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CINE

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EMA
Cinema na
Paraíba em
1970 e 1980
Do Super-8 ao Direto,
uma Produção Alternativa

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ÍND
PÁGINA 5
APRESENTAçÃO

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DICE
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esentação
POR Lara Santos de Amorim e Fernando Trevas Falcone

Em 2010, em parceria com a Balafon Produtora, o Laboratório de An-


tropologia Visual – Arandu e o Núcleo de Documentação Cinematográfi-
ca – NUDOC, ambos da UFPB, produziram em João Pessoa a Mostra Jean
Rouch, uma retrospectiva da obra do antropólogo cineasta que passou por vá-
rias capitais brasileiras entre 2009 e 2010. A “volta de Rouch à Paraíba”, com
37 filmes, entre eles filmes inéditos e desconhecidos de muitos pesquisado-
res da área de cinema e antropologia, movimentou a relação de muitos de nós,
professores da UFPB, com o cinema paraibano.
Afinal, em 1979, uma cooperação entre Rouch e a Universidade Federal da
Paraíba plantou no meio acadêmico e cultural da cidade uma maneira de registrar
imagens em audiovisual que, ao mesmo tempo em que lançou frutos como os que
veremos no acervo digitalizado, provocou também polêmicas entre realizadores
quanto ao estilo do Cinema Direto e ao uso do Super-8. Em meio a esta percep-
ção, alguns professores do curso de antropologia e de cinema da UFPB resolveram
pesquisar e recuperar um pouco desta memória que envolveu aquele momento
efervescente de produção audiovisual na Paraíba. A ideia foi “tornar público” (no
sentido de dar ao público o direito de ter acesso) filmes e registros que foram feitos
no final da década de 1970 e ao longo de 1980 e que estavam depositados no acer-
vo do NUDOC, na UFPB, além de arquivos particulares. Assim nasceu este proje-
to que se propôs a catalogar e digitalizar em torno de 100 filmes e registros (filmes
sem nenhum tipo de edição) – nem todos chegaram a ser digitalizados devido ao
estado físico do filme – em película, que, a partir de agora, estarão disponíveis em
um website para serem assistidos e visualizados por qualquer interessado, sejam
especialistas ou leigos.
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apresen
Resultado do patrocínio do Programa Petrobras Cultural, Cinema Paraibano: Me-
mória e Preservação traz para a discussão teórica e para a apreciação do público fil-
mes realizados na Paraíba nas décadas de 1970 e 1980. A filmografia pesquisada,
com 92 títulos, é em sua maioria constituída de produções na bitola Super-8, que
estavam distante dos circuitos exibidores, mesmo os mais alternativos. O mesmo
acontecia com os poucos títulos produzidos em 16 mm.
Em alguns desses filmes não identificamos ano, produção, direção ou título.
Considerando que se trata de acervo, optamos por catalogar e mesmo exibir es-
tes filmes sem que esta informação pudesse ser confirmada, pois a ideia é recu-
perar a memória do filme, de sua realização e a questão autoral, neste caso se
tornaria uma informação que se perdeu no processo. Tais lacunas poderão ser
preenchidas com a circulação dessa publicação ou com a visita ao nosso websi-
te, através de informações fornecidas por pessoas ligadas às produções com
ficha técnica incompleta.
Quase todos os filmes Super-8 aqui destacados não possuíam cópias, sen-
do, portanto, matrizes únicas. A sua projeção convencional, no caso de algum
dano, poderia comprometer a integridade autoral dos filmes. Dessa forma, fa-
zia-se necessário transpor os filmes para o formato digital, possibilitando a sua
exibição e preservando as matrizes.
A parceria com o fotógrafo Roberto Buzzini foi fundamental para a materia-
lização de um dos objetivos do Cinema Paraibano: Memória e Preservação. Buzzini foi
o responsável pela telecinagem dos filmes coletados ao longo da pesquisa empre-
endida entre os anos de 2012 e 2013 no acervo do NUDOC e em arquivos par-
ticulares. Aliando apuro técnico e sensibilidade artística, a telecinagem permitiu
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resgatar uma parte significativa do cinema paraibano relegada ao esquecimento,
uma vez que estava fora de circulação há pelo menos 25 anos. Em entrevista, ele
deixa nesta publicação seu depoimento sobre a relação que estabeleceu com a
película e com o nosso projeto.
Indo além dos limites da filmografia aqui levantada e detalhada em sinopses
e fichas técnicas no final do livro, os autores dos textos desta publicação trazem
argutas reflexões sobre a produção cinematográfica paraibana e brasileira no for-
mato alternativo do Super-8.
Abrindo o debate, a antropóloga Lara Amorim apresenta o Projeto Cinema Pa-
raibano: Memória e Preservação refletindo sobre a pesquisa que embasa os diferentes
momentos que vão da catalogação do acervo de filmes depositados no NUDOC,
telecinagem, realização da mostra de filmes em João Pessoa e editoração deste
livro à publicação final do conteúdo em um website. Neste sentido, relaciona os
ciclos de produção do documentário paraibano com questões que envolvem a me-
mória e a patrimonialização de acervos imagéticos. Enfatiza, sob uma perspectiva
antropológica, a relação entre a produção audiovisual e questões de identidade e
a possibilidade de se pensar o produto audiovisual como um “bem patrimonial” e
um “dispositivo de memória coletiva”.
O texto inédito de Rubens Machado revela, em tom intimista, o desenvolvi-
mento de um circuito de filmes e festivais no Brasil, em plena ditadura militar.
Machado ressalta o caráter provocativo e renovador da produção superoitista e seu
diálogo com as artes visuais, com a indústria cultural veiculada pela televisão e sua
relação com a revolução comportamental deflagrada na década de 1960.
Integrante de uma geração de realizadores paraibanos surgida no final da dé-
cada de 1970, Pedro Nunes ressalta o tema da sexualidade e da subversão da
linguagem documental mais convencional em filmes do início da década de 1980.
É dele também a entrevista inédita aqui publicada, com o cineasta e agitador cul-
tural pernambucano Jomard Muniz de Britto, autor de uma vasta filmografia em
Super-8, tendo atuado também na Paraíba como professor e realizador.
Bertrand Lira aponta a estruturação, na Paraíba, de um núcleo de produ-
ção fílmica baseado nos conceitos do Cinema Direto. Fruto de convênio entre
a Universidade Federal da Paraíba e a francesa Associação Varan, esse núcleo
possibilitou o desenvolvimento de uma geração de realizadores, em sua maio-
ria ainda em atividade, caso do próprio Bertrand, autor de documentários e
mais recentemente, de filme ficcional.
Em seu texto, João de Lima Gomes, também cineasta da geração surgida em
fins da década de 1970, detalha os caminhos percorridos entre franceses e parai-
banos para a implementação de atelier de Cinema Direto na Paraíba, que resultou
na criação do NUDOC. A dupla condição de realizador e pesquisador não o im-
pediu o trio de exercer a observação crítica de quem conhece profundamente os
filmes e o período em estudo.
Fechando a reflexão que esta publicação propõe, Fernando Trevas Falcone des-

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taca a importância da temática social na produção paraibana, desde a eclosão do
ciclo de cinema documentário na Paraíba com o clássico Aruanda, passando pelos
filmes realizados nas bitolas Super-8 e 16 mm nas décadas de 1970 e 1980 enfa-
tizando questões ligadas à miséria urbana, lutas camponesas, trabalho, política
cultural e meio ambiente.
Foi, portanto, fundamental para o nossa empreitada a estreita colaboração dos
autores desta antologia, outra proposta do Cinema Paraibano: Memória e Preservação.
Todos eles, desde o início, mostraram-se receptivos ao projeto, colaborando não
apenas com a cessão de seus textos, mas também com sugestões e incentivos. A
todos, nosso agradecimento.
Devemos fazer também menção à inestimável cooperação do professor João de
Lima Gomes, coordenador do NUDOC. Além de facilitar nosso acesso aos arqui-
vos da instituição, ajudou-nos ao longo de várias etapas da pesquisa, revelando-se
parceiro desde a concepção inicial do projeto.
Alex Santos, Ana Glória Madruga, Elisa Cabral, Henrique Magalhães e Pe-
dro Nunes generosamente emprestaram filmes de seus acervos para o projeto. A
eles, nossa gratidão. O produtor executivo deste projeto, Paulo Henrique Sousa,
atuando em sintonia com as diretrizes do mesmo, possibilitou-nos uma relação
produtiva com a Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão da UFPB – FUNAPE,
nosso braço burocrático e proponente do projeto junto ao Ministério da Cultura e
à Petrobras, fundamental para a viabilidade da pesquisa.
No trabalho de garimpagem dos filmes selecionados para a telecinagem e
no processo de catalogação dos filmes contamos com o suporte eficiente e aten-
to de Chico Sales. Cineasta e pesquisador, Sales revelou entusiasmo constan-
te na tarefa nem sempre fácil de projetar, minutar e observar detalhes de mais
de uma centena de fitas, muitas delas sem título ou qualquer outra referência.
Além disso, foi o responsável pela inserção das cartelas de apresentação dos filmes
em suas versões digitalizadas.
O esforço em buscar detalhes desses títulos pode ser observado na filmografia
que ora publicamos, restrita, como dissemos, às fitas digitalizadas pelo projeto, não
sendo um levantamento definitivo, mas efetivamente parcial da produção parai-
bana dos anos 1970 e 1980. Nela estão ausentes nomes importantes do cinema da
Paraíba, como Vladimir Carvalho, Machado Bittencourt, Manfredo Caldas, entre
outros, que pelas mais diversas razões não foram objeto da pesquisa empreendida.
Mais que uma tentativa de mapear a produção paraibana como um todo, nosso
projeto é um recorte temático que, pelas condições práticas permitidas ao longo do
projeto – de apenas 18 meses de trabalho efetivo –, permitiu-nos chegar a essa fil-
mografia, que deixamos à disposição de pesquisadores dispostos a percorrer novos
caminhos a partir dos filmes digitalizados.
Além do material impresso, o projeto disponibiliza ao público, através do website
www.cinepbmemoria.com.br os textos aqui apresentados, e uma seleção de
filmes que poderão ser vistos em sua integralidade.

