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1999
RESUMO
Este artigo analisa a relação entre os produtores cinematográficos brasileiros e o Estado na criação de
órgãos de incentivo e proteção ao cinema nacional e na elaboração de projetos culturais que pretendiam
utilizar o cinema como instrumento de educação e propaganda durante o Estado Novo (1937-1945). Nos
anos trinta e quarenta, os cineastas brasileiros, fascinados pelos sistemas de produção cinematográfica
oficiais da Alemanha, Itália e URSS, reivindicavam intervenções semelhantes do governo brasileiro, con-
siderando-as como necessárias para a implantação de uma indústria cinematográfica nacional.
PALAVRAS-CHAVE: cinema brasileiro; cinema e História; cinema no Estado Novo; cinema nazista; cine-
ma fascista; cinema soviético; cinema e política.
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13 do decreto nº 21.240, que determinava a exi- sileiros, 1937, p. 74). Levando em conta não ape-
bição obrigatória de curtas-metragens em com- nas as propostas forjadas por cineastas, educa-
plemento às sessões normais. dores e políticos brasileiros, mas também a ex-
periência de países europeus, iniciavam-se os
A maior parte das medidas previstas pelo de-
projetos que acabariam resultando na criação do
creto 21.240 só seriam colocadas em prática em
Departamento de Propaganda e Difusão Cultural
anos posteriores. Sofrendo a oposição dos exibi-
(DPDC).
dores e importadores, os produtores brasileiros
concentraram seus esforços na reivindicação do A criação do DPDC inspirava-se na experiên-
cumprimento da obrigatoriedade de exibição de cia de regimes autoritários europeus cujas inicia-
filmes nacionais de curta-metragem. Manifestan- tivas, no âmbito da cultura e da propaganda, im-
do sua intenção de fazer filmes educativos, pressionavam os cineastas brasileiros e autorida-
integradores e nacionalistas, os produtores naci- des do regime varguista em suas viagens de re-
onais conseguiram finalmente arrancar do gover- conhecimento pela Europa. Alvo de rasgados elo-
no as instruções definindo as regras para o cum- gios de Luís Simões Lopes, oficial de gabinete da
primento da obrigatoriedade. Presidência da República4, o Ministério da Infor-
mação e Propaganda alemão, criado por Joseph
Em trinta de junho de 1934, os produtores ci-
Goebbels em março de 1933, possuía um depar-
nematográficos nacionais visitaram Getúlio Vargas
tamento destinado exclusivamente ao cinema.
para prestar seus agradecimentos pela lei de
Cabia a este departamento a tarefa de organizar
obrigatoriedade, ocasião em que Getúlio proferiu
toda a produção alemã, sugerindo, encomendan-
o discurso O cinema nacional como elemento de
do ou apoiando produções, corrigindo “falhas de
aproximação dos habitantes do País, citado no
gosto ou erros artísticos” e interditando filmes
início do presente artigo. Numa crônica do Jor-
que não estivessem afinados com o regime nazis-
nal do Brasil, transcrita nas páginas de Cinearte,
ta (CADARS e COURTADE, 1972, p. 24). Em
Mário Nunes procurou captar o significado da-
vinte e dois de setembro de 1933 era publicado o
quele momento, apontando Getúlio como “o pri-
estatuto definitivo da Câmara Nacional do Filme
meiro governante do Brasil que ouviu com aten-
(Reichsfilmkammer) que, junto com o Ministério
ção os ideólogos que de há muito tempo clama-
da Informação e Propaganda, estaria encarrega-
vam por um cinema nacional e compreendeu o
da de planificar a produção cinematográfica ale-
alto alcance dessa atividade que combate a
mã, intervindo diretamente na produção, distri-
desnacionalização crescente do povo e do País
buição, exibição e no financiamento a projetos
[...]” (apud Cinearte, 455, 15/12/1934, p. 11).
através do Banco de Crédito do Cinema
Percebendo o estabelecimento do cinema educa-
(FilmKreditbank).
