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Índice

Introdução ...................................................................................................... 7
1. Os caminhos metodológicos para a condução das análises ............... 15
1.1. O exame dos enredos ........................................................................... 17
1.2. O exame dos personagens ................................................................ 20
1.3. O exame dos ambientes e atmosfera ................................................. 22
2. Como Nossos Pais: o caso de Sonhadores ................................................ 27
2.1. O enredo ................................................................................................ 34
2.2. Os personagens .................................................................................... 42
2.3. Ambientação, atmosfera e ponderações finais ................................. 50
3. A magia do cotidiano infantil: o caso de Aventuras de Amí ................ 64
3.1. O enredo ............................................................................................... 68
3.2. Os personagens ................................................................................... 78
3.3. Ambientação, atmosfera e ponderações finais ................................ 88
4. A cidade como tesouro: o caso de HUNT ............................................ 99
4.1. O enredo .............................................................................................. 105
4.2. Os personagens .................................................................................... 117
4.3. Ambientação, atmosfera e ponderações finais ............................... 123
Considerações finais ................................................................................. 133
Referências biliográficas ........................................................................... 137
Apêndice – Os resultados do mapeamento inicial ................................ 141
A – Texto padrão do e-mail enviado às produtoras ............................... 141
B – Campos do formulário enviado às empresas .................................. 144
C – Resposta da produtora Benditas ....................................................... 144
D – Resposta da produtora CineArts ...................................................... 145
E – Resposta da produtora Griot Filmes / Takapy Digitar Art .............. 146
F – Resposta da produtora Hamaca ......................................................... 149
G – Resposta da produtora Larty Mark ................................................... 150
H – Resposta da produtora Liberato .......................................................... 151
I – Resposta da Mantra Filmes ................................................................. 152
J – Resposta da Movioca .......................................................................... 153
K – Resposta da Obá Cacauê ................................................................... 156
L –Resposta da Olivas Filmes ................................................................... 157
M – Resposta da Plano 3 ............................................................................ 158
Sobre os autores ................................................................................................ 160
Sobre o livro ....................................................................................................... 164
Introdução
Ao longo das últimas décadas, é notável que
uma expressiva “cultura de séries” vem emergindo
com vigor no Brasil e no mundo (BARRETO,
2013). Estimulada pelo êxito das grandes produções
estadunidenses que vêm ganhando público ao
redor do globo, essa cultura tem amplo potencial de
impulsionar outros mercados, algo que se tem visto em
países como a França (JOST, 2012). Nacionalmente,
a despeito do revés que tomou o setor nos últimos
anos, a continuidade da produção de séries junto às
plataformas de streaming e a promessa de renovação
dos financiamentos públicos na área mostra que há
fôlego para a continuidade da produção brasileira.
Não só isso, há não muitos anos, a Lei da TV Paga,
em consonância com a política de financiamento do
Fundo Setorial Audiovisual, ajudou a multiplicar de
modo expressivo o número de obras realizadas no
país, não obstante os problemas que o setor enfrentou
mais recentemente. Nesse sentido, os próprios
editais regionais e municipais, como os do Fundo de
Cultura da Bahia e do IRDEB, também podem vêm
paulatinamente se configurando em uma promessa no
intuito de diversificar regionalmente as produções e
abrir espaço para novos criadores.
Nota-se, no entanto, ainda conforme Barreto
(2013), que a ampliação do público de séries concerne
não só a contextos tecnológicos e produtivos que vêm
7
emergindo, mas também a uma maior flexibilidade em
relação às formas narrativas, dramáticas e estilísticas
do que se mostra possível no audiovisual seriado,
cada vez mais diverso em formas e bem-sucedido em
cativar o público. Ainda assim, pouco movimento
tem sido feito no intuito de examinar a realidade das
dramaturgias regionais e gerar resultados de pesquisa
que sirvam tanto a acadêmicos quanto a agentes do
mercado, cartografando o que tem sido produzido
localmente e apontando recorrências narrativas e
estilísticas que possam ajudar a entender quais são
os pontos fortes da teledramaturgia regional frente à
demanda prometida pelas mudanças ainda em curso
no cenário brasileiro.
Uma visita a ambientes como o portal de
periódicos e ao banco de dissertações e teses da Capes,
por exemplo, permite verificar que conquanto as séries
brasileiras de grande sucesso venham conquistando
olhares na academia, ainda se encontra muito pouco
em termos de produções científicas relacionadas aos
aspectos dramatúrgicos, visuais, sonoros e cênicos
de criações regionais em contextos como o baiano, o
que deixa os interessados em ingressar neste mercado
sem referências para consultar1. Obviamente, aqui é
necessário louvar os esmerados esforços conduzidos
nessa direção, sobretudo por serem tão poucos. Os
editores do quinto número da revista Infocultura
(SECRETARIA DE CULTURA DO ESTADO DA
BAHIA, 2011), por exemplo, empreenderam já há
mais de uma década um excelente diagnóstico da
economia audiovisual na Bahia e no Brasil. Mais
recentemente, o esforço do I Mapeamento de Serviços
de Infraestrutura de Apoio ao Audiovisual Baiano
(SEBRAE - BA, 2020) ajudou a desenhar um cenário
de produção mais atualizado, e também a mapear as
1 Principalmente se tomamos como exemplo a robustez da produção sobre
as obras de alguns outros contexxtos regionais, como o gaúcho.
8
instituições que movimentam este cenário. Por fim,
o trabalho que vem sendo conduzido por Virgens
(2021) vai além ao investigar não apenas a estrutura
de financiamento, mas também um panorama que
dá conta do perfil das obras e das suas dinâmicas de
circulação2.
Mesmo frente a esses louváveis esforços, o fato
é que algo ainda parece vir sendo negligenciado: as
configurações narrativas, dramatúrgicas e estilísticas
que algumas destas produções vêm tomando. Esse
ponto cego na pesquisa sobre produções regionais
da Bahia, que por si já é conduzida por menos
pesquisadores do que deveria, se mostra um problema
ainda maior quando reconhecemos que a realidade da
produção local apresenta francos constrangimentos
sobre o orçamento para a realização das obras,
exigindo delas mais em suas soluções dramatúrgicas
para que possam ganhar espaço junto ao público e
contornar estes problemas orçamentários com boas
histórias.
Ademais disso tudo, o Brasil é um país
marcadamente deficitário no que concerne à
preservação de sua memória audiovisual, o que só
piora quando falamos em televisão, mormente fora
do eixo Rio-São Paulo. Assim, enquanto alguns países
europeus mantêm extensivos bancos de dados das
produções nacionais de tevê, como o INA (França) e o
BFI (Inglaterra), aqui, a preservação cabe às próprias
empresas, de modo que contamos sobretudo com
a bibliografia disponível para conhecer a paisagem
televisiva de uma dada época. De tal forma, a carência
de uma bibliografia que examine as produções
regionais por dentro implica também uma carência de
memória, de maneira que pesquisas que se debrucem

2 Virgens (2021) identifica, por exemplo, entre 2011 e 2018, o financiamento


de 66 obras documentais, 16 de ficção live action e 13 de animação na Bahia.
9
sobre a teledramaturgia baiana de hoje têm o potencial
de ajudar não só os pesquisadores e agentes do
mercado contemporâneos em um nível mais imediato,
mas também na preservação da memória audiovisual
baiana a longo prazo.
Foi frente a todo esse diagnóstico que surgiu o
projeto Vários Mundos, Uma Bahia, voltado a elencar
as recorrências dramatúrgicas e estilísticas em algumas
das séries baianas de destaque recentes que pediam
um olhar mais aprofundado. Desde o início, assim,
o interesse do projeto foi o de identificar padrões
narrativos, visuais e sonoros que ganhassem destaque
em algumas séries baianas, escolhendo até três
produções ficcionais para tevê recentes do estado para
lançar sobre elas um olhar dedicado.
O valor do trabalho, portanto, sempre foi
pensado pela equipe como triplo: em primeiro
lugar, ele visa suprir uma lacuna existente no
próprio universo da pesquisa, dando um primeiro
passo no intuito de gerar resultados de análise que
examinem que recursos marcam a as minúcias da
nossa teledramaturgia, juntando esses esforços de
preservação da memória audiovisual àqueles que
vêm sendo conduzidos na investigação da economia
que move este setor no estado. Em segundo lugar, o
presente livro também foi pensado na busca de um
valor mais imediatamente educativo: o interesse é
que, a partir da sua disponibilização gratuita, jovens
empenhados em produzir ficção seriada no estado da
Bahia e na região Nordeste tenham à sua disposição
materiais de consulta que refletem sobre o que tem
funcionado a nível local, e não apenas manuais
de roteiro mais amplos cujos exemplos pouco se
relacionam com a realidade da região. Enfim, com o
passar do tempo, a perspectiva é que o escrito ganhe
também certa relevância historiográfica, legando
10
para pesquisadores e realizadores que venham a se
interessar pela teledramaturgia regional nos próximos
anos um recurso que permita entender o cenário que
se desenhava na época em que foram produzidas as
obras do corpus.
Enfim, em meados do processo de pesquisa,
as séries que acabaram selecionadas para análise
foram Sonhadores (Obá Cacauê, 2020), Aventuras
de Amí (Movioca e Lanterninha Produções, 2018) e
HUNT (Olivas Filmes, 2018), a cada uma das quais
se dedica um dos três capítulos finais deste livro. Essa
escolha, contudo, não foi aleatória, e a pesquisa nem
de longe começou com ela. Em termos das etapas,
o primeiro passo da investigação foi o de conduzir
um levantamento das obras baianas que foram
financiadas entre agosto de 2011 e o fim de 2018,
dado que o processo de pesquisa que deságua neste
livro teve início em 20193. Esse levantamento foi feito
antes de tudo a partir dos dados do Programa de
Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro
(PRODAV )4.
Desta forma, consultando o link do site do Banco
Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul que
permite verificar as obras seriadas financiadas pelo
PRODAV5, identificamos quais daquelas produções
eram baianas. Além disso, também checamos o
Sistema de Informações e Indicativos da Cultura, do
3 Originalmente, inclusive, o próprio livro Vários Mundos, Uma Bahia estava
previsto para publicação em 2020, mas a pandemia levou a um intervalo
prolongado na pesquisa antes que ela pudesse ser retomada.
4 Aos que entendem de financiamento audiovisual, cabe dizer que nos
referimos sobretudo à linha 01/2013 do PRODAV, a maior fomentadora
de projetos de séries independentes no país, que assim se identifica:
Esta Chamada Pública destina-se à seleção, em regime de fluxo contínuo,
de projetos de produção independente de obras audiovisuais brasileiras,
destinadas ao mercado de televisão, no formato de obra seriada de
ficção, documentário e animação e de telefilmes documentários, visando
à contratação de operações financeiras, exclusivamente na forma de
investimento (BRDE, [s.d.]).
5 Link: <https://www.brde.com.br/fsa/fsa-prodav-01-2013/>. Acesso em: 02
de ago. 2023.
11
Governo do estado, para verificar que projetos de
séries foram aprovados em editais culturais na Bahia6.
Por fim, em nome do rigor exaustivo na identificação
das produções, foram feitas ainda buscas no site da
Secretaria de Cultura7 e da Fundação Cultural8 do
Estado da Bahia, para que o máximo de obras pudesse
ser localizado.
Concluída estas varreduras em sites
institucionais, um trabalho mais minucioso foi
conduzido nos sites e nas redes sociais das próprias
produtoras a fim de verificar que produções eram
efetivamente seriadas e, dentre elas, quais tinham
propostas que podiam de fato ser consideradas
ficcionais. A cabo deste processo, criamos então um
formulário via Google Sheets, e um e-mail padrão a ser
enviado às produtoras, pedindo a elas que se possível
preenchessem os formulários com o máximo de
dados possíveis sobre suas obras. Este e-mail padrão,
os campos do formulário, as respostas de todas as
produtoras que nos deram retorno e a lista de séries
que identificamos junto a produtoras com quem não
conseguimos contatos podem todos ser encontrados
no Apêndice deste livro. De toda forma, foi frente às
respostas recebidas que acabamos escolhendo as séries
que foram analisadas no volume final.
Obviamente, ainda assim a escolha não foi fácil.
A Bahia produz mais séries de qualidade que merecem
um olhar detido e preservação na nossa memória
audiovisual do que boa parte do público poderia
supor. Diversas obras que entraram em nosso radar
acabaram por não ser analisadas por razões relativas
apenas à dimensão da pesquisa, e urgimos que outros
pesquisadores baianos se debrucem sobre elas, e
6 Link: <https://siic.cultura.ba.gov.br/>. Acesso em: 02 de ago. 2023.
7 Link: <http://www.cultura.ba.gov.br/>. Acesso em: 02 de ago. 2023.
8 Link: <http://www.fundacaocultural.ba.gov.br/> Acesso em: 02 de ago.
2023.
12
que quaisquer telespectadores interessados na nossa
produção lhes deem uma chance.
Foi o caso, por exemplo, de Pequeno Gigante
(CineArts e Larty Mark Digital, 2020), que
infelizmente ainda não se encontra disponível para
a apreciação do público a qualquer momento em
serviços de streaming, única razão pela qual tivemos
que optar por não a incluir. Também foi o caso das
produções realizadas em parceria entre a Griot Filmes
e a Takapy Digitar Art, devido ao fato de um dos
autores neste livro ter trabalhado naquelas séries,
o que criaria um dilema ético com sua inclusão. A
idílica A Bicicleta do Vovô (Hamaca, 2018), por seu
turno, caiu por, incidentalmente, ser uma obra em
live action. Como estávamos decididos a incluir ao
menos uma animação e queríamos que cada uma das
obras analisadas fosse para um público-alvo de faixa
etária diferente, essa produção infantil teve que ficar
de fora da pesquisa. Já A Lei do Riso: Crimes Bizarros
(Movioca, 2018) foi produzida pela mesma empresa
que realizou outra série selecionada para análise, de
forma que em nome da diversificação das produtoras
contempladas na pesquisa, acabamos também por
não a incluir na análise. Além dessas, há ainda outras
produções ficcionais seriadas baianas com as quais
entramos em contato durante a investigação, e que
recomendamos imensamente a todos, mesmo que a
pesquisa não tenha podido dar conta de incluí-las.
Apesar disso, acreditamos com bastante
convicção de que as três séries aqui selecionadas para
análise representam um forte panorama dramatúrgico
da ficção seriada televisiva baiana recente tanto em
animação quanto em live action, tanto para crianças
quanto para jovens adolescentes quanto para jovens
adultos. A cabo da leitura, esperamos que vocês se
vejam tão encantados pelo olhar em amadurecimento
13
que Rafa lança sobre seu pai em Sonhadores, pela
capacidade que as crianças de Aventuras de Amí
mostram em transformar o cotidiano em algo
extraordinário, e pela beleza de uma Salvador urbana
e metropolitana que a caça ao tesouro de HUNT nos
revela.

Uma boa leitura!

14
1. Os caminhos metodológicos
para a condução das análises
Desde a proposição do projeto Vários
Mundos, Uma Bahia, a pretensão da equipe era a
de operacionalizar a análise mais detida das séries
baianas escolhidas para exame minucioso a partir do
conceito de mundo ficcional, que inspira o próprio
título do projeto de investigação e do presente livro.
Pouco compreendido fora da academia, este conceito
não se refere apenas a mundos imaginários como
a Terra do Nunca ou Oz, mas a qualquer espaço
lógico que compõe um conjunto de ambientes,
eventos, personagens e tinturas atmosféricas numa
macroestrutura formal que segue um conjunto de
regras particulares e busca convocar no apreciador
certas emoções (DOLEŽEL, 1998; INGARDEN,
1965). Assim, a despeito dos erros de concepção
comuns ao uso cotidiano do termo, mesmo uma
passagem rápida pelos textos centrais dos teóricos
que ajudaram a estabelecer na academia o tema da
construção de mundos permite-nos entender que
qualquer obra de ficção – das mais realistas às mais
fantásticas – cria seus próprios universos de referência.
Conforme tais autores argumentam, ficções
operam justamente adicionando atributos, indivíduos,
eventos e mesmo lugares a cidades que supostamente
são as do mundo em que vive o apreciador, tornando
as versões que criam destas cidades, por um lado,
maiores do que as que podemos de fato visitar. Por
outro lado, estas geografias imaginárias não englobam
as suas contrapartes no nosso mundo inteiro, só em
fragmentos, sendo a um só tempo também menores
que elas, criando neste jogo de cortes e acréscimos
ambientes únicos, que engajam por sua própria
15
ficcionalidade (ECO, 2006). Ou seja, como pontuam
Goodman (1995) e Herman (2009), insumos do
nosso mundo, ou até de outros mundos ficcionais,
são inevitavelmente decompostos, recompostos,
suprimidos, completados, deformados ou enfatizados
na criação de qualquer arcabouço ficcional.
Desse modo, mais do que universos fantasiosos,
mundos ficcionais são macroestruturas dramatúrgicas
que organizam todos os elementos da narrativa e
dramaturgia de uma obra em prol de certos objetivos
dramáticos (DOLEŽEL, 1998). Eles são sempre
projetados por produtos de ficção, e organizam
em um todo coeso os conjuntos de eventos ali
enredados em tramas; os indivíduos ali convertidos
em personagens; os espaços que o produto articula e
carrega de sentidos convertendo em ambientes; e as
qualidades temáticas e afetivas que se compõem em
atmosferas. Assim, enredos, personagens, ambientes e
atmosferas se tornam os principais elementos formais
a serem sopesados na análise de um mundo narrativo,
sendo justamente os elementos a que damos relevo
em nossa análise, embora cada um deles precise ser
pensado metodologicamente a partir de um conjunto
de parâmetros singulares para que os escrutínios
resultantes de uma análise que se pretenda séria sejam
sólidos. Por fim, dado que a mídia com que lidamos
são séries televisivas, a questão da estrutura episódica
em eventuais séries com menor continuidade e dos
laços de continuidade naquelas mais continuadas
também pesou. Assim, inspirado em trabalhos
anteriores de um dos membros da equipe de pesquisa
do Vários Mundos, Uma Bahia que já vem a mais de
dez anos estabelecendo um arcabouço metodológico
para a análise de mundos ficcionais, o seguinte
protocolo se desenhou9:
9 O texto deste capítulo, aliás, é fortemente adaptado dos escritos anteriores
deste pesquisador, João Araújo (ARAÚJO, 2015, 2019; ARAÚJO et al., 2021).
16
1.1. O exame dos enredos
No caso do exame das estruturas de composição
da intriga das séries que selecionamos para
investigação, nossa principal ferramenta analítica
foi o modelo actancial desenvolvido pelo teórico
estruturalista Greimas (1976). Neste modelo, para cada
fio narrativo em uma história (ou seja, cada situação
dramática claramente definida), cabe aos analistas
observarem sobretudo as articulações entre três pares
de actantes narrativos, grandes agentes que levam
aquela história adiante: sujeito e objeto, destinador e
destinatário, e adjuvante e oponente.
Assim, a começar pelo primeiro par, em
qualquer fio narrativo há um sujeito ou protagonista
daquela situação dramática (ainda que ele não seja
o protagonista da obra como um todo) que deseja
conjugar-se a um objeto (isto é, cumprir um objetivo).
De fato, para Greimas, um programa ou um fio
narrativo nada mais é do que a jornada do sujeito
nesta busca, culminando na sua conjugação com
aquilo que deseja ou na sua falha em cumprir este
objetivo. Nas versões mais comuns da famosa fábula
de Chapeuzinho Vermelho, a título de ilustração, a
personagem que dá nome à fábula age como sujeito,
quase sempre objetivando levar os doces para a sua avó.
Enquanto isso, nos jogos da bem-sucedida franquia de
videogames Super Mario, para citar outro exemplo, o
personagem-título frequentemente age como sujeito,
quase sempre objetivando salvar a princesa do vilão
conhecido como Bowser.
Já aqui, fica claro algo bastante importante: para
Greimas, os actantes são posições em uma estrutura de
ação, e nem sempre agentes antropomorfizados como
personagens. Ou seja, “salvar a princesa” e “levar os

17
doces para a vovó” são actantes que ocupam a posição
de objetos (por serem objetivos), mesmo que não
sejam personagens. Do mesmo modo, algumas séries
policiais trazem toda uma equipe ou força-tarefa como
sujeito ao invés de um único detetive, como ocorre a
The Wire (HBO, 2002-2008). Novamente, isso não é
um problema para Greimas, que não vê necessidade
dos actantes coincidirem com personagens singulares.
No que concerne aos outros pares
actanciais, destinador e destinatário correspondem
respectivamente ao actante que lança o sujeito em sua
busca e ao actante que se beneficia dela. O destinador,
assim, seria uma espécie de impulsionador da
jornada do sujeito, estando muito próximo da ideia
de motivação. A ordem da mãe da Chapeuzinho para
que leve doces para a vovozinha é um exemplo. É a
ordem que lança Chapeuzinho em sua jornada. Já o
destinatário é quem irá colher os frutos caso a busca
do sujeito seja bem-sucedida, como a avó que ganhará
doces. Note-se ainda que muitas histórias são movidas
com personagens que decidem sozinhos buscar certos
objetivos, no que os greimasianos conhecem como
automanipulação (BALOGH, 2000). Voltando ao
exemplo da franquia Super Mario, quem destina o
personagem-título em sua busca costuma ser o próprio
Mário, indignado com as vilanias do seu arqui-inimigo
e compadecido com a situação da princesa. Nada
impede, assim, que um mesmo personagem ocupe
posições diferentes na estrutura de Greimas, com
o exemplo mais clássico sendo estes sujeitos que se
autoimpõem um objetivo. Por fim, os oponentes são
todos os inimigos e obstáculos que o sujeito enfrenta
no curso da sua missão (o lobo-mau, o Bowser e assim
por diante). Já os adjuvantes são os elementos ou
personagens que ajudam o sujeito a seguir (como o
caçador na fábula da Chapeuzinho, ou o Yoshi, o Toad
18
e o Luigi nos jogos do Mario).
Muitos autores complementam a estrutura
actancial greimasiana com algum arcabouço que
permita ver como a narrativa se desenvolve do
início ao fim, e nesse sentido um dos modelos mais
recorrentes é aquele que pensa os arcos narrativos
como estruturados a partir de um conjunto de etapas
que conformam uma pirâmide ou arco (ALEXANDER,
2013). Tal modelo presume que cada arco prevê as
etapas de exposição (apresentação dos personagens
envolvidas na estória e suas motivações, introdução
dos ambientes nos quais o drama se dará, iniciação
dos conflitos que serão explorados e assim por diante);
desenvolvimentos ou ação crescente (que no caso de
um programa narrativo com ênfase investigativa,
por exemplo, em geral relacionados à produção de
pistas, ao levantamento de testemunhas, informantes
e outros contatos); clímax (ponto alto da ação, em que
o conflito finalmente culmina) e enfim ação declinante
e/ou desenlace (resolução dos últimos conflitos
e eventuais epílogos do arco narrativo). Cada fio
narrativo tem seu arco (ou, de certo modo, é um arco).
O que tudo isso implica metodologicamente para
o projeto Vários Mundos, Uma Bahia é a necessidade
de mapear os programas narrativos centrais das séries
analisadas, já observando suas estruturas actanciais e
seus arcos. Isso nos permite verificar várias questões
sobre os mundos ficcionais ali compostos em termos
de enredamento: tais séries buscam criar universos
expansivos em sua narrativa e produzir um senso de
várias coisas ocorrendo ao mesmo tempo, ou criam
universos mais comprimidos para dar importância
a cada evento singular ou colocar ênfase em outros
elementos dramáticos, como seus personagens ou
ambientes? E em termos de continuidade, as séries
erigem mundos que se estruturam a partir de capítulos
19
continuados ou de episódios que se apresentam de
modo mais avulso? Tudo isso nos dá um desenho mais
claro do mundo ficcional de cada um dos produtos
analisados.

