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Centro Universitário Armando Álvares Penteado

As ideias de Jean-Claude Bernardet e Paulo Emílio sobre o


desenvolvimento do cinema brasileiro.

Disciplina: Cinema Brasileiro até 1950


Turma: CM1
Laura Kobayashi
Nina Silva Galindo

Setembro 2022
De acordo com o sociólogo Caio Prado Júnior, "É com tal objetivo, objetivo exterior,
voltado para fora do País e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele
comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. […] O ‘sentido’ da
evolução brasileira, que é o que estamos aqui indagando, ainda se afirma por aquele caráter
inicial da colonização”. Por mais que Caio Prado Júnior estivesse falando da formação do
Brasil como um todo, essa ideia se aplica facilmente ao desenvolvimento do cinema
brasileiro, como abordado pelos críticos de cinema Paulo Emílio (1916-1977) e Jean-Claude
Bernardet (1936-) em diversas de suas obras.
Comparado aos primeiros polos do cinema, América do Norte e Europa Ocidental, a
novidade cinematográfica não tardou a chegar ao Brasil, visto que os aparelhos de projeção
chegaram ao Rio de Janeiro menos de um ano após a primeira projeção cinematográfica,
realizada em 28 de dezembro de 1895, em Paris, pelos Irmãos Lumiére. Dois anos depois, em
1898, foram realizadas as primeiras filmagens no Brasil, por Afonso Segreto. Entretanto, essa
“vantagem” sob outros países subdesenvolvidos não significa que o cinema brasileiro se
desenvolveu fácil e prosperamente.
Apesar de a primeira sala fixa, chamada “Salão Paris no Rio”, ter surgido já em 1897
e as primeiras gravações em 1898, a precariedade de energia elétrica que afetava o Rio de
Janeiro e o Brasil como um todo atrasou significativamente a transformação do cinema em
comércio. Ademais, os principais exibidores de filmes e, até 1903 os únicos produtores de
filmes nacionais de atualidades, os irmãos Segreto, são na verdade italianos, o que demonstra
que desde o início do chamado “cinema brasileiro” ele é, na verdade, estrangeiro.
Em 1907, mais de vinte novas salas de exibição foram instaladas no Rio graças ao
surgimento de uma usina hidrelétrica para abastecer a cidade. A partir daí e, principalmente,
de 1908 a 1911, outras pessoas, vindas de diversas áreas, começaram a se dedicar a importar,
exibir e produzir filmes na cidade, pessoas essas, em sua esmagadora maioria, imigrantes
europeus. Essa época foi batizada, por Vicente de Paula Araújo em seu livro, como Bela
Época do cinema brasileiro, visto que a animação pela novidade fez com que muitos filmes
de enredo, de diversos gêneros cinematográficos, fossem produzidos e, graças a solidariedade
entre fabricantes nacionais e o comércio local, exibidos no Rio.
Essa efervescência inicial em torno do cinema nacional começa a se esvair em 1911,
quando o Brasil, seguindo sua tradição histórica, começa a priorizar a importação de filmes
estrangeiros, que em geral possuíam uma grande superioridade técnica. No entanto, não se
pode afirmar que o único culpado pela marginalização do cinema nacional seja a falta de
técnica, uma vez que um grande fator determinante para a atração de público era, e ainda é, a
imprensa, que esqueceu diversas vezes do cinema nacional, dando espaço em suas matérias
apenas para filmes estrangeiros. Assim, a maioria dos trabalhadores dessa área voltou às suas
áreas iniciais, majoritariamente jornalísticas e teatrais. Também nessa época, os
norte-americanos dominaram o comércio cinematográfico brasileiro com filmes de enredo,
superando seus concorrentes europeus e obrigando os brasileiros que persistiram em fazer
filmes nacionais a focar em documentários, ou “naturais” como chamados na época, e
cinejornais.