tivo e de propaganda como uma etapa necessária
à consolidação de uma indústria cinematográfica Também na Itália esta busca pelo controle
nacional, os cineastas brasileiros — unidos a edu- sobre os meios de comunicação de massa e so-
cadores, políticos e outras autoridades ligadas ao bre a cultura se fazia notar. No dia primeiro de
regime — podem ser apontados como os autên- agosto de 1933, Galleazzo Ciano era nomeado para
ticos construtores daquela proposta pedagógico- a chefia do Escritório de Imprensa do Chefe do
propagandística que ganhara um porta-voz privi- governo, que havia sido criado em 1922, logo
legiado na pessoa do Presidente da República. depois de Mussolini haver chegado ao poder. Sob
a administração de Ciano, o escritório conheceu
A obrigatoriedade de exibição de filmes naci-
um alargamento progressivo de suas competên-
onais de curta-metragem, que deveria iniciar-se
cias, que culminou com sua elevação à condição
em agosto de 1934, abria grandes possibilidades
de Sub-Secretariado de Estado para a Imprensa e
para o desenvolvimento das atividades cinemato-
gráficas no Brasil. As esperanças com relação ao
futuro promissor que se desenhava para o cine-
ma brasileiro pareciam ainda ser confirmadas pela 4 Cf. a Carta de Luiz Simões Lopes a Getúlio Vargas.
nomeação de uma Comissão responsável pela cri- CPDOC/FGV, GC 34.09.22, p. 01 e 02. Escrevendo de
ação de um novo órgão oficial que se encarrega- Londres, o Oficial de Gabinete do Presidente da República
ria de “reunir em um só departamento todos os faz uma avaliação positiva do Ministério da Informação e
serviços de rádio, cinema e cultura física” (AS- Propaganda alemão, sugerindo a Getúlio Vargas a criação
SOCIAÇÃO Cinematográfica de Produtores Bra- de uma “miniatura” daquele órgão no Brasil.
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a Propaganda, através de um decreto datado de dores, mas também entre os produtores, que não
dez de setembro de 1934. Às divisões de Impren- teriam condições de suprir a demanda por filmes
sa Italiana, Imprensa Estrangeira e Propagan- em caso da imposição de maiores barreiras às fi-
da, já existentes no antigo órgão, juntar-se-ia a tas importadas. Cientes dos fantasmas que as-
Divisão de Cinema, confiada a Luigi Freddi. Em sustavam o mercado, os produtores nacionais
vinte e quatro de setembro, para assinalar que buscaram tranqüilizar os distribuidores e exibi-
um projeto coerente sucedia a política fragmen- dores, afirmando que a obrigatoriedade de exibi-
tária e desordenada até então adotada pelo gover- ção de filmes nacionais de curta-metragem não
no fascista para o cinema italiano, um decreto-lei deveria ser vista como o primeiro passo de um
reunia sob a competência do Sub-Secretariado de processo que objetivava o fechamento do mer-
Estado para a Imprensa e Propaganda uma série cado brasileiro ao filme importado. Na opinião
de atribuições que estavam dispersas entre vários dos editores de Cinearte, o desenvolvimento do
ministérios (cf. GILI, 1985, p. 12-13). cinema brasileiro necessitava da contribuição fi-
nanceira, técnica e até mesmo estética trazida
Cientes da organização do futuro Departamen-
pelos filmes estrangeiros que não poderiam ser
to de Propaganda e Difusão Cultural, bem como
afastados de forma abrupta do mercado nacio-
das vantagens que este novo órgão podia lhes
nal6.