1.2. O exame dos personagens

Em uma perspectiva afim à teoria dos mundos


possíveis, personagens de ficção podem ser definidas
como seres ficcionais dotados de vida interna que
existem como artefatos criados comunicativamente,
constructos poéticos que emergem de palavras,
imagens, sons e, no caso do audiovisual televisivo,
atuações; mas que não podem ser reduzidos ao
conjunto das texturas que lhes dão origem (EDER;
JANNIDIS; SCHNEIDER, 2010). Assim, conforme
atesta Ien Ang (1985), a despeito de sua construção
artificial baseada em técnicas padronizadas, os
personagens ficcionais muitas vezes nos parecem
similares a pessoas de carne e osso em diversos
aspectos, e somos capazes de antropomorfizá-los e ser
tocados por suas emoções mesmo em obras marcadas
por um parâmetro explicitamente artificial na sua
construção.
Na perspectiva de Ang, essa capacidade de
imaginar as personas ficcionais como indivíduos é
necessária para o nosso envolvimento emocional com
elas e com as obras em que surgem, sendo a colagem
nos personagens uma das maiores fontes de prazer
narrativo. Ecoando a autora, Buonanno (2008) atesta
que na fruição ficcional com frequência criamos
relações parassociais com as figuras dramáticas.
Para ela, estas relações são marcadas por vínculos
afetivos verdadeiros e pela impressão de conhecermos
intimamente os personagens de quem nos afeiçoamos
com mais força, a despeito da óbvia impossibilidade
20
deste investimento ser reciprocado. Assim, os
modos de construção de personagem de uma obra
oferecem um bom ponto de entrada para entender
sua dramaturgia. Por este motivo, questões relativas à
construção de personagem são centrais a essa pesquisa.
Neste sentido, um dos parâmetros mais óbvios
a se observar nas análises dos capítulos que se
seguem são os modos ou padrões de caracterização
a que cada série recorre. Mittell (2015), argumenta
em seus estudos sobre a televisão que as mídias
audiovisuais tendem a comunicar estados internos
apenas a partir do acúmulo de marcadores externos
relativos ao que vemos e ouvimos de um personagem
e sobre ele. Assim, em sua perspectiva, a aparência,
as ações, os diálogos e afins vão evidenciando os
personagens, sendo estes os únicos modos que temos
de conhecê-los – uma argumentação, ao nosso ver,
no mínimo incompleta. Em verdade, o audiovisual
permite o uso de inúmeras técnicas na caracterização,
particularmente dos estados internos das figuras
dramáticas. Six Feet Under (HBO, 2001-2005), por
exemplo, já em seus primeiros episódios emprega
com este objetivo: filtros de cor na imagem para
indicar emoções específicas de certos personagens, a
contaminação da imagem e som pela percepção dos
protagonistas10, números musicais, sequências oníricas,
diálogos imaginários com figuras mortas, monólogos,
flashbacks, voz over e música extradiegética. Como se
vê, em uma única obra os modos de caracterização
podem ser incontáveis, e eles com frequência podem
ser usados para informar o apreciador sobre a
dramaturgia que estrutura um mundo ficcional de
forma ampla, sendo de especial interesse para nós.
10 Algo que Gaudreault e Jost (2009) chamam de ocularização e
auricularização. Um caso típico é quando a obra tremula a imagem enquanto
um personagem está bêbado, por exemplo, ou corta o som quando ele é
surdo.
21
Considerando tais aspectos, na análise dos
personagens e do seu lugar na construção dos
mundos ficcionais nas séries examinadas neste livro;
antes de mais nada interessam padrões recorrentes
e redundantes de caracterização (BAL, 1997),
incluindo ênfases e sobreposições entre caracteres
físicos, psicológicos e sociais (PALLOTINI, 1989).
Em termos relacionais, na observância de como uma
figura dramática interage com outras, é importante
também atentar ao modo como grupos de personagens
são divididos em núcleos (EDER; JANNIDIS;
SCHNEIDER, 2010). Para finalizar, Rimmon-Kenan
(2002) oferece ainda uma outra excelente entrada
para a análise das figuras dramáticas ao repensar a
dicotomia entre personagens planos e tridimensionais
de uma forma menos binária.
Para a autora, ao invés de simplesmente adjetivar
as personagens como planos ou não, a melhor forma
de operacionalizar o conceito de tridimensionalidade
é a partir de uma observação de três aspectos: 1) a
propensão que os personagens mostram para mudança
frente a desenvolvimentos do enredo, cambiando suas
personalidades, objetivos, características e ações a
partir dos rumos que a narrativa toma; 2) o nível de
interesse que a narrativa mostra na vida psicológica
e afetiva dos personagens, explorando seus estados
internos e sua vida pessoal; 3) a existência ou não de
múltiplas camadas nas vidas dos personagens, algo
marcado pela presença ou ausência de atributos,
dimensões pessoais ou interesses multíplices e até
mesmo contraditórios. Tudo isso, assim, pesa no
modo como analisamos os personagens das séries
selecionadas para exame neste livro.

22
1.3. O exame dos ambientes e atmosferas

Em termos narrativos, o espaço ficcional pode


ser compreendido como um meio ou domínio que
envolve os objetos e personagens de um mundo
possível, servindo de palco aos seus eventos (RONEN,
1986). Nesta medida, é o espaço que medeia as
relações entre os outros elementos do mundo ficcional,
pondo os personagens e os eventos que compõem os
enredos em perspectiva junto ao apreciador. É preciso,
no entanto, entender que o conceito de ambiente
não se resume ao de espaço narrativo, presumindo
ainda a incorporação nestes espaços de certas regras
de funcionamento mais amplas, significados sociais,
ideologias, padrões relativos a que ações cabem e não
cabem ali, conexões com personagens específicos
e assim por diante. Por meio da passagem da mera
espacialidade à ambientação, assim, os constructos
espaciais deixam de ser apenas mediadores que põem
os personagens em ação para ser tematizados (BAL,
1997) e ganhar conotações atmosféricas. Isto é, eles
deixam de ser apenas locais para se converter em
lugares ou ambientes junto ao apreciador, quer os
personagens invistam-nos com os mesmos significados
que a obra busca que invistamos neles ou não. E a essa
construção ambiental carregada de sentido dramático
no mundo narrativo, a que Bakhtin (2014) chama
de cronotopo, também prestamos atenção no nosso
exame das séries baianas observadas neste livro.
Mas é importante destacar aqui também que as
atmosferas não se resumem aos ambientes, embora
muitos autores subsumam um ao outro. Em geral,
inclusive, os estudiosos ligados ao tema dos mundos
narrativos não elencam os componentes atmosféricos
de uma obra como elementos composicionais destes
mundos, sendo essa uma aposta feita sobretudo
23
por Ingarden (1965), um dos precursores do
conceito. Conforme o autor, embora haja momentos
transformadores em nossas vidas, epifanias nas
quais podemos sentir todo o mundo ao nosso redor
contagiado por uma mesma carga sentimental, tais
momentos são infrequentes. De fato, os atentados
de 11 de setembro, os grandes torneios esportivos e,
recentemente, a pandemia de Covid-19, podem ser
vistos como geradores de “qualidades metafísicas”
que impregnam porções consideráveis do nosso
mundo experiencial. Tais momentos, porém, são para
Ingarden infrequentes – o que ele vê com bons olhos,
posto que nos sentiríamos completamente oprimidos
não fosse este o caso, ficando a todo tempo à mercê de
sentimentos que não nascem exatamente em nós.
Já nas obras expressivas, para o autor, estas
qualidades metafísicas que contagiam tudo são
evocadas o tempo inteiro, contaminando todo o
mundo projetado nas ficções de forma não a nos
esmagar ou exaltar, mas a fazer certos convites
estéticos. Em seu ponto de vista, nossa abertura
para aceitar tais convites está justamente ligada à
distinção ontológica entre os objetos artísticos e os
reais, de modo que a arte apenas simula a partir de
sua dramaturgia estes estados no interior de seus
mundos. Ainda na tradição alemã da qual Ingarden
faz parte, o conceito de atmosfera é com frequência
associado a um outro, o de Stimmung, expressão cara
a autores como Gumbrecht (2009), que embora siga
um caminho diferente daquele que adotamos aqui, tem
uma excelente elaboração nesse sentido, que acaba nos
sendo muito útil. Ele inicia essa sua elaboração com
uma simples pergunta:
Mas o que significa, exatamente, Stimmung? A
primeira tradução oferecida pelos dicionários é
“humor”, no duplo sentido de, primeiramente,
24
um sentimento tão interior e subjetivo que
não pode ser transmitido por conceitos, mas
também, e em segundo lugar, no sentido mais
objetivo de “clima” (...). [Aquilo] que também
podemos evocar como o “tom”, a “atmosfera”
ou o “sabor” de um texto. Mas minha questão
é que tons, atmosferas e sabores textuais nunca
se desdobram em independência completa dos
componentes materiais do texto (...). Pensemos
em Morte em Veneza, de Thomas Mann. Nenhum
leitor lembra-se desta novela porque ele ou ela
se surpreendeu em descobrir que Aschenbach e
Tadzio não se tornariam amantes no final, ou que
Aschenbach estava, de fato, destinado a morrer.
Antes, é a evocação da Stimmung fin de siècle
de decadência em toda sua complexidade e suas
nuances, é a evocação de cheiros, cores, barulhos,
e, acima de tudo, do clima em constante mudança
que tornou este texto famoso (...). [Assim, pode-
se reparar que] enredo e narrativa se tornam-se
(sic) secundários, por exemplo, na complexa
impressão de decadência que Morte em Veneza,
de Mann, evoca (GUMBRECHT, 2009, p. 107–
110, grifos do autor).

Assim, atmosfericamente, na análise que


fazemos das séries baianas examinadas nos três
próximos capítulos, cabe investigar como certos
humores são convocados pelas articulações temáticas
e pelos aspectos visuais, sonoros e cênicos de cada
obra. Como a música, por exemplo, bem como as
atuações, o estilo de animação e tudo o mais nesse
sentido convocam certos climas.
Isso tudo posto, deve-se lembrar ainda
que mundos ficcionais são macroestruturas
dramatúrgicas de caráter global, não coleções
aleatórias de enredos, personagens, ambientes e
atmosferas. Assim, para além da decomposição
25
de cada um destes elementos formais, acima de
tudo é preciso entender como eles dialogam entre
si nas obras, articulando-se em um todo coeso a
partir de um conjunto de princípios de composição
que organizam o arcabouço do próprio mundo
arquitetado na série, algo que as análises dos
capítulos subsequentes também sopesam. Feita essa
última observação, finalmente podemos partir para
a análise das séries baianas escolhidas para exame
detido junto ao Vários Mundos, Uma Bahia.

26
2. Como Nossos Pais:
o caso de Sonhadores
A primeira série selecionada para análise junto
ao Vários Mundos, Uma Bahia foi a obra Sonhadores,
produzida pela empresa baiana Obá Cacauê.
Sonhadores teve sua primeira janela de exibição em
2020 junto à TV Kirimurê, e mais tarde passou a ser
distribuída pela Amazon Prime Video, plataforma na
qual o seriado se encontrava disponível para streaming
até o lançamento deste livro, em 2023. Criada por Julia
Ferreira e produzida por Fabiola Aquino, Sonhadores
tem apenas uma temporada de oito episódios, cada
um deles tendo em média 16 minutos. Voltada a
um público acima dos 16 anos, a obra se debruça
sobre as histórias paralelas de Rafa, um adolescente
bissexual em processo de autodescoberta que sofre
bullying homofóbico na escola devido ao seu vestuário
inspirado na estética glam rock e seu interesse por
desenho, e seu pai, Miguel, um artista plástico
roqueiro desempregado que é a grande inspiração do
garoto.
Já na sequência que abre o seu primeiro
episódio, Sonhadores faz questão de pontuar a
importância da cultura alternativa, do rock e da
inocência melodramática e performática juvenil para
a obra. Assim, logo que o piloto começa, a câmera
passeia pelos adornos que Rafa mantém nas paredes do
seu quarto, começando por desenhos que mais tarde
27
seremos informados serem de sua autoria, deslizando
para sua guitarra e enfim para alguns pôsteres de
filmes antigos que tornaram-se clássicos da história do
cinema alternativo, como O Monstro da Lagoa Negra
(Creature from the Black Lagoon, Jack Arnold, 1954),
Dr. Mabuse (Fritz Lang, 1922) e Metropolis (Fritz
Lang, 1927).
Enquanto tudo isso é mostrado, alguns breves
cortes assinalam ainda minúcias do vestuário do garoto
em planos de detalhe, com destaque para suas unhas
pintadas de preto e os acessórios em couro e metal
(Figuras 1 e 2). Na banda sonora, apenas o chiado
característico que uma guitarra faz ao ser plugada em
um amplificador de baixa qualidade acompanha as
imagens que deslizam na tela, até que a voz do garoto
diz “um, dois, três...”, como que para anunciar o início
de uma performance. Essa voz é a primeira a irromper
o semi silêncio da imagem, e dá a deixa para que a
vinheta de abertura seja introduzida.
Com não mais do que alguns segundos de
duração, tal vinheta em si mesma reforça estes
elementos ligados à cultura alternativa, sendo
pontuada por ilustrações animadas em preto e branco
que mostram elementos como um vinil tocando
em uma radiola (Figura 3), alguém pedalando
uma bicicleta, vários dos pôsteres que mais tarde
descobrimos adornar não só as paredes do quarto,
mas de toda a casa que Rafa divide com os pais, e o
desenho de um colégio de arquitetura colonial, que
28
Figura 01: Parede do quarto de Rafa mostra detalhes da sua
guitarra e dos seus pôsteres. Sonhadores. Captura feita pelos
autores do livro (ep. 01).

Figura 02: Vestuário de Rafa destacado em plano-detalhe,


com as unhas pintadas de preto e minúcias em couro e metal.
Sonhadores. Captura feita pelos autores do livro (ep. 01).

29
Figura 03: Imagem da vinheta de abertura. Uma vitrola
ilustrada em um estilo um tanto cru toca um vinil.
Sonhadores. Captura feita pelos autores do livro.

Figura 04: Rafa canta em seu quarto. No seu rosto, uma


maquiagem prateada que alude à de Ziggy Stardust.
Sonhadores. Captura feita pelos autores do livro (ep. 01).

30
podemos presumir ser aquele onde o garoto estuda.
Enfim, terminada a vinheta, a cena vislumbrada antes
de seu início segue com Rafa cantando uma música
em seu quarto usando uma maquiagem prateada que
alude à do personagem Ziggy Stardust, de David Bowie
(Figura 4).
Ao acabar sua performance, Rafa então vê alguns
slides com imagens de artistas como Raul Seixas,
Janes Joplin e Jimi Hendrix, mencionando que todos
eles morreram de overdose, sendo agora a vez dele,
“Rick, vocalista de rock progressivo”, fazer o mesmo.
Finalmente, a cena acaba deixando claro que tudo
não passa de uma brincadeira, com o personagem
dizendo “Mentira, mentira... Meu nome é Rafa, apenas
um rapaz latino-americano, em Salvador, sem parada
respiratória, nem convulsão por abuso de drogas.
Mas, nunca se sabe”. Ao fim da última frase, o garoto
então tenta dar um trago em um cigarro, apenas para
tossir em seguida, indicando por ironia narrativa ao
espectador que ele está muito longe de sofrer qualquer
overdose.
O segundo personagem a ser apresentado na
série, introduzido verbalmente pelo próprio Rafa
logo que surge na imagem imediatamente após o
trago malsucedido do garoto, é o seu pai, que vem
buscá-lo de bicicleta na escola – segundo o próprio
rapaz, “vestido de marginal, como minha mãe diz”
(Figuras 5 e 6). Ao mencioná-lo, Rafa pontua que,
olhando hoje, deveria ter cuidado mais dele, antes de
31
Figura 05: Miguel, pai de Rafa, vai buscá-lo na escola
de bicicleta com suas roupas tipicamente desgrenhadas.
Sonhadores. Captura feita pelos autores do livro (ep. 01).

Figura 06: Miguel e Rafa voltam para casa juntos. A imagem


reflete a proximidade entre pai e filho. Sonhadores. Captura
feita pelos autores do livro (ep. 01).

32
todas as tragédias que viriam a se abater sobre o pai
acontecerem. Assim, para além da questão do relevo
que a cultura alternativa e o rock têm para a série,
ficam já nestes primeiros três minutos pontuados
também alguns outros elementos de suma importância
para a sua construção narrativa, a começar pelos fatos
de Rafa e o pai serem seus dois personagens de maior
relevo e de que a obra será inteiramente narrada em
voz over pelo personagem Rafa, cujo ponto de vista de
um jovem alternativo em processo de amadurecimento
impregna a série.
Não só isso, mas quando Rafa menciona que
se soubesse tudo o que viria a ocorrer teria cuidado
mais do pai, também fica claro que os comentários
do rapaz são todos feitos em retrospecto, como se as
imagens mostrassem o passado de um personagem que
já não se encontra mais no tempo narrativo em que
o espectador se vê fisgado. Isso é reforçado diversas
vezes pela repetição do sintagma “Na minha viagem
no tempo”, algo que o garoto diz várias vezes em suas
narrações em voz over ao longo da obra.
A partir daí, Sonhadores apresenta uma narrativa
que, em termos de enredo, sustenta sua trama em um
arco que vai do estopim de uma separação entre os
pais do jovem protagonista no piloto a uma espécie
de reconciliação entre os dois ao fim da temporada,
embora reduzir a obra a este arco central seria injusto.
Isso porque a série faz questão de trazer um apanhado
mais robusto de situações dramáticas que observam
33
o amadurecimento do garoto e o desenvolvimento
do seu olhar sobre a relação dos seus pais ao longo
de toda a temporada, ainda que este arco dramático
central ganhe destaque. Para construir esse apanhado
de situações sobre as quais se debruça, a narrativa cria
ainda paralelismos que exploram os contrapontos e
as semelhanças entre os personagens adolescentes e
adultos e entre as figuras mais normatizadas e mais
alternativas nos dois polos etários, com seus ambientes
refletindo esses paralelismos e a pulsante atmosfera
contracultural que marca sua sequência de abertura
perpassando toda a obra. E é tudo isso que a análise
que se segue ao longo das próximas páginas busca
demonstrar.

