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Retomando a questão da indústria cinematográfica brasileira

10 a 22 de março de 2009.

Edição: Associação Cultural Tela Brasilis.


Pesquisa iconográfica: Rafael de Luna Freire (acervo Cinemateca do MAM
e acervo pessoal João Luiz Vieira)
Programação visual: Isabel de Luna
Revisão: Michele Miti

ISBN: 978-85-61383-02-2

2009
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
www.telabrasilis.org.br
Retomando a questão da
Indústria Cinematográfica
Brasileira

André Piero Gatti


Rafael de Luna Freire
(orgs)
O cinema brasileiro tem sido tema de várias mostras na CAIXA Cultural, em
especial as que homenageiam os profissionais (artistas, cineastas,
cenógrafos etc.) do cinema nacional. Desta vez, porém, temos a honra de
apresentar, em parceria com a Associação Cultural Tela Brasilis, a mostra de
filmes e ciclo de palestras Retomando a questão da indústria
cinematográfica brasileira, que propõe a reflexão sobre o cinema brasileiro a
partir de um viés pouco explorado: o econômico.

Após passar por um período difícil que vai da extinção da Embrafilme no


início dos anos 1990 até a volta da produção cinematográfica com a
chamada retomada, o cinema brasileiro tem dado mostras de sua força nas
bilheterias com produções atingindo a casa dos quatro milhões de
espectadores. Ao mesmo tempo o preço dos ingressos, o financiamento
por meio de leis de incentivo, a concorrência dos DVDs e da pirataria via
internet, a pressão das grandes distribuidoras americanas, os multiplex, são
temas que envolvem a questão da economia do cinema e que, apesar de
presentes no dia-a-dia da indústria cinematográfica, ainda não mereceram a
devida atenção dos economistas.

Ao patrocinar este projeto, a CAIXA, uma das empresas que mais investem
e apóiam a cultura no Brasil, espera que os debates suscitados pela mostra
ajudem a aprofundar estas e outras questões pertinentes a uma indústria
que, como tal, também deve ser pensada sob a ótica da economia, sem
esquecer a relevância dos bens culturais que produz.

Caixa Econômica Federal


Índice

Apresentação
9 Rafael de Luna freire, Tela Brasilis

Introdução
13 André Piero Gatti, curador

Artigos
19 Aproximações a uma antiga economia do cinema, de Hernani
Heffner

34 Industrialização e cinema de estúdio no Brasil: a “fábrica”


Atlântida, de João Luiz Vieira

45 Ilusões, dúvidas e desenganos: a Vera Cruz e o Cinema


Independente frente à questão da indústria, de Arthur Autran.

58 A Boca e o Beco, de Luís Alberto Rocha Melo

76 A economia do cinema nacional-popular (comentários em torno


dos anos 1960), de Reinaldo Cardenuto

90 Uma indústria da anti-indústria, de Ruy Gardnier

101 Pacto Cinema-Estado: os anos Embrafilme, de Tunico Amancio

118 Ordem, progresso e animação, de Marcos Magalhães

126 O mercado cinematográfico brasileiro: uma situação global?, de


André Piero Gatti.

Anexos
137 Bibliografia suplementar
150 Dados de mercado
155 Filmografia comentada
167 Biografia dos autores
Apresentação

Rafael de Luna Freire


Diretor da Associação Cultural Tela Brasilis

Com o patrocínio da Caixa Econômica Federal, a Associação Cultural Tela


Brasilis tem o orgulho de apresentar o ciclo de palestras e mostra de filmes
Retomando a questão da indústria cinematográfica brasileira, mais um
projeto voltado para a reflexão e a discussão do cinema brasileiro em seus
diferentes aspectos, seguindo o mesmo princípio que tem orientado as
ações do Tela Brasilis desde o início de suas atividades.

Como ocorreu com o curso O Som no cinema, realizado na CAIXA Cultural


em 2008, novamente o Tela Brasilis conta com um curador convidado,
neste caso o Prof. Dr. André Piero Gatti, a quem agradecemos pela amizade
e compromisso que se traduziram no empenho e na colaboração para a
realização do evento e a concretização deste livro.

Ainda que a programação de filmes e a divisão temática das palestras e dos


artigos de Retomando a questão da indústria cinematográfica brasileira não
destoem muito de uma segmentação clássica da história do cinema
brasileiro, marcada por marcos e momentos-chaves já conhecidos e
consagrados, acreditamos que a novidade desta vez está no foco principal,
no eixo de orientação que moveu a criação e a elaboração deste evento.
Mesmo que o viés econômico seja frequentemente levado em conta nas
análises da experiência audiovisual brasileira, uma abordagem essencial e
prioritariamente econômica ainda é exceção nos estudos que, em geral,
optam por se deter exclusivamente nos aspectos estéticos, culturais ou
sócio-históricos das obras fílmicas, desperdiçando oportunidades de
esboçar quadros mais nuançados ao deixar de colocar em questão e
problematizar elementos e características do modo de produção e
comercialização dessas mesmas obras, especialmente dentro do quadro
específico do mercado cinematográfico no país.

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Seguindo esse viés, a ideia de “indústria cinematográfica brasileira” - e sua
viabilidade (como utopia ou objetivo real) ou as ferramentas para sua
concretização (longínqua ou próxima) - é talvez um dos temas mais
recorrentes e debatidos na história do cinema em nosso país, tanto pelos
profissionais do meio quanto pela sociedade em geral. O objetivo de
“retomar” a discussão sobre essa ideia através de uma visão retrospectiva e
de uma contextualização histórica das experiências anteriores do cinema
brasileiro é inegavelmente pertinente num momento em que termos como
“editais de fomento”, “renúncia fiscal” e “lei do audiovisual” fazem parte do
vocabulário de qualquer pessoa bem informada, e quando expressões como
“adicional de renda” e “cota de tela” retornam ao debate com
surpreendente sobrevida, dando um gostinho de (literalmente) “já vi esse
filme”.

Desse modo, trata-se de um olhar para o passado essencialmente voltado


também para o presente e para o futuro. Não à toa, a segunda semana da
mostra de filmes e do ciclo de palestras e debates de Retomando a questão
da indústria cinematográfica brasileira é basicamente dedicada à discussão
do momento atual de nosso cinema - ou do setor “audiovisual”, como é de
bom tom chamar atualmente - e as perspectivas que se desenham no
horizonte próximo. Não deixam de ser discutidos outros formatos para o
produto audiovisual nacional - como o filme de animação, curta-metragem
e documentário -, além apenas do filme de longa-metragem de ficção
privilegiado pela indústria como o produto Cinema por excelência.

Também em sintonia com o princípio que levou à elaboração do evento, a


seleção de filmes buscou formar um painel representativo de alguns dos
maiores sucessos de público e bilheteria do cinema nacional em relação a
diferentes perspectivas, seja o das companhias produtoras (O Ébrio, da
Cinédia; O Cangaceiro, da Vera Cruz), o das distribuidoras ligadas ao poder
público (Dona Flor e seus Dois Maridos, da Embrafilme; Central do Brasil, da
RioFilme) ou dos gêneros comercialmente menos explorados (Ilha das

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Flores, curta-metragem; Vinicius, documentário contemporâneo), entre
outras possíveis formas de agrupar as produções brasileiras que possibilitam
a problematização da própria palavra “sucesso”.

Por fim, esperamos que este livro, composto sobretudo de artigos


especialmente escritos para o evento, venha a servir para alimentar futuros
debates e permanecer como uma contribuição relevante aos estudos de
cinema brasileiro. Na introdução que abre o catálogo, André Gatti faz uma
síntese das principais questões da indústria cinematográfica brasileira.
Hernani Heffner compara as experiências da Cinédia, de Adhemar Gonzaga,
da Brasil Vita Filmes, de Carmen Santos, e da Sonofilms, de Alberto
Byington Júnior, traçando um panorama do cinema brasileiro dos anos 1930
e 1940. João Luiz Vieira aborda o contexto político e econômico da criação
da Atlântida, seu ideário e sua estratégia de sustentação, enquanto Arthur
Autran coteja as experiências contemporâneas da Vera Cruz e do Cinema
Independente dos anos 1950. Reinaldo Cardenuto se debruça sobre o
Cinema Novo e suas posições políticas e ações concretas em relação ao
mercado ao longo da década de 1960, e Ruy Gardnier aborda o Cinema
Marginal sobre um ângulo pouco usual, abordando-o do ponto de vista
estritamente industrial. Luís Alberto Rocha Melo traça um valioso painel da
ampla produção que se desenvolveu na chamada Boca do Lixo, em São
Paulo, e no pouco discutido Beco da Fome, no Rio de Janeiro. Completando
a revisão histórica, republicamos ainda um artigo de Tunico Amancio sobre a
Embrafilme, tema de sua tese de doutorado posteriormente publicada em
livro. No contexto contemporâneo, abordando um produto audiovisual
muita vezes negligenciado nesse tipo de debate, Marcos Magalhães traça
um panorama do cinema de animação brasileiro, enquanto André Gatti, no
último artigo, enfoca o período da retomada em relação à nova situação do
mercado internacional.

Respeitando as diferenças de enfoque, de abordagem e mesmo os


diferentes níveis de otimismo ou pessimismo entre os autores e seus textos,
que não necessariamente se alinham entre si, com a curadoria ou com o Tela

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Brasilis, tencionamos proporcionar uma visão significativamente
multifacetada sobre uma questão não menos polêmica e avessa a
discordâncias como a da frequentemente vista como intangível indústria
cinematográfica brasileira. Por esse motivo, o último e principal
agradecimento destina-se, então, aos autores que colaboraram para
transformar este livro em realidade.

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Introdução

André Piero Gatti


Curador

A trajetória do cinema brasileiro (1898-2008)

No ano de 2008 o cinema brasileiro completou 110 anos de existência. O


nosso marco zero cinematográfico seria uma “tomada de vistas” da baía de
Guanabara em 1898, realizada pelo cinegrafista italiano Alphonso Segreto.
De lá para cá, sabemos que o Brasil foi palco de uma produção que,
folgadamente, supera a barreira dos cinco mil filmes de longa-metragem,
na qual estão presentes os mais variados tipos de filmes. Historicamente,
podemos dizer que o principal problema da indústria encontra-se focado na
recepção da produção nacional. Afinal, a questão da recepção sempre foi
um fator bastante problemático para a consolidação da indústria no
modelo clássico. Tal fato ocorre porque, no Brasil, o cinema foi constituído
e construído como um mero apêndice do mercado internacional de
circulação de imagens em movimento e sons.

A despeito do mercado invadido pelo cinema hegemônico, a cinematografia


brasileira se comprova como uma força de relevo, disputando a supremacia
industrial no nosso transcontinente. A este quadro podem ser
acrescentadas as presenças das cinematografias argentina e mexicana, as
quais, juntamente com a brasileira, constituem o trio de ferro do cinema
latino-americano. Entretanto, argentinos e mexicanos tiveram seus
respectivos sistemas de estúdios instalados anteriormente aos nossos,
fato que, de certa forma, colocaria o cinema brasileiro em ampla
desvantagem nos aspectos econômico e social. No entanto, podemos
afirmar que o Brasil conseguiu virar o jogo, ainda que de maneira titubeante.

A história do cinema brasileiro é recheada de momentos variados, indo dos

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mais pitorescos aos mais dramáticos. Dessa situação deriva o fato de que
houve várias tentativas distintas de projetos de industrialização do cinema
nacional, alguns bem-sucedidos, outros nem tanto. Entendemos que tal
desenvolvimento irregular vem caracterizar a economia da indústria do
cinema brasileiro como uma indústria cíclica, instável, dependente e incipiente.

O sistema de estúdios brasileiro surgiu nas décadas de 1930 e 1940, na


cidade do Rio de Janeiro, e era constituído basicamente pelas empresas
Cinédia, Brasil Vita Filmes e Atlântida. Entretanto, tal sistema vem assistir
ao surgimento de uma concorrência localizada em São Paulo, onde se
estabelece um novo polo de produção. O exemplo principal foi o
surgimento da Companhia Cinematográfica Vera Cruz (1949), o maior
investimento privado em um estúdio de cinema e que não duraria muito
tempo, já agonizante em 1954. A criação da Vera Cruz foi acompanhada
pela fundação de outros estúdios como Maristela e Multifilmes.

Nas décadas seguintes, temos uma nova realidade que é a presença do


capital privado e do Estado brasileiro, momento em que aconteceram os
ciclos bem-sucedidos do Cinema Novo, da Embrafilme, da pornochanchada
etc. Nos anos 1970, as salas de cinema que exibiam filmes brasileiros
alcançaram expressivas cifras que anunciavam uma nova era para a
indústria. Entretanto, as condições macro-econômicas eram muito
desfavoráveis para uma implementação industrial definitiva. As explicações
podem ser muitas, mas o fato é que as inúmeras intempéries econômicas
externas e internas foram fortes demais para que o setor pudesse absorvê-
las sem grande dano.

Hoje, vislumbramos um quadro preocupante para a indústria do cinema no


Brasil: o público não vem respondendo de forma satisfatória aos nossos
filmes. A atual situação faz com que a dependência da existência de um
regime de produção sustentado pelas leis de incentivo à cultura seja crucial
para a produção audiovisual independente.

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Observações em torno da indústria

Via de regra, a ideia de indústria cinematográfica nos remete ao cinema de


Hollywood. No caso do cinema brasileiro, os filmes Tropa de Elite (2007) e
Cidade de Deus (2002) seriam os exemplos mais acabados de produtos
destinados a um mercado que necessita de mercadorias com determinadas
características. Valores agregados de produção e um forte esquema de
distribuição e exibição tornam o cinema uma indústria vigorosa no âmbito
do desenvolvimento do capitalismo contemporâneo. Entretanto, com o
advento da televisão e do digital, o tamanho da economia do cinema
nacional veio a diminuir. Por sua vez, o produto filme nunca esteve tão
valorizado, devido a sua extrema versatilidade de distribuição ou difusão
em meios analógicos e digitais.

Notas para compreensão da questão da indústria


cinematográfica clássica

O cinema é uma invenção do final do século XIX, fruto de uma série de


experiências e conquistas técnicas. A veiculação de imagens veio a se
tornar um fato cada vez mais rotineiro, encontrando-se presente nos
jornais, nas revistas, nos retratos familiares, nos mais variados lugares como
o trabalho, a rua etc., tornando também cotidiano o acesso do público
médio às imagens, antes restrito aos segmentos sociais de maior poder
aquisitivo. Por sua vez, o cinema viria a potencializar o novo hábito de
maneira mecânica e industrial, dentro de uma lógica de consumo massivo.
Aquilo que se chama de cinema nasce sob a égide do processo conhecido
como modernização. Processo este que, por sua vez, foi alimentado
ideologicamente pelos preceitos vigentes do capitalismo monopolista
daquele momento e que foi se adequando às várias facetas que o sistema
econômico adquiriu ao longo do tempo. Não é à toa que as primeiras
patentes de captação e projeção de imagens em movimento foram tiradas
por empresas como Edison Company e Lumière. No transcorrer do século

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XX, o cinema se configurou como a mais representativa das artes, graças ao
seu poder de persuasão e de influência junto aos jovens.

A questão da indústria do cinema, até os dias de hoje, é um diálogo que se


encontra colocado acima da linha do Equador. Não por acaso, foi
justamente neste território (América do Norte e Europa e Ásia) que se
desenvolveram as primeiras sociedades de massa capitalistas.

O surgimento de uma nova forma de expressão e comunicação fez do


cinema uma indústria atípica, quebrando a lógica da economia clássica que
se pautava na lei da demanda e da oferta. No caso cinematográfico houve
uma inversão desta ordem; o estímulo ao consumo partia das próprias
empresas produtoras e distribuidoras. Com a opção pelo filme de enredo,
contendo determinadas características, podemos afirmar que esse foi o
verdadeiro elemento alavancador do processo de consolidação de uma
indústria internacional. O surgimento do produto conhecido como cinema
industrial narrativo se caracteriza como o elemento balizador do
encorpamento de uma indústria em escala mundial. Os primeiros filmes de
não-ficção foram dominantes por um curto período; logo foram
suplantados pelos filmes ficcionais.

A questão de uma indústria cinematográfica ancorada em um regime de


filmes de ficção fez com que ela se desenvolvesse, durante muito tempo,
no sentido centro-periferia. Por quase um século, o modelo clássico de
indústria previa determinado tipo de infra-estrutura que devia contar com a
presença de um sistema de estúdios, star system e ainda algum tipo de
verticalização econômica, que podia abarcar distribuição (nacional e/ou
internacional) e exibição (nacional e internacional).

A questão do controle da distribuição é fundamental para o sucesso ou o


fracasso de uma ação mercadológica-cinematográfica. Sua importância se
deve a vários motivos, como o controle da estratégia de lançamentos,
custos de marketing etc. Entretanto, o elemento fundamental é a

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diminuição do fatiamento da renda bruta do filme e do controle real da
venda dos ingressos. No Brasil, por exemplo, a empresa cinematográfica
mais antiga em atividade é uma distribuidora, no caso, a Fox Filmes, que aqui
se instalou em 1915.

A primeira tentativa clara de industrialização de cinema no Brasil (1930-60)


se pautou, fundamentalmente, em gêneros aclimatados para os nossos
paladares, como o filme musical e a chanchada. Entretanto, apenas o filme
de gênero não encontra em si forças suficientes para deslanchar o cinema
industrial é necessária uma serialização da atividade para extrair um menor
custo médio por produção. Além disso, é mais do que sabido, no seio da
indústria cinematográfica, que a maioria dos filmes tende ao prejuízo, pois
são poucos os filmes que vão realmente bem e pagam os seus custos de
produção e de lançamento.

As instâncias da indústria e o capital

Com a finalidade de evitar prejuízos, a indústria vai se apoiar de maneira


decidida, num primeiro momento, no star system. As demandas por estrelas
foram muitas e houve a constituição de verdadeiras constelações nos
cinemas de todas as nações ao longo da história. O cinema norte-americano
foi pródigo nesse sentido, inclusive importando estrelas de outras
cinematografias, mas não foram somente as cinematografias industriais que
apostaram nesse segmento. O chamado cinema de autor também teve seu
star system um exemplo clássico é o da Nouvelle Vague.

No caso brasileiro a situação do sistema de estrelas se configura com a


presença de Carmen Miranda, ainda que seja possível anteriormente
identificar a presença de alguns proto-projetos de estrela, como: Carmen
Santos e Déa Selva (a estrela de Ganga Bruta). Na indústria cinematográfica
contemporânea, atores e atrizes são os elementos mais custosos na
planilha de gastos de um filme, seja nacional ou internacional.

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A nova circulação do filme

Atualmente, o cinema industrial narrativo encontrou na selva digital um


vasto leito para explorar suas potencialidades, indo muito além do que seus
criadores poderiam imaginar. O filme tem encontrado entrada em todo
sistema pautado na difusão de sons e imagens, ou seja, ele pode estar no
DVD, no Ipod, na internet, no celular, no cinema, na televisão e em outros
meios a serem inventados. A questão crucial da indústria é como controlar
o copyright para evitar a disseminação não licenciada desta ou daquela obra
audiovisual, além de seus produtos licenciados, que são bastante variados:
videogames, DVDs, CDs, memorabilia, além de outros produtos de
vestuário e comestíveis ligados a um título cinematográfico qualquer. Os
filmes das empresas majors hoje são conhecidos e trabalhados como
franquia. A via digital para a divulgação e comercialização de filmes e
produtos ligados ao filme é um fator preponderante do sucesso ou
fracasso econômico de uma realização de porte na indústria
contemporânea.

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Aproximações a uma antiga economia do cinema

Hernani Heffner

Este texto não é um abrangente ou abalizado exame da economia do


cinema brasileiro em determinado período, no caso os anos 30 e 40 do
século passado. Não tem também a pretensão de passar por uma modesta
ou rápida análise do tema. É menos do que isso. Trata-se quando muito de
um comentário livre de alguns componentes da atividade cinematográfica
de então, pensados por um ângulo incomum dentro da tradição
historiográfica e reflexiva do setor.

Se a economia do cinema não era um campo de dimensões significativas até


bem pouco tempo, contribuindo para tanto a falta de fontes primárias, de
estatísticas e de estudos confiáveis, não haveria também por outro lado
uma definição clara do que este conceito abrange e como aplicá-lo a uma
área tida sucessivamente como indústria de base, indústria cultural e, mais
contemporaneamente, indústria de serviços. Sabe-se o quanto a palavra
indústria se confunde com a própria atividade como um todo e o quanto ela
se tornou um fetiche, sobretudo em países meramente consumidores de
produção cinematográfica importada, como o Brasil. Nesse sentido,
cumpriria antes de tudo aclarar os usos e abusos do termo, se ele pode ser
utilizado como ponto de inflexão para o exame de determinado caso e
qual seu alcance em contexto como o brasileiro. Longe de tal pretensão, o
que interessa aqui são algumas ligeiras implicações e um possível
encaminhamento para os comentários.

A primeira formulação - indústria de base - é interessante. Não foi


engendrada no caso brasileiro pela teoria econômica e sim pelo senso
comum do empresariado industrial da República Velha.1 Concebia a prática

1. Sobre o assunto Cf. LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil, 1808-1930. São Paulo: Difel,
1961.

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industrial como de base se a empresa fosse uma fundição ou tivesse uma
dentro de suas instalações. Isto significava a capacidade de fabricar a maior
parte das peças, instrumentos e máquinas usadas como base no processo
manufatureiro. Mais amplamente sugeria a ideia de que o desenvolvimento,
seja da empresa, seja do país, estaria na autonomia fabril. O processo
produtivo dependeria de siderurgia - em grande escala e com qualidade - e
de energia abundante, ações estratégicas dos governos instaurados em
1930 e 1964, respectivamente, voltando-se em seguida para a fabricação de
bens duráveis, como automóveis. Os primeiros ideólogos do cinema
brasileiro, como Adhemar Gonzaga, absorvem essa formulação
argumentando que a força persuasiva do cinema precederia e influenciaria
no consumo desses bens, alavancando a economia como um todo. Alguns
dos primeiros empresários regulares da área cinematográfica, como o
mesmo Gonzaga, se preocuparam em concentrar na unidade fabril todo o
processo produtivo, da ideia à cópia final como costumavam alardear,
transformando o estúdio num êmulo da fábrica com fundição.

Não se trata aqui de mera transposição do fausto hollywoodiano, de resto


uma referência recorrente até o surgimento da geração independente dos
anos 1950. Deve-se assinalar rapidamente que, para a teoria econômica, o
produto made in USA estabeleceu um parâmetro específico de qualidade
junto ao público consumidor, percebido e trabalhado difusamente como
técnica e como arte. Para o empresariado cinematográfico brasileiro, o que
importava era a eficácia do modelo fordista em termos de produtividade e
redução de custos na fabricação de filmes. A arte ficava sempre para
depois, com raras e episódicas exceções, como se ela não fosse um
componente intrínseco do processo. Daí talvez a tibieza da produção do
período. O processo instaurado com a Cinédia em 1930 reproduzia o mote
da substituição de importações,
com resistência à compra localizada
de equipamentos importados, nem
tão caros assim como gruas, racks de

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som e refletores. As primeiras poderiam ser fabricadas em madeira, como na
Cinédia, os segundos a partir de sucatas radiofônicas, como na Atlântida, e
os terceiros literalmente copiados a partir de um exemplar original na
fundição do dono da Vera Cruz. Sabendo-se que os custos mais decisivos no
Brasil estavam associados ao processo de filmagem e não aos
equipamentos, estes de resto amortizados ao longo de muitos anos e
muitos filmes, entende-se porque as limitações de decupagem e a
preferência por um diretor básico e rápido como Luís de Barros, realizador
mais prolífico do período.

Obviamente não se está ressaltando a diferença econômica e


eventualmente artística entre os projetos empresariais em cinema no Brasil
dessa época, mas elas existem. E se tornam mais significativas conforme se
passa da primeira para a segunda formulação. O país só conheceu o
pensamento da chamada Escola de Frankfurt nos anos 1960, quando o
famoso texto de Adorno e Horkheimer2 passou a circular ainda em língua
inglesa. Seu substrato mais saliente envolve uma oposição entre uma arte
de qualidade, de natureza não industrial, e a fabricação em série de
artefatos repetitivos e destituídos de qualquer contribuição mais
significativa. O que importa aqui é a troca da formulação anterior em favor
de outra mais abstrata. A ideia de que a cultura é um valor calcado na
expressão e não nos investimentos, lucros, ativos e patrimônios teria largo
curso na historiografia, inclusive na brasileira. O viés culturalista atravessa a
obra dos primeiros estudiosos de uma economia do cinema como Peter
Bächlin e Thomas Guback, falando-se em monopólios, trustes e mercado
com forte tom negativo. Não houve estudos dessa natureza entre nós até
bem recentemente, mas a historiografia em seus primeiros tempos se viu
perpassada do mesmo tom condenatório em torno da atividade industrial,
ressaltando sobretudo as tentativas artísticas. Basta pensar em uma obra
como Cinema de Invenção, de Jairo Ferreira. A escolha do termo invenção é
significativa do ponto de vista da teoria econômica e revela uma concepção

2. COHN, Gabriel (org.). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Cia. Edit. Nacional, 1971.

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bastante estreita do processo empreendedor, não importando se em
pequena ou larga escala.3

A formulação da atividade cinematográfica como uma economia de


serviços é recente, embora expandida retroativamente para toda a sua
história. A ênfase recai menos em um dos pontos da cadeia produtiva - a
unidade fabril -, ou na manufatura - o filme - e seu valor cultural, e mais no
modus operandi da área, sobretudo sua organização para o consumo. Sob
influência de centros avançados como Harvard ou MIT, busca-se
compreender a área em termos estritamente econômicos e como um
negócio. É nesse sentido que se percebe um nítido deslocamento para
análises de viés matemático e financeiro, como na obra do economista
Gerben Bakker, estudioso das idas e vindas da indústria cinematográfica
europeia e consultor da União Europeia para o setor.4 No Brasil tal vertente
não se instalou de fato, devido à carência de dados econométricos e de
estatísticas confiáveis - no período ora em exame apenas Cinédia e Vera
Cruz preservaram parte de seus registros contábeis, os quais não foram
tabulados ainda -, mas um deslocamento vem se processando, com
aproximação a estudos de performance macroeconômica e à crítica da
ideologia culturalista. Os trabalhos de José Inácio Melo Sousa e Arthur
Autran são significativos nesse sentido, embora sem adentrar a seara
propriamente econômica.5

A ausência de dados organizados impede uma análise abalizada dos


empreendimentos brasileiros das décadas de 1930 e 1940. Um outro tipo de
contribuição pode, talvez, ser apresentado tomando-se aspectos da teoria
econômica clássica. Selecionando-se a Cinédia, a Brasil Vita Filme e a
Sonofilms como ponto de partida sistêmico de uma economia do cinema

3. Para um economista como Joseph Schumpeter, a invenção é produto de mera curiosidade e engenhosidade,
não gerando ciclos econômicos significativos.
4. Cf. BAKKER, Gerben. Entertainment Industrialized: The Emergence of the International Film Industry,
1890-1940. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
5. Cf. SÁ NETO, Arthur Autran Franco de. O pensamento industrial cinematográfico brasileiro. Campinas,
2004. Tese de Doutorado; e SOUSA, José Inácio de Melo. O Estado contra os meios de comunicação, 1897-
1945. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2003.

22
brasileiro, pode-se aventar em que medida esse seria o momento inaugural,
o que o distingue, como se processou do ponto de vista macro e quais as
suas limitações. Deve-se ressaltar que a reflexão toma como perspectiva
não a inserção dessas iniciativas em um processo mais amplo, quer o
mercado cinematográfico, quer a realidade sócio-econômica brasileira, de
resto indispensáveis para uma análise mais coerente da performance geral,
mas a estruturação interna desses empreendimentos como modelos de
negócios.

Não se conhece quase nada das iniciativas empresariais do período


silencioso. Das mais duradouras - Guanabara, Aurora, Apa e Phebo -, a única
que deixou registros contábeis foi a Phebo Brasil Film, de Cataguases. Em
uma rápida folheada pelas poucas páginas manuscritas de seu livro-caixa,6
percebe-se que o mesmo foi aberto em função da produção de um filme e
não da empresa, que tem poucos lançamentos. Constata-se ainda o baixo
volume de recursos investidos, sua fonte externa e o prejuízo auferido ao
final. Os cerca de 30 contos de réis colocados não oficialmente por
Antônio Lartigau Seabra na produção de Sangue Mineiro, tiveram estrita
aplicação - a participação de sua mulher no elenco - e nenhuma
expectativa de retorno financeiro ou desdobramento econômico. Por este
exemplo e pelo clamor patriótico das revistas de cinema da década de 1920
quanto ao necessário interesse dos grandes capitalistas pela atividade
cinematográfica, fica sugerida uma dimensão de mera satisfação pessoal
para a realização de filmes. Certamente era um pouco mais do que isso, mas
não ultrapassava os limites estreitos da sobrevivência comercial mais
imediata. Um toma lá, dá cá, mais típico do ciclo econômico do artesanato
do que da indústria.

No processo de constituição da atividade econômica do cinema brasileiro,


Cinédia, Brasil Vita Filme e Sonofilms parecem representar um ponto de
ruptura, inaugurando um novo ciclo produtivo. Porém, é preciso avaliar com

6. LIVRO-CAIXA da Companhia Phebo Brasil Film. Cataguases, 1930. (O documento encontra-se depositado
na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro)

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cuidado como e em que medida isto ocorreu. O aparente traço em comum é
a constituição de um empresariado para o setor. Com efeito, Adhemar
Gonzaga, Carmen Santos e Alberto Byington Júnior assumiram as funções
clássicas do empreendedor e propiciaram inversão de capitais bem mais
significativa do que no momento anterior. Respectivamente à frente das
três companhias citadas, também investiram prioritariamente na infra-
estrutura de produção, em vez de se voltarem somente para a realização
de filmes. Buscaram ainda, com resultados diferenciados, a inserção de sua
linha de produção dentro do mercado real, tentando ampliar e alongar a
performance comercial e compatibilizar os investimentos com o perfil de
renda do mercado. Deve-se lembrar aqui que a ação desses empresários,
como de resto de todos os demais da área, pautava-se por um caráter
exploratório da atividade no sentido econômico e que nenhum deles jamais
chegou a uma avaliação estrita de inviabilidade. Gonzaga, ao contrário,
repetidas vezes reclamou justamente da sonegação e do lento retorno das
rendas que seus filmes haviam gerado.

Só o conhecido sucesso de filmes como Coisas Nossas, Favela dos Meus


Amores, Alô, Alô, Carnaval!, Bonequinha de Seda, Banana da Terra e O Ébrio
já indicaria a propensão positiva dessas iniciativas. Mais do que isso, seriam
suficientes para do ponto de vista econômico alavancar a infra-estrutura e
a continuidade da produção. Com valores de bilheteria que oscilaram de
350 contos de réis (Alô, Alô, Carnaval!) a seis milhões de cruzeiros (O Ébrio),
e com carteiras de produção que perduraram por uma ou até mesmo duas
décadas, pode-se pensar naturalmente na viabilidade da atividade, embora
tal não tenha ocorrido nos termos geralmente enunciados de uma
performance primeiro-mundista. Cumpre aqui não cair nessa construção
ideológica, nem na tentação de estabelecer sinonímia entre os
empreendimentos e o cinema brasileiro, julgando-se a performance
daqueles pela deste (a partir quase sempre de uma comparação com filmes
ou indústrias cinematográficas estrangeiras). Mais do que isso, é preciso
perceber o quanto um modelo econômico estrito se insinua dentro do
setor e mostra seus limites tanto externa quanto internamente.

24
O pensamento e a prática econômicas da época pendiam sobretudo para o
keynesianismo, buscando sempre o “equilíbrio do sistema econômico”.7 Isto
significava na prática um equilíbrio de variáveis como contas externas,
balanço de pagamentos, poupança, mercado etc. As ideias
schumpeterianas, que pressupunham o sistema como naturalmente
desequilibrado, e insistiam no senso de oportunidade econômica, sempre
localizada e finita, não tinham ainda a difusão que alcançaram após sua
morte em 1950.8 Na esfera empresarial, um tal equilíbrio deveria pautar-se
pelo comedimento e pela racionalidade das ações, admitindo-se que
instâncias como o mercado se comportariam de forma igualmente
equilibrada. Keynes acreditava que cabia ao Estado regular tanto o mercado
quanto seus agentes econômicos, embora a crítica marxiana já tivesse
apontado os limites políticos de uma tal asserção. A esta altura, no Brasil,
inexistia uma ação estatal com vistas à uma legislação regulatória da
atividade econômica cinematográfica, e muito menos uma atividade
fiscalizadora e punitiva de sua parte. Na prática, o Estado brasileiro ignorava
a atividade cinematográfica nacional, impedindo a sua formalização e
sustentação, mesmo em escala tão pequena, já que, se as rendas tivessem
voltado...

A performance de Cinédia, Brasil Vita Filme e Sonofilms, entretanto,


prende-se menos ao que o Estado fez ou deixou de fazer, do que a
diferenças mais sutis de concepção de cada um destes empreendimentos,
particularmente no que diz respeito ao equilíbrio do negócio. As diferenças
podem ser auferidas em termos de escala, perfil e objetivos econômicos.
Junte-se a isso a formação e motivação de cada um dos empresários,
responsável pelo grau de inovação aportado ao processo e pelo maior ou
menor envolvimento com a faceta estritamente econômica da atividade.
Além disso, tais empreendimentos vêm à tona em um novo contexto
histórico, o da Revolução de 1930, caudatário da indústria como signo de

7. KEYNES, John Maynard. Teoria geral do juro, do emprego e da moeda. São Paulo: Atlas, 1982.
8. SCHUMPETER, Joseph A. A teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982.

25
desenvolvimento, e o da introdução do som ótico no espetáculo
cinematográfico, tido em um primeiro momento como elemento que
colocaria o mercado à mercê do produtor brasileiro (o estalo mágico
schumpeteriano). Por outro lado, é preciso lembrar que, na prática,
inexistiam condições de equilíbrio na economia cinematográfica daquele
momento. Não era possível fazer cálculo de custos e planejamento
razoavelmente confiáveis. Corria-se o risco totalmente no escuro.

