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Resumo:
1
Mestranda em Literatura e Cinema no Programa de Pós-Graduação em Letras na UFPB.
anavikings@gmail.com.
2
Pós-graduanda na Especialização em Produção e Gestão Cultural na UFCG.
Cristhine.lucena@gmail.com.
Introdução
Nesse novo mapa cinematográfico que se expande para outras localidades que não
partilham de uma tradição “profissionalizada”, mas longeva – como a do cinema
paulista e do carioca – começaram a existir a alguns anos, microssistemas de produção
mais ou menos organizados em torno de coletivos ou núcleos de produção. Por isso,
produções de Pernambuco, de Minas Gerais, do Ceará organizaram cineastas em torno
desses arranjos diferentes das produções profissionais mais tradicionais. (EDUARDO,
2013, pag. 18)
O cinema pós-industrial se constitui com uma outra estética do set e das produtoras.
Grupos e coletivos substituem as produtoras hierarquizadas, com pouca ou nenhuma
separação entre os que pensam e os que executam.O que temos visto nos filmes reflete
novas organizações de trabalho já distantes do modelo industrial. Filmes realizados por
diretores, como é o caso dos dois últimos longas realizados por Guto Parente, Pedro
Diógenes, Ricardo e Luiz Pretti (Estrada Para Ythaca e Os Monstros, na foto ao lado).
Filmes realizados com um diretor e mais 3 diretores na equipe técnica, como é o caso de
O céu sobre os Ombros, de Sérgio Borges ou de Os Residentes, de Tiago Mata
Machado. Ou ainda, Desassossego - Filme das Maravilhas, coordenado por Felipe
Bragança e Marina Meliande, e dirigido por 14 pessoas de diversas partes do país, uma
experiência de produção colaborativa (MIGLIORIN, pag. 2011)
Ainda que não exista uma definição conceitual sobre esse novo cinema
brasileiro, buscaremos apontar algumas características que podem ser encontradas nos
modos de produção destes realizadores: a escolha por realizar um trabalho mais
colaborativo, a maioria dos realizadores tem formação universitária em cinema ou em
escolas livres de audiovisual, a difusão das ferramentas digitais e as estratégias de
difusão digital.
A estruturação colaborativa tem sido o modelo encontrado por alguns dos grupos
que fazem cinema hoje no Brasil. Em alguns identificamos a falta de hierarquia e uma
maior rotatividade na formação das equipes (o montador de um filme dirige outro, por
exemplo).
São diversos grupos de realização formados no Brasil. O mais antigo é o
coletivo Teia, de Belo Horizonte que tem na bagagem seis longas e outros tantos curtas.
O longa Girimunho (2011), de dois componentes da Teia, Clarissa Campolina e
Helvecio Marins Jr teve sua estréia mundial no Festival de Veneza. O coletivo é
identificado como “um centro de pesquisa e produção audiovisual.”
De Pernambuco vem a Símio Filmes com os realizadores Daniel Bandeira,
Gabriel Mascaro e Marcelo Pedroso e a Trincheira Filmes composta por Marcelo
Lordello, Leonardo Lacca e Tião. Os filmes produzidos por esses coletivos estiveram
presentes em grandes festivais de cinema como foi o caso do longa Eles voltam (2012),
de Marcelo Lordello vencendor do festival de Brasília no ano passado.
Outro coletivo que vem ganhando destaque por suas produções é o
Alumbramento, do Ceará. A produção é intensa. Foram produzidos mais de 7 longas e
mais de 30 curtas realizados no esquema colaborativo, com rodízio de funções.
Diante da urgência de colocar seus projetos em execução, muitos dos
realizadores buscam a solução através de financiamento alternativo cuja principal fonte
é o dinheiro do próprio bolso. Para outros coletivos a principal fonte é o dinheiro que é
destinado de editais locais de seus estados. Além dessas possibilidades, existem outras
como as estabelecidas com a televisão pública. Foi o caso dos filmes produzidos com
recursos do DocTV programa do Ministério da Cultura em parceria com as TVs
públicas e a Associação Brasileira de Documentaristas Nacional. O Canal Brasil e TV
Cultural também passaram a estabelecer parcerias de co-produções com os núcleos de
produções.
Essa produção tem aumentado consideravelmente, ocupando cada vez mais
festivais de cinema dentro e fora do país, o circuito comercial de cinema além de outros
espaços como a internet, cineclubes, mas apesar disso, distribuir os filmes e chegar ao
grande público ainda é um desafio.
Neste sentido, identificamos algumas estratégias de distribuição de filmes para
fazer chegar ao público como foi a distribuição coletiva dos novos filmes brasileiros
organizada pela distribuidora Vitrine Filmes com duas edições. Neste pacote foram
lançados comercialmente títulos como Estrada para Ythaca (2010), de Guto Parente,
Luiz Pretti, Pedro Diógenes, Ricardo Pretti, Um Lugar ao Sol (2010), de Gabriel
Mascaro, Chantal Akerman, de Cá (2009), de Gustavo Beck e Leonardo Luiz Ferreira,
Estrada Real da Cachaça (20?), de Pedro Urano, Morro do Céu (2009), de Gustavo
Spolidoro, na primeira edição.
Na segunda edição das exibições foram agrupados os filmes Pacific (2011), de
Marcelo Pedroso, A Fuga da Mulher Gorila, de Felipe Bragança e Marina Meliande, Os
Monstros, de Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Ricardo Pretti, Desassossego
(Filme das Maravilhas), de 14 diretores, Os Residentes, de Tiago Mata Machado,
Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro e Crítico (2008), de Kleber Mendonça
Filho. Outra experiência foi a que o grupo Símio, de Recife fez com a distribuição do
filme Pacific que foi encartado na revista Continente gerando 5000 exemplares.
O panorama atual é promissor. Os filmes dessa geração têm recebido um maior
reconhecimento que extrapolam os circuitos fechados de exibição, conseguindo
apresentar uma renovação na produção cinematográfica brasileira.
Cinema na Paraíba
A escola do cinema paraibano nos seus primórdios até os anos 1980 esteve
muito ligada ao documentário. Essa relação foi iniciada por Walfredo Rodrigues, que
produziu de cine jornais a longas-metragens na década de 1920. O seu filme mais
conhecido foi Sob o céu nordestino (1928), um longa-metragem etnográfico, do qual só
restaram 26 minutos.
Essa tradição se estendeu aos realizadores do chamado ciclo do cinema
documentário do qual participavam Linduarte Noronha, Vladimir Carvalho, João
Ramiro Melo, Ipojuca Pontes, Manfredo Caldas, entre outros. O grande marco dessa
geração foi Aruanda (1960).
O gênero é deixado um pouco de lado com a chegada dos realizadores do
movimento super-oitista que com sua irreverência realizavam filmes com temática gay.
Embora o começo do ciclo tenha sido com o curta Gadanho (1979), de João de Lima e
Pedro Nunes, documentário sobre as condições sub-humanas em que viviam os
moradores do lixão do Roger, na cidade de João Pessoa.
Com a chegada dos anos 2000, a partir de 2003, e com as facilidades das
tecnologias digitais, o crescimento da produção paraibana é ampliado. Outras pessoas
começam a realizar filmes em vídeo digital, HI-8, que são reconhecidos, como Paola
(2003), de Eduardo Chaves, Bom dia, Maria Nazaré (2004), de Bertrand Lira, entre
outros.
Ao longo de sua trajetória, o cinema paraibano alcançou resultados expressivos a
partir dos filmes realizados por cineastas da velha guarda bem como na revelação de
novos autores. Nomes como Torquato Joel, Marcus Villar, Bertrand Lira, Marcélia
Cartaxo, Elisa Cabral dividem a cena com Carlos Dowling, Arthur Lins, Bruno de
Sales, Ely Marques, Tavinho Teixeira, Diego Benevides, Gian Orsini, Mariah Benaglia,
Ian Abé, entre outros.