2.1. O enredo

A despeito de Sonhadores ser de fato balizada


por um número expressivo de situações dramáticas
que buscam observar o processo de desenvolvimento
pessoal de Rafa e de seus pais enquanto o garoto
atravessa a adolescência, conforme já foi pontuado,
a série não deixa de ter um fio narrativo central. Esse
fio narrativo, como também já foi dito, concerne a
um processo de crise no relacionamento de Miguel e
Ângela, desde o momento em que Ângela se vê cansada
do casamento e frente a um iminente processo de
divórcio no piloto até o momento em que os dois se
reconciliam com um novo arranjo afetivo no oitavo e
34
último episódio da série.
Do ponto de vista greimasiano, poderíamos
dizer que tanto Miguel quanto Ângela atuam como
sujeitos neste fio narrativo condutor da obra, com
ambos tendo o objetivo de reestruturar suas respectivas
vidas de algum modo a partir da decisão que Ângela
toma de separar-se, o que eventualmente culmina
com a retomada de um relacionamento afetivo entre
os dois, agora em um arranjo distinto daquele que seu
casamento tinha inicialmente.
O destinador (ou seja, a motivação) que dispara
esse processo de disjunção no relacionamento do
casal e necessidade por parte de ambos de reestruturar
suas respectivas vidas é triplo, embora os três fatores
que levam Ângela a querer o divórcio só sejam
apresentados ao espectador aos poucos. Assim, ainda
no piloto, descobrimos que Miguel parece mais
atrapalhar do que ajudar em casa – por exemplo, ao
chamar um beberrão companheiro de bar que atua
como faz-tudo no bairro para consertar um ventilador
de teto quebrado no quarto do casal, de modo que o
homem acaba por derrubar o aparelho e destruí-lo de
vez, no que parece não ser a primeira trapalhada de
Miguel. Não só isso, ele sequer se dá ao trabalho de
não jogar cinzas de cigarro no saco de lixo conforme
Ângela lhe pede, e um flashback comentado por Rafa
deixa claro que estas são apenas algumas das múltiplas
brigas do casal. Mais tarde, descobrimos também
que Miguel se encontra desempregado, além da sua
35
propensão a frequentar um bar durante quase todo o
dia, e no segundo episódio somos informados ainda do
fato de que ele apesar de ser apaixonado por Ângela,
ele paquera e pega o contato de outras mulheres na
rua, em geral sob a desculpa de torná-las a estrela de
um filme que ele vem pensando em fazer.
O destinatário deste fio narrativo, ou seja, aquele
que se beneficiaria do divórcio e de um rearranjo
de vida, supostamente, seria a própria Ângela, que
afirma ainda no piloto não parar de “trabalhar,
de limpar, de cozinhar para pagar as contas, para
sustentar um artista, um inútil”. Assim, já cansada,
ela crê que sua situação pessoal, doméstica e familiar
poderia ficar melhor caso se separasse, ainda que
esteja ciente de que um divórcio apresenta sua própria
cota de dificuldades. Ao fim de um processo mais
penoso do que o dela, porém, Miguel também acaba
apresentando uma melhora de situação.
Já em termos de adjuvância e oponência, a
questão é um pouco mais complexa, já que Miguel
e Ângela passam por caminhos muito distintos
na tentativa paralela que os dois empreendem de
reestruturar as suas vidas. Assim, Ângela tem como
adjuvantes sua mãe, que nunca aceitou o casamento
da filha com um homem como Miguel; Robério,
um homem mais velho que ela eventualmente passa
a namorar; e o fato de conseguir um emprego no
restaurante de um amigo, que funciona à noite. Cada
um destes adjuvantes, no entanto, traz sua própria
36
gama de dificuldades para a mulher, com a sua mãe
se mostrando sobremaneira crítica às decisões da
filha, o novo namorado se mostrando controlador
com o passar do tempo, e a necessidade de conciliar
o emprego noturno e os cuidados com a casa e o
filho fazendo com que ela esteja sempre cansada.
Os próprios adjuvantes de Ângela, assim, também
se demonstram ser oponentes na sua tentativa de
reorganizar sua vida, e as dificuldades só aumentam
conforme ela percebe a falta que Miguel faz em casa –
por exemplo, nos cuidados com o filho Rafa.
Já para Miguel, a perda do pouco dinheiro
com que sai de casa logo no início do processo de
separação, a necessidade de mudar-se para um local
distante da família e dos amigos frente a este revés
financeiro inesperado e uma depressão que o acomete
após o divórcio atuam como oponentes centrais para
que ele reestruture sua vida. Sua mãe, seu filho Rafa e a
professora de artes do garoto, no entanto, ao ajudá-lo a
superar o processo depressivo e a encontrar uma forma
de ganhar dinheiro pintando retratos em um parque,
ajudam-no a se recuperar e finalmente a dispor-se
a tentar estabelecer um novo arranjo com Ângela, a
quem ainda ama.
O arco dramático central de Sonhadores,
assim, tem seu momento de exposição inicial feito
ainda no piloto, quando Ângela começa a pensar
mais seriamente em divórcio após mais uma das
trapalhadas de Miguel, justamente aquela que culmina
37
com a quebra do ventilador de teto por um de seus
companheiros de bar que estaria ali para consertá-
lo. Um pouco mais tarde na narrativa, já no segundo
episódio, surge o incidente incitante que consolida
a decisão dela de divorciar-se: a descoberta de que
Miguel vem paquerando outras mulheres na rua e
mentindo para ela sobre isso.
A partir daí, desenvolvimentos importantes para
este arco dramático vão envolver, da parte de Miguel,
antes de mais nada a perda do pouco dinheiro com que
sai de casa (episódio 03). A partir daí, ele também se
torna persona non grata no bar que frequenta, já que
acusa um dos frequentadores mais queridos do local
de ter roubado o dinheiro (justamente o senhor que
quebrou o seu ventilador), vendo-se ainda forçado
a mudar-se para uma pensão distante dali por conta
desse problema financeiro inesperado (episódio 04).
Então, o personagem enfim passa por um processo
depressivo, e por uma visita de sua mãe, que vêm à
cidade para tentar ajudá-lo (tudo isso também tendo
início no episódio 04). Enfim, há ainda um breve
relacionamento com a professora de artes do filho, e a
redescoberta da arte como uma atividade que pode lhe
prover sustento, que o ajudam a sair da depressão (a
partir do episódio 07). Já para Ângela, inicialmente os
principais desenvolvimentos narrativos que marcam
este arco dramático concernem às pressões que a sua
mãe põe sobre ela, a quem vem visitar mais ou menos
no mesmo período em que a mãe de Miguel vem à
38
cidade. Além disso, há também a conquista de um
emprego em um restaurante que funciona à noite (tudo
isso a partir do episódio 03). Mais tarde, enfim, há o
processo de namoro com o controlador Robério (que
tem início no episódio 06).
O clímax deste fio narrativo central da obra se dá
quando Ângela resolve cantar à noite no bar onde vem
trabalhando em um dia que está lá com seu namorado
Robério (episódio 08). Justamente naquele mesmo dia,
Miguel e a mulher com quem vem se relacionando,
que é a professora de artes do seu filho, passam ali
para buscar o garoto, o que dispara tanto uma crise
de ciúme de Robério quanto a descoberta do novo
namoro de Ângela por Miguel. Em meio a toda aquela
situação, no entanto, Miguel e Ângela acabam se
beijando, e fica claro o quanto ainda se gostam. Assim,
o desenlace vem quando, no dia seguinte, Miguel
vai visitá-la, e os dois acabam por se reconciliar não
mais como marido e esposa, mas como namorados,
morando em lugares separados.
Curiosamente, embora Rafa seja apenas um (co)
adjuvante no arco central desta primeira temporada de
Sonhadores, ele é o principal focalizador da obra. Ou
seja, toda a narrativa é filtrada pelos seus olhos. Isso
ocorre não apenas por meio do emprego do voz over
do rapaz, que é constante na série, mas também no
próprio modo em que todos os elementos e situações
que compõem o drama são apresentados. É assim,
por exemplo, que a simpatia espectatorial por Miguel
39
é convocada, sendo ele apresentado como um pai
sensível e um homem incompreendido, e não apenas
um marido preguiçoso – é esse, afinal, o olhar que
Rafa nos leva a lançar sobre ele.
Ademais, conforme já foi estabelecido, para
além deste fio narrativo central, Sonhadores traz
ainda um conjunto bastante diverso de situações
secundárias através das quais é possível observar o
amadurecimento de Rafa, da sua família, e do olhar
do garoto sobre tal família e o mundo como um todo.
Desta forma, acompanhamos ao longo da obra o
encantamento do garoto pela sua professora de artes,
que se veste de maneira alternativa e a quem ele sonha
em ver posar nua para si, e que também se envolve
brevemente com o pai do garoto após ele separar-se da
mãe.
Nesse mesmo sentido, acompanhamos
ainda a amizade de Rafa com Anita e Williamson,
apresentados no segundo episódio, sendo ela a sua
melhor amiga de infância e ele o novo melhor amigo
da garota. Essa amizade entre os três se solidifica ao
longo da série, com uma reaproximação bastante
profunda entre Anita e Rafa ao fim da temporada,
embora esse processo não seja sem entraves. Isso
porque em sua festa de aniversário de 15 anos
(episódio 05), Rafa fica com uma outra garota,
chamada Luana. Luana é considerada a menina mais
bonita do colégio, e é com ela que o rapaz dá seu
primeiro beijo, mas logo vai ficando clara a razão da
40
implicância de Anita com ela. Além de dizer que seu
desejo é ser famosa e sua aproximação com Rafa se dá
por achar que ele pode escrever algo em que ela possa
atuar, Luana também espalha para a escola que os dois
estão namorando sem que isso seja verdade, e ainda
pede ao seu pai que arranje um emprego de chão de
fábrica para o pai artista plástico desempregado de
Rafa. Enfim, os dois acabam por se afastar, mas não
sem antes Luana atestar que devem ser verdadeiros os
boatos de que Rafa é gay, já que não deseja seguir com
ela.
Nessa mesma direção, vale pontuar que desde
o início da série somos apresentados também ao
bullying homofóbico que Rafa sofre pelo modo como
se veste e por pintar suas unhas, e ao qual finalmente
reage de modo agressivo no episódio 07. Finalmente,
os pesadelos constantes que o garoto tem desde o
primeiro episódio e as suas leves experimentações com
drogas também perpassam várias situações da série.
Como se vê, a despeito de ter uma narrativa
central bem estruturada em torno dos pais de Rafa,
Sonhadores não se resume a esta narrativa e os
desenvolvimentos que ocorrem nela, debruçando-se
também sobre várias experiências do garoto, muitas
das quais se desenrolam apenas por um ou alguns
episódios, sem construir linhas narrativas de longo
prazo. Ao nosso ver, essa escolha se dá para que o arco
do personagem seja mais sobre a experiência de passar
pela adolescência do que alguma situação específica
41
que ela viva na temporada, tão focada em explorar
seu olhar sobre o mundo. É esse olhar, inclusive, que
abaliza também a maneira como os personagens,
ambientes e atmosferas do seriado são construídos,
como mostrado a seguir.

2.2. Os personagens

Informada pelo olhar de Rafa, a série Sonhadores


divide seus personagens centrais em dois núcleos,
segmentando claramente seus acontecimentos
narrativos entre aqueles que são preponderantes para
adultos e aqueles protagonizados por adolescentes.
Neste sentido, o próprio Rafa atua como ponte entre
estes dois núcleos, posto que convive tanto com os
colegas e amigos de escola quanto com sua professora
de arte, seus pais e suas avós, de modo que sua
interação só é menor com os amigos de bar do pai.
No entanto, a despeito do trânsito de Rafa entre os
dois núcleos em que o seriado segmenta seu elenco,
exceto para ele, narrativamente a separação entre os
dois grupos é bastante rígida. Os pais do garoto, por
exemplo, nunca são informados do bullying que ele
sofre na escola, nem mesmo quando este desagua
em altercações físicas e ele é chamado à diretoria por
haver possibilidade de perder sua bolsa de estudos.
Tampouco quaisquer adultos tomam ciência das
relações erótico-afetivas dos jovens ou suas eventuais
experimentações com drogas, de modo que a situação
42
entre Rafa e Luana, as agressões homofóbicas
dirigidas ao garoto e suas dúvidas em relação à própria
sexualidade só têm impacto entre os adolescentes.
Inversamente, quando os jovens comentam
sobre os adultos, estes comentários tendem a ter ao
mesmo tempo certo distanciamento e algum nível de
ingenuidade. De tal maneira, quando o pai de Rafa
vai buscar o garoto na escola no início do segundo
episódio e se mostra atrapalhado no modo como guia
a sua bicicleta, sua amiga Anita pergunta a Rafa se o
pai é igual ao filho, alguém cujo corpo está aqui mas
a cabeça se encontra lá na estratosfera. Já quando
os amigos do rapaz veem sua avó paterna na porta
da escola em uma cena do quinto episódio, eles se
espantam e riem com o fato daquela senhorinha
“distinta” ter sido uma guerrilheira nos tempos da
ditadura militar, tendo pegado em armas e assaltado
postos de gasolina, ainda que mais tarde tenha se
tornado pacifista. A despeito da verve contracultural,
sensível e melodramática de Rafa, assim, não deixa de
haver mesmo da parte dele um distanciamento e uma
dificuldade de interpretar o mundo dos adultos, o que
faz parte do próprio modo como a série busca encantar
seus espectadores com o olhar juvenil que filtra aquele
mundo narrativo.
Curiosamente, no entanto, a verdade é que
embora estes dois núcleos sejam sem dúvida os de
maior importância para compreendermos o modo
como Sonhadores segmenta suas situações dramáticas,
43
a verdade é que uma outra divisão precisa ser posta
em relevo no momento de pensar suas dinâmicas
de caracterização. Este outro modo de agrupar
os personagens separa tanto os jovens quanto os
adultos em normatizados e contraculturais. A própria
caracterização física dos personagens deixa isso claro,
com Rafa e sua amiga Anita se destacando das outras
figuras no ambiente escolar pelo modo como se
apresentam para nós, o azul dos cabelos e o jeans das
roupas de Anita fazendo coro com toda a acessorização
em preto de Rafa para destaca-los no mar de uniformes
cinzentos vestidos pelos colegas (Figura 7 e Figura 8).
Note-se que o fato não é que personagens como Rafa
e Anita não vestem uniformes como os demais: eles
vestem. A questão é que o modo como eles compõem
outras peças de roupa, acessórios e maquiagem com
a camisa oficial da escola garantem aos dois mais
destaque e personalidade.
Já entre os adultos, o fato do pai de Rafa vestir-
se “parecendo um marginal”, conforme palavras que o
garoto atribui a sua mãe, e seus amigos estarem sempre
com camisas de banda, coletes abertos, bermudas ao
invés de calças, meias altas, óculos escuros e outras
peças de vestuário difíceis de negligenciar, faz com
que ganhem destaque (Figura 9). De fato, há até
mesmo uma cena em que o pai do garoto sai apenas
de toalha no meio da rua, chutando uma latinha em
seu caminho para destacar que até mesmo os seus
pés estão descalços. Note-se que isso é algo replicado
44
Figura 07: Rafa, com suas peças e acessórios em preto, e
Anita, de cabelos azuis e jaqueta jeans, se destacam em meio
ao mar de uniformes escolares. Sonhadores. Captura feita
pelos autores do livro (ep. 01).

Figura 08: Rafa, com seu suéter em azul e branco sobre


a camisa oficial da escola, se destaca em meio ao mar de
uniformes escolares. Sonhadores. Captura feita pelos autores
do livro (ep. 02).
45
Figura 09: Amigos do pai de Rafa, frequentadores do mesmo
bar. Captura feita pelos autores do livro (ep. 01).

Figura 10: Vestida de preto, a professora de arte de Rafa fala


sobre tropicalismo em sala. Sonhadores. Captura feita pelos
autores do livro (ep. 01).
46
inclusive no modo como a professora de arte de Rafa
se veste, mesmo na sala de aula (Figura 10).
Em contrapartida, figuras opressoras como a
avó materna de Rafa e Robério, o namorado que a
mãe arranja durante o seu período separada do pai
do garoto, se caracterizam por um vestuário mais
tradicional e mesmo antiquado, e por uma noção de
elegância que o próprio pai do rapaz caracteriza em
um dado momento como “cafona”, focada em cafés em
estilo art nouveau na cidade do Porto e bons vinhos
refrigerados apenas na medida certa. Diálogos inteiros
são pensados para reforçar a noção rígida e cafona de
elegância de tais personagens junto ao público. No
aniversário de 15 anos de Rafa, por exemplo, vemos
a avó materna do rapaz, Elizabete, apresentando-se
em um vestido azul formal adornado por um colar de
pérolas. Chega então Agostina, a outra avó do rapaz,
em um vestido também azul e um casaco bege mais
simples. Espantada, Elizabete pergunta se Agostina não
irá se arrumar, ao que ela responde já estar arrumada.
Note-se que é um evento pequeno, na casa da própria
família, que tem como convidados externos apenas
alguns amigos de escola do rapaz, que é novo no
ambiente e não tem tantos colegas próximos assim (ver
Figura 11 e Figura 12).
A despeito dessa dicotomia se mostrar firme
ao longo da série, ajudando a compor um mundo
ficcional onde figuras contraculturais são as mais
interessantes, é preciso notar que duas personagens
47
Figura 11: Elizabete (à direita), avó materna de Rafa,
espanta-se com a roupa de Agostina, sua avó paterna (à
esquerda). Sonhadores. Captura feita pelos autores do livro
(ep. 05).

Figura 12: Robério, novo namorado de Ângela, a visita, seus


trejeitos se mostrando de princípio exagerados. Sonhadores.
Captura feita pelos autores do livro (ep. 07).

48
escapam a essa dinâmica específica de caracterização.
Essas personagens são Williamson, um amigo de escola
de Rafa, e a sua mãe Ângela. Desinteressado em rock
e fã de pagode, Williamson é o rapaz que se tornou
o melhor amigo de Anita após um certo afastamento
entre ela e Rafa, que eram melhores amigos na
infância. Hoje, Williamson é um jovem negro
carismático que deixa claro não gostar de bandas como
Pink Floyd, mas que se mostra muito mais aberto às
diferenças e sempre se encontra ao lado de Rafa e Anita
a despeito delas.
Já Ângela representa um caso mais complexo,
sendo a personagem que talvez se mostre mais
tridimensional na série no que concerne à presença
de múltiplas camadas em sua composição. Isso
porque Ângela não deixa de se mostrar capaz de
partilhar um pouco do elitismo de sua mãe. Isso
fica claro, por exemplo, em seu encantamento com
os modos antiquados e exuberantes de Robério, ou
quando Rafa atesta que a mãe dele odiava todos os
frequentadores do Bar do Monstro, onde o pai do
rapaz e os seus amigos passavam boa parte de suas
tardes – Ângela chamava eles conjuntamente de DDD,
ou “Decadentes, Duros e Desdentados”. Já no episódio
04, quando ela vai levar o rapaz na escola pela primeira
vez após o pai dele deixar a residência, ela se mostra
impaciente com o modo como Rafa para e presta
atenção naquilo que encontra pelo caminho, como um
passarinho morto, o que leva o voz over a atestar que
49
“Ela esquecia do meio, e só se importava em chegar ao
fim”. Ainda assim, apesar destes elementos que os olhos
de Rafa filtram como “defeitos” da mãe, o olhar afetivo
dela sobre ele e sobre o pai do garoto, o encantamento
ainda que sutil dela com a verve artística de ambos e o
modo como ela se dispõe a cantar no último episódio
mostram que tanto o jovem protagonista quanto a
série em si a destacam no meio destes personagens tão
normatizados como alguém especial.

2.3. Ambientação, atmosfera e ponderações


finais

A série Sonhadores conta com quatro ambientes


principais: 1) o espaço doméstico onde Rafa convive
com seus pais e, eventualmente, suas avós, que
vêm visitá-los; 2) o Bar do Monstro, um boteco
frequentado por roqueiros de meia idade onde o pai
de Rafa convive com os amigos; 3) a escola onde o
garoto estuda, em especial a sala onde tem aulas com
sua professora de arte, que nos é apresentada como
Lady Jane, um apelido que o pai de Rafa lhe atribui
ao conhecê-la em referência à música homônima
dos Rolling Stones; e, por fim, 4) a pensão para onde
Miguel se muda durante o período em que se encontra
separado da mãe de Rafa.
No que concerne ao espaço doméstico,
é interessante reparar o quanto ele parece ser
impregnado pela personalidade Miguel e, em certa
50
medida, pela de Rafa. Quadros e pôsteres dedicados a
bandas e filmes alternativos são tão onipresentes nas
paredes da sala e do quarto do casal quanto no quarto
do jovem rapaz, sendo consagrados a bandas como
Pink Floyd, The Velvet Underground, The Beatles
e Kraftwerk; e a filmes como Laranja Mecânica (A
Clockwork Orange, Stanley Kubrick, 1971), Um Corpo
que Cai (Vertigo, Alfred Hitchcock, 1958), Salò ou os
120 Dias de Sodoma (Salò o le 120 giornate di Sodoma,
Pier Paolo Pasolini, 1975) e A Fraternidade é Vermelha
(Trois couleurs: Rouge, Krzysztof Kieślowski, 1994).
Notavelmente, esses objetos de decoração, que se
destacam na Figura 13, dizem muito pouco sobre a
personalidade de Ângela, e a própria mãe dela comenta
que Ângela deveria redecorar a casa após separar-se.
A mulher concorda com sua mãe, e atesta que esta é
a primeira coisa que fará quando tiver dinheiro. No
entanto, o fato é que mesmo conforme os meses de
separação se desenrolam e ela consegue um emprego e
inicia um novo namoro com Robério, a decoração da
casa permanece idêntica, revelando que seu afeto pelos
gostos do filho e do marido é maior do que parece.
Já no caso de Rafa, a conexão dele – e não
somente de Miguel – com aquele ambiente é acentuada
para além da sequência inicial em que vemos pôsteres
semelhantes também no seu quarto e ele utilizando a
maquiagem de Ziggy Stardust. Ainda no piloto, por
exemplo, mesmo que Rafa diga não saber bem quem
é, só saber que gosta de rock e de “desenhar histórias
51
loucas”, a obra deixa claro que o garoto também gosta
de cinema alternativo, a julgar por sua propensão a
fantasiar-se de personagens cinematográficos que se
tornaram ícones góticos.
Assim, por volta da metade do primeiro
episódio, vemos ele vestido de Edward, Mãos de
Tesoura, entrando e saindo do personagem quando sua
mãe se dirige a ele impacientemente (Figura 14). Deste
modo, ora ele se dirige a ela de maneira desinteressada,
referindo-se a ela como “Ângela”, em um tom que
emula a atuação blasé do personagem de Tim Burton
interpretada por Johnny Depp, e ora se reporta a
ela com a impaciência típica de adolescentes que se
sentem incompreendidos, chamando-a de “mãe”
nestes momentos. Nesse mesmo diálogo, há um certo
momento em que Rafa afirma em um tom lúgubre que
aquele poderia ser seu último dia na Terra, e quando a
mãe responde que ele já morreu duas vezes aquele mês,
o rapaz a informa sem paciência que não foi ele, mas
O Corvo, aludindo ao personagem de Brandon Lee no
filme homônimo de Alex Proyas (The Crow, 1994), de
quem inferimos que ele se fantasiara anteriormente
no mesmo mês. Não à toa, assim, o espaço doméstico
se torna o cerne da conexão afetiva não só do casal
(Figura 15), mas também entre pai e filho, havendo
até mesmo composições cênicas que epitomam isso
(Figura 16).
Outro espaço narrativo que merece ser explorado
detidamente é o Bar do Monstro (Figura 17 e Figura
52
Figura 13: Sala da casa de Rafa, Miguel e Ângela. Pôsteres
abundam nas paredes. Sonhadores. Captura feita pelos
autores do livro (ep. 01).

Figura 14: Vestido de Edward, Mãos de Tesoura, Rafa faz


carinho em sua cadelinha Janis Joplin. Sonhadores. Captura
feita pelos autores do livro (ep. 01).

53
Figura 15: Miguel e Ângela dançam em meio à sala cheia
de pôsteres, em um momento romântico entre os dois.
Sonhadores. Captura feita pelos autores do livro (ep. 02).

Figura 16: Deitados juntos no chão da sala, Miguel desenha


enquanto Rafa observa, num plano que destaca a conexão
entre os dois. Sonhadores. Captura feita pelos autores do
livro (ep. 02).
54
Figura 17: Bar do Monstro, exterior. Sonhadores. Captura
feita pelos autores do livro (ep. 01).

Figura 18: Bar do Monstro, interior, o referido “Monstro”


sendo visto atrás do balcão. Sonhadores. Captura feita pelos
autores do livro (ep. 01).

55
18). Isso porque apesar de a primeira sequência de
Sonhadores ocorrer no quarto de Rafa e a cena seguinte
mostrar o garoto na porta da escola esperando que seu
pai vá buscá-lo, é inegável que o primeiro ambiente
que o seriado se detém a tratar com maior minúcia é
o referido bar. Intrinsicamente vinculado à introdução
do próprio Miguel, o lugar é inicialmente mencionado
pelo garoto quando Rafa diz que seu pai “tem a solução
para todos os problemas do mundo, só que o debate
das ideias dele é na mesa de bar. Bar não, boteco...
Boteco não, é rua mesmo”.
Mais do que pelo seu arranjo espacial e
elementos decorativos, que exceto por alguns pôsteres
de bandas de rock colados no balcão de atendimento
não chegam a apresentar uma personalidade muito
distinta, o ambiente é fortemente caracterizado pelas
figuras que ali frequentam. A começar pelo dono, o
assim chamado “Monstro” é um homem branco, calvo
e barbado entre os 40 e os 50 anos que Rafa afirma
mandar não só no bar, mas também no dominó e no
rock – que ali é “tolerado até a década de 80, e somente
em vinil”. Reforçando a fala do garoto, inclusive, no
segundo episódio o dono do bar chega a expulsar
dali alguns rapazes que o pedem para ouvir o CD
de uma banda genérica chamada “Planet Metal”, da
qual ele nunca ouviu falar. Além dele, há também
Bola, um homem branco acima do peso que usa
óculos e está sempre com camisas de banda como
The Beatles, Ratos de Porão e Red Hot Chilli Peppers.
56
Bola mora com a mãe, que vai buscá-lo de carro no
bar e é recebida com um beijo no rosto ao fazê-lo, o
que atribui uma certa infantilidade ao personagem, a
despeito da sua idade. Segundo Rafa, Miguel diz que
ele é lento, mas tem um coração de ouro.
Por fim, há também Zinho e Marcão, sendo
os dois homens negros, e Zinho o mais velho de
todo o grupo. Conforme Rafa, Zinho é “o cara que
concerta tudo no bairro, menos ele mesmo”, sendo ele
justamente o personagem que quebra o ventilador do
quarto de Miguel e Ângela quando tenta consertá-lo.
Já Marcão tem uma idade mais próxima daquela das
outras figuras que frequentam ali. Ele costuma vestir
roupa camuflada como a de um militar, e Rafa atesta
que ele “nunca bateu uma continência na vida, mas
jura que já pilotou tanque em Estalingrado, lutou nas
FARC, ditadura militar... O problema é que tudo isso
foi numa encarnação só”. A partir do segundo episódio,
percebemos ainda que Marcão tem algum problema
psicológico, dado que de vez em quando ele sobe em
uma árvore com uma espingarda e imagina estar em
uma situação de guerra.
Este quarteto de amigos de Miguel é tão
afetivamente ligado ao rock que no piloto o grupo
chega a expulsar da rua o motorista de uma kombi
que ouve um samba ali perto, e mesmo sendo mais
velho, Zinho encontra seu lugar entre eles por seu
apreço a Raul Seixas. Em parte, o Bar do Monstro é
um dos principais responsáveis por dar colorido à
57
série e pintar uma atmosfera contracultural e jovial a
ela (ainda que seja um bar de homens de meia idade),
sendo esta uma das principais razões pelas quais o
espectador se vê tão impactado quando Miguel é
expulso ali pouco após Ângela pedir o divórcio. Isso
porque Miguel acusa Zinho, na residência de quem
se hospedou logo após sair de casa, de ter roubado o
dinheiro que ele tinha consigo, como supostamente já
roubara anteriormente um uísque do pai de um dos
seus amigos e tendia a comprar fiado e não pagar no
bar.
Quanto aos dois outros ambientes de relevo na
série, em verdade conhecemos pouco da pensão para
onde Miguel se muda, palco mormente de cenas em
que ele se encontra deprimido deitado em cima de
uma cama, com roupas, cigarros, objetos pessoais e
mesmo panelas entulhados de qualquer modo nos
móveis ao seu redor (Figura 19). De vez em quando,
ali, Miguel está em companhia de uma outra residente,
chamada Pâmela, uma mulher que parece tomar
afeição por ele e tornar-se sua amiga. A partir de um
dado ponto da série, a cadela da família, nomeada Janis
Joplin em homenagem à cantora homônima, também
se torna uma companhia constante, sendo levada por
Rafa até ali para ficar com o pai, de modo que ele não
se sinta tão só. Já a escola, por seu turno, conforme
mencionado, é sobretudo um espaço de convívio entre
jovens, onde Anita e Rafa ganham destaque pelo modo
como se vestem (Figura 20).
58
Figura 19: Miguel e a cadelinha Janis na pensão onde o pai
de Rafa acaba morando após o divórcio. Deprimido, Miguel
não sai da cama. Sonhadores. Captura feita pelos autores do
livro (ep. 07).