Adhemar Gonzaga era um jovem jornalista e cineasta; Carmen Santos uma


jovem atriz; e Alberto Byington Júnior um jovem empreendedor. Só este,
portanto, tinha formação (estudou em Harvard), perfil e motivação
estritamente econômica. Os dois primeiros sempre expressaram um difuso
idealismo que misturava arte, nacionalismo e eventualmente lucro. Ao se
lançarem à construção de infra-estruturas de produção cinematográfica
em bases permanentes, exibiram perspectivas que aprofundaram as
diferenças entre os três. Enquanto para Carmen, a Brasil Vita Filme foi
sempre um instrumento para alavancar sua carreira como artista de cinema
(atriz e posteriormente diretora), Gonzaga foi se reconfigurando
paulatinamente, entendendo que um viés estritamente artístico não
sustentaria a produção e o projeto político de uma cinematografia brasileira
de largo espectro. Para Byington tratava-se de uma equação econômica
simples: ganhar o máximo com o menor custo. Obviamente não se trata de
um usurário e sim de um empreendedor que impôs uma racionalidade estrita
ao seu negócio. Se a renda média do mercado possivelmente era baixa, não
adiantaria investir muito. Bastava acentuar o aspecto comercial - no caso o
som, traduzido ora no vitaphone, ora em uma aparelhagem ótica de melhor
qualidade, marca RCA, e ora no uso de situações, artistas e canções de
origem radiofônica. Byington começara na indústria fonográfica e estendera
seus negócios ao ramo de estações de rádio. Nada mais natural do que um
novo prolongamento chamado cinema sonoro, ainda mais usando a prata da
Casa Byington.9
9. Os empreendimentos cinematográficos de Byington tiveram diversas denominações, como Byington & Cia,
São Paulo Sonofilms e Sonofilms. A matriz do grupo era a Casa Byington, especializada em materiais elétricos.

26
Em termos de escala, essa diferença de perspectiva econômica
provavelmente se manteve. Embora os números disponíveis refiram-se
apenas à Cinédia, pode-se supor um regime bem mais austero na Sonofilms.
A partir do depoimento de Ruy Costa, sabe-se que quase todos os aspectos
de produção de um filme na companhia eram reduzidos ao mínimo
absoluto.10 Quando Ary Barroso resolveu pedir um pouco mais para ceder a
canção Boneca de Pixe para Banana da Terra, foi sumariamente cortado do
filme e substituído por um jovem desconhecido e barato chamado Dorival
Caymmi, que cedeu a hoje famosa O Que É Que a Baiana Tem?. Byington
tinha no norte-americano Wallace Downey um obediente e rigoroso
supervisor de produção, cargo novo no país. Ao mínimo de investimentos se
contrapunha o máximo de rendimento. Neste aspecto, a Sonofilms
também foi distintiva, pois recusou em um primeiro momento o lançamento
de seus filmes através de distribuidores, preferindo um acordo com os
exibidores, destacando-se neste caso o acerto com o circuito de maior
prestígio e lisura do país, o da Metro-Goldwyn Mayer. Depois criou sua
própria distribuidora, a Distribuição Nacional. Byington também se dedicou à
fabricação de projetores cinematográficos sonoros, infinitamente mais
baratos que os importados, embora neste caso a qualidade deixasse mesmo
a desejar, até para os filmes da Sonofilms...

No caso da Cinédia a qualidade era um componente


importante da equação econômica. Gonzaga chegara a
declarar certa vez que “O país que tem a industria
cinematographica melhor apparelhada é o mais
adeantado”.11 Pode-se ter uma ideia desse aspecto, assim
como da escala global do empreendimento, pela
reprodução do resumo do Balanço da Cinédia Sociedade
Anonyma, datado de 13 de novembro de 1937:12

10. O depoimento, de 1980, encontra-se no Centro Técnico Audiovisual da Secretaria do Audiovisual.


11. Para Todos...!, 9 jan 1926.
12. O documento pertence ao Arquivo Cinédia.

27
Activo

Acções caucionadas 40:000$000


Depositos 3:200$000
Vehiculos 34:872$000
Typoraphia 3:255$600
Installações 22:374$200
Material photographico 6:954$600
Bemfeitorias 107:499$100
Machinas e apparelhos de filmagem 394:429$400
Films em preparo 3:616$600
Almoxarifado 3:650$000
Prejuizos exercícios 1931-34 173:625$600
Letras a receber 26:400$000
Distribuidores 574:494$300
Produção 637:723$200
Co-produtores 253$000
Moveis e utensílios 20:739$500
Caixa 13:382$400
Contas correntes 228:674$700

2.295:144$200

28
Passivo

Capital 300:000$000
Deposito da Directoria 40:000$000
Contas a receber 77:458$100
Titulos descontados 26:400$100
Films distribuídos 574:494$300
Fundo de depre., moveis, utensílios e vehiculos 13:857$500
Fundo de amortização, installações e machinas 117:927$600
Fundo de depreciação de filme 146:972$700
Fundo de resgate de prejuízos 173:625$600
Obrigações a pagar 85:620$800
Impostos s/ dividendos 2:659$500
Dividendos 63:828$700
Contas correntes 672:299$700

2.295:144$200

Sem mencionar o investimento inicial de 500 contos de réis, feito


previamente à constituição formal da companhia em julho de 1931, trata-se
de um empreendimento de cerca de 20 milhões de dólares ao câmbio
médio de 1936.13 Esse montante cresceria substancialmente com o aporte
proporcionado pelo pai de Gonzaga em agosto de 1937, elevando o capital
para 1.000:000$000. Por declarações de imprensa, Carmen Santos falava
também em mil contos de réis para a constituição da infra-estrutura física e
de equipamentos da Brasil Vita Filme.14 Levando-se em conta que Byington
nunca comprou terrenos, realizou edificações, importou equipamentos de

13. Para uma referência de câmbio Cf. HOLLOWAY, T.H. Imigrantes para o café. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
14. Recortes encontrados no dossiê Carmen Santos, Arquivo Cinédia.

29
primeira ou contratou artistas por preços de mercado (o casting vinha de
suas rádios e gravadora), pode-se pensar talvez em cerca de 10% do
investimento cinediano.

Os aportes de capital da Cinédia sempre se deram em função de aquisições


importantes como a reveladora automática Multiplex (1937) ou a mesa de
quatro canais RCA (1938), e de investimentos em filmes destinados a
recuperar o prestígio artístico da companhia e do cinema brasileiro por
extensão. À provável rentabilidade média constante da Sonofilms, a
Cinédia exibia altos e baixos em sua performance econômica. As
superproduções consumiam somas extremamente elevadas, mesmo para
os padrões da empresa. Bonequinha de Seda, o único a dar lucro
efetivamente, custou 350 contos de réis. Já obras como Pureza, 24 Horas
de Sonho e principalmente Um Pinguinho de Gente ficaram bastante longe
de amortizar os custos, sendo que o último custou a fortuna de um milhão
e quinhentos mil cruzeiros em 1949. Foi provavelmente o filme mais caro já
produzido no país, feitas as necessárias conversões e correções monetárias.
A Brasil Vita Filme também não media recursos em seus investimentos
fílmicos, sem no entanto exibir um programa regular e coerente do ponto
de vista econômico, como a empresa gonzagueana. O dispêndio de cerca de
um milhão de cruzeiros em Inconfidência Mineira expressava mais a longa
gestação do projeto (12 anos) do que a magnitude dos valores de produção.

Essas quantias elevadas não eram incompatíveis com o tamanho do


mercado brasileiro dos anos 1940. Embora fossem exceções arriscadas,
pela possibilidade de quebra do empreendimento,15 e estivessem bem
distantes da média de investimento dos anos 1930 - cerca de 50 a 150
contos de réis para um filme de linha na Cinédia e provavelmente na
Sonofilms - e dos anos 1940 - cerca de 300 a 500 mil cruzeiros na Cinédia e
provavelmente na Atlântida pós Severiano Ribeiro Júnior -, poderiam ser

15. Os apuros cinedianos na área econômica vieram sobretudo da cessão gratuita da distribuidora própria, a
Distribuição Cinédia, à Associação Cinematographica dos Produtores Brasileiros, que constituiu a Distribuidora
de Films Brasileiros, posteriormente açambarcada e extinta por Luiz Severiano Ribeiro, e da compra desastrada
de uma outra distribuidora falida, a Aliança Cinematográfica, cujo passivo registrava prejuízos vultosos.

30
plenamente retornadas caso o produto caísse no gosto popular, como
aconteceu com O Ébrio, que contabilizou mais de seis milhões de cruzeiros
de renda nos primeiros cinco anos de exibição.16 Apesar dos revezes sofridos
ao longo de sua história em São Cristovão, a Cinédia logrou alcançar ao fim
o equilíbrio entre despesas e receitas, evidenciando os elementos de base
schumpeterianos para o ciclo inovador: determinação e pragmatismo. A
retirada da Sonofilms do mercado, após o incêndio que destruiu suas
instalações em 1940, revela os limites do projeto de Byignton. O equilíbrio
da companhia era de outra natureza e não admitia flutuações ou
reinvestimentos. Tratava-se de um risco calculado.

Outro aspecto importante, comparando-se a trajetória


da Cinédia com a da Sonofilms e da Brasil Vita Filme, diz
respeito à diversificação da produção e à busca dessa
oportunidade rara. A pouca renovação do gênero de
comédia musical praticada pelo estúdio da rua
Venezuela não permitia a descoberta de nichos
insuspeitos junto ao público. O estúdio da rua Conde de
Bonfim ousava ainda menos, pois sequer possuía linha de
cinejornais ou de curtas-metragens, preocupando-se pouco com o fluxo de
caixa cotidiano e com o capital de giro necessário ao negócio regular dentro
da área. O estouro de bilheteria proporcionado pelo filme de Gilda Abreu
veio dessa maior abertura praticada regularmente pelos estúdios da antiga
rua Abílio. Ao contrário de Byington, que se manteve nos limites estritos da
exploração de um negócio e procurou os alicerces que o transformariam
em lucro, Gonzaga misturou perspectivas e subordinou o negócio à
constituição de um parque industrial, à fixação de uma marca junto ao
público “Cinema Brasileiro”, em maiúsculas, como ele preferia , e à busca
pela arte como corolário da qualidade de uma cinematografia. Carmen
permaneceu em grande parte nos limites do diletantismo, por conta da
falta de racionalidade econômica de suas ações, mas guardando pontos de

16. Borderôs do filme O Ébrio, pertencentes ao Arquivo Cinédia.

31
contato com o projeto gonzagueano sobretudo quanto ao nacionalismo e
ao caráter artístico do cinema.

Deve-se frisar ainda que uma eventual avaliação construída a partir dos dias
de hoje sobre a qualidade dos filmes pode tornar-se bastante relativa,
tendo em vista a percepção contemporânea dos mesmos e o seu encaixe
no sistema econômico proposto. Além disso, como empreendedores, os
empresários cinematográficos da era dos estúdios (1930-60) exibiam uma
característica bastante incomum, considerando o contexto mais amplo da
trajetória industrial brasileira. O desenvolvimento desse setor foi calcado
em grande parte em capital estrangeiro, atraído por incentivos cambiais,
tarifários e fiscais, em geral oferecidos pelo próprio governo. Poucas foram
as atividades econômicas formadas a partir do emprego de grandes capitais
que se alavancaram estritamente com base em capital nacional, como a
cinematográfica a partir de 1930. Nesse sentido, entende-se por que a
Atlântida surgirá a partir de 1948 como o mais bem-sucedido exemplo de
performance econômica privada do cinema brasileiro. Não só desfrutava do
fenômeno da verticalização, como no fundo o grupo que a sustentava era,
por sua vez, sustentado a partir do produto estrangeiro. Não é à toa
também que, no momento seguinte, começassem os estudos para
transformar esse mesmo capital auferido entre nós e remetido ao exterior,
em base econômica da atividade cinematográfica brasileira.

Bibliografia
BAKKER, Gerben. Entertainment Industrialized: The Emergence of the International
Film Industry, 1890-1940. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.

BALANÇO da Cinédia Sociedade Anonyma, 13 nov 1937 (Arquivo Cinédia)

BORDERÔS do filme O Ébrio (Arquivo Cinédia).

COHN, Gabriel (org.). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Cia. Edit.
Nacional, 1971.

32
COSTA, Ruy. Depoimento, 1980 (CTAv/SAv).

DOSSIÊ Carmen Santos (Arquivo Cinédia).

HOLLOWAY, T.H. Imigrantes para o café. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

KEYNES, John Maynard. Teoria geral do juro, do emprego e da moeda. São Paulo:
Atlas, 1982.

LIVRO-CAIXA da Companhia Phebo Brasil Film. Cataguases, 1930 (Cinemateca do


MAM).

LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil, 1808-1930. São Paulo: Difel,
1961.

SÁ NETO, Arthur Autran Franco de. O pensamento industrial cinematográfico


brasileiro. Campinas, 2004. Tese de Doutorado.

SCHUMPETER, Joseph A. A teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril


Cultural, 1982.

SOUSA, José Inácio de Melo. O Estado contra os meios de comunicação, 1897-1945.


São Paulo: Annablume/Fapesp, 2003.

33
Industrialização e cinema de estúdio no Brasil:
a “fábrica” Atlântida

João Luiz Vieira

O desejo de um cinema vigoroso que almejasse construir, aos poucos, uma


indústria audiovisual no país é um dos traços fortes da disseminação do
modelo de produção do cinema narrativo operado com sucesso por
Hollywood. Especialmente nos mercados periféricos sob influência direta
da economia norte-americana, caso da América Latina após o fim da Primeira
Guerra Mundial. Ao longo da década de 1920 essa presença consolida-se
como hegemônica em termos de distribuição e exibição da produção norte-
americana feita por estúdios que legitimam e consagram seus nomes e suas
marcas como, por exemplo, a Paramount, a Fox, a Metro-Goldwyn-Mayer.
Sempre me chamou atenção a comparação da programação
cinematográfica no Rio antes e depois da Primeira Guerra, quando
folheamos as páginas de um jornal como O Correio da Manhã, por
exemplo, numa data qualquer do início de 1914, e nos damos conta de uma
diversidade maior na origem dos filmes exibidos, com predominância,
inclusive, da produção europeia, proveniente da França, Itália, Alemanha e
países nórdicos e também mostrando anúncios de nossas produções locais.
Evidente que, com a Europa em guerra, essa produção cai e o cenário se
apresenta favorável para a consolidação
do filme norte-americano pela América
Latina. O mesmo jornal, numa outra data
qualquer do início dos anos 1920,
surpreende ao exibir, majoritariamente,
anúncios de filmes norte-americanos em
cinemas que mantém contratos de exibição
exclusivos com os principais estúdios de
Hollywood, associando o nome de uma

34
sala tradicional com o nome e a marca do estúdio produtor. Mal se inaugura
o primeiro “palácio de cinema” do Rio de Janeiro, o Cine Capitólio, em 1925 -
no trecho do centro da cidade que, devido à grande e posterior
concentração de salas de cinema ali existentes, ficaria conhecido como
Cinelândia nas décadas seguintes -, já aparece a marca e o logotipo da
Paramount por cima do letreiro Capitólio, associando no público, de forma
inseparável, o meio de expressão “cinema” com “cinema norte-americano”
e, mais especificamente, um grande estúdio produtor. A prática reproduzia
aqui os mesmos mecanismos de expansão e controle verticais da atividade
conforme exercida na matriz norte-americana e posteriormente
denunciada em campanhas antitruste.

Na historiografia clássica do cinema brasileiro, quando nos referimos a


“cinema de estúdio”, apesar de várias experiências país afora, em geral são
três os nomes que, imediatamente, vem à tona: a Cinédia - exemplo
inaugural que se costuma considerar como o modelo de um desejo de
estúdio de verdade, especialmente ao longo dos anos 1930 e início dos anos
1940 -, seguida da Atlântida, na segunda metade dos anos 1940 e ao longo
dos anos 1950, e finalmente da Vera Cruz, no final da década de 1940 e até
a primeira metade dos anos 1950.17

Ainda dentro de uma concepção e desejo de implantação e


desenvolvimento de uma indústria de cinema no Brasil, também seguindo o
modelo bem consolidado do cinema norte-americano, a construção de um
mercado consumidor no país foi alavancado pelo que Christian Metz
chamou de “terceira indústria”, ou seja, a mídia impressa, muito bem
assentada por publicações especiais, com destaque absoluto para a revista
Cinearte, editada ininterruptamente de 1926 a 1942. Considerada derivativa
da similar norte-americana Photoplay, tanto em seu aspecto gráfico

17. Há outras experiências de maior ou menor presença e continuidade, como, por exemplo, a Phebo Brasil
Film, a Sonofilms, a Brasil Vita Filmes, a Cia. Americana ou a Maristela. Entretanto, a Cinédia foi realmente a
primeira experiência que permitiu essa comparação com o modelo matricial norte-americano. Entre outras
características que a aproximam desse ideal de “cinema de estúdio” estão a construção de estrutura
arquitetônica especial que lembra galpões de fábricas, a importação de equipamentos especializados de
registro e iluminação, um regime de trabalho onde atores e atrizes possuem exclusividade, entre outros.

35
quanto editorial, seu primeiro número se autoproclamava “um mediador
natural entre o mercado brasileiro e o produtor norte-americano”,
exaltando e promovendo a universalidade do modelo de produção de
Hollywood apoiado em duas estruturas fortes e dominantes naquele
cinema: o estrelismo (star system) e o cinema de estúdio. O culto ao
estrelismo base de venda dessas revistas mundo afora foi adaptado, com
maior ou menor sucesso, ao cinema nacional e em suas páginas
encontramos generoso material para empreender diversos estudos sobre o
culto às estrelas (não só do cinema, mas também do rádio) na cultura
audiovisual brasileira. E, também de acordo com o que aqui chegava da
dominante produção norte-americana, celebrando um mal disfarçado
racismo ao exaltar a hegemonia de um padrão de beleza branco onde
fotogenia era sinônimo de ambientes luxuosos e higiênicos por onde
circulavam, de preferência, corpos jovens e saudáveis. A revista sugeriu,
inúmeras vezes, que a criação de um bom cinema no Brasil deveria ser um
ato de purificação de nossa realidade social, através de uma cuidadosa
seleção do que deveria ou não ser mostrado nas telas, enfatizando uma
noção de progresso, de conquistas da engenharia nacional, de uma
inseparável relação entre as belezas naturais de nossas paisagens
geográficas e a paisagem social, branca e, por isso mesmo, agradáveis de
serem vistas e fotografadas. Tal esforço na construção de uma imagem
nacional só seria melhor conseguido por meio de um modelo assentado no
controle maior que a produção em estúdio garantia. Um cinema de estúdio
do tipo norte-americano, com interiores bem decorados e habitados por
gente agradável. A Cinédia, em diversos filmes, colocou esses preceitos em
pauta e, ao longo da década de 1930, consolidou-se como o centro de
produção mais importante do Brasil. Bonequinha de Seda (1936), dirigido por
Oduvaldo Vianna, pode ser considerado paradigma de quase todas essas
intenções ao materializar alguns dos padrões de qualidade discutidos e
defendidos durante anos por Adhemar Gonzaga nas páginas de Cinearte.
Especialmente a cuidadosa elaboração de uma mise-en-scène onde
cenografia, vestuário, iluminação, movimentos de câmera, interpretações e

36
enquadramentos foram orquestrados na busca de um visual bem mais
elaborado e inédito até então no cinema brasileiro.18

A consciência de um momento histórico marcado pela defesa de uma


indústria nacional tomou conta de setores estratégicos da sociedade
brasileira durante os anos inaugurais do primeiro governo de Getúlio Vargas.
A experiência da Cinédia vinha ao encontro do início da intervenção do
Estado nas atividades cinematográficas. Dando mais ênfase à defesa de uma
indústria nacional, em sintonia com o desenvolvimento e a implantação de
uma série de reformas de caráter social, administrativo e político - como,
por exemplo, a criação de organismos como o Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio (1930), do Ministério da Educação e Saúde Pública
(1932), entre outros, e da consolidação das leis trabalhistas -, Getúlio dava
respostas governamentais urgentes e imediatas a certos problemas
crônicos enfrentados pela administração e economia do país. Em pauta,
acima de tudo, a discussão clara do papel do cinema visto como meio
estratégico para a criação de uma nova imagem do Brasil - mola propulsora
da modernidade, levando uma visão positiva do país, moldando mentes por
meio de imagens. Segundo a crença vigente nos poderes pedagógicos da
imagem em movimento que, num horizonte com traços ainda positivistas,
resolveria questões críticas como o analfabetismo, acreditava-se que o
cinema seria o meio mais poderoso de valorizar a natureza e a cultura
brasileiras e levar a informação pelo país afora, com eficácia e alcance até
então inimagináveis, ilustrando a massa de incultos e iletrados. Nas palavras
de Roquete Pinto, nosso cinema tem que informar, cada vez mais, o Brasil
aos brasileiros. O resultado prático mais visível e duradouro desse desejo foi
a criação, em 1936, do INCE - Instituto Nacional de Cinema Educativo19. A

18. Para uma análise mais detalhada do significado desse filme para a Cinédia e para o desenvolvimento de um
visual modernista no cinema brasileiro de acordo com os preceitos ditados por Cinearte, ver João Luiz Vieira,
“Cinema brasileiro art déco”, in BUTRUCE, Débora. Hipólito Collomb, Lazlo Meitner, Ruy Costa: Cenógrafos
de Cinema. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2007, p.26-31.
19. Para uma visão mais completa do papel do cinema educativo no Brasil a partir da criação do INCE, ver o
livro de Sheila Schvarzman, Humberto Mauro e as imagens do Brasil (São Paulo: UNESP, 2004), bem como a
dissertação de mestrado de Fernanda Caraline de Almeida Carvalhal, Luz, câmera, educação: o INCE e a
formação da cultura áudio-imagética escolar. Rio de Janeiro: UNESA, 2008, p.311.

37
partir dessa iniciativa, intensos debates tensionaram posições antagônicas
em torno do que seria, para os propósitos pedagógicos do governo, um bom
cinema aquele de viés meramente educativo e um mau cinema, ou seja,
todo o cinema de ficção, comercial. Conciliar propósitos em princípio
antagônicos dentro dessa visão estreita que opõe educação e
entretenimento, ao mesmo tempo em que se preconiza informar o Brasil
aos brasileiros orienta, em boa parte, certos dilemas encontrados na
produção da Cinédia e, com certeza, menos de cinco anos depois, também
na gestação do projeto da Atlântida.

Constituída por assembleia geral em 13 de outubro de 1941, a Atlântida


Empresa Cinematográfica do Brasil S.A. foi articulada pelos idealizadores
Moacyr Fenelon, Alinor Azevedo,
José Carlos e Paulo Burle, Nelson
Schultz e Arnaldo de Faria. Em
palavras que ecoam ostensivamente
ideais construtivos, em sintonia com a
ideologia governamental preconizada na década anterior, a Atlântida dizia a
que vinha, destacando um papel social mais elevado e educador para a arte,
consciente do poder de influência e penetração do cinema. Segundo as
palavras de José Carlos Burle, no que parece ter sido um discurso (proferido
nessa assembleia, onde os estatutos da empresa foram apresentados e
aprovados?), ele afirmava que

...na hora presente, mais do que qualquer outra instituição, as nações reúnem e
exaltam os seus elementos nacionalizantes mais expressivos. Não precisaríamos
aqui, numa simples explanação de nossos propósitos, realçar todos os fatores
que fazem do cinema um desses fortes elementos. Lembramos, porém, que a
arte completa o nível de cultura superior e constitui com a ciência, a política e a
religião, todo o patrimônio moral e intelectual de uma época, de um povo. O
cinema, arte resultante de todas as artes e com maior poder dentre todas, para
objetivar e divulgar, adquiriu métodos próprios de expressão, fez-se arte
independente e, por esse grande poder de penetrar e persuadir as mais diversas
multidões, tornou-se indústria de vulto universal, órgão essencial de educação
coletiva.

38
A finalidade da Atlântida é a produção de filmes cinematográficos
documentários, noticiosos, artístico-culturais, de longa e pequena metragem,
desenhos animados, dublagem de produções estrangeiras e atividades afins -,
implantando uma indústria e uma arte de cinema no Brasil.

A isso nos propomos levados pelo que vimos nos referindo e pelo grande ideal
de levantarmos as paredes dessa grandiosa construção que será o cinema
brasileiro, cujos alicerces já estão lançados - o nosso meio social.

A criação da Atlântida - Empresa Cinematográfica S/A, de caráter


absolutamente brasileiro, é, sem dúvida, o melhor emprego de capital na
atualidade e realização das mais necessárias, quando o Brasil, procurando bastar-
se a si próprio, vive a fase definitiva de sua emancipação econômica.20

Também tradicionalmente costuma-se, numa visão sempre apressada e


simplista, agrupar e “classificar” a produção da Atlântida em duas fases
distintas e, aparentemente, inconciliáveis, ou seja, a primeira, desde a
fundação da empresa em 1941 estendendo-se até 1947; e uma segunda
fase, a partir de 1947, ano que marca uma radical mudança de poder na
empresa, que passa então a ter seu controle acionário nas mãos do maior
exibidor cinematográfico do país, o poderoso Luiz Severiano Ribeiro. De
acordo com as palavras de Burle acima, as “nobres” intenções formuladas
por esse grupo inicial foram materializadas em projetos cinematográficos
de viés crítico-social como Moleque Tião (1943), dirigido pelo próprio e
roteirizado por Alinor Azevedo, este o articulador talvez mais
comprometido com um cinema de “consciência social”; ou ainda filmes com
pretensões artísticas ambiciosas, como É Proibido Sonhar (também de 1943),
dirigido por Fenelon e a comédia Romance de um Mordedor (1945),
adaptação literária de Galeão Coutinho, dirigida por Burle.21 Mas esse grupo

20. Conforme transcrito das páginas 122-3 da recente biografia de Luiz Severiano Ribeiro, O rei do cinema, de
Toninho Vaz (Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2008), que traz, em seu caderno iconográfico, uma imagem
original do documento intitulado Estatutos da Atlântida. O pesquisador e professor Máximo Barro esclarece
no livro José Carlos Burle: Drama na chanchada (São Paulo: Imprensa Oficial, 2007) a existência de dois
manifestos - o primeiro, Manifesto de incorporação, publicado no Diário Oficial em 20 de setembro de 1941 e
outro texto ampliado e publicado posteriormente nos Estatutos da Atlântida (Rio de Janeiro: Tipografia
Mercantil, 1942).
21. Para uma leitura definitiva do papel seminal de Alinor Azevedo não só durante os anos da Atlântida, ver a
excelente (e inédita) dissertação de mestrado de Luís Alberto Rocha Melo, intitulada Argumento e roteiro: o
escritor de cinema Alinor Azevedo (Niterói: IACS/PPGCOM, 2006), p.349.

39
diretor da Atlântida também havia experimentado o sucesso popular da
união entre cinema e música popular tão bem conseguido pelas produções
da Cinédia na década anterior e de realizadores como Wallace Downey,
além do próprio Fenelon, sempre ligado a questões de sonorização e, por
isso mesmo, atento ao papel sedutor que a música desempenhava junto ao
público. Portanto, além dessas produções mais artísticas e dos cinejornais
presentes desde o início da produção (e pelos quais, além das chanchadas, a
marca Atlântida permaneceria para sempre no imaginário dos
espectadores), a realização de comédias musicais também foi
experimentada nesses primeiros anos, em títulos às vezes premonitórios e
visionários como Tristezas Não Pagam Dívidas (1944), sob a direção de Burle,
ou Não Adianta Chorar (1945) de um estreante Watson Macedo, com
Oscarito, Grande Otelo e um elenco onde se destacavam números
musicais defendidos pelas irmãs Batista, Emilinha Borba, Marion, Sílvio
Caldas, Alvarenga e Ranchinho, entre vários outros nomes de grande
popularidade no rádio.

Nesses primeiros anos, a ideia de um cinema de estúdio significava, na


Atlântida, espaços mais ou menos improvisados localizados num barracão
situado à rua Visconde do Rio Branco, centro do Rio. A direção da empresa,
entretanto, localizava-se na sede do Jornal do Brasil cujo endereço
(avenida Rio Branco, 51), dono e acionista, o conde Pereira Carneiro,
imprimiam credibilidade ao projeto. Técnicos da competência de um Edgar
Brasil, Cajado Filho e Waldemar Noya são contratados e a produção vai se
equilibrando entre os cinejornais, os filmes tidos como “artísticos” e as
comédias musicais. Com a entrada de Severiano Ribeiro nesse quadro, em
outubro de 1947, assumindo o controle da empresa como seu principal
acionista, esse equilíbrio entre o risco de uma produção mais ambiciosa e a
certeza de retorno financeiro prometido pelas chanchadas, vai, de certa
forma continuar, mas com a balança pendendo bem mais para a segurança
garantida pelas comédias musicais. Afinal, não há com o que se surpreender,
uma vez que Severiano Ribeiro era um capitalista investidor e o lucro

40
máximo, seu horizonte natural. Ainda assim, entre retumbantes êxitos de
bilheteria como Carnaval no Fogo (1949), e Aviso aos Navegantes (1951),
ambos de Watson Macedo, havia espaço para produções como as
adaptações literárias Terra Violenta (1948) de Eddie Bernoudy (do livro de
Jorge Amado, Terras do Sem Fim), Escrava Isaura (1949) de Eurides Ramos (do
original de Bernardo Guimarães) ou o pioneiro melodrama racial Também
Somos Irmãos (1949) de José Carlos Burle. Na década de 1950, entre
chanchadas e comédias, incluindo adaptações de peças como O Golpe
(1955), Papai Fanfarrão (1956) e Cupim (1959), todas dirigidas por Carlos
Manga, há que se destacar, sempre, produções de fôlego como A sombra da
outra (1950), de Macedo, Areias Ardentes (1951), de J.B. Tanko, o noir Amei
um Bicheiro (1952) de Jorge Ileli e Paulo Wanderley, além de uma co-
produção com a Alemanha, Paixão nas Selvas (1955) dirigido por Franz
Eichhorn.

A estratégica entrada de Severiano Ribeiro como sócio majoritário da


Atlântida não acontece por acaso e responde, diretamente, a seus
interesses como, primordialmente, exibidor (e não produtor) de poder que
era. Seus objetivos maiores, associados aos possíveis lucros a serem gerados
pela produção de filmes, vinham ao encontro de uma situação que lhe era
favorável, permitida pela obrigatoriedade de reserva de mercado para
filmes brasileiros, o célebre decreto nº 20.493 de 24 de janeiro de 1946. Tal
dispositivo determinava que os cinemas teriam que exibir, anualmente, pelo
menos três filmes nacionais. Após o autoritarismo do Estado Novo (1937-
45), o presidente Eurico Gaspar Dutra manteve o
interesse estratégico pelo cinema inaugurado
por Getúlio Vargas. Ribeiro, ao cumprir com total
empenho esse decreto, passava a produzir para
os próprios cinemas, garantindo assim todos os
lucros de uma cadeia onde ele também era o
distribuidor. Com a montagem de seu
laboratório de revelação, a Cinegráfica São Luiz,

41
uma cadeia econômica de produção se fechava de forma inédita no cinema
brasileiro. Com muitos cinemas espalhados pelo país, o grupo garantiu uma
visibilidade também até então inédita para o filme nacional. Objetivando o
lucro máximo, os investimentos na produção eram mínimos - agora
localizados na Tjiuca, na rua Haddock Lobo, os “estúdios” eram bem
diferentes do que um jovem Carlos Manga, fascinado pelo cinema,
imaginava a partir do glamour que ele idealizava e lia sobre a atividade
cinematográfica. Dá o que pensar afirmações contrastantes onde, de um
lado, o patrão Severiano Ribeiro afirmava que Oscarito era a sua “mina de
ouro” e do outro, a do próprio comediante que, em diversas entrevistas,
repetia que “nunca enriqueceu com o cinema”.

Equipes reduzidas ao mínimo necessário, atores e atrizes que já deveriam


chegar para as filmagens alimentados e vestidos com as próprias roupas,
equipamentos técnicos reciclados, tudo contribuía para um esquema de
produção de baixo orçamento, rápido e dinâmico. Tal estratégia de
produção também tinha eco nas experiências anteriores de Moacyr
Fenelon, que abandonou a Atlântida após a entrada de Severiano Ribeiro. Já
na Sonofilms, nos anos 1930, Fenelon era um nome reconhecido no meio
exatamente pela habilidade em saber fazer filmes destinados ao grande
público a partir de estratégias de baixo custo, incluindo aqui esse perfil
posteriormente mantido pela Atlântida, que combinava comédias musicais
com adaptações de textos teatrais leves.

A garantia de exibição - ainda que limitada a três ou quatro títulos por ano,
média da produção da Atlântida entre 1947 e 1962 - resolveu, durante pelo
menos duas décadas, um eterno “calcanhar de Aquiles” da atividade
cinematográfica brasileira que se estende até os dias de hoje. A experiência
da Atlântida, em termos de pensamento industrial, materializou um
conhecimento prático das condições reais e possíveis de um mercado
periférico, especialmente se comparadas a outras tentativas de
implantação e defesa de um cinema mais sofisticado e ambicioso. A
consciência e demonstração desse conhecimento e dessa prática estão

42
presentes tematicamente e de forma reflexiva num filme emblemático de
José Carlos Burle, realizado em 1952, chamado Carnaval Atlântida. Mas isso
já é outra história, contada inúmeras vezes em outros lugares.22

43
Bibliografia
AUTRAN, Arthur. “A questão do studio system no pensamento industrial.” Cadernos
da Pós-Graduação - Edição Especial Cinema - Fotografia, Campinas: vol. III, n.3, 2006.

CARVALHAL, Fernanda Caraline de Almeida. Luz, câmera, educação: o INCE e a


formação da cultura áudio-imagética escolar. Rio de Janeiro: UNESA, Dissertação de
mestrado, 2008.

MELO, Luís Alberto Rocha. Argumento e roteiro: o escritor de cinema Alinor


Azevedo. Niterói: IACS/PPGCOM, Dissertação de mestrado, 2006.

SCHVARZMAN, Sheila. Humberto Mauro e as imagens do Brasil. São Paulo: UNESP,


2004.

STAM, Robert; VIEIRA, João Luiz Vieira. “Parody and marginality.” In ALVARADO,
Manuel e John O. Thompson (orgs.). The Media Reader. Londres: BFI Publishing, 1990.

VAZ, Toninho. O Rei do Cinema. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2008.

VIEIRA, João Luiz. “A chanchada e o cinema carioca (1930-1955).” In RAMOS, Fernão


(org.). História do cinema brasileiro. São Paulo: Círculo do Livro, 1987.

______. “Cinema brasileiro art déco.” In BUTRUCE, Débora. Hipólito Collomb,


Lazlo Meitner, Ruy Costa: cenógrafos de Cinema. Rio de Janeiro: Caixa Cultural,
2007.

22. Ver, por exemplo, três leituras convergentes e complementares desse filme emblemático: João Luiz
Vieira, “A chanchada e o cinema carioca (1930-1955)”. In RAMOS, Fernão (org.). História do cinema brasileiro.
São Paulo: Círculo do Livro, 1987, p.153-4; Robert Stam e João Luiz Vieira, “Parody and Marginality”. In
ALVARADO, Manuel e John O. Thompson (orgs. ) The Media Reader. Londres: BFI Publishing, 1990, p.82-104;
Arthur Autran, “A questão do studio system no pensamento industrial cinematográfico brasileiro”. Cadernos
da Pós-Graduação - Edição Especial Cinema - Fotografia, Campinas, vol. III, n.3, 2006, p.15-29.

44
Ilusões, dúvidas e desenganos: a Vera Cruz e o Cinema
Independente frente à questão da indústria

Arthur Autran

A primeira metade dos anos 1950 foi um momento crucial no que tange ao
desenvolvimento das tentativas industrializantes do cinema brasileiro, das
práticas de produção e do pensamento industrial cinematográfico entre
nós. Neste texto buscarei esquematizar algumas das principais posturas
industriais da produção da Vera Cruz, mapear a ideologia por trás de tais
posturas e indicar para o rico pensamento que surge como crítica e resposta
à Vera Cruz da parte do Cinema Independente.

A fundação da Cia. Cinematográfica Vera Cruz a 4 de novembro de 1949,


tendo à sua frente Franco Zampari e Francisco Matarazzo Sobrinho,
prósperos empresários ligados à indústria paulista, foi algo que alterou
radicalmente o quadro do cinema brasileiro. Apesar de a produção ter
aumentado quantitativamente desde o final da Segunda Guerra Mundial,
atingindo em 1949 a marca de 21 longas-metragens23 - a maior desde o
advento do cinema sonoro -, ela estava longe de ter participação de vulto
no mercado interno e sua reverberação artística era quase inexistente, bem
como havia total afastamento em relação às elites econômicas e
intelectuais do país. Tal era a situação de descrédito antes da criação da
Vera Cruz que o crítico B.J. Duarte chegou a afirmar taxativamente que “o
cinema nacional é coisa que não existe”24, e mesmo um crítico como Alex
Viany, que reconhecia qualidades em películas nacionais exibidas ao longo
de 1949 tais como Caminhos do Sul (Fernando de Barros) e Também Somos
Irmãos (José Carlos Burle), entendia que “a maioria [dos filmes brasileiros de
1949] foi de abacaxis absolutamente intragáveis”.25
23. Para um quadro numérico da produção brasileira de longas-metragens desde 1930 ver JOHNSON, Randal.
The Film Industry in Brazil Culture and the State. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1987, p.201.
24. DUARTE, B.J. “Da inexistência do cinema nacional.” O Estado de S. Paulo, São Paulo, 24 mai 1949.
25. VIANY, Alex. “O ano cinematográfico de 1949.” A Cena Muda, Rio de Janeiro, n.7, 14 fev 1950.

45
No entanto, a Vera Cruz muda esta situação de descrédito. Com grande
vulto de capital foram construídos estúdios sofisticados em São Bernardo
do Campo e adquiridos equipamentos de ponta. Ademais, contrataram-se
técnicos estrangeiros do mais alto gabarito tais como o montador Oswald
Hafenrichter, os diretores de fotografia Henry “Chick” Fowle e Ray Sturgess
e o engenheiro de som Erik Rassmussen, dentre vários outros nomes; além
de vários artistas brasileiros de valor - Tônia Carrero, Anselmo Duarte,
Alberto Ruschel, Ziembinski etc. - sob a supervisão geral do então tido e
havido como o grande realizador brasileiro, Alberto Cavalcanti, o qual há
pouco chegara da Europa após anos de experiências bem-sucedidas nas
cinematografias francesa e inglesa. Ademais, Cavalcanti era secundado por
diretores como Adolfo Celi, Luciano Salce, Abílio Pereira de Almeida, Lima
Barreto e Tom Payne. A preocupação com a infraestrutura técnica, com a
manutenção de contratos para técnicos e artistas de maneira a assegurar a
exclusividade do trabalho de uns e outros e em seguir o star system
demonstram claramente que a empresa pretendia adotar o studio system
como modelo de produção. E da mesma forma que os estúdios
hollywoodianos, pretendia-se produzir filmes que tivessem circulação
mundial, conforme se percebe no lema da empresa: “Do planalto
abençoado para as telas do mundo”.

Tudo isto levava algumas pessoas a ver de forma entusiástica e totalmente


acrítica a Vera Cruz, como é o caso do crítico Van Jafa neste texto:

A Vera Cruz não é um “barracão” para fabricar cinema, é uma companhia


organizada, que progride dia-a-dia no seu construir, no seu crescer, que caminha
para sua mais ampla realidade. (...). Na Vera Cruz não há “arranjos”, conchavos,
improvisação no concernente a fazer do cinema uma mina fácil de dinheiro e
lucros extraordinários. Existe, meus amigos, podem crer, uma indústria montada
com todos os requisitos exigidos para um crescer constante e um porvir sem
precedentes.26

26. JAFA, Van. “O que vai pelo cinema nacional.” Carioca, Rio de Janeiro, vol. XVI, n.867, 17 maio 1952.

46
Embora a Vera Cruz se apresentasse como uma ruptura em relação ao
cinema brasileiro, ela punha em marcha o modelo de industrialização
defendido desde os anos 1920 pelos principais ideólogos do pensamento
industrial cinematográfico, pensamento este que tinha no modelo
hollywoodiano de produção caracterizado pelo studio system um
verdadeiro dogma. Apesar de nos anos 1930 experiências como as da
Cinédia, da Brasil Vita Filme e da Cia. Americana -
empresas com vulto de capital bem menor, mas
que construíram estúdios e que tentaram
transplantar o studio system - terem fracassado
inapelavelmente, tal dogma continuou inabalável
até a falência Vera Cruz em 1954, tornando-a
certamente o exemplo prático mais acabado
dessa ideologia.

Entretanto, é de se notar que a Vera Cruz emulou


Hollywood tal como ela era compreendida no
Brasil e não de fato como a indústria se estruturou nos Estados Unidos.
Não se atentou para o dado central da economia cinematográfica
norte-americana no período do studio system: a verticalização, ou seja,
uma mesma empresa controlava produção, distribuição e exibição dos
filmes nos Estados Unidos e os exportava através de suas agências
espalhadas pelo mundo. Já a Vera Cruz, desde os seus primórdios,
entregou a distribuição de seus filmes inicialmente à Universal e depois à
Columbia. Ainda em relação ao modelo de
produção, não se tinha na devida conta as
dificuldades no estabelecimento de um padrão
que levasse em consideração a relação entre
custos, qualidade do produto e potencialidades
concretas do mercado. Finalmente, não havia
consciência das dificuldades de implantação e
transplantação para o Brasil do processo

47
industrial de produção cinematográfica, das barreiras à circulação de filmes
pelo mundo e da necessidade de domínio do mercado interno.

O primeiro longa-metragem produzido pela Vera Cruz foi Caiçara, dirigido


por Adolfo Celi e lançado em 1950. Trata-se de um drama romântico
centrado nos problemas da jovem e bela Marina - interpretada por Eliane
Lage -, que não ama o marido brutal - papel de Abílio Pereira de Almeida - e
se apaixona pelo marinheiro Alberto - papel de Mário Sérgio. A fita teve
grande repercussão, logrando atingir um público amplo. Almeida Salles,
então o mais importante crítico paulista em atividade, não hesita em
afirmar, quando da estreia de Caiçara, que era “realmente o início do grande
cinema brasileiro”. 27

A empolgação com a atividade cinematográfica foi tal a partir da criação da


Vera Cruz que outras empresas foram fundadas no seu rastro. É o caso
particularmente da Companhia Cinematográfica Maristela, criada por
Mário Audrá Jr. em 1950, e da Multifilmes, criada por Anthony Assunção
em 1952. Ambas tiveram a figura do
gordo produtor Mario Civelli como
i n c e n t i v a d o r e p o s s uía m u m a
proporção de investimento financeiro
bem menor quando comparadas à Vera
Cruz, mas também construíram
estúdios, compraram equipamentos e contrataram técnicos e artistas.

Em 1951, a Vera Cruz lançou suas produções seguintes: Terra É Sempre Terra
(dir. Tom Payne) e Ângela (dir. Abílio Pereira de Almeida e Tom Payne). Mas já
neste ano se afigura a primeira grande crise da Vera Cruz com a demissão de
Alberto Cavalcanti, após forte onda de boatos em torno das brigas entre
ele e Franco Zampari. Para piorar a situação, as filmagens da super-produção
Tico-tico no Fubá, cinebiografia do célebre compositor Zequinha de Abreu

27. SALLES, Francisco Luiz de Almeida. Caiçara. In _____. Cinema e verdade - Marilyn, Buñuel etc. por um
escritor de cinema. Organização de Flora Christina Bender e Ilka Brunhilde Laurito. São Paulo: Companhia das
Letras, 1988, p.240.

48
dirigida por Adolfo Celi e com Anselmo Duarte no papel principal,
arrastaram-se por bastante tempo, consumindo muito dinheiro. No
entanto, a estreia do filme em 1952 obteve grande sucesso de público,
servindo para encobrir a instabilidade financeira da Vera Cruz. Ao mesmo
tempo a empresa começou a investir em filmes mais baratos e que
pudessem obter grande rentabilidade, para tanto Abílio Pereira de Almeida
traz da televisão e do rádio o cômico Mazzaroppi, o qual estrelou três
filmes na produtora: Sai da Frente (Abílio Pereira de Almeida, 1952), Nadando
em Dinheiro (Abílio Pereira de Almeida e Carlos Thiré, 1952) e Candinho
(Abílio Pereira de Almeida, 1954).

O ano de 1953 marcou o lançamento dos filmes mais consistentes da Vera


Cruz em termos artísticos: O Cangaceiro - dirigido por Lima Barreto -, Uma
Pulga na Balança - dirigido por Luciano Salce - e Sinhá Moça - co-dirigido por
Tom Payne e Osvaldo Sampaio. O Cangaceiro e Sinhá Moça obtiveram
públicos enormes e reconhecimento internacional em festivais de cinema,
além de ótima acolhida da crítica. Do ponto de vista artístico, o filme de
Salce permanece até hoje como uma das pouquíssimas comédias
sofisticadas bem-sucedidas do cinema brasileiro; enquanto o de Lima
Barreto, a partir da influência do western, recriou para as telas com tal
força o universo do cangaço que serviu de referência para uma longa série
de fitas. Também merece destaque o pouco conhecido A Família Lero-lero,
de Alberto Pieralise e com roteiro do próprio Pieralise e de Alinor Azevedo,
tendo como ator principal Walter D'Ávila. O filme é uma comédia popular
deliciosa e se aproxima bastante das chanchadas da Atlântida devido à
influência de Alinor Azevedo, porém foi realizado com mais recursos de
produção que as fitas cariocas.

No que pese tudo isso, a situação econômica da empresa agravara-se por


demais, levando Franco Zampari a declarar ser imprescindível o auxílio do
governo.28 O preço dos ingressos congelado pelo governo em um valor

28. CATANI, Afrânio Mendes. “A aventura industrial e o cinema paulista (1930-1955).” In RAMOS, Fernão (org.).
História do cinema brasileiro. São Paulo: Círculo do Livro, 1987, p.223.

49
muito baixo, a recusa em entrar no campo da distribuição e da exibição, o
retorno lento das rendas dos filmes característico do negócio
cinematográfico, a grande quantidade de capital empatado, as enormes
dívidas bancárias, o alto custo da maioria dos filmes, entre outros, foram os
fatores que levaram a Vera Cruz à bancarrota econômica. Isto sem deixar
de lembrar a inexistência de uma política cinematográfica consequente da
parte do Estado brasileiro.

No ano do quarto centenário da cidade de São Paulo, 1954, a Vera Cruz


soçobrou sem o auxílio necessário do poder público, lançando seus últimos
filmes, dos quais se destacam o policial Na Senda do Crime - dirigido por
Flamínio Bollini Cerri - e o melodrama Floradas na Serra - dirigido por Luciano
Salce. Em outubro daquele ano, Zampari e o restante da diretoria da Vera
Cruz renunciaram, entregando em definitivo a administração da produtora
para o seu maior credor, o Banco do Estado de São Paulo, que então já
participava ativamente das principais decisões da empresa.

A crise da Vera Cruz teve repercussão na sociedade brasileira e se, por um


lado, deixou muitos atônitos com o esboroar do que poderia ser a
realização do sonho hollywoodiano, por outro provocou a necessidade de
se entender mais profundamente os impasses que levavam o cinema
brasileiro a não conseguir se industrializar.

A experiência da Vera Cruz foi tal para o cinema brasileiro que em 1960
Paulo Emílio Salles Gomes afirmou:

Tudo o que tem sido feito de útil e importante na cinematografia brasileira


durante os últimos dez anos - e que constitui apenas preparo para as grandes
expectativas da década de 1960 - decorre harmoniosamente da fundação da
Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Espíritos teimosos persistem em falar
em erro, pois ainda não compreenderam que o único erro fatal é não existir.
Tivessem todos os erros as consequências estimulantes da audácia de Franco
Zampari!29

*
29. GOMES, Paulo Emílio Salles. “O gosto da realidade.” In _____. Crítica de cinema no Suplemento Literário.
vol. II. Rio de Janeiro: Paz e Terra/Embrafilme, 1981, p.306.

50
O que ficou consagrado historiograficamente como o Cinema
Independente brasileiro dos anos 1950 é composto por um conjunto
razoavelmente heterogêneo de filmes tais como Alameda da Saudade, 113
(Carlos Ortiz, 1951), Tudo Azul (Moacyr Fenelon, 1952), Agulha no Palheiro
(Alex Viany, 1952), O Saci (Rodolfo Nanni, 1953), Rio, 40 Graus (Nelson
Pereira dos Santos, 1955), Rio, Zona Norte (Nelson Pereira dos Santos, 1957),
O Grande Momento (Roberto Santos, 1958), Cara de Fogo (Galileu Garcia,
1958) e Rebelião em Vila Rica (Geraldo Santos Pereira e Renato Santos
Pereira, 1958).

O núcleo mais representativo em termos historiográficos - composto pelas


películas de Alex Viany, Nelson Pereira dos Santos e Roberto Santos - tem
certa unidade temática, posto que todas narram o cotidiano do povo
brasileiro com destaque para a favela e o subúrbio cariocas e a região
proletária de São Paulo, dando atenção para os problemas dos setores
populares, mas com um tom de dignidade e solidariedade. Alguns destes
filmes também possuem grande diálogo com o neo-realismo italiano,
especialmente os de Nelson Pereira dos Santos, relação rarefeita na obra
de Roberto Santos e no caso de Viany mais desejada pelo diretor do que
efetivamente consumada.

No que tange às formas de produção deste núcleo central há alguma


variação, pois Agulha no Palheiro foi produzido pela Flama - uma empresa de
porte pequeno - e rodado quase integralmente no seu estúdio; já Rio, 40
Graus foi feito com base no sistema de cotas que incluía os próprios
integrantes da equipe e filmado basicamente em locações; enquanto Rio,
Zona Norte e O Grande Momento envolveram financiamentos bancários,
esquema de cooperativa com o pagamento de parte da equipe através do
sistema de cotas e no caso do filme paulista houve também a participação
da Maristela, que entrou com estúdio e equipamentos.30
30. VIANY, Alex. Agulha no palheiro. Organizado por Pedro Jorge de Castro. Fortaleza/Brasília: Fundação
Cearense de Pesquisa e Cultura/Capes, 1983, p.14, 19 e 25-8. SALEM, Helena. Nelson Pereira dos Santos - O
sonho possível do cinema brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1996, p.100-1 e 142. SIMÕES, Inimá. Roberto
Santos - A hora e vez de um cineasta. São Paulo: Estação Liberdade, 1997, p.36-7. AUDRÁ JR., Mário.
Cinematográfica Maristela: memórias de um produtor. São Paulo: Silver Hawk, 1997, p.134.

51
Todas estas experiências não integraram nenhuma estrutura industrial, de
maneira que elas servem pouco para discutir de forma aprofundada a
questão da indústria. No caso do Cinema Independente é mais profícuo
centrar a análise nas ideias sobre como industrializar o cinema brasileiro,
defendidas pelos cineastas que se opunham às grandes empresas.

O grupo que constituiu o Cinema Independente foi formado basicamente


por diretores e críticos que atuavam em São Paulo e no Rio de Janeiro,
ligados via de regra ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), então maior
organização da esquerda brasileira e atuando na ilegalidade desde 1947. Dos
componentes do grupo podemos destacar: Nelson Pereira dos Santos, Alex
Viany, Moacyr Fenelon, Roberto Santos, Rodolfo Nanni, Carlos Ortiz, Ruy
Santos, Salvyano Cavalcanti de Paiva, Galileu Garcia, José Renato Santos
Pereira, Geraldo Santos Pereira, Walter George Dürst, Ortiz Monteiro,
Salomão Scliar e Noé Gertel, entre outros.

Evidentemente nem todas estas pessoas militaram ativamente no PCB,


havia desde casos de muita proximidade para com o partido como Nelson
Pereira dos Santos e Alex Viany, até aqueles que apenas tinham simpatias
esquerdistas. O importante é reter a ascendência ideológica do PCB sobre o
grupo, mesmo que ela fosse bastante fluida. Muito resumidamente pode-
se afirmar que o dado central na atuação ideológica do PCB era a assunção
de que o Brasil se encontraria aguilhoado pela ação imperialista norte-
americana, que explorava o país economicamente e o descaracterizava
culturalmente; para libertar o país desta situação, caberia às forças
nacionalistas de esquerda sob a égide do PCB denunciar a dominação, lutar
pelo desenvolvimento da indústria nacional, defender a nossa cultura e
alinhar-se com outras nações exploradas e com os países socialistas
capitaneados pela União Soviética.

52
Mas para além dessa relativa influência do PCB, que outras características
eram comuns aos independentes? Maria Rita Galvão observa:

O que se chama na época de “cinema independente” é bastante complicado de


entender e explicar. Fundamentalmente é o cinema feito pelos pequenos
produtores, em oposição ao cinema das grandes empresas. Mas nem todo
pequeno produtor é necessariamente “independente”. Para ser qualificado de
independente um filme deve ter um conjunto de características que
frequentemente nada tem a ver com seu esquema de produção tais como a
temática brasileira, visão crítica da sociedade, aproximação crítica da realidade
cotidiana do homem brasileiro. Misturam-se aos problemas de produção
questões de arte e cultura, de técnica e linguagem, de criação autoral, e a
“brasilidade”. 31

A oposição às grandes empresas, e aqui se leia


especialmente à Vera Cruz, é um dado importante.
Já no lançamento de Caiçara, Nelson Pereira dos
Santos escreveu uma crítica na qual deplora o fato
de a Vera Cruz entregar a distribuição de seus filmes
à Universal International, tornando a produtora
“simplesmente um ramo brasileiro desse truste”. O autor não percebe que
na realidade tal contrato enfraquecia a Vera Cruz do ponto de vista
econômico, para ele todo o problema residia no fato de que a Universal
impediria a produtora de realizar filmes com “caracterísiticas nacionais”. 32

Uma expressão inicial mais consistente das ideias dos independentes sobre
as possibilidades de industrialização do cinema brasileiro surgiu a partir da
experiência de trabalho de alguns deles na Maristela. Logo em abril de 1951,
quando esta empresa já enfrentava uma crise, os então funcionários Alex
Viany, Carlos Ortiz, Ortiz Monteiro e Marcos Marguliès prepararam um
relatório no qual buscaram indicar saídas para os problemas da produtora.33
31. GALVÃO, Maria Rita. “O desenvolvimento das ideias sobre cinema independente.” Cadernos da
Cinemateca, São Paulo, n.4, 1980.
32. SANTOS, Nelson Pereira dos. “Caiçara - Negação do cinema brasileiro.” Fundamentos, São Paulo, vol. III,
n.17, jan 1951.
33. VIANY, Alex, ORTIZ, Carlos, MONTEIRO, José Ortiz e MARGULIÈS, Marcos. “Relatório sobre a
Cinematográfica Maristela S.A.” In BERRIEL, Carlos Eduardo Ornelas (org.). Carlos Ortiz e o cinema brasileiro
na década de 50. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1981, p.64-6.

53
Segundo o documento:

Uma produção cinematográfica necessita, pois, atingir o público em


profundidade, ou seja, obter um amplo êxito comercial. Para tanto, deverá
manter-se entre um justo equilíbrio entre a arte e a indústria.

Fazendo preponderar um desses aspectos, o resultado será o fracasso da


produção. Recordemo-nos, mais uma vez, que o cinema norte-americano, hoje o
mais comercial e estandardizado do mundo, só se mantém pelo poder dos
trustes.

Outro dado fundamental que caracterizava os independentes: eles não


negavam o aspecto industrial do cinema, bem ao contrário. Ocorre que,
dentro da lógica do relatório, como o público, devido ao aumento da sua
“consciência cultural”, crescentemente rejeita os filmes sem conteúdo,
realizar esse tipo de filme significaria fracassar não apenas artisticamente,
mas também na bilheteria. No caso específico do filme brasileiro, o
conteúdo é definido como decorrente de “temas de caráter nacional”.

Em junho Viany, Carlos Ortiz e Ortiz Monteiro são demitidos da Maristela.


A experiência reforçou nestes cineastas - e provavelmente em outros, pois
a repercussão desses fatos era grande no meio cinematográfico - a
convicção de que somente fora das grandes empresas seria possível fazer o
cinema “verdadeiramente brasileiro”.

Visando marcar posição no cenário cinematográfico, os independentes


organizaram o I Congresso Paulista do Cinema Brasileiro - ocorrido em São
Paulo entre 15 e 17 de abril de 1952 -, o I Congresso Nacional do Cinema
Brasileiro ocorrido no Rio de Janeiro entre 22 e 28 de setembro de 1952 - e o
II Congresso Nacional do Cinema Brasileiro - ocorrido em São Paulo entre
12 e 20 de dezembro de 1953.34 Embora nestes conclaves, especialmente
no último, houvesse a presença de figuras desligadas do grupo, a grande

34. Para um amplo estudo sobre os congressos de cinema ver SOUZA, José Inácio de Melo. Congressos,
patriotas e ilusões e outros ensaios de cinema. São Paulo: Linear B, 2005, p.9-121. Para uma análise específica
da questão da industrialização do cinema brasileiro ver AUTRAN, Arthur. “A questão industrial nos
congressos de cinema.” In CATANI, Afrânio Mendes at al (orgs.). Estudos Socine de Cinema - Ano IV. São Paulo:
Panorama, 2003, p.225-32.

54
força em termos de orientação das resoluções finais provinha dos
independentes. Dentre as várias teses apresentadas nos congressos,
gostaria de destacar duas que têm especial significado para a nossa
discussão.

A primeira intitula-se “O problema do conteúdo no cinema brasileiro” e é da


autoria de Nelson Pereira dos Santos, tendo sido apresentada no I
Congresso Paulista do Cinema Brasileiro. A tese aprofunda a discussão em
torno da relação entre o público e o tema do filme, questão já presente no
relatório sobre a Maristela. Nelson Pereira dos Santos explica que os temas
nacionais - provenientes da literatura, do folclore ou de eventos históricos -
são “fator decisivo para o progresso material do cinema brasileiro” já que “o
nosso público aprecia em primeiro lugar as histórias dos filmes brasileiros”
pois deseja ver “o reflexo de sua vida, de seus costumes, de seus tipos”,
decorrendo daí que se a produção nacional optar pela temática brasileira o
público corresponderá nas bilheterias. Chama atenção na tese o modo
como a noção de “público” surge, pois ela equivale à noção de “povo”,
ambas as palavras utilizadas de forma praticamente indistinta, levando à
ideia de que se o público apóia o cinema nacional, logo o povo também.

A outra tese que merece destaque é da autoria de Alex Viany e foi


apresentada no II Congresso Nacional do Cinema Brasileiro. Ela se intitula
“Limitação de Importação e Taxação do Filme Estrangeiro Por Metro Linear”
e obteve muita repercussão. A tese foi relatada por Cavalheiro Lima,
funcionário do setor de publicidade da Vera Cruz, demonstrando que
algumas questões começavam a obter consenso em vários setores do
cinema brasileiro. Alex Viany entendia ser necessário, primeiramente, fazer
o levantamento anual do número total de filmes que poderiam ser
consumidos pelo mercado brasileiro, para então estabelecer por meio legal
- a Lei do Contingente - a quantidade máxima de filmes importados de
maneira a abrir espaço para o
produto nacional e possibilitando a
industrialização da produção.

55
Complementando a “Lei do Contingente”, a tese sugeria um grande
aumento da taxação do filme importado impressionado, que de Cr$1,50 o
metro linear deveria passar para Cr$10,00 ou Cr$8,00 - neste caso se o
filme fosse copiado no Brasil. Por último, previa-se que as rendas auferidas
com a cobrança da taxa seriam revertidas pelo governo na produção,
através da criação da Carteira Bancária de Crédito Cinematográfico.

A tese de Alex Viany, assim como grande parte das resoluções do


congresso no qual ela foi apresentada e aprovada, tem por principal
interlocutor o Estado. Com a crise e a falência da Vera Cruz, ficou clara a
necessidade de interferência estatal que possibilitasse ao cinema brasileiro
condições de concorrência no mercado, pois não bastava grande infra-
estrutura, pessoal técnico de alta competência e recursos financeiros
abundantes. Ao contrário das reivindicações feitas pela corporação
cinematográfica entre as décadas de 1920 a 1940, não se tratava mais de
pedir o mínimo necessário para a garantia da produção, mas sim exigir apoio
financeiro e legislação protecionista que viabilizassem o predomínio do
cinema brasileiro no mercado interno. Ou seja, pela primeira vez a
corporação cinematográfica reconhecia o mercado interno como
“naturalmente” seu, decorrendo daí toda uma mentalidade fortemente
protecionista cujo desenlace dar-se-ia apenas nos anos 1970 com a
Embrafilme.

Bibliografia
AUDRÁ JR., Mário. Cinematográfica Maristela: memórias de um produtor. São Paulo:
Silver Hawk, 1997.

AUTRAN, Arthur. Alex Viany: crítico e historiador. São Paulo/Rio de Janeiro:


Perspectiva/Petrobras, 2003.

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Afrânio Mendes at al (orgs.). Estudos Socine de Cinema - Ano IV. São Paulo:
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56
BERRIEL, Carlos Eduardo Ornelas (org). Carlos Ortiz e o cinema brasileiro na década
de 50. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1981.

CATANI, Afrânio Mendes. “A aventura industrial e o cinema paulista (1930-1955).” In


RAMOS, Fernão (org.). História do cinema brasileiro. São Paulo: Círculo do Livro,
1987, p.189-297.

CATANI, Afrânio Mendes. A sombra da outra - A Cinematográfica Maristela e o


cinema industrial paulista nos anos 50. São Paulo: Panorama, 2002.

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Edusp/Fapesp, 1994.

GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema - O caso Vera Cruz. Rio de Janeiro:
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GALVÃO, Maria Rita e BERNARDET, Jean-Claude. O nacional e o popular na cultura


brasileira Cinema Repercussões em caixa de eco ideológica. São Paulo: Brasiliense /
Embrafilme, 1983.

GALVÃO, Maria Rita. “O desenvolvimento das ideias sobre cinema independente.”


Cadernos da Cinemateca, São Paulo: n.4, 1980.

PÓVOAS, Glênio Nicola. Vento Norte História e análise do filme de Salomão Scliar.
Porto Alegre: Unidade Editorial, 2002.

SOUZA, José Inácio de Melo. Congressos, patriotas e ilusões e outros ensaios de


cinema. São Paulo: Linear B, 2005, p.9-121.

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Livro, 1959, p.125-73.

VIANY, Alex. Agulha no palheiro. Organizado por Pedro Jorge de Castro.


Fortaleza/Brasília: Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura/Capes, 1983.

57
A Boca e o Beco
Luís Alberto Rocha Melo

Um cinema independente?

Os estudos sobre a produção de cinema no Brasil costumam privilegiar as


relações entre a atividade cinematográfica e o Estado. Seja pela
longevidade da participação estatal como principal canal financiador
situação que perdura até hoje , seja pela importância histórica dos filmes
que resultaram desse modelo de produção, o fato é que o Estado tem sido,
até o presente momento, o foco para o qual se direcionou a maior parte das
atenções.

Menos frequentes são as pesquisas em torno das práticas de produção e de


distribuição desvinculadas da ação estatal direta, ou pelo menos
estabelecidas segundo uma dinâmica própria, mais próxima da auto-
sustentação. Ainda que se possa argumentar que, pelo menos desde os
anos 1930, o cinema no Brasil sempre estivesse institucionalmente atrelado
ao Estado - bastando para tanto lembrar da lei de obrigatoriedade de
exibição do filme nacional - é possível identificar a existência de modos de
produção e de circulação do produto fílmico marcados pela autonomia
relativa frente ao financiamento estatal direto. O curioso é que, mesmo
considerando a proeminência do Estado na história do cinema brasileiro, tal
autonomia relativa tampouco deve ser vista como exceção, pois ela está
relacionada ao modelo comercial e industrial “clássico”, predominante no
cinema mundial desde o início do século passado e que, somente agora,
começa a dar mostras mais evidentes de uma superação já anunciada na
década de 1980.

O cinema - segundo essa estrutura comercial tradicional - poderia, assim,


“independer” do Estado, pelo menos em teoria. Mas no caso brasileiro, em
que os avanços maiores relativos à distribuição e ao incremento de

58
tecnologias de difusão do audiovisual se deram justamente no período
histórico de maior intervenção estatal, isto é, os anos do regime militar
inaugurado pelo golpe de 1964, a autonomia relativa da produção e da
circulação de filmes circunscreveu-se apenas a alguns núcleos que não se
beneficiavam do acesso direto ao guichê das verbas públicas.

É importante ressaltar que a maior parte da produção proveniente desses


núcleos apartados do financiamento estatal, em que pese a marginalidade
mais violentamente imposta a determinadas obras e cineastas (gerando
classificações discutíveis e problemáticas como “Cinema Marginal” etc.),
não se pautava pelo confronto político ou por uma atitude de agressão ao
público. Ao contrário, para que a autonomia relativa de fato se desse, era
essencial garantir o retorno do investimento privado em bons resultados de
bilheteria nos cinemas, única janela de escoamento da produção.

A confluência entre esses modos de produção relativamente


independentes e a proposta abertamente “comercial”, de apelo popular,
contida nos filmes dali resultantes, é portanto típica dessa estratégia. Nos
anos 1960-80, o chamado cinema da Boca do Lixo de São Paulo e seu
equivalente carioca, isto é, o cinema do Beco da Fome, foram certamente
os mais destacados núcleos de produção estruturados a partir desse
conjunto de fatores, que incluíam o aproveitamento das brechas de
mercado abertas pelas leis estatais, o financiamento privado e a aposta no
retorno quase sempre garantido de bilheteria. E, como não poderia deixar
de ser, tanto a Boca quanto o Beco conheceram o seu auge nos anos 1970 e
sofreram as consequências do declínio do mercado cinematográfico e do
desgaste do gênero erótico na virada dos anos 1980-90.

A Boca de Cinema de São Paulo

Embora seja reconhecida como polo produtor de filmes, a Boca de Cinema


de São Paulo estruturou-se não a partir da produção, e sim da distribuição.
Já no início do século XX, as distribuidoras estrangeiras instalaram escritórios

59
nas proximidades da Estação da Luz, justamente pela facilidade do
transporte de filmes pela linha férrea para os cinco subterritórios em que se
dividia o Estado de São Paulo (Botucatu, Rio Preto, Ribeirão Preto e Taubaté). 35

O pioneirismo da produção cabe a Oswaldo Massaini,


cuja Cinedistri tinha endereço na rua do Triunfo, n°
134. A Cinedistri surge como uma distribuidora de
filmes brasileiros, e começou a funcionar em 1949.
Em 1954, Massaini co-produz seu primeiro longa,
juntamente com a Unida Filmes e a Brasil Vita-
Filmes. Trata-se do melodrama policial Rua sem Sol
(1954), dirigido pelo crítico carioca Alex Viany.
Durante os anos 1950, Massaini continuará a co-
produzir sobretudo comédias musicais realizadas por produtores
independentes sediados no Rio, tais como Watson Macedo, Herbert Richers
e os irmãos Eurides e Alípio Ramos.

A Boca de Cinema passou a ser mais conhecida como centro produtor


apenas no final dos anos 1960. Para o início desse processo, que se deu por
volta de 1966, a interferência do Estado via Instituto Nacional do Cinema
foi decisiva, com o aumento do número de dias para exibição obrigatória do
filme brasileiro e a federalização do Prêmio Adicional de Bilheteria, que já
existia em São Paulo desde 1955 no âmbito municipal. Esses fatores
combinados proporcionaram o surgimento de novos produtores, bem como
a entrada na produção das pequenas e médias distribuidoras nacionais já
instaladas na Boca do Lixo.36

A dinâmica da Boca era conhecida por sua informalidade, e não por acaso os
verdadeiros “escritórios” eram os bares, sobretudo o Soberano e o Bar do
Ferreira. Nesses lugares, entre refeições, cervejas e cachaças,

35. Cf. GAMO, Alessandro. Vozes da Boca. Tese de doutoramento apresentada ao Instituto de Artes da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas: 2006, p.8.
36. GAMO, Alessandro. Op. cit., P.9.

60
(...) um maquinista ou eletricista pod[ia] arrumar trabalho para as semanas
seguintes (sem garantias de continuidade, o que significa, na prática, longos
períodos de inatividade) e então garantir ao balconista o pagamento das contas
penduradas. Atores, mocinhas acreditando no estrelato cinematográfico,
figurantes “profissionais”, produtores, jornalistas, fotógrafos, todos se
encontram ali. (...) Ao final do dia os bares ficam cheios de gente e chega o
momento da troca de informações. Desde “dicas” sobre uma nova produção que
pode dar emprego a alguns, até projetos secretos ou fofocas sobre alguma
ocorrência nas filmagens.37

O tipo de cinema produzido naquela região não é redutível a um gênero ou a


um determinado estilo ou proposta estética. Ali produziu-se de tudo - ou
quase tudo. Exemplo sempre citado do ecletismo da Boca é o encontro
entre os técnicos e produtores locais e os jovens realizadores que se
iniciaram no longa-metragem na virada dos anos 1960-70, tais como Carlos
Reichenbach, João Callegaro, Rogério Sganzerla, João Silvério Trevisan e
João Batista de Andrade. Esse encontro, de tão marcante, chega a gerar
confusões, tais como as provocadas por discursos que associam
mecanicamente o cinema da Boca ao dito “Cinema Marginal”, fato agravado
pela fama de um filme como A Margem, de Ozualdo Candeias,
simultaneamente considerado um típico “filme da Boca” e um precursor do
“Cinema Marginal”.

Entender o cinema da Boca a partir de um viés estritamente estético pode


com frequência levar a alguns equívocos por causa da grande variedade de
filmes ali produzidos. Não por acaso, a história da Boca de Cinema pode ser
mais bem entendida não propriamente a partir da trajetória dos diretores ali
radicados ou que passaram pela região, e sim a partir dos produtores e
distribuidores que ali se estabeleceram.

Nomes como Oswaldo Massaini, Renato Grecchi, Alfredo Palácios, Antônio


Polo Galante e Augusto Sobrado resumem melhor as “tendências” da Boca

37. SIMÕES, Inimá. O imaginário da Boca. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento de
Informação e Documentação Artísticas, Centro de Documentação e Informação sobre Arte Brasileira
Contemporânea, 1981, p.13.

61
do que a múltipla atuação de diretores importantes como Osvaldo de
Oliveira, Ody Fraga, Luís Castillini, José Miziara ou Mário Vaz Filho.

Ainda que determinados nomes como Cláudio


Cunha, Jean Garret, Fauzi Mansur e Tony Vieira
tenham se destacado como diretores de
personalidade, o que sobressai nas obras desses
realizadores é o cuidado em aliar o apelo comercial
a um aumento de qualidade artística, buscando
inovar dentro dos limites do cinema de gênero (erótico, faroeste, drama,
comédia etc.). Não por acaso, eles eram diretores-produtores.

Mesmo na obra de um nome consagrado pelo signo da autoria, como


Walter Hugo Khouri, pode-se perceber a ascendência do produtor. Dos
tempos mortos de As Deusas (1972) ao ritmo frenético de Convite ao Prazer
(1979) evidencia-se não propriamente uma mudança no “espírito khouriano”,
mas a adequação do mesmo às regras do jogo: Alfredo Palácios e Antonio
Polo Galante, produtores de As Deusas, ainda podiam permitir o risco do
“hermetismo”; ao desfazer a sociedade com Palácios e fundar a própria
produtora, Galante passou a ter autonomia para impor aos diretores com os
quais trabalhou - Khouri incluído- determinadas concepções particulares
do que seria um espetáculo cinematográfico rentável: doses elevadas de
erotismo e muita ação. Convite ao Prazer é um dos melhores exemplos de
aplicação dessas regras.

Outro aspecto determinante no cinema da Boca era a parceria entre a


produção, a distribuição e a exibição. Com o aumento da produção de
filmes brasileiros nos anos 1970 e 1980, a consequente ampliação da lei de
obrigatoriedade e as regulamentações no setor da distribuição a partir de
1975, quando a Embrafilme passa a atuar de fato no mercado, uma série de
pequenas e médias distribuidoras vinculadas ao circuito exibidor passa
também a comercializar filmes brasileiros.38

62
A Marte Filmes, de Cassiano Esteves, a Titanus, oriunda da Fama Filmes e a
sociedade de Claudio Cunha com a Brasil Internacional, são exemplos deste
tipo de empreendimento. Outras entravam no filme ocasionalmente, como a
Paris Filmes, a Ouro - através da Ouro Nacional - e a Polifilmes. O envolvimento
com exibidores era uma prática utilizada na região pela Servicine desde o final
dos anos 1960 e vinculava o lançamento de determinado filme com um circuito.
Como havia a obrigatoriedade de reservar um mínimo de dias para o produto
nacional, percebeu-se a vantagem de participar na produção dos filmes. Dentro
desta sociedade, eram elementos fundamentais: a rapidez de entrega do filme
pronto - visando o planejamento da programação - e o custo baixo.39

A um período de expansão da produção seguiu-se, a partir


dos anos 1980, o esgotamento, em parte ocasionado pela
entrada do filme pornográfico estrangeiro, pela adesão
dos exibidores ao filme de sexo explícito, pela decadência
do mercado de salas populares de cinema, pela chegada
de novas janelas de exibição, como o vídeo caseiro, e
também por fatores econômicos conjunturais mais
amplos, como uma inflação galopante que forçava os
produtores a trabalharem com maior rapidez a um custo
ainda mais baixo, de forma a viabilizar em pouco tempo o
retorno do investimento. Além do aviltamento das
relações de trabalho, a nova situação precipitou o
desgaste e o desaparecimento do gênero de maior
popularidade até então, a comédia erótica, ou
pornochanchada. Predominou nas salas especiais o filme
de sexo explícito, assim mesmo já com seus dias contados.

38. “Em 1973, 271 empresas distribuidoras encontram-se registradas no INC, das quais 104 estão localizadas
no Rio de Janeiro e 90 em São Paulo, e as restantes espalhadas pelo país. Em 1979, esse número passa para
434 empresas, agora registradas na Embrafilme.” Cf. GATTI, André Piero. Verbete “Distribuição”. In RAMOS,
Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe de. Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Senac, 2000, p.176.
39. GAMO, Alessandro. Op. cit., p.21.

63
Nos anos 1990, o Plano Collor e o desmonte da estrutura institucional da
cultura apenas coroou simbolicamente o processo de decadência da região
da Boca do Lixo como polo produtor, processo que já vinha de alguns anos e
que não teve a ver propriamente com o fim da Embrafilme, mas com o
imediatismo e o oportunismo de exibidores e produtores, bem como com o
estrangulamento do mercado cinematográfico, do qual dependia
diretamente a produção da Boca.

O Beco da Fome do Rio de Janeiro

Ao contrário do que ocorre com a Boca de Cinema de São Paulo, não existe
uma “história” do Beco da Fome do Rio.40 Não há, ao que se saiba, fontes
sistematizadas, estudos ou pesquisas em circulação mais ampla que dê
conta do que ocorreu, nos anos 1950-80, na região em torno da Cinelândia,
entre as ruas Senador Dantas, Evaristo da Veiga, Álvaro Alvim e suas
transversais. Embora também marcada por uma vasta produção
cinematográfica voltada para a exploração dos gêneros populares e pela
confluência de interesses entre os exibidores, as pequenas e médias
distribuidoras e os produtores e diretores que igualmente realizavam filmes
a partir de financiamento privado, a região conhecida genericamente como
“Beco da Fome”, “Beco dos Artistas” ou, ainda, “Beco dos Aflitos”, não
recebeu das pesquisas de cunho histórico a mesma atenção dada à
produção da Boca de Cinema de São Paulo, considerada de maior
significação artística, estética, política e até mesmo comercial. Assim, se há
algo a ser dito a respeito do cinema carioca do Beco, é que ele permanece
desconhecido, provavelmente porque inspirou, na maior parte dos estudiosos
e historiadores do cinema brasileiro, muito mais o desprezo que a admiração.41

40. Além de Vozes da Boca e de Imaginário da Boca, já citados, importantes fontes de referência para o
estudo da Boca encontram-se em RAMOS, José Mário Ortiz. Televisão, publicidade e cultura de massa. São
Paulo: Vozes, 1995; ABREU, Nuno Cesar. A Boca do Lixo: cinema e classes populares. Tese de doutoramento
apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas: 2002;
STERNHEIM, Alfredo. Cinema da Boca: dicionário de diretores. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2005; e FERREIRA, Jairo. Críticas de Jairo Ferreira Críticas de Invenção: os Anos do São Paulo Shimbun.
GAMO, Alessandro (org.). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006.
41. A própria indefinição quanto ao nome do Beco é um indício da ausência de pesquisas mais rigorosas sobre o
local: o Beco da Fome, dos Artistas ou dos Aflitos também surge, em reportagens ou entrevistas, como o
Beco da Esperança ou o Beco do Pentelho. Entre os profissionais que frequentaram a região no auge de sua
produtividade (anos 1970-80), é comum referir-se simplesmente ao “Beco”.

64
Vimos que, no caso da Boca do Lixo, as origens da
região como centro produtor remetem ao campo
da distribuição de filmes e à atuação de Oswaldo
Massaini à frente da Cinedistri, instalada na rua do
Triunfo em 1949. É provável que, no caso do Beco da
Fome, precisássemos focar não na produção ou na distribuição, mas no
setor da exibição, recuando até a década de 1920, mais especificamente até
1923, ano em que o projeto de construção da Cinelândia, no centro do Rio,
começa a ser posto em prática pelo poderoso exibidor espanhol Francisco
Serrador. Até meados dos anos 1930, a antiga região do Convento da Ajuda
sofreria intensas transformações e ficaria dali para diante intrinsecamente
ligada ao cinema.42

Se essa premissa for correta, será lícito afirmar que o cinema do Beco da
Fome pode ser visto antes de mais nada como o resultado da expansão dos
negócios imobiliários atrelados ao setor de diversões. A história do Beco
seria, assim, em grande parte, a história da Cinelândia carioca e do seu
entorno, pois naquela região se estabeleceram os escritórios das grandes
distribuidoras norte-americanas (as majors), bem como as distribuidoras
pequenas e médias, que comercializavam filmes estrangeiros e brasileiros
(Pelmex, Art Filmes, Paris Filmes, Condor, Unida Filmes etc.). Escritórios de
produção também não tardaram a ser abertos; nomes como Roberto
Acácio, João Tinoco de Freitas e Mário Falaschi, muito atuantes durante os
anos 1950 sobretudo em produções “independentes”, isto é, desligadas do
monopólio de Luiz Severiano Ribeiro mantiveram endereços profissionais
na região.
O montador e editor de som Severino Dadá, atuante
no cinema carioca desde 1971 e durante anos
frequentador assíduo do Beco da Fome, amplia a
relação de empresas e negócios que movimentavam
o setor:
42. Cf. GONZAGA, Alice. Palácios e poeiras. 100 anos de cinemas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Record/Funarte, 1996, p.131.

65
Se na Praça Tiradentes ficava o pessoal do samba e do circo, na Cinelândia ficava
o pessoal do cinema e do teatro. Tudo naquela região da Cinelândia era ligado ao
cinema. Ali tinha escritórios de exibidores, distribuidores, mas também depósitos
e empresas de manutenção de equipamentos, como projetores. O Cezário
Felfeli, por exemplo, era um libanês que entrou até em co-produção de filme,43
mas que na verdade era um cara muito rico que abastecia os projetores do Brasil
inteiro com carvão. Outra coisa que ele vendia era fita magnética para
sincronizar os filmes, ele tinha o monopólio disso no Rio de Janeiro, trazia da
França. (...) Ele tinha um andar inteiro ali na Senador Dantas.44

Tal como na Boca paulistana, a conjunção de interesses entre produtores,


distribuidores e exibidores também caracterizou o cinema do Beco nos anos
1960-80. Distribuidores como William Cobbett e Wilson B. Lins também
eram produtores. Exibidores como Hugo Sorrentino, os irmãos Valanci e
mesmo Luís Severiano Ribeiro Jr. frequentemente entravam com dinheiro
em produções com fortes possibilidades de retorno de bilheteria. No caso
de Ribeiro Jr., quase sempre os filmes eram os policiais de Jece Valadão ou
as comédias eróticas de Carlo Mossy e Victor di Mello, sucessos garantidos
de bilheteria.

Se as produções de
“primeira linha” (Valadão,
Mossy, di Mello) garantiam
a participação de circuitos
como os de Severiano Ribeiro, o mesmo não se dava com as produções
“menores”, realizadas na base de um informal sistema de cooperativa entre
pequenos produtores, donos de equipamentos, técnicos e atores
disponíveis, bem como de um extraordinário senso de oportunismo na
captação de dinheiro privado entre os mais obscuros financistas.

Severino Dadá exemplifica:

43. No tempo dos bravos (dir.: Wilson Silva, 1964).


44. DADÁ, Severino. Conversa com o autor. Rio de Janeiro: 28 jan 2009.

66
Mozael Silveira todo ano fazia um filme. Ele era co-produtor, levantava grana
com dono de motel, dono de posto de gasolina, mas teve filme em que teve
grana da RFF [firma do diretor e produtor Roberto Farias]. Ele tinha muita ligação
com o Roberto Farias.45

Wagner Pappete, diretor de produção de diversos filmes de Carlo Mossy,


Victor Lima e Victor di Mello, descreve a dinâmica de uma “produção média”
do Beco:

Era todo mundo dando um pouquinho aqui, outro pouco ali, aí chegava pro
[produtor e diretor] Roberto Machado, que tinha equipamento, e dizia: “Roberto
Machado, a gente só vai pagar quando o filme estreiar.” Se desse dinheiro ele
cobrava, se não desse ele dizia: “Deixa pra lá.” O Roberto Machado é uma das
grandes figuras do cinema nacional, ajudou muito.46

Pappete mesmo fez algumas de suas produções dessa forma. Fundou duas
produtoras, a WC Produções e a Citera, cujos sócios, Zulfo Epifânio Pereira e
João Elias, eram empresários envolvidos com negócios extra-
cinematográficos. Os filmes, no entanto, se pagavam, consistindo numa
ótima oportunidade de fazer circular investimentos.

A rentabilidade dessas produções baratas do Beco forjou produtores vindos


de áreas as mais diversas. É o caso de Élio Vieira de Araújo, dono da Futurama
Cinematográfica e diretor de Onanias, o Poderoso Chefão (co-dir.: Geraldo
Miranda, 1975), Pra Ficar Nua, Cachê Dobrado (1977) e Depravação (1980),
entre outros.

[Élio Vieira de Araújo] tinha um escritório na avenida Rio Branco que vendia
madeira. O apelido do Élio era Élio Madeireiro. Aí ele conheceu o Osíris [Parcifal
de Figuerôa] que foi quem convenceu o Élio a botar dinheiro em cinema. Aí o Élio
começou a tentar dirigir. Era casado com uma estrela dos filmes do Beco, a Olívia
Pineschi.47

45. DADÁ, Severino. Conversa com o autor, cit.


46. PAPPETE, Wagner. Depoimento ao autor. Rio de Janeiro: 17 jan 2009.
47. PAPPETE, Wagner. Depoimento ao autor, cit.

67
O próprio Osíris Parcifal de Figuerôa é outro nome
característico do cinema do Beco. Ator, produtor, diretor e
programador de cinema, iniciou-se no departamento de
publicidade da Pelmex, ainda nos anos 1950, foi programador
por 12 anos do extinto Cineac Trianon, situado na avenida Rio
Branco, nº 181, no centro do Rio. Fundou a Hórus Filmes em
1960 e, em 1972, a O.P. de F. Cinemas e Diversões. Produziu filmes dirigidos
por Mozael Silveira, Wilson Silva, Geraldo Miranda e Fauzi Mansur (diretor
de alguns filmes dos Trapalhões co-produzidos por Figuerôa). Foi também
um dos poucos produtores cariocas a ter co-participação em um filme
“marginal” da Boca de Cinema de São Paulo (Audácia, Fúria dos Desejos, dir.:
Antônio Lima e Carlos Reichenbach, 1969).48

Mas ao contrário do que à primeira vista pode indicar a trajetória comercial


de figuras como Figuerôa, nem sempre o dinheiro conseguido para as
produções ligadas ao Beco era privado. De acordo com Severino Dadá,

Acontece que a Hórus era distribuidora e a O.P. de F., produtora. Uma devia à
outra, e as duas eram do mesmo dono. A coisa era assim... No Um Brasileiro
Chamado Rosaflor, por exemplo, o Geraldo Miranda [diretor do filme] tinha que
apresentar firma para receber dinheiro da Embrafilme e, como não tinha,
apresentou o projeto pela firma do Osíris Parcifal de Figuerôa, que ficou como
produtor. Mas a grana do Um Brasileiro Chamado Rosaflor era da Embrafilme,
que depois boicotou o filme no mercado, sabotando o lançamento.49

O caso de Geraldo Miranda é bem diferente do de Nilo Machado, exemplo


típico de um realizador característico do Beco que produzia com baixíssimo
orçamento, aljiado tanto das verbas públicas quanto do investimento
privado de empresários dispostos a aplicar recursos em produção de filmes.

Tendo iniciado sua carreira no cinema como boy de escritório da


distribuidora United Artists, no Recife, o alagoano Nilo Machado mudou-se

48. Cf. MIRANDA, Luiz Felipe. Verbete “FIGUEROA, Osíris Parcifal de.” In Dicionário de cineastas brasileiros. São
Paulo: Art Editora, 1990, p.143-4.
49. DADÁ, Severino. Conversa com o autor, cit.

68
para o Rio e trabalhou nas distribuidoras Warner Brothers, Columbia e
França Filmes. Gerenciou também os cinemas Politheama, Piedade e
Eldorado, do circuito Severiano Ribeiro. Em 1953, adquiriu a distribuidora Rio-
Mar, “especializada em produções de baixíssimo orçamento, em geral
comédias grosseiras, policiais, melodramas eróticos, filmes sobre drogas e
delinquência juventil”. 50

Os filmes distribuídos pela Rio-Mar eram franceses, americanos e também


brasileiros. Uma das formas encontradas por Nilo Machado para tornar o
negócio mais lucrativo era enxertar números de striptease, remontando e
reciclando as cópias de velhos filmes estrangeiros ou brasileiros e
distribuindo-os nos cinemas de subúrbio. Seu primeiro longa foi Tuxauá... o
Maldito (1964), aventura na África no qual utilizava imagens de selva e de
animais tiradas de filmes estrangeiros mescladas aos planos rodados por
ele mesmo em terrenos baldios de Jacarepaguá.

Realizador de mais de 20 títulos (incluindo remontagens de seus próprios


filmes com inserção de cenas de sexo explícito, já nos anos 1980), Nilo
Machado chegou a construir, no final dos anos 1970, um estúdio a que deu o
nome de Adelana, localizado no bairro suburbano de Ricardo de
Albuquerque, onde filmava e montava seus longas-metragens, sempre em
condições precárias, com equipe reduzida e contando com a participação de
amigos para formação do elenco. Um dos principais colaboradores de Nilo
Machado e também um dos mais “caros” era o fotógrafo José Assis de
Araújo, ou simplesmente “Dutra”, apelido pelo qual é conhecido no meio
cinematográfico e no Beco. Para um dos últimos filmes rodados por Nilo,
Não Fale em Sexo (1978), Dutra teria ganho Cr$8 mil por semana, enquanto
o teto máximo para o elenco principal não passava de Cr$7 mil por todo o
filme.51

50. LION, Remier. Verbete “MACHADO, Nilo”. In RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe de. Op. cit., P.348.
51. Cf. CHAVES, Sandra. “As 'transações filméticas' de Nilo Coelho [sic], um cineasta em via de
desenvolvimento”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: 6 jan 1979; e MEDEIROS, Benício. “Um copo na mão e sexo
na cabeça”. Isto É. São Paulo: 10 out 1979.

69
Nascido em Buriti dos Lopes, Piauí, em 1927, Dutra serviu à Marinha
Mercante e veio para o Rio com 18 anos fazer um curso de pescador na
Escola da Marambaia. Além da pesca, trabalhou durante um ano em uma
loja de roupas, até ser levado à Atlântida Cinematográfica, onde começou
como torneiro mecânico.

Comecei com Watson Macedo, em 1949, no filme A sombra da outra. Na


Atlântida bati claquete por uns dois anos e fui fazer assistência de câmera;
estou até hoje como assistente. Até tentei direção de fotografia, fiz uns três ou
quatro filmes, mas depois caí fora porque às vezes você é chamado pra dar
entrevista e eu sou inimigo desse troço. Então fui fazer assistência, porque o
assistente termina o trabalho e leva a sua mala de volta pra casa. Não tem esse
negócio de fazer média com artista, com diretor...52

A profissão de assistente de câmera não era bem paga, mas, segundo Dutra,
“dava para viver”. Dutra trabalhou na Atlântida até 1963, quando a empresa
produtora de Severiano Ribeiro Jr. fechou as portas. Um pouco antes, por
volta de 1958, passou a frequentar o Beco mais assiduamente.

Ali era onde o pessoal procurava trabalho, entendeu? Todo mundo se reunia ali,
quando aparecia um filme todo mundo já sabia, os produtores iam lá e
contratavam o pessoal todo, diziam: “A turma é essa aqui, passa lá pra assinar o
contrato” aqueles contratos fajutos que nunca valiam merda nenhuma...53

As relações de trabalho, aliás, formam um outro capítulo pouco explorado


pelos estudos históricos de cinema no Brasil. No caso tanto da Boca quanto
do Beco, evidenciam-se a exploração da força de trabalho do profissional
cinematográfico (técnicos, atores etc.) e a desigualdade na distribuição dos
lucros.

O ator Wilson Grey, uma das figuras “lendárias” do Beco e recordista em


número de participações em filmes brasileiros, sempre se mostrou, nas
entrevistas que concedeu para a imprensa, extremamente crítico em
relação a esse quadro, no qual o lucro imediato e a qualquer custo

52. ARAÚJO, José Assis de. Depoimento ao autor. Rio de Janeiro: 6 fev 2009.
53. ARAÚJO, José Assis de. Depoimento ao autor, cit.

70
prevalecia sobre as condições mínimas de trabalho. O famoso ator das
chanchadas da Atlântida via na produção erótica e no filme de sexo
explícito a “pior de todas as fases” pela qual passava o cinema brasileiro
durante os anos 1970 e 80:

Na maioria, os caras não são produtores. Para fazer uma chanchada, de que eles
precisam? Compram negativo, alugam uma câmera, apanham três ou quatro
casais, não precisam de técnicos nem nada, botam lá uma cruz com um fotoflu, e
fazem o filme. Agora, veja você o perigo: não precisam de atores, não precisam
de técnicos, nem de roteiristas. Dizem que dá dinheiro. Mas não dá dinheiro coisa
nenhuma. É que esses picaretas fazem seus filmes baratíssimos, e os filmes
acabam se pagando sempre. Não gastam nada. E os tarados, que só têm o sexo
na cabeça, vão lá e veem. Mas não dá dinheiro para fazer uma indústria. Isso não
dá. A maioria dos fotógrafos, dos técnicos de cinema, gente premiada e tudo,
estão todos aí, doentes, famintos, desempregados. Lá no Beco dos Artistas (...)
toda hora a gente tem que fazer uma vaquinha para um que está doente, ou que
não tem dinheiro para levar comida para casa naquele dia, por causa desta
maldita pornochanchada. E nosso sindicato (...) não olha isso. Foi aquela onda
toda, a gente foi à Brasília, e não sei o quê, profissionalização, e olha aí como é
que nós estamos. Cadê os direitos do intérprete, cadê nossos direitos?54

Na Boca de Cinema de São Paulo a reação de técnicos e diretores se deu de


forma sintomática: o fotógrafo Cláudio Portioli, o montador Éder Mazzini, o
diretor Jean Garret, o roteirista Ody Fraga e os fotógrafos e diretores
Carlos Reichenbach e Antônio Meliande, entre outros, diante do fato de
que a pornochanchada estava dando “muito dinheiro”, resolveram montar
uma cooperativa para produzir as próprias comédias eróticas. A estratégia,
segundo Cláudio Portioli, era fazer filmes “de sexo” para capitalizar a
cooperativa e, com isso, realizar os filmes de “ponta de linha”.

Isso criou um mal-estar entre os produtores [da Boca]: “[os técnicos] vão
começar a ganhar mais dinheiro e não vão querer trabalhar mais pra gente.” Mas
isso era uma besteira muito grande. Porque a gente continuava trabalhando pra
eles. A única coisa é que a gente não queria que só eles ganhassem e a gente não
ganhasse nada.55
54. GREY, Wilson. Apud. TAVARES, Neila. “Wilson Grey. De bandido de chanchada a recordista mundial de
filmes”. Ele. São Paulo: [1982].

71
Reunidos em torno da Embrapi (Empresa Brasileira de Produtores
Independentes) esse grupo conseguiu realizar, em 1982, oito longas-
metragens. Ironicamente, quatro desses longas não chegaram a ser
lançados, pois foram preteridos em função do filme de sexo explícito
importado.

Um cinema folclórico?
É que eu topava qualquer preço, queria trabalhar. Quando eu sentia que havia
grana pedia um pouco mais, quando eu sentia a boa intenção e pouco dinheiro
topava também. E o terceiro caso era o mais triste e constante. Acabava o
dinheiro da produção e a gente chorava junto. No cinema da estiva não tem
pilantra não. A grande pilantragem sempre esteve entre os poderosos. É o caso
da Embrafilme.56

O depoimento de Wilson Grey, acima transcrito, é bastante esclarecedor.


Ao mesmo tempo em que evidencia a situação de exploração do artista e
do técnico pelos produtores (“topava qualquer preço”), ressalta também a
solidariedade do “cinema da estiva” e acusa os “poderosos” como sendo
aqueles responsáveis pelas verdadeiras “pilantragens”. Entre a Embrafilme e
o Beco, Grey preferia defender o segundo, ainda que o ator fosse bastante
crítico em relação à pornochanchada.

Essa postura, coerente no caso de um artista como Grey, traduz um desafio


para pesquisadores e historiadores do cinema brasileiro: diante da
hegemonia do modelo de produção estatal (direto ou via incentivos fiscais)
e do “cinema culto”, para usar a terminologia de Jean-Claude Bernardet,
como encarar a produção de apelo comercial da Boca ou do Beco a partir de
uma perspectiva justa?

Na introdução de sua tese de doutoramento Vozes da Boca, o cineasta e


pesquisador Alessandro Gamo faz a seguinte reflexão a propósito da Boca
de Cinema de São Paulo:

55. Depoimento de Antônio Meliande no documentário O galante rei da Boca, cit.


56. GREY, Wilson. Apud. BOSCOLI, Ronaldo. “Wilson Grey O bicheiro brechtiano”. Manchete. Rio de Janeiro:
26 maio 1979.

72
A ideia de constituição de uma “comunidade”, que possibilitava um convívio em
torno do cinema para além de seu caráter de produto cultural como
amálgama de sonhos e projetos, tem uma forte carga de sedução. Um local
onde se poderia viver fazendo cinema produz um encanto que fascina muitos de
nós interessados em escrever sobre ou realizar filmes, algo com ecos de paraíso
perdido. Por isso, paralelamente ao preconceito dos que viam na Boca somente o
foco principal de uma produção de baixo nível que assolou o país, parece haver
também uma visão contrária que tende a “romantizar” aquele período e as
experiências dele resultantes.57

O trecho acima é uma bela crítica a uma atitude típica de pesquisadores,


cineastas ou historiadores de cinema: o “resgate” de obras e cineastas de um
passado mais ou menos recente, em geral vitimados pelo preconceito em
sua época, mas hoje beneficiados pelo salvo-conduto da distância
temporal. Atitude questionável por muitos motivos, o mais grave deles
sendo talvez a implícita ironia em se aplaudir de forma incondicional aquilo
que simplesmente deixou de existir. Em muitos casos, quando se trata de
uma obra ou de um nome ligado ao “cinema culto”, deplora-se tal
inexistência; quando se trata, porém, do cinema “comercial” ou “popular”, a
atitude recorrente, no melhor dos casos, é a da romantização, quando não,
na pior das hipóteses, a sua folclorização.

Creio que a advertência feita por Gamo, mais do que oportuna, é um alerta
necessário contra o vício acadêmico ao qual todos nós estamos sujeitos
de “folclorizar” certos períodos ou grupos da história do cinema brasileiro,
em especial aqueles voltados à produção de cunho popular que já tenham
sido “superados” quando não definitivamente “enterrados” por essa mesma
história ou melhor, pelos seus historiadores.

Por outro lado, isso não justifica calar diante desses temas e recortes. O
desconhecimento, o preconceito e o menosprezo devotados a
determinadas propostas estéticas e modelos de produção - como aquelas

57. GAMO, Alessandro. Vozes da Boca, op. cit., p.1.

73
que caracterizaram a Boca de Cinema de São Paulo e o cinema do Beco da
Fome do Rio - necessitam não só serem questionados como combatidos, se
é que buscamos entender com alguma honestidade o que significou e
significa a existência da atividade cinematográfica em um país como o Brasil.

Bibliografia
ABREU, Nuno Cesar. A Boca do Lixo: cinema e classes populares. Tese de
doutoramento apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Campinas: 2002.

ARAÚJO, José Assis de. Depoimento ao autor. Rio de Janeiro: 6 fev 2009.
BOSCOLI, Ronaldo. “Wilson Grey O bicheiro brechtiano.” Manchete. Rio de Janeiro:
26 mai 1979.

CHAVES, Sandra. “As 'transações filméticas' de Nilo Coelho [sic], um cineasta em via de
desenvolvimento”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: 6 jan 1979.

DADÁ, Severino. Conversa com o autor. Rio de Janeiro: 28 jan 2009.

FERREIRA, Jairo. Críticas de Jairo Ferreira Críticas de Invenção: os Anos do São Paulo
Shimbun. GAMO, Alessandro (org.). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2006.

GAMO, Alessandro. Vozes da Boca. Tese de doutoramento apresentada ao Instituto


de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas: 2006.

GONZAGA, Alice. Palácios e poeiras. 100 anos de cinemas no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Record/Funarte, 1996.

MIRANDA, Luiz Felipe. Dicionário de cineastas brasileiros. São Paulo: Art Editora, 1990.

MEDEIROS, Benício. “Um copo na mão e sexo na cabeça.” Isto É. São Paulo: 10 out
1979.

PAPPETE, Wagner. Depoimento ao autor. Rio de Janeiro: 17 jan 2009.

RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe de. Enciclopédia do cinema brasileiro. São
Paulo: Senac, 2000.

74
RAMOS, José Mário Ortiz. Televisão, publicidade e cultura de massa. São Paulo:
Vozes, 1995.

SIMÕES, Inimá. O imaginário da Boca. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura,


Departamento de Informação e Documentação Artísticas, Centro de
Documentação e Informação sobre Arte Brasileira Contemporânea, 1981.

STERNHEIM, Alfredo. Cinema da Boca: dicionário de diretores. São Paulo: Imprensa


Oficial do Estado de São Paulo, 2005.

TAVARES, Neila. “Wilson Grey. De bandido de chanchada a recordista mundial de


filmes”. Ele. São Paulo: [1982].

Obra audiovisual
O galante rei da Boca (dir.: Alessandro Gamo e Luís Rocha Melo, 2004).

75
A economia do cinema nacional-popular
(comentários em torno dos anos 1960)

Reinaldo Cardenuto

Em 1961, inspirado por Rio, 40 Graus (1954) e Couro de Gato (1961), Leon
Hirszman reuniu alguns colegas interessados em cinema político,
frequentadores de cineclube, com a finalidade de realizar um filme
retratando os dilemas do morro carioca. Com modesta verba adquirida pela
União Nacional dos Estudantes e pelo Centro Popular de Cultura, o longa-
metragem foi filmado e montado em meio a improvisos: com equipe
reduzida e não remunerada, negativos em número limitado e equipamentos
recauchutados, sua produção aconteceu entre dezembro de 1961 e abril de
1962. Apesar dessa evidente precariedade, também sintoma de uma
instável indústria brasileira de cinema, os jovens responsáveis pelos
episódios de Cinco Vezes Favela, alguns dirigindo pela primeira vez, estavam
otimistas com o resultado obtido. Militantes de esquerda, de posturas
ideológicas que se originavam no marxismo, eles acreditavam no filme
como possibilidade de transformação social. Leon Hirszman, Cacá Diegues,
Marcos Farias e Miguel Borges fizeram Cinco Vezes Favela em convergência
com o espírito contestador que teorizava a arte nacional-popular como
instrumento de conscientização e, consequentemente, arma fundamental
na luta pela emancipação das massas.

Esse entusiasmo, no entanto, não demoraria a arrefecer. Os realizadores do


filme cepecista, com esforços voltados principalmente para a produção,
pouco investiram em sua futura circulação. A cargo da
Tabajara Filmes, empresa de pequeno porte cujos donos
eram comunistas, a distribuição de Cinco Vezes Favela
foi um desastre: a primeira película ficcional realizada
por uma entidade de representação estudantil entrou
em cartaz no estado do Rio de Janeiro apenas durante

76
uma semana. Possivelmente para cumprir cota de tela, obrigação pouco
quista pelos exibidores, ocupou oito salas cariocas, em horários especiais,
entre os dias 3 e 10 de dezembro de 1962. Diante da rejeição do mercado
tradicional de exibição, devido inclusive ao pouco apelo comercial de Cinco
Vezes Favela, a opção foi insistir nas projeções alternativas organizadas na
sede da UNE e em espaços comunitários das camadas populares, como
sindicatos ou barracões localizados no morro. Experiência inicial de alguns
integrantes do Cinema Novo, o filme, que consumiu o orçamento anual do
CPC em 1962, tinha pretensões de transformação política e acabou
reiterando um problema que seria motivo de muita inquietação entre os
militantes de esquerda nos anos 1960: como circular a arte de engajamento
nacional-popular para um público amplo se o mercado existente estava
estruturado para contemplar o produto comercial e estrangeiro?

A origem do CPC, inclusive, está relacionada a essa questão. Quando foi


integrante do Teatro de Arena, na segunda metade da década de 1950,
Oduvaldo Vianna Filho defendeu o surgimento de uma arte nacionalista, de
conscientização política, capaz de romper com o processo cultural
colonizador que nos alienava das tradições e problemas brasileiros ao
operar uma falsa identificação com os valores estrangeiros. O dramaturgo
compartilhava da teoria desenvolvida pelo isebiano Roland Corbisier em seu
livro Formação e problema da cultura brasileira (1958): o povo vivia uma
cegueira intelectual ao consumir o produto do colonizador, sem condições
de analisar criticamente ou lutar contra a própria situação precária, pois
encontrava-se perdido em ideologias e desejos estranhos à sua realidade. A
partir dessa avaliação, no qual o subdesenvolvimento do Brasil seria
reforçado pela cultura do dominador, Vianinha considerou a arte nacional e
popular, em oposição ao inautêntico vindo de fora, uma forma de impedir o
alheamento das massas em relação aos dilemas do próprio país.

O dramaturgo, entretanto, avaliou a prática artística do Teatro de Arena


como incapaz de concretizar esse projeto de conscientização popular. No
texto Do Arena ao CPC, redigido por ele em outubro de 1962, o incômodo

77
não provinha da escrita teatral - afinal um drama como Eles Não Usam Black
Tie (1958) estava em compasso com suas propostas -, mas sim pelo fato de
o grupo encenar as peças em uma sala com apenas 150 lugares.
Questionador, Vianinha se exasperava: como poderia o Teatro de Arena se
tornar porta-voz e mobilizador das massas se estava recluso a uma
experiência limitada a poucos espectadores com condições de pagar
ingressos? Articular o Centro Popular de Cultura a partir de 1961, junto a
artistas recém-egressos da universidade, significou para ele um empenho na
tentativa de levar o nacional-popular ao encontro com um público mais
amplo: “Um movimento de massas só pode ser feito com eficácia se tem
como perspectiva inicial a sua massificação, sua industrialização. É preciso
produzir conscientização em massa, em escala industrial.” (VIANNA Filho,
1983, p.93)

Em sua curta existência, o CPC reuniu uma série de jovens militantes em


torno de pelo menos duas propostas para aumentar a circulação social do
nacional-popular. A primeira, reflexo da constatação de que o mercado
demoraria a absorver a arte política, era a criação urgente de um circuito
alternativo organizado a partir de associações e organizações populares.
Esse foi, inclusive, um dos aspectos mais valiosos da experiência cepecista:
reconhecer que o sistema mercantil de distribuição cultural ainda
contemplava muito pouco as camadas populares e, consequentemente,
investir no desenvolvimento de estruturas novas com condições de atingi-
las. Na tentativa de concretizar esse processo, o CPC foi às ruas cariocas
encenar peças-pílula (textos de mobilização política com curta duração) e
chegou a realizar diversas intervenções em espaços comunitários até seu
encerramento compulsório com o golpe militar de 1964.

A segunda proposta, complementar à anterior, seria a gradual inserção do


nacional-popular na economia tradicional de bens simbólicos. Na opinião de
Carlos Estevam Martins, primeiro presidente do CPC, o artista de esquerda,
para estabelecer uma comunicação efetiva com o povo, deveria se
apropriar das experiências estéticas convencionais, já testadas pelo

78
mercado cultural e, portanto, bem recebidas por um amplo público. O
militante cepecista, conforme apresentado pelo sociólogo nos textos
Anteprojeto do manifesto do CPC e Artigo vulgar sobre aristocratas (ambos
de 1962), deveria abdicar do experimentalismo formal e compreender que
as massas somente seriam conscientizadas se a arte política adotasse uma
linguagem consagrada pelos mecanismos comerciais de entretenimento.
Para ele, exemplo de comprometimento ideológico era um cineasta como
Anselmo Duarte que, ao realizar O Pagador de Promessas (1962), conseguia
unir a estética convencional a um conteúdo nacionalista e revolucionário,
fazendo com que seu filme fosse distribuído no mercado cinematográfico.
Contrário à postura autoral do Cinema Novo, Carlos Estevam era taxativo:

Os rapazes estão “empenhados” em derrotar essa linguagem chinfrim. Para eles


é como se ela fosse mais inimiga que o imperialismo, o latifúndio e a burguesia.
Querem criar uma nova linguagem e, por isso mesmo, o que conseguem é ficar
falando sozinhos enquanto a plateia solta piadas e prefere se divertir consigo
mesma, desinteressada daquela linguagem que, de tão nova e diferente, até
parece estrangeira (ESTEVAM, 1962).

O Cinema Novo, que considerava pertinente a primeira proposta cepecista,


obviamente execrou a segunda. Do ponto de vista estético, Glauber Rocha
procurou se afastar das tradições cinematográficas comprometidas com o
entretenimento por considerá-las uma forma de reforçar a alienação e o
domínio do colonizador sobre os países subdesenvolvidos. Considerando
ingênua a premissa de Carlos Estevam, de acreditar na linguagem comercial
como forma de conscientização política, Glauber defendeu o choque de
olhar, a adesão a uma nova visualidade que proporcionasse ao espectador
um distanciamento crítico: não reconhecendo a estética convencional, sem
identificar-se com o filme na chave da experiência clássica, o público
participaria de uma reflexão autêntica sobre o país, de incorporação
ideológica da miséria e do popular, que operasse o rompimento com o
cinema estrangeiro de reafirmação do colonialismo, além da negação de
uma filmografia nacional modelada pelos valores do ocupante (as
chanchadas em especial). A partir dessa premissa dualista, do Cinema Novo

79
como resistência legítima à circulação do capital cultural dominante,
proveniente principalmente dos Estados Unidos, a conscientização e a
mobilização política se dariam por uma experiência de estranhamento
visual.

Em 1960, no Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo, foi


publicado por Paulo Emílio Salles Gomes o artigo “Uma situação colonial?”.
O texto, ao analisar o cinema brasileiro pelo viés do subdesenvolvimento
intelectual e industrial, dialogava diretamente com os cinemanovistas que,
pelo menos até 1964, compartilharam justamente a expectativa de
superar a contínua reposição de forças que mantinham nossa
cinematografia em estado colonial. Ao comprometer-se com essa leitura
anticolonialista, propondo uma filmografia nacional-popular distante das
convenções estéticas e das reproduções malsucedidas da cultura
dominante, o Cinema Novo consequentemente posicionou-se contra a
economia cinematográfica tradicional, responsável pelo predomínio do
produto estrangeiro (essencialmente comercial) sobre o brasileiro. O artigo
de Paulo Emílio instigou os cinemanovistas em sua rejeição ao mercado que
gerava instabilidade em nossa produção e distribuição, além de uma
dependência estrutural em relação às empresas vinculadas ao capital
estrangeiro.

O caso da Vera Cruz seria sintoma dessa situação. Procurando reproduzir o


sistema norte-americano de estúdios, a companhia realizou um número
razoável de filmes entre 1950 e 1954, mas foi incapaz de planejar
adequadamente uma estratégia de circulação no mercado exibidor. Apesar
da repercussão internacional do prêmio recebido por O Cangaceiro (1953)
no Festival de Cannes, a Vera Cruz tinha sérios
problemas administrativos e necessitava da
Columbia Pictures para comercializar suas
produções: entre os excessivos gastos e as
complicadas negociações com um distribuidor
internacional consciente da dependência brasileira,

80
o estúdio paulista não demoraria a decretar falência. Na visão do Cinema
Novo, a velha estrutura econômica de privilégios ao colonizador era uma
das principais responsáveis pelo fracasso da primeira tentativa séria de
industrializar o nosso cinema.

Distanciar-se dessa economia tradicional não significava, entretanto,


abdicar de um projeto de industrialização para o cinema brasileiro. Se o
modelo mercantilista, implantado no país desde a década de 1910, fora
essencialmente montado para a distribuição e o consumo de filmes
comerciais norte-americanos, gerando competições desleais e barreiras
para a produção e a circulação dos produtos nacionais, seria o caso de
desenvolver uma alternativa independente do sistema hegemônico na qual
fosse possível consolidar um cinema político esteticamente
anticonvencional. Era necessário pensar um projeto de industrialização
nacionalista protegido pelo Estado que, ocupando o espaço do colonizador
cultural, permitisse ao cinema brasileiro adquirir autonomia e, por extensão,
comercializar os filmes cinemanovistas sem as inúmeras limitações antes
impostas. Defendia-se, em um misto de tática política e ingenuidade, que
livre de impedimentos estruturais o produto nacional seria facilmente
consumido pelo público, gerando assim um retorno dos investimentos
aplicados em sua produção.

No campo da produção, o projeto industrial do Cinema Novo era a negação


do sistema de estúdios hollywoodiano - considerado dispendioso,
cerceador da liberdade criativa e fruto dos mecanismos de dominação
comercial -, e a adoção de algumas experiências que possibilitassem a
emergência do nacional-popular fílmico. Desde 1954, com a realização de
Rio, 40 Graus, marco do cinema moderno brasileiro, o modelo neo-realista
italiano, de baixos custos, caíra nas graças de uma geração politizada e sem
condições imediatas de usufruir de estúdios ou das últimas atualizações
tecnológicas dos equipamentos cinematográficos: filmar em locações
naturais, estabelecer uma dialética entre características ficcionais e
documentais, assumir a precariedade técnica e incorporar o popular como

81
elemento de construção criativa não eram apenas soluções de produção,
mas também configuravam uma estética ideal, na chave do realismo crítico,
para mostrar o subdesenvolvimento brasileiro. Especialmente na primeira
fase do Cinema Novo, o neo-realismo foi incorporado como parte da
proposta de conscientização política do espectador em relação aos
problemas sociais enfrentados pelo país, como pode ser observado em
filmes como Barravento (dir. Glauber Rocha, 1961), A Grande Feira (dir.
Roberto Pires, 1961), Os Fuzis (dir. Ruy Guerra, 1963), ou Vidas Secas (dir.
Nelson Pereira dos Santos, 1963).

Outra referência foi o conceito de autor, desenvolvido na década de 1950


por aqueles que constituiriam o núcleo central da nouvelle vague. Em
oposição a certo controle imposto pela indústria hollywoodiana, na qual a
autoria se dilui nos mecanismos comerciais de produção, diretores como
François Truffaut e Jean-Luc Godard defenderam uma alternativa de
realização fílmica na qual o cineasta mantivesse sua liberdade criativa. Ao
projeto do Cinema Novo, com base no experimentalismo estético e contra
a alienação do real difundida pelo colonizador, apenas esse caminho de
negação da economia tradicional permitiria o surgimento de uma
filmografia contestatória. Adaptando a proposta francesa ao contexto do
Terceiro Mundo, politizando a ideia de autor para o confronto contra a
dominação cultural, Glauber Rocha se colocava em oposição ao cinema de
mentalidade mercantil que justificava a fabricação de ilusões como técnica
de entretenimento para gerar lucro:

O diretor-autor (...) recusa a “história”, o “estúdio”, a “estrela”, os “refletores”, os


“milhões”; o autor que necessita apenas de um operador, uma câmera, alguma
película e o indispensável para o laboratório; o autor que exige apenas liberdade
(...) é o maior responsável pela verdade: sua estética é uma ética, sua mise-en-
scène é uma política. Como pode então, um autor, olhar o mundo enfeitiçado
com maquillage (...) sistematizando em convenções dramáticas que informam uma
moral burguesa e conservadora? (...) A política do autor é uma visão livre,
anticonformista, rebelde, violenta, insolente (...) O cinema é uma cultura da
superestrutura capitalista. O autor é inimigo desta cultura. (ROCHA, 2003, p.34-6)

82
Lançando as bases teóricas e estéticas de seu projeto de indústria,
colocando-se em meio aos debates da década de 1960 sobre o modelo
ideal para a modernização de nossa cultura, o Cinema Novo procurou
realizar seus filmes de acordo com um sistema alternativo de
financiamento. Segundo o sociólogo José Mário Ortiz Ramos, no livro
Cinema, Estado e lutas culturais, até o golpe de 1964 os cinemanovistas
foram radicalmente contrários às co-produções estrangeiras e procuraram
respaldo justamente naqueles sujeitos históricos considerados pelos
teóricos do desenvolvimentismo nacionalista como fundamentais para a
concretização de uma indústria cinematográfica independente do capital
estrangeiro: a burguesia nacional e o Estado. Apesar de um apoio esporádico
que não efetivou parceria duradoura, setores da burguesia acabariam
realmente se tornando patrocinadores ou financiadores de alguns longas-
metragens com postura política bem radical. O caso mais paradoxal foi o
do banqueiro José Luís de Magalhães Lins, do Banco Nacional de Minas
Gerais, que depois de emprestar dinheiro para a produção de Vidas Secas,
Os Fuzis e Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha, 1964) se tornou
um dos principais conspiradores mineiros do golpe militar. Eis uma das
principais contradições presentes na primeira fase do Cinema Novo, entre
desconfiar e depender da burguesia, e que Jean-Claude Bernardet, em
Cineastas e imagens do povo, considera fundamental para compreender as
raras críticas dirigidas a personagens provenientes dessa classe nos filmes
até 1964, justamente o ano em que fica evidente seu apoio ao regime
ditatorial.

A partir de meados dos anos 1960, com a crescente renúncia da burguesia


nacional em endossar um projeto identificado com o populismo esquerdista
de João Goulart, os esforços dos cinemanovistas em redefinir o mercado se
voltaram principalmente para o Estado. Prosseguindo em sua análise, Ortiz
Ramos demonstra como o governo ditatorial centralizou a tarefa de
planejar os rumos do cinema brasileiro, gerando conflitos entre o grupo que
defendia uma industrialização com autonomia em relação ao capital

83
estrangeiro (os nacionalistas) e outro, que ancorado no pensamento liberal,
com apoio do circuito tradicional de distribuição e exibição, não encontrava
perspectivas de desenvolvimento sem a tutela desse capital (os
universalistas). Apesar de as tensões entre essas ideologias serem mais
complexas do que o quadro dualista aqui apresentado, incluindo inúmeras
contradições, fato é que essa disputa em torno de modelos econômicos
atravessou a década de 1960, em órgãos governamentais como a GEICINE
(1960-66), o INC (1966-75) e a Embrafilme (a partir de 1969), intensificando-
se com a entrada dos militares em cena. O Cinema Novo passou a negociar
seu projeto industrial com um governo claramente disposto a conter o
radicalismo político existente na arte de esquerda.

Enquanto a disputa se acirrava e os cinemanovistas começavam cada vez


mais a depender financeiramente do Estado, uma importante reflexão foi
conduzida por Gustavo Dahl no artigo “Cinema Novo e as estruturas
econômicas tradicionais”, publicado na Revista Civilização Brasileira em
março de 1966. A partir desse texto, fica evidente que o nacional-popular
cinematográfico, com financiamentos instáveis, sofria do mesmo dilema da
Vera Cruz: os filmes existiam, conquistaram inclusive algum prestígio
internacional, mas não havia garantias de circulação. Até então, o Cinema
Novo pouco investira no desenvolvimento de circuitos não convencionais
(algo que o CPC tentou realizar), acabando por comercializar seus longas-
metragens em um mercado dominado por distribuidoras estrangeiras com
limitações para absorver o produto brasileiro. Ao identificar esse círculo
vicioso, evidentemente assumindo a defesa do projeto nacionalista, Dahl
considerou o capital estrangeiro como principal causador do problema e
nas linhas finais de seu texto fez um apelo:

Não será pela colaboração com o capital estrangeiro que se afirmará a indústria
cinematográfica brasileira. Mas, sim, será indispensável que o Governo Federal
lhe volte os olhos e intervenha no mercado no sentido de sua regularização e,
na indústria, no sentido de proteção para seu desenvolvimento. (DAHL: 1966,
p.203)

84
Apesar de o texto redigido por Gustavo Dahl conter uma aguçada análise
sobre as dificuldades enfrentadas pelo Cinema Novo, inclusive incluindo o
movimento na história econômica de nosso cinema, é evidente que o autor
preservou de críticas negativas seus produtores e diretores ao identificar
como culpados exclusivos da sub-industrialização os interesses
estrangeiros e os distribuidores e exibidores nacionais a eles associados.
Entretanto, na avaliação sobre o fraco desempenho comercial de seus
filmes, sobre a incapacidade de atingir um público popular, alguns
cinemanovistas não demorariam a considerar, também, a própria inabilidade
em circular no mercado existente. A negação radical às estruturas
econômicas tradicionais começou a enfraquecer quando já não era mais
possível responsabilizar apenas o outro pelo nosso subdesenvolvimento.
Como escreveu Randal Johnson no artigo “Ascensão e queda do cinema
brasileiro, 1960-1990”:

O problema da aceitação pública teria talvez um significado menor se o [Cinema


Novo] tivesse criado circuitos paralelos estáveis para a exibição de seus filmes,
mas não fez isso, optando, ao contrário, por tentar penetrar nos circuitos
tradicionais onde interesses econômicos e hábitos culturais profundamente
enraizados estimulavam formas tradicionais de cinema como entretenimento.
(JOHNSON, 1993, p.46)

Para reagir contra as dificuldades em comercializar


filmes brasileiros, foi criada em 1965 a DiFilm, uma reunião em sociedade dos
produtores de filmes cinemanovistas. Com a constatação de que parecia
impraticável o rompimento drástico com as velhas estruturas da economia
cinematográfica, a empresa tornou-se uma tentativa de buscar brechas no
mercado já consolidado, estabelecendo co-produções e centralizando a
distribuição dos longas-metragens realizados pela Mapa Filmes, L.C.B
Produções Cinematográficas, Saga Filmes, Filmes do Serro e R. F. Farias

85
Produções Cinematográficas. Tardiamente, o Cinema Novo procurava unir
esforços para ampliar seus canais de circulação e não depender tanto das
distribuidoras que privilegiavam o produto importado.

Abandonando o radicalismo de sua primeira fase, mais distante de implantar


uma indústria nacional independente, o Cinema Novo passou a negociar
cada vez mais com o mercado já consolidado. Para alguns cineastas,
exceção principal de Glauber Rocha, não bastava articular mecanismos
alternativos de circulação, mas também repensar a estética
anticonvencional que parecia afastar o público em geral dos filmes
realizados pelo movimento. Essa preocupação estava na origem de um
longa-metragem como Garota de Ipanema (1967), no qual Leon Hirszman
procurou incorporar os principais nomes da música popular brasileira em
uma narrativa de desmistificação dos valores associados à classe média
carioca. Sua tentativa singular era propor a conscientização política a partir
da apropriação e manipulação da cultura musical de massa, naquele
momento em ebulição graças aos festivais organizados pelas emissoras
televisivas: por fim, o projeto se mostrou inviável, pois nem o filme,
irregular, convencia como crítica à alienação, nem o público correspondeu
às expectativas de comercialização.

Junto às avaliações em torno da economia cinematográfica e da


experiência estética, verificou-se, no decorrer da segunda metade dos anos
1960, com apoio do Estado ditatorial, a consolidação de um processo
conservador de modernização cultural que compeliu os cinemanovistas a
se preocuparem com as exigências do mercado tradicional de bens
simbólicos. Por um lado, a censura imposta pelo governo agia como um
fator de diluição do radicalismo ideológico. Um longa-metragem como O
Desafio (1965), de Paulo César Saraceni, que por si só já enfrentaria as
limitações correntes de exibição, agora passava meses interditado pelos
militares aguardando uma permissão para ser comercializado.
Especialmente após 1968, o temor das perseguições políticas e criativas,
mais os possíveis problemas financeiros causados por um filme impedido de

86
circular, explicam parcialmente a mudança de tom em algumas produções
do Cinema Novo: em geral, há uma diminuição do radicalismo político,
provocada algumas vezes pela autocensura ou pelo desânimo com os
rumos do país, o que sem dúvida configurou uma forma de controle
ideológico do governo e agradou setores do mercado cinematográfico
convencional.

Por outro lado, o Estado cada vez mais atrelava suas formas de
financiamento às estruturas econômicas consolidadas, o que na opinião de
muitos reforçava nossa dependência estrutural em relação ao capital
estrangeiro. No Instituto Nacional de Cinema (INC), por exemplo, entre
1966 e 1969, criou-se um sistema no qual a produção de filmes brasileiros se
realizava a partir da retenção de parte do imposto de renda das
distribuidoras internacionais. A diretriz central do governo, inclusive na
época da Embrafilme, era o desenvolvimento de uma cinematografia
voltada para o mercado, ideologia que ajudou a solidificar uma indústria
cultural conservadora no Brasil e aos poucos minou o projeto industrial
nacionalista do Cinema Novo.

Em Cinema, Estado e lutas culturais, Ortiz Ramos, no entanto, não nos


deixa esquecer que junto a esse processo estão os esforços dos
cinemanovistas em conquistar um público mais amplo para seus filmes,
tendo por consequência certa adaptação às exigências do mercado:

Diante desta forma de produção [vinculada ao capital estrangeiro], tomava


dimensões ainda maiores a preocupação com o público, tormento do Cinema
Novo, lançando cineastas marcados por um projeto político-cultural para o
interior dos esquemas comerciais, e para a vinculação com empresas estrangeiras
(...) mais do que uma diretiva cultural explícita do mercado, [havia] uma
orientação global que seguia a expansão capitalista dependente, ou seja, o
cinema deveria enquadrar-se dentro do crescimento da indústria cultural como
um todo. (RAMOS, 1983, p.86)

Nesse quadro de modernização cultural conservadora, o nacional-popular


cinematográfico passou a ser produzido em maior quantidade, com

87
financiamentos mais caros, além de circular em canais de distribuição antes
inacessíveis. No fim dos anos 1960, ficou evidente que as propostas fílmicas
em torno do nacional-popular só seriam realmente absorvidas pelo
expansivo mercado capitalista de bens simbólicos caso abandonassem o
experimentalismo formal e suas intenções provocativas e revolucionárias:
cineastas passaram a desenvolver uma filmografia tributária da visualidade
criada pela esquerda dos anos 1960, mas cujo traço evidente foi a
transformação de utopias libertárias em ideologias de consumo. O projeto
estético, político e industrial pensado pelo Cinema Novo em seus primeiros
anos, estruturado principalmente por Glauber Rocha, entrou em colapso
junto com os primeiros sucessos comerciais do movimento, caso do filme
Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade: “A proposta do nacional-
popular, quando enunciada no contexto da cultura popular de massa,
conserva categorias teóricas do passado que adquirem agora uma função
justificadora do funcionamento da indústria cultural” (ORTIZ, 2001, p.181).

Bibliografia
BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das
letras, 2003.

CARDENUTO, Reinaldo. Discursos de intervenção: o cinema de propaganda


ideológica para o CPC e o Ipês às vésperas do Golpe de 1964. São Paulo: ECA-USP,
dissertação de mestrado, 2008.

CORBISIER, Roland. Formação e problema da cultura brasileira. Rio de Janeiro: ISEB,


1958.

DAHL, Gustavo. “Cinema Novo e as estruturas econômicas tradicionais.” In Revista


Civilização Brasileira, n. 5/6. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, dez-mar 1966,
p.193-204.

ESTEVAM, Carlos. “Artigo vulgar sobre aristocratas.” In O metropolitano, Rio de


Janeiro, 3 out 1962.

GOMES, Paulo Emílio Salles. “Uma situação colonial.” In Cinema: trajetória no


subdesenvolvimento. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

88
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Pittsburgh Press, 1987.

______. “Ascensão e queda do cinema brasileiro, 1960-1990.” In Revista USP n. 19.


São Paulo: Edusp, set-nov 1993, p.31-49.

ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural.


São Paulo: Brasiliense, 2001.

RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema, Estado e lutas culturais. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1983.

ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. São Paulo: Cosac & Naify,
2003.

SIMIS, Anita. Estado e cinema no Brasil. São Paulo: Annablume, 1996.

VIANNA Filho, Oduvaldo. “Do Arena ao CPC.” In PEIXOTO, Fernando (org.). Vianinha.
São Paulo: Brasiliense, 1983, p.90-7.

89
Uma indústria da anti-indústria

Ruy Gardnier

Visto sob o olhar de nossos tempos, parece quase impossível que um


advento como o do assim chamado “Cinema Marginal” tenha acontecido.
Impossível, ainda que sob outro aspecto, extremamente contemporâneo,
dado que estão na moda o questionamento dos modos convencionais de
produção, o encarecimento das estruturas, os esforços colaborativos, o
elogio do trabalho imaterial a fundo perdido, o funcionamento dos grupos
através de “coletivos” etc. Vendo os filmes, analisando os modos de
produção, a (des)preocupação com as formas de exibição, a enorme
informalidade dos projetos, as contribuições do acaso, o incisivo
questionamento do acabamento como índice ideológico, o elogio do podre,
do sujo, do descontínuo, do êxtase, o desabonamento do psicologismo, da
narrativa convencional, do feelgood, do conforto do espectador, é quase
inimaginável que esse cinema tenha sido feito por grupos de jovens ciosos
de iniciar uma carreira cinematográfica. Um tal extremismo da forma
cinematográfica, associado a formas amadoras de produção e, na maioria
das vezes, descompromisso com a veiculação dos filmes; como era possível
esperar que isso tivesse futuro? Contrariando todas as expectativas, houve
futuro - pelo menos para alguns. Houve futuro, talvez, à revelia do que os
filmes pareciam dizer. Se a maioria dos filmes do dito “Cinema Marginal”
inscreviam seus personagens num eterno presente isento de um passado
explicador ou futuro compensador - as estradas de Um Anjo Nasceu, de
Bangue Bangue, de Sem Essa Aranha, apontam no máximo para uma
progressão em aberto -, o mesmo pode ser dito, metaforicamente,
observando as estratégias de produção, as filmografias, as guinadas de
carreira, as formas com que foi se constituindo o conjunto de filmes desse
cinema. Um cinema do presente, em que o importante é o gesto criador, a
ideia do que filmar, a filmagem, a montagem. Como pôde um cinema desses
ter sido possível?

90
Parte desse espanto inicial pode ser explicada pelo contexto. Se o Cinema
Marginal é um fenômeno especificamente brasileiro, ele existe em
consonância com uma série de fatores e modificações do cinema mundial,
em especial o europeu e o japonês que, se não explicam em suas minúcias
as características principais desse cinema, ao menos permitem perspectivar
aquilo que é próprio, aquilo que é comum e aquilo que é uma apropriação
original. Acima de tudo, podem fornecer uma base de compreensão para o
fenômeno em suas implicações maiores, globais.

No final dos anos 1960, o mundo do cinema presenciava mudanças


significativas vindas do campo do cinema de autor. O começo da década viu
aparecerem novas proposições de cinema vindas da Itália, com Antonioni,
da França, com Alain Resnais e Jean-Luc Godard, do Japão, com Nagisa
Oshima, entre muitos outros. Afora as inúmeras modificações que esses
filmes propunham frente à forma cinematográfica, industrialmente eles
pareciam dizer uma coisa muito clara: existe público para filmes que não se
inscrevem em gêneros precisos e nos códigos convencionais que unem o
espectador ao filme - verossimilhança, empatia dos protagonistas, ponto
de vista mais ou menos direcionado etc. O enorme abalo provocado por
esses filmes sedimentou em alguns jovens cinéfilos a ideia de que existiria
campo comercial para um cinema mais ousado, que contestasse o cinema
inofensivo da indústria, fosse ela americana, italiana, francesa. O Cinema
Novo brasileiro, por exemplo, nasce desse ensejo: de um lado, os jovens
cineastas criticavam a magra indústria cinematográfica das chanchadas; do
outro, buscavam maneiras de criar um cinema que ao mesmo tempo fosse
comunicativo e expressasse a sensibilidade de seu realizador sem a camisa
de força da indústria. À sua maneira, o Cinema Novo brasileiro representa
muito bem o impasse do jovem cineasta de meados dos anos 1960: há ao
mesmo tempo o desejo de criar um discurso comunicativo e a repulsa a um
tipo de espectador, aquele que é condicionado às formas costumeiras de
narrativa, de personagem, de enquadramento, de duração de plano etc.
Esse impasse vai se cristalizar num convite ao espectador mais ou menos

91
convencional, mais ou menos ousado. Segundo vocabulário muito em voga
à época, ele vai moderar os níveis de invenção e familiarizar o espectador
com algum repertório que ele ao menos domine. E esse esquema de
“negociação” com o gosto médio do espectador domina não só o Brasil, mas
o mundo. Essa negociação também seu deu, lá fora mais do que aqui, pelo
cinema de “contrabando” (termo cunhado por Martin Scorsese), em que
cineastas dirigiam filmes de gênero, mas com sensibilidade própria, sem se
ater aos códigos e às morais habituais. Exemplos clássicos são Uma Mulher
É uma Mulher, de Jean-Luc Godard, O Tiro Certo de Monte Hellman e A
Marca do Assassino de Sejiun Suzuki.

Mas, ao passo que os anos 1960 vão terminando, acontece uma


radicalização. Seja pela ampliação de um público específico, que permitiria
graus maiores de invenção e menos negociação, seja pela perda absoluta de
paciência com a mínima concessão feita aos modelos vigentes de consumo
da indústria cinematográfica, os filmes de “Cinema Novo mundial” vão
ficando muito mais cerrados, densos, sem conciliação com o gosto do
público geral. O cenário em que nasce o Cinema Marginal brasileiro, de
certa forma, é o mesmo que vê Pier Paolo Pasolini passar de O Evangelho
Segundo São Mateus a Pocilga, que vê o surgimento do cinema austero de
Jean-Marie Straub e Danièle Huillet, que vê Nagisa Oshima, Shohei Imamura
e Sejiun Suzuki abandonarem as companhias japonesas, que vê Jean-Luc
Godard dizer adeus ao cinema de estúdios em nome de um cinema de
guerrilha e militância, propriamente intitulando-se “Grupo Dziga Vertov de
cinema revolucionário”. É uma época que vê zilhões de propostas para
novos cinemas que tragam uma sensibilidade nova para um novo
espectador. E uma época em que se via uma abertura possivelmente sem
precedentes: motivados por um ideal de comunidade global de
sensibilidade revolucionária, filmes que cinco anos antes jamais seriam
tolerados (e cinco anos depois também, diga-se) ganharam repercussão e
visibilidade impressionantes, circulando por festivais internacionais e sendo
exibidos comercialmente em dezenas de países. Considerando que os

92
próprios Beatles largaram nessa época os dias de ternos bem comportados
e passaram a desenvolver um som mais experimental e ousado, o lema que
parecia soprar no vento era “Rebeldia vende”. O surgimento, na Europa e nos
EUA, de circuitos universitários de distribuição, acenavam com a
possibilidade de um “contramercado” que pudesse dar vazão às obras de
contracultura. Havia, de forma implícita, a ideia de estar produzindo arte
para um mundo por vir.

No contexto brasileiro, há um diferencial muito significativo: uma cisão


entre a geração que começou a fazer filmes na primeira metade da década
e a que começou na metade final. O final dos anos 1960 representa para o
grupo original do Cinema Novo um momento de desejo de diálogo com um
público mais amplo, representado pela passagem aos filmes coloridos, e
pelas discussões em torno de uma empresa do Estado que ajudasse a
produzir os filmes (e que veio a ser a Embrafilme). Nos termos dos
detratores, a jogada era populista, e o
sinal de decadência de um movimento
que em seus tempos áureos
representou o que havia de mais novo
no cinema brasileiro. Nos olhos de um novo grupo de jovens cinéfilos e
futuros realizadores, a guinada do Cinema Novo para a indústria era
oportunista e renunciava à liberdade criadora que tinha sido seu ímpeto
inicial. A saída quase automaticamente natural para um grupo que
partilhava essa opinião era radicalizar tudo aquilo que o Cinema Novo
balizou. Radicalizar nas pesquisas de linguagem, sem dúvida, mas também
radicalizar na relação institucional que o grupo mais velho vinha
desenvolvendo com o mercado. Se o Cinema Novo, como já apontava Jean-
Claude Bernardet em Historiografia clássica do cinema brasileiro, inflou o
polo da produção em detrimento da exibição e da distribuição, o Cinema
Marginal transformará a produção na única preocupação. Porque, de um
lado, o seu público era um público do futuro (o que, de certa forma, se
revelou como tal) e, por outro, porque jamais houve uma preocupação de

93
fato em exibir as obras num contexto mais amplo (ao menos se
compararmos as negociações do grupo do Cinema Novo, em especial com o
exibidor Lívio Bruni).

De um ponto de vista
estritamente industrial, o
Cinema Marginal é um cinema
amador. Não que não haja
prodígios de produção e/ou de
exibição a serem observados e analisados: eles existem, sobretudo em
chave de aventura, não de planejamento. A verdadeira história industrial do
cinema dito marginal é como os grupos apareceram, como eles se
comunicavam, como eles se cotizavam para fazer os filmes, como eles
convenciam produtores iniciantes, e assim por diante. Consiste
essencialmente em mostrar como e por que surgiram alguns filmes
extremamente populares - caso de O Bandido da Luz Vermelha e A Mulher
de Todos -, como alguns filmes foram possíveis dentro de um esquema
“industrial b” como O Império do Desejo, como surgiu uma máquina de
produzir longas-metragens como a Belair, que em seis meses rodou seis
longas-metragens e um making of dos filmes e da vida em grupo. A
afirmação parece bombástica, mas ela revela toda sua propriedade com a
simples observação de que grande parte dos filmes do cinema dito
marginal, inclusive algumas de suas obras mais significativas, jamais entrou
comercialmente em cartaz. Em alguns dos casos, os filmes entraram em
cartaz cinco ou seis anos depois de sua primeira exibição pública ou
finalização, sem maiores estruturas de lançamento e com exibição em
apenas uma sala. A estética anti-industrial teve por fim seu correlato não-
industrial no consumo.

Em termos de indústria, Rogério Sganzerla representa o caso mais bem-


sucedido de sucesso de público. Seu primeiro longa-metragem, O Bandido

94
da Luz Vermelha, foi um enorme sucesso de bilheteria, sobretudo no estado
de São Paulo. Aproveitando o caso de um assaltante real que se
popularizou através de uma série de notícias em jornais, Sganzerla fez um
filme que flertava descaradamente com a vertente mais popularesca da
dita cultura de massa, chegando a utilizar a narração ultradramatizada e
irônica dos programas policiais de rádio como fonte de narração paralela às
aventuras de seu protagonista. Com caracterizações deliberadamente
exageradas, Sganzerla chegava a uma sofisticação que unia o histrionismo
expressionista dos personagens de um Glauber em Terra em Transe, e ao
mesmo tempo remetia ao humor tipicamente brasileiro herdado da era do
rádio, dos shows em cassinos e das chanchadas. Seu filme seguinte, A
Mulher de Todos, foi outro enorme sucesso em São Paulo, rendendo
dividendos que depois seriam utilizados como capital de produção dos
filmes da produtora Belair. O filme radicaliza as propostas de fragmentação
narrativa de Sganzerla, mas cativa o imaginário do público com título
picante referente à protagonista devoradora de homens. Cabe notar a
qualidade diferenciada dos filmes de Sganzerla, que misturavam teor pop,
irreverência, intelectualismo e um forte grau de iconicidade, fornecendo a
um público cansado dos filmes sisudos do Cinema Novo uma outra
proposta para cinema de autor.

Julio Bressane tem seu começo no Cinema Novo tendo dirigido um média e
um longa-metragem (Bethania Bem de Perto e Cara a Cara) dentro do
movimento. Quando dá a guinada para fora, realiza dois filmes de força
surpreendente, Um Anjo Nasceu e Matou a Família e Foi ao Cinema. O
primeiro jamais entra em cartaz, ao passo que o segundo foi retido pela
censura depois de 11 dias de exibição com sucesso no Rio de Janeiro em
março de 1970. No primeiro semestre do mesmo ano, Bressane se associa a
Helena Ignez e Rogério Sganzerla para criar a produtora Belair. A partir de
economias pessoais e do sucesso de bilheteria dos filmes anteriores, o
grupo rodou quatro longas-metragens em preto e branco, dois em cor, além
de um filme em super-8 registrando as filmagens. Nenhum dos filmes

95
entrou em cartaz. No entanto, se a experiência da Belair é interessante e
tão cativante nos dias de hoje (a ponto de Bruno Safadi, jovem cineasta,
estar realizando um longa sobre a produtora), é pela vertiginosa e quase
insana proposta de uma usina de filmes, quase nos moldes da produção
cinematográfica que antecedeu a chegada dos longas-metragens com
superprodução do final dos anos 1910: o cineasta como trabalhador diário, a
cada dia fazendo um filme e pensando no seguinte que virá em uma semana.
A usina foi interrompida ainda em 1970 quando Bressane, Sganzerla e Helena
Ignez receberam a informação de que seriam presos e viajaram para a
Inglaterra, seguidos de boa parte do grupo, como Maria Gladys e Guará
Rodrigues. Os filmes de Bressane feitos no estrangeiro (Memórias de um
Estrangulador de Loiras, Crazy Love, Lágrima Pantera, A Fada do Oriente)
jamais tiveram exibição fora de retrospectivas e sessões de cinemateca.

Um dado significativo do Cinema Marginal é a liberdade de bitola. Vários dos


filmes foram originalmente filmados em 16 mm, formato tido pela grande
indústria como amador ou exclusivo para cinejornalismo. Mas o maior
exemplo da irreverência e experimentação do movimento é a filmografia de
Ivan Cardoso no período, composta quase que exclusivamente de filmes
em super-8. Modelo não-profissional por excelência de cinema, o super-8
representa a arte ultrapessoal, o cinema de um homem só, a volta à
simplicidade sem custo dos irmãos Lumière. Entre seus filmes de maior
repercussão no período estão Nosferato no Brasil e Sentença de Deus. Hoje
eles podem ser vistos apenas em trechos no filme-coletânea A Marca do
Terrir. A produção em super-8, no entanto, não é exclusividade de Ivan
Cardoso. O formato, aliás, era extremamente difundido entre os jovens
aspirantes a cineastas do período.

Por ausência orçamentária, mas também por convicção em experimentar


diferentes modelos de produção cinematográfica, as equipes de filmagem
eram via de regra pequenas, quando não exíguas, com os diretores
assumindo diversas outras funções normalmente atribuídas a técnicos. O
exemplo máximo de acumulação de funções é Ozualdo Candeias, cineasta

96
contemporâneo ao surgimento do grupo “marginal”, mas de trajetória
solitária. De seu primeiro longa A Margem, que batizou o ciclo, até O
Vigilante, de 1993, Candeias geralmente assumia as funções de diretor,
roteirista, câmera, produtor e montador. Uma tal acumulação, novamente,
remete o Cinema Marginal à ideia de um cinema artesanal, em franca
oposição à separação de funções típica do cinema industrial. Seu único
sucesso foi Meu Nome É Tonho, de 1969, um filme de faroeste “italianado”,
como dizia o próprio diretor, adaptado ao interior brasileiro.

Sem dúvida o caso mais longevo e interessante


de colaboração com a indústria é a carreira de
Carlos Reichenbach. No Cinema Marginal ele é
o “ c o n t r a b a n d i s t a ” p o r e xc e l ê n c i a ,
frequentemente aliando-se aos produtores da
Boca do Lixo, em especial Antonio Polo Galante, para realizar filmes
com títulos de apelo erótico que criavam uma interface palatável para
os questionamentos existenciais e a crítica ao comportamento
machista que perpassam sua obra. Filmes como Lilian M - Relatório
Confidencial, O Império do Desejo e Extremos do Prazer bebem da
mesma fonte de A Mulher de Todos, aliando o comercialismo do apelo
sexual a explorações sofisticadas de linguagem.

Galante, aliás, é uma figura decisiva para o assim chamado Cinema


Marginal paulista. Sozinho ou com a parceria de Alfredo Palácios na
Servicine, ele deu guarida a jovens cineastas, produzindo os filmes de
episódios Em Cada Coração um Punhal, América do Sexo e Trilogia do
Terror, além do significativo longa-metragem de João Callegaro, O
Pornógrafo, e de A Mulher de Todos, de Sganzerla. Produtor de filmes
para o povão, Galante não tinha preconceito para com os jovens
cineastas intelectuais. Suas preocupações eram idiossincráticas, mas
poucas: título apelativo, de preferência de teor sexual, controle do
material publicitário e roteiro entre 80 e 90 sequências, segundo ele
próprio para garantir “um filme ao menos movimentado”. Apesar de

97
ideologicamente reticente às preocupações artísticas e políticas dos
cineastas ditos marginais, Galante foi o mais próximo que o ciclo teve de um
produtor com visão de mercado para inserir filmes de difícil digestão dentro
do circuito cinematográfico oficial.

Entre os cineastas de curta, mas marcante carreira no longa-metragem, o


painel não se modifica muito. Filmes como Os Monstros de Babaloo e O
Lobisomem, de Elyseu Visconti Cavallero, Perdidos e Malditos de Geraldo
Veloso, Bangue Bangue de Andrea Tonacci, A Sagrada Família de Sylvio
Lanna, Jardim de Espumas e Imagens de Luiz Rosemberg Filho, Orgia ou o
Homem Que Deu Cria de João Silvério Trevisan, Hitler Terceiro Mundo de
José Agripino de Paula, Jardim de Guerra de Neville d'Almeida (além de seus
invisíveis Piranhas do Asfalto, Surucucu Catiripapo, Mangue Bangue e Gatos
da Noite) sofreram seja pela censura (caso de Orgia e de Jardim de Guerra),
seja pelas dificuldades com os produtores, seja pelo desinteresse dos
exibidores e da comunidade cinematográfica em trazê-los a público. Muitos
filmes só vieram a estrear muitos anos depois de finalizados. No Rio, Jardim
de Guerra só foi lançado em 1974, com cortes, Perdidos e Malditos só
estreou em 1975, Os Monstros de Babaloo em 1982 e A Sagrada Família em
1988. Muitos sequer chegaram às telas, como as experiências únicas dos
escritores Trevisan e Agripino no longa-metragem.

A partir dos anos 1980, os cineastas que se mantiveram ativos no longa-


metragem lograram melhor sorte no circuito exibidor, restritos,
naturalmente, às duas ou três semanas em poucas ou uma sala já
tradicionais dos filmes considerados experimentais (e que permanece até
hoje, a ver pelos lançamentos de Cleópatra de Julio Bressane e Serras da
Desordem de Andrea Tonacci). Nos anos 1970-80, Neville d'Almeida foi um
dos maiores fenômenos de público do cinema brasileiro, filtrando seu estilo
através da dramaturgia de Nelson Rodrigues, em filmes de linguagem direta
e acessível como A Dama do Lotação, Os Sete Gatinhos e Rio Babilônia. Ivan
Cardoso nos anos 1980 também conseguiu popularidade com As Sete
Vampiras. Todos esses filmes de sucesso contaram com estrutura de

98
produção grande, bastante distinta dos moldes dos primeiros filmes de seus
diretores, e tiveram a Embrafilme como produtora e distribuidora.

Vivido como um momento intenso de ebulição de ideias, experimentação e


equivalência entre vida e arte, o Cinema Marginal foi a utopia de uma
construção de futuro. O ideal de uma arte à altura de seus personagens,
desgarrados, à deriva, entre um horizonte e outro da estrada, em eterno
presente, pedia um espectador inexistente, um espectador a ser
prospectado para as gerações seguintes. Como seus colegas franceses,
japoneses, italianos, os cineastas do Cinema Marginal não pretendiam
apenas contestar o cinema convencional em seus conteúdos, mas acima de
tudo abalar suas bases contestando sua própria estrutura, seus códigos de
espectatorialidade, de construção narrativa, de linguagem visual e também
de modelos de produção. Esse posicionamento radical, para fora do
sistema, precisava ser alimentado por novos agentes que encontrassem
nesse cinema a sede de liberdade e o vigor de questionamento que eles
propunham. Mas a revolução das novas sensibilidades não vingou. A década
de 1970 foi uma lenta volta aos moldes convencionais depois da “ressaca”, e
a contraindústria não recebeu o contrapúblico a quem ela destinava seus
filmes. O futuro pregou uma peça no presente, e a anti-indústria virou
simplesmente uma não-indústria. Sobraram os filmes, que no conjunto têm
uma importância simbólica e expressiva inversamente oposta à ínfima
participação no circuito exibidor.

Bibliografia
ABREU, Nuno Cesar. Boca do Lixo - Cinema e classes populares. Campinas:
Editora Unicamp, 2006.

BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro.


Metodologia e pedagogia. São Paulo: Annablume, 1995.

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PUPPO, Eugênio (org.). Cinema Marginal Brasileiro e Suas Fronteiras. 2ª ed.


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RAMOS, Fernão (org.). História do Cinema Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Art
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100
58
Pacto cinema-Estado: os anos Embrafilme

Tunico Amancio

A produção cinematográfica brasileira foi intensificada durante os anos


1970 e 1980, graças à intensa e direta ação do Estado. Antes de tudo,
porque o regime militar, dentro de seus princípios de centralização político-
administrativa, instaurou um projeto de institucionalização cultural de
extensão nacional. De um modo autoritário, evidentemente, mas
configurando um sistema articulado de funcionamento. Por outro lado, a
ação decisiva de um grupo motivado politicamente à esquerda, composto
na sua maioria por integrantes do Cinema Novo, serviu para que a ação
governamental fosse dirigida por diretrizes políticas com visada maior do
que as orientações oficiais, no interior da agência estatal destinada ao
cinema, a Embrafilme. Tal ação instaurou uma nova plataforma nas relações
do Estado com o cinema e permitiu
que fosse alcançado um largo
campo de conquistas no terreno do
mercado. Os anos Embrafilme
passam a caracterizar um dos ciclos do cinema brasileiro, que ensaiará
ultrapassar os princípios do cinema artesanal, propostos pelo Cinema Novo,
e a sazonalidade histórica da produção brasileira de longas-metragens, pela
adesão a um projeto de um cinema financiado essencialmente pelo Estado,
de cunho nacional e popular, distante de uma independência estética, e
majoritariamente voltado para a busca de uma eficiência mercadológica.

***

Uma produção estatal existia desde o Estado Novo de Getúlio Vargas


(1937-45), numa prática de atenção ao cinema, através do Departamento de

58. Publicado originalmente em Alceu: Revista de Comunicação, Cultura e Política, Rio de Janeiro, vol.8, n.15,
jul-dez 2007, p.173-84. Republicado com autorização do autor.

101
Cinema Educativo (INCE/1937) e também do Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), mas era uma estrutura que atendia apenas aos filmes
culturais de curta-metragem e aos filmes institucionais.

Até então o Estado respondia a poucas demandas do setor


cinematográfico, criando alguns mecanismos para sua proteção, e sua
interferência maior se dava no terreno da obrigatoriedade de exibição de
filmes nacionais. As grandes novidades do período 1970-80 serão a parceria
estabelecida pelo Estado com os produtores no campo espinhoso do
longa-metragem e a prospecção de mercado para o filme nacional, num
território cinematográfico minado pela concorrência estrangeira.

Desde a década de 1950, grupos e comissões oficiais se voltavam para a


ordenação da atividade cinematográfica, e vinham tentando disciplinar a
evasão para o exterior das consideráveis receitas geradas pela atividade
cinematográfica por meio da retenção de parte do Imposto de Renda das
distribuidoras estrangeiras, a ser optativamente aplicada na produção de
filmes nacionais. Estas e outras posições nacionalistas eram informadas
pela ampla militância, sistematizada a partir de Congressos realizados pela
classe cinematográfica no Rio de Janeiro e em São Paulo em 1952-53,
voltados à reivindicação do Estado como instância reguladora e
protecionista. Estas bandeiras possibilitavam uma união nacional contra o
cinema estrangeiro, inimigo comum e manifestação do imperialismo
econômico e cultural.

Somente em 1966 é que a atividade de produção foi contemplada com um


olhar planificador, a partir da criação do Instituto Nacional de Cinema
(INC), que já tratava a questão da aplicação dos recursos sob a forma de
financiamentos a filmes de longa-metragem. E de 1966 a 1969 estabeleceu-
se o primeiro programa de fomento à produção cinematográfica, mantido
com recursos oriundos dos depósitos compulsórios das empresas
distribuidoras estrangeiras. A produção de alguns filmes importantes, como
Os herdeiros (Carlos Diegues, 1968), Macunaíma (Joaquim Pedro de

102
Andrade, 1968) e Como era gostoso o meu
francês (Nelson Pereira dos Santos, 1969), contou,
em sua composição orçamentária, com recursos
da Condor Filmes associada a empresas brasileiras.

O INC era uma autarquia com função legislativa, de fomento, incentivo e


fiscalização, além de ser responsável pelo mercado externo e pelas
atividades culturais. Incorporou o INCE (do MEC) e o Grupo Executivo da
Indústria Cinematográfica (GEICINE), do Ministério da Indústria e Comércio,
de 1961, ao mesmo tempo em que foi dotado de alguns instrumentos de
intervenção no mercado: a obrigatoriedade de registro de produtores,
exibidores e distribuidores, permitindo a prospecção e o controle da
atividade, a determinação da obrigatoriedade de exibição do filme nacional
e também da aplicação em filmes brasileiros de 40% do imposto devido
sobre a remessa de lucros das companhias estrangeiras, o que até então era
optativo. Se os distribuidores estrangeiros não quisessem co-produzir
filmes no Brasil, os recursos passariam a fazer parte do orçamento do INC,
ao invés de retornar aos cofres da União, como vinha sendo feito.

Foram produzidos 38 filmes por esse sistema. As normas para a liberação de


recursos valorizavam a capacidade instalada dos produtores, os aspectos
técnicos e financeiros da produção, enfim, toda uma volumosa organização
burocrática que viria a ser o embrião do modo de operação da Embrafilme,
empresa que sucederá o Instituto.

***

Sob a vigência do Ato Institucional nº 5 (de 13/12/1968), marco do período


mais repressivo da ditadura no Brasil, foi instaurada uma agência estatal mais
sólida para o desenvolvimento da atividade cinematográfica. Em 1969, a
junta de ministros militares no poder criou a Empresa Brasileira de Filmes
S.A. (Embrafilme), uma empresa de economia mista que tinha como
objetivos principais a promoção e distribuição de filmes no exterior, em
cooperação com o INC. Do capital social da Empresa 70% eram subscritos

103
pela União, representada pelo MEC, e o restante por outras entidades de
direito público e privado. No plano econômico-financeiro ela foi agraciada
com o montante do imposto retido sobre o lucro das companhias
internacionais. Na esfera político-administrativa, pretendia-se a promoção
do filme brasileiro no exterior. Cabe lembrar que naquele momento o
cinema brasileiro mais engajado, formal e politicamente, gozava ainda de
grande prestígio internacional, e que se torna evidente o interesse do
regime militar em manter um controle efetivo sobre a atividade. A reação
da classe cinematográfica foi de absoluta indignação, denunciando a
inconsequência e o autoritarismo da criação de um órgão voltado ao
mercado externo, sem que se considerasse a necessidade de expansão do
mercado nacional, por uma medida efetivada sem uma mais detalhada
discussão com os diversos setores da indústria cinematográfica.

Nas primeiras gestões da Embrafilme, vamos encontrar, direta ou


indiretamente, ligações com o regime através de uma sucessão de membros
da diretoria aparentados a militares, mas essa subordinação a uma instância
militar vai se dissolver gradativamente (Amâncio, 2000).59

Em 1970, na gestão de Ricardo Cravo Albim, a Embrafilme concedeu os


primeiros financiamentos, concebidos à moda de empréstimo bancário60 e
que consideravam como sua clientela empresas e produtores, a quem de
fato a empresa financiava, numa prioridade de atendimento que era dada
por um processo de contagem de pontos, de acordo com a sua experiência
industrial e profissional. Os julgamentos qualitativos ou ideológicos sobre
os projetos apresentados eram minimizados, ao mesmo tempo em que se
enfatizava o aspecto comercial dos filmes. A liberação dos primeiros
financiamentos atenuou as críticas constantes à Empresa, mas já se
ensejava uma reformulação e ampliação das suas funções. Em 1972 foram

59. Já em setembro de 1970, o diretor geral era Carlos Guimarães de Mattos Jr., filho de um brigadeiro da
Aeronáutica, assim como o diretor administrativo era o vice-almirante Boris Markenson. Em 1972 o brigadeiro
Armando Tróia foi o diretor geral, sucedido por Walter Borges Graciosa (1972), amigo do ministro Jarbas
Passarinho.
60. 10% de juros pela Tabela Price, carência de 12 meses e pagamento em 24 meses, através de promissórias
avalizadas.

104
feitas modificações no modo operacional da empresa, e logo surgiu a
operação de co-produção, em que a empresa se associou financeiramente ao
risco do empreendimento, comprando parte do direito patrimonial do filme.

A relação com a classe cinematográfica se estreitou no I Congresso da


Indústria Cinematográfica, e a Comissão dos Produtores apresentou
também o “Projeto Brasileiro de Cinema”, já propondo a reestruturação da
Embrafilme, que passaria a empresa pública, regida pelo direito público, com
autonomia financeira e administrativa.61 Logo foram feitas as reformulações
administrativas, uma vitória dos produtores através do seu sindicato. O
Estado criou um prêmio para filmes voltados às plateias infantis e ao filme
histórico e literário em 1973, significativos estímulos para a “dignificação” da
atividade cinematográfica, sinalizando um projeto de indução ideológica de
caráter nacionalista e didático, política que criou um choque com a
produção comercial reinante, à base de comédias ligeiras associadas ao
modelo italiano. Em 1973 foi aprovada a criação de uma distribuidora para
atuar no eixo RioSão Paulo. O Amuleto de Ogum, de Nelson Pereira dos
Santos, será um dos primeiros filmes co-produzidos e distribuídos pela
Empresa, enquanto ainda vigorava o financiamento. A pedra de toque foi o
estrondoso sucesso do filme Dona Flor e seus Dois Maridos, de Bruno
Barreto, cuja distribuição foi efetuada pela Embrafilme com um inovador
sistema de controle de bilheteria.

Naquele período, o “apadrinhamento” por parte de segmentos militares


mais sensíveis à questão cultural foi fundamental para o estreitamento das
relações entre os setores da atividade cinematográfica e o Estado.62

No início do ano de 1974, algumas conquistas já haviam sido consolidadas e


a reserva de mercado para o produto nacional atendia aos interesses de um
projeto nacionalista do governo militar, complementados por recursos

61. Revista Filme Cultura n. 22, nov-dez 1972.


62. Tanto o coronel Jarbas Passsarinho quanto o coronel Ney Braga, que o sucedeu no Ministério da Educação
e Cultura, lideravam grupos de pressão bastante influentes junto aos órgãos encarregados do planejamento
dos recursos da União. E ambos foram os autores de inúmeras iniciativas na área cultural.

105
financeiros destinados diretamente à produção pelo sistema de
financiamento. Na transição para o governo Geisel, os vínculos entre o
cinema e o Estado se estreitaram com a indicação do produtor/cineasta
Roberto Farias para a direção geral da Embrafilme, com o apoio explícito da
classe cinematográfica. Glauber
Rocha e Nelson Pereira dos
Santos, a nata do Cinema Novo,
estiveram nas articulações para
essa indicação.63 Roberto Farias
seria o elemento de união entre as correntes nacionalista, articulada ao
desenvolvimentismo e a industrialista, absorvendo as formas de produção e
moldes artísticos estrangeiros, correntes conflitantes desde os anos 1950-
60.64 A “nova” Embrafilme foi prioritariamente uma área de poder do grupo
“nacionalista”, associado ao Cinema Novo, e entre as mudanças
encaminhadas em 1974 se encontra a extinção do INC, a criação do
Conselho Nacional de Cinema (Concine), ampliação da Embrafilme e a
criação da Fundação Centro Modelo de Cinema (Centrocine), ligado à
cultura cinematográfica (pesquisa, memória, filmes técnicos, científicos e
culturais etc.). A Embrafilme acrescentaria a suas atribuições a co-
produção, a exibição e distribuição de filmes em território nacional, a
criação de subsidiárias em todo o campo da atividade cinematográfica e o
financiamento da indústria cinematográfica (filmes e equipamentos) etc.

E só a partir de então que a Embrafilme, introduzindo de fato o sistema de


co-produção, no qual assumiu o risco do investimento em projetos, e
ampliando o volume das operações de distribuição, modelou sua mais
ousada configuração enquanto intervenção estatal na atividade
cinematográfica. A cumplicidade estabelecida na associação financeira a
um projeto e a responsabilidade requerida para sua comercialização

63. ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Rio de Janeiro: Alhambra/Embrafilme, 1981; e DOS
SANTOS, Nelson Pereira. Entrevista ao autor. Niterói, RJ, 1989.
64. RAMOS, José Mario Ortiz. Cinema, Estado e lutas culturais: anos 50, 60, 70. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1983.

106
levaram para o interior da Embrafilme a absoluta gerência administrativa do
produto fílmico, até então delegada aos setores privados. E,
paralelamente, vimos diminuir, no âmbito da empresa, o papel dos
produtores, enquanto aumentara a importância dos diretores, a nova
clientela da casa.

A Embrafilme investiu em até 30% de um


orçamento de teto limitado, e teve os direitos
de distribuição para o cinema e televisão, no
Brasil e no exterior. Acoplada a essa operação,
entrava em cena o adiantamento sobre a renda
de filmes, de até 30% do orçamento. O produtor
passou então a receber 60% do orçamento do
filme, e a Embrafilme garantiu para si uma participação societária em todas
as receitas auferidas durante a vida comercial de um filme.65 A adoção da
co-produção com adiantamento de distribuição (CO-DIS) traz à tona, assim,
duas ideias características do modo de operação da Empresa: o
investimento prioritário em filmes e a necessidade de se montar uma
estrutura de Distribuidora. Enquanto se regularizava o novo sistema,
continuavam os financiamentos. Foram 106 filmes entre 1970 e 1975, com
obras da importância de São Bernardo (Leon Hirszman, 1970), Toda Nudez
Será Castigada (Arnaldo Jabor, 1972), Guerra Conjugal (Joaquim Pedro de
Andrade, 1974), ao lado de comédias picantes e de produções baratas de
gêneros variados.

O Instituto Nacional de Cinema foi extinto em 1975, e os bens e as


atribuições da Embrafilme ampliados. A Empresa produziu, financiou,
promoveu, distribuiu e premiou o filme brasileiro, além de cuidar de seu lado
cultural, com orçamento ampliado por dotações, taxas e receitas diversas,
todas advindas da própria atividade cinematográfica. Em função da
necessidade de uma instância reguladora, foi criado o Concine, em 1976,

65. Cinco anos, prazo de vigência do Certificado de Censura.

107
subordinado diretamente ao MEC, com muitos representantes oficiais. Um
clima de otimismo apontava para uma definitiva consolidação industrial do
cinema brasileiro e para a obtenção de sua independência econômica. A
atividade do cinema se impunha enquanto esfera de negociação que
buscava sua legitimidade junto ao governo e à opinião pública. E as
demandas foram acolhidas e abonadas por fartos recursos oficiais. Esses
primeiros anos da década de 1970 foram a fase áurea da relação pré-
industrial do cinema intermediada pelo Estado, que só sofreu os primeiros
revezes no início dos anos 1980. Consolidou-se então um mercado de
amplas proporções, ainda que majoritariamente ocupado pelo produto
estrangeiro.

***

Paralelamente ao equacionamento do problema da produção, a ação


deflagrada pela classe cinematográfica junto à Embrafilme e ao Concine
visava atingir o cerne mesmo da economia cinematográfica, voltando-se
para a distribuição e exibição dos filmes. Tradicionalmente favorável ao
cinema estrangeiro (cuja elasticidade de comercialização é bem mais ampla,
minimizando os riscos financeiros e se beneficiando de uma favorável
recepção ditada por uma política constante de dominação cultural), o
setor exibidor rechaçava com veemência a intervenção estatal como
instância reguladora do mercado e o arbítrio da exibição compulsória. Já o
produtor, determinado a viabilizar o seu filme no mercado e defrontando-
se com adversário histórico do porte do cinema americano, recorria à
interferência do Estado como exigência para a continuidade de sua
produção. É sabido que, quando os setores produtor e exibidor se aliam, as
possibilidades de sucesso econômico se multiplicam.

Politicamente estabelecida ao lado do grupo produtor, a Embrafilme visava


também escoar com garantia sua produção que se avolumava a cada ano,
encampando através do Concine a luta pelo aumento da reserva de
mercado, elevada então aos seus mais altos patamares. Entre 1974 e 1979, a

108
reserva de mercado evoluiu de 84 para 140 dias.66 Em 1977, a “Lei da Dobra”67
e o recolhimento compulsório de 5% da renda dos filmes estrangeiros para
pagamento dos filmes de curta-metragem, tornando obrigatória sua
exibição por uma resolução do Concine, vêm causar
sobressaltos junto ao cinema estrangeiro. Essa
resolução desencadeia a vinda ao Brasil do todo-
poderoso Jack Valenti, presidente da Motion Pictures Association, para
entabular negociações que terminaram em ameaças de recurso à justiça.68
Armava-se um cerco à evasão de divisas pelo controle de bilheteria
(através da venda do ingresso padronizado) e pela obrigação de
investimento no curta-metragem. Tudo isso detonou uma retaliação
judicial, através de um número enorme de mandados de segurança.69

Mas a arrecadação aumentava, o mercado se desvendava; os filmes


brasileiros começaram a ter um desempenho que demonstrava as
potencialidades do mercado. Atuando no campo jurídico-administrativo os
produtores/realizadores conseguem, por meio da Embrafilme, retomar um
pouco do território cinematográfico ocupado pelo cinema estrangeiro, e
entre 1974 e 1979 a venda de ingressos para filmes nacionais tem um
incremento de 16%, e a de filmes estrangeiros, uma diminuição de 1,6%.70 A
Embrafilme conduzia o processo, distribuindo nacionalmente curtas e
longas-metragens. Sua distribuidora chegou a ser considerada a maior da
América Latina em determinado momento. Enquanto produtora, ela
valorizava o filme de orçamento médio, no pressuposto de que a
quantidade geraria a qualidade. Alguns dos filmes co-produzidos foram:
Lição de Amor (Eduardo Escorel, 1974), A Noiva da Cidade (Alex Vianny,
1974), Xica da Silva (Carlos Diegues, 1974), Aleluia, Gretchen (Silvio Back,
1975), Mar de Rosas (Ana Carolina, 1975), Anchieta José do Brasil (Paulo

66. ALTBERG, Julia. Política cultural no cinema, IUPERJ/Funarte, mai 1983.


67. Mecanismo que permite a manutenção do filme brasileiro em cartaz na 2ªsemana, caso ele supere ou
iguale o índice de frequência semanal do mesmo cinema, no semestre anterior.
68. Dario Correa, assessor jurídico da Embrafilme, em entrevista concedida ao autor em nov 1985.
69. Idem.
70. Mercado Cinematográfico Brasileiro - Embrafilme/Departamento de Ingresso Padronizado (DIP) 1980.

109
Cesar Saraceni, 1976), A Dama do Lotação (Neville de Almeida, 1976),
Doramundo (João Batista de Andrade, 1976), A Idade da Terra (Glauber
Rocha, 1977), Gaijin (Tizuka Yamazaki, 1978), O Gigante de América (Julio
Bressane, 1978), Muito Prazer (David Neves, 1978), Pixote, a Lei do Mais Forte
(Hector Babenco, 1978), Eles Não Usam Black Tie (Leon Hirszman, 1979),
Beijo no Asfalto (Bruno Barreto, 1980), Cabra Marcado para Morrer (Eduardo
Coutinho, 1980), entre muitos outros. Um espectro amplo de filmes, com
alguns notáveis resultados de bilheteria.

O conjunto de medidas adotadas significou um inusitado enfrentamento


direto com o capital internacional, numa perspectiva naquele momento
ainda ausente nas práticas de outras atividades econômicas mais
estratégicas.

Durante os anos 1970 estavam em articulação, voltadas para a construção


de um projeto que atendesse ao maior volume de interesses em jogo, várias
associações profissionais, sindicatos patronais, associações de produtores e
de diretores, bem como de curta-metragistas através da Associação
Brasileira de Documentaristas (ABD). Esta encabeçou a luta pela exibição
obrigatória do curta nacional, antes do longa estrangeiro, uma briga que
quanto mais se tornava eficiente, mais provocava a reação dos exibidores,
que passaram também a produzir filmes de baixa qualidade, enquanto
recorriam a mandados de segurança contra a aplicação da lei. Esse choque
provocou a interrupção dos recursos (que realimentavam o sistema
produtivo) e o estrangulamento do circuito produção-distribuição-exibição,
que se esboçava como benéfico para a atividade cinematográfica, uma vez
que diretamente vinculado ao mercado.

Outras medidas demonstram o clima de ebulição da


época: a profissão de Artista e Técnico em Espetáculos
de Diversões é regulamentada em 1978. Atendendo a

110
uma velha reivindicação da categoria, são criados ou ampliados alguns
polos regionais de produção - Minas Gerais e Rio Grande do Norte (1976),
Pernambuco, Bahia e São Paulo (1977) etc.; o Conselho Nacional de
Cineclubes é reorganizado em 1973 e possibilita a criação da Distribuidora
Nacional de Filmes para Cineclubes (1976); a prática do cinema
independente enseja a criação da Cooperativa dos Realizadores
Cinematográficos Autônomos (CORCINA, 1978), reunindo 45 realizadores e
centenas de filmes, enquanto 40 profissionais de cinema enfrentam a
timidez frente à exibição e fundam a Cooperativa Brasileira de Cinema,
também em 1978, arrendando dez salas do circuito Pelmex, com o aval da
Embrafilme, para exibir suas películas.

Dois programas especiais de


produção vão demonstrar o
a lc a n c e d a s p o lít i c a s
preconizadas pela Embrafilme: no fim da década, a Empresa resolveu
produzir, incentivada pelo Ministério da Educação e Cultura, uma pesquisa
de tema para filmes históricos, de grande alarde e
fartos recursos, que nunca chegaram a se
concretizar em filmes. O outro foi o programa
especial de pilotos para séries de televisão, numa
atitude arrojada de tentar se associar ao campo eletrônico
do audiovisual que se consolidava naquele momento,
definindo o que seria, no futuro, o imaginário brasileiro para
exportação. A iniciativa também não colheu o resultado
previsto, mas serviu para estimular a competição da Rede
Globo, que pôs no ar, imediatamente em seguida, seus seriados (Malu
Mulher, Carga Pesada, Plantão de Polícia e Aplauso), de estrondoso
sucesso.

111
O Estado encampou de modo direto as principais lutas do cinema brasileiro
deflagradas nos anos 1970, período de experimentação das políticas
propostas pela classe cinematográfica, através da construção de um canal
legítimo de representação no interior das agências governamentais.
Paralelamente, no circuito não dependente da Embrafilme, as películas de
conteúdo erótico radicalizaram seu discurso chegando ao sexo explícito.
São Paulo conhecera sua “Boca do Lixo”, mais que uma produtora, uma
associação lucrativa entre produtores e exibidores, principalmente no
interior.

A crise econômica instalada no país no fim da década foi o elemento


diluidor do crescimento da atividade, e os anos 1980 revelaram a outra face
da moeda: desmobilizado o projeto cultural do Estado, imerso
principalmente nas dificuldades econômicas que se abatem sobre as
sociedades periféricas ao grande capital, a atividade cinematográfica
retroagiu sensivelmente, adequando-se a uma escala menor. O
esfacelamento da identidade da classe cinematográfica no
acompanhamento daquele processo demonstrou a falência de uma utopia
de independência e apontou para diferentes opções de atuação.

Durante os anos 1980 a Embrafilme enfrentou a crise econômica e a


reorganização e redemocratização da sociedade civil (com a Anistia e as
Diretas-Já) reduzindo o número de filmes produzidos, sob o argumento da
necessidade de uma qualidade mais competitiva e de uma campanha de
difamação na imprensa, baseada em supostos favorecimentos e corrupção.
A essa altura, devido a uma crise interna de representação, o diretor geral
foi indicado fora dos quadros da classe cinematográfica, invertendo a
tendência de continuidade.71 A ideia de um cinema comercial, voltado
diretamente para o mercado e associado ao aparelho de Estado, apontava
para um modelo concentracionista, de pequenos grupos e grandes

71. O indicado foi o embaixador Celso Amorim, vindo dos quadros do Itamaraty. Os próximos diretores gerais
foram Roberto Parreira (1982-85), Carlos Augusto Calil (1985-86), Fernando Ghignone (1987-88) e Moacir de
Oliveira (1988-90), vindos, a maioria das vezes, da administração pública.

112
investimentos, e ameaçava os produtores independentes, atuando numa
faixa de menor disponibilidade de recursos, abertos a um maior número de
tendências e disputando no terreno de exibição de segunda linha a sua
legitimação comercial.

O aumento galopante da inflação fez com que os orçamentos se


tornassem problemáticos, exigindo reajustes constantes. 7 2 As
complementações de verbas oficiais passaram a escassear e a atividade
como um todo sofreu um refreamento. A força da intervenção
governamental no aparato institucional do cinema se fez notar no episódio
da demissão de Celso Amorim do cargo de diretor geral, por conta do
escândalo político nos meios militares representado pela produção e
exibição do filme Pra Frente Brasil, de Roberto Farias, que tratava da ditadura
e da tortura.

Internamente, a estrutura administrativa da Embrafilme sofreu novas


modificações. As modalidades operacionais voltaram a exigir garantias
sólidas, e a diretoria se envolveu diretamente na negociação das operações.
Alguns filmes marcaram essa derradeira fase da Empresa: Memórias do
Cárcere (Nelson Pereira dos Santos, 1983), O Beijo da Mulher Aranha
(Hector Babenco, 1984), A Marvada Carne (André Klotzel, 1985), O Homem
da Capa Preta (Sergio Rezende, 1985), A Hora da Estrela (Suzana Amaral,
1985), com passagens importantes por festivais internacionais.

Em julho de 1986 foi criada a Lei Sarney, dispondo sobre a renúncia fiscal
para a produção de projetos culturais. Os filmes da Embrafilme precisavam
ter seus orçamentos completados com verba externa, dos benefícios
fiscais concedidos a operações de caráter cultural ou artístico, disputando
com as outras artes as verbas para patrocínio.

72. Os reajustes vigoravam desde a década anterior e se transformaram num pesadelo para a administração,
que via crescer de maneira espantosa o número de aditamentos aos contratos originais. O controle financeiro
das produções, com os níveis altos de inflação, chegou a ser quase impossível.

113
Em 1988 foi criada a Fundação do Cinema Brasileiro,
com a finalidade de operacionalizar o lado cultural
da atividade cinematográfica, voltado ao filme curto
e documentário.

E então, finalmente, em 1990, na coroação do pleno


retorno à sociedade civil, o presidente eleito,
Fernando Collor de Mello, em sua ânsia privatista,
extinguiu sumariamente a Embrafilme e os órgãos
afins do cinema. A operação de desmonte da
atividade cinematográfica atingiu a capacidade de
produção e competição do cinema brasileiro no
seu próprio mercado. Nem mesmo foram
preservados os mecanismos de controle
estatístico por parte do Estado. De uma situação
de estabelecimento confortável frente ao
mercado, o cinema reduziu-se novamente a uma
atividade periférica, recomeçando do zero. A
produção nacional, que atingira nos picos dos anos
1970 mais de 100 filmes por ano, com uma ocupação de mercado da faixa
de um terço, voltou a níveis insignificantes, e nesse vácuo permitiu a
reconquista desse terreno pelo cinema americano. O cinema brasileiro
perdeu suas agências financiadoras, sua capacidade de produção e de
distribuição e finalmente seu público, embora isto se tenha dado também
por conta da modernização tecnológica (TV a cores e home video), que
mudou radicalmente o panorama do mercado de cinema.

***

Foi a partir do surgimento da Embrafilme que a atividade cinematográfica


teve assegurada sua mais eficiente expressão dentro do aparato do Estado.
Até então, as medidas legislativas implantadas e a criação do INC,
indefinido enquanto órgão voltado à ampla atuação na economia do

114
cinema, foram a preparação do terreno onde, na década de 1970, se deu a
definitiva aproximação entre cineastas e agências estatais. Fruto de uma
política oficial de convivência com as oposições e integrada numa forma de
capitalismo de Estado que não excluía os setores da indústria cultural, a
Embrafilme consolidou aí o seu processo de modernização, embora ainda
sob a égide do regime militar e da censura e abrigou, como afirmação
ideológica, a necessidade de conquista do mercado interno. O ato
revelador desse programa foi a indicação de cineastas para o
encaminhamento da política cinematográfica dentro da mais abrangente
autonomia administrativa. Essa aceitação respondeu à pressão dos setores
organizados, delegando-lhes a competência para gerir seu próprio destino
com relação à sua inserção no mercado.

Os anos 1974-79 caracterizaram o período de experimentação onde foram


desenvolvidas em sincronia duas das mais importantes ramificações da
atividade cinematográfica: a produção e a distribuição. Na medida em que se
acelerou o desenvolvimento dessas duas forças dinâmicas, vieram à tona as
contradições fomentadas por elas no interior do próprio mercado, expondo
a fragilidade da política oficial para o cinema. No estabelecimento de
interesses específicos dos diferentes grupos na área de produção, ficou
configurada, por parte do Estado, uma opção revelada por duas atitudes: a)
a diversificação da produção, numa abrangência temática de absoluta
liberalidade; b) o fortalecimento da figura do realizador/produtor,
facilitando seu acesso aos recursos governamentais enquanto clientelas
privilegiadas.

A expansão do setor de produção não se deu, desse modo, por uma


capitalização de suas categorias empresariais, ou pela sedimentação de seu
parque industrial, mas pela opção definitiva pelo produto fílmico,
principalmente após a adoção da operação de co-produção. Se o
financiamento pressupunha uma relação de compromisso financeiro
individual, ou privado, compatível com as possibilidades de empresas

115
produtoras estabelecidas, a nova modalidade operacional levou à
responsabilidade do Estado todo o risco do empreendimento fílmico. Pelo
descomprometimento com as leis do mercado de exibição, essa distorção,
em que o Estado subsidia e promove diretamente o processo produtivo,
caracterizou também o aparecimento de um cinema híbrido, que, embora
sem chancelas dirigistas, localizou-se entre as perspectivas do mais
arrojado cinema autoral e do mais inconsistente cinema comercial. Tal
ambiguidade, que por outro lado não pode deixar de ser considerada
benéfica, dimensionada em função dos recursos disponíveis, fez imobilizar o
sistema de produção de filmes, por desconsiderar para o jogo de mercado
as expectativas e viabilidades concretas de sua comercialização.

No conjunto de fragilidades do projeto de Estado para a atividade


cinematográfica, a produção e a distribuição foram também os elementos
que propiciaram o surgimento das principais fraturas da unidade
estabelecida em torno das gestões administrativas da Empresa, no fim da
qual se cancelou a relação direta mantida com os setores da classe
cinematográfica, substituindo-a por nova forma de intermediação.

A originalidade e a abrangência das questões colocadas no período,


determinadas por uma consistente investida contra a ocupação do
mercado pelo filme estrangeiro, diluíram-se entre as novas condições que
se estabeleceriam na década seguinte, como se o cinema brasileiro
recomeçasse do zero.

Bibliografia

ALTBERG, Julia. Política cultural no cinema. IUPERJ/Funarte, mai 1983.

AMANCIO, Tunico. Artes e manhas da Embrafilme. Niterói: EDUFF, 2000.

DOS SANTOS, Nelson Pereira. Entrevista ao autor. Niterói, RJ, 1989.

116
RAMOS, José Mario Ortiz. Cinema, Estado e lutas culturais: anos 50, 60, 70. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1983.

ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Rio de Janeiro: Alhambra/


Embrafilme, 1981.

117
Ordem, progresso e animação

Marcos Magalhães

Antes de abordar a questão de uma indústria de animação brasileira, é


importante afirmar que, desde seus primórdios, a linguagem da animação
possui, por conta (ou apesar) de sua diversidade e potencial artístico, uma
enorme demanda do público e, portanto, uma latente vocação industrial.

Quando falamos de primórdios aqui, estamos nos referindo à pré-história -


muito, muito antes da revolução industrial! A linguagem das imagens em
movimento sempre foi perseguida pelo ser humano, desde os desenhos das
cavernas que buscavam reproduzir movimentos de homens e animais. Esta
representação a princípio dependia de uma interpretação, como era o caso
dos animais desenhados com oito patas ou mais (como se fossem camadas
superpostas do que hoje podemos chamar de “fotogramas”). E assim foi ao
longo de toda a história da arte humana, quando artistas dos mais diversos
estilos e culturas conseguiam captar e registrar em imagens fixas, por puro
talento e engenho, uma “sugestão” de movimento. Esta só pôde se
concretizar na tão desejada “ilusão” de movimento no século XIX, em
plena alvorada da era industrial. Foi quando surgiram os primeiros engenhos
mecânicos que transformariam curiosos truques de ótica na mais poderosa
expressão humana da atualidade, no espaço de pouco mais de um século,

A primeira “máquina” de projeção de desenhos animados foi um simples


disco de papelão com ranhuras chamado “fenaquistoscópio”, lançado por
Joseph Plateau por volta de 1830. Mesmo que a intenção do inventor fosse
o estudo da fisiologia da visão humana e não a fabricação de um produto, o
seu efeito de ilusão de movimento, inequivocamente eficiente para
qualquer observador, já indicava um potencial comercial. Um
aperfeiçoamento deste aparelho, o zootrópio, idealizado em 1834 por
Willian Horner, mas só patenteado e comercializado 30 anos depois,

118
tornou-se sucesso de vendas e fenômeno de marketing no final do século,
vendido como brinquedo, objeto de estudo ou até peça promocional de
produtos como balas e biscoitos.

No livro A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema, de


Laurent Mannoni,73 encontramos um fascinante relato da corrida pelos
modelos e soluções mecânicas que vingariam na nascente indústria
audiovisual. Conhece-se ali um panorama bem mais amplo que a versão mais
conhecida do “nascimento do cinema”, oficialmente datada pela estreia do
cinematógrafo dos irmãos Lumière, em 1895.

O resgate de um episódio esquecido veio recentemente alterar o paradigma


de que o nascimento do “cinema” só acontece a partir das imagens
fotográficas realistas do cinematógrafo: trata-se da história de Emile
Reynaud, artista, inventor e empresário que, pelo menos três anos antes
dos irmãos Lumière, obtinha sucesso de publico e crítica com as sessões
genuinamente cinematográficas de seu “Teatro Óptico”, na mesma Paris.
Este espetáculo era infinitamente mais próximo do que hoje chamamos
“cinema”: continha narrativa, montagem, diálogos, música e participação
ativa da plateia, em um grande espetáculo de projeção. As cenas eram
projetadas a partir de uma fita translúcida perfurada, semelhante à película
cinematográfica. Apenas uma grande diferença: todas as imagens eram
desenhadas à mão!

Portanto, o desenho animado, a expressão mais popular da animação, foi o


verdadeiro precursor de toda a indústria audiovisual. Emile Reynaud
personifica o talento que levou a mágica do zootrópio às telas, com o
sistema de espelhos que batizou de “praxinoscópio” e foi a base de seu
Teatro Óptico. Mas, talvez por um detalhe de sua personalidade, mais para
artesão do que para empresário (ao contrário dos Lumière, que tinham
algum tino de comerciantes), não foi capaz de industrializar seu sistema. Ao

73. MANNONI, Laurent. A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema. São Paulo: SENAC/UNESP,
2003.

119
contrário: concentrava todas as tarefas da produção e do espetáculo em
sua pessoa, tornando o espetáculo comercialmente insustentável. Cada
filme levaria meses para ficar pronto, e por isso foi levado ao desespero
quando verificou que, a partir de 1895, seu público migrava para as sessões
do “cinema real” do cinematógrafo, este capaz de realizar uma nova
atração a cada semana... mesmo que os filmes não tivessem nenhum
atrativo além da mera reprodução fotográfica da realidade, em cenas
cotidianas como a chegada de um trem ou a saída de operários da fábrica.

A falência e o fim trágico de Reynaud (num surto de depressão, jogou seu


equipamento e sua obra no rio Sena), sepultaram o seu mérito por quase um
século, deixando a errada impressão de que o cinema seria prioritariamente
uma reprodução da realidade em movimento. Exagerada importância foi
dada ao mecanismo padronizado de filmagem e projeção lançado pelos
Lumière e complementado por vários outros inventores do calibre de
Thomas Edison (que aperfeiçoou entre outras coisas a película 35 mm tal
como é até hoje). O suporte físico da reprodução realista ficou sendo
considerado como o pilar da nova indústria, quando hoje sabemos que o
produto mais valioso e permanente será sempre o conteúdo imaterial,
vindo do impulso humano em contar histórias e representar fantasias. A
animação e sua linguagem, da qual derivaram todas as expressões
audiovisuais em movimento que conhecemos, deve ser colocada como a
base da indústria audiovisual e reconhecida e valorizada como tal.

A indústria do cinema só deslanchou quando os filmes se descolaram do


documental e lançaram voos para a fantasia, a comédia e o sonho, assuntos
impossíveis de ser captados com a pura fotografia. E que melhor veículo
para passear por essas esferas que o desenho e a imaginação? Logo, quando
algum desenhista teve a ideia (vários deles a tiveram) de registrar, através da
fotografia, suas imagens desenhadas - ou experimentar objetos
movimentados magicamente pelo stop motion -, vislumbrou-se um novo
filão para a exploração comercial do cinema. Na formação das primeiras

120
cadeias de produção e exibição cinematográfica, o desenho animado já teve
lugar de destaque e público garantido. Personagens nascidas nas histórias
em quadrinhos (linguagem de crescimento paralelo, com a mesma idade
oficial do cinema, inaugurada em 1895 com o personagem Yellow Kid) logo
foram transpostas para as telas, e agentes de distribuição se especializaram
em comercializar seus direitos.

O primeiro personagem que fez o caminho inverso (das telas para os


quadrinhos) foi o Gato Félix, criação de Otto Messmer para os estúdios de
Pat Sullivan. De seu sucesso no cinema derivou uma bela carreira comercial,
até hoje exemplo para o licenciamento de um personagem em vários
produtos de consumo. O erro básico de Sullivan foi não acreditar no futuro
do cinema sonoro e se recusar a dar voz ao personagem, o que acabou
causando sua decadência. Mas Félix mostrou o caminho para muitos outros
personagens de sucesso que se seguiram.

Durante a evolução da indústria do cinema ao longo do novo século, as


pesquisas de linguagem e de novos processos de produção de efeitos (não
só os especiais) estiveram a cargo dos animadores - que nem sempre
levaram o devido crédito. O storyboard, por exemplo, peça hoje
reconhecidamente fundamental no planejamento de uma produção, vem
da cultura do desenho animado e foi instituído pela equipe de Walt Disney.

Por alguma estranha razão (desconhecimento, ou


talvez despeito?) a animação foi gradativamente
perdendo status, chegando a ser considerada arte menor ou simples
curiosidade para a crítica, apesar de seu apelo junto ao público. Uma
errônea classificação a designou quase exclusivamente como um gênero
infantil. Ora, os filmes de animação inicialmente se destinavam ao público
geral, ou até só para adultos, com sátiras políticas e de costumes
inapropriadas para menores. Foi só a partir dos longas de Disney, a partir dos
anos 1940, que as crianças passaram a ser o alvo principal, mas mesmo assim
ainda levando todas as idades às salas de projeção. Com o posterior

121
advento da televisão e sua programação das manhãs de sábado, o desenho
animado correu o risco de se tornar definitivamente um subgênero mal
explorado, aprisionado em seu nicho e sem perspectiva de libertação até o
final do século XX.

Nos anos 1990, assistimos a um renascimento e valorização sem


precedentes da linguagem animada. Aconteceu no mundo todo, e se deve
muito à grande transformação introduzida nos meios de produção e
exibição. A informatização das imagens permitiu multiplicar o alcance da
fantasia através da geração de imagens sintéticas, que antes demandavam
muito esforço e talento, além de árduo recrutamento e treinamento de
mão-de-obra. Com tudo isso, o cinema admitiu finalmente sua libertação
da realidade. Tornou-se difícil distinguir as cenas “reais” das “fabricadas” com
o recurso da animação.

A animação é hoje reconhecida como uma indústria poderosa, quase tão


estratégica quanto a bélica. Mas poucos países realmente chegaram a
construir um núcleo industrial nesta área. Nos Estados Unidos foram
moldados os padrões que influenciaram todos os outros modelos. Em
meados do século XX, cientes do grande poder comunicativo da linguagem,
os soviéticos formaram um verdadeiro “parque industrial” da animação, com
estúdios estatais instalados em vários de seus países aliados
(Tchecoslováquia, Polônia, Hungria etc.), com a diferença de que seus
produtos tinham fins mais políticos do que comerciais. Este “parque” foi
sucateado com as mudanças do regime no final do século, mas os talentos
e a tradição continuam vivos e se renovando para o mercado global.

A partir dos anos 1960, com a televisão instalada e difundida em todo o


mundo, o Japão estrategicamente montou a sua indústria e seu padrão
nesta área, com Osamu Tezuka, gênio tanto do “mangá” como do “anime”,
desempenhando o mesmo papel catalisador de um Disney. A princípio os
produtores japoneses visavam o mercado interno, mas logo criaram
condições de promover uma verdadeira invasão internacional que

122
estabeleceu novos padrões, hoje quase em pé de igualdade com o domínio
americano.

Nos outros países, inclusive no bloco europeu, não há na animação


potências como os EUA e Japão. A França deu um grande passo na década
de 1990, firmando sua identidade e marca industrial na animação, e hoje cria
séries e longas de sucesso, além de ter talvez os melhores núcleos de
formação artística profissional em animação atualmente. Mas não faz
questão de concentrar toda a linha de produção em seu próprio território.

Na Ásia, antes apenas fonte de mão-de-obra especializada a bom preço, os


países vão construindo pouco a pouco a sua independência dos produtores
americanos, japoneses e europeus. Índia e Coreia são bons exemplos, em
que o investimento no aprimoramento da formação profissional foi o
trampolim para uma maior autonomia e a possibilidade de construir
conteúdos próprios.

Em todo o planeta, o exercício da linguagem autoral e a busca de novas


soluções artísticas e técnicas explodem em festivais, na internet e nas
novas plataformas como os games e o celular.

A globalização fez com que as co-produções ou terceirizações


fragmentassem a cadeia industrial da animação. Um único longa ou uma
série inteira podem hoje ser criados na França, planejados no Canadá,
animados na Índia e finalizados na Alemanha, por exemplo. Esta é a maior
tendência, e o Brasil pode estar prestes a entrar neste clube.

O Brasil tem filmes de animação desde o início do século passado, e os


desenhos animados há muito fazem parte da nossa cultura. Os produtos
brasileiros eram escassos, mas sempre com repercussão de público, desde o
primeiro e curtíssimo filme, O Kaiser, de Álvaro Marins, o Seth, em 1917. Seth
foi um visionário que tentou fazer das caricaturas animadas um produto
comercial, encontrando algum mercado para seu trabalho, mas não o
suficiente para remunerar e garantir continuidade de seu processo artesanal

123
de produção. Sua trajetória foi mais ou menos a mesma, com diferenças de
escala, de todos os produtores brasileiros que o sucederam no século XX:
um ou dois títulos de sucesso, comprovando o talento, mas muita
dificuldade para encaixar o produto e reproduzi-lo em série (se este fosse o
objetivo).

Portanto, não podemos falar que já existe uma “indústria de animação


brasileira”. Ainda não dominamos o processo completo de criação,
planejamento, produção, finalização e principalmente distribuição e
licenciamento de séries e longas de animação.

Mas entramos num ótimo caminho neste início de milênio. Finalmente, a


sociedade brasileira foi forçada a reconhecer, pela invasão audiovisual
presente em todas as mídias e artefatos de comunicação, que a
customização desta linguagem é fator estratégico e hoje uma absoluta
necessidade. Em consequência, muitas ações positivas se encontram em
curso.

O que se está fazendo para recuperar o tempo perdido? A partir dos anos
1990, a chegada de mais informações, com trocas de experiências com os
produtores internacionais (em eventos como o festival Anima Mundi)
revelou as perspectivas e ajudou a definir o nosso potencial numa indústria
global de animação. No próprio festival, incentivou-se a formação de uma
associação de classe - a Associação Brasileira de Cinema de Animação
(ABCA) - que tem estruturado ações junto a diversos setores (governo,
mercado, público, empresas) que já começam a dar seus frutos. Uma série
de editais está acontecendo no intuito de desenvolver projetos e modelos
de produção (incentivando também as co-
produções internacionais).

Ao mesmo tempo, movidas por interesse


mercadológico concreto, emissoras de TV e
operadoras de celular começam a disputar
conteúdo brasileiro em animação.

124
Em outro setor importante, o da formação, abrem-se cursos superiores e de
especialização em animação em universidades públicas e privadas. Ainda
não se treina mão-de-obra para o mercado em cursos profissionalizantes,
pois aquele não tem padrões estabelecidos, mas os estúdios já incluem em
seu planejamento o treinamento prévio de suas equipes.

Podemos dizer, para finalizar, que a vocação brasileira para uma indústria de
animação está se mostrando criativa, cultural, geradora de conteúdo e
estilos próprios, e dificilmente seguirá o mesmo caminho dos asiáticos, que
enfrentaram uma fase inicial (em alguns casos, permanente) de apenas
executar material criado por outras culturas. Estamos no início, mas temos
feito as coisas certas. O futuro certamente será favorável, a exemplo de
duas outras vertentes culturais e de entretenimento, a nossa música e
nosso futebol, que já trilharam caminhos próximos dos industriais, e que se
não se estruturaram fisicamente de forma duradoura, pelo menos têm
marca indelével no exterior. A animação brasileira tem tudo para se juntar
a estes bem-sucedidos produtos de consumo interno e exportação.

125
O mercado cinematográfico brasileiro: uma situação global?

André Piero Gatti

A partir do início da década de 1990, a reorganização da infra-estrutura da


indústria cinematográfica brasileira torna-se um marco histórico. Entende-
se que a distribuição e a exibição são os ramos que mais foram afetados
neste quadro, justamente por serem os mais dinâmicos dessa indústria no
Brasil e os que se encontravam conectados de maneira mais direta com o
estágio de expansão do capital internacional naquele momento.
Entretanto, apesar das novas aparências geradas por essas mudanças, certo
senso comum defende a presente situação como sendo algo positivo. Daí o
período ser convencionalmente chamado de “retomada do cinema
brasileiro”. Na realidade, trata-se de uma classificação excessivamente
otimista, que remeteria ao que seria mais um ciclo histórico de produção
cinematográfica nacional.

Os ramos do comércio cinematográfico, exibição e distribuição vieram a se


amoldar muito mais rapidamente às exigências e demandas do estágio do
capitalismo e da nova divisão internacional do trabalho. Tal situação
também se encontra no mercado cinematográfico brasileiro, isso porque,
desde o início da década de 1990, o mesmo vem atravessando um momento
de grande transformação em todos os seus setores: da produção à
exibição. No que diz respeito à distribuição, abandonou-se o modelo
baseado em pequenas firmas particulares e uma grande estatal que
vigorava até então, para se adotar a associação com grandes distribuidoras
privadas, normalmente estrangeiras, que também se beneficiaram de
mecanismos de incentivo, além de uma pequena empresa estatal renascida
no âmbito da municipalidade do Rio de Janeiro.

126
O papel da cinematografia hegemônica nunca foi tão decisivo no desenho
do mercado cinematográfico, pois foi neste momento que as distribuidoras
majors e semelhantes foram incentivadas a participar diretamente da
produção nacional. Aqui se delineiam algumas das novíssimas situações do
espaço alcançado pelo cinema brasileiro nesse período. Verifica-se, então,
um claro processo de internacionalização da realização de conteúdos
locais para as salas de exibição, tanto em território nacional quanto em
território internacional, ainda que essa situação não possa ser estendida
para todo o campo audiovisual. Isso porque, historicamente, na trajetória da
produção, o cinema não encontra no seu próprio campo uma sinergia que
lhe permita fugir do seu estado de subdesenvolvimento, apesar da atual
expansão na produção do audiovisual independente. Isso pode ser visto
também nos filmes que disputam o mercado das salas de cinema e outros
nichos da indústria cultural.

A despeito da discussão em torno da oposição entre certos conceitos


ideológicos, presentes no debate cinematográfico (desenvolvidos e
subdesenvolvidos, ocupados e ocupantes), houve uma evidente mudança
na qualidade das relações que o cinema brasileiro manteve com os setores
hegemônicos do mercado audiovisual no país. Um segmento importante no
ramo da produção aproximou-se das áreas dominantes no campo,
notadamente, o setor de comércio de filmes. A política deste setor
hegemônico da produção propunha uma posição maleável, no sentido de vir
a participar do mercado, ao invés de tentar disputá-lo. Curiosamente, o
instrumento adequado para a implantação de tal política foi o sistema de
financiamento da indústria, por meio de mecanismos de incentivos fiscais.
Esses incentivos podem estender-se por vários segmentos da cadeia
econômica audiovisual. A interação entre os setores
dominantes da produção e da distribuição tendeu a se
aprofundar, e acabou criando um projeto de industrialização
muito próprio. Além disso, esses interesses se afastam,
quase que completamente, do ideário apresentado no
histórico do III Congresso Brasileiro de Cinema (CBC). Dessa

127
maneira, os espaços se abrem para uma inequívoca e maior ocupação das
empresas que operam com produto audiovisual importado, reforçando a
presença dos agentes econômicos estrangeiros no mercado nacional.
Estamos diante de um círculo vicioso do regime da economia de mercado.

Até o presente momento, a política econômica e cultural do audiovisual


brasileiro não se provou capaz de resolver problemas mais candentes do
setor da produção nacional - a distribuição e exibição desses bens de
consumo. O elemento compilador na construção dos sistemas de
produção e circulação viáveis, sob o ponto de vista do retorno do capital
investido, deve-se também ao fato de que, praticamente desde os
primórdios, a indústria nacional tem-se caracterizado como uma atividade
econômica incipiente, ainda que haja alguns momentos de relativa euforia.
Trata-se aqui da decantada ciclotomia histórica da produção
cinematográfica no Brasil. A indústria tem se comportado de uma maneira
bastante tímida e frágil para enfrentar os seus verdadeiros problemas de
infra-estrutura e organização internas. A simples manufatura de filmes não
é o único e suficiente alicerce para se construir um verdadeiro projeto
industrial: para a sobrevivência da atividade, necessariamente, deve-se
integrar a produção e a circulação da mercadoria cinematográfica com a
finalidade de se formar um sistema que absorva tal conjunto de obras
audiovisuais. A situação reporta-se fundamentalmente àquela realização
que tem como objetivo atingir o público ou o mercado, esta entidade
ambígua. Por parte dos chamados setores audiovisuais independentes, entre
eles a indústria cinematográfica, há uma incapacidade histórica e política de
enfrentamento do status quo alcançado pelos donos das maiores fatias do
mercado.

O negócio do cinema em tempos globalização

Desse modo, a produção autóctone no mercado local está em nítida


desvantagem frente ao produto estrangeiro. Esse estado de coisas deve-se
ao fato de a hegemonia do produto importado permanecer de maneira

128
intocável sob os pontos de vista cultural e econômico. Tal situação advém,
fundamentalmente, dos baixos índices de verticalização e
horizontalização verificados.

Identifica-se a verticalização como elemento mais recorrente, mas entre as


suas variedades, a mais comum verticalização na história do cinema
nacional é a associação entre os interesses da distribuição e a exibição,
ambas de filmes importados. Os poucos casos registrados de associação
entre produção local, distribuidores e exibidores obtiveram baixo nível de
perenidade. Tal dissonância impossibilitou a criação de um ambiente
econômico de isonomia competitiva entre o filme nacional e o importado,
favorecendo a concentração do capital circulante nesse mercado nas
mãos de poucos grupos. Por sua vez, os setores dominantes repartiram o
bolo econômico, conforme seus próprios interesses, alheios às
necessidades do cinema brasileiro. Instalaram-se monopólios e oligopólios
de distribuição e exibição ao longo de todo o país e aniquilou-se, assim,
qualquer possibilidade de concorrência entre as empresas atuantes na
atividade, praticamente. Para alcançar tal posição, os elementos
dominantes operaram utilizando práticas comerciais típicas de cartel, as
quais têm sido nutridas por produtos importados a baixos preços, poucas
barreiras alfandegárias, legislação protecionista insuficiente etc.

Portanto, pode-se afirmar que o período da retomada é justamente aquele


em que há uma adaptação maior aos ditames do capital internacional,
aliado ao fato de que se encontra em curso um processo de reformulação
total na circulação de bens de consumo na indústria cultural. Foi então que,
provocadas pelo aparecimento de novas tecnologias, as alterações na
circulação de filmes aconteceram de maneira mais profunda, o que exigiu
de todas as empresas ligadas à distribuição e à exibição uma readequação à
nova realidade. Isso pode ser observado por meio das sensíveis quedas no
número de salas, de lançamentos de filmes e de público. Porém, o setor de
exibição comercial adaptou-se rapidamente a essa nova situação, tornando
os preços dos ingressos mais atraentes para os investidores. Portanto, foi

129
dessa maneira que se tentou manter níveis de atividade, no que se refere à
receita e ao lucro. Outro fator foi a internacionalização do comércio de
varejo de filmes no Brasil. Essa conjuntura pode ser notada pela mudança de
controladores do mercado de circuitos de exibição, que só se consolidou
porque os preços dos ingressos no mercado nacional aproximaram-se da
média internacional.

N o t r a n s c o r re r d a
década de 1990 houve
uma significativa majoração dos valores cobrados.
Verifica-se que o valor dos ingressos obteve uma
variação ascendente, entre 1990 e 1998, sempre
acima dos índices inflacionários. Em 1999, por exemplo, na cidade de São
Paulo, o preço médio do ingresso ficou por volta de R$8,14, percebendo-se
um aumento real de R$0,72. Com este valor, o preço do ingresso alcançou
sua média mais alta em uma década, US$4,70. Este índice se deve a âncora
cambial praticada no período. Entretanto, comparando-se com os períodos
anteriores, décadas de 1970 e 1980, verifica-se um aumento em dólares
norte-americanos de mais de 50%. Aqui, mais uma vez, fica clara a aliança
entre os exibidores nacionais, em sua maioria, e os distribuidores de filmes
importados, sempre com a finalidade de manter o nível da atividade do
negócio nos mesmos patamares das décadas anteriores. Entre 2000 e
2003, registra-se uma diminuição do preço real médio do ingresso, que
apresentará uma recuperação nos seus valores praticados nos últimos anos
devido ao novo fôlego cambial da moeda nacional. O que ocorreu foi um
aumento do preço em reais e uma diminuição do preço em dólares norte-
americanos por causa das constantes desvalorizações que a moeda
brasileira enfrentou no período.

Como se sabe, o aumento do preço médio dos ingressos aconteceu de


maneira praticamente ininterrupta entre 1990 e 1998. Entretanto, somente
entre 1999 e 2002 identifica-se uma tendência de diminuição do preço em

130
dólares. O valor em reais dos ingressos aumentou de maneira regular, às
vezes acima dos índices inflacionários. A situação só viria se reverter no
biênio 2005-06, quando houve uma recuperação do preço praticado no
mercado, tanto em reais quanto em dólares, em 2007; o preço do ingresso
em algumas salas de São Paulo chegou a US$10, um valor nunca antes
alcançado, ainda que pese a conjuntura macro-econômica que tem
proporcionado uma desvalorização recorrente da moeda norte-americana.
Paradoxalmente, o aumento do preço médio do ingresso tornou-se um
desestímulo para o produto brasileiro, já que ele veio a afastar os
espectadores de baixa renda das salas de exibição, público que
historicamente sustentou a produção nacional. Outra questão que
contribui sobremaneira para isso é a situação desvantajosa nas relações que
o setor da produção manteve e mantém com a distribuição e a exibição de
filmes. Discrepância intensificada no período da retomada, pois o aumento
médio do preço dos ingressos foi acompanhado pelo aumento médio dos
custos nacionais de produção e de lançamento e pelo encolhimento do
setor de exibição. Essa situação é agravada por dois fatores: o exibidor
mantém um avanço expressivo sobre a bilheteria e é o primeiro elo da
cadeia produtiva a ver o capital reembolsado; e o distribuidor do filme
nacional, normalmente, não investe no negócio, apenas presta um serviço.
Com isso, todos os ônus de promoção, lançamento e distribuição de um
filme acabam, quase sempre, totalmente debitados na conta do produtor.
Assim, o produtor nacional é o elemento mais frágil da cadeia econômica
do cinema no Brasil.

A produção cinematográfica em questão

Até o final da década de 1990 existiam, no Brasil, basicamente três polos


distintos de produção cinematográfica, todos com uma atividade regular e
contínua. Essa situação garantia uma média de produção e de lançamentos
comerciais em torno de 80 filmes de longa-metragem por ano. Esse número
contrasta com o desempenho do período pós-1993, por exemplo, cuja

131
média de filmes exibidos comercialmente, entre 1994 e 1999, não passou
de 25 filmes anuais. Tal panorama irá se modificar de maneira tímida entre
2001 e 2003, período quando se alcançou, em média, a ainda modesta
marca de 30 filmes lançados por ano. Tal panorama só veio a mudar nos
últimos anos, quando foram lançados números superiores aos citados. O
ano de 2006 é aquele com o maior número de lançamentos - 73 títulos
comercializados em todo o território nacional, o que há muito não se via. Na
época da retomada pesa ainda o fato de que vários filmes não conseguiram
distribuidor interessado em lançá-los. Até o presente momento, muitos
deles ainda não encontraram canais de comercialização por várias
questões, entre elas a falta de capital, filmes documentários que seriam
mais adequados para exibição em canais fechados e especializados, o baixo
nível de interesse que algumas obras despertam. Criou-se um razoável
estoque de filmes economicamente encalhados.

Comercialização do cinema nacional

Entre 1990 e 2008 a circulação e recepção do filme brasileiro destinado à


exibição em salas de cinema trazem uma característica: a sua
comercialização comportou-se de maneira bastante diferenciada em
relação ao período cinematográfico anterior (1966 e 1989). No período
abordado, presenciou-se a reconstrução industrial para um projeto
audiovisual local. Entende-se que houve uma conjuntura favorável naquele
momento, tanto nacional quanto internacional. Trata-se de um elemento
diferenciador em relação a outros momentos da história brasileira, pois essa
é a hora em que a cinematografia local passou a receber de maneira mais
direta os estímulos externos. Estes que, por sua vez, orientavam uma nova
política industrial e comercial para o setor produtivo como um todo. A
partir dessa situação, percebeu-se uma evidente readequação da economia
do audiovisual independente brasileiro e de significativa parcela da indústria
cinematográfica.

132
Por sua vez, o cenário político-econômico do período coincide com aquele
que possibilitou a inserção do Brasil no contexto da globalização dos
mercados, sendo essa uma das principais marcas da década de 1990. Ainda
deve-se destacar o fato de que alguns setores da economia nacional
também já se encontravam razoavelmente permeados pela presença das
empresas transnacionais, como é o caso específico do mercado
cinematográfico brasileiro. Nessa fase também houve a inserção e a
massificação das chamadas novas tecnologias da informação.

Graças à situação de ocupação do mercado pelos agentes internacionais da


indústria cinematográfica hegemônica, o faturamento do mercado
cinematográfico permaneceu em patamares relativamente estáveis.

A receita do filme brasileiro do mercado nacional entre 1990 e 1999


alcançou valor inferior a US$100 milhões, um faturamento médio anual de
menos de US$10 milhões. No mesmo período, a receita total do mercado
no Brasil foi superior a US$1,8 bilhão, uma média anual superior a US$180
milhões, aproximadamente. Se por um lado, entre 1990 e 1999, identifica-
se uma receita bilionária do filme estrangeiro - mais US$1,7 bilhão - pode-se
dizer que, por outro, o mercado demonstrava um potencial de crescimento.
Essa situação pode ser vista pelo aumento da participação de filmes
brasileiros no mercado total, notadamente, no período de 2000 a 2003.
Portanto, o produto nacional ainda tem condições de expansão que deverá
se consolidar na faixa de 10 a 20 milhões de ingressos por ano em média.

Nota-se pelo número de faturamento que o domínio do filme importado é


um fato que vem se consagrando historicamente. Essa situação se repete
desde o estabelecimento do comércio de filmes em território nacional.
Considerando-se apenas os lançamentos da década de 1990, chega-se a
uma média de 203 filmes estrangeiros lançados por ano, isso devido,
basicamente, à ação comercial das empresas majors distribuidoras. Afinal,
são elas as maiores responsáveis pela manutenção do comércio
cinematográfico em patamares que podem ser considerados

133
economicamente atraentes, ainda que se verifique um aumento
significativo do número de lançamentos de filmes brasileiros no período de
1995 a 2004. Entre 1997 e 2003 houve uma pequena diminuição de filmes
estrangeiros, efeito da concentração econômica derivada da política de
megalançamentos de filmes importados no mercado nacional.

O ano de 1995 parece ser um momento-chave do processo: a partir dele, a


participação da produção local teve uma constância no que se refere ao
número de títulos lançados e à participação no mercado total. No período
mais recente, constata-se um razoável aumento dos lançamentos e de
algumas receitas dos filmes brasileiros. Esse é um fator indicativo de que
houve uma estabilização do número de obras pátrias que o mercado tem a
capacidade de absorver.

Na era da retomada, é perceptível o fato de que o mercado


cinematográfico se encontra ocupado pelo mercado internacional de
maneira vertical, ou seja, na distribuição, produção e exibição. Trata-se de
um fato nunca visto antes na trajetória da indústria brasileira.

Por sua vez, a real política econômica do mercado audiovisual como um


todo, no Brasil, privilegiou uma descentralização e uma atomização da
produção, em um mercado praticamente desregulamentado, derivado de
uma legislação incipiente, cujos instrumentos de controle e fiscalização
são bastante frágeis. Com a finalidade de garantir a inserção comercial do
filme brasileiro de longa e curta-metragem nos mercados local e
internacional, deve-se tentar reverter essa situação por meio de um
conjunto de ações estatais e dos setores interessados. A ocupação do
espaço econômico por forças hegemônicas continua sendo fator condutor
da história e dos negócios cinematográficos no Brasil.

Ainda no que tange a distribuição comercial


cinematográfica, é possível identificar dois
importantes fatores opostos, o primeiro
deles é aquele que representou o fim da

134
Embrafilme para a produção local e
o surgimento da Riofilme, ou seja, a
volta da presença do Estado nos
negócios cinematográficos. O
segundo fator é de ordem externa,
pois não se deve deixar de destacar
a reordenação no seio das empresas
transnacionais, cujos processos de fusão e incorporação, ocorridos
basicamente na década de 1990, têm como principal reflexo a mudança da
hegemonia do mercado internacional como um todo. No Brasil, os reflexos
desse processo podem ser vistos quando a Columbia Tri Star Buena Vista
passou a ser uma das principais empresas em atividade, dividindo a primeira
posição com outras empresas do grupo controlador. Essa reordenação,
entretanto, não ficou restrita apenas às empresas majors, reproduzindo-se
de maneira diferente no campo das distribuidoras independentes de filmes
importados, fato que obrigou algumas delas a fecharem ou a perderem a
importância econômica. A diminuição do número de filmes comercializados
vem acompanhada da redução do tempo de ocupação de tela por um
determinado título. A vida econômica útil de um filme nas salas de exibição
é cada vez mais curta. O distribuidor de grandes obras tem imposto a sua
vontade ao mercado e, com isso, direciona a política econômica do cinema
de acordo com seus interesses. Essa situação se deve à necessidade cada
vez mais premente de lançar o filme já exibido nas salas comerciais em
outros segmentos do mercado, notadamente o home video,
constantemente ameaçado pelo fantasma da pirataria. Isso exige maior
rotatividade de títulos nos espaços de exibição, pois se corre o risco de o
filme estar sendo lançado e concomitantemente vendido por ambulantes.
Por sua vez, as grandes distribuidoras provocam o aumento do número de
cópias para um determinado filme, criando, dessa maneira, um ambiente de
baixa competitividade, pois há poucos títulos em oferta. Além disso, tem
havido relativo aumento na oferta de filmes importados de países que não
integram o campo hegemônico cinematográfico e audiovisual.

135
Pelas facilidades oferecidas pelo artigo 3º da Lei do Audiovisual, ampliadas
pela MP n.º 2.228/01, as distribuidoras nacionais, transnacionais ou as
empresas representantes desses interesses passaram a distribuir e a co-
produzir assiduamente filmes brasileiros. Além disso, os filmes passaram a
compor a grade de programação da televisão por assinatura, que também
passou a ser co-produtora de filmes nacionais. O resultado dessa
combinação de forças foi que em 2003, ainda o ano de melhor desempenho
de mercado do cinema brasileiro da retomada, as empresas majors
distribuíram 14 filmes nacionais que representavam 50% dos lançamentos.
Esses filmes obtiveram 98,2% do público e 97,82% da renda do cinema
brasileiro - essa é a nova receita.

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Paulo: Telaviva, 1995.

VAZ, Toninho. Grupo Severiano Ribeiro: 90 anos de cinema. Rio de Janeiro: Saraiva,
2007.

VIANY, Alex. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do


Livro, 1959.

_____. Agulha no palheiro. Organizado por Pedro Jorge de Castro.


Fortaleza/Brasília: Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura Capes, 1983.

VIEIRA, Else (org.). City of God in Several Voices: Brazilian Social Cinema as Action.
Nottingham: Critical, Cultural and Communications Press, 2005.

VILLAÇA, Pablo. Helvecio Ratton - o cinema além das montanhas. São Paulo:
Imprensa Oficial, 2006.

XAVIER, Ismail. O olhar e a cena. São Paulo: Cosac & Naify, 2006.

_____ . “O cinema brasileiro dos anos 90.” In Revista Praga de Estudos Marxistas, nº
9, 2000.

149
Dados de mercado

Ranking das empresas exibidoras (1998)

Empresa nº de telas mercado


Grupo Severiano Ribeiro 130 8,99
Alvorada/Paris 99 6,56
Cinemark 95 6,53
Playarte 45 3,09
Art Filmes 30 2,06
Independentes 1000 68,73

Total 1.455
Fonte: Cinemark é muito mais que cinema, 1998.
Elaboração: Autor.

Cinemark em São Paulo (1999)

Conjunto Localização Cidade


Cinemark 8 Shopping Tatuapé São Paulo
Cinemark 10 ABC Plaza Shopping Santo André
Cinemark 12 Shopping Colinas São José dos Campos
Cinemark 14 Interlar Aricanduva São Paulo
Cinemark 11 Shopping SP Market São Paulo
Cinemark 9 Extra Anchieta São Bernardo do Campo
Cinemark 10 Shopping Interlagos São Paulo
Cinemark 9 Shopping Tamboré Tamboré

Total de complexos 8
Total de telas 83
Média de telas por complexo 10,04
Fonte: www.cinemark.com.br/, 17 de novembro de 1999.
Elaboração: Autor.

150
Principais empresas exibidoras brasileiras (2000)

Empresa Nº de salas
Cinemark 218
L.S. Ribeiro 170
UCI 99
M. Santos 62
GNC/Pedro Rocha 45
Alvorada 42
Haway 40
Paris 32
Playarte 30
Art Films 30
Orient 26
Pedro Naves 26
Passos 24
Espaço 21
Sercla 20
Estevão 18
Cineart 17
Star 15
Hoyts 15
Total 950
Fonte: Filme B Data Base 2000.
Elaboração: Autor.

151
30 Maiores Exibidores Brasileiros (2003)

Exibidor Nº de salas
Cinemark 264
Grupo Severiano Ribeiro 179
UCI 99
Arcoiris Cinemas 66
Cinematográfica Araújo 64
Espaço de Cinema 49
Cinematográfica Passos 41
Empresa Cinemais 36
GNC Cinemais 33
Haway Cinematográfica 30
Grupo Paris 30
Orient Filmes 28
Grupo Estação 28
Art Films 28
Empresa São Luiz de Cinemas 28
Empresas de Cinema Sercla 27
Afa Cinemas 26
CinemaStar 25
Grupo Playarte 24
Cinearte 17
Alvorada Cinematográfica 16
Hoyts General Cinema 15
RBM Cinemas 12
Ricardo C. Lopes Cinemas 11
Cinebox 10
Top Filmes 07
Cinemas de Arte do Pará 07
Empresa de Cinemas Sta.Rosa 07
Total 1.179
Fonte: CDI, 20 anos de distribuição, com dados da Filme B.
Elaboração: Autor.

152
Rede Cinemark Multiplex por região (2004)

Região Sudeste Cidade Nº de Multiplex


São Paulo São Paulo 10
São José dos Campos 02
São Bernardo do Campo 01
Santos 01
Santo André 01
Campinas 01
Barueri 01
Praia Grande 01
Ribeirão Preto 01

Rio de Janeiro Rio de Janeiro 03

Região Sul Cidade Nº de Multiplex


Paraná Curitiba 01

Rio Grande do Sul Canoas 01


Porto Alegre 01

Região Centro-Oeste Cidade Nº de Multiplex

Distrito Federal Brasília 01

Mato Grosso Taguatinga 01


Campo Grande 01

Região Nordeste Cidade Nº de Multiplex


Sergipe Aracaju 01

Região Norte Cidade Nº de Multiplex


Amazonas Manaus 01

Total 30

153
Central do Brasil no mercado cinematográfico
internacional (1999)

País Público Renda


África do Sul s/d 45.000
Alemanha 300.000 1.800.000(*)
Argentina 180.000 540.000(*)
Bélgica 80.000 480.000(*)
Bolívia 5.600 10.200(*)
Brasil 1.600.000 4.300.000
Chile 33.700 147.000
Colômbia 16.700 38.000
Coreia do Sul s/d 103.000
Equador 8.000 15.000
Espanha 120.000 720.000(*)
EUA 1.300.000 6.500.000
França 590.000 3.440.000(*)
Inglaterra 200.000 1.000.000
Itália 242.000 1.300.000
México 72.000 200.000
Panamá 1.100 7.500
Peru 33.400 110.200
Suíça 200.000 600.000(*)
Uruguai 45.000 260.000
Venezuela 35.600 112.000

Total 5.063.500 22.462.500,00


(*) Estimativa
Fonte: “Nas telas do mundo”, O Estado de S. Paulo, 01 set de 1999 com dados do autor.
Elaboração: Autor.

154
Filmografia comentada

Obras Novas: Evolução de uma Indústria (1951)


Direção: sem créditos.
Cia Produtora: Vera Cruz. Duração: 18min.
Livre

Versão oficial da ainda curta trajetória da Vera Cruz, ressaltando suas


inúmeras proezas e enfatizando, em tom grandiloquente, a magnitude dos
investimentos técnicos do estúdio. Na realidade, trata-se claramente de
um grito de socorro com o objetivo de sensibilizar autoridades, capitalistas
e outros possíveis investidores, mas que se revelou inútil à época.
Entretanto, a dinâmica e o estilo vigoroso do documentário - muitas vezes
atribuído ao diretor Lima Barreto - destaca-se da crítica à artificialidade que
caracterizaria os longas-metragens do estúdio paulista.

Tem Coca-cola no Vatapá (1975)


Direção: Pedro Farkas e Rogério Correa
Produção: Eliane Bandeira e Luna Alkalai. Duração: 25min.
Livre

Misto de documentário e filme de ficção, a obra é uma síntese das principais


ideias de Paulo Emilio Salles Gomes, constituindo-se em um dos maiores
filmes tese sobre a história do cinema brasileiro e suas contradições.
Realizado por jovens estudantes, muitos deles alunos do curso de cinema
da ECA/USP, o curta-metragem destaca-se pela presença de Rudá de
Andrade interpretando o intelectual Mario Bering, pelo depoimento de
Gustavo Dahl sobre o cinema brasileiro e, sobretudo, por revelar o mais
influente pensador da história do cinema brasileiro em ação na sala de aula.

Alô, Alô, Carnaval (1936)


Direção: Adhemar Gonzaga
Produção: Adhemar Gonzaga e Wallace Downey. Cia produtora: Cinédia,

155
Waldow filmes. Duração: 80min.
Elenco: Jayme Costa, Barbosa Júnior, Pinto Filho, Oscarito, Francisco Alves,
Irmãs Pagãs, Joel e Gaucho, Carmen e Aurora Miranda, Heloisa Helena,
Mário Reis, Lamartine Babo, Almirante.
Livre

Verdadeiro desfile de astros e estrelas do rádio e do teatro de revista


brasileiros, a história gira em torno da montagem de uma revista intitulada
Banana-da-terra por dois “picaretas”. Realizado na esteira do sucesso de
Alô, Alô, Brasil (1935), dirigido conjuntamente por Gonzaga e Wallace
Downey, norte-americano funcionário da Columbia Discos, trata-se de um
exemplo da convergência de interesses da indústria fonográfica e
cinematográfica, aproveitando-se ainda do prestígio dos cantores e atores
do rádio e dos palcos. Este sucesso de público da Cinédia constitui-se num
exemplar pioneiro dos musicais carnavalescos que se transformariam num
dos principais filões do cinema nacional.

O Ébrio (1946)
Direção: Gilda de Abreu
Produção: Adhemar Gonzaga. Cia produtora: Cinédia. Duração: 131min.
Elenco: Vicente Celestino, Walter D'Ávila, Alice Archambeau, Rodolfo
Arena, Manoel Vieira, Victor Drummond, Julia Dias.
Livre.

Gilberto, moço desesperançado que assiste à desestruturação de sua


família, vê a chance de alcançar o sucesso e retomar o sonhado curso de
medicina ao participar de um programa de calouros, na rádio Mayrink Veiga.
Contudo, a sorte ainda irá lhe preparar alguns infortúnios, como anuncia o
título e a música tema. Melodrama que aproveitou a popularidade de
Vicente Celestino no filme dirigido por sua mulher, Gilda de Abreu - estrela
de outro grande sucesso da Cinédia, Bonequinha de Seda (1936) -, O Ébrio
tornou-se a maior bilheteria do estúdio e um dos maiores sucessos da
história do cinema brasileiro de todos os tempos. Estima-se que tenham

156
sido feitas mais de 500 cópias do filme, vendidas diretamente aos
exibidores das localidades mais afastadas do Rio de Janeiro, como simboliza
nostalgicamente o filme Bye bye Brasil (Carlos Diegues, 1979).

Carnaval Atlântida (1952)


Direção: José Carlos Burle
Gerente de produção: Guido Martinelli. Cia produtora: Atlântida. Duração:
92min.
Elenco: Oscarito, Colé, Grande Otelo, Cyill Farney, Eliana Macedo, Fada
Santoro, Renato Restier, José Lewgoy, Maria Antonieta Pons, Wilson Grey.
Livre.

Acompanhando as peripécias dos bastidores da filmagem de uma versão da


história de Helena de Troia no Brasil, o filme assume abertamente a defesa
de certo modelo para o cinema brasileiro, transformando-se num dos mais
contundentes filmes políticos de nossa cinematografia. Com críticas
óbvias à concorrente Vera Cruz, representada na figura do produtor Cecílio
B. De Milho - piada tanto com o megalômano cineasta Cecil B. DeMille,
quanto com Francisco “Ciccillo” Matarazzo, o milionário por trás dos
estúdios paulistas -, o filme defende as chanchadas carnavalescas como o
cinema viável para o cinema comercial no Brasil. Dirigido por José Carlos
Burle, um dos fundadores da Atlântida em 1941, os números musicais
ficaram a cargo do então novato Carlos Manga, que viria a ser o principal
diretor do estúdio na década de 1950.

Assim Era a Atlântida (1975)


Direção: Carlos Manga
Coord. de produção: Silvio de Abreu. Cia produtora: Altântida, Carlos
Manga Prod. Cinematográficas. Duração: 105min.
Elenco: Oscarito, Grande Otelo, José Lewgoy, Eliana Macedo, Zezé
Macedo, Wilson Grey, Renato Restier, Anselmo Duarte, Cyill Farney, Sonia
Mamede, Doris Monteiro, Ivon Cury, Adelaide Chiozzo, Zé Trindade, Eva
Wilma, Norma Bengell, Jô Soares.
Livre.

157
Compilação dos grandes sucessos da Atlântida Cinematográfica através de
depoimentos dos principais astros e estrelas do estúdio e de trechos de
seus 27 longas-metragens que sobreviveram ao tempo e ao descaso dos
produtores. Realizado nos moldes do similar Era uma Vez em Hollywood
(That's Entertainment, 1974), celebração dos musicais da MGM, o filme
privilegia as obras de seu diretor, Carlos Manga, responsável por
chanchadas como Nem Sansão, nem Dalila (1953), cuja bilheteria chegou a
ser estimada em mais de 19 milhões de espectadores, número maior do que
o do oscarizado Titanic (James Cameron, 1997), que fez 17,5 milhões de
espectadores no Brasil.

O Cangaceiro (1952-53)
Direção: Lima Barreto
Gerente de produção: Cid Leite da Silva. Cia produtora: Vera Cruz. Duração:
94 min.
Elenco: Alberto Ruschel, Vanja Orico, Marisa Prado, Milton Ribeiro, Adoniran
Barbosa, Zé do Norte.
Livre.

Professorinha raptada por cangaceiros em saque a um vilarejo no nordeste


do país conquista o amor do nobre cangaceiro Teodoro, levando-o a um
confronto com o líder do bando, o temido capitão Galdino. Considerado o
filme mais caro já realizado no Brasil até aquele momento, O Cangaceiro
veio a se tornar também o maior sucesso comercial da Vera Cruz. A Palma
de Ouro de Melhor Filme de Ação no Festival de Cannes de 1953 coroou
sua carreira internacional e, distribuído pela Columbia Pictures, foi a primeira
obra cinematográfica nacional a obter grande repercussão internacional
crítica e comercial.

O grande momento (1958)


Direção: Roberto Santos.
Produção: Nelson Pereira dos Santos. Duração: 80min.
Elenco: Gianfrancesco Guarnieri Pércia, Míriam Pércia, Vera Gertel, Jaime

158
Barcellos, Paulo Goulart, Turíbio Ruiz, Angelito Mello, Norah Fontes, Milton
Gonçalves.
Livre.

Nas ruas do bairro paulistano do Brás, o eletricista Zeca enfrenta inúmeras


dificuldades ao longo de um dia para pagar as despesas de seu casamento.
Produzido por Nelson Pereira dos Santos logo após Rio Zona Norte, o filme
de estreia de Roberto Santos contou com a participação da Maristela, do
produtor Mário Audrá Jr., que foi o avalista de um empréstimo do Banco do
Estado de São Paulo e cedeu o estúdio onde o longa-metragem foi em
grande parte filmado. Realizado em regime de mutirão, com poucos
recursos e equipamentos precários, O grande momento foi concebido sob a
ideologia do Cinema Independente, que privilegiava conteúdos nacionais e a
autonomia autoral, mas não excluindo diferentes esquemas de produção
que garantissem a viabilidade econômica do filme.

Ainda Agarro esta Vizinha (1974)


Direção: Pedro Carlos Rovai
Dir. de produção: Hélio de Oliveira. Cia produtora: Sincrofilmes. Duração:
91min.
Elenco: Adriana Pietro, Cecil Thiré, Lola Brah, Sérgio Hingst, Nídia de Paula,
Hugo Bidet, Carlos Leite, Meiry Vieira, Fregolente, Valentina Godoy,
Ângelo Antonio, Eduardo Vivacqua.
Contém cenas inadequadas para menores de 14 anos.

Crônica carioca urbana que retrata um prédio típico do tradicional bairro de


Copacabana onde vive o paquerado Tatá, o filme traça uma divertida
radiografia da classe média brasileira dos anos 1970. Produzido e dirigido por
Pedro Carlos Rovai depois do sucesso de seu A Viúva Virgem (1972), Ainda
Agarro esta Vizinha foi um caso raro de comédia bem-sucedida de público -
estimado em 1.802.686 espectadores - e que também recebeu boas
críticas, do mesmo modo que seu filme anterior. Considerado um dos
principais nomes da primeira fase das pornochanchadas - marcada por

159
produções mais bem acabadas -, Rovai foi um dos poucos produtores desse
período que conseguiu se manter em atividade, tendo sido responsável pela
série Tainá, uma Aventura na Amazônia (2001) e Tainá 2, a Aventura Continua
(2004).

Mulher Objeto (1981)


Direção: Sílvio de Abreu
Dir. de produção: Oswaldo Massaini, Antonio Barreto Santana. Cia produtora:
Cinedistri e Cinearte. Duração: 125min.
Elenco: Helena Ramos, Kate Lyra, Nuno Leal Maia, Maria Lucia Dahl, Yara
Amaral, Hélio Souto, Lola Brah, Wilma Dias, Karin Rodrigues.
Não recomendado para menores de 18 anos.

Regina, secretária que se casou com o patrão, é uma mulher histérica que
tem problemas em satisfazer seus desejos sexuais. Pornochanchada de
maiores pretensões dirigida pelo hoje novelista da Rede Globo, Sílvio de
Abreu, esta produção da Cinedistri foi uma das últimas bem-sucedidas
produções do lendário produtor cinematográfico Oswaldo Massaini, pouco
antes da Boca do Lixo enveredar pelos filmes de sexo explícito.
Responsável pela produção de chanchadas, filmes do Cinema Novo e
pornochanchadas, a Cinedistri foi sucedida pela Cinearte, do produtor
Aníbal Massaini Neto, filho de Oswaldo Massaini.

Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964)


Direção: Glauber Rocha
Dir. de produção: Agnaldo Azevedo. Cia produtora: Copacabana Filmes.
Duração: 110min.
Elenco: Othon Bastos, Geraldo Del Rey, Yoná Magalhães, Lídio Silva,
Mauricio do Valle.
Contém cenas inadequadas para menores de 14 anos.

Rosa e Manuel, casal de camponeses do sertão nordestino, envolvem-se


com o líder religioso Sebastião e com o cangaceiro Corisco, sempre à

160
sombra de Antônio das Mortes, o temido matador de cangaceiros. Um dos
filmes mais influentes do cinema brasileiro, Deus e o Diabo na Terra do Sol
foi produzido e distribuído por Jarbas Barbosa, da Copacabana Filmes,
espécie de homem de confiança do Banco Nacional que apoiava
financeiramente a produção. Lançado e divulgado como mais um filme de
cangaço, filão em voga no começo dos anos 1960, a estratégia resultou
num público estimado de 300 mil espectadores. Entretanto, o filme era na
verdade uma espécie de resposta de Glauber a O Cangaceiro, de Lima
Barreto, que se tornou um marco do Cinema Novo.

O Bandido da Luz Vermelha (1968)


Direção: Rogério Sganzerla
Dir. de produção: Julio Calasso. Cia produtora: Distribuidora de filmes
Urânio Ltda. Duração: 92min.
Elenco: Paulo Villaça, Helena Ignez, Carlos Ebert, Ozualdo Candeias, Sérgio
Hingst, Sonia Braga, Pagano Sobrinho, Lola Brah, Julio Calasso, Renato
Consorte, Maurice Capovilla, Ítala Nandi.
Contém cenas inadequadas para menores de 14 anos.

Ousado bandido que assalta casas sempre empunhando lanternas


vermelhas é implacavelmente caçado pelos policiais liderados pelo
delegado Cabeção. Primeiro filme de Rogério Sganzerla e marco
fundamental do chamado Cinema Marginal e da própria Boca do Lixo, O
Bandido da Luz Vermelha é hoje o maior cult movie do cinema nacional.
Distribuído pela Urânio Filmes com 40 cópias, a sala cabeça de seu
lançamento em São Paulo foi o cine Marabá, na época uma das mais
rentáveis do mercado paulistano, onde ficou bom tempo em cartaz. Além
de provocar uma das maiores polêmicas da história do cinema brasileiro, o
filme obteve também grande sucesso de público.

Dona Flor e seus Dois Maridos (1976)


Direção: Bruno Barreto
Dir. de produção: Ivan de Souza, José Carlos Escalero. Cia produtora: LC

161
Barreto. Duração: 118min.
Elenco: Sonia Braga, José Wilker, Mauro Mendonça, Armando Bógus, Nelson
Xavier, Nelson Dantas, Mario Gusmão, Rui Resende, Silvia Cadaval, Nilda
Spencer.
Não recomendado para menores de 16 anos.

Adaptação do romance homônimo do escritor baiano Jorge Amado, o filme


é considerado oficialmente como a maior bilheteria do cinema nacional.
Produzido por Luiz Carlos Barreto e dirigido pelo seu filho, Bruno Barreto,
Dona Flor e seus Dois Maridos tornou-se o principal emblema da política de
conquista do mercado interno nos anos Embrafilme, com uma produção
bem acabada dosada com doses de erotismo também encontrados nas
pornochanchadas da época. O sucesso do filme no exterior abriu as portas
do mercado internacional para Sonia Braga e Bruno Barreto, que seguiram
carreiras em Hollywood.

Central do Brasil (1998)


Direção: Walter Salles Jr.
Dir. de produção: Marcelo Torres, Afonso Coaracy, Cassio Amarante, Carla
Caffé. Cia produtora: Videofilmes, Riofilme, MACT, E.S.R., Superfilmes.
Duração: 112min.
Elenco: Fernanda Montenegro, Marilia Pêra, Vinicius de Oliveira, Othon
Bastos, Otávio Augusto.
Contém cenas inadequadas para menores de 12 anos.

Mulher idosa e solitária que sobrevive escrevendo cartas para analfabetos


se envolve emocionalmente com garoto perdido no Rio de Janeiro.
Buscando seus familiares no sertão do Brasil, os dois partem num road
movie sentimental por um universo familiar ao Cinema Novo. O filme de
Walter Salles recolocou o cinema brasileiro no cenário internacional nos
anos 1990, conquistando o Urso de Ouro (Melhor Filme) e o Urso de Prata
(Melhor atriz para Fernanda Montenegro) no Festival de Berlim, além da
indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e de Melhor Atriz.

162
Cidade de Deus (2002)
Direção: Fernando Meirelles
Dir. de produção: René Bittencourt, Claudine Franco. Cia produtora: 02
Filmes, Videofilmes, Miramax. Duração: 130min.
Elenco: Seu Jorge, Alice Braga, Alexandre Rodrigues, Douglas Silva, Emerson
Gomes, Leandro Firmino, Matheus Nachtergaele, Mauricio Marques,
Roberta Rodrigues.
Não recomendado para menores de 16 anos.

A adaptação do livro homônimo do escritor carioca Paulo Lins que retrata a


evolução do tráfico na favela Cidade de Deus nas últimas três décadas,
transformou-se no filme mais emblemático da retomada do cinema
brasileiro e um dos maiores sucessos internacionais da história de nosso
cinema. Grande êxito de público e responsável por uma das mais duradouras
polêmicas junto à crítica cinematográfica, sua repercussão no exterior
levou à criação do gênero “favela movies” e elevou o diretor Fernando
Meirelles ao status de grande cineasta e nome de peso na indústria. A
realização anterior do curta de “ensaio” Palace II, exibido na Rede Globo, e
posteriormente da minissérie Cidade dos Homens, foram sinais vigorosos da
convergência entre a televisão e o cinema brasileiro na última década.

Vinicius (2005)
Direção: Miguel Faria Jr.
Produtores: Miguel Faria Jr., Susana de Moraes. Cia produtora: Iberautor,
1001 Filmes, VM, Sky Light. Duração: 124min.
Contém cenas inadequadas para menores de 12 anos.

A montagem de um show é o ponto de partida do documentário que


recupera a rica vida e carreira do embaixador, escritor, crítico, poeta e
compositor Vinicius de Moraes, através de imagens de arquivos,
declamações de poemas e depoimentos de figuras como Antonio Candido,
Caetano Veloso, Chico Buarque e Ferreira Gullar, entre outros. As
interpretações musicais ficam a cargo de músicos como Yamandú Costa,

163
Adriana Calcanhoto, Mariana de Moraes, Zeca Pagodinho e Mart'Nália.
Vinicius foi o filme documentário de maior sucesso da retomada do cinema
brasileiro, alcançando pouco mais de 260 mil espectadores e
permanecendo semanas em cartaz no cinema Leblon, no Rio de Janeiro,
sendo um exemplo do importante papel da não-ficção no cinema brasileiro
contemporâneo quando o gênero foi recuperado para o mercado de salas
de cinema.

Garoto Cósmico (2007)


Direção: Alê Abreu
Produção executiva: Lia Nunes. Cia produtora. Estúdio elétrico. Duração
70min.
Elenco: Vozes de Aleph Naldi, Bianca Rayen, Mateus Duarte, Raul Cortez ,
Wellington Nogueira, Márcio Seixas, Vanessa da Mata, Belchior, Melina
Anthis, Gustavo Kurlat, Vera Villela, Marcelo Autuori.
Livre.

Cósmico, Luna e Maninho são crianças de um mundo futurista onde as vidas


são totalmente programadas. Certa noite, buscando mais pontos para
obterem um bônus na escola, os três perdem-se no espaço e descobrem um
universo infinito, esquecido num pequeno circo. Depois de muita brincadeira
e tantas novas experiências, o mundo da programação envia um
representante especial para resgatá-los: é hora de escolherem os próprios
caminhos. Apesar do aumento da produção de filmes de animação, o
gênero ainda encontra dificuldades de financiamento e distribuição. Garoto
Cósmico foi concluído em 2007 e desde então exibido em festivais e
mostras para as mais diferentes plateias, em diversos países, levando mais
de 100 mil espectadores a assistirem ao filme. Entretanto, no circuito
comercial brasileiro, foi visto somente por cerca de 40 mil pessoas.

Ilha das Flores (1989)


Direção: Jorge Furtado
Dir. de produção: Nora Goulart. Cia produtora: Casa de Cinema de Porto

164
Alegre. Duração: 13min.
Narração: Paulo José
Livre.

Espécie de ilustração bem-humorada e dinâmica da mais-valia, Ilha das


Flores é, com certeza, o filme de curta-metragem mais conhecido do
cinema brasileiro tanto no país quanto fora dele. Premiado por crítica e
público como o Melhor Filme no prestigiado Festival de Clermont Ferrand,
consagrou e incentivou a produtora Casa de Cinema de Porto Alegre e seu
diretor, um dos nomes mais reconhecidos da geração de curta-metragistas
dos anos 1980 a partir para o longa-metragem na retomada.

BMW Vermelho (2000)


Direção: Reinaldo Pinheiro e Edu Ramos
Produção: Irivan Filho. Cia produtora: Sequência 1. Duração: 21min.
Elenco: Otávio Augusto, Denise Weinberg
Livre.

Sujeito pobre ganha em sorteio um BMW vermelho, mas só pode vendê-lo


depois de dois anos; o carro causa uma revolução no local onde mora.
Auxiliado pela boa carreira nos circuitos de festivais nacionais e
internacionais, o curta-metragem foi vendido para mais de 28 países.

Eletrodoméstica (2005)
Direção: Kleber Mendonça Filho
Dir. de produção: Brenda da Mata. Cia produtora: Cinemascópio; Ruptura
Cinematográfica. Duração: 22min.
Elenco: Magdale Alves, Gabriela Souza, Jonatas Lucena, Pedro Bandeira
Contém cenas inadequadas para menores de 12 anos.

O consumismo é o ópio do povo neste retrato crítico de uma família de


classe média dos anos 1990. Elogiado curta de um dos mais prestigiados
curta-metragistas do cinema brasileiro contemporâneo, exemplo da força
do cinema pernambucano num momento de expansão da produção de
cinema fora do eixo RioSão-Paulo.

165
Terral (1995)
Direção: Eduardo Nunes
Produção: Leonardo Ribeiro. Cia produtora: Três Tabela Filmes, UFF, Funarte.
Duração: 18min.
Elenco: Sandra Prazeres, Eduardo Molina, Flávio Colatrello
Contém cenas inadequadas para menores de 12 anos.

Uma vela que se consome dá o tom à crônica de uma noite que envolve
frustração sexual, adultério e tentativa de liberação de uma mulher em
cabana à beira-mar. O curta-metragem de um diretor oriundo do curso de
cinema da UFF é uma amostra da importância das escolas de cinema como
foco de produção e celeiro de talentos para o cinema brasileiro.

166
Autores

André Piero Gatti, Doutor em Cinema pela Unicamp com a tese


Distribuição e exibição na indústria cinematográfica brasileira (1993-2003), é
professor de História do Cinema Brasileiro da FACOM-FAAP e Pesquisador
cinematográfico do Centro Cultural São Paulo (CCSP). Curador da mostra e
ciclo de palestras Retomando a questão da Indústria Cinematográfica
Brasileira.

Rafael de Luna Freire, doutorando em Comunicação, Imagem e


Informação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), é professor de
Preservação, Restauração e Políticas de Acervos Audiovisuais do curso de
Cinema da UFF. Foi curador e autor do catálogo da mostra Navalha na Tela:
Plínio Marcos e o Cinema Brasileiro (CAIXA Cultural/RJ, 2008). É um dos
diretores da Associação Cultural Tela Brasilis e produtor da mostra e ciclo
de palestras Retomando a questão da Indústria Cinematográfica Brasileira.

Hernani Heffner, formado em Comunicação Social pela UFF, é


Conservador-chefe e Curador assistente da Cinemateca do MAM e
professor do curso de cinema da PUC-Rio. Exerceu o cargo de pesquisador
contratado da Cinédia de 1986 a 1999 e atualmente coordena o programa
de restauração do acervo fílmico da companhia.

João Luiz Vieira, Doutor em Cinema na New York University, com pós-
doutorado na Universidade de Warwick, é Professor Associado do
Departamento de Cinema e Audiovisual e atual Coordenador do Programa
de Pós-Graduação em Comunicação da UFF. Autor de inúmeros textos,
críticas, ensaios e livros publicados no Brasil e no exterior, como Cinema
Novo & Beyond (NY: MoMA, 1998) e Câmera-faca: o cinema de Sérgio Bianchi
(Portugal, 2004).

Arthur Autran, Doutor em Cinema pela Unicamp com a tese O

167
pensamento industrial cinematográfico brasileiro, é professor junto ao
Departamento de Artes e Comunicação da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). Publicou o livro Alex Viany: crítico e historiador
(Perspectiva / Petrobras, 2003) e colaborou na Enciclopédia do cinema
brasileiro (Senac, 2000), bem como nas coletâneas Documentário no Brasil:
tradição e transformação (Summus, 2004) e Cinema brasileiro 1995-2005 -
Ensaios sobre uma década (Azougue, 2005).

Ruy Gardnier é jornalista, crítico de cinema, pesquisador e professor. É


editor da revista eletrônica Contracampo, co-editor do site Camarilha dos
Quatro, crítico de cinema para o jornal O Globo e pesquisador de cinema
para o Tempo Glauber. Foi curador e editor dos catálogos das mostras
Cinema Brasileiro: Anos 90, 9 Questões (CCBB/RJ, 2000), Julio Bressane -
Cinema Inocente (CCBB/RJ, 2001; CineSesc/SP, 2003) e Rogério Sganzerla -
Cinema do Caos (CCBB/RJ, 2005).

Reinaldo Cardenuto, Mestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP,


com a dissertação Discursos de intervenção: o cinema de propaganda
ideológica para o CPC e o Ipês às vésperas do Golpe de 1964, foi
programador de cinema no CCSP e assessor do Secretário Municipal de
Cultura Carlos Augusto Calil. Atualmente, além de atuar na crítica
cinematográfica, é professor de História do Cinema Mundial na FAAP.

Luís Alberto Rocha Melo é doutorando em Comunicação, Imagem e


Informação pela UFF, pesquisador do Acervo Alex Viany e redator da
revista eletrônica de cinema Contracampo. Diretor de sete documentários,
entre eles O Galante rei da Boca (co-dir. Alessandro Gamo, 2004), e do
curta-metragem ficcional Que cavação é essa? (co-dir. Estevão Garcia,
2008).

Antonio Carlos (Tunico) Amancio, Doutor em cinema pela USP, é


Professor Associado do Departamento de Cinema e Audiovisual da UFF,
além de coordenador do Laboratório de Investigação Audiovisual (LIA).

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Autor dos livros O Brasil dos gringos: imagens no cinema (Intertexto, 2000)
e Artes e manhas da EMBRAFILME: cinema estatal brasileiro em sua época de
ouro (EDUFF, 2000). Atualmente trabalha com cinema latino-americano e
coordena o Cineclube Sala Escura.

Marcos Magalhães, cineasta de animação, coordenador do curso de pós-


graduação em animação da PUC-Rio e um dos criadores e diretores do
Festival Internacional de Animação, ANIMA MUNDI.

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Equipe
Projeto: André Piero Gatti e Rodrigo Bouillet
Curadoria: André Piero Gatti
Coordenação de Produção: Rafael de Luna Freire
Produção Executiva: Eduardo Ades
Assistência de Produção: Paula Furtado e Patrícia Savaget
Assistência de Produção Executiva: Pedro Perazzo
Programação visual: Isabel de Luna
Assessoria de imprensa: Pedro de Luna
Monitora: Ana Carolina Miranda
Edição do catálogo: André Piero Gatti e Rafael de Luna Freire
Realização: Associação Cultural Tela Brasilis

Agradecimentos
Aline Maia (Zarpar Turismo), Angélica de Oliveira, Angelo Daniel (LC Barreto), Alê
Abreu e Rodrigo Editore (Alê Abreu Produções), Arthur Autran, Beth Formaggini,
Bruno de Farias (1001 Filmes), Cristiane Cavalcante (Sincrocine / Tietê Produções),
Daniela e Albina Pereira (Atlântida), Dona Alice Gonzaga e Eugenia Gonzaga
(Cinédia), Eduardo Cerveira, Eduardo Nunes, Eliane Costa e Reinaldo Pinheiro
(Sequencia 1), Fernando Meirelles e Carol Scalice (O2 Filmes), Gilberto Santeiro,
Hernani Heffner e José Quental (Cinemateca do MAM), Helena Barbosa e Lorelei
Schneider (Ancine), João Luiz Vieira, Kleber Mendonça e Emilie Lesclaux
(Cinemascópio Filmes), Luís Alberto Rocha Melo, Marcelo Ikeda, Marcos Magalhães,
Marcus Vinícius Motta, Mauricio Andrade Ramos e Maria Bruno (Videofilmes), Marilia
Santos (Sindcine), Michelle Baeta, (Zarpar Turismo), João e Paloma Rocha (Tempo
Glauber), Paula Paes, Paulo Souza (Casa de Cinema de Porto Alegre), Pedro Butcher,
Pedro Farkas, Roberto Farias, Ruy Gardnier, Sergio (Mercúrio Produções), Sr. Neto, Sr.
Antonio e Sra. Graça (Taberna do Juca), Tunico Amancio, Vívian Malusá (Cinemateca
Brasileira), Walter Braga (Hotéis O.K.), Wilfred Khouri (Vera Cruz), Zenaide Alves
(Cinearte).

Apoio Promoção Realização Patrocínio

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