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PRESERVANDO O
“CINEMA PURO”
Entrevista com Roberto Buzzini

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O processo de telecinagem dos fil- tes de se tornar produtor independente.
mes catalogados pelo projeto Cinema Incentivado por Reichenbach, a par-
Paraibano: Memória e Preservação foi con- tir de 1993 dedicou-se a trabalhos de
duzido por Roberto Buzzini. Diretor de revelação de filmes realizados em Su-
fotografia dos longas-metragens Snuff, per-8 por profissionais e estudantes de
Vítimas do Prazer (Carlos Cunha, 1977) cinema. Em sua empresa, a RB Movie
ao lado de Carlos Reichenbach e Pro- House - misto de laboratório e produ-
fissão Mulher (Carlos Cunha, 1984), ele tora -, Buzzini realiza telecinagem de
atuou como fotógrafo, produtor e di- filmes Super-8 e 16 mm, além de locar
retor de documentários institucionais câmeras dessas bitolas para produtoras
e filmes publicitários nas décadas de de publicidade, realizadores de docu-
1960, 1970 e 1980. Nesse período, Bu- mentários e filmes de ficção.
zzini trabalhou em produções de Jean Aliando sua grande experiência e
Mazon, famoso por seus filmes para habilidade técnica com a paixão pelo
grandes empresas públicas e privadas, e “cinema puro”, termo que ele explica
Jacques Deheinzelin, veterano fotógrafo na entrevista, Buzzini foi fundamental
vindo dos estúdios da Vera Cruz e um para o sucesso do processo de telecina-
dos pioneiros na realização de filmes gem dos filmes do projeto Cinema Parai-
publicitários na televisão brasileira, an- bano: Memória e Preservação.

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Você faz parte de uma geração de reali- 1970, presenciei, junto com Carlos Rei-
zadores formada em uma época em que chenbach, conhecido cineasta paulista, e
se trabalhava exclusivamente com a pe- outros realizadores, grupos de estudantes
lícula. Como foi para você a chegada do de cinema que estavam maravilhados
formato digital? com os curtas assistidos. E nós comentá-
vamos, com muita decepção, a decisão
A introdução lenta do formato di- da Kodak brasileira de deixar de reve-
gital no mercado audiovisual levou um lar filmes Super-8 aqui no Brasil, assim
tempo razoável para ser percebida pe- como o fechamento do único laboratório
los profissionais da área. Durante esse que também processava esse tipo de fil-
período houve uma grande resistência, me, obrigando os realizadores e alunos
principalmente para aqueles que, como de Cinema, a maioria da ECA-USP, a
eu, preferem continuar a utilizar câme- enviar seus rolinhos para os Estados Uni-
ras com o uso de películas. Esses carís- dos para serem revelados. Nesse momen-
simos equipamentos já haviam sido pa- to, o Carlão (Reichenbach) que ministra-
gos há muito tempo, e não havia ainda va na época aulas de roteiro na ECA, me
uma boa razão para deixarem de con- perguntou se seria possível pesquisar a
tinuar a serem utilizados durante esse possibilidade de processar em meu labo-
período de amadurecimento do digital. ratório fotográfico filmes Super-8.
As películas cinematográficas estão len- Após inúmeros e desgastantes testes
tamente deixando de ser fabricadas, com esse tipo de filme, minha empresa
restando apenas poucos tipos de filme, (Casa de Cinema, na época), instalada
mas tem-se a expectativa de que, pelo em Itú, interior de São Paulo, por vol-
menos com a continuidade desses produ- ta de 1994 ou 1995 e por amor ao ci-
tos disponíveis ainda no mercado, con- nema em película, iniciou a revelação
tinuem a suprir a necessidade daqueles de cartuchos Super-8, para a alegria de
profissionais para que, como eu, aman- centenas de amantes dessa bitola, que na
te do cinema puro, possam usufruir dos época ainda era uma forma economica-
maravilhosos encantos da imagem gra- mente viável de produzir curtas. E ainda
vada em superfície de nitrato de prata, trabalhamos durante alguns anos juntos
transparente e com alma! ao Festival de Gramado, incentivando a
galera amante do Super-8. Foi assim que
Quando você começou a trabalhar com criamos na mesma época, na “Casa de
a manipulação e revelação do Super-8? Cinema”, agora RB Movie House, a Di-
Houve algum evento que se destacou em visão Super 8/16 mm.
sua trajetória pessoal que te levou a este
caminho?

Em 1992, durante uma mostra retros-


pectiva de filmes Super-8 no Museu da
Imagem e Som de São Paulo, após a exi-
bição de inúmeros filmes da década de

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Ao conhecer seu laboratório, notamos Como foi o processo de restauração e te-
que você é um colecionador de câmeras, lecinagem dos filmes do projeto Cinema
projetores e material para revelação e Paraibano: Memória e Preservação?
copiagem. Fale desse seu acervo pessoal.
Devido ao complexo estado de alguns
As câmeras Super-8 e 16 mm são uti- filmes, tive que fazer adaptações em nos-
lizadas por alunos de cinema e produto- so telecine. Alguns trechos de filmes tive-
ras clientes da minha “Casa de Cinema”, ram cuidados especiais. O importante é
que locam esses equipamentos, utilizan- que o resultado final, a imagem e, princi-
do principalmente as imagens produzi- palmente, o som, me agradou muito!
das em seus trabalhos escolares ou pro-
duções profissionais em todo o Brasil. E Que outros tipos de trabalhos você tem
há também realizadores independentes, feito para outros projetos, nesta mesma
que querem inserir em seus documen- linha de preservação e recuperação de
tários para a TV imagens captadas em acervo de filmes realizados fora do cir-
película. Algumas câmeras e projetores cuito comercial?
muito antigos foram utilizados por mim
durante o início da minha carreira, na Este é o primeiro grande acervo de
década de 1950. Tenho verdadeiro fas- produções em Super-8 e alguns em 16
cínio pelos complicados mecanismos in- mm que digitalizamos, e que deu um
ternos desses antigos equipamentos. Eles imenso prazer.
são verdadeiras obras da arte, mecânica
pura, sem comando eletrônico. Os filmes catalogados pelo projeto foram
realizados, em sua maioria, no início da
Você refere-se habitualmente ao “cine- década de 1980 e não têm cópias. As fi-
ma puro”? O que significa esta expressão tas foram exibidas em diversas ocasiões,
para você? nem sempre em condições ideais. Como
você avalia o estado das películas? O
Na verdade, para mim, “cinema puro” som e a imagem mantiveram uma boa
é aquela produção que tem suas imagens qualidade?
captadas em película fotográfica, sensível
à luz. É o cinema de Lumiére, de Cha- Embora as cores da maioria desses
plin. São centenas de profissionais como filmes se encontrem desbotadas, conse-
eu, em todo o mundo, apaixonados pelas guimos restaurar boa parte. Devido ao
imagens captadas dessa forma. Gosto se som ter sido gravado em uma estreita
usar a frase de um cineasta americano: fita de gravador de poliéster, semelhan-
“tenho o celuloide no meu sangue”. São te a uma fita de “mini cassete”, colada
essas pessoas que ajudam a mover eco- na beirada do filme, o áudio perma-
nomicamente o meu laboratório, assim nece implacável durante dezenas de
como outros em todo o mundo. Afinal, a anos! Por esta razão, percebemos uma
película ainda está sendo utilizada e de- excelente qualidade de som.
morará algum tempo para desaparecer.

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A maior parte do acervo reunido pelo Quais as grandes diferenças, em sua
projeto é de filmes Super-8. Quais as ca- opinião, entre os filmes realizados em
racterísticas desta bitola, comparada aos película e os feitos através do processo
filmes 16 mm e 35 mm? digital?

Tanto a Kodak como a extinta FUJI A praticidade do digital, associada


sempre fabricaram tiras de filme com a ao baixo custo de captação, com certeza
largura de aproximadamente 70 mm, traz inúmeros benefícios, principalmente
que são cortadas duas vezes (35 mm) para aqueles realizadores que se preocu-
ou quatro vezes (16 mm) ou ainda oito pam apenas em contar uma história. Afi-
vezes (8 mm). Quanto menor o foto- nal, o público não está muito interessado
grama, menor a definição da imagem. na forma de captação, principalmente
Cineastas em todo o mundo, quando em uma época em que a maioria dos di-
esses filmes eram disponíveis com cus- retores não resiste em fazer algum tipo
tos razoáveis, e em função da lingua- de efeito especial em seus filmes. Esta é a
gem fotográfica que queriam imprimir principal diferença.
em suas realizações, escolhiam uma A Kodak é hoje a única empresa que
dessas diferentes texturas. continua na fabricação de toda uma li-
No caso específico do Super-8, na nha de filmes para câmeras 35 mm, 16
época da realização dos diferentes cur- mm e alguns tipos de câmeras Super-8.
tas do projeto Cinema Paraibano: Memória Nos Estados Unidos, a aquisição desse
e Preservação existiam dois tipos de filme material virgem é bastante acessível para
color positivo fabricados pela Kodak nas qualquer realizador que prefira traba-
década de 1970 e 1980. Um tipo, com lhar com película. O consumo desses
maior definição da imagem e das cores, filmes pelas grandes produções ameri-
indicado para a luz do dia, escolhido canas e mesmo da Europa são mais do
pela maioria dos realizadores, e resultan- que suficientes para que a Kodak conti-
do em uma qualidade muito boa! Outro nue a fabricação dessas películas. Aqui
tipo com razoável definição, indicado no Brasil os custos são muito elevados,
para ambientes com pouca iluminação. principalmente com a alta do dólar.
A escolha dessa bitola na época se deu Como não existe praticamente diferença
pelo fato dos custos serem bastante re- entre o custo de produção em Super-8
duzidos em comparação aos 16mm e 35 para o filme de 16 mm, estamos fazen-
mm. Filmar com som direto seria ter o do o possível para viabilizar o 16 mm
filme praticamente pronto sem despesas a baixo custo, para aqueles como eu,
de pós-produção! que preferem o cinema puro. Muitos
jovens interessados por cinema têm me
procurado, ansiosos por experimentar
a película. Segundo eles, o digital não
tem graça; eles sentem mais prazer em
captar imagens com filme.