Figura 20: Em meio a um oceano de uniformes iguais, Rafa


se destaca pela acessorização que compõe seu figurino.
Sonhadores. Captura feita pelos autores do livro (ep. 02).

59
Do ponto de vista atmosférico, tudo isso vai
construindo um universo narrativo abalizado pelo
olhar ingênuo, passional e em amadurecimento de um
jovem que se vê passando pela adolescência, criando
um certo clima de “narrativa de formação” para a série.
A despeito de toda a jovialidade contracultural que a
obra demonstra, assim, esse aspecto de “narrativa de
formação” também lhe traz um tom melancólico em
diversos momentos, como aqueles em que o garoto lida
com o divórcio dos pais, a perda de sua avó paterna,
o bullying a que é sujeito e o processo depressivo
do seu pai. Como não poderia deixar de ser, todos
esses momentos também são pesados para o próprio
Miguel, cuja jornada afetiva não só espelha a do filho
Rafa, mas nos é apresentada sob o olhar afetuoso dele.
Imageticamente, este aspecto melancólico é muito bem
traduzido – e envolto em uma camada de melodrama
típica da adolescência – em sequências como aquela
que Rafa anda sozinho na chuva após seu pai deixar a
casa, ou aquelas em que ele sonha estar sangrando.
Tudo isso posto, é possível afirmar que
Sonhadores apresenta um mundo narrativo em
que adolescentes e adultos com frequência sabem
muito pouco sobre os dramas uns dos outros, com
a ressalva de que os dramas dos adultos têm muito
maior impacto sobre a percepção dos jovens do que
o contrário. Mais do que entre adolescentes e adultos,
no entanto, aquele é um mundo dividido entre pessoas
passionais e ligadas à contracultura, sonhadores como
60
Figura 21: Em seu melodrama juvenil, Rafa encara a rua de
costas para a câmera enquanto a chuva cai após seu pai sair
de casa. Sonhadores. Captura feita pelos autores do livro (ep.
02).

Figura 22: Após sofrer bullying, Rafa sonha estar sangrando.


Sonhadores. Captura feita pelos autores do livro (ep. 03).

61
Rafa e o pai, e pessoas repressoras ligadas a noções
antiquadas de cultura, arte e mesmo a respeito de
como um jovem rapaz pode se apresentar na escola
sem ser alvo de bullying.
No pequeno fragmento deste mundo narrativo
que somos dados a conhecer, a casa que Rafa
divide com seus pais é impregnada de memórias
de bandas e filmes que os conectam a despeito da
diferença geracional, e que a própria Ângela não
deixa de apreciar, e o Bar do Monstro é um espaço
de autenticidade jovial construída em torno de uma
identidade rockeira mesmo entre quarentões que
não perderam sua conexão com a contracultura.
Já a escola onde Rafa estuda e a pensão onde o seu
pai eventualmente vai morar são espaços onde essa
identidade tão única que os dois têm é sufocada,
tolhida de se expressar por inteiro pela depressão de
Miguel e o bullying sofrido por seu filho.
Rafa não chega a emergir um adulto ao fim
da obra, mas após passar por tudo o que a narrativa
joga em seu caminho, incluindo a perda de sua avó
mais querida, a depressão do pai, o bullying escolar
e o afastamento temporário de sua melhor amiga,
ele parece conhecer-se mais, passando mais tempo
desenhando junto a Anita enquanto ela escreve
poemas e demorando-se a discutir sobre rapazes
bonitos com ela. Já seus pais reestabelecem a conexão
que têm um com o outro com muito maior maturidade
do que tinham no início da narrativa, com Miguel se
62
reencontrando no desenho ao começar a ganhar algum
dinheiro fazendo retratos em uma praça e se vendo
mais reflexivo após a perda da mãe e o afastamento
do contato familiar. Ângela, por sua vez, começa a
se soltar mais, chegando a cantar no restaurante que
gerencia em uma determinada noite, deixando para
trás o relacionamento com o controlador Robério, a
presença sufocante da mãe que esteve em sua casa após
o divórcio, e o cansaço que sentia logo que começou
o trabalho noturno à medida que se acostuma com
ele. É nesses novos termos que Ângela se dispõe a
reapreciar a conexão que tem com Miguel, sem o peso
da retomada de um convívio cotidiano que era tão
machucado.
Assim, mesmo com a melancolia que a obra
demonstra em alguns momentos, Sonhadores encerra
sua primeira – e até aqui única – temporada em uma
nota alegre, cheia de esperança agridoce tanto para
Rafa quanto para aqueles que os rodeiam, com todos
os personagens da família do garoto se vendo mais
maduros, mais felizes e mais em contato consigo
mesmos do que estavam no ponto em que a história
começou.

63
3. A magia do cotidiano infantil: o
caso de Aventuras de Amí
A produção infantil Aventuras de Amí, realizada
em parceria pelas empresas baianas Movioca
e Lanterninha Produções, foi outra das séries
selecionadas para análise frente ao projeto de pesquisa
que deságua neste livro. Em termos de exibição,
Aventuras de Amí teve como sua primeira janela a
TVE Bahia, ficando mais tarde disponível no Play
Kids. No momento de publicação deste ebook (2023),
as populares plataformas de streaming Globoplay e
Amazon Prime Video também distribuíam o seriado.
Criada por Maria Carolina e Igor Souza e produzida
por Amadeu Alban, Aventuras de Amí é composta de
uma temporada de oito episódios com uma média
de sete minutos cada um. No entanto, é importante
mencionar que, quando contatamos a Movioca no
ano de 2020 para saber mais sobre as produções da
empresa, fomos informados que havia um processo
de captação de recursos para mais 13 episódios em
andamento.
Do ponto de vista narrativo, Aventuras de
Amí segue as peripécias cotidianas de uma dupla
de crianças por volta dos oito anos de idade e do
cachorrinho de uma delas. Essas crianças são Amí
(que dá nome à série) e Tim, com o cachorrinho de
Amí sendo chamado de Balú. Amí é uma garota negra
que sempre quer adiar suas responsabilidades para
64
poder se divertir mais, enquanto seu amigo Tim é
um rapaz branco muito interessado em ciência que
sempre acaba disposto a entrar nas brincadeiras da
amiga. Em seu próprio website11, a obra é apresentada
ainda como “uma série que retrata o difícil e delicioso
processo de crescimento das crianças abordando os
ritos de passagem e a dificuldade em lidar com novas
responsabilidades”, e a descrição do seriado feita ali
atesta também que a obra parte da premissa de que
“através da imaginação é possível resolver os desafios,
transformando o mundo que nos cerca em um lugar
mais divertido e aventureiro”.
Esse foco que o site da série anuncia no cotidiano
infantil, na descoberta de novas responsabilidades
à medida em que uma criança vai se tornando mais
velha e na ideia de tornar o mundo da experiência
comum “um lugar mais divertido e aventureiro”, de
fato, ganha respaldo quando se examina a obra em si.
Do ponto de vista da ênfase no cotidiano doméstico,
por exemplo, é notável que a casa da própria garotinha
Amí, que empresta seu nome ao seriado, se converte
no principal centro dramático da série – com seu
quarto, em especial, figurando em vários dos episódios.
Já a questão da necessidade de aprender a lidar com
responsabilidades é basilar nos motes dramáticos de
cada um dos segmentos de sete minutos que compõem
o seriado: a necessidade de fazer as tarefas, cuidar de
crianças mais novas por alguns minutos, ajudar na
11 Disponível em: <https://lanterninhaproducoes.wixsite.com/aventuras-
de-ami>. Data de acesso: 15 de out. 2023.
65
cozinha, participar de tradições familiares, ter um
tempo limitado de tela e horários certos para cuidar da
higiene pessoal, da higiene do sono e da organização
do próprio quarto são todos elementos que pontuam
os episódios da produção. Enfim, a despeito dos
problemas que as crianças enfrentam no seriado serem
comuns, o modo como elas desenham soluções para
eles acaba sendo sempre imaginativo, respaldando a
proposta de encher o mundo cotidiano de um senso de
diversão e aventura.
Em termos de público-alvo, o seriado parece
ser especialmente dirigido a crianças entre os seis e os
oito anos de vida, embora do mesmo modo que ocorre
com várias outras obras pensadas para um público por
volta desta idade, várias piadas referenciais que só uma
criança mais velha ou um adulto poderia entender são
incluídas ali, sem dúvida para tornar a experiência
espectatorial de alguém que acompanha o seriado
junto a uma criança da idade específica do público
preferencial da série palatável e divertida.
Notavelmente, vários dos elementos que já
foram aqui mencionados podem ser verificados ainda
no piloto da obra, curiosamente o único episódio
que tem como universo cênico a casa habitada pelo
garoto Tim e a sua família, e não aquela onde reside
Amí. Também curiosamente, a primeira criança a
aparecer em tela após os créditos de abertura é o
próprio Tim, que parece desenvolver algum tipo de
experimento científico sobre uma bancada quando
66
o vemos. Dado que “Amí” não é um nome comum e
não necessariamente precisaria ser associado a um
indivíduo do gênero feminino, um espectador ainda
não familiarizado com a série poderia, assim, presumir
que está diante da personagem título nesse momento.
No entanto, tal expectativa é logo subvertida. Isso
porque o telefone toca, e uma voz vinda da sala – que
mais tarde descobrimos pertencer ao irmão mais velho
do garoto – chama por Tim e ordena que ele atenda a
ligação. Do outro lado da linha, Amí quer falar com o
amigo, e aqui a confusão é desfeita: é ela, e não ele, que
dá nome à obra.
Assim, ao trazer uma garota negra como
protagonista e personagem-título, já nos primeiros
segundos de seu piloto, sem didatismos ou uma
militância mais manifesta – que poderia parecer fora
de lugar em uma obra para crianças de até sete anos
–, Aventuras de Amí não deixa de subverter certas
expectativas de protagonismo masculino e branco
criadas frente à falta de representatividade histórica
nas produções midiáticas de forma mais ampla, e nos
desenhos animados infantis em particular. Esse piloto,
e junto a ele toda a temporada já disponível da série,
será o alvo da análise detida realizada neste capítulo,
que espera demonstrar como o mundo ficcional de
Aventuras de Amí opera para de fato converter o
cotidiano doméstico infantil em uma experiência
mágica.

67
3.1. O enredo

Em meio às séries selecionadas para análise


detida junto ao projeto Vários Mundos, Uma Bahia,
Aventuras de Amí ganha destaque não apenas por ser a
única obra de animação, mas também por ser a única
de caráter episódico, sem um nível mais denso de
continuidade entre os seus segmentos narrativos. Por
conta disso, no que tange ao exame detido das suas
dinâmicas de enredamento, mais do que a estrutura
actancial de qualquer episódio em particular da
série, é o motor narrativo, ou seja, o arcabouço que
engendra novas situações dramáticas a cada episódio e
a estrutura formal que organiza tais episódios, que se
torna o elemento mais relevante de investigação.
Nesse sentido, conforme já mencionado,
em Aventuras de Amí, todos os episódios trazem
problemas de natureza cotidiana que as crianças
encaram. Não obstante, no processo de resolver
tais problemas, Amí e Tim o convertem em algo
extraordinário, que requer soluções igualmente
extraordinárias, embora muitas vezes acabem por
entender que soluções simples são as únicas viáveis.
E é essa dinâmica de transformação de um problema
ordinário em extraordinário e busca por solucioná-lo
que cria o motor narrativo do seriado. Como exemplo,
podemos tomar o primeiro episódio, intitulado A
Maldição de Charlie Charlie. Nele, descobrimos que
Tim está concentrado em fazer um projeto para a feira
68
de ciências da escola, ao passo que Amí encontra-se
livre para brincar por já ter terminado todas as suas
tarefas de casa. Ao ouvir sobre o projeto do garoto ao
telefone, no entanto, a menina logo decide subverter
a ideia do amigo, que a princípio pretendia fazer
uma engenhoca simples para gerar sons a partir de
eletricidade usando massa de modelar, ainda que
a professora tivesse indicado o uso de gelatina no
experimento.
Segundo Amí, com pequenos ajustes, o aparato
que o amigo pretendia criar na verdade poderia ser
convertido no veículo perfeito para contatar um
famoso espírito do além chamado “Charlie, Charlie”.
Aqui, há uma clara referência do seriado à brincadeira
do tabuleiro de ouija, já que segundo Amí atesta de
maneira mais ou menos implícita, “Charlie, Charlie”
tende a se comunicar a partir do ato de mover um
copo sobre um papel onde as palavras “Sim” e “Não”
se encontram escritas. Conforme ela, com o artefato
que o amigo está construindo, eles poderiam de fato ir
além de obter respostas simples como “Sim” ou “Não”
do espírito, podendo chegar até mesmo ouvir a sua voz.
No entanto, Balú, o cãozinho da garota, lambe
a engenhoca, de maneira que o contato da sua saliva
com o artefato gera um curto-circuito que faz a
máquina explodir e as luzes da casa se apagarem.
Neste momento, Tim, que até então se mostrava cético
quanto à existência de espíritos, acredita que foi o
próprio Charlie, Charlie que gerou o curto-circuito,
69
e que o espírito só pode ter tomado o corpo do seu
irmão Caio. Frente a essa suposição, ele teoriza que
o problema que permitiu que o espírito escapasse foi
o seu uso de massa de modelar como condutor em
substituição ao material que a própria professora havia
indicado: a gelatina – que, por acaso, é o alimento
preferido de Caio, sendo por isso algo facilmente
disponível na geladeira da família.
Assim, a dupla decide conduzir um exorcismo
com o uso de gelatina, enquanto Caio balbucia
grunhidos incompreensíveis. Frente ao insucesso da
empreitada, Amí diz que o irmão de Tim está perdido
de vez, mas nesse momento, os pais do garoto chegam
em casa e Caio acorda do que era na verdade um
cochilo, seus grunhidos se provando não mais que
resmungos adormecidos. Sem saber do exorcismo
tentado pelas crianças, os pais dos meninos então
brigam com o rapaz mais velho por aparentemente
comer gelatina deitado no sofá e fazer uma bagunça na
casa, levando as duas crianças mais novas ao riso.
Como se vê, o que se tem aqui é a necessidade
de Tim de realizar uma atividade escolar e a disposição
de Amí em criar algo extraordinário a partir daí, algo
condizente com o motor narrativo da obra. Note-se,
porém, que embora essa estrutura se repita ao longo
de todo o seriado, uma diferença importante se faz
notável a partir do episódio seguinte. Isso porque
do segundo episódio em diante, o centro dramático
das peripécias das crianças é a casa de Amí, não a de
70
Tim, de modo que Dora, mãe da garota, se torna uma
personagem recorrente a partir daí. E invariavelmente,
a função narrativa que Dora exerce nestes episódios
subsequentes ao primeiro é aquela que a professora
anônima de Tim havia exercido no piloto: a atribuição
de instruções com as quais as crianças precisam lidar,
e que engendram as obrigações ordinárias que elas
decidem tornar extraordinárias, criando as situações
dramáticas que o seriado apresenta.
Assim, no segundo episódio da série, intitulado
A Posição do Bebê Feliz, Dora se vê com a bizantina
incumbência de tentar resolver um problema em uma
confusa e interminável ligação de atendimento ao
cliente no seu celular enquanto cuida de um bebê, que
é primo de Amí. Ao ver as crianças brincando, ela os
pede que cuidem do bebê apenas por alguns minutos,
enquanto termina a ligação, o que elas prontamente
aceitam, embora logo criem algo extraordinário a
partir daquela obrigação. De modo similar, tanto no
terceiro quanto no sexto episódio, Dora tenta limitar o
tempo de tela das duas crianças, que novamente criam
algo absolutamente fantasioso em cima das demandas
da mãe de Amí. Por sua vez, no quarto segmento do
seriado, o que Dora lhes pede é ajuda para enrolar
massinha de biscoito em formas aceitáveis para irem ao
forno, o que as crianças transformam em uma batalha
épica entre elas duas. Ou seja, em todos os episódios
de Aventuras de Amí a partir do segundo, Dora atua
como disparadora da situação dramática que irá se
71
desenrolar ao criar uma demanda cotidiana que as
crianças transformarão em outra coisa, de maneira que
no arcabouço episódico da série, a mãe de Amí exerce
em quase todos os episódios a função greimasiana de
destinadora.
Frente ao obstáculo que ela cria e os garotos
subvertem, ao menos uma das duas crianças assume
o papel de sujeito greimasiano. Assim, enquanto Tim
é o protagonista da narrativa em que busca recuperar
seu irmão supostamente possuído no primeiro
episódio, é Amí que é instada pela mãe a arrumar
o seu quarto e tomar banho, atuando como sujeita
narrativa nestes casos. No mais das vezes, porém, o
protagonismo actancial é em verdade dividido pelos
dois meninos, sendo ambos responsabilizados por
cuidar do priminho de Amí ou modelar os biscoitos
que Dora quer assar, por exemplo. Os destinatários a
serem beneficiados pela incumbência dada às crianças,
é claro, são ora a própria Dora, ora elas mesmas.
Afinal, é benéfico para uma criança aprender a cuidar
da própria higiene, a lidar com crianças mais novas
e a arrumar seu próprio quarto, e é de grande ajuda
para uma mãe uma filha que auxilia na confecção
de biscoitos ou olha um bebê por alguns minutos
enquanto ela faz algo importante.
Em todo caso, no que diz respeito à configuração
de adjuvância e oponência da série, o cachorrinho
Balú acaba sendo o principal auxiliar da dupla de
crianças, sempre acompanhando Amí e Tim em
72
suas travessuras, enquanto os próprios garotos são
responsáveis por criar os principais obstáculos que
enfrentam no cumprimento de seus objetivos, agindo
como oponentes de si mesmos. Como essa auto-
oposição pode ser algo difícil de explicar, alguns
exemplos merecem ser levantados.
Assim, tomemos a título de ilustração o quinto
episódio da série, intitulado Fantasia Surpresa. O
segmento se inicia com as crianças experimentando
fantasias carnavalescas que aludem a gaviões, com
Dora ajudando a aperfeiçoar os últimos detalhes da
fantasia da filha enquanto Tim olha a sua própria
indumentária de gavião no espelho. As crianças estão
empolgadas, mas Dora está ainda mais empolgada
do que elas. Isso porque desfilar usando uma fantasia
de gavião no bloco que lhes é querido é uma tradição
da família, de maneira que a própria mãe de Dora
já a levou para fazer o mesmo quando ela tinha
aproximadamente a idade que Amí tem hoje. Assim,
Dora mal pode esperar para que a avó veja a menina
fantasiada.
As crianças, então, tentam voar utilizando
suas fantasias, e se decepcionam ao ver que não
conseguem fazê-lo. Elas então começam a pular pelo
quarto e, enfim, sobre a cama, fingindo estar voando.
Por conta disso, no entanto, as fantasias acabam por
ser danificadas. Dessa forma, embora a partir da
destinação de Dora as crianças se vejam com o objetivo
de fantasiar-se para desfilar no bloco de carnaval, elas
73
mesmas criam um obstáculo para a realização deste
objetivo ao danificar as fantasias. Enfim, os garotos
improvisam reparos na indumentária empregando
tinta, cola e fita-adesiva. As crianças em si acham o
resultado ridículo, mas Dora apenas ri de felicidade ao
vê-lo, atestando que sua própria mãe sempre preferiu
algo mais improvisado. Portanto, o dia é salvo, e acaba
sendo alegre para todos. De maneira semelhante, no
sétimo episódio, cujo título é Superpopulação em Mim,
embora Dora mande Amí tomar banho, a criança quer
deixar de fazê-lo para poder jogar videogame, inclusive
atestando que a coceirinha da sujeira a torna mais
habilidosa. A situação, no entanto, chega a um ponto
em que a coceira se torna insustentável, enfim levando
a garota a decidir obedecer a mãe e tomar banho. O
que se nota, aqui, além do fato de que as dificuldades
que as crianças enfrentam são em geral autoimpostas,
é também o fato de que tais dificuldades acabam sendo
superadas ao fim de cada episódio, como é típico em
obras para um público dessa faixa-etária.
Tudo isso posto, do ponto de vista greimasiano,
a estrutura episódica configurada em Aventuras de
Amí começa a se desenhar de forma bastante clara.
Frente a uma necessidade episódica de lidar com
uma responsabilidade simples, as crianças em geral
a transformam em algo extraordinário que exige
soluções igualmente extraordinárias, o que acaba por
engendrar os principais problemas que elas enfrentam
no processo de resolução da incumbência que lhes é
74
dada.
Nesse sentido, tal incumbência via de regra lhes
é atribuída por Dora, a mãe de Amí, que atua como
destinadora na maioria dos episódios. Individualmente
ou em dupla, Amí e Tim atuam como sujeitos
narrativos, cujo objetivo é lidar com a responsabilidade
que Dora atribui a eles, em geral para benefício da
educação das crianças ou da própria Dora, sendo
estes os destinatários mais comuns na obra. Por fim,
o cachorro Balú é sempre o principal adjuvante da
dupla, com Amí e Tim também sendo adjuvantes um
do outro em episódios nos quais um deles assume um
protagonismo maior. Curiosamente, os dois também
são seus próprios principais oponentes, criando eles
mesmos a maior parte das dificuldades que precisam
enfrentar.
O grosso da estrutura de Aventuras de Amí
pode ser entendido a partir destas observações, mas
há minúcias no desenho formal dos episódios que
elas ainda deixam escapar. Por exemplo, é curioso
observar que cada segmento da série invariavelmente
conta com um número musical, que costuma ocorrer
sob um fundo que abstrai o cenário efetivo em que as
crianças estão em troca de uma composição cênica
mais simbólica e mais subjetiva (Figura 23). Via de
regra, esses números musicais são introduzidos no
exato momento em que o conflito do episódio se
estabelece, muitas vezes pontuando o ponto em que as
crianças tornam sua incumbência ordinária em algo
75
extraordinário.
Além dos números musicais, todos os episódios
são marcados ainda por cenas que mostram o
mundo ao espectador não como ele é, mas como
as crianças o enxergam, de modo que os cenários
refletem muito mais a imaginação delas do que a
própria realidade. Por fim, do mesmo modo que
números musicais ajudam a estabelecer os conflitos
dramáticos, memórias das crianças – em geral
vinculadas a conselhos que já receberam de adultos
e são agora pertinentes – também são sempre
recorrentes, sobretudo na hora em que elas descobrem
como resolver o conflito do episódio. Na série, essas
memórias são representadas visualmente por imagens
de baixa qualidade mais ou menos estáticas compostas
de modo que lembram slides (Figura 24). Desta
maneira, é o conteúdo sonoro dos flashbacks que
contém os conselhos em si, repetidos em voz over.
Para além de sua importância na estruturação
do arco dramático seguido pelos enredos episódicos
de Aventuras de Amí, é crucial notar que os números
musicais, as sequências que fogem à realidade para dar
espaço à imaginação das crianças e os flashbacks são
elementos centrais na composição dos personagens
do seriado, de maneira que mais espaço é dedicado a
debater tudo isso tudo a seguir, quando exploramos
com maior detalhe as dinâmicas de construção de
personagens da obra.