oferecer, os produtores brasileiros entraram ra-
pidamente em contato com a comissão encarre- A publicação do decreto de criação do DPDC,
gada de sua criação que, segundo relatório da em onze de julho de 19347 , veio comprovar o
Associação Cinematográfica de Produtores Bra- sucesso dos produtores brasileiros em sua cam-
sileiros, estaria sendo assediada pelos distribui- panha junto aos membros encarregados da orga-
dores e exibidores que buscavam impedir o cum- nização do novo órgão federal. O DPDC ficaria
primento da obrigatoriedade de exibição de filmes encarregado de “estimular a produção, favorecer
nacionais de curta-metragem (cf. ASSOCIAÇÃO a circulação [...] intensificar e racionalizar a exi-
Cinematográfica de Produtores Brasileiros, 1937, bição [...] de filmes educativos”, que podiam fa-
p. 71). zer juz a “favores fiscais” concedidos pelo go-
verno. Além destas vantagens, os filmes nacio-
A obrigatoriedade de exibição de filmes nacio-
nais de curta-metragem era vista com grande pre-
ocupação pelas distribuidoras estrangeiras, sobre-
tudo quando avaliada à luz das experiências na- controle estatal sobre a distribuição alcançaria o seu ponto
zista e fascista que pareciam inspirá-la. Não so- máximo com a “lei sobre o monopólio”, que previa que os
mente em virtude de fatores ideológicos, mas tam- filmes estrangeiros seriam comprados e distribuídos pela
bém em função de suas necessidades econômicas, ENIC (Escritório Nacional da Indústria Cinematográfica),
os regimes italiano e alemão não limitaram suas órgão estatal criado em novembro de 1935. Descontentes
com o decreto de setembro de l938, as companhias ameri-
intervenções no mercado cinematográfico ao in- canas (Metro, Warner, 20th Century Fox e Paramount),
centivo de produções desejáveis e à repressão das deixariam de atuar no mercado italiano (cf. GILI, 1985, p.
indesejáveis: os fascistas e nazistas buscaram tam- 41).
bém estender o seu controle sobre os mecanis- 6 Buscando tranqüilizar importadores e exibidores, o redator
mos de distribuição, favorecendo as produções da seção Cinema Brasileiro lembrava que “naquela primeira
locais e criando barreiras às produções estran- reunião do Ministério da Educação [quando], logo depois
geiras5 . No caso brasileiro, a incipiência da pro- da revolução, tratava-se até de impedir totalmente a entrada
dução nacional desautorizava medidas mais radi- de filmes estrangeiros, foram os representantes de Cinearte
cais contra o cinema estrangeiro que, no entanto, que observaram a necessidade também de assistirmos a
parecem ter sido discutidas, provocando verda- filmes estrangeiros porque o cinema é como o livro, e nós
gostamos de ler e estudar também o que se faz no
deiro terror não só entre os exibidores e distribui- estrangeiro” (Cinearte, 400, 01/10/1934, p. 07). Cabe
destacar ainda que, nesse mesmo período, Cinearte iniciou a
publicação de um suplemento com a “finalidade distinta”
5 Na Alemanha, essa presença do Estado na distribuição se
de “prestar serviços aos Exibidores e aos Importadores de
dava sobretudo através da UFA que possuía um número filmes” (Cinearte, 405, 15/12/1934, p. 21).
bastante significativo de salas no território alemão. Cadars
7 Vide transcrição do decreto de criação do DPDC em
e Coutarde informam que, em 1936, 88% dos filmes
distribuídos na Alemanha eram nacionais (cf. CADARS e ASSOCIAÇÃO Cinematográfica de Produtores Brasileiros,
COURTADE, 1972, p. 31). Na Itália, o processo de 1937, p.73.
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nais ainda eram beneficiados com um desconto pela sua circulação restrita, dado que a maior parte
de cinqüenta por cento sobre as taxas dos servi- dos cinemas brasileiros não cumpriam com as
ços de censura que, a partir daquele momento, exigências de exibição obrigatória previstas em
passava a ser exercida por uma Comissão subor- lei. Prejudicados pela baixa renda de bilheteria, os
dinada ao Ministério da Justiça e Negócios Interi- produtores nacionais não podiam também contar
ores. com os prêmios oficiais uma vez que o pequeno
volume de verbas destinadas ao Departamento de
A obrigatoriedade de exibição de filmes de
Propaganda e Difusão Cultural impedia-o de con-
curta-metragem e as vantagens e incentivos pre-
ceder os incentivos financeiros e fiscais previs-
vistos pelo decreto de criação do DPDC deram
tos quando da sua criação.
