além disso, tem
havido relativo aumento na oferta de filmes importados de países que não
integram o campo hegemônico cinematográfico e audiovisual.
135
Pelas facilidades oferecidas pelo artigo 3º da Lei do Audiovisual, ampliadas
pela MP n.º 2.228/01, as distribuidoras nacionais, transnacionais ou as
empresas representantes desses interesses passaram a distribuir e a co-
produzir assiduamente filmes brasileiros. Além disso, os filmes passaram a
compor a grade de programação da televisão por assinatura, que também
passou a ser co-produtora de filmes nacionais. O resultado dessa
combinação de forças foi que em 2003, ainda o ano de melhor desempenho
de mercado do cinema brasileiro da retomada, as empresas majors
distribuíram 14 filmes nacionais que representavam 50% dos lançamentos.
Esses filmes obtiveram 98,2% do público e 97,82% da renda do cinema
brasileiro - essa é a nova receita.
136
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Webgrafia
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Dados de mercado
Total 1.455
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Elaboração: Autor.
Total de complexos 8
Total de telas 83
Média de telas por complexo 10,04
Fonte: www.cinemark.com.br/, 17 de novembro de 1999.
Elaboração: Autor.
150
Principais empresas exibidoras brasileiras (2000)
Empresa Nº de salas
Cinemark 218
L.S. Ribeiro 170
UCI 99
M. Santos 62
GNC/Pedro Rocha 45
Alvorada 42
Haway 40
Paris 32
Playarte 30
Art Films 30
Orient 26
Pedro Naves 26
Passos 24
Espaço 21
Sercla 20
Estevão 18
Cineart 17
Star 15
Hoyts 15
Total 950
Fonte: Filme B Data Base 2000.
Elaboração: Autor.
151
30 Maiores Exibidores Brasileiros (2003)
Exibidor Nº de salas
Cinemark 264
Grupo Severiano Ribeiro 179
UCI 99
Arcoiris Cinemas 66
Cinematográfica Araújo 64
Espaço de Cinema 49
Cinematográfica Passos 41
Empresa Cinemais 36
GNC Cinemais 33
Haway Cinematográfica 30
Grupo Paris 30
Orient Filmes 28
Grupo Estação 28
Art Films 28
Empresa São Luiz de Cinemas 28
Empresas de Cinema Sercla 27
Afa Cinemas 26
CinemaStar 25
Grupo Playarte 24
Cinearte 17
Alvorada Cinematográfica 16
Hoyts General Cinema 15
RBM Cinemas 12
Ricardo C. Lopes Cinemas 11
Cinebox 10
Top Filmes 07
Cinemas de Arte do Pará 07
Empresa de Cinemas Sta.Rosa 07
Total 1.179
Fonte: CDI, 20 anos de distribuição, com dados da Filme B.
Elaboração: Autor.
152
Rede Cinemark Multiplex por região (2004)
Total 30
153
Central do Brasil no mercado cinematográfico
internacional (1999)
154
Filmografia comentada
155
Waldow filmes. Duração: 80min.
Elenco: Jayme Costa, Barbosa Júnior, Pinto Filho, Oscarito, Francisco Alves,
Irmãs Pagãs, Joel e Gaucho, Carmen e Aurora Miranda, Heloisa Helena,
Mário Reis, Lamartine Babo, Almirante.
Livre
O Ébrio (1946)
Direção: Gilda de Abreu
Produção: Adhemar Gonzaga. Cia produtora: Cinédia. Duração: 131min.
Elenco: Vicente Celestino, Walter D'Ávila, Alice Archambeau, Rodolfo
Arena, Manoel Vieira, Victor Drummond, Julia Dias.
Livre.
156
sido feitas mais de 500 cópias do filme, vendidas diretamente aos
exibidores das localidades mais afastadas do Rio de Janeiro, como simboliza
nostalgicamente o filme Bye bye Brasil (Carlos Diegues, 1979).
157
Compilação dos grandes sucessos da Atlântida Cinematográfica através de
depoimentos dos principais astros e estrelas do estúdio e de trechos de
seus 27 longas-metragens que sobreviveram ao tempo e ao descaso dos
produtores. Realizado nos moldes do similar Era uma Vez em Hollywood
(That's Entertainment, 1974), celebração dos musicais da MGM, o filme
privilegia as obras de seu diretor, Carlos Manga, responsável por
chanchadas como Nem Sansão, nem Dalila (1953), cuja bilheteria chegou a
ser estimada em mais de 19 milhões de espectadores, número maior do que
o do oscarizado Titanic (James Cameron, 1997), que fez 17,5 milhões de
espectadores no Brasil.