76
Figura 23: A figura de Tim é triplicada enquanto ele canta
no primeiro número musical da série. Aventuras de Amí.
Captura feita pelos autores do livro (ep. 01).

Figura 24: Dora, mãe de Amí, aparece sobre uma espécie


de tela de slide propositalmente cheia de ruídos digitais,
em uma sequência de flashback. Aventuras de Amí. Captura
feita pelos autores do livro (ep. 03).
77
3.2. Os Personagens
Conforme já estabelecido, as principais
personagens do seriado ora analisado são a própria
Amí, garota que empresta seu nome à obra; Tim, seu
melhor amigo; o cãozinho Balú; e Dora, a mãe de
Amí. Por certo, outros personagens chegam a figurar
na série, mas eles de fato exercem um papel menor
nela. Assim, por exemplo, no piloto chegamos a ver
alguns detalhes do corpo de Caio, o irmão de Tim,
quando ele se encontra esparramado no sofá, bem
como a ouvir a voz dos pais do garoto. Igualmente,
há também o priminho de Amí, o bebê de quem ela
e Tim são instados a cuidar no segundo episódio do
seriado, mas que não volta a aparecer. Ademais, em
alguns dos flashbacks nos quais as crianças lembram
de conselhos que já lhes foram dados por adultos,
outros personagens também chegam a fazer figurações.
É o caso da professora de Tim, que havia explicado à
classe que eles deveriam usar gelatina no experimento
para a feira de ciências que o garoto tenta conduzir
no piloto, ou de um professor de capoeira que
outrora o aconselhara a ter um corpo mais fluido. No
entanto, essas breves inserções de outras figuras não
mudam o fato de que a série é centrada no quarteto já
mencionado, um elenco tão reduzido que faz com que
não haja qualquer divisão de núcleos dramáticos.
Por certo, há razões orçamentárias para o
número limitado de agentes importantes na história:
desenhar e animar personagens não é algo barato,
78
e cada figura dramática aumenta o custo de uma
animação. Mas no caso de Aventuras de Amí, esse foco
em quatro personagens na verdade ajuda a fortelecer a
dinâmica da série como uma obra sobre uma dupla de
crianças que sempre transforma em extraordinárias as
direções cotidianas que lhes são dadas por um adulto
supervisor. Além disso, em termos de caracterização
física, a obra faz todo o esforço necessário para tornar
as quatro figuras bem distintas entre si.
Assim, enquanto Amí é uma garota negra de
cabelos crespos sempre adornados por uma faixa
amarela e cuja cabeça é desenhada maior que o corpo
para indicar sua baixa estatura, Tim é desenhado de
forma bem distinta. Ele é um rapaz branco, alto e
magro de nariz vermelho, óculos grandes e caninos
nada afiados, mas ainda assim proeminentes quando
ele está de boca aberta, características que se destacam
na sua aparência. Balú, por sua vez, tem como seu
principal atributo o pelo azul que a assemelha ao
personagem parônimo da Turma da Mônica, o
cachorrinho Bilú. Enfim, Dora apresenta uma estatura
mais alta, membros muito mais curvilíneos e menos
esguios, e proporções mais naturais, diferenciando-a
enquanto adulta Figura 25 e Figura 26). Uma postura
corporal que às vezes se põe curva e de ombros caídos
adiciona ainda um aspecto cansado à personagem.
A despeito das diferenças entre eles, em
termos de estilo, as personagens invariavelmente são
desenhadas com um traço mais próximo ao da escola
79
Figura 25: Tim, Balú e Amí. Aventuras de Amí. Captura feita
pelos autores do livro (ep. 01).

Figura 26: Dora entra no quarto de Amí, onde ela e Tim


brincam. Em seus braços, o priminho bebê da filha.
Aventuras de Amí. Captura feita pelos autores do livro (ep.
02).
80
epitomada por Hana-Barbera do que do padrão
Disney. Isto é, as formas que compõem as figuras
muitas vezes tendem a ser menos arredondadas, menos
orgânicas e menos naturalistas do que se poderia
esperar, com linhas em ângulos mais retos no desenho
dos membros das crianças, por exemplo. Não só isso,
mas o gosto pelo realismo é abandonado em favor de
um estilo mais abstrato, que tem maior dívida com as
vanguardas modernas do que com o padrão ilusionista
que dominou a pintura Ocidental do século XV ao
século XIX.
Já no que concerne à sua tridimensionalidade
dramática, as personagens infantis não tendem a
apresentar muitas camadas – como se poderia esperar
de um desenho animado feito para crianças de até sete
anos, ainda mais sob uma estrutura episódica pensada
de modo que os distintos segmentos possam ser vistos
em qualquer ordem sem comprometer a apreciação.
Assim, desde o primeiro episódio, Tim é um garoto
estudioso que se empolga com projetos de ciências,
busca resolver as situações com um raciocínio baseado
em fatos, e faz referências “cerebrais”, que aludem a
desde a civilização suméria até a motores de propulsão
a jato. Já Amí é a garota que busca adiar o banho, a
arrumação do quarto ou a hora de dormir para poder
brincar mais.
Dora, por seu turno, é uma personagem
mais complexa, sendo uma mulher de múltiplos
humores. Isto é, enquanto ela às vezes se mostra
81
cansada, também há momentos em que é enérgica.
Similarmente, mesmo às vezes sendo impaciente,
outras ela também é brincalhona, entrando nos
jogos das crianças. Essa sua disposição à brincadeira
é visível, por exemplo, quando Dora faz um jogo de
sombras contra uma barraca de camping onde as
crianças veem um filme de terror no terceiro episódio
(A Bruxa de Blergh, Figura 27), apenas para assustá-
las, ou quando ela imita um robô que detecta sujeira
para mandar a filha tomar banho no sétimo episódio
(Figura 28). De tal forma, no que diz respeito a
abrigar múltiplas camadas, Dora é sem dúvidas a
única figura dramática da série que mostra uma maior
tridimensionalidade.
Ainda assim, há um sentido no qual as crianças
de Aventuras de Amí também são tridimensionais, e
bem mais do que se poderia supor. Afinal, conforme
debatido em nosso capítulo metodológico, existem
diferentes formas de entender a tridimensionalidade,
e a existência de múltiplas camadas em um mesmo
personagem ou sua capacidade de mudar ao longo da
história são apenas duas delas. Uma outra, muito mais
comum em desenhos animados infantis e muito mais
negligenciada, concerne ao quanto e como uma obra se
dedica a explorar pensamentos e estados internos dos
seus personagens. Nisso, Aventuras de Amí se esmera.
Já foram mencionados, por exemplo, os flashbacks por
meio dos quais as crianças muitas vezes encontram
insights para resolver seus problemas, bem como os
82
Figura 27: Dora tenta assustar as crianças projetando
sombras de suas mãos contra a barraca onde elas há pouco
estavam. Aventuras de Amí. Captura feita pelos autores do
livro (ep. 03).

Figura 28: Dora imita o comportamento de um robô


enquanto inspeciona o banho da filha. Aventuras de Amí.
Captura feita pelos autores do livro (ep. 07).

83
números musicais que representam como as crianças
reinterpretam, superdimensionam e transformam
em extraordinários os problemas ordinários que
enfrentam.
Para além de reforçar o conflito do episódio,
esses números musicais muitas vezes os metaforizam.
É assim, por exemplo, que quando desafiam um ao
outro para ver quem consegue fazer os biscoitos na
forma mais perfeita, as crianças se imaginam em uma
batalha de rap em um ringue de combate com direito
a torcida organizada no episódio quatro (Duelo de
Titãs, Figura 29). Do mesmo modo, ainda no piloto,
quando canta sobre o fato de que irá “investigar” a
psiquê do espírito que supostamente possuiu o irmão
de Tim para convencê-lo a deixar seu corpo, Amí se vê
em uma cadeira de psicóloga com um bloco de notas
em mão, e Balú surge com um bigode e um cachimbo
que aludem a Freud, sendo chamado por ela neste
momento de Psi Psicão12 (Figura 30).
Como já mencionado, mesmo fora destes
números musicais, há outras cenas em que a
representação visual abandona o mundo narrativo
objetivamente vivido pelos personagens para nos
mostrá-lo não como ele é, mas conforme o filtro do
olhar infantil de Amí e Tim. Quando os dois são

12 Aliás, é curioso notar que embora o cachorrinho Balú em geral não fale
ou apresente outros comportamentos eminentemente humanos (para
além do de parecer compreender o que as crianças falam com ela) na
maior parte do tempo, exceções são feitas nestes números musicais,
quando ele chega a cantar, ter bigode, usar óculos, operar uma mesa de
DJ e assim por diante.
84
Figura 29: Tim e Amí competem para ver quem faz os
melhores biscoitos, o que na imaginação deles se torna uma
batalha de rap em uma arena lotada. Aventuras de Amí.
Captura feita pelos autores (ep. 04).

Figura 30: Psicóloga Amí e o Psi Psicão diagnosticam o


espírito “Charlie, Charlie”. Aventuras de Amí. Captura feita
pelos autores do livro (ep. 01).

85
instados a cuidar do priminho de Amí no segundo
episódio, por exemplo, eles estão brincando de fazer
uma cidade com todo tipo de objeto improvisado que
conseguem encontrar: peças de lego, tubetes de rolos
de papel higiênico vazios, caixas de sapato e afins.
Muito orgulhosas dos resultados dos seus esforços,
as crianças se desesperam ao ver o bebê destruindo
todo o seu trabalho, enxergando-o como uma cidade
em tamanho real na qual eles também têm tamanho
natural, mas o bebê é um gigante no mais clássico
estilo King Kong ou Godzilla (Figura 31). De modo
similar, quando os dois pulam na cama na tentativa
de voar nas fantasias carnavalescas de gavião que
experimentam no quarto episódio, eles se veem
saltando da beira de um precipício de onde pretendem
efetivamente alçar voo (Figura 32).
Tudo isso garante que embora o universo de
personagens de Aventuras de Amí seja reduzido,
ele tenha um colorido único, com cada figura
apresentando conformações de desenho e traços de
personalidade bastante distintos entre si, e com as
crianças se apresentando altamente tridimensionais no
que concerne à presença de vida interna – mesmo que
careçam de múltiplas camadas ou mudanças ao longo
da história. Isso posto, é um fato de que não é possível
dar por finalizado o exame do mundo narrativo de
um seriado como estes sem falar em seus ambientes
e coloridos atmosféricos, temas cujas reflexões sobre
finalizam este capítulo.
86
Figura 31: Amí e Tim veem o bebê de quem cuidam como
um gigante destrutivo. Aventuras de Amí. Captura feita pelos
autores do livro (ep. 02).

Figura 32: Amí e Tim prontos para pular na cama em suas


fantasias carnavalescas de gavião, se veem prestes a voar de
um precipício. Aventuras de Amí. Captura feita pelos autores
do livro (ep. 05).
87
3.3. Ambientação, atmosfera e ponderações
finais

Assim como um número pequeno de figuras


dramáticas, Aventuras de Amí também tem uma
quantidade reduzida de ambientes. Neste caso, a casa
que a personagem título da série divide com a sua
mãe Dora constitui o principal espaço dramático do
seriado. Ali, é sobretudo o quarto da garota (Figura
33) que se configura como o centro da ação, sendo
um espaço narrativo relevante em ao menos quatro
episódios. Assim, é no quarto de Amí que ela e Tim
estão brincando quando são instados a cuidar do
priminho da menina (episódio 02), sendo também
ali que eles experimentam suas fantasias de carnaval
(episódio 05), gravam e assistem a vídeos de internet
(episódio 06), e precisam organizar a bagunça que a
garota fez no local para que Amí seja autorizada a ir à
praia (episódio 08). Metade dos segmentos narrativos
do seriado, portanto, têm no quarto dela o cerne da
situação ação dramática, sendo tal ambiente marcado
por suas paredes verdes, uma cama de solteiro, alguns
pôsteres, brinquedos e sobretudo pela janela gradeada,
na qual Amí chega a se pendurar ao fazer drama para a
mãe no episódio final (Figura 34)13.

13 Curiosamente, alguns detalhes da decoração do quarto parecem mudar


entre um episódio em outro, mesmo que seus elementos centrais, como
a cor da parede e a grade na janela, permaneçam os mesmos. É possível
verificar nas figuras 33 e 34, por exemplo, diferenças no estilo da cabeceira
da cama e nos pôsteres que adornam as paredes.
88
Figura 33: Quarto de Amí. Aventuras de Amí. Captura feita
pelos autores do livro (ep. 05).

Figura 34: Quarto de Amí, no momento em que a garota se


pendura dramaticamente nas grades da janela. Aventuras de
Amí. Captura feita pelos autores do livro (ep. 08).

89
Afora o quarto, ainda que em bem menor grau,
a sala da casa também ganha algum destaque, sendo
ali que Amí e Tim assistem a episódios de um seriado
de terror dentro de uma barraca de camping (episódio
03) e jogam videogame (episódio 07), fazendo da
sala um ambiente narrativo central em dois episódios
(Figura 35). O interessante, aqui, é notar o quanto se
pode inferir da personalidade de Dora pela decoração
da sala, com sua bem-cuidada samambaia pendurada,
suas estatuetas africanas e bibelôs na bancada atrás do
sofá, os quadros de família na parede, aos quais uma
fotografia de Amí fantasiada de gavião para o carnaval
é eventualmente adicionada, e até mesmo uma
máscara também africana em outra parede (Figura
36). Novamente, sem didatismos ou um discurso
que dificilmente seria entendível pelo público-alvo,
a obra não deixa de aludir à identidade negra da sua
protagonista, além de reforçar o caráter afetuoso e
carinhoso de Dora, que cuida de plantas e mantém
fotografias de memórias de família nas suas paredes.
Certamente, outros ambientes também chegam
a figurar na série. O primeiro e o último episódio, por
exemplo, se destacam por deixar a casa de Amí, de
modo que o piloto se passa na casa de Tim, da qual não
é possível captar muitos detalhes, e o oitavo episódio
envolve um passeio das crianças à praia. Ademais,
outros cômodos da própria casa de Amí não deixam
de aparecer vez ou outra, como a cozinha no quatro
episódio ou o banheiro no sétimo. Ainda assim, o fato
90
Figura 35: Sala da casa de Amí. Uma samambaia pende
do teto, há estatuetas africanas na estante e quadros nas
paredes. Aventuras de Amí. Captura feita pelos autores do
livro (ep. 03)

Figura 36: Sala da casa de Amí. Máscara africana se destaca


em uma das paredes. Aventuras de Amí. Captura feita pelos
autores do livro (ep. 07).

91
é que o espaço de ação da obra é bastante concentrado.
Outra vez, limitações orçamentárias ajudam a entender
a questão aqui. Do mesmo modo que personagens,
novos cenários oferecem custos adicionais em uma
animação, e Aventuras de Amí prefere dedicar o
orçamento que tem para cenários à ilustração da
imaginatividade das crianças, permitindo-nos ver o
mundo por seus olhos.
Aqui, a decisão novamente parece acertada.
Afinal, a concentração dramática na casa reforça o
caráter cotidiano dos problemas com que Amí e Tim se
deparam, enquanto a escapatória do cotidiano provida
pelos ambientes imaginários nos quais os personagens
se enxergam reitera a ideia de que eles transformam
problemas de ordem ordinária em algo extraordinário.
Do ponto de vista da animação, há um outro
ponto que merece ser levantado aqui, referente ao uso
da assim chamada animação limitada ou animação
reduzida na construção espacial do seriado, o que
torna os cenários quase estáticos, dando movimento
mormente aos personagens e elementos com os quais
eles interagem mais diretamente. E aqui, claro, faz-se
necessário explicar o que seria animação limitada.
Conforme a tese de um dos coautores desta
pesquisa, Marcelo Lima (2020), o período de origem
das histórias animadas conforme as compreendemos
hoje, o desenhista Emile Cohl percebeu ser possível
criar animação completas com o emprego de 12
imagens por segundo. Assim, a animação é chamada
92
de “limitada” quando há uma quantidade menor
do que 12 de frames em cada segundo de uma obra
animada.
Conforme atestam Burke e Burke (1999, p. 19),
esta “técnica permitia utilizar frequentemente planos
em que só as bocas das personagens se mexiam,
um mínimo de ação, e uma reutilização máxima de
sequências já animadas”. O que se tem, então, é um
gosto por “imagens planas, simplificando e estilizando
as personagens: linhas quebradas a substituir curvas,
cenários mais esquemáticos, animação mais brusca,
menos escorreita, com desenhos menos numerosos”
(BOUCQUEY apud DENIS, 2010, p. 123). Denis
(2010) adiciona ainda que na animação reduzida se
retornava a um estilo que remontava aos de animações
das décadas de 1910 e 1920, antes do surgimento
de Disney e dos irmãos Fleischer. No tocante ao
movimento, era frequente que só se desenhasse “os
membros que devem mexer”, enquanto o corpo era
“um objeto fixo” (p. 124).
Historicamente, a despeito de sua origem bem
anterior, a animação limitada teve seu auge a partir
da década de 1950, sobretudo com as produções da
dupla Hanna-Barbera, considerados os “mestres” deste
estilo. Os artistas já eram bastante respeitados quando
trabalhavam na MGM, e, após o fechamento da divisão
de animações do estúdio em 1957, eles conseguiram
emplacar projetos para tevê. No novo ambiente, no
entanto, os orçamentos eram muito mais apertados,
93
e para contornar essa limitação, Hanna-Barbera
criaram um estilo de animação que consistia em um
movimento simplificado, cuidadosamente elaborado
e cronometrado, com ênfase em poses chave e no
movimento das extremidades dos personagens. Isso
possibilitava a reutilização de animações em diversas
sequencias, diminuindo a quantidade de desenhos
exigida e, portanto, derrubando os custos. E foi dessa
conjunção de procedimentos artísticos e técnicos que
eles lançaram séries televisivas inesquecíveis, com os
Flintstones sendo “a primeira série animada a ocupar o
horário nobre” (LUCENA JÚNIOR, 2011, p. 136).
Hoje, a animação limitada obviamente tem
diferenças em relação àquela que era comumente
empregada na década de 1950, mas ainda há muitas
semelhanças técnicas. Um número reduzido de
quadros por segundo, a escolha por animar os
personagens em partes e não completamente (a boca
e os olhos, por exemplo, podem mudar de expressão
sem que o rosto mude de posição) e a grande ênfase
no humor verbal: tudo isso ainda permanece. Ao
empregar animação limitada, assim, Aventuras de Amí
contorna certos constrangimentos orçamentários, mas
também permite que o modo como as personagens
interagem com o cenário ganhe muito mais destaque
do que o cenário em si. Já o uso de gírias atuais ou
regionais como “oxe”, “você também não para quieta”,
“meu bonde só sai é fechando”, “já deu” e “pega a
visão” acentuam o humor verbal e ajudam a adicionar
94
uma camada de espirituosidade à atmosfera da série,
marcada sobretudo pela capacidade das crianças de
transformar o comum em extraordinário, mas também
a partir das gírias dotada de uma espirituosidade que
adultos conseguem apreciar.
E é isso que ajuda o seriado a ser mais facilmente
apreciado por um público não-infantil, embora haja
elementos que vão além do uso de certas gírias na
configuração desse humor que apela para um público
mais velho. A referencialidade a elementos culturais
que não são captados com facilidade por crianças
de até sete anos, por exemplo, também é bastante
proeminente na obra. Assim, no quarto episódio,
enquanto Amí e Tim fazem uma batalha de rap, o
garoto canta um trecho que remete à música Beat It,
de Michael Jackson, sendo então acusado de plágio
por Amí. Em sua defesa, Tim afirma que ele fez uma
paródia, não um plágio, e a discussão dos dois evolui a
partir daí.
No terceiro episódio, várias referências deste tipo
são engajadas em uma sequência muito rápida. Isso
porque em um determinado momento, as crianças têm
um flashback em que lembram de quando Tim disse
a Dora que seu computador tinha virado um zumbi,
explicando-a a razão para tanto. Nessa explicação,
ele diz que uma das causas prováveis poderia ser um
Cavalo de Troia, com a imagem mostrando um cavalo
de madeira com uma entrada lateral ao espectador
(Figura 37). Outra possibilidade citada por ele é a de
95
Figura 37: A expressão “Cavalo de Troia” é ilustrada com
um cavalo de madeira com uma abertura lateral. Aventuras
de Amí. Captura feita pelos autores do livro (ep. 03).

Figura 38: A ideia de um hacker é ilustrada com uma


máscara de Guy Fawkes sobre o rosto de Tim. Aventuras de
Amí. Captura feita pelos autores do livro (ep. 03).