um novo impulso às atividades dos cineastas bra-
sileiros que empenharam-se em divulgar as reali- Diante dessas dificuldades, Cinearte voltaria
zações do regime que lhes havia apoiado8. Ao lado a reservar espaços cada vez mais significativos
da educação do povo brasileiro, a tarefa de propa- para a divulgação de medidas protecionistas ado-
gandear as realizações do regime varguista assu- tadas na Itália e na Alemanha que demonstravam
mia um papel de destaque no discurso de cineas- a omissão das autoridades brasileiras com rela-
tas empenhados em garantir os incentivos do Es- ção ao cinema nacional. Em 1935, esse procedi-
tado para uma indústria que, malgrado o otimismo mento tático atingiria o seu ápice em seis editori-
reinante, enfrentava dificuldades de difícil supe- ais que louvaram, com grande entusiasmo, a po-
ração. lítica cinematográfica adotada pelo III Reich.
A julgar pelas críticas transcritas em Cinearte Reconhecendo os “excessos do extremado
e A Cena Muda, os primeiros curtas-metragens nacionalismo alemão”, bem como as prevenções
de exibição obrigatória eram de qualidade bastan- que poderiam ser levantadas contra o “absolutis-
te insatisfatória. Ao descrever a reação das platéias mo medieval revivido pelo guante de ferro de
nas sessões acompanhadas pelos shorts nacionais, Hitler”, Cinearte destacava a impossibilidade de
num artigo do jornal integralista A Offensiva trans- se “negar os extraordinários benefícios que a Ale-
crito nas páginas de Cinearte, Paulo Lavrador nos manha recebeu sob os pontos de vista da unidade
faz acreditar que, malgrado a retórica dos produ- de seu povo, da reconquista da confiança em si
tores, eles pouco contribuíam para a educação mesmo e, dentro de diversos outros, no campo
do povo brasileiro ou para a divulgação da propa- cultural, com a manutenção de suas tradições”.
ganda varguista. Segundo Paulo Lavrador, prin- Com a instituição do Ministério da Educação e
cipalmente no período imediatamente posterior à Instrução Pública Popular e do Ministério da Pro-
lei, quando a incipiência da produção obrigou as paganda, Goebbels haveria conseguido deter o tão
companhias a “empurrar quanta coisa havia em falado “declínio da civilização ocidental”, impri-
latas que se cobriam da poeira de alguns anos”, mindo uma “orientação segura [...] à indústria
os curtas-metragens de exibição obrigatória cons- cinematográfica da Alemanha, nação cujos diri-
tituíam-se em “coisas inomináveis, que o público gentes, reconhecendo a importância sem par do
recebia mal, culpando o cinema exibidor dos dez rádio, da imprensa e do cinema, dedicaram-se a
maus minutos que passava, levando a sua exas- corrigir-lhes as falhas, a indicar-lhes novos ru-
peração ao ponto de agredir a pobre tela, que re- mos, para elevá-los ao lugar que lhes é devido
cebia os insultos, corporificados em projéteis que como fatores de educação, de cultura e aproxi-
chegaram a danificar algumas delas” (Cinearte, mação dos povos” (Cinearte, 415, 15/05/1935,
435, 15/02/1936, p. 21). Os valores pagos aos p. 5)9. A convocação do Congresso Internacio-
produtores pela locação dos curtas-metragens
eram muito baixos, um problema ainda agravado
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bém a indústria cinematográfica russa11 , progre- Cinema e Teatro do órgão que dispensou os ser-
diam sob o comando de líderes que haviam com- viços da Cinédia na produção do Cinejornal Bra-
preendido a importância do cinema como instru- sileiro12 .