É inegável que o que sustenta a produção brasileira nas primeiras décadas do século
XX são esses filmes, assegurando um mínimo de regularidade ao trabalho dos produtores e
permitindo que se sustente um certo equipamento, o que será importante para o futuro do
cinema nacional. No entanto, para que essa produção se mantivesse, a procura dos produtores
por patrocinadores se intensificou, o que justifica esses documentários exaltarem uma elite
mundana, uma imagem idealizada do proletariado e promoverem o nome dos membros dessa
elite que patrocinavam os filmes. É por essa busca incessante por financiamento e um
resultado nem sempre satisfatório pela falta dele que os cinegrafistas de naturais eram
conhecidos como “os cavadores”, como apontado por Jean-Claude Bernardet em seu texto “A
Cavação” (1979).
Entretanto, desde o início do cinema brasileiro o documentário já marcava sua
presença. Paulo Emílio dividiu o início do documentário brasileiro em dois grandes temas:
Berço Esplêndido e Ritual do Poder. O primeiro, é o culto das belezas naturais do país, mais
precisamente da paisagem da Capital Federal, e funcionava como uma ferramenta psicológica
coletiva, uma compensação para o nosso subdesenvolvimento. Era um cinema de precária
qualidade das imagens e em que havia uma grande monotonia dos resultados, mas que
perdurou por muito tempo. Já o segundo, o Ritual do Poder, se iniciou como uma forma de
registro dos Presidentes da República e se ampliou para o registro de personalidades
importantes da época. Um exemplo é o registro de funerais como o visto no filme “Funerais
do Comendador Nami Jafet” (1924). Ambos foram se transformando em registros mais
populares, mostrando o cotidiano, as comemorações, as notícias e o homem brasileiro em si,
o que também era mostrado pelos filmes de enredo da época. Com isso, os documentários
traziam para o litoral próspero a visão do atraso do interior desafortunado.
Entretanto, um desafio para a produção dos documentários que registravam
acontecimentos locais era a velocidade com que eles precisavam ser feitos. Um exemplo seria
os diversos documentários da época que estudavam mais a fundo crimes noticiados pelos
jornais. Se esses documentários fossem lançados muito depois da divulgação das notícias,
eles já não teriam mais o interesse do público, que já era escasso.
Apesar de sua importância inegável, muitos, inclusive a revista especializada em
cinema Cinearte, eram contra os documentários. Diversos escritores e pessoas do meio
acreditavam que esses filmes, por mostrarem índios, negros e áreas mais afastadas das
grandes capitais, transmitiam uma imagem negativa do Brasil para os estrangeiros, o que
contradizia o desejo que as elites brasileiras tinham de serem vistas como iguais aos
norte-americanos e europeus. Um exemplo desses filmes criticados pela elite intelectual é
“Ao Redor do Brasil” (1932), de Thomaz Reis, que mostra uma série de paisagens do interior
e diferentes grupos indígenas em suas tribos. Ademais, também havia a crença de que
documentários, ao contrário dos filmes de enredo, não eram cinema.
Assim, a partir de 1912 até 1922, a grande maioria dos filmes produzidos eram
documentários, o que não são muitos já que a média anual dessa época é de seis filmes,
atingindo seu ápice em 1917 com dezesseis filmes. Apesar dessa estagnação da produção
cinematográfica, novas pessoas começaram a se interessar e adentrar essa área, sendo em sua
maioria oriundos do teatro e imigrantes com alto poder aquisitivo.
Esse cenário, no entanto, começa a mudar em 1923, com o início do que Paulo Emílio
descreve em seu livro “Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento” como a terceira época do
cinema brasileiro. Possivelmente, a principal responsável por essa mudança foi, com sua
importância na área já citada anteriormente, a imprensa. Destacam-se as revistas Paratodos e
Selecta, que abordavam muito o cinema nacional, no geral de forma negativa. Apesar disso,
eles ainda assim propagandeavam e estimulavam o diálogo sobre o cinema, além de orientar
uma nova geração de cineastas, dando início a um verdadeiro movimento de cinema
brasileiro.