O Cangaceiro (1952-53)
Direção: Lima Barreto
Gerente de produção: Cid Leite da Silva. Cia produtora: Vera Cruz. Duração:
94 min.
Elenco: Alberto Ruschel, Vanja Orico, Marisa Prado, Milton Ribeiro, Adoniran
Barbosa, Zé do Norte.
Livre.
158
Barcellos, Paulo Goulart, Turíbio Ruiz, Angelito Mello, Norah Fontes, Milton
Gonçalves.
Livre.
159
produções mais bem acabadas -, Rovai foi um dos poucos produtores desse
período que conseguiu se manter em atividade, tendo sido responsável pela
série Tainá, uma Aventura na Amazônia (2001) e Tainá 2, a Aventura Continua
(2004).
Regina, secretária que se casou com o patrão, é uma mulher histérica que
tem problemas em satisfazer seus desejos sexuais. Pornochanchada de
maiores pretensões dirigida pelo hoje novelista da Rede Globo, Sílvio de
Abreu, esta produção da Cinedistri foi uma das últimas bem-sucedidas
produções do lendário produtor cinematográfico Oswaldo Massaini, pouco
antes da Boca do Lixo enveredar pelos filmes de sexo explícito.
Responsável pela produção de chanchadas, filmes do Cinema Novo e
pornochanchadas, a Cinedistri foi sucedida pela Cinearte, do produtor
Aníbal Massaini Neto, filho de Oswaldo Massaini.
160
sombra de Antônio das Mortes, o temido matador de cangaceiros. Um dos
filmes mais influentes do cinema brasileiro, Deus e o Diabo na Terra do Sol
foi produzido e distribuído por Jarbas Barbosa, da Copacabana Filmes,
espécie de homem de confiança do Banco Nacional que apoiava
financeiramente a produção. Lançado e divulgado como mais um filme de
cangaço, filão em voga no começo dos anos 1960, a estratégia resultou
num público estimado de 300 mil espectadores. Entretanto, o filme era na
verdade uma espécie de resposta de Glauber a O Cangaceiro, de Lima
Barreto, que se tornou um marco do Cinema Novo.
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Barreto. Duração: 118min.
Elenco: Sonia Braga, José Wilker, Mauro Mendonça, Armando Bógus, Nelson
Xavier, Nelson Dantas, Mario Gusmão, Rui Resende, Silvia Cadaval, Nilda
Spencer.
Não recomendado para menores de 16 anos.
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Cidade de Deus (2002)
Direção: Fernando Meirelles
Dir. de produção: René Bittencourt, Claudine Franco. Cia produtora: 02
Filmes, Videofilmes, Miramax. Duração: 130min.
Elenco: Seu Jorge, Alice Braga, Alexandre Rodrigues, Douglas Silva, Emerson
Gomes, Leandro Firmino, Matheus Nachtergaele, Mauricio Marques,
Roberta Rodrigues.
Não recomendado para menores de 16 anos.
Vinicius (2005)
Direção: Miguel Faria Jr.
Produtores: Miguel Faria Jr., Susana de Moraes. Cia produtora: Iberautor,
1001 Filmes, VM, Sky Light. Duração: 124min.
Contém cenas inadequadas para menores de 12 anos.
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Adriana Calcanhoto, Mariana de Moraes, Zeca Pagodinho e Mart'Nália.
Vinicius foi o filme documentário de maior sucesso da retomada do cinema
brasileiro, alcançando pouco mais de 260 mil espectadores e
permanecendo semanas em cartaz no cinema Leblon, no Rio de Janeiro,
sendo um exemplo do importante papel da não-ficção no cinema brasileiro
contemporâneo quando o gênero foi recuperado para o mercado de salas
de cinema.
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Alegre. Duração: 13min.
Narração: Paulo José
Livre.
Eletrodoméstica (2005)
Direção: Kleber Mendonça Filho
Dir. de produção: Brenda da Mata. Cia produtora: Cinemascópio; Ruptura
Cinematográfica. Duração: 22min.
Elenco: Magdale Alves, Gabriela Souza, Jonatas Lucena, Pedro Bandeira
Contém cenas inadequadas para menores de 12 anos.