mento de educação e propaganda política. Com
Ao mesmo tempo em que se estabelecia como
sua série de artigos louvando a política nazista
concorrente das empresas privadas no campo dos
para o cinema, Cinearte dava os retoques finais
curtas-metragens, o Estado oferecia, como
no “Ovo da Serpente” que se partiria dali a alguns
contrapartida, diversas vantagens à produção de
anos, com o Golpe de Estado de novembro de
longas-metragens. Além de estabelecer a
1937.
obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais
Para desalento de setores que imaginavam de longa-metragem, o decreto de criação do DIP
colher maiores dividendos com a instituição de conferia ao órgão a missão de conceder prêmios,
um “regime de força” no Brasil, a política adotada favores, estímulos, isenções e reduções de im-
pelo Estado Novo com relação ao cinema mos- postos e taxas aos filmes nacionais educativos e
trou-se de certo modo tímida, ficando muito de longa-metragem. Nenhuma dessas medidas de
aquém dos desejos de diversos cineastas. Não incentivo, no entanto, seria efetivamente coloca-
seriam adotadas maiores barreiras à penetração da em prática. Como já havia acontecido anteri-
do cinema americano no mercado brasileiro, ao ormente com o Departamento de Propaganda e
mesmo tempo em que as intervenções estatais Difusão Cultural, o Departamento de Imprensa e
pareciam criar novas barreiras ao desenvolvimento Propaganda não chegaria a conceder os prêmios
da indústria cinematográfica nacional. e isenções previstos no decreto de criação do ór-
gão, que dariam um grande impulso às atividades
Em 1938, o Departamento de Propaganda e
cinematográficas no Brasil. Ao contrário do es-
Difusão Cultural era reorganizado incluindo a
perado, a criação do DIP agravaria ainda mais a
Imprensa e o Turismo entre as suas seções de
já desfavorável situação das produtoras privadas.
Rádio, Cinema e Cultura Física (cf. GOULART,
Com a produção do Cinejornal Brasileiro, o De-
1990, p. 57-58). O agora denominado Departa-
partamento de Imprensa e Propaganda vinha so-
mento Nacional de Propaganda tornou-se respon-
mar-se ao Ministério da Agricultura e ao Instituto
sável pela produção do Cinejornal Brasileiro: sé-
Nacional de Cinema Educativo, acirrando a dis-
rie de cine-jornais que, privilegiando-se da
puta entre instituições oficiais e empresas priva-
obrigatoriedade de exibição de filmes de curta-
das na produção dos curtas-metragens necessá-
metragem nacionais, era exibida antes das ses-
rios ao cumprimento da lei de obrigatoriedade.
sões normais. Sem possuir uma estrutura que lhe
Subvencionado pelo governo Federal, o Cinejor-
permitisse produzir o cinejornal, o DNP confiou
nal Brasileiro e outras produções oficiais pres-
esta tarefa à Cinédia de Adhemar Gonzaga. Em
cindiam dos recursos de bilheteria para a sua sus-
dezembro de 1939, no entanto, a transformação
tentação, concorrendo deslealmente com as pro-
do Departamento Nacional de Propaganda em
dutoras privadas que tinham o aluguel das fitas
Departamento de Imprensa e Propaganda seria
como sua principal fonte de renda.
acompanhada por uma ampliação da Divisão de
Concorrendo em situação de inferioridade com
o próprio Estado no campo dos curtas-metragens,
os produtores brasileiros não encontravam me-
11 A prudência do cronista com relação ao cinema soviético
é bastante compreensível no contexto de forte repressão
aos militantes de esquerda, que se sucedeu ao decreto de
dissolução da Aliança Nacional Libertadora, datado de onze sões que decidiam as circunstâncias em que se daria a sua
de julho de 1935. Convém destacar que o Estado soviético distribuição: os filmes podiam ser proibidos, distribuídos
também mantinha um estrito controle sobre suas produ- por todas as repúblicas ou exibidos com restrições. Ver
ções cinematográficas. A produção de um filme soviético MOUSSINAC, 1928, p. 52-53 e p. 73-74.