Ademais, as revistas serviam como um vínculo entre esses novos grupos de jovens
cineastas que se encontravam dispersos pelo país. Foi isso que permitiu que os focos de
criação deixassem de ser apenas Rio e São Paulo, se estendendo para cidades como
Campinas, Recife e Belo Horizonte e estados como Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Esses
novos focos não possuíam os mesmos recursos técnicos do Rio de Janeiro e de São Paulo,
que já eram precários em comparação aos grandes polos do cinema mundial, mas a paixão
com que esses jovens lutavam pelo cinema no Brasil e em suas regiões explica a continuidade
do esforço.
A grande maioria desses jovens eram autodidatas e estavam inseridos em ciclos
regionais. Isto é, a maioria dos filmes produzidos por eles retratavam temas regionais o que
prejudicava que eles cruzassem a fronteira do estado, fazendo sucesso em outras regiões, mas
atraia o público local. Assim, entre 1923 e 1933, foram completados cerca de cento e vinte
filmes, o dobro da década anterior.
Todavia, essa ascensão do cinema em outras regiões não significa uma perda da
importância de São Paulo. A capital paulista produziu cerca de cinquenta filmes nessa época,
que embora qualitativamente melhores do que os anteriores, raramente eram marcantes. Já o
Rio de Janeiro teve uma produção pouco expressiva em questão de quantidade, mas foi palco
do surgimento de uma das mais notáveis revistas cinematográficas da história do país, a
Cinearte. Um dos nomes mais relevantes dessa revista foi Humberto Mauro (1897-1983), que
seguiu marcando presença nos próximos anos do cinema nacional.
Nessa época o cinema brasileiro melhorou significativamente em questão de
qualidade, visto que começava-se a dominar os recursos narrativos e a linguagem
cinematográfica desenvolvida na Europa e na América do Norte. Isso deu origem aos
clássicos do cinema mudo do país, que foram produzidos até 1933. Porém eles já estavam
ultrapassados uma vez que, desde 1929, o cinema falado era a grande novidade na indústria
mundial.
Apesar do Brasil não ter demorado para começar a produzir filmes falados,
Jean-Claude Bernardet aponta em seu texto “A Presença Importada”, parte de seu livro
“Cinema Brasileiro: Propostas para uma História”, a falta de estrutura acústica e técnica das
produções e das próprias salas de cinema. Esse fator não é um problema na exibição de
filmes estrangeiros devido a presença de legendas, que eliminam a necessidade de uma boa
qualidade sonora, mas faz com que os espectadores não consigam passar muito tempo
olhando para a imagem em si. É devido a isso que Jean-Claude Bernardet diz que “O
espectador brasileiro está destreinado tanto visualmente como auditivamente: ele mal vê e
mal ouve. A única coisa que realmente ele sabe fazer, e com desteridade é ler legendas. Num
país que continua sendo em grande proporção analfabeto.”.
Não obstante, algumas personalidades do cinema da época acreditavam que o público
preferiria filmes falados em português a outros em inglês, língua que não entendia. Era o caso
de Adhemar Gonzaga (1901-1978), responsável por idealizar a companhia cinematográfica
Cinédia. Essa companhia produziu, entre 1929 e 1933, uma quantidade expressiva de
comédias musicais, popularmente conhecidas como chanchadas, que conseguiram espaço no
mercado invadido por filmes estrangeiros e lançaram figuras como a cantora Carmen
Miranda.
A comédia musical foi um dos mais importantes gêneros do cinema de enredo
brasileiro, mas está longe de ser o único. O interesse apontado anteriormente dos
documentários em crimes teve origem com o primeiro filme de enredo produzido no Brasil
chamado de Os estranguladores (1908), que contava a história de dois adolescentes cariocas
que foram estrangulados por uma quadrilha. Essa temática nunca deixou de ser abordada nos
filmes do Brasil, tanto de enredo quanto documentais, mas outros temas foram ganhando
destaque ao longo dos anos. No mesmo ano de lançamento de Os estranguladores, já surgiam
no Rio gêneros e temas como dramas históricos, patrióticos, religiosos, carnavalescos e
comédias. Essa amplitude de temas, em épocas que o filme de enredo estava prosperando,
nunca deixou de existir e se tornou mais forte a partir de 1915, quando começaram a surgir
fitas inspiradas na, amplamente aclamada, literatura brasileira.