A maioria das produções do cinema paraibano é reconhecida dentro e fora do
estado, através de lançamentos dos filmes, nas exibições em cineclubes e em festivais
que acontecem no estado. Fora da Paraíba esta produção é aguardada com expectativa e
atenção. É muito comum à produção paraibana receber premiações em diferentes e
importantes eventos do audiovisual brasileiro.
Diante desse quadro de efervescência audiovisual com os meios de produção
mais acessíveis, os realizadores sentiram a necessidade de buscar novas formas de
organização para viabilização dos projetos com ou sem verba de editais.
Filmes a granel
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Empresa estatal brasileira produtora e distribuidora de filmes cinematográficos. Foi extinta em
16 de março de 1990 no governo de Fernando Collor de Mello.
força conjunta como forma de viabilizar os filmes. Diante de um cenário com poucos
editais públicos estaduais e grande demanda de projetos, a cooperativa possibilitou uma
mudança no modo de fazer filmes na Paraíba. Esse modelo coloca a produção do
audiovisual paraibano em harmonia com uma parcela da produção contemporânea em
busca de novos modelos de organização, como o financiamento de seus próprios filmes.
A estrutura da cooperativa é muito simples e funciona como um consórcio onde
cada realizador é sorteado e tem o seu projeto realizado no período estimado de três
meses. Com o desembolso pessoal de R$ 50,00 mensais, cada realizador/cooperado
recebe R$ 1.000 para realizar o seu projeto. A cooperativa estabeleceu uma parceria
com o SEBRAE local para ampliar o valor investido. Nesta nova configuração, alguns
filmes tiveram seus orçamentos duplicados com o investimento do SEBRAE.
Uma das características dos filmes produzidos na cooperativa é necessidade de
adequar os roteiros a um esquema de produção rápido, barato e sob controle. Assim a
maioria dos projetos apresenta características comuns de produção: equipes reduzidas,
uma única locação, poucos atores e poucos dias de gravação.
Apesar da premissa da cooperativa propor um financiamento alternativo para
realização de filmes de baixíssimo orçamento, não se perde de vista a necessidade de ter
profissionais capazes para viabilizar os projetos dentro dos moldes da Filmes a Granel
que é manter uma equipe pequena, utilizar equipamentos próprios ou cedidos pelos
parceiros da cooperativa e uma estrutura de produção enxuta e adaptável ao pouco
recurso.
Como as produções possuem um recurso reduzido, este é destinado para cobrir
despesas de produção, nunca para pagamento de equipe. Desta forma, a distribuição dos
profissionais e funções desempenhadas no projeto da cooperativa é dividida da seguinte
forma:
A produtora Pigmento Cinematográfico é responsável por coordenar os
investimentos da cooperativa, organizar as filmagens dos curtas, dá o suporte técnico e
contábil, além de promover e divulgar os trabalhos individualmente dos projetos
consorciados também produz os DVDs da cooperativa.
Cada projeto da cooperativa tem suas equipes formadas por seu proponente que
exerce a função de diretor/produtor. As outras funções essenciais nas equipes dos filmes
são diretor de fotografia, técnico de som direto, diretor de arte (no caso dos filmes de
ficção), editor de vídeo, assistente de direção, etc.
A relação de trabalho desenvolvido na cooperativa se apresenta como um
ambiente colaborativo onde os profissionais envolvidos nos filmes se organizam
normalmente como uma espécie de coletivo. Assim, são estabelecidas algumas
combinações como permuta de equipamentos, troca de idéias e força de trabalho entre
cada filme.