seguia diversas etapas: inicialmente era elaborado o argumento
que, submetido a uma comissão de censura, dava origem a 12 A respeito da criação do Departamento de Imprensa e
um libreto que, uma vez aprovado por outra comissão, dava Propaganda, gerado a partir da fusão do Serviço de
origem a um roteiro. Somente depois de uma cuidadosa Inquéritos Políticos e Sociais com o Departamento Nacional
censura do roteiro é que iniciavam-se as filmagens. Termina- de Propaganda consultar SOUZA, 1990, p. 246 e GARCIA,
do o filme, este ainda era submetido a duas outras comis- 1982, p.100-102.
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lhor sorte no campo dos longas-metragens. Com estratégica pelos países que se digladiavam na
o início da Segunda Guerra, a necessidade de con- Guerra Mundial, a película virgem e outras maté-
quistar o apoio dos países latino-americanos le- rias-primas se tornaram cada vez mais raras, im-
vou os Estados Unidos a reforçar seus laços pedindo a concretização de novas produções, so-
econômicos e culturais com o continente através bretudo no campo dos longas-metragens14. A en-
da chamada “política da boa vizinhança”. Criado trada do Brasil na Guerra e a posterior vitória dos
em dezesseis de agosto de 1940, o Office of the Aliados contribuiriam para a consolidação da hege-
Coordinator of Commercial and Cultural monia do cinema americano no mercado brasilei-
Relations between the Americam Republics (Birô ro e para o esquecimento de projetos que, embo-
Interamericano) reservou uma atenção especial ra muito recentes, transformaram-se em páginas
ao cinema, incentivando a produção e a difusão esmaecidas de um passado longínquo.
de longas-metragens ficcionais e documentários Recebido para publicação em setembro de 1997.
que propagandeavam o “american way of life” e
a unidade cultural e política entre Brasil e Estados
Unidos13. Ao mesmo tempo em que a presença
John Ford, Walt Disney e Grace Moore) foram mandados
do cinema americano no mercado brasileiro se em visita ao Brasil, ao mesmo tempo em que profissionais
fortalecia, cresciam as dificuldades dos produto- brasileiros (como era o caso de Carmem Miranda) ganha-
res nacionais. Considerado como matéria-prima vam a oportunidade de trabalhar em produções nos EUA.
A respeito da “política da boa vizinhança”, consultar PRA-
DO, 1995.
13 A “política de boa vizinhança” manifestou-se também 14 A respeito das dificuldades enfrentadas no período pela
pelo intercâmbio entre brasileiros e norte-americanos no falta de matérias-primas, consultar GONZAGA, 1987, p.14-
campo do cinema. Atores e cineastas americanos (como 15.
Cláudio Aguiar Almeida (mortara@usp.br) é Mestre em História Social na Universidade de São Paulo
(USP). Atualmente é doutorando em História Social na mesma instituição.
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dor de almas” : Argila, uma cena do Estado et soviétique. Lausanne : L’age d’homme.
Novo. São Paulo: Annablume/FAPESP (no
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Brasileiros. 1937. Relatório da diretoria. Rio
MOUSSINAC, L. 1928. Le cinéma soviétique.
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Paris : Gallimard.
CADARS, P. e COURTADE, F. 1972. Histoire
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du cinéma nazi. Paris : Eric Losfeld.
vizinho : América Latina e Estados Unidos
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GILI, J. A. 1985. L’Italie de Mussolini et son SOUZA, J. I. de M. 1990. Ação e imaginário de
cinéma. Paris : Henry Veyrier. uma ditadura : controle, coerção e propagan-
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de Janeiro : Record.
(Mestrado). ECA/USP.
GOULART, S. 1990. Sob a verdade oficial : ide-
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to de aproximação dos habitantes do País. In:
São Paulo : Marco Zero/CNPq.
A nova política do Brasil. Rio de Janeiro :
José Olympio.
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 12: 121-129 JUN. 1999
XAVIER, I. 1978. Sétima arte : um culto moder- no. São Paulo : Perspectiva.