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Terral (1995)
Direção: Eduardo Nunes
Produção: Leonardo Ribeiro. Cia produtora: Três Tabela Filmes, UFF, Funarte.
Duração: 18min.
Elenco: Sandra Prazeres, Eduardo Molina, Flávio Colatrello
Contém cenas inadequadas para menores de 12 anos.
Uma vela que se consome dá o tom à crônica de uma noite que envolve
frustração sexual, adultério e tentativa de liberação de uma mulher em
cabana à beira-mar. O curta-metragem de um diretor oriundo do curso de
cinema da UFF é uma amostra da importância das escolas de cinema como
foco de produção e celeiro de talentos para o cinema brasileiro.
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Autores
João Luiz Vieira, Doutor em Cinema na New York University, com pós-
doutorado na Universidade de Warwick, é Professor Associado do
Departamento de Cinema e Audiovisual e atual Coordenador do Programa
de Pós-Graduação em Comunicação da UFF. Autor de inúmeros textos,
críticas, ensaios e livros publicados no Brasil e no exterior, como Cinema
Novo & Beyond (NY: MoMA, 1998) e Câmera-faca: o cinema de Sérgio Bianchi
(Portugal, 2004).
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pensamento industrial cinematográfico brasileiro, é professor junto ao
Departamento de Artes e Comunicação da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). Publicou o livro Alex Viany: crítico e historiador
(Perspectiva / Petrobras, 2003) e colaborou na Enciclopédia do cinema
brasileiro (Senac, 2000), bem como nas coletâneas Documentário no Brasil:
tradição e transformação (Summus, 2004) e Cinema brasileiro 1995-2005 -
Ensaios sobre uma década (Azougue, 2005).
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Autor dos livros O Brasil dos gringos: imagens no cinema (Intertexto, 2000)
e Artes e manhas da EMBRAFILME: cinema estatal brasileiro em sua época de
ouro (EDUFF, 2000). Atualmente trabalha com cinema latino-americano e
coordena o Cineclube Sala Escura.
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Equipe
Projeto: André Piero Gatti e Rodrigo Bouillet
Curadoria: André Piero Gatti
Coordenação de Produção: Rafael de Luna Freire
Produção Executiva: Eduardo Ades
Assistência de Produção: Paula Furtado e Patrícia Savaget
Assistência de Produção Executiva: Pedro Perazzo
Programação visual: Isabel de Luna
Assessoria de imprensa: Pedro de Luna
Monitora: Ana Carolina Miranda
Edição do catálogo: André Piero Gatti e Rafael de Luna Freire
Realização: Associação Cultural Tela Brasilis
Agradecimentos
Aline Maia (Zarpar Turismo), Angélica de Oliveira, Angelo Daniel (LC Barreto), Alê
Abreu e Rodrigo Editore (Alê Abreu Produções), Arthur Autran, Beth Formaggini,
Bruno de Farias (1001 Filmes), Cristiane Cavalcante (Sincrocine / Tietê Produções),
Daniela e Albina Pereira (Atlântida), Dona Alice Gonzaga e Eugenia Gonzaga
(Cinédia), Eduardo Cerveira, Eduardo Nunes, Eliane Costa e Reinaldo Pinheiro
(Sequencia 1), Fernando Meirelles e Carol Scalice (O2 Filmes), Gilberto Santeiro,
Hernani Heffner e José Quental (Cinemateca do MAM), Helena Barbosa e Lorelei
Schneider (Ancine), João Luiz Vieira, Kleber Mendonça e Emilie Lesclaux
(Cinemascópio Filmes), Luís Alberto Rocha Melo, Marcelo Ikeda, Marcos Magalhães,
Marcus Vinícius Motta, Mauricio Andrade Ramos e Maria Bruno (Videofilmes), Marilia
Santos (Sindcine), Michelle Baeta, (Zarpar Turismo), João e Paloma Rocha (Tempo
Glauber), Paula Paes, Paulo Souza (Casa de Cinema de Porto Alegre), Pedro Butcher,
Pedro Farkas, Roberto Farias, Ruy Gardnier, Sergio (Mercúrio Produções), Sr. Neto, Sr.
Antonio e Sra. Graça (Taberna do Juca), Tunico Amancio, Vívian Malusá (Cinemateca
Brasileira), Walter Braga (Hotéis O.K.), Wilfred Khouri (Vera Cruz), Zenaide Alves
(Cinearte).
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