96
um hacker, com a imagem mostrando uma máscara
de Guy Fawkes, famosa por seu uso pelo grupo
Anonymous, sobre o rosto do menino quando ele diz
isso (Figura 38). Enfim, Dora acaba por atestar que o
único Zumbi que ela conhece é o de Palmares, visto
então em cena (Figura 39), e vemos ainda uma imagem
do pinguim mascote da Ubuntu na tela do computador
dela (Figura 40).
Certamente, a maior parte dessas referências
passa a largo da percepção da maioria das crianças
de até sete anos, criando uma camada atmosférica de
humor espirituoso na série que pode ser apreciada
pelos adultos que acompanham a obra com seus
pequenos. Todavia, também é certo que este efeito é
secundário, e que a principal tintura atmosférica de
Aventuras de Amí vem do modo como a série dá asas
à imaginação infantil, oferecendo lastro a um senso de
que o ordinário pode ser convertido em extraordinário
facilmente naquele mundo narrativo, bastando
crianças como Amí e Tim simplesmente existirem
para tanto. Nisso, um enredo centrado em problemas
cotidianos que as crianças convertem em algo muito
maior, personagens infantis cuja imaginação a obra faz
questão de ilustrar e mesmo musicar em números, e
um ambiente cotidiano repetido e estático do qual Amí
e Tim conseguem escapar em seus devaneios são de
grande ajuda.

97
Figura 39: Ao ouvir falar em zumbis, Dora pensa em Zumbi
dos Palmares. Aventuras de Amí. Captura feita pelos autores
do livro (ep. 03).

Figura 40: Ao vermos Dora interagir com um computador,


é possível identificar o pinguim do Ubuntu em sua tela.
Aventuras de Amí. Captura feita pelos autores do livro (ep.
03).
98
4. A cidade como tesouro: o caso
de HUNT
O quarto e último capítulo deste livro é dedicado
à produção HUNT, que se junta a Sonhadores e
Aventuras de Amí para compor o trio de seriados
baianos selecionados para análise mais detida junto
ao projeto Vários Mundos, Uma Bahia. Criada por
Eduardo Oliveira e Diogo Oliveira junto à produtora
Olivas Filmes e contando com cinco episódios de cerca
de 15 minutos cada, a obra teve como sua primeira
janela de exibição a TVE Bahia, mas também circulou
por festivais, nos quais chegou mais de uma vez a
concorrer a prêmios. Assim, a série foi exibida na
sessão Bahia da Mostra Sesc de cinema e nos festivais
FanChile (Chile) e Colibri (Bolívia), tendo sido
finalista nestes dois últimos. Em 2020, HUNT também
foi indicada ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro
na categoria de Série para TV Aberta. Já no período
de publicação deste livro (2023), ela encontrava-
se disponível no catálogo do serviço de streaming
Amazon Prime Video – ainda que seja difícil localizá-
la na plataforma apenas pelo título, de modo que é
necessário digitar “HUNT: Salvador” para encontrá-
la mais facilmente, sendo “Salvador” justamente o
codinome que batiza a sua primeira temporada.
Pensada para um público-alvo entre os 12 e os
14 anos, HUNT se inicia com uma imagem em plano
médio de um rapaz negro, completamente careca, e
99
com um simpático sorriso no rosto, olhando por uma
janela que dá para fora de seu quarto – rapaz este que
a obra não tarda em revelar ser o seu protagonista,
um jovem na casa dos seus 20 anos de nome Glauber
(Figura 41). Curiosamente, quando a edição do seriado
realiza seu primeiro corte, a imagem seguinte não
nos mostra a direção para onde Glauber olha desde
a sua janela, ao invés disso nos convidando a entrar
no quarto onde ele se encontra, em uma subversão da
expectativa que esse tipo de composição visual tende
a criar (Figura 42). Aqui, nesta segunda imagem da
série, um plano de detalhe nos oferta dois dados sobre
o personagem que o seriado logo virá a desenvolver
com mais consistência: o fato de que Glauber é um
estudante de direito, tendo um grosso volume de
“Direito Processual Penal” em sua estante, e o seu
hábito de brincar com cubos mágicos.
Ainda neste minuto inicial, embora os lábios do
ator não se movam, sua voz pode ser ouvida em off.
Ele diz: “Oi, meu nome é Glauber, tudo bom? Você
ainda não me conhece, mas talvez já tenha jogado
online comigo. Sou bom nisso. Talvez até o melhor
jogador do mundo de Hunt. Bom, pelo menos eu
acho”. Assim, a partir da única instância de uso da
metalinguagem verbal para endereçar diretamente o
espectador perguntando-lhe se está tudo bem em toda
a série, Glauber se apresenta diretamente a nós, em
uma quebra de protocolo que dá relevo à importância
que o protagonista tem para a obra. E a apresentação
100
Figura 41: Glauber mira para fora de sua janela e sorri.
HUNT. Captura feita pelos autores do livro (ep. 01).

Figura 42: Interior do quarto de Glauber. Cubo mágico


e livro de Direito Processual Penal em destaque. HUNT.
Captura feita pelos autores do livro (ep. 01).

101
de Glauber não termina aí. Logo, o voz over também
nos informa que o personagem atua como caixa de
supermercado, empregando o dinheiro que ganha no
trabalho para pagar a sua faculdade de direito, posto
que deseja ser advogado.
Em seguida, ele afirma ainda ser fã de
quadrinhos, cinema e música, jogando Hunt via
internet nas horas vagas. É aí que o jogo digital que
partilha seu nome com a série é melhor introduzido
ao espectador, imagens dele surgindo na televisão
conectada ao console de videogame do rapaz, que
divide a estante com action figures de Super Mario,
Hora de Aventura e Star Wars, reforçando um lado
geek que Glauber não faz questão de esconder (Figura
43). Conforme o personagem explica, Hunt é um caça-
tesouros online no qual é necessário desvendar pistas
progressivas até achar o que se procura, e na tela,
que mostra um mapa com alguns bairros de Salvador
pontuados por avatares de jogadores online no
momento, entendemos que o game de caça ao tesouro
bebe de localizações do mundo real na construção dos
mapas digitais em que distribui suas pistas (Figura 44).
A partir daí, no prosseguimento de sua auto
apresentação, Glauber também nos informa que só
trabalha no mercado há cerca de sete meses, mas
já é conhecido dos clientes, devido ao fato de ser
atencioso e estar sempre sorrindo. Neste momento,
as imagens nos mostram ele atuando como caixa no
estabelecimento, e é então que ocorre o incidente
102
Figura 43: Glauber joga Hunt no seu console. Ao redor do
televisor, várias action figures. HUNT. Captura feita pelos
autores do livro (ep. 01).

Figura 44: Mapa de Salvador mostrado no jogo digital de


Hunt. HUNT. Captura feita pelos autores do livro (ep. 01).

103
incitante que dá início à história. Um cliente parece
esquecer um envelope azul marcado com a palavra
“Hunt” sobre a bancada onde Glauber opera como
caixa, e ao tentar alcançar o desconhecido para
devolver-lhe o envelope aparentemente deixado ali
por engano, Glauber não o encontra mais. O endereço
no envelope, no entanto, acaba o levando a uma casa
em um bairro nobre, onde um homem de meia idade
em vestes formais com um fone bluetooth sempre no
ouvido faz um convite a Glauber.
Sem dizer o seu nome, o homem o explica ao
rapaz que há um grupo que joga Hunt de forma séria,
pelas próprias ruas de cidades concretas e não por
mapas digitais. Segundo ele, pistas são espalhadas
pela malha urbana e cabe aos jogadores encontrá-las,
de modo a ganhar um prêmio em dinheiro ao final.
Glauber desconfia, imaginando que o homem deseja
cooptá-lo para algum tipo de serviço escuso, mas o
senhor lhe garante que o jogo é real, e que só se pode
jogá-lo mediante um convite. Ele então explica ter o
poder de convidar alguém, e seu desejo de convidar
Glauber, desde que o rapaz divida o prêmio consigo.
Glauber reluta, mas o homem insiste, explicando que
não conhece a cidade e precisa de alguém local para
ajudá-lo. Posto que o protagonista segue relutando,
ele então sugere a Glauber que desvende ao menos
a primeira pista, após a qual ele lhe garante que
compensará o mais jovem com algum dinheiro mesmo
que depois precise seguir sozinho.
104
Tem início, então, o fio narrativo condutor da
primeira temporada do seriado: a partir daí, ao longo
dos cinco episódios da obra, acompanhamos Glauber
enquanto ele vaga por Salvador em busca de pistas
numa competição com dois rapazes que trabalham
para um rival do seu patrono, lida com o seu cotidiano
de convívio com a mãe e com os amigos, e navega seu
afeto por uma amiga de classe social mais abastada
chamada Ana, alguém que o ajuda com as pistas e em
cuja casa sua mãe já havia trabalhado como empregada
doméstica no passado. Ao nosso ver, o desejo da série
é que, para o espectador, a própria cidade se converta
no prêmio conquistado à medida que Glauber e Ana
vagam por ela, levando a cabo o enredo da caça ao
tesouro. Ao longo das próximas páginas, é exatamente
isso que o capítulo final do nosso livro busca
demonstrar.

4.1. O enredo

Conforme já foi pontuado, o principal fio


narrativo de HUNT se desenha já no começo da obra.
De fato, é ainda no início do seu piloto que todo o
mote narrativo do seriado se explicita. Instado por um
homem desconhecido – mas que, devido ao seu porte,
vestuário e habitação parece ser poderoso (o destinador
que impulsiona a jornada do protagonista), Glauber,
o sujeito narrativo da série, objetiva vencer um jogo
de caça ao tesouro que segue a fórmula de um game
105
digital pelo qual é aficionado, mas que será jogado
nas próprias ruas da cidade de Salvador. O homem
que convida Glauber para o jogo tenta convencer o
rapaz de que seria ele mesmo o destinatário que se
beneficiaria de uma eventual vitória sua, mas a própria
série nos leva a crer que é o senhor que convida o
protagonista, e não o próprio Glauber, quem teria
mais a ganhar com o sucesso do rapaz. Nesta busca
em que entra apenas relutantemente, Glauber conta
também com a ajuda de Ana, sua principal adjuvante,
e a oponência de uma dupla de rapazes que logo
descobrimos terem como patrono um rival do homem
que convidou Glauber para o jogo. Diálogos sugerem
ainda que o jogo é realizado em várias cidades ao redor
do mundo em momentos distintos no tempo, sempre
com dois apostadores, que no Brasil parecem ser
regularmente os respectivos patronos de Glauber e da
dupla que segue em seu encalço.
Conforme estabelecido, a exposição deste fio
narrativo não toma muito tempo no seriado, já sendo
de fato feita em seus primeiros cinco minutos, quando
quase toda a estrutura actancial greimasiana da história
que seguimos ao longo da temporada se torna explícita
– ainda que Ana e os rivais de Glauber no game
demorem um pouco mais para serem introduzidos
no episódio. HUNT, então, põe seu esforço narrativo
muito mais na apresentação de enigmas que precisam
ser desvendados e, sobretudo, na jornada de Glauber
e Ana pela cidade em busca de tentar desvendá-los do
106
que no processo expositivo que antecede todos estes
desenvolvimentos.
A primeira pista que os dois obtém na sua caça
ao tesouro, então, vem diretamente do misterioso
patrono de Glauber, e é apresentada sob o enigma
“Todo grito da cidade / É um lamento do passado /
Que se ouve rua a rua. / De pedaço em pedaço / Um
dia foi o negro / Como bicho amordaçado / E no
outro, sofreu tanto / Um homem santo descalço”. É
na busca por desvendá-la que Glauber alista a ajuda
de Ana, uma garota que de antemão descobrimos
partilhar a sua paixão pelo game digital que inspira o
jogo secretamente jogado nas próprias ruas. Ao ler a
pista, Ana presume que o enigma faz alguma referência
à escravidão, algo que Glauber diz já ter descoberto,
sendo o aspecto mais óbvio da dica. Os dois então
começam a pensar em abolicionistas importantes da
cidade, imaginando que a referência a um “homem
santo descalço” possa aludir a algum tipo de martírio.
A estátua descalça de Zumbi dos Palmares, no Centro
Histórico de Salvador, enfim vem à mente de Glauber,
e a dupla se dirige até lá.
Quando os dois ali chegam, porém, Ana se
mostra incomodada ao perceber que um tapume
cobre parcialmente a estátua, dificultando a procura
da dupla, que se vê impedida de examinar os pés da
escultura (Figura 45). É então que Glauber tem outro
lampejo: não é exatamente a figura que está coberta,
mas sobretudo os seus pés. Isso, lhe parece, seria uma
107
outra orientação para a leitura da pista. Por mártir
que tenha sido, Zumbi não foi um santo no sentido
tradicional, e a ideia de um santo descalço é aquela na
qual eles devem se focar. É então que eles entendem
que Jesus Cristo é a solução para o enigma, sobretudo
frente ao fato de ele ter andado descalço para carregar
a cruz. E aí, a dupla chega à solução do problema: a
próxima pista se encontra na escadaria da Igreja do
Santíssimo Sacramento, que fica ali perto, na Rua
do Paço. Famosas, a Igreja e a sua escadaria têm
significância não só histórica e cultural para a cidade,
mas também audiovisual, sendo ali que foi filmado
O Pagador de Promessas (Anselmo Duarte, 1962),
primeiro filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro em
Cannes (Figura 46).
Ao chegar à escadaria, os dois se veem frustrados
ao não encontrar imediatamente nenhuma pista,
crendo terem interpretado algo errado. Até que passa
por eles um velho padre descalço de coluna curva
subindo os degraus com o auxílio e uma bengala, e ele
derruba aos pés dos dois mais um pequeno envelope
azul. Como se poderia esperar, o envelope contém
a segunda pista de Glauber e Ana, um novo enigma
que outra vez os faz vagar pela cidade, e é aqui que
descobrimos haver uma segunda dupla trabalhando
para um rival do patrono de Glauber, dupla esta que se
encontra no encalço dos dois.
A procura por solucionar essa segunda pista
ocupa boa parte dos dois próximos episódios,
108
Figura 45: Glauber e Ana miram a estátua de Zumbi dos
Palmares com os pés cobertos por um tapume de madeira.
HUNT. Captura feita pelos autores do livro (ep. 01).

Figura 46: Glauber e Ana sentados na escadaria da Rua do


Paço, aos pés da Igreja do Santíssimo Sacramento. HUNT.
Captura feita pelos autores do livro (ep. 01).

109
levando Glauber e Ana a mais lugares historicamente
significativos para Salvador, como o Farol da Barra e
o Corredor da Vitória, onde finalmente encontram a
terceira pista. Como se pode imaginar, este terceiro
enigma impulsiona mais passeios pela cidade e a
descoberta de uma pista final, que leva Glauber a um
último desafio para concluir sua jornada, preparando o
clímax deste fio narrativo.
Observe-se, no entanto, que embora a série
tenha uma estrutura narrativa bastante enxuta, e esse
drama relacionado a seguir as pistas do game configure
a maior parte daquilo que a narrativa nos pede para
acompanhar, no meio tempo em que Glauber e Ana
desvendam as pitas que adquirem, novos elementos
também são adicionados ao drama: a mãe de Glauber,
por exemplo, parece dever uma quantia em dinheiro,
uma informação que seu patrono usa para garantir
que o rapaz siga no jogo. Além disso, Ana chega a
ser brevemente sequestrada e ameaçada em relação
com o seu envolvimento com a busca que ela vem
empreendendo com o amigo; e em um dado momento
a mãe da garota demonstra insatisfação por vê-la tão
próxima do filho da sua ex-empregada, embora a
desculpa que dê para disfarçar seu classismo seja a de
que Ana precisa estudar para o ENEM.
Já quanto ao desafio final em si, ele começa
quando Glauber consegue um endereço onde é
conduzido a uma sala na qual um representante da
dupla rival já se encontra. Ali, em três minutos, cada
110
um dos dois pode ter até três tentativas para adivinhar
uma senha que abre uma maleta trancada (Figura
47). As tentativas devem ser feitas alternadamente, de
modo que cada jogador precisa esperar o outro antes
de tentar de novo. Além disso, o primeiro a abrir a
maleta será declarado vencedor, de modo que o rival
de Glauber, tendo chegado ali antes dele, tem o direito
de empreender a primeira tentativa. Ainda assim,
eles podem ver os códigos inseridos um pelo outro,
de modo a não repetir os erros do rival. Na cena,
um mestre de cerimônias introduz o desafio, que é
observado secretamente pelos patronos de ambos por
trás de um vidro espelhado (Figura 48). Para adivinhar
a senha, a dupla tem uma única pista, conseguida junto
com aquele endereço: “Se chegou até aqui / É porque
provou ser capaz / Mas pro número que sempre quis /
Não desvie os olhos jamais”.
Uma sequência narrativa tensa então se segue,
com o rival de Glauber primeiro inserindo os números
“300” na senha, já que eles tinham três minutos exatos
para tentar adivinhá-la. Glauber, por sua vez, insere
os números “000”, seguido pelo rival que insere os
números “111”, ambos sob a lógica de que não desviar
os olhos do jogo jamais implicaria em retorná-los
para onde tudo começa, o início de tudo. Quando é a
vez do protagonista novamente, buscando a solução
mais simples possível, ele insere o código “123”, que
também se prova errado. O rival de Glauber então
toma seu tempo pensando em uma resposta para
111
Figura 47: Desafio final do jogo, clímax da narrativa. HUNT.
Captura feita pelos autores do livro (ep. 05).

Figura 48: Patronos dos jogadores observam ocultos o


desafio final através de um video espelhado. HUNT. Captura
feita pelos autores do livro (ep. 05).

112
dar na sua última tentativa, e Glauber se desespera,
já que não pode empreender a sua própria tentativa
final antes que o rival conclua a dele. No raciocínio
do protagonista, o rival provavelmente está apenas
esperando o tempo esgotar para que Glauber não
tenha a oportunidade de vencer o jogo. No entanto,
seja esse o caso ou não, o fato é que o desafiante de
Glauber enfim chega a uma linha de raciocínio. Se
ele não deve desviar o olhar, talvez não deva desviá-
lo do que tem na sala: três pessoas (ele, Glauber e o
mestre de cerimônias), duas maletas e um relógio.
“321”, assim, é a senha que ele insere, perdendo sua
última chance de vencer o jogo. É então que, sem
desviar o olhar do próprio símbolo da logomarca do
game, Glauber percebe os números “431” desenhados
de maneira estilizada nas letras da palavra “Hunt”,
acertando o código final e vencendo a caça ao tesouro
(Figura 49 e Figura 50).
No desenlace, somos informados de que o
prêmio – ao menos para Glauber, de modo que seu
patrono certamente tem mais a ganhar com o jogo
do que isso – é uma relíquia da época do Brasil
império, um dos presentes dados por Dom Pedro
II à realeza. Como um prêmio extra, o patrono do
rapaz também o oferece uma quantia em dinheiro,
mas já suficientemente desconfiado do homem, de
suas intenções e mesmo da origem da riqueza dele,
Glauber a recusa. Em voz over, ele nos informa que
sua mãe tomou um empréstimo no banco para pagar
113
Figura 49: Placa com o logo do jogo Hunt enquanto Glauber
decifra o código da maleta. HUNT. Captura feita pelos
autores do livro (ep. 05).

Figura 50: Código da maleta finalmente decifrado. HUNT.


Captura feita pelos autores do livro (ep. 05).

114
as dívidas que vinham se acumulando, e vemos os dois
abraçados juntos sorrindo, o que indica que a situação
pode se resolver de outra forma (Figura 51). Enfim,
também vemos Glauber e Ana sorrindo um para o
outro em um momento íntimo na praia, o que sugere
o desenvolvimento de um relacionamento afetivo entre
os dois, algo que a obra alude ser uma possibilidade
desde o seu início (Figura 52).
Em conclusão, o voz over do protagonista nos
informa que ele deu uma parada nos jogos digitais,
mas continua andando muito “pela cidade mais
linda do mundo”, embora agora o faça apenas para
aproveitar o visual, sempre encontrando uma novidade
em seus passeios. Aqui, esse voz over reforça algo que
é possível entender desde o primeiro episódio: em
HUNT, o mais importante não é o medo de como
o patrono de Glauber pode vir a pressioná-lo ou a
corrida para vencer o jogo, mas sim a exploração
da própria cidade, algo que buscamos demonstrar a
seguir.
Antes, porém, cabe mencionar que o
relacionamento desenvolvido entre Glauber e Ana
compõe uma espécie de fio narrativo secundário na
obra, ainda que sua condução seja bastante sutil. Desde
o primeiro episódio, o afeto entre os dois fica claro, e a
partir do segundo, momentos em que uma intimidade
física maior, embora ainda leve, passam a ser vistos.
Não só isso, mas um amigo de Glauber comenta com
ele sobre sua relação com a garota, e a possibilidade
115
Figura 51: Glauber e a mãe se abraçam sorridentes. HUNT.
Captura feita pelos autores do livro (ep. 05).

Figura 52: Glauber e Ana se mostram íntimos na praia


enquanto sorriem. HUNT. Captura feita pelos autores do
livro (ep. 05).

116
de um romance entre os dois é mencionada. Ao fim
da série, com a cena dos dois juntos na praia, não
fica absolutamente claro se o romance foi enfim
concretizado, mas a ideia de que isso possa ter
ocorrido é fortemente implicada.