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TECNOLOGIA
E ESTéTICA:
O Super-8 funda a estilística do
direto no cinema paraibano nos
anos 1980

POR BERTRAND LIRA

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RESUMO
A captação da imagem em sincro-
nia com o som foi uma aspiração dos
documentaristas no mundo a partir da
década de 1930, o que veio a se con-
cretizar plenamente nos anos 1960. As
inovações tecnológicas da época funda-
ram a estética do cinema direto/verda-
de. Na Paraíba, apenas em 1979 é re-
alizado o primeiro documentário com
som sincrônico. Na década seguinte, o
Super-8 proporciona uma significativa
produção de documentários com pro-
cedimentos estilísticos do direto, sedi-
mentando essa forma de fazer cinema
até os dias atuais no estado.

Palavras-chave: Cinema direto. Cinema


paraibano. Cinema verdade. Documentário.
Super-8.

Bertrand Lira é cineasta IMAGEM


e prof. Dr. do Programa de
Pós-graduação em Comuni-
É Romão pra
cação (PPGC/UFPB) e do
qui é Romão
Departamento de Comuni-
pra colá
Elisa Cabral, 1982,
cação em Mídias Digitais do
14 min.
CCHLA/UFPB .

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INTRODUÇÃO
As inovações tecnológicas no campo do registro da imagem e do som cinema-
tográficos vão redundar em novos procedimentos estilísticos nos anos 1960 com a
consolidação do cinema direto. É o período compreendido entre os anos de 1960 e
1963, com produções de Jean Rouch e Mario Ruspoli (França), do grupo capitanea-
do por Robert Drew (Estados Unidos) e das pesquisas do National Film Board (Ca-
nadá), que vão definir essa nova forma de abordagem do real que viria a configurar
o estilo documental dos anos subsequentes.
O novo estilo documental, levado a cabo nos países acima citados, é fruto dos
avanços tecnológicos na captação da imagem e do som iniciados nos anos do pós-
guerra, que redundaram no aparecimento na França, Canadá e Estados Unidos do
chamado “grupo sincrônico ligeiro”, ou “grupo sincrônico cinematográfico leve”,
como prefere Gauthier (2011). O primeiro a ser criado na França foi em 1960, com
o encontro de André Coutant (idealizador da câmera Éclair - cujo protótipo é de
1959) e o etnógrafo Jean Rouch, do Comitê Internacional do Filme Etnológico e
Sociológico do Museu do Homem de Paris. Ramos (2008) enumera uma série de
aperfeiçoamentos que levaram ao surgimento do grupo: câmera menor e mais leve,
que a libertou do tripé e possibilitou a “câmera-na-mão”; rolos de filme virgens mais
extensos permitindo tomadas mais longas; películas mais sensíveis que poderiam dis-
pensar ou minimizar o uso de aparatos de iluminação; isolamento acústico da câ-
mera para evitar a interferência do seu próprio ruído (blimpagem); e a substituição do
som ótico pela banda magnética e sua sincronização na tomada estão entre as mais
significativas conquistas dos realizadores do período.
A portabilidade dos equipamentos de cinema permite aos realizadores o exercício
de uma ética documental mais engajada no corpo a corpo com o real. Crônicas de um
verão (Jean Rouch e Edgar Morin, 1960/1961) torna-se o filme-marco do que viria
a ser chamado, num primeiro momento, de cinéma verité pelos franceses. Em breve,
mais exatamente a partir de 1963, os franceses vão adotar a nomenclatura “cinema
direto” (direct cinema) dos anglo-saxões, segundo Da-Rin (2004), por proposição de
Mario Ruspoli, que a considera mais neutra: era o “o cinema em tomada direta so-
bre a realidade”. Os anglo-saxões, por sua vez, vão se deixar fascinar pela denomina-
ção cinéma verité. As duas escolas, no entanto, seguem modos de abordagem distintos
na representação do real. A tendência observacional do cinema direto, predomi-
nante no Canadá e Estados Unidos, enfatiza a tomada em recuo, o distanciamento
do cineasta do tema abordado. O cinema direto francês (participativo), ao contrário
da escola anglo-saxã, usa procedimentos estilísticos que revelam a intervenção do
cineasta e sua interação com os sujeitos e tema de sua representação.

Como “cinema verdade”, a ideia enfatiza que essa é a verdade de um encontro em vez
da verdade absoluta ou não manipulada. Vemos como o cineasta e as pessoas que

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representam seu tema negociam um relacionamento, como interagem, que formas de
poder e controle entram em jogo e que níveis de revelação e relação nascem dessa
forma específica de encontro (NICHOLS, 2005, p. 155).

A rigor, o documentário participativo teria origem nas propostas estéticas de O


homem da câmera (Dziga Vertov, 1929), onde vemos acontecer esse encontro entre ci-
neasta e o tema representado na tela. A introdução do termo cinéma verité entre os
franceses é atribuída ao crítico e historiador Georges Sadoul, a partir de um termo
ambivalente de Vertov (o Kino Pravda, cinema verdade) com o qual o cineasta soviéti-
co nomeara seu suplemento cinematográfico do jornal La Pravda. O próprio Sadoul
(apud GAUTHIER, 2011, p. 92) reconheceria o erro numa autocrítica: “Eu me
deixei enganar por uma tradução literal e apressada numa época em que eu ignora-
va todos os textos de Vertov”. No contexto ideológico do momento, a denominação
“cinema verdade” passa a ser incômoda para a escola documental francesa do direto.
No Brasil, o percurso no emprego do som sincrônico foi mais árduo e marca-
do por improvisações da parte dos nossos documentaristas e técnicos por motivos
óbvios: um país periférico, sem um contexto favorável de “experiência histórica/
progresso técnico/liberdade de criação” que, como observa Gauthier (2011, p.85),
proporcionou aos canadenses (com o Office national du film, em Montreal), aos fran-
ceses (com o Comitê do Filme Etnográfico, em Paris) e aos estadunidenses (com o
grupo de Leacock e Drew) uma produção efervescente do cinema direto.
É o sueco Arne Sucksdorf que vai introduzir no Brasil a tecnologia da “câmera
maneira” e do gravador Nagra com a formação de técnicos locais. Ramos (2008)
observa que, embora o “som sincrônico na tomada” fosse um fetiche tecnológico dos
documentaristas da nova geração de realizadores, seu uso não se deu de forma gene-
ralizada devido às dificuldades técnicas do seu emprego. A voz over do documentário
clássico, segundo o autor, ainda vai dominar a produção documentarista brasileira
dos anos seguintes. Na Paraíba, como veremos, o uso do som sincrônico só vai acon-
tecer no final da década de 1970. Portanto, não é de estranhar esse aparecimento
tardio, já que a tecnologia iria se estabilizar nos países centrais a partir de meados
dos anos 1960.
Na Paraíba, O que conto do Sertão é isso (1979) de José Umbelino e Romero Azevedo
inaugura a estilística do cinema direto entre nós com o uso, pela primeira vez, de
falas sincrônicas. O título anuncia, de certa forma, a presença dos sujeitos da fala,
isto é, os atores sociais. A tradição de duas décadas de voz over no cinema documen-
tal paraibano, no modo da abordagem do real denominado por Nichols (2005) de
“expositivo” e por Ramos (2008) de “ética educativa” para o que conhecemos como
“documentário clássico”, dá lugar a entrevistas e depoimentos de pessoas comuns
no papel de atores sociais, abandonando a postura de um sujeito onisciente que faz
asserções, supostamente imparciais, sobre um determinado tema e emergindo um
sujeito que intervém, participa e interage.
O documentário de José Umbelino e Romero Azevedo, iniciado em 1978 e fina-
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lizado em 1979, é uma produção da Universidade Federal da Paraíba, onde ambos
eram professores no campus de Campina Grande. Com 32 minutos de duração, o
filme foi rodado em 16 mm e com um gravador modelo Stellavox SU8. É o próprio
Umbelino que nos informa sobre essa incursão no sincrônico:

Usamos o som direto no “O que eu conto do sertão é isso...”, logo no início do filme
quando a personagem fala do sertão e dá o título ao filme. Fizemos outras cenas com
som direto: o discurso do líder sindical, encerrando o filme. Enfim, o padre e etc. Po-
rém, numa grande parte do filme o som entra em off, e por fim, optamos usar a fala
da camponês como narrador (UMBELINO, 2013).