OUTRAS FONTES
LOPES, L. Carta a Getúlio Vargas. Rio de Janei- Revista Cinearte. Rio de Janeiro : 1927-1930;
ro, CPDOC/FGV, GC 34.09.22. 1934-1935.
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João Roberto Martins Filho (Universidade Federal de São Carlos)
This article studies the impact of Cuban Revolution on interamerican relations in the period between
1959 and 1964 and, specifically, the heritage of contra-insurrection theory, exported with enthusiasm
during the Kennedy government. In this period, Latin America had a prominent position in the
agenda of both the State Departament and the Pentagon, something expressed in a multiplication of
American military support and in the reinforcement of anti-subversive undertakings, historically
performed by the military. Inside the United States, on the other hand, the employment of the so-
called Special Forces was problematic, generating resistence and tension inside the Armed Forces.
KEY WORDS: Cuban Revolution; Kennedy government; Latin America; contra-insurrection;
military support.
THE STUDY OF INTERNATIONAL RELATIONS IN BRAZIL: THE STATE OF THE
ART
Shiguenoli Miyamoto (Universidade Estadual de Campinas)
This article reviews the study of International Relations in Brazil in two periods: before and after
1978. In the first period, we verify a small number of professionals and institutions devoted to these
themes, whereas in the decade of the 1980´s there was a notable increase in those numbers, specially
with the creation of several undergratuate programs offering degrees in International Relations. The
article also points to the difficulties faced by this area in the country, given intermissions in both
teaching and research institutions devoted to the theme as well as in specialized publications.
KEY WORDS: International relations; Brazilian external politics; International Relations teaching
institutions; International Relations periodicals.
DEMOCRACY AND SOCIAL MOBILIZATION: AUTONOMOUS PARTICIPATION
AND POLITICAL INSTITUTIONS IN THE BRAZILIAN TRANSITION
Alberto Tosi Rodrigues (Universidade Federal do Espírito Santo)
This article offers an understanding of society´s political mobilizations and demobilizations as a
counterpart of the processes of enlargement and narrowing down of institutional channels that
regulate the actors´ interaction, such as "socialization" or "privatization" movements of socio-
political conflicts. Focusing on the Brazilian case, the article discusses the democratic transition and
"consolidation" from the perspective of permeability of the political system in relation to the
autonomous participation of the mobilized society.
KEY WORDS: mobilization; democracy; transition; political conflict.
BRAZILIAN MOVIES IN THE ESTADO NOVO: DIALOGUES WITH ITALY,
GERMANY AND USSR
Cláudio Aguiar Almeida (Universidade de São Paulo)
This article analyses the relation between Brazilian movie producers and the State in the creation of
agencies for incentive and protection of Brazilian cinema and in the elaboration of cultural projects
aiming to use movies as an instrument of education and propaganda during the "Estado Novo"
(1937-1945). In the 1930's and 40's, Brazilian movie-makers, fascinated with systems of official
cinematographic production in Germany, Italy and the USSR, vindicated similar interventions of the
Brazilian government, considering them as necessary for the implementation of a national
cinematographic industry.
KEY WORDS: Brazilian cinema; cinema and History; movies in the Estado Novo; nazi movies;
fascist movies; soviet movies; movies and politics.
THE MILITANT LEFT: BETWEEN PASTORAL ENGAGEMENT AND LOCAL
REPRISAL
Nelson Rosário de Souza (Universidade Federal do Paraná)
This article aims to analyse the ambiguities of leftist militancy and the possibilities of overcoming
them. In order to do that, it looks over the sources of modern militant practices, the Marxist debate
about the revolutionary militancy and also the practices of militants of the so-called "new social
movements". The most recent militant experience, combined with the refusal by intellectuals of
assuming the role of "vanguard", has served as an anchor for the critique of pastoral militant
practices and their all encompassing effect.
KEY WORDS: leftist militancy; political participation; militant; "total militancy".
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