4.2. Os personagens

O cerne narrativo de HUNT diz respeito ao vagar


de Glauber e Ana pelas ruas de Salvador, visitando
pontos importantes para a história e cultura da cidade.
Assim, embora a obra conte com a participação de
outras figuras dramáticas, como o patrono da dupla
no jogo de que participam, os rivais de Glauber e Ana
nesse jogo e o patrono de tais rivais no game, nenhuma
destas figuras chega a ser muito desenvolvida,
existindo muito mais para levar o drama adiante do
que para serem exploradas em sua singularidade.
Algo similar, inclusive, ocorre com os indivíduos no
entorno mais pessoal do casal de amigos, povoado de
personagens cuja existência narrativa serve mormente
para adensar a caracterização dos protagonistas do que
para ganhar alma própria.
Dessa forma, figuras como a mãe de Glauber
e o gerente do supermercado onde ele trabalha, por
exemplo, estão ali menos para que suas próprias
personalidades sejam desenvolvidas e mais para
que percebamos a relação carinhosa que Glauber
tem com sua genitora, ou o modo espertalhão, mas
117
ainda afetuoso, com que ele lida com seu gerente. Até
o simpático melhor amigo do protagonista parece
existir menos para que nos encantemos por ele e
mais para auxiliar no adensamento dramático de
Glauber, servindo como “orelha” na narrativa. Ou
seja, ocupando na história a função dramática de ser
um canal para o personagem central verbalizar os
seus pensamentos, e assim tornar eles conhecidos do
público, bem como um canal através do qual dados e
opiniões sobre Glauber podem ser trazidos à história.
Algo similar, inclusive, ocorre com a mãe de Ana, que
só aparece em uma cena menos para entendermos
a sua personalidade e mais para que ela ajude a
caracterizar melhor a da filha, que tem horror ao seu
classismo.
Nesse sentido, alguns exemplos claros desse
uso de coadjuvantes para adensar a caracterização
dos protagonistas podem ser levantados a partir das
interações entre Glauber e o gerente do supermercado
onde trabalha. No terceiro episódio, a título de
ilustração, um encabulado Glauber pede uma
folga ao gerente, explicitando que está com alguns
problemas que gostaria de poder resolver. O homem
então adquire um tom algo acusatório, dizendo que
sabia que havia algo estranho quando notou que
Glauber tinha chegado mais cedo do que de costume
e deixado as prateleiras bem arrumadas. O rapaz,
por sua vez, retruca que sempre chega no horário, e
os dois começam um duelo verbal amigável sobre os
118
atributos de Glauber. O chefe diz: “Glauber, Glauber,
você é um rapaz esperto”; ao que ele retruca: “E muito
responsável”. “É, e cheio de artimanhas”, adiciona o
chefe. “E gente boa”, Glauber segue, ao que o chefe
soma: “E folgado”. Por fim, o protagonista vence o
duelo verbal ao dizer “E vai demorar de encontrar
alguém como eu”. Após um suspiro conformado do
gerente, os dois então chegam a um acordo: Glauber
trabalhará mais uma hora aquele dia, e poderá tirar o
seguinte de folga. Feliz, o personagem então diz que o
homem à sua frente é o melhor gerente dali. Cheio de
orgulho a princípio, o homem logo lembra que ele é,
na verdade, o único gerente do supermercado.
Em uma situação anterior, há um momento
do segundo episódio em que Glauber empilha latas
de molho de tomate em uma prateleira. O chefe
então reclama em um tom ameno que as latas estão
desalinhadas, mas Glauber diz ter que discordar dele,
deixando o homem a princípio espantado, dado o
que seus olhos mesmos veem. Mas, segundo uma
explicação nada científica do rapaz, que enrola o
superior, o fato de as latas terem um formato cilíndrico
gera uma confusão mental em quem as vê, confusão
esta que faz com que achemos que o que é paralelo está
curvo ou torto, e aí Glauber descamba para um debate
físico sem sentido sobre curvatura espacial e buracos
de minhoca. Sem querer parecer estúpido, o chefe
finge saber falar do que o rapaz fala, e o deixa em paz.
Como se vê, claramente não é o caso de o chefe
119
não ter qualquer atributo que o destaque, como
se fosse desprovido de personalidade. Não. Ele é
caracterizado como alguém algo confuso e um tanto
ingênuo que ainda assim tenta ser esperto e manter o
funcionário sob controle, mas a quem Glauber sempre
se prova capaz de enrolar. Assim, o aspecto confuso
do gerente de Glauber, a afetuosidade da sua mãe, o
classismo da mãe de Ana, o mistério e perigo palpáveis
nas interações entre os patronos de Glauber e dos
seus rivais: tudo isso concede personalidade a estas
figuras, e permite que elas ganhem um colorido na
narrativa, não parecendo sem vida. Não obstante isso
tudo, o fato é que ao contrário dos dois protagonistas,
essas figuras são mais planas, e sua caracterização
serve sobretudo de escada para que conheçamos mais
de Glauber, de Ana e da narrativa. Voltando ao caso
do gerente, por exemplo, o duelo verbal entre os dois
ajuda mais a pintar Glauber como alguém “esperto”,
“muito responsável”, “cheio de artimanhas”, “gente
boa”, “folgado” e “sem igual” do que a dar qualquer
densidade maior ao próprio gerente, mesmo que o
coadjuvante ainda assim ganhe algum colorido através
do diálogo.
De tal maneira, ao contrário do que ocorre
a essas figuras secundárias, no que diz respeito ao
próprio Glauber, o fato é que a narrativa faz um
esforço admirável para garantir-lhe personalidade.
Desde o início, conforme mencionado, somos dados
a ver detalhes da decoração do seu quarto que nos
120
informam muito sobre ele, como seu videogame, os
livros de direito e os bonecos geek. O cubo mágico
que vemos já na segunda imagem da série, inclusive,
pode ser visto outras vezes ao longo dela, já na mão do
protagonista, que com frequência brinca com o objeto
(Figura 53 e Figura 54). O voz over, enfim, também
garante que conheçamos muito dos seus pensamos,
bem como o amigo que serve de orelha para o
personagem. Já no caso de Ana, para além da interação
com a mãe, os diálogos entre ela e Glauber são outro
fator que auxilia na apresentação de diversos detalhes
sobre a garota, como o fato de que ela nunca foi muito
boa em história e é tão fanática por games como Hunt
quanto ele.
Tudo isso posto, o que se verifica em termos
de construção de personagens em Hunt é não só
uma narrativa com um elenco reduzido e centrada
mormente em seus dois protagonistas, mas um
esforço em deixar claro para o espectador que o mais
importante para a série é a cidade em si, os lugares
por onde Glauber e Ana perambulam, com toda a
sua carga de historicidade e ampla beleza visual. O
Centro Histórico de Salvador, o Farol da Barra, o
Corredor da Vitória, as largas avenidas da cidade, o seu
estatuário urbano, os belíssimos grafites que adornam
as paredes de seus espaços públicos: é nisso que a obra
quer que foquemos. Para tanto, ela emprega todo o
esmero necessário para desenvolver bem Glauber e
Ana, de modo que a companhia dos dois neste passeio
121
Figura 53: Por hábito, Glauber se encontra com o seu cubo
mágico em mãos. HUNT. Captura feita pelos autores do
livro (ep. 01).

Figura 54: Por hábito, Glauber se encontra com o seu cubo


mágico em mãos. HUNT. Captura feita pelos autores do
livro (ep. 02).

122
por Salvador seja a mais agradável possível, mas não
perde um precioso tempo que a obra prefere dedicar
à sua paixão pela cidade com personagens de menor
importância. É, enfim, ao modo como essa cidade é
construída, e à atmosfera que Hunt lança sobre ela, que
se dedica o próximo e último tópico deste capítulo final
do nosso livro.

4.3. Ambientação, atmosfera e ponderações


finais

De todas as séries analisadas neste livro, HUNT é


sem dúvida a que dá mais peso à construção ambiental,
se plasmando visualmente quase como uma grande
homenagem à cidade de Salvador, o efetivo “tesouro”
que a obra deseja que seu espectador cace. No seriado,
a cidade é um centro urbano mormente marcado pelos
seus espaços públicos abertos, nos quais o perambular
de Glauber e Ana muitas vezes se mostra tão
importante quanto o destino para onde eles seguem em
busca da próxima pista ou da solução para o enigma
da vez. Assim, imagens das personagens andando pela
cidade abundam na obra (Figura 55 e Figura 56), que
também faz em locais públicos um uso relativamente
frequente do estilo de filmagem conhecido como walk
and talk, a partir do qual se filma um diálogo com os
atores em movimento e a câmera os acompanhando.
Nessa mesma direção, é importante reparar
ainda o caráter cosmopolita e altamente urbano que
123
Figura 55: Glauber e Ana perambulam pela cidade. HUNT.
Captura feita pelos autores do livro (ep. 01).

Figura 56: Glauber e Ana perambulam pela cidade. HUNT.


Captura feita pelos autores do livro (ep. 05).

124
a cidade de Salvador ganha em HUNT. Neste mundo
narrativo, o que temos não é uma Bahia mitificada
de casebres, coqueiros e preguiça vespertina à beira-
mar como ocorre tradicionalmente nos universos
dramáticos criados por Caymmi ou Jorge Amado.
Antes, há um enorme destaque visual para as
onipresentes pichações e os estonteantes grafites que
adornam as paredes da cidade, com os quais a câmera
parece ter grande fascínio (Figura 57 a Figura 60).
Prédios altos no estilo arquitetônico pouco inspirado
típico das grandes cidades do capitalismo tardio
espalhados pelas ruas, bem como carros e ônibus de
transporte urbano em constante fluxo de trânsito em
avenidas largas assinalam em HUNT uma metrópole
que, a despeito disso tudo, não deixa de ter lugares
idílicos como o Farol da Barra ou o Centro Histórico
(Figura 61 e Figura 62).
Longe de usar toda essa mescla de elementos
para criar o senso de uma cidade de contrastes ou
algo nessa direção, o seriado evita apresentar todos
esses elementos como se eles estivessem em oposição.
Assim, a obra configura o que mais propriamente
poderia ser considerado um sentimento de sinergia
entre esse idílio criado por belas paisagens com
significado histórico e cultural e a urbanidade pulsante
e metropolitana das grandes avenidas, prédios altos
e paredes pichadas e grafitadas, como se não fossem
apenas alguns destes elementos que criassem o
encantamento da urbe, mas todos eles. Não à toa, o
125
Figura 57: Glauber e o seu amigo conversam. Parede
pichada ao fundo. HUNT. Captura feita pelos autores do
livro (ep.03).

Figura 58: Glauber e Ana conversam. Parede grafitada ao


fundo. HUNT. Captura feita pelos autores do livro (ep.03).

126
Figura 59: A câmera se movimenta pela cidade, capturando
uma parede pichada. HUNT. Captura feita pelos autores do
livro (ep. 04).

Figura 60: Glauber e Ana resolvem a última pista, cuja


solução se encontra em uma parede grafitada. HUNT.
Captura feita pelos autores do livro (ep. 05).

127
Figura 61: Trânsito em avenidas largas de Salvador, imagem
feita em movimento. HUNT. Captura feita pelos autores do
livro (ep. 02).

Figura 62: Trânsito em avenidas largas de Salvador, imagem


feita em movimento. HUNT. Captura feita pelos autores do
livro (ep. 03).

128
ritmo da série abunda em tempos mortos nos quais
a câmera simplesmente passeia pelo trânsito, se
demorando em nos mostrar todo o fluxo da cidade
em movimento sem que nenhuma situação dramática
precise justificar esses longos passeios pela urbe.
Sonoramente, essa atmosfera de encantamento com
a urbanidade pulsante de Salvador é acompanhada
ainda por músicas que em geral misturam elementos
percussivos e eletrônicos, fazendo alusão tanto às
matrizes africanas da cidade quanto ao aspecto digital
da cultura gamer.
Aliás, no que concerne a esta verve digital e
gamer do seriado, HUNT aproveita o fato de ter
uma narrativa que se debruça sobre uma espécie de
ARG14 para engajar elementos que remetam a isso na
sua composição visual. Assim, por exemplo, quando
os personagens leem pistas que podem levá-los ao
próximo passo na sua caça ao tesouro, vemos caixas de
texto digitais comuns em games sobrepostas à imagem
(Figura 63). Não só isso, mas quando eles chegam em
um lugar novo, por vezes um mapa digital se sobrepõe
à cena, novamente aludindo à ideia de um jogo digital
(Figura 64). Enfim, quando Glauber e Ana trabalham
na solução de pistas ou têm um insight que pode ajudá-
los a desvendá-las, a imagem muitas vezes traduz isso
a partir da introdução de elementos digitais que nos
permitem vislumbrar as linhas de raciocínio pelas
14 Os Jogos de Realidade Alternativa (do inglês, Alternate Reality Games,
por isso abreviados como ARGs), são jogos que fornecem uma experiência
interativa ao combinar elementos de jogos digitais com elementos de
exploração urbana, fazendo da própria cidade a arena do game.
129
Figura 63: Ana lê o texto da pista, que aparece em forma
de imagem digital sobre a tela. HUNT. Captura feita pelos
autores do livro (ep. 01).

Figura 64: Um mapa digital se sobrepõe à imagem e nos


mostra a área de Salvador onde Glauber e Ana chegam.
HUNT. Captura feita pelos autores do livro (ep. 01).

130
quais as mentes dos dois navegam (Figura 65 e Figura
66).
Tudo isso vai ajudando a construir uma narrativa
que em termos de enredo é bastante focada, com
poucos desvios que nos tiram da jornada central de
dois personagens que tentam vencer uma versão de
um jogo que não é um game qualquer para eles. Não,
se trata de uma versão de um jogo digital pelo qual são
aficionados que transborda para a cidade onde moram.
E esses desvios da narrativa central que acabam
havendo na obra, em sua maioria, dizem respeito
ao desenvolvimento da única outra linha narrativa
do seriado, aquela que acompanha justamente o
desenrolar de uma relação afetiva entre Glauber e
Ana, os dois membros da dupla de protagonistas.
Não só isso, mas a série também pouco se demora
com a caracterização e o adensamento de figuras
dramáticas cujo papel é secundário, dando-lhes o
mínimo de características necessário para parecerem
indivíduos críveis, mas só se preocupando realmente
em desenvolver Glauber e Ana. Isso tudo, no entanto,
é feito deliberadamente, não apenas porque a ação
central em si é interessante, mas sobretudo porque
aquilo em que o seriado busca concentrar esforços na
construção do seu mundo narrativo é o desenhar de
uma metrópole que pede para ser explorada. Assim,
o que fica ao final da série é o convite para que nós
mesmos entremos em uma partida de Hunt no qual o
prêmio maior é em si a cidade de Salvador.
131
Figura 65: Glauber e Ana tentam resolver uma das pistas,
seu raciocínio ilustrado digitalmente na imagem. HUNT.
Captura feita pelos autores do livro (ep. 02).

Figura 66: Glauber tem um insight sobre a solução de uma


das pistas, seu raciocínio ilustrado digitalmente na imagem.
HUNT. Captura feita pelos autores do livro (ep. 03).

132
Considerações finais

A cabo da leitura deste pequeno livro, esperamos


ter cumprido o nosso propósito inicial, antes de mais
nada dando um primeiro passo em direção a suprir a
lacuna que o universo acadêmico ainda tem de análises
detidas da dramaturgia de obras ficcionais televisivas
produzidas fora do eixo Rio-São Paulo, em especial
quando se contempla o Nordeste, e mais ainda a Bahia.
Certamente, este primeiro passo ainda é bastante
limitado no quanto consegue avançar nesse sentido,
e é inegável que novas pesquisas precisam ser feitas
para observar o funcionamento interno de um número
maior de séries baianas. Ainda assim, tampouco
gostaríamos de minimizar o orgulho que sentimos ao
concluir esse primeiro esforço, salientando a pequena
contribuição que ele dá para que a academia lance um
olhar mais sério sobre as séries baianas não apenas
como produtos de um mercado audiovisual, mas como
efetivas obras. Nessa direção, queremos encorajar
outros pesquisadores a darem passos semelhantes na
mesma toada, aumentando o corpo de trabalhos que
se dispõem a lançar um olhar mais dedicado sobre as
produções regionais.
133
Por certo, também desejamos que jovens baianos
interessados em ingressar no universo audiovisual
seriado encontrem aqui um exame de obras que
podem lhes servir de inspiração, conforme era outro
dos nossos objetivos iniciais. Afinal, este trabalho
é dedicado não apenas aos pares da academia, mas
também aos agentes do mercado que creem que é,
sim, possível produzir ficção seriada de qualidade na
Bahia. Já quanto ao desejo de legar memória escrita do
audiovisual baiano um discurso detido sobre três séries
que merecem ter seu lugar preservado nesta memória,
de todos os nossos objetivos iniciais, esse é sem dúvida
o que mais veementemente acreditamos ter cumprido.
A cabo das análises aqui conduzidas, temos toda a
certeza que Sonhadores, Aventuras de Amí e HUNT são
séries mais do que dignas de discursos dedicados à sua
preservação. Só esperamos, talvez como um quarto
objetivo, que os criadores destas obras sintam que o
nosso discurso em específico sobre elas lhes fez jus.
E que o nosso leitor se encante por essas
produções como nós nos encantamos.
Que ele consiga apreciar a narrativa de
formação que Sonhadores constrói para Rafa e olhar
que o garoto lança sobre seu pai Miguel, sobretudo
ponderando a tessitura de uma intriga que vai da
separação à reconciliação dos pais do garoto, e o
sem número de situações secundárias que a série nos
permite apreciar no caminho. Que se encante por
todos os paralelismos que a obra constrói entre as
134
jornadas de pai e filho, e por aquele mundo narrativo
em que adolescentes e adultos parecem viver em
continentes separados, a uma distância intransponível
a não ser através da ponte que apenas Rafa faz. Que
aprecie a verve contracultural da série e todas as
referências retrô das paredes da casa do garoto, e a
melancolia agridoce que o jovem vê no mundo ao seu
redor.
Sim, esperamos que o nosso leitor, como nós,
se delicie com o modo como sem sair de casa, Amí
e Tim conseguem transformar o mundo ordinário
à sua volta em algo formidável. Que se delicie com
a capacidade que aquelas crianças têm de construir
metrópoles de papelão que bebês gigantes destroem
inadvertidamente, e de voar usando apenas as penas
de suas fantasias carnavalescas. Que ele seja capaz de
apreciar as sutis e ainda assim potentes referências à
identidade negra de Dora, e o humor que se encontra
ali não só para as crianças, mas também para aqueles
que acompanham o seriado junto com os seus
pequenos.
Enfim, esperamos que ele se encante por
Glauber e sua Salvador gamificada. Pela cidade que
combina em sinergia o idílio de belas paisagens
históricas e o caos das grandes avenidas e dos prédios
altos do capitalismo tardio. Que ele sinta a pulsação
daquela urbe em que a preservação do Farol da Barra
e o Centro Histórico encontram a beleza mais recente
das paredes grafitadas, em que o som percussivo
135
encontra a batida eletrônica, e tudo isso se combina em
harmonia.
Em suma, esperamos que nosso leitor se
encante e se inspire pela ficção seriada televisiva baiana
ao ler esse texto, quer esta inspiração o impulsione
apenas a assisti-las, caso seja um espectador
despretensioso; a produzir novos mundos ficcionais
centrados nas suas próprias visões da Bahia, caso seja
um criador; e ase dispor a olhar com mais seriedade,
rigor e atenção para a dramaturgia da ficção seriada
produzida em nosso estado caso, como nós, ele seja
um pesquisador.

136
Referências
Bibliográficas
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In: SOUZA, Maria Carmem Jacob De; ALVES, Lynn
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Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/handle/
ri/32929>. Acesso em: 7 maio. 2022.

140
Apêndice – Os resultados
do mapeamento inicial15

A – Texto padrão do e-mail enviado às produtoras

Olá prezados da [nome da empresa],

Sou Marcelo Lima, roteirista de HQs e audiovisual


atuante em Feira de Santana e Salvador e professor de
roteiro para séries animadas da Usina do Drama (UFBa)
e do projeto Narrativas (Benditas).

Venho por meio deste email apresentar a pesquisa


Vários Mundos, Uma Bahia, e convidá-los a participar.
Vários Mundos, Uma Bahia é um projeto de pesquisa
financiado pelo Edital de Audiovisual da SECULT -
Bahia, que desenvolvo em parceria com o pesquisador
Doutor João Araújo (UFBa), também professor da
Usina do Drama e do Narrativas.

15 As respostas foram adequadamente formatadas, mas tomou-se a decisão editorial de não fazer
revisões ou correções a elas por razões éticas, posto que foram preenchidas pelas próprias empresas.
Embora tenhamos identificado o financiamento de projetos de séries de ficção de outras produtoras
além das que se encontram aqui, tais produtoras não responderam ao nosso contato inicial solici-
tando o preenchimento dos formulários voltados a coletar dados sobre essas séries, e por isso se
encontram ausentes deste apêndice. Tais produtoras, e as séries para as quais receberam financia-
mento, foram: Caranguejeira Filmes (Dias de Tempestade), DocDoma Filmes (Cicatriz; Francisco só
quer jogar bola; Tabuh!), Imagine Studios de Animação (Pé e Cabeça; Cainã), Inspirar Ideias (Cabeça
e Homem), Mulher de Bigode Filme e Produções (Rabisco), Origem Comunicação (Tori, a Detetive;
Belatrix; Bill, O Touro; Turma da Harmonia; Fábulas de Bulccan; Tadinha), Rosza Filmes (Prosperi-
dade), Santo Guerreiro (Música da Minha Vida) e Sereia Filmes (BOTECAM).
141
O projeto objetiva mapear as ficções seriadas baianas
produzidas nos últimos 10 anos e analisar os aspectos
narrativos e estéticos destas obras, assim construindo
um panorama poético das séries baianas. A intenção não
é fazer uma crítica, mas descrever as escolhas estilísticas
dos criadores baianos. Ao fim do projeto vamos publicar
um livro digital gratuito com os resultados, além de
realizar uma palestra aberta na UFBa.

Para que a pesquisa seja realizada é essencial contar


com a sua participação. Levantamos a existência de
110 séries baianas financiadas entre 2009 e 2019, sendo
42 séries de ficção. Desta amostra, identificamos as
seguintes obras sob sua responsabilidade:

[Obras sob responsabilidade da empresa].

Desejamos saber se estariam dispostos a colaborar com


nossa pesquisa, preenchendo algumas informações
sobre os projetos para formarmos nossa base de dados.

As informações podem ser adicionadas à tabela que


se encontra neste formulário Google: [link para um
formulário em forma de tabela cujos campos são
mostrados abaixo].

Se houver algum campo para o qual não haja respostas,


apenas informar “Não se aplica”.
142
Gostaríamos muito de contar com sua participação
para nos ajudar a construir o melhor panorama possível
e contribuir para a preservação da memória do nosso
audiovisual. Para nos mantermos nos prazos do projeto
perante a Secult é importante termos um retorno de
participação até o dia 31/07 (sexta-feira, 31 de julho).

Caso deseje saber mais sobre o projeto, anexamos o


texto de Identificação da proposta e estamos à disposição
para conversar e tirar dúvidas.

Um grande abraço e obrigado pela atenção,


Marcelo Lima e João Araújo.

143
B – Campos do formulário enviado às empresas

Série
Empresa Coprodutora (se houver)
Em que fase se encontra? (produção, finalização, exibição ou
já exibida)
Canais / Plataformas de exibição. Se possível, destacar a
primeira janela
Ainda se encontra em exibição? Onde?
Criadores/ Produtores
Sinopse
Formato (Nº de Episódios X Duração e Nº De Temporadas)
Ano (da primeira exibição)
O piloto da série se encontra online (via streaming ou
plataforma de vídeos)? Se sim, informar Link.
Prêmios/ Audiência/ Outras informações
Links e Sites do Projeto

C – Resposta da produtora Benditas

Pequeno Tratado de Pequenas Coisas (Live-


Série
Action)

Empresa Coprodutora (se


n/a
houver)

Em que fase se encontra?


(produção, finalização, exibição Montagem
ou já exibida)

Canais / Plataformas de exibição.


Se possível, destacar a primeira TV Kirimurê (não-exclusiva)
janela.

Ainda se encontra em exibição?


n/a
Onde?

Roteiro e direção: Sofia Federico / Produção:


Criadores/ Produtores
Tatti Carvalho, Andrea Gama, Marcos Povoas

144
Maíra é uma indígena que vive na cidade,
longe de sua aldeia. Tudo o que ela mais quer
Sinopse é consertar o mundo com diálogo e desejo de
conciliação. O chato é que todos os problemas
do mundo estão sempre ao redor da sua casa.

Formato (Nº de Episódios X


Uma temporada/ 5 x 13min
Duração e Nº De Temporadas)

Ano (da primeira exibição) n/a

O piloto da série se encontra


online (via streaming ou
não
plataforma de vídeos)? Se sim,
informar Link.

Projeto selecionado no edital Arte na TV


Prêmios/ Audiência/ Outras (ano 2) da Fundação Gregório de Mattos
informações (coinvestimento regional ANCINE FSA
BRDE).