Outro documentarista, que se aventurou no som sincrônico para o registro de


depoimentos de realizadores sobre o cinema paraibano dos anos 1960 desde Aruanda,
foi Manfredo Caldas. Parte dos depoimentos foi filmada em 1979 para aproveitar
a presença de realizadores paraibanos em João Pessoa durante a VIII Jornada de
Cinema da Bahia sediada, pela primeira vez, fora do estado de origem. Cinema pa-
raibano – vinte anos, segundo Caldas (2013), “tem 90% das filmagens em som direto,
realizadas na capital paraibana. O filme foi uma produção da extinta Embrafilme
em coprodução com a UFPB”.
Na década de 1970, uma produção documentária, anterior às aventuras no som
sincrônico de 1979 com O que conto do Sertão é isso e Cinema paraibano – vinte anos, é
narrada pela voz de um dos seus personagens, “Barra Limpa”, apelido de José dos
Santos em A pedra da riqueza (Vladimir Carvalho, 1975). Percebemos aí um desejo do
direto no encontro do realizador com o seu tema. Sobre o filme, Marinho observa:

Em A pedra da riqueza, de Vladimir de Carvalho, o tratamento direto e verticalizado


do problema da relação do homem com o trabalho de exploração do minério não
descuida de um tratamento poético da imagem, que dá à obra um valor estético não
muito comum nos filmes que tratam de temas semelhantes (MARINHO, 1998, p. 102).

Não há som sincrônico nesse filme rodado em 35 mm, com 15 minutos de dura-
ção, mas o depoimento do personagem tem a espontaneidade de alguém que dialoga
com um interlocutor, que não vemos e não escutamos como viria a ser uma constante
no cinema direto. Além da fala de “Barra Limpa”, ouvimos as sonoridades assíncro-
nas do ambiente da mina de xelita pontuadas com a música atonal e minimalista
de Fernando Cerqueira. No cinema direto, o diretor adquire, às vezes, o status de
personagem, sobretudo na sua vertente participativa/interativa. Acreditamos que
Carvalho teria se tornado um personagem nesse filme se a tecnologia estivesse à sua
disposição naquele momento.

20
O SUPER-8 E A SEDIMENTAÇÃO DO CINEMA DIRETO NA PARAÍBA
O ano de 1979 traz também dois acontecimentos importantes para o cinema
paraibano cujos desdobramentos vão se dar na década seguinte: a realização da
VIII Jornada Brasileira de Cinema da Bahia que, excepcionalmente, acontecia em
João Pessoa em setembro daquele ano, e a criação do Núcleo de Documentação
Cinematográfica da Universidade Federal da Paraíba (Nudoc) que dará um impulso
à produção local no campo do documentário, sobretudo na estilística do direto da
escola francesa. A vinda da Jornada da Bahia à cidade envolveu a Universidade
Federal da Paraíba, através da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários, Ministério
da Educação e Cultura, Funarte, Embrafilme, Itamarati e Governo do Estado da
Paraíba. Pelo número de entidades envolvidas percebe-se a relevância da realização
da Jornada para o cinema paraibano.
Durante o evento, um grupo de cineastas paraibanos promoveu um encontro en-
tre o reitor da UFPB, Lynaldo Cavalcanti, o governador do Estado, Tarcísio Burity
e o diretor geral da Embrafilme, a fim de reivindicarem um apoio à produção cine-
matográfica da Paraíba. O resultado dessa mobilização foi a criação do Nudoc e a
posterior aquisição de equipamentos de produção audiovisual (uma câmera 16 mm,
câmeras, projetores, editores e gravadores para a bitola Super-8) pela UFPB. Parte
desse material veio do Centro de Formação em Cinema Direto de Paris, depois do
acordo feito durante a Jornada, entre a UFPB e o Comitê do Filme Etnográfico de
Paris, representado por Jean-Rouch e o cineasta Jacques D’Arthuys, para a criação
de um atelier de cinema direto na universidade, no campus de João Pessoa.
Após o regresso dos professores Pedro Santos e Jurandy Moura de Paris, onde
frequentaram o Centre de Recherche et Formation au cinéma direct de Paris, que oferecia
estágios regulares de formação em cinema documental no estilo direto, tem início
a elaboração do projeto para o primeiro estágio de realização em documentários
diretos em João Pessoa, o que só se concretiza em março de 1981 no recém-criado
Núcleo de Documentação Cinematográfica. Este estágio pioneiro teve aproxima-
damente quatro meses de duração e consistiu em uma introdução teórica, com a
exibição e análise de filmes, na sua maioria documentários, com vários deles produ-
zidos durante estágios semelhantes em Paris. No restante do curso, era dada ênfase
à prática de realização: nos primeiros 15 de aulas o aluno era estimulado a realizar
um pequeno exercício com câmera Super-8 sobre uma ação qualquer (uma pessoa
que entra numa cantina e bebe um café, por exemplo). Aproximadamente um mês
depois, fazia-se o segundo exercício, este com o tema escolhido pelo próprio aluno
que deveria colocá-lo em discussão antes de filmá-lo. Para isto eram fornecidos dois
cassetes (cartuchos) em Super-8 com três minutos de duração e câmera que regis-
trava sincronicamente som e imagem. O terceiro exercício (o filme final) não tinha,
teoricamente, limite em relação aos cartuchos utilizados e cada estagiário poderia
utilizar quantos fossem necessários.

21
Durante o estágio em cinema direto realizado em João Pessoa, em 1981, e em
Paris, no verão de 1982, no Centro de Pesquisa e Formação em Cinema Direto na
Association Varan, o conceito de cinema direto nos foi passado através de um texto de
Marie e outros (1975) intitulado Lecture du Film. Aqui foi traduzido pelo professor
Pedro Santos, fotocopiado e distribuído entre os estagiários. Os autores discutem es-
tratégias a serem adotadas na realização de um documentário direto numa tentativa
de sistematizar procedimentos e técnicas que envolveriam esse modo de abordagem
do real na sua linha interativa (ou participativa) adotada pela escola francesa.
Os procedimentos estilísticos do direto enfatizam o registro sincrônico da imagem
e do som e a ideia de que é o próprio ato de filmagem que gera o evento fílmico.
Gauthier (2011) observa que sem a existência dessa “técnica nova”, a do cinema
direto (som sincrônico, câmera leve etc.), os realizadores não poderiam ter logrado
a intimidade, o corpo a corpo, com os sujeitos de suas obras. E cita o neorrealista
italiano Cezare Zavattini que, em seu diário de 1952, expressava essa necessidade, só
satisfeita, como vimos, a partir dos anos 1960 com o som sincrônico e câmeras mais
leves e portáteis. Isso possibilitou, segundo Ramos, que o documentário passasse a
“enunciar por asserções dialógicas”, ou seja,

O mundo parece poder falar por si, e a fala do mundo, a fala das pessoas, é predomi-
nantemente dialógica. A tendência mais participativa do cinema direto/verdade intro-
duz no documentário uma nova maneira de enunciar: a entrevista ou o depoimento.
[...] A voz do saber, em sua nova forma, perde a exclusividade da modalidade over.
Ainda tempos a voz over, mas os enunciados assertivos são assumidos por entre-
vistas, depoimentos de especialistas, diálogos, filmes de arquivo (flexionados para
enunciar as asserções de que a narrativa necessita). O documentário, portanto, se
caracteriza como narrativa que possui vozes diversas que falam do mundo, ou de si
(RAMOS, 2008, p. 23-4).

Neste sentido, é o Super-8 que vai potencializar a abertura do documentário


paraibano, nos anos 1980, para uma narrativa dialógica, onde as vozes dos sujeitos
representados contribuem de forma decisiva para a representação do tema enuncia-
do. A tecnologia do cinema superoitista leva ao extremo a portabilidade e leveza dos
equipamentos de captação de som e imagem, já que incorpora à câmera o registro
do som. Considerada uma tecnologia amadora pelos profissionais do cinema, o Su-
per-8 possibilitou a formação de uma geração de realizadores em todo o mundo.
Na Paraíba, a estética do cinema direto, iniciada com O que eu conto do Sertão é isso, na
década anterior, passa a ser usada de forma sistemática na década de 1980, com a
aquisição de câmeras, microfones e ilhas de edição para os estágios promovidos pelo
Nudoc da UFPB, em convênio com o governo francês, que garantiu a vinda de rea-
lizadores como Jacques D’Arthuys, Philippe Constantini, Séverin Blanchet e Mirelle
Abramovici para a formação de novos realizadores em João Pessoa.
Dentro dos preceitos técnicos e estéticos do cinema direto, foi realizada toda a

22
produção em Super-8 do Nudoc durante os três estágios de treinamento, entre 1981
e 1983, com a formação de mão de obra para a realização cinematográfica. O pro-
duto desses estágios eram filmes voltados para uma abordagem sócio-antropológica
dos temas enfocados, cuja tônica era a relação do homem com a família, com seu
trabalho, a questão da sobrevivência e também suas crenças e imaginário religioso.
Enquadra-se nesta linha documental o filme Visões do Mangue (Elisa Cabral, 1982) que
trabalha as lendas e mitos dos pescadores de caranguejo em Livramento – vilarejo
do litoral paraibano, mais precisamente a entidade Batatão, o “dono do mangue”.
A Seca, de Torquato Joel, trata-se de um documentário sobre a vida de campone-
ses que habitam na bacia do açude de Orós (interior do Ceará) na época da grande
estiagem de 1981. Ele enfoca, através de uma família, o problema da emigração
causado pelas secas naquela região e as frentes de trabalho criadas pelo governo.
Entre os personagens que relatam seus infortúnios com a falta de chuvas, destaca-se
um personagem singular: um barbeiro que vive da troca de seu trabalho por objetos
e alimentos que vão garantir sua sobrevivência. Ele nos dá informações sobre a vida
simples e sobre os modos de trabalho de um Sertão arcaico à época da realização do
documentário.
Percebemos, nesses filmes, uma preocupação com a condição do homem na so-
ciedade e em denunciar a sua situação de oprimido. Lira (1986) observa que na épo-
ca em que foram realizados, o país se encontrava em processo de redemocratização
de suas instituições políticas e sociais. Toda essa geração havia tomado consciência,
há pouco tempo, dos anos de obscurantismo político por qual passara o Brasil nos úl-
timos 20 anos. Esses temas eram constantemente discutidos pela imprensa e também
nas salas de aula dos cursos da área de humanas. Daí a preocupação em analisar e
refletir esses problemas que afetavam a sociedade brasileira.
A vida de um trabalhador da construção civil é o núcleo do filme Mestre de obras,
(Newton Araújo Júnior, 1981). Logo na primeira cena, ouve-se a voz do cineasta
perguntando o que Seu José, o mestre de obras do título, gostaria que as pessoas
soubessem dele. Daí o filme segue essa orientação do personagem, mostrando a sua
família – morando numa casa inacabada – e seu relacionamento com os amigos da
construção civil. Newton encomendou a música ao cantor e compositor Chico César,
na época estudante do Departamento de Comunicação e Artes da UFPB, como era
também parcela significativa dos estagiários do Nudoc. Essa intervenção direta do
cineasta, oferecendo ao personagem a possibilidade de conduzir a narrativa de sua
própria história, é uma das marcas do estilo direto.
Seguindo ainda uma temática sociológica temos Romão praqui, Romão pracolá, (Vâ-
nia Perazzo, 1981). Romão é um trabalhador do campo que tem apreço pela música
e tenta fazer dessa arte um meio de vida. Perazzo, em seu filme, registra momentos
interessantes da vida deste “músico”, que constrói seu próprio instrumento musical –
uma espécie de berimbau de lata, madeira e arame, com o qual realiza seus “recitais”
nas feiras das pequenas cidades do Brejo paraibano. A ingenuidade do personagem
confere ao filme certo lirismo, evidenciado na cena em que Romão passeia numa