A cada cinco filmes realizados é feito um DVD coletânea para venda. As cópias
do DVD são distribuídas em partes iguais entre os realizadores presentes no DVD, de
modo que a venda dos DVDs lhes traga o total do recurso investido. De sua fundação
até agora, foram produzidos 10 filmes, dos quais um longa-metragem. Encontra-se em
fase de produção 10 filmes. O 1º DVD contendo cinco filmes da cooperativa foi lançado
em 2011 com uma tiragem de 1000 cópias que foram colocados à venda. Além dessa
estrutura de distribuição, os filmes produzidos e lançados pela cooperativa são
agrupados na TV Granel para a difusão na internet.
Os filmes da cooperativa têm despertado interesse e começam a circular no país
em diversos festivais, como o Cine Esquema Novo em Porto Alegre, na Mostra de
Cinema de Ouro Preto e no Femina – Festival internacional de Cinema Feminino,
Festival Internacional de Curtas de São Paulo, Festival Internacional de Curtas do Rio
de Janeiro, 15º Forum.doc.BH, Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte,
Janela Internacional de Cinema do Recife, Mostra de Cinema de Tiradentes, entre
outros. Além da obtenção de prêmios, como foi o caso do filme A felicidade dos peixes
(2011), de Arthur Lins. Em 2012, a Cooperativa foi premiada no Edital de Fomento a
Iniciativas Empreendedoras e Inovadoras – Categoria Modelos de Gestão da Secretaria
da Economia Criativa pelo reconhecimento da iniciativa.
Por fim, os filmes realizados na Cooperativa não apenas valorizam os traços
culturais da região, mas propõem reflexões acerca da própria cultura. Temas religiosos,
como o culto à Iemanjá, personagens solitários, filme de gênero, solidão nas cidades,
Road movie, questão de gênero entre outros temas foram incorporados em obras que não
se furtam de questionar o conceito de tradição popular e a construção híbrida da
identidade de um povo.
Além dos resultados objetivos, o modelo de produção da Filmes a Granel trouxe
novas perspectivas para a produção local e possibilitou projetos com o espírito da
cooperativa, baseado na coletividade. A Cooperativa é um exemplo prático de como
uma empresa pode se associar a sociedade civil organizada para produzir cultura e
conhecimento, usando criativamente a força de trabalho colaborativo de seus
participantes.
Filmes realizados
Oferenda, de Ana Bárbara Ramos
- 5º Cineport - Festival de cinema de países de língua portuguesa – Menção honrosa
Em processo de finalização
Walter Paparazzo, de Otto Cabral
S.O.S samichunga planet, de Guga S. Rocha.
Gatilho de prata, de Bruno de Sales
Considerações finais
A cooperativa Filmes a Granel representa um novo modelo de realização
audiovisual na Paraíba. Nesse contexto, a produção colaborativa possibilitou um respiro
na cena cinematográfica local para as questões que envolvem desde a produção à
distribuição. Os realizadores passaram a produzir mais e com a produção de DVDs para
venda e distribuição em cineclubes, os filmes tem maior alcance de público.
O movimento criado a partir dos novos arranjos de produção extrapola a idéia de
que são filmes produzidos por um coletivo, atinge toda a cadeia produtiva,
principalmente desconstrói os modelos tradicionais que limitam o campo de atuação das
produções. A lógica do mercado passou a ter outro foco, a força da criação e
organização. Nesse campo torna-se mais fácil a proliferação de boas idéias e estratégias
de ação que subvertem a ordem industrial.
Assim os filmes são produzidos e podem seguir um caminho próprio, além dos
festivais, são absorvidos pelas janelas alternativas de exibição, na internet, cineclubes e
dvds.
Referências
MELEIRO, Alessandra (org.). Cinema e Mercado. São Paulo: Escrituras Editora, 2010.
MIGLIORIN, Cezar. Por um cinema pós-industrial: Notas para um debate. In: Revista
Cinética. Fevereiro de 2011. Disponível em:Acesso em 05/03/2011.