Links e Sites do Projeto www.benditas.art.br

D – Resposta da produtora CineArts

Série Pequeno Gigante


Empresa Coprodutora
Produção Larty Mark Digital
(se houver)
Em que fase se
encontra? (produção,
Exibição
finalização, exibição ou
já exibida)
Canais / Plataformas de
exibição. Se possível, TVs Blublicas doBrasil, Em destaque TV E Bahia, TV
destacar a primeira Cultura,
janela.
Ainda se encontra em Em todos as Tvs Publicas, eles tem o direito até o final
exibição? Onde? de 2020.
Direção: Anderson Soares Caldas
Produção Executiva: Aline Cléa e Wiltonauar Moura
Roteiro: Anderson Soares Caldas, Gustavo Erick, Jarbas
Criadores/ Produtores
Éssi, Lia Vasconcelos, Sylvio Gonçalves e Vitor Sousa.
Direção de Fotografia: Antônio Luiz Mendes
Direção de Arte e Figurino: Elias Antoine

145
Pequeno Gigante narra a trajetória de Davi, jovem
oriundo da comunidade quilombola da ilha Itaparica.
Agora na Cidade de Salvador, ele luta contra a
especulação imobiliária. Para impedir a desapropriação
Sinopse
de sua comunidade, Davi se lança no emaranhado do
jogo político, o que pode custar seus valores morais,
herdados do seu mestre Grió Negro Mármore, ou pior,
sua própria sua vida.
Formato (Nº de
Episódios X Duração e Ficção. / 13 Episódios 26 min / Drama / Política
Nº De Temporadas)
Ano (da primeira
2020/ Brasil
exibição)
O piloto da série
se encontra online Temos piloto, mas não dispónivel, posso disponibilizar
(via streaming ou para a pesquisa de vocês, mas não pode ser divulgado,
plataforma de vídeos)? pois foi realizadfo com outros atores.
Se sim, informar Link.
Prêmios/ Audiência/
Outras informações
youtube - https://www.youtube.com/
c h a n n e l / U C n _ 3 C J 9 k 3 e u U i L Q P - - 2 9 Q 6 w
Instagran - @pequenogigante.serietv
Links e Sites do Projeto

facebook- https://www.facebook.com/pequenogigante.
serietv/

E – Resposta da produtora Griot Filmes / Takapy


Digitar Art

Pequenos Narradores: Comunidade (Animação)


Série
- Takapy

Empresa Coprodutora (se


Takapy Digitar Art + Griot Filmes
houver)

Em que fase se encontra?


(produção, finalização, exibição Em finalização
ou já exibida)

Canais / Plataformas de
exibição. Se possível, destacar a TV Aratu será a primeira janela
primeira janela.

146
Ainda se encontra em exibição?
Onde?

Criadores/ Produtores João Guerra e Marcelo Lima

Sinopse

Formato (Nº de Episódios X


13x7
Duração e Nº De Temporadas)

Ano (da primeira exibição) 2020

O piloto da série se encontra


online (via streaming ou
Não
plataforma de vídeos)? Se sim,
informar Link.

Prêmios/ Audiência/ Outras


informações

Links e Sites do Projeto

Série AUTS (Animação) - Takapy

Empresa Coprodutora (se


Takapy Digitar Art + Griot Filmes
houver)

Em que fase se encontra?


(produção, finalização, exibição Em exibição
ou já exibida)

Canais / Plataformas de
PlayKids, Irdeb, Tv Cultura. TV Ratimbum,
exibição. Se possível, destacar a
TVPE, Youtube e App Próprio
primeira janela.

Ainda se encontra em exibição?


Sim
Onde?

Criadores/ Produtores Renato Barreto

Sinopse

Formato (Nº de Episódios X


26x90"
Duração e Nº De Temporadas)

Ano (da primeira exibição) 2019

147
O piloto da série se encontra
online (via streaming ou
Sim, no youtube ou app Auts
plataforma de vídeos)? Se sim,
informar Link.

Prêmios/ Audiência/ Outras


informações

Links e Sites do Projeto eusouauts.com.br

Série Galera da Praia - Musical (Animação) - Griot

Empresa Coprodutora (se


Takapy Digitar Art + Griot Filmes
houver)

Em que fase se encontra?


(produção, finalização, exibição Em fase de captação.
ou já exibida)

Canais / Plataformas de
exibição. Se possível, destacar a
primeira janela.

Ainda se encontra em exibição?


Onde?

Criadores/ Produtores

Sinopse

Formato (Nº de Episódios X


Duração e Nº De Temporadas)

Ano (da primeira exibição)

O piloto da série se encontra


online (via streaming ou
plataforma de vídeos)? Se sim,
informar Link.

Prêmios/ Audiência/ Outras


informações

Links e Sites do Projeto

Série Galera da Praia - A Série - Griot

148
Empresa Coprodutora (se
Takapy Digitar Art + Griot Filmes
houver)

Em que fase se encontra?


(produção, finalização, exibição Em produção
ou já exibida)

Canais / Plataformas de exibição.


Se possível, destacar a primeira
janela.

Ainda se encontra em exibição?


Onde?

Criadores/ Produtores

Sinopse

Formato (Nº de Episódios X


13x7'
Duração e Nº De Temporadas)

Ano (da primeira exibição) 2021

O piloto da série se encontra


online (via streaming ou
plataforma de vídeos)? Se sim,
informar Link.

Prêmios/ Audiência/ Outras


informações

Links e Sites do Projeto

F – Resposta da produtora Hamaca

Série A Bicicleta do Vovô

Empresa Coprodutora (se


houver)

Em que fase se encontra?


(produção, finalização, exibição Exibida
ou já exibida)

Canais / Plataformas de
exibição. Se possível, destacar a TV Brasil e TVE Bahia
primeira janela.

149
Ainda se encontra em exibição?
Não
Onde?

Henrique Dantas, Tacilla Siqueira, Paulo


Criadores/ Produtores Fernandez. Produção: Marcello Gurgel e
Camila Machado.

“A Bicicleta do Vovô” é um curta para crianças


e adultos que fala da relação mágica entre
avô e neto. O mundo imaginário, O Reino do
Sertão Pelejado, homens-morcegos capturam
lendas através de televisores. Surgem, então,
o Super Tigre e o Mestre Conselheiro para
Sinopse
salvar o nosso planeta das forças malíguinas
da Feiticeira Mabá. É com essas histórias, que
vô Rui transforma a infância do neto Cauê
em um universo de aventuras e fantasias, re-
significando a vida através de olhar mais lúdico
sobre ela.

Formato (Nº de Episódios X


13 episódios de 13 minutos
Duração e Nº De Temporadas)

Ano (da primeira exibição) 2018

O piloto da série se encontra [Um link foi provido pela produtora, mas ele é
online (via streaming ou privado e a senha foi partilhada com a equipe.
plataforma de vídeos)? Se sim, Por isso, tomamos a decisão editorial de
informar Link. remover o link da tabela].

Prêmios/ Audiência/ Outras


informações

Links e Sites do Projeto

G – Resposta da produtora Larty Mark


Série Spa de Tartarugas

Empresa Coprodutora (se


houver)
-
Em que fase se encontra?
(produção, finalização, exibição desenvolvimento
ou já exibida)

150
Canais / Plataformas de
exibição. Se possível, destacar a TVE Bahia
primeira janela.

Ainda se encontra em exibição?


Onde?
-
Criadores/ Produtores José Araripe Jr

SPA DAS TARTARUGAS é uma obra seriada de


ficção recheada de muito humor e drama. Com
Sinopse
08 episódios de 26 min em Digital 4K e áudio 5.1
com altíssimo padrão de qualidade.

Formato (Nº de Episódios X


T1 8Ep26'
Duração e Nº De Temporadas)

Ano (da primeira exibição) -


O piloto da série se encontra
online (via streaming ou
plataforma de vídeos)? Se sim,
-
informar Link.

Prêmios/ Audiência/ Outras


informações
-

Links e Sites do Projeto -

H – Resposta da produtora Liberato1

Série Turma do Xaxado (Animação)

Empresa Coprodutora (se


houver)

Em que fase se encontra?


(produção, finalização, EXIBICAO
exibição ou já exibida)

Canais / Plataformas de
exibição. Se possível, destacar IRDEB (primeira ) e TV ARATU SBT ( segunda )
a primeira janela.

1 Identificamos uma outra série da Liberato financiada em editais


públicos, a Mussarela. No entanto, a produtora não preencheu dados
relacionados a ela no formulário.
151
Ainda se encontra em
exibição? Onde?

Autor desenho Antonio Cedraz, autor roteiro Tom


Criadores/ Produtores
Figueiredo

Sinopse

Formato (Nº de Episódios X


26 eps x 1 minuto
Duração e Nº De Temporadas)

Ano (da primeira exibição) 2014

O piloto da série se encontra


online (via streaming ou
http://liberatoproducoes.com.br/
plataforma de vídeos)? Se
sim, informar Link.

Prêmios/ Audiência/ Outras


informações

Links e Sites do Projeto http://liberatoproducoes.com.br/

I – Resposta da Mantra Filmes

Série Pedro e a Pedra Secreta

Empresa Coprodutora (se


Cine Arts
houver)

Em que fase se encontra?


(produção, finalização, Produção
exibição ou já exibida)

Canais / Plataformas de
exibição. Se possível, TV Kirimurê
destacar a primeira janela.

Ainda se encontra em
exibição? Onde?

Criadores/ Produtores Lenardo Silva, Jarbas Essi, Anderson Soares

PEDRO, um garoto do centro histórico de Salvador,


encontra uma pedra com poderes mágicos, a PEDRA
Sinopse SIMUL, porém ele precisará desvendar os mistérios
de uma expedição secreta que resultou no sumiço de
seu pai.

152
Formato (Nº de Episódios
X Duração e Nº De 06 EP 22`
Temporadas)

Ano (da primeira


exibição)

O piloto da série se
encontra online (via
streaming ou plataforma N
de vídeos)? Se sim,
informar Link.

Prêmios/ Audiência/
N
Outras informações

Links e Sites do Projeto https://www.instagram.com/pedroeapedrasecreta/

J – Resposta da Movioca

Série A Lei do Riso: Crimes Bizarros (Live-Action)

Empresa Coprodutora (se


houver)

Em que fase se encontra?


(produção, finalização, exibição Exibida. Prospecção de Novas Janelas.
ou já exibida)

Canais / Plataformas de
Primeira janela: TV Aratu. Ainda sem outras
exibição. Se possível, destacar a
janelas.
primeira janela.

Ainda se encontra em exibição?


Não.
Onde?

Argumento original, criação


e produção: Amadeu Alban.
Criadores/ Produtores
Criação e Roteiro: Jorge Alencar, Neto Machado
e Gildon Oliveira.

153
“A LEI DO RISO – Crimes Bizarros” é uma
série de TV que tem como proposta registrar
o processo de reconstituição cômica de crimes
reais que, de tão bizarros, viralizaram na
internet e mais parecem ficção. A cada episódio,
Sinopse o elenco vai reencenar a sua versão destes
crimes, acrescentando muito drama, humor
e números musicais. A série se passa quase
totalmente em um estúdio de TV, com ares de
história em quadrinho, incluindo um bom júri
popular entrevistado nas ruas da cidade.

Formato (Nº de Episódios X


13 x 22min
Duração e Nº De Temporadas)

Ano (da primeira exibição) 2018

O piloto da série se encontra


online (via streaming ou
Nao
plataforma de vídeos)? Se sim,
informar Link.

Manteve a audiência da TV Aratu em 3a posição


Prêmios/ Audiência/ Outras
no horário de sábado a noite (19h) perdendo
informações
para novela da Globo e da Record.

Links e Sites do Projeto Não se Aplica

Série Aventuras de Amí (Animação)

Empresa Coprodutora (se


Lanterinha Produções
houver)

Em que fase se encontra?


Exibição de 8 eps, Captação de Recursos para
(produção, finalização,
mais 13 eps.
exibição ou já exibida)

Canais / Plataformas de
Primeira janela: TVE Bahia. Agora disponível na
exibição. Se possível, destacar a
PlayKids. Em negociação com outras janelas.
primeira janela.

Ainda se encontra em exibição?


Sim: TVE e Playkids.
Onde?

Criação / Produção: Maria Carolina e Igor Souza.


Criadores/ Produtores
Produção: Amadeu Alban

154
Aventuras de Amí é uma série sobre o difícil e
delicioso processo do crescimento das crianças,
abordando os ritos de passagem e a dificuldade
em lidar com novas responsabilidades dadas
Sinopse
pelos adultos. A série tem como premissa que,
através da imaginação, é possível resolver os
desafios, transformando o mundo que nos cerca
em um lugar mais divertido e aventureiro.

Formato (Nº de Episódios X


08 x 07 min
Duração e Nº De Temporadas)

Ano (da primeira exibição) 2018

O piloto da série se encontra


online (via streaming ou No Playkids e em breve na plataforma SPFilmes/
plataforma de vídeos)? Se sim, ComKids
informar Link.

Prêmios/ Audiência/ Outras


a TVE não tem informação de audiencia.
informações

Links e Sites do Projeto Não se Aplica

Série Balaclava (Live-Action)

Empresa Coprodutora (se


houver)

Em que fase se encontra?


(produção, finalização, exibição Em pós-produção.
ou já exibida)

Canais / Plataformas de
exibição. Se possível, destacar a Primeira janela: Prime Box Brazil
primeira janela.

Ainda se encontra em exibição?


Não.
Onde?

Criação: Sônia Mariza Aguiar e Iara Sydensticker


Criadores/ Produtores
// Produção: Amadeu Alban

155
A série Balaclava trata do combate a crimes
transnacionais investigados pela Agência
Interamericana de Investigação, a AGI, criada
em Salvador, Bahia. Comandada por Victor
Valli, a agência conta com mais três profissionais
altamente qualificados para combater o crime
Sinopse
organizado em suas mais diversas formas e
universos de ação – redes de saúde, tráfico
de armas e pessoas, pedofilia, dentre outros
- enfrentando grupos e homens poderosos
no mundo globalizado e que jamais foram
desafiados pela Lei.

Formato (Nº de Episódios X


08 x 24min
Duração e Nº De Temporadas)

Ano (da primeira exibição) 2021

O piloto da série se encontra


online (via streaming ou
Não
plataforma de vídeos)? Se sim,
informar Link.

Prêmios/ Audiência/ Outras


Não se Aplica
informações

Links e Sites do Projeto

K – Resposta da Obá Cacauê

Série Sonhadores

Empresa Coprodutora (se


Quanta Bahia
houver)

Em que fase se encontra?


(produção, finalização, Exibição
exibição ou já exibida)

Canais / Plataformas de
A primeira janela foi a TV Kirimurê e depois
exibição. Se possível, destacar
Amazon Prime Video
a primeira janela.

156
Ainda se encontra em exibição?
TV Kirimurê e Amazon Prime Video
Onde?

Julia Ferreira é a criadora, Fabíola Aquino a


Criadores/ Produtores
produtora

A série conta a história de Rafa, adolescente


de grande sensibilidade e seus desafios: o
afastamento de seu pai - tendo que salvá-lo da
Sinopse
pobreza e depressão; a tentativa de reunir os pais;
o bullying na escola; a descoberta da sexualidade
e das drogas.

Formato (Nº de Episódios X 8 eps. Média de 16 min cada episódio. Só há uma


Duração e Nº De Temporadas) temporada.

Ano (da primeira exibição) 2020

O piloto da série se encontra


online (via streaming ou
não se aplica
plataforma de vídeos)? Se sim,
informar Link.

Prêmios/ Audiência/ Outras


não se aplica
informações

Links e Sites do Projeto www.obacacaue.com.br

L – Resposta da Olivas Filmes

Série Hunt

Empresa Coprodutora (se


Não se aplica
houver)

Em que fase se encontra?


(produção, finalização, exibição Já exibida
ou já exibida)

Canais / Plataformas de
exibição. Se possível, destacar a TV Educativa da Bahia
primeira janela.

Ainda se encontra em exibição?


Não
Onde?

Criadores/ Produtores Eduardo Oliveira e Diogo Oliveira

157
“Hunt” é um seriado de aventura que envolve
interatividade e conhecimento da História e
da Cultura do lugar onde o telespectador vive.
A história acompanha a vida de Glauber, um
jovem aficionado por jogos de computador
que se vê envolvido numa “caça ao tesouro”
pelas ruas. Com pistas que se espalham por
Sinopse
todo canto da cidade, ele precisa conhecer
muito bem sobre a História, os monumentos e
as tradições culturais da cidade onde vive para
desvendar os enigmas e chegar a novos desafios.
A primeira temporada, intitulada “HUNT:
Salvador”, foca na capital baiana e nas
descobertas feitas pelos protagonistas aqui.

Formato (Nº de Episódios X 1 temporada, 5 episódios de aproximadamente


Duração e Nº De Temporadas) 15 minutos cada

Ano (da primeira exibição) 2019

O piloto da série se encontra


online (via streaming ou
Não
plataforma de vídeos)? Se sim,
informar Link.

Exibido na Mostra Sesc de cinema, sessão Bahia.


Finalista nos festivais FanChile (Chile) e Festival
Prêmios/ Audiência/ Outras
Colibri (Bolívia). Indicado ao Grande Prêmio do
informações
Cinema Brasileiro 2020, na categoria série para
TV aberta

Links e Sites do Projeto Hunt

M – Resposta da Plano 3

Série Boi Bandido

Empresa Coprodutora (se


Não se aplica.
houver)

Em que fase se encontra?


(produção, finalização, exibição Finalização
ou já exibida)

158
Canais / Plataformas de
exibição. Se possível, destacar a Cine Brasil TV (licenciamento oneroso)
primeira janela.

Ainda se encontra em exibição?


Previsão de estreia no começo de 2021
Onde?

Coletivo Plano 3 Filmes (Paula Gomes, Haroldo


Criadores/ Produtores
Borges, Ernesto Molinero, Marcos Bautista)

Beto tem 15 anos e uma doença degenerativa


que faz com que pouco a pouco ele perca a visão.
Sinopse
Agora, ele tem que correr para ver o mundo, e
aprender a enxergar sob uma nova perspectiva.

Formato (Nº de Episódios X


7 episódios de 26 minutos
Duração e Nº De Temporadas)

Ano (da primeira exibição) 2021

O piloto da série se encontra


online (via streaming ou
Não se aplica
plataforma de vídeos)? Se sim,
informar Link.

Prêmios/ Audiência/ Outras


Não se aplica
informações

Links e Sites do Projeto Em construção

159
Sobre os autores

João Araújo

Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela


Universidade Federal da Bahia (PPGCCC - UFBA), e membro
grupo de pesquisa em Análise de Teleficção (a-tevê). Foi professor
substituto das disciplinas Estética da Comunicação e Oficina de
Comunicação Audiovisual também pela Universidade Federal
da Bahia, e hoje atua como professor, pesquisador, organizador
e coordenador pedagógico em empreendimentos culturais e
acadêmicos diversos.
Dentre esses empreendimentos, na pesquisa, se destacam a
coordenação dos projetos de investigação “Vários Mundos, Uma
Bahia: Um Estudo da Ficção Seriada Baiana” (financiado pelo
Edital Setorial de Audiovisual do Fundo de Cultura da Bahia,
160
2019) e “Jogos de Todos os Santos: um estudo da construção de
mundos ficcionais nos videogames baianos” (Prêmio das Artes
Jorge Portugal 2020 - Premiação Aldir Blanc Bahia).
Já na docência, se destaca a atuação contínua junto ao Centro
de formação de roteiristas de narrativas seriadas para televisão e
internet Estação do Drama (UFBa), com premiações em editais
diversos.

Estou no Lattes: clique aqui.

Estou no Academia.edu: clique aqui.

161
Marcelo Lima

Roteirista e professor de audiovisual e HQs. Doutor em


Comunicação pela UFBa. Recebeu o Prêmio João Ubaldo
Ribeiro da Prefeitura de Salvador (2017) pela adaptação para HQ
do romance “O Bicho que Chegou a Feira”, de Muniz Sodré. Foi
um dos convidados para o Colaboratório Criativo, iniciativa de
inclusão profissional de roteiristas negros com apoio da Netflix.
Escreveu a série animada Auts (Takapy), exibida na PlayKids,
TVE e TV Cultura.
Cocriou as séries animadas Pequenos Narradores (Takapy)
exibida na TV Aratu, e Galera da Praia (Griot Filmes/Tamar/

162
Studio Belli), a ser exibida na TV Rá-Tim-Bum. Foi roteirista das
séries Formula Dreams (Story Productions/SP), Beliche Voador
(Plot Kids/SC); e a segunda temporada da série animada Mundo
Ripilica (Marisol/SP), exibida na Discovery Kids e Amazon
Prime; foi head writer de desenvolvimento de universo ficcional
do personagem Nenê do Zap (Fundação Maria Cecilia Souto
Vidigal) a partir de argumento coescrito com Anna Muylaert;
escreveu o argumento para filme documentário derivado do
álbum QVVJFA?, do rapper Baco Exu do Blues; desenvolveu
seu primeiro longa live-action Caindo no Mundo, uma comédia
universitária passada em Salvador e voltada para o público jovem
adulto com financiamento da Netflix e supervisão de roteiristas
desta plataforma de streaming.
Atualmente desenvolve o projeto transmídia Os Afrofuturistas,
financiado pela SECULT/BA e pelo Itaú Cultural e com HQ a
ser lançada em Abril de 2023 pela Editora Veneta; é roteirista
na Conspiração Filmes desde julho de 2021, onde desenvolve
e escreve projeto de série chefiado por Lázaro Ramos; trabalha
em parceria com a WIP Ventures, de Bruno D’Angelo e Pedro
Pizzolato, no desenvolvimento de IPS autorais.

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Estou no Lattes: clique aqui.

Tenho um site com portfólio, cursos e materiais para


download: clique aqui.

163
Sobre o livro

A partir do mergulho nos três exemplos de “Sonhadores”


(Obá Cacauê, 2020), “Aventuras de Amí” (Movioca e Lanterinha
Produções, 2018) e “HUNT” (Olivas Produções, 2019), este
livro propõe uma análise das marcas estilísticas e narrativas da
ficção seriada audiovisual baiana dos últimos anos. Descrevendo
os recursos dramatúrgicos, visuais, sonoros e cênicos das
obras examinadas, ele é de relevância não só acadêmica, mas
também aos interessados em ingressar no mercado produtivo,
lhes fornecendo um guia do que tem funcionado na área
regionalmente. Originado da constatação de que as pesquisas
que se dedicam aos produtos ficcionais de tevê baianos tendem
a ter um caráter mormente mercadológico, sem se debruçar
sobre as obras em si, o livro foge a essa tendência e faz, assim,
um retrato do cenário da produção ficcional televisiva baiana
recente, ajudando a preservar sua memória. Em sua origem, o
livro surgiu de um projeto de pesquisa maior homônimo, que
envolveu o financiamento da investigação em si e uma palestra
de lançamento e divulgação dos resultados.

O projeto foi contemplado pelo Edital Setorial de Audiovisual


2019 e tem apoio financeiro do Governo do Estado, através do
Fundo de Cultura, Secretaria da Fazenda, Fundação Cultural do
Estado da Bahia e Secretaria de Cultura da Bahia.

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