23
IMAGEM roda gigante de um parque de diversões na cidade de Areia.
Visões do Durante o segundo estágio, em 1982, mais quatro filmes, além do Visões do Mangue
Mangue (Elisa Cabral), optaram pela abordagem de problemas sociais: O menor, Manipueira,
Elisa Cabral, 1982, Bernadete e Do oprimido ao encarcerado. O filme de João Galvíncio Júnior, O menor, põe
14 min. em conflito o discurso de crianças e adolescentes marginalizados e o discurso das au-
toridades governamentais sobre a polêmica questão do menor abandonado em João
Pessoa. Manipueira, de Maria Aparecida, também aluna do Curso de Comunicação
Social, descreve o processo de colheita da mandioca até a fabricação da farinha – de
modo artesanal e com instrumentos rudimentares – que abastecerá o mercado das
pequenas comunidades. Com Bernadete, Maria das Graças Sousa dá voz a uma lava-
deira de roupas que relata sua luta para sustentar sua mãe e seus três filhos, frutos
de dois casamentos desfeitos, e que fala de seus sonhos de viver em São Paulo “onde
pagam melhor e assinam documentos”. A partir da leitura do livro da professora
Maria Salete - dissertação de mestrado sobre uma experiência realizada num presí-
dio de João Pessoa, baseada na metodologia do educador Paulo Freire, Marcus Vilar
realizou Do oprimido ao encarcerado - um filme que os próprios presidiários ajudaram a
fazer, participando como iluminador ou técnico de som.
Outros documentários enfatizaram mais os conflitos pessoais e familiares de
seus personagens ou focalizaram o trabalho artístico dessas pessoas: Perequeté (Ber-
trand Lira, 1982) radiografa a vida do ator e dançarino Francisco Marto que, de-
monstrando muita garra, tenta superar o preconceito contra o artista na provín-
cia. Através de depoimentos de Francisco Marto, cujo apelido vem de uma peça
24
infantil em que interpretou o coelho Perequeté, constata-se que o preconceito
não é contra o artista em si, mas contra a livre orientação sexual de cada indi-
víduo. “As pessoas acham que todo homem que faz dança é homossexual e que
toda mulher é uma prostituta ou lésbica”, diz Perequeté em voz over numa das
cenas em que aparece dançando.
Sagrada Família (Everaldo Vasconcelos, 1981) é a câmera violando o próprio
lar do realizador, descobrindo conflitos e revelando as neuroses de uma família de
classe média baixa em João Pessoa. É um filme tenso e dramático que demonstra
a grande intimidade do cineasta com a sua câmera e o objeto filmado. Tá na rua
(Henrique Magalhães, 1981) mostra, em 15 minutos, o trabalho de experimenta-
ção de um grupo de teatro em novos campos da dramatização. O autor teve sérios
problemas em realizá-lo porque o grupo vindo do sudeste do país estava parti-
cipando de um encontro de teatro e Magalhães teve de fazer todas as filmagens
em apenas uma semana sem poder ver o resultado do que havia filmado para
estruturar melhor sua narrativa. As falhas técnicas não puderam ser contornadas
e o diretor usou o material que tinha em mãos.
Sonho de uma estrela (Eliezer Rolim, 1983) é a vida de um cantora de interior sem
perspectiva de profissionalização e nem acesso aos produtores de discos. A frus-
tração de não poder ser famosa a deixa profundamente descrente. Pedro Osmar em
carne e osso (Otávio Cássio, 1982) e Música sem preconceito (Alberto Júnior, 1983) são
mais dois filmes que fogem à abordagem sociológica dos anteriores. O primeiro
fala dos experimentos musicais e da vida do compositor Pedro Osmar e a sua atuação
no grupo Jaguaribe Carne. O segundo trata do rock como forma de interação entre um
grupo de jovens de classe média alta de Tambaú, praia de João Pessoa.
O Super-8 permitiu esse corpo a corpo com o real, a imersão do realizador na
realidade documentada com uma menor interferência na cena em relação aos equi-
pamentos maiores, inclusive por dispensar, na maioria das vezes, o aparato de ilumi-
nação. Ramos (2008, p. 289), observa que “o núcleo comum da estilística do direto é
ancorado nas novas tecnologias que permitem a aderência do sujeito-da-câmera ao
transcorrer da ação e seu som na tomada”.
A vida poderia ser captada, a partir de então, em seu curso natural. No entan-
to, é bom assinalar que a estilística do diretor não prescinde da encenação. Esta-
mos nos referindo a uma das encenações possíveis num documentário, denomina-
da por Ramos de “encenação-locação”, quando é solicitada ao sujeito que refaça
(encene), para a câmera atividades que fazem parte do seu cotidiano e que o di-
retor ou o personagem deseja ver representadas no filme. Ações que os persona-
gens não estariam efetuando naquele momento. No entanto, mesmo que estives-
sem, vão ser refeitas (encenadas) mais de uma vez para que se adéquem ao registro
desejado pelo sujeito-da-câmera.
No filme Perequeté, há sete momentos onde as situações foram criadas para o filme,
embora três delas façam parte do cotidiano do personagem que foi solicitado por
mim a encená-las na “circunstância do mundo” onde o personagem (ator social)

25
vive sua vida. O encontro de Francisco Marto com Antonia e Galvíncio Jr., que lhe
fazem perguntas sugeridas pelo diretor como pretexto para que o personagem falasse
de sua vida, seus descontentamentos com o que as pessoas pensam da profissão de
ator e dançarino, seus anseios e sonhos. Marto também encena para a câmera um
exercício de direção de atores do seu grupo e um encontro descontraído com duas
amigas da universidade numa sala de aula. Depois da cena onde dá aula de dança,
Marto dança para a câmera. E num intervalo da filmagem de Paraíba masculina femi-
nina neutra (Jomard Muniz de Brito, 1983) ele dança mais uma vez, caracterizado da
personagem Anayde para a câmera e ouvimos sua voz over falando da paixão pela
dança e do preconceito social.
Outro documentário produzido no estágio em cinema direto, desta vez em Paris,
traz diversos momentos de autoencenação e de momentos criados para o filme. Celso

IMAGEM depois do milagre (Vânia Perazzo, 1982) tem como personagem o economista e profes-
Celso Pós sor Celso Furtado, vivendo em Paris onde se exilou depois do Golpe Militar de 1964.
Milagre Nos seus 20 minutos de duração, vemos Furtado (auto)encenando seu cotidiano, às
Vânia Perazzo, vezes timidamente: caminhando pelas ruas de Paris, no mercado, conversando com
1982, 18 min. um parente da diretora, recebendo estudantes em sua casa, passeando por um jar-
dim da cidade. Discutindo sobre a autenticidade de uma autoencenação, Gauthier
afirma:

26
Diante da câmera, não se é totalmente si mesmo – ou então se está no limite de si
mesmo – nem totalmente outro – se não for um personagem de imaginação. Cabe ao
cineasta saber se ele quer que o personagem seja ele mesmo – vertente documen-
tal – ou um personagem oriundo de sua própria imaginação – vertente romanesca
(GAUTHIER, 2011, p. 151).

Antes dos estágios em cinema direto do Nudoc, o Super-8 chega à Paraíba


com o documentário Gadanho (João de Lima Gomes e Pedro Nunes, 1979), sem a
utilização do som sincrônico, mas, como em A pedra da riqueza, sobrepondo sobre
as imagens depoimentos e ruídos ambientes mixados de forma precária, às vezes
com cortes bruscos. Percebemos aí o desejo de dar voz aos personagens. Isso não
acontece, por exemplo, em A Festa do Rosário de Pombal (Jurandir Moura, 1976),
realizado um ano depois de A pedra da riqueza, de Vladimir Carvalho. Jurandir
optou por um narrador profissional do rádio (Gilson Souto) em voz over, no tí-
pico documentário expositivo clássico, alternando a narração em voz de Deus
com as sonoridades da festa.
Gadanho reintroduz no cinema paraibano a bitola de 8 mm, agora Super-8, em
1979, pois no início e meados da década de 1970 algumas experiências foram en-
saiadas em curtas de ficção e documentais por cineastas que já haviam trabalhado
com 16 mm (José Bezerra e Jurandir Moura) e realizadores estreantes. As primei-
ras películas em 8 mm, na época ainda chamada de “minibitola”, são produzidas
em 1973. A bitola de oito milímetros ainda não dispunha da banda magnética
para registro do som em sincronia com a imagem, o que só se concretizou com o
advento do Super-8 no final da década. Lira (1986) divide a produção paraibana
na “minibitola” em duas fases: a primeira fase corresponde aos filmes produzidos
a partir do seu surgimento em 1973 e vai até 1976, e a segunda segunda fase
(1979 a 1983), com a produção de Gadanho e na década seguinte com os estágios
do Nudoc. Influenciados por Gadanho, Bertrand Lira e Torquato Joel, realizam,
em 1981, Imagens do declínio ou Beba coca, babe cola, produzidos pelo Programa Bolsa
-Arte da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da UFPB.
No Brasil dos anos 1970, o Super-8 se apresenta como uma enorme produção
experimental em relação às outras bitolas e formatos (vídeo, 16 ou 35 mm), mas
pouco vista, segundo Machado (2011). Na Paraíba desse período, poucos filmes
foram realizados nesta bitola. A produção chega com força, como vimos, a partir
de 1981, com os documentários oriundos do Nudoc e as ficções de Jomard Muniz de
Brito e Lauro Nascimento, entre outros realizadores não alinhados com as propostas
estéticas do cinema direto. No contexto nacional, Machado observa que:

A multiplicidade de proposições estéticas é uma das marcas distintivas da produção


audiovisual na década de 1970, imposição, em parte, de uma segmentação fragmen-
tária de experiências, forçadas pela ditadura civil e militar que se implantou no país
em 1964 e que recrudesceu a partir de 1968. Ao lado da vigorosa expansão da TV e do

27
relativo sucesso da Embrafilme, houve também uma proliferação de experimentalis-
mos jamais vista, o mais das vezes localizados e circunscritos, implicando microesfe-
ras comunitárias, como no caso dos festivais intermitentes, certos cineclubes, mostras
artísticas, e de uma miríade de pequenos eventos (MACHADO, 2011, p. 29).

No universo local, a produção superoitista chegou ao público através das avan-


t-premières e das três edições da Mostra de Cinema Independente, promovidas pelo
núcleo de realizadores da Oficina de Comunicação do antigo Departamento de Co-
municação e Artes (DAC) da UFPB, coordenada por Pedro Nunes. Foi Nunes quem
realizou pela primeira vez um documentário em Super-8 com procedimentos de
abordagem do direto fora dos estágios do Nudoc. Closes (Pedro Nunes Filho, 1982)
faz uso do som sincrônico para ouvir seus personagens. Entre depoimentos para a
câmera, seus atores sociais falam de suas impressões sobre a experiência de viver a
homossexualidade numa sociedade preconceituosa. Com o Super-8 e o som sincrô-
nico, a relação dialógica entre o sujeito-da-câmera (sujeito enunciador) e os demais
sujeitos, objetos de sua enunciação, se torna possível. A partir daí, uma grande parce-
la do cinema paraibano adota o modo de abordagem que Nichols (2005) denomina
de “participativo” e Ramos (2008) de “ética interativa”. Nichols faz uma diferencia-
ção sutil entre duas tendências do modo participativo:

Os cineastas que buscam representar seu próprio encontro direto com o mundo que
os cerca e os cineastas que buscam representar questões sociais abrangentes e pers-
pectivas históricas com entrevistas e imagens de arquivo constituem dois componen-
tes importantes do modo participativo. Como espectadores, temos a sensação que
testemunhamos uma forma de diálogo entre cineasta e participante que enfatiza o
engajamento localizado, a interação negociada e o encontro carregado de emoção
(NICHOLS, 2005, p. 162).

No nosso entender, Closes se encaixa nessa linha que se propõe a representar ques-
tões sociais, no caso, o histórico preconceito social em relação aos que assumem uma
orientação sexual desviante da conduta heteronormativa. Nunes coletou diversas fa-
las para construir sua “voz” sobre o tema. Voz aqui no sentido de que Nichols (2005)
dá a um conjunto de procedimentos éticos e estéticos no discurso cinematográfico
documental ou ficcional que revela a perspectiva (o ponto de vista) do realizador
sobre o tema abordado. São escolhas que vão do enquadramento, passando pela
composição da cena, ângulo de tomada, seleção dos sujeitos das falas (entrevistas/
depoimentos), uso do som direto ou da voz over, cronologia da narrativa, estilo de
abordagem etc., aos diversos recursos possibilitados pela montagem.
Realizado antes dos estágios em cinema direto do Nudoc, Imagens do declínio ou
Beba coca, babe cola trabalha uma abordagem documental e ficcional para denunciar
as condições miseráveis de vida de comunidades pobres de João Pessoa, ao mes-
mo tempo que esboça uma crítica debochada à presença de multinacionais no país,
28
através de um dos seus símbolos mais conhecidos, a Coca-Cola. Na parte documen-
tal, vemos imagens de vielas de uma favela da cidade ao som de Invocação em defesa
da Pátria, de Heitor Villa Lobos, cujos versos impregnados de ufanismo exaltam o
país, contrastando ironicamente com a miséria mostrada. Nos momentos ficcionais,
a música atonal, com poema concretista de Décio Pignatari (Beba Coca, Babe Cola),
anima arrotos, masturbação com uma garrafa de Coca-Cola simulando um pênis
em ejaculação e uma flatulência para a câmera. A partir do slogan do refrigerante, o
poema de Pignatari desmonta palavras, muda fonemas, forma novas palavras e, ao
se somar a essas imagens, compõe uma crítica ácida ao então símbolo máximo do
imperialismo. Depois desse filme de estreia, Bertrand Lira e Torquato Joel passam a
integrar os estágios de cinema direto do Nudoc, em João Pessoa, e do Atelier Varan,
em Paris, contribuindo para a produção de documentários no estilo direto produzi-
dos na Paraíba.

CONCLUSÃO
A partir de 1960, com Crônicas de um verão, de Rouch e Morin, o cinema direto
inaugura uma nova forma de abordagem do real que marcará definitivamente o fa-
zer documental. Na Paraíba, no final dos anos 1970, O que eu conto do Sertão é isso inau-
gura o som sincrônico, e o cinema direto é adotado como estilo em um documentário
paraibano. A bitola Super-8 vai proporcionar, no início da década seguinte, uma
produção razoável de documentários que vão adotar a estilística do direto. A maior
parte dessa produção superoitista veio do Nudoc, que realizou três estágios voltados
para a formação de cineastas nessa estética. A proposta do cinema direto era de uma
não-sofisticação da linguagem, colocando o cinema como instrumento e veículo de
expressão para as pessoas que quisessem fazer uso dele. Durante os três estágios, 25
filmes foram realizados pelos alunos, além de outros, cuja produção se deu com o
apoio do Nudoc, com empréstimos de equipamentos de captação de imagem e som
e ilhas de edição.
Na impossibilidade de acesso a tecnologias mais sofisticadas, o Super-8 pro-
porcionou aos novos realizadores cinematográficos a possibilidade de se expressar
com equipamentos de produção mais portáteis e de fácil manuseio. De início, vis-
to com maus olhos pelos realizadores veteranos por considerarem uma tecnologia
amadora, o Super-8 terminou sendo, em determinado momento, usado por eles
mesmos pela dificuldade de se produzir com equipamentos em 16 ou 35 mm. O
Super-8 foi, gradativamente, substituído pelo vídeo analógico ainda na década de
1980 e toda a década seguinte, quando chega a tecnologia (digital), que vai revo-
lucionar a produção cinematográfica em toda as esferas de sua cadeia produtiva
(produção, distribuição e exibição).

29
REFERÊNCIAS
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sagem pessoal]. Mensagem recebida por <ber-
trandslira@hotmail.com> em: 06 jun. 2013.

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gue Editorial, 2004.

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LIRA, Bertrand. A produção cinematográfica su-


peroitista em João Pessoa de 1979 a 1984 e a in-
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perimentalismo Super-8 nos anos 1970. Rio de
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MARINHO, José. Dos homens e das pedras: o ciclo


do cinema documentário paraibano (1959-1979).
Niterói, RJ: Eduff, 1998.

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RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal...o que é mes-


mo documentário? São Paulo: Senac São Paulo,
2008.

UMBELINO, José. Contato e informações. [men-


sagem pessoal]. Mensagem recebida por <ber-
trandslira@hotmail.com> em: 05 jun. 2013.

30
31
CINEMA
ENGAJADO:
A temática social como marco
da produção paraibana dos
anos 1960, 70 e 80

POR FERNANDO TREVAS FALCONE

32
As produções em 35 mm voltadas para
a zona rural, marco das décadas de
1960 e 1970, são sucedidas pelos filmes
em Super-8 com temática diversificada,
mas a questão social persiste no cine-
ma paraibano do final dos anos 1970 e
da década de 1980.

Fernando Trevas Falcone


é jornalista e professor da
UFPB, mestre em cinema pela
Universidade de São Paulo.

IMAGEM
Abril
Marcus Vilar,
1984, 20 min.

33
O cinema paraibano chega ao final da década de 1970 com uma filmografia
expressiva para um estado pobre e periférico. O Ciclo do Cinema Documentário,
iniciado com grande repercussão com Aruanda (Linduarte Noronha, 1960) aponta
para um cinema voltado às questões sociais da zona rural.
Uma comunidade quilombola, vivendo da fabricação de utensílios de barro, iso-
lada de tudo e de todos é apresentada ao Brasil do início da década de 1960, que se
moderniza com a construção de Brasília, a implantação da indústria automobilística

IMAGEM e outras bossas. Na era JK, Aruanda introduz o ritmo marcante dos pífanos e acentua
João Córdula a vida dura dos habitantes da Serra do Talhado, no sertão paraibano.
em seu As imagens fortes e cruas de Aruanda, a trilha musical gravada na região e as pai-
laboratório da sagens áridas e inóspitas são contrastadas pelo texto acadêmico, falado no tom solene
UFPB de um narrador profissional – o próprio Linduarte Noronha, que além de escrever
diariamente uma coluna de cinema nas páginas do jornal oficial A União, era locutor
da Rádio Tabajara, emissora governamental.
Assim como quase todos os filmes realizados na Paraíba nas décadas de 1960 e
1970, Aruanda não foi realizado com som sincronizado, mecanismo técnico que só
chegaria ao Brasil alguns anos depois da realização do filme.
A despeito da tentativa do diretor domesticar as imagens e a música, que forma-
vam um conjunto de inédita força no cinema brasileiro de 1960, Aruanda está inscrito

34
na nossa cinematografia como um dos primeiros documentários a abordar temas
sociais a partir de uma perspectiva crítica.
Salvo uma frustrada tentativa do mesmo Linduarte, de documentar em 1956, em
parceria com o crítico e pesquisador Wills Leal, a geografia exuberante da Ponta do
Cabo Branco, ponto extremo oriental das Américas situado em praia de João Pessoa,
o cinema paraibano, até a realização de Aruanda, permanecera adormecido desde a
aventura de Walfredo Rodriguez na década de 1920.
Fotógrafo de grande habilidade técnica, Rodriguez realizou em 1928 o lon-
ga-metragem Sob o Céu Nordestino. O filme foi exibido com sucesso na Paraíba e
chegou ao Rio de Janeiro e Bahia, e mostrava diversas faces da Paraíba. Dele
restaram algumas sequências que somam aproximadamente quinze minutos.
Os fragmentos de Sob o Céu Nordestino trazem registros de momentos da pesca
da baleia em Cabedelo, de uma vaquejada nos arredores da cidade de Cabaceiras
e imagens da feira de algodão de Campina Grande. Dos trechos desaparecidos
há relatos de cenas que reproduzem o modo de vida dos primitivos habitantes da
Paraíba. Os indígenas são “interpretados” por atores brancos, conforme indica
uma fotografia da produção publicada por Leal (2007), que traz ainda um precio-
so registro das sete partes que comporiam o roteiro do filme.
Deve-se registrar, na história do cinema feito na Paraíba, a figura de João
Córdula. Na primeira metade dos anos 1950, no governo de José Américo de
Almeida, Córdula documentou ações governamentais em diversas regiões do es-
tado. Responsável pelo Cinema Educativo da Paraíba desde a sua criação em
1955, não pode finalizar a maior parte dos seus filmes por falta de equipamentos
básicos – não dispunha sequer de moviola para montar seus trabalhos.
Foi portanto a partir de Aruanda que o cinema paraibano passou a documentar
com regularidade alguns aspectos do estado, enfatizando comunidades rurais e
populações desfavorecidas das periferias de sua capital.
Em Romeiros da Guia (1962), João Ramiro Mello e Vladimir Carvalho, assisten-
tes de direção de Noronha em Aruanda, registram em imagens poéticas a procissão
marítima que parte do forte de Santa Catarina, ao lado do porto de Cabedelo,
num ritual que se estende até a noite, e tem como cenário a bela igreja de Nossa
Senhora da Guia e a festa que se segue às celebrações religiosas.
O tom poético também marca Cajueiro Nordestino (1962), em que Noronha,
a partir de texto de Mauro Mota, mostra como o caju transforma-se em do-
ces e bebidas, e como a sua castanha é usada como brinquedo pelas crianças de
bairros populares de João Pessoa.
A poesia dá lugar à dureza da atividade dos catadores de caranguejo dos arredo-
res da capital paraibana, cujos corpos se confundem com a lama em uma luta ingló-
ria pela sobrevivência. Os Homens do Caranguejo (Ipojuca Pontes, 1967) expõe a vida
miserável de trabalhadores que nos impressionam com seu esforço em uma prática
degradante, cujas imagens remetem a um balé quase surrealista.
Dos mangues o cinema paraibano nos transportou à aridez sertaneja no longa-

35
metragem O País de São Saruê (Vladimir Carvalaho, 1971). A miséria estampada nos
rostos e nos corpos dos camponeses abatidos pela seca e pela fome teve tamanho
impacto que o filme permaneceu censurado durante oito anos.
Se Aruanda chocara a democrática era JK, Saruê escancarou a falta de esperan-
ça e a fome dos sertanejos, tornando-se um documentário mais que incômodo,
firmando-se como uma contundente denúncia da farsa do milagre econômico
protagonizada pela ditadura civil-militar no início da década de 1970.
A miséria persiste em cena. Pelas ruas de João Pessoa, em uma cadei-
ra de rodas empurrada por dois meninos, um religioso munido de uma va-
retinha pede esmolas para a sua grande obra: uma casa e um hospital
destinados aos mais pobres.
Padre Zé Estende a Mão (Jurandy Moura, 1974) acompanha o trabalho incan-
sável, quase obsessivo, do religioso Zé Coutinho, que supera as suas limitações
físicas para ajudar as centenas de pessoas que buscam abrigo, alimentação e cui-
dados médicos.
Recebe de volta um carinho expresso em cuidados redobrados daqueles a
quem protege. O filme ressalta essa relação ao registrar o momento em que os
“moradores” do instituto Padre Zé o ajudam a se preparar para dormir.
Ao lançar seu olhar sobre a figura do padre e de sua quixotesca ação so-
cial em uma cidade repleta de indigentes, Moura produz um documen-
to de raro valor, certamente a incomodar os adeptos do Brasil Grande
- estávamos no final da ditadura Médici - e reitera a vocação do cinema parai-
bano em produzir filmes apontando as mazelas de um estado pobre da região
mais subdesenvolvida do país.
A temática social, desenvolvida nos anos de 1960 e 1970 em documentários
preto e branco, com captação de som não sincronizada, feita em 35 mm - com
exceção de Padre Zé Estende a Mão, filmado em 16 mm - será ainda o grande assun-
to da década de 1980. Mas com novos protagonistas, diferentes cenários e com um
aparato de filmagem mais simples e barato.

CIDADE E CAMPO, CORES E SONS: SUPER-8 EM AÇÃO


Ao se referir ao cinema realizado em Super-8, o cineasta pernambucano Jomard
Muniz de Britto ressaltava que este era “mais íntimo e econômico”. A essa intimida-
de e economia somou-se, na Paraíba, a criação do NUDOC, núcleo da Universidade
Federal da Paraíba voltado ao ensino e fomento da produção, possibilitando o sur-
gimento de uma nova geração de realizadores, e uma maior abrangência temática.
As câmeras com películas de 8 mm, usadas para filmar eventos domésticos, di-
minuíram consideravelmente o custo de produção de um filme. De filmadoras
fadadas a registrar casamentos, batizados e outros eventos familiares e sociais, as
câmeras passaram a utilizar películas com bandas sonoras, abrindo uma nova pers-
pectiva de realizações. Surge em 1965 o Super-8, tornando possível realizar filmes
36
que iam além das efemérides.
No Brasil o Super-8 possibilitou a experimentação e democratizou a realização
cinematográfica, limitada pelos custos altos dos equipamentos para filmagem em
películas de 35 mm, predominante no circuito comercial, e bem menores que os fil-

mes de 16 mm, usados no telejornalismo e em algumas produções cinematográficas IMAGEM


a partir da década de 1960. Gadanho
Filmou-se em Super-8 em vários estados do Brasil, e a experimentação destes João de Lima
filmes baratos e muitas vezes ousados é destacado por Rubens Machado Jr. (2011). A e Pedro Nunes,
tecnologia de Super-8, pelo seu baixo custo e facilidade de manipulação, teve efeito 1979, 21 min.

semelhante às câmeras digitais nos anos recentes, possibilitando a proliferação de


filmes em todo o Brasil.
Na Paraíba, dois estudantes universitários, com parcos recursos nos bolsos e uma
câmera Super-8 nas mãos filmam o cotidiano dos catadores de lixo do bairro do Ro-
ger, próximo ao centro de João Pessoa. Gadanho (João de Lima e Pedro Nunes, 1979)
inaugura uma nova fase do cinema paraibano.
No momento em que o regime autoritário em crise inicia a sua “abertura”, com
o fim do famigerado AI-5, ato que institucionalizou a ditadura, implantando a lei da
mordaça por uma década, a dupla de realizadores volta-se para a face mais cruel do
modelo concentrador de renda, que tornou ainda mais dura a vida dos mais pobres

37
no Brasil, sobretudo os do Nordeste.
Gadanho mantém a contundência temática do cinema paraibano, mas agora o
cenário é urbano e os realizadores, sem se fixar em um personagem, esboçam o
quadro geral de uma situação social catastrófica. A cartela de texto avisa que o filme
é oferecido às “vítimas da MISÉRIA, SUBNUTRIÇÃO, DESEMPREGO, reflexo
da atual Estrutura Social Brasileira, montada num sistema de opressão e repressão,
renegando a condição mínima de um ser humano: a subsistência”.
Esse texto, que precede as cenas de adultos e crianças brigando com os urubus
pelas sobras de alimentos e outros produtos com o gadanho, instrumento usado pelos
catadores, e uma melancólica trilha musical indicam a necessidade de não apenas
mostrar com imagens, mas enfatizar o absurdo da “estrutura social brasileira”. Em
lugar do preto e branco dos anos 1960 e 1970, que parecia suavizar a miséria, o

IMAGEM colorido de Gadanho grita na tela, a partir das imagens menos definidas, porém mais
Abril enfáticas do Super-8.
Marcus Vilar, No mesmo ano de 1979, conforme detalham Bertrand Lira e Pedro Nunes neste
1984, 20 min. livro, João Pessoa sedia a VIII Jornada de Cinema da Bahia, que não pode ser reali-
zada em Salvador, e a UFPB cria o NUDOC – Núcleo de Documentação Cinema-
tográfica. A nova instituição adquire equipamentos de filmagem e assina acordo com
o Comitê do Filme Etnográfico de Paris, ligado ao cineasta Jean Rouch.

38
O NUDOC realiza cursos de formação em cinema documentário. Alguns dos
estagiários prosseguem sua formação em estágio no Centro de Pesquisa e Formação
em Cinema Direto na Association Varan, em Paris.
Na primeira metade da década de 1980 o NUDOC torna-se o mais importante
produtor de filmes Super-8 na Paraíba. A partir de seus estágios são realizados docu-
mentários abordando temáticas relacionadas à religiosidade, trabalho, sexualidade e
questões urbanas, entre outras.
Tem-se então, na Paraíba, um cenário rico de possibilidades para o cinema do-
cumentário. A geração que sucede a Linduarte Noronha e Vladimir Carvalho tem a
possibilidade de uma formação feita a partir das técnicas do cinema direto.
Nota-se, no conjunto dos filmes realizados pelos estagiários do NUDOC, a ado-
ção de outro procedimento caro aos preceitos do cinema direto, além do sincronismo
do som: a ausência do narrador, classificado por Nichols (2005) como sendo um
substituto do cineasta, “o narrador com voz de Deus”.
Este recurso é utilizado em Aruanda, assim como em Os Homens do Caranguejo e
O País de São Saruê. Já Gadanho, realizado sem som sincrônico, antes do início dos
estágios desenvolvidos com técnicas do Cinema Direto na Paraíba, sinaliza uma
nova forma de narrativa, ao abolir “a voz de Deus”.
Ao defender a adoção da expressão “Cinema Direto” ao invés do ambicioso
“cinema-verdade”, Gauthier (2011) ressalta sua especificidade, o registro simultâ-
neo de som e imagem:

A expressão cinema direto, em virtude, provavelmente, da modéstia das suas pre-


tensões, durou mais, porém ela deixava de lado todos os documentos de arquivo
que são um material importante dos filmes ditos “documentários”. Além disso, ao
lado da televisão, grande consumidora de tomadas de cenas feitas ao vivo, ela
introduz uma confusão, já que “direto”, nesse sistema, não implica nada além da
transmissão simultânea com a tomada de cenas, inclusive para uma peça de tea-
tro. (GAUTHIER, 2011, p.15)

A relação feita por Gauthier entre o cinema direto e a televisão pode ser ob-
servada em Abril (Marcus Vilar, 1984). Feito no calor da hora, mostra detalhes
da manifestação realizada no centro de João Pessoa em favor da aprovação pelo
Congresso Nacional da emenda que restabelecia eleições diretas para Presidente
da República. O evento acontece no dia que os parlamentares votam a proposta.
Antes da manifestação algumas pessoas que estão no local falam sobre a expec-
tativa em relação aos acontecimentos de Brasília. Discursos são registrados de longe,
e o som é uma profusão de falas e ruídos da multidão. Jornalistas, políticos, ativistas
culturais são entrevistados sobre o tema.
Como em 1984 João Pessoa não tinha emissora de TV local, apenas repetidoras
das redes nacionais, Abril tornou-se, a saber, o mais completo registro audiovisual da re-
percussão de momento importante da história recente brasileira na capital paraibana.

39
Ao registrar cenas da multidão, o realizador não se apega aos inúmeros detalhes
que o ato público pode gerar, como expressões faciais, aplausos, vaias, optando por
valorizar as entrevistas que possam nos fazer entender o que de fato está acontecendo.
O que faz o filme ir além do registro é a atitude do realizador em dar conta da
complexidade da situação: uma vigília cívica que precisa ser explicada. Mas não se
vai buscar explicações de especialistas em ciências políticas. Iguala-se, na montagem,
a voz do aposentado humilde a do jornalista, do político e do artista.
Em um registro que vai além da superficialidade quase inerente ao telejornalismo
praticado pelas emissoras de televisão privadas no Brasil, Abril torna-se um docu-
mento histórico na acepção que Ferro (2010) apontara em texto de 1976:

Hoje se vê uma nova etapa com a multiplicação das câmeras super-8: o cinema pode
tornar-se ainda mais ativo como agente de uma nova tomada de consciência social,
com a condição de que a sociedade não seja somente um objeto de análise a mais,
objeto que pode ser filmado brincando de bom selvagem para de um novo coloni-
zador, o militante-cameraman. Outrora “objeto” para uma “vanguarda”, a sociedade
pode de agora em diante encarregar-se de si mesma. Esse poderia ser o sentido de
uma passagem dos filmes de militantes para os filmes militantes. (FERRO, 2010, p.17)

Mesmo não sendo filme militante, a opção de Vilar em filmar aqueles que apoiam
em praça pública a volta das eleições diretas revela-se um gesto político, um ato de
militante de um cinema voltado a temas de amplo interesse social.

REGISTROS DO MOVIMENTO ESTUDANTIL


Em 1979 estudantes da Universidade Federal da Paraíba entram em greve con-
tra o aumento dos preços do restaurante universitário. O movimento, o primeiro a
acontecer no Estado desde 1968, é acompanhado pelo cineasta Pedro Nunes e re-
sulta em Registro, produzido pelo Diretório Central dos Estudantes - DCE. Já em seu
título o filme deixa claro sua intenção de transformar aquele momento importante
da Universidade e do país em um documentário a serviço da memória do próprio
movimento.
Na abertura, o filme explicita em uma cartela de texto seu objetivo, antes mesmo
do desfile das imagens e dos depoimentos colhidos ao longo das filmagens: “Este
trabalho é dedicado aos companheiros ‘fura-greves’ e aos que se omitiram da luta,
entendendo que o conjunto de reivindicações contra o ensino pago, por melhores
condições de ensino, por uma universidade democrática e contra o projeto de au-
tarquias especiais imposto pelo MEC, é uma luta ampla que compromete todos os
estudantes na construção de uma nova sociedade”.
O filme não nos informa dos resultados da greve, das suas perdas ou conquistas
– em entrevista, líder estudantil fala do décimo terceiro dia do movimento, nos indi-
cando que a paralisação continuou depois das filmagens concluídas. Registro assinala
40
um novo momento na história do Brasil, quando depois de uma década de feroz
repressão aos movimentos de trabalhadores e dos estudantes, o país vê nascer uma
nova geração de lideranças nesses segmentos.
Há uma sequência que sintetiza a força do movimento estudantil: em marcha,
estudantes vão ao prédio da Reitoria – ainda em construção – e se reúnem com o
reitor e outras autoridades universitárias. Enquanto o prédio da nova sede do poder
universitário se constrói, percebe-se também a construção de uma nova forma de
atuação política conquistada pelos estudantes, que obrigam a cúpula da universidade
a recebê-los em uma reitoria aberta, sem paredes, com o reboco à mostra. Cena em-
blemática da gestação de um novo processo de interação política, em que o cenário
das decisões não é mais o gabinete restrito e fechado, mas o salão aberto, ocupado
pela massa estudantil.
Registro sai do campus universitário e acompanha a manifestação dos estudantes
em frente à fundação responsável pela manutenção do restaurante. Os manifestantes
marcham pelas ruas centrais de João Pessoa. Em frente ao cinema Municipal, o car-
taz anuncia a exibição de Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (Hector Babenco, 1977)
e Nos Embalos de Ipanema (Antonio Calmon, 1979). A sala, como inúmeras outras em
diversas cidades brasileiras, foi desativada, e essa breve imagem é hoje uma relíquia
para a história do circuito exibidor de cinema comercial em João Pessoa.
No mesmo ano de 1979, cineastas com suas câmeras leves de 16 mm registravam
as greves deflagradas no ABC paulista. Os metalúrgicos de São Bernardo do Campo,
liderados por Luís Inácio Lula da Silva, lutavam contra o arrocho salarial e testavam
os limites da abertura política anunciada pelo general João Figueiredo, último presi-
dente da ditadura iniciada em 1964. Braços cruzados, máquinas paradas (Sérgio Toledo
Segall e Roberto Gervitz, 1979), Dia nublado/Greve de março (Renato Tapajós e outros,
1979) e Greve (João Batista de Andrade, 1979), analisados por Bernardet (2003), são
diferentes visões de um movimento de ampla repercussão, sobretudo por projetar a
liderança sindical e política de Lula.
Distantes na geografia e no universo social, Registro e as produções paulistas apon-
tam para a importância de um cinema feito no calor da hora, que acompanha, sem
deixar de lado seu engajamento, movimentos sociais que podem ser analisados hoje
a partir dessas produções audiovisuais, entre outros documentos.
Além de Registro, dois outros filmes documentaram movimentos grevistas na Uni-
versidade. Em Greve na UFPB (Direção coletiva, 1982), um narrador informa que os
estagiários do atelier de Cinema Direto do NUDOC interromperam suas atividades
para filmar a paralisação de professores e funcionários da instituição.
Chama a atenção o uso da narração em off, pouco usual nas produções dos es-
tagiários, o que pode ser entendido como uma necessidade de supressão de uma
norma do cinema direto em favor da produção de filme de tom didático, a ser usado
como instrumento de mobilização da greve. Curiosamente Pedro Nunes, que não
participou dos estágios de cinema direto do NUDOC, não usa o narrador no estilo
“voz de Deus” em Registro.

41
Greve de Fome (João de Lima e Marcus Vilar, 1984), filme mudo, de apenas três
minutos, mostra a persistência dos problemas dos estudantes com o restaurante uni-
versitário. Alguns alunos, entre eles o cantor e compositor Chico César, recorrem ao
jejum como forma de protesto e são acompanhados por um grupo de colegas. No
lugar da mobilização, a imobilidade. Não há passeatas, está em cena a solidariedade
contida dos outros estudantes e passantes.

UMA CIDADE QUE MUDA


IