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HISTÓRIA E CAMINHOS

DO DOCUMENTÁRIO
BRASILEIRO

Foto: Ale Borges


História e caminhos do documentário brasileiro

01 / Desafios e perspectivas econômicas do documentário

02 / Documentário brasileiro: contexto histórico

Índice
03 / Diferentes olhares: rotas da representatividade no documentário nacional

04 / Entrevista: Julio Wainer

05 / Conclusão

06 / Sobre a AIC

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Foto: Alessandra Haro

Desafios e perspectivas
econômicas do documentário

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Desafios e perspectivas econômicas do documentário

A história do documentário se confunde


com a própria história do cinema.
Em entrevista para o Portal Cinema em Cena, por exemplo, a pesquisadora
da Universidade Federal de Minas Gerais, organizadora do forumdoc.bh e
codiretora do documentário Roda destaca que já nas primeiras produções
fílmicas dos irmãos Lumière como “A Chegada do Trem na Estação”, temos
rudimentos documentais que já trazem o traço da alteridade, da relação do
olhar do diretor “com o mundo e com o outro”.

Oficialmente, o primeiro documentário de longa-metragem reconhecido por


pesquisadores é a produção franco-americana Nanook, o Esquimó, de 1922,
que retrata a partir de uma perspectiva ocidental – e que, posteriormente,
foi alvo de críticas – o contexto de uma família Inuíte, comunidade indígena
esquimó que habita regiões do ártico canadense, do Alasca e da Groenlândia.

Nanook, o Esquimó. Dirigido por Robert Flaherty. 1922.

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Desafios e perspectivas econômicas do documentário

Assim, em 2022, o documentário – gênero que se caracteriza pela produção


não-ficcional e busca pela representação da realidade, ainda que sem negar a
subjetividade de seus diretores – faz 100 anos e o momento é oportuno para
que analisemos o seu desenvolvimento no Brasil:

Quais os marcos da história documental no Brasil?

Qual seu papel na difusão da representatividade no cinema?

Que oportunidades esse gênero reserva para futuros documentaristas?

Essas serão as questões principais analisadas neste novo e-book exclusivo


da Academia Internacional de Cinema (AIC) e, para dar início, vale a pena
apontarmos algumas perspectivas econômicas e de mercado capazes de
traduzir, ao menos em parte, o momento atual desse gênero no país.

Foto: Ale Borges

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Desafios e perspectivas econômicas do documentário

O mercado do cinema documental


Não é segredo que, no plano macro da indústria audiovisual, as produções
documentais representam uma rota mais independente cujas bilheterias, Em reportagem recente da Hollywood Reporter,
via de regra, não competem diretamente com o chamado cinema
comercial. Para entendermos esse cenário, um estudo internacional
destacou que o mercado de documentários movimentou em bilheterias,
77% aliás, foi observado que o número de produções
documentais no streaming cresceu 77% entre
janeiro de 2019 e julho de 2022.
em 2019 e 2020, os montantes de US$ 329,9 milhões e US$ 24 milhões
em todo o mundo, valores que representaram, respectivamente, 0.78% e
0.2% das bilheterias do cinema. Em reportagem recente da Hollywood Reporter, aliás, foi observado que o
número de produções documentais no streaming cresceu 77% entre janeiro
É importante destacar que, uma das razões que motivou a diminuição de 2019 e julho de 2022. Por sua vez, uma análise de 2021 da empresa Diesel
nas bilheterias nos anos citados diz respeito, sobretudo, ao contexto de Labs descobriu que documentários representavam, no período, 19% do
isolamento social que trouxe desafios para a indústria cinematográfica catálogo da Netflix, 16% do da Amazon e 34% do Disney+ (que mantém em
como um todo. sua grade a National Geographic).

Em contrapartida, o gênero documental viu um crescimento em


plataformas streaming e TV, seus tradicionais ambientes de circulação
comercial.

A consolidação do streaming no Brasil e no mundo tem aberto portas para 34% do 19% do 16% do
catálogo catálogo catálogo
produções documentais, sendo um campo interessante de oportunidades
para quem deseja retratar histórias sobre a realidade que o cerca.

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Desafios e perspectivas econômicas do documentário

Foto: Bia Takata

Tal aumento de demanda aquece o mercado brasileiro, vide os investimentos a Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais
crescentes em produções locais – tanto os conduzidos pelas próprias redes (ABEPEC), que visava incentivar a produção documental brasileira e a
de streaming, como a partir da compra de conteúdo de produtores externos. criação de pontes entre produtores independentes e emissoras públicas.
Após quatro edições do DOCTV, por exemplo, foram inscritos 3 mil projetos
No comparativo com as outras linhas de produção fílmica, o documentário documentais, que resultaram em 170 documentários produzidos. O programa
se encaixa como um segmento mais independente e dada a sua importância também realizou 44 oficinas de formatação de projetos, que contaram com
para a compreensão da cultura e dos caminhos históricos do país, mais ainda mais de 1300 participantes.
que outros gêneros, o documentário tem no incentivo público e privado, um
espaço essencial para o seu desenvolvimento. O programa foi um marco nacional do fomento público à produção
documental nos anos de 2010 e, posteriormente, o DOCTV foi expandido
Sobre esse ponto, é válido destacar o lançamento, em 2003, do Programa de para toda a América Latina, reunindo atores culturais como TVs, órgãos
Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro (DOCTV) — públicos, fundações e conselhos responsáveis pelo gerenciamento da
uma iniciativa do Ministério da Cultura, em parceria com indústria audiovisual de não-ficção na região.

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Desafios e perspectivas econômicas do documentário

No contexto mais recente, o documentário brasileiro – e o cinema nacional


como um todo – viveu anos desafiadores diante, por exemplo, da extinção do
Ministério da Cultura (que se tornou uma secretaria subordinada ao Ministério
do Turismo), do corte de verbas em leis de incentivo como a Rouanet e
também de processos de intervenção na autonomia da Agência Nacional
do Cinema (Ancine) que dificultaram, dentre outras, a difusão de produções
mais diversas e plurais como as vozes de grupos minorizados no cinema
documental.

Mesmo diante dos obstáculos, o cinema

34,8% nacional viu o crescimento de seu público em


2021, somando bilheterias de R$ 839,8 milhões
no ano passado (índice 34,8% ao de 2020).

Atrelado a esse cenário, a expectativa do andamento dos repasses das


Leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, da recriação do Ministério da Cultura
e um de um contexto sociopolítico que abre espaços para o incentivo
público a indústria audiovisual são perspectivas animadoras também para
o gênero de não-ficção.

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Documentário brasileiro:
contexto histórico

São Paulo, Sinfonia da Metrópole.


De Rudolf Rex Lustig e Adalberto Kemeny. 1929.

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Documentário brasileiro: contexto histórico

O início da trajetória do documentário no


cinema brasileiro tem seus marcos nas
primeiras décadas do Século XX.
Em especial com as chamadas produções etnográficas – a partir, sobretudo,
do trabalho de antropólogos que registraram o dia a dia de populações
indígenas – e com o cinema de propaganda, que retratou para o público
internacional a vida na região amazônica e ciclos econômicos como o da
borracha. Destacam-se desse período produções como Rituais e Festas
Bororo (1917), de Luiz Thomaz Reis; e No Paiz das Amazonas (1922),
de Silvino Santos.

Ainda nesse ciclo inicial, é válido observar documentários importantes do


cinema mudo que traziam uma visão sobre diferentes regiões brasileiras,
incluindo São Paulo, Sinfonia da Metrópole (1929), de Rudolf Rex Lustig e
Adalberto Kemeny e Lampião, Rei do Cangaço (1936), do fotógrafo Benjamin
Abrahão, com registros do grupo do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva.

Foi também nos anos 30 que o documentário brasileiro ganhou um impulso


importante com a criação do INCE (Instituto Nacional do Cinema Educativo)
e que contou com produções de cineastas como Jurandyr Passos Noronha
e sobretudo de Humberto Mauro, que por 30 anos conduziu o instituto e
produziu mais de 354 filmes oficiais, incluindo a série de curtas Brasilianas,
sobre canções do folclore nacional.
No Paiz das Amazonas.
Dirigido por Silvino Santos. 1922.

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Documentário brasileiro: contexto histórico

anos 60
Mas foi na década de 60, com a difusão das ideias do Cinema Novo
e do Cinema Verdade, que o documentário brasileiro ganha uma
identidade reconhecida nacional e internacionalmente, a partir da
exposição de mazelas e problemáticas sociais do país, bem como,
da difusão de diferentes perspectivas de construção fílmica, como o
uso de vozes em off “condutoras do espectador”, como no clássico
A Opinião Pública (1967), de Arnaldo Jabor; em conduções mais
subjetivas, como nos filmes Lavra-dor (1968), de Paulo Rufino ou
Indústria (1969), de Ana Carolina Teixeira; ou em documentários de
múltiplas perspectivas, como no curta-documental, A Entrevista (1966),
de Helena Solberg.

Outros grandes nomes desse período traziam, dentre outras


tendências, uma leitura crítica sobre o processo de urbanização
nos grandes centros do país e visões políticas combativas diante do
contexto de ditadura no Brasil – produções estas que, em muitos
exemplos, enfrentaram o desafio da censura. Foi o caso de um dos
grandes marcos do documentário brasileiro, Cabra Marcado para
Morrer (1984), de Eduardo Coutinho – considerado por diferentes
críticos o principal nome do gênero documental no país – que, iniciado
em 1964, foi vetado pela ditadura e só pode ser concluído duas
décadas depois.

Lavra-dor. Dirigido por


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Paulo Rufino. 1968.
Documentário brasileiro: contexto histórico

Na continuidade dos anos 80 e 90 diretores como Leon Hirszman,


Arthur Omar, Sandra Werneck, João Batista Andrade, Jorge Furtado,
anos 80 e 90
Kátia Mesel, Lygia Pape, João Moreira Salles merecem um destaque
especial. O próprio Glauber Rocha, com sua incursão no documentário
por meio do inovador e controverso Di (1977) (que recebeu o prêmio
do júri de melhor curta-metragem no Festival de Cannes) são uma
mostra da efervescência e da pluralidade de vozes que consolidaram o
documentário brasileiro moderno.

Finalmente, a partir do final dos anos 90, o cinema documental ganhou


um novo impulso importante no Brasil por meio do avanço de parcerias
entre produtoras independentes e canais de TV a Cabo, da expansão
de redes digitais e do barateamento da tecnologia, e da busca por
novas linguagens inspiradas, por exemplo, nos modelos do filme-ensaio
e das pontes entre o jornalismo e o documentário.

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Documentário brasileiro: contexto histórico

Para ilustrar essa fase, dentre muitos


outros, podemos citar produções como:

• Notícias de uma Guerra Particular (1999), de Kátia Lund • Um Passaporte Húngaro (2003), de Sandra Kogut.
e João Moreira Salles.
• Ônibus 174 (2002), de José Padilha.
• A negação do Brasil (2000) – filme de Joel Zito Araújo, um dos
principais documentaristas negros do país e que veio a influenciar • Justiça (2004) e Morro dos Prazeres (2013) de Maria Augusta Ramos.
toda uma série de novos cineastas a partir de suas obras.
• A Alma do Osso (2004), de Cao Guimarães – outro cineasta de obra
• Diferentes trabalhos de Kiko Goifman, como Sexo e Claustro (2005), influente e com papel determinante no documentário nacional.
FilmeFobia (2008) e Periscópio (2013).
• O premiado Elena (2012), de Petra Costa.
• Casa Grande e Senzala (2000), série de Nelson Pereira dos Santos.
• E diferentes obras de Carlos Nader, único diretor a ganhar
• Edifício Master (2002), de Eduardo Coutinho. duas vezes o Prêmio É Tudo Verdade e autor de filmes como
Homem Comum (2015).

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Documentário brasileiro: contexto histórico

Finalmente, o Brasil tem visto o avanço de


gêneros do documentário que tem auxiliado a
impulsionar a indústria audiovisual como um
Marielle – O Documentário.
todo em tempos recentes.
Original Globoplay, 2020.
É o caso das produções True Crime, uma das tendências mais
assistidas na atualidade no mercado audiovisual e que tem como
premissa esmiuçar casos verídicos de crimes e investigações, expondo
histórias e transformando-as em obras audiovisuais, livros ou podcasts.

No Brasil, destacam-se, nesse sentido e dentre muitos outros, desde


filmes com conotação mais política como “Marielle, O Documentário”
até investigações de casos diversos que ganharam respaldo na mídia e
sociedade brasileira, como em “João de Deus: Cura e Crime”.

João de Deus: Cura e Crime.


Original Netflix, 2021.

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Diferentes olhares:
rotas da representatividade
no documentário nacional

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Diferentes olhares: rotas da representatividade no documentário nacional

Dado o fato de que o documentário


é, também, uma representação da
realidade a partir da visão e do lugar
de fala de seus diretores,
é fundamental ampliarmos o escopo de análise de
nosso e-book, buscando trazer a visão e a busca por
mais espaço de mulheres, diretores LGBTQIA+, pretos
e indígenas, bem como, de produções documentais
que retratem e deem voz para grupos minorizados na
sociedade brasileira.

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Diferentes olhares: rotas da representatividade no documentário nacional

Nesse sentido, foi possível observar, por exemplo, que o trabalho de O próprio O Caso Homem Errado, que retrata o assassinado de um operário
documentaristas mulheres têm um importante papel no desenvolvimento negro pela polícia no Rio Grande do Sul, está disponível na GloboPlay. Outros
do gênero documental no país a partir do trabalho de cineastas como Ana exemplos nesse sentido, dentre muitos outros, são as produções: Mulheres
Carolina Teixeira, Helena Solberg, Sandra Kogut, bem como do trabalho Negras: Projetos de Mundo (2016), dirigido por Day Rodrigues e disponível no
mais recente de diretoras como Petra Costa, Camila de Morais – que dirigiu Spcine Play; Transversais (2022), dirigido por Emerson Maranhão e disponível
O Caso do Homem Errado (2018) –, Susanna Lira (dentre outros, tem na Netflix; Kbela (2015), Yasmin Thayná e disponível no YouTube; Meu Corpo
como destaque Torre das Donzelas, de 2018) e Eliana Caffé (Era o Hotel é Político (2017), de Alice Riff e disponível na GloboPlay e Bixa Travesty (2017),
Cambridge, de 2016). de Kiko Goifman e Claudia Priscilla, disponível na GloboPlay.

No entanto, como bem destacado pela pesquisadora Karla Holanda no


artigo científico Documentaristas brasileiras e as vozes feminina e masculina,
em especial na formação de documentário brasileiro moderno e ainda que
tratassem de “temáticas diretamente ligadas ao interesse das mulheres,
como trabalho, !lhos, aborto, inserção na política, construção de papeis
sociais”, é comum que o trabalho de mulheres ganhe menor atenção, como
é o caso de A Entrevista, de Helena Solberg, analisado no artigo.

Desafio semelhante é enfrentado por diretores pretos e LGBTQIA+, fato que


aponta uma problemática essencial para a questão da representatividade
no documentário brasileiro. O lado positivo dessa discussão é o de que,
por meio da expansão dos streamings (sejam independentes ou de
grandes canais de mídia), aos poucos, uma janela mais plural tem sido
aberta também no gênero documental – tanto para criadores, quanto para
produções que abordam temáticas afins.
Transversais. Dirigido por
Emerson Maranhão. 2022.

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Diferentes olhares: rotas da representatividade no documentário nacional

Ainda no plano da representatividade, é possível


perceber também um avanço no debate sobre
produções documentais que abram espaço para a
perspectiva de diretores indígenas no cinema brasileiro.
Recentemente, por exemplo, uma mostra da plataforma Itaú Cultural Play
apresentou documentários de diretores como Takumã Kuikuro (As Hiper
Mulheres, 2012); Divino Tserewahú, (Wai’á Rini, o poder do sonho, 2001),
Jocy e Milson Guajajara (Zawxiperkwer Ka’a – Guardiões da Floresta, 2019).

Vale frisar que um dos esforços principais para a produção fílmica de povos
originários veio a partir de iniciativas como o projeto Vídeo nas Aldeias (VNA)
que, surgido em 1986 por iniciativa da ONG Centro de Trabalho Indigenista
fundada por Vincent Carelli, tem como principal objetivo colher registros
documentais do cotidiano de tribos brasileiras.

De todo modo, em se tratando de diversidade, esse é um cenário que ainda


precisa avançar consideravelmente para que haja mais equilíbrio no espaço
para as produções documentais do país. Tal movimento depende, não só, do
trabalho dos diretores e diretoras, mas da abertura de espaços a partir de
iniciativas públicas, da mobilização da sociedade civil e de próprios agentes
do mercado preocupados com o desenvolvimento das representações
culturais brasileiras.

Divino Tserewahú

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Entrevista: Julio Wainer

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Entrevista: Julio Wainer

Julio Wainer é produtor de vídeos desde 1984. Desde


2006 é Diretor Geral da TV PUC de São Paulo. Professor
do Departamento de Jornalismo da PUC-SP desde
1989, onde orienta Trabalhos de Conclusão de Curso
e ministra disciplinas ligadas ao audiovisual. Em 2010
defendeu mestrado sobre o ensino de documentários
e em 2014 escreveu tese de doutorado sobre a
entrevista no Documentário. Foi bolsista Fulbright nos
Estados Unidos, onde pesquisou Documentários e TV
Comunitárias. É sócio e professor da AIC.

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Entrevista: Julio Wainer

Como você vê o desenvolvimento do documentário, a partir,


sobretudo, do seu período de modernização na década de 1960?

Os documentaristas sempre foram uma categoria muito preocupada com as questões sociais, políticas e na medida que os canais de
expressão se fecharam, em 1964, o documentário e o cinema em geral viraram um polo de resistência. Naquele momento os cineastas se
usaram das ferramentas cinematográficas onde, inclusive, a questão de documentário ou ficção não era relevante: em última instância eram
filmes, vídeos, ferramentas de comunicação. Vinham (assim como o Vídeo Independente e o Vídeo Popular) de uma tradição latina, que valoriza
a criatividade, muito diferente da tradição anglo-saxã, que alimenta os rigores do que é ou não lícito na ética do documentário. A instauração do
campo exclusivo do documentário junto ao público veio com os filmes e as discussões propostos por Eduardo Coutinho a partir dos anos 1990.
A tradição do engajamento nas questões sociais foi dando espaço ao interesse por personagens em sua singularidade. Um filme que é um
marco para mim nesse sentido é o “Ônibus 174” (José Padilha, 2002). O documentário mergulha no perfil e na história do personagem Sandro,
recusando a categoria genérica “meninos de rua” (que anos antes apresentaria filmes generalizantes sobre “camponeses do semi-árido”,
“operários do ABC” ou “mulheres oprimidas”).

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Entrevista: Julio Wainer

Qual a sua visão sobre a subjetividade no documentário em obras como


a de Petra Costa ou de João Moreira Salles, especialmente em Santiago?

Há um autor que eu uso muito que é o Bill Nichols em aula e que fala sobre os “modos” do documentário. O “modo” mais recente
descrito por Nichols é o Performático, quando a pessoa fala primeiro de si e de sua experiência, para depois extrapolar e traçar
suas percepções sobre o mundo. O filme “existe”, nesse sentido, a partir do momento que a gente conhece o autor, identificando
o ponto de vista. O João Moreira Salles vai nessa linha em “Santiago”, ele se expõe de maneira muito corajosa. A Petra tem o Elena
que também tem esse lugar, que identifica o lugar de fala dela para falar da irmã que morreu. No filme “Democracia em Vertigem”
ela conta que é filha de pais revolucionários e avós conservadores, então ela se coloca como esse híbrido estranho, de figura
deslocada. Esses filmes vêm do movimento importante de identificação do próprio lugar de fala.

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Entrevista: Julio Wainer

O que é verdade e o que é ficção e quais


as pontes que você vê nesse gênero?

Eu costumo dizer que cada vez há uma identificação entre documentário e ficção. Aquela categoria de festival “documentário” ou “ficção” é
uma questão menor, ambos são “filmes” antes de tudo. A discussão contemporânea é: qual a diferença do documentário para o jornalismo?
Pra mim são duas propostas de representação da verdade, e de certa forma opostas. O Jornalismo acredita em uma verdade e o jornalista é
aquela pessoa que, a partir de seus códigos e procedimentos, consegue ter acesso a essa “uma verdade”. O documentarista não acredita em
“uma verdade”, e sim em versões do real. A sua, a minha, a do personagem, essas versões da verdade. Uma das maneiras de você acessar essa
verdade é entender como o filme foi feito, em especial os ruídos da comunicação. Você mencionou uma cena de Cabra Marcado para Morrer em
que o Coutinho interrompe o entrevistado, pede pra retomar e o cara travou, aí ele assume um discurso religioso de negação da militância dele
de 20 anos antes. É na hesitação do documentarista, no seu erro ou na sua fragilidade (no caso de Santiago) que você pode acessar um resvalo
do momento de verdade. O documentário, acredito, é um produto para poucas pessoas. Um documentário muito bem-sucedido vai ter muito
menos espectadores que o telejornal de menor audiência da TV aberta. E sendo para poucos, tem o privilégio de mostrar a complexidade da
vida e celebrar essa complexidade.

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Entrevista: Julio Wainer

Qual a sua visão sobre o papel do streaming para


uma maior difusão dos documentários no país?

O streaming virou a grande oportunidade contemporânea. Você acaba sendo visto em todo o mundo, como não seria de outra maneira.
Os editais andaram congelados, o governo que se encerra não tinha interesse no setor. Mas não é apenas uma questão de verba. Quem quer
fazer filmes vai fazer como pode, sempre foi assim. Hoje, além do streaming, vale frisar que a tecnologia é também mais acessível. Uma forma
de pensar é: quais filmes estão para serem feitos? Nas minhas aulas procuro mostrar os filmes como frutos das ferramentas de representação
da época com o momento social e político. Eu já comentei que as pessoas estão perplexas no momento político atual. E em relação às
ferramentas, de que maneira têm sido usados os novos canais e tecnologias? Como os drones têm sido usados? As GoPro? As plataformas
de comunicação? Os celulares? Tudo isso pode ser usado a favor do documentarista, fiel à sua época e aos seus lugares. Além disso, temos
a responsabilidade de usar e refletir sobre esse imenso manancial de imagens e sons que estão sendo produzidos e mediados, armazenados.
Precisamos valorizar os arquivos. Se o documentarista é um profissional que resgata a memória e propõem sugestões para a sociedade, temos
que usar arquivos como matéria-prima para entender os processos que estamos atravessando.

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Conclusão

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Conclusão

Para além da questão comercial, o


documentário exerce um papel importante
na compreensão da cultura, da história e da
formação da sociedade brasileira.
Do ponto de vista mercadológico, como foi possível observar, novas
oportunidades têm se expandido a partir das mídias digitais e dos canais
de streaming, os quais podem contribuir para o avanço de uma maior
representatividade no gênero documental do país.

E se você tem interesse em ampliar sua visão sobre a indústria de


documentários em suas diferentes vertentes e linguagens, conhecendo
caminhos para produzir seus próprios filmes, a AIC dispõe de cursos na área
no qual todos os alunos participam da realização de um curta-documentário.

Acesse aqui para saber mais

Esperamos que tenham apreciado a leitura. Até breve!

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Sobre a AIC

A Academia Internacional
de Cinema (AIC)
É uma escola de cinema, com sede em São Paulo. É reconhecida pela
excelência, demonstrada pelos mais de 3500 filmes produzidos por seus
alunos ao longo de mais de 18 anos de existência. A escola oferece cursos
livres, de férias, online, semestrais e de formação profissional em várias
áreas do audiovisual.

Nossa metodologia combina teoria e prática, desenvolvendo nos alunos


habilidades para atuar no mercado profissional de audiovisual, com técnica
e criatividade. O corpo docente é formado por professores e cineastas
reconhecidos. A escola também abriga e realiza uma série de eventos e
palestras, proporcionando uma série de discussões sobre o audiovisual.

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