A partir de 1933, os filmes mudos deixam de ser produzidos e, até 1949, a produção
cinematográfica é quase exclusivamente carioca. Até 1940, o destaque provinha da
companhia Cinédia, devido ao grande sucesso das chanchadas, que reviveu o encontro entre a
produção e o comércio exibidor, mas foi recebida com repugnação por críticos e estudiosos.
Já na década de 40, a companhia de maior importância foi a, também carioca, Atlântida, que
procurou retratar em seus filmes temas brasileiros mas também teve seu maior sucesso nas
chanchadas. Foi também nessa época que se solidificou uma preocupação maior com a
qualidade dos filmes, com a intenção de se alcançar um cinema “mais alto”.
A década de 1950 se iniciou com o que Paulo Emílio descreve como “surto paulista”.
Isso se deu pela criação da Maristela, da Multifilmes e da Companhia Vera Cruz em São
Paulo, que recebeu um empreendimento grandioso e contratou técnicos da Itália e da
Inglaterra. A capital paulista fugiu da fórmula seguida pelo Rio, a da chanchada, para realizar
filmes de classe que chamaram a atenção dos meios artísticos, intelectuais e de negócios e
atraíram diversos estrangeiros da área. No entanto, os grandes empreendimentos feitos nessa
tentativa de tornar o cinema brasileiro uma indústria fracassaram já em 1954, o que, contudo,
não desestabilizou o cinema nacional, que atingiu nos próximos anos uma média de trinta
filmes anuais.
O “surto paulista” também estimulou a produção carioca, que acompanhou a melhora
qualitativa de seu vizinho e voltou a diversificar os gêneros e temas de seus filmes. Esse
quadro positivo resultou no movimento chamado de Cinema Novo, que englobou as melhores
características do cinema nacional e manteve a proximidade entre o cinema e as elites
intelectuais e artísticas do país. É nessa época também que surgiu a figura de Glauber Rocha
em um movimento chamado fenômeno baiano.
Por fim, tanto Paulo Emílio quanto Jean-Claude Bernardet afirmam que o mercado
cinematográfico brasileiro funciona em função do cinema importado. Isso acontece até
mesmo dentro das leis de incentivo ao cinema nacional, já que muitas empresas estrangeiras,
principalmente norte-americanas, que produzem filmes realizados por uma equipe
majoritariamente brasileira, filmados e processados no Brasil usufruem das vantagens
previstas por essas leis. Esse é um exemplo de como o cinema está integrado ao sistema das
multinacionais. Assim, Jean-Claude Bernardet mantém essa coerência ao afirmar que “Não é
possível entender qualquer coisa que seja no cinema brasileiro, se não tiver sempre em mente
a presença maciça e agressiva, no mercado interno, do filme estrangeiro, importado quer por
empresas brasileiras, quer por subsidiárias de produtores europeus e norte-americanos.”.
Bibliografia
BERNARDET, Jean-Claude. Cinema Brasileiro: Propostas para uma História. São
Paulo, Companhia das Letras, 2009.
GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento. Rio de
Janeiro, Editora Paz e Terra, 1996.
GOMES, Paulo Emílio Sales. A expressão social dos filmes documentais no
cinema mudo brasileiro (1898-1930). Recife, Ministério da Educação e Cultura/Instituto
Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1977.
JÚNIOR, Caio Prado, Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo, Editora
Brasiliense, 1942.
<https://enciclopedia.itaucultural.org.br/instituicao637286/cinedia> acesso em
20/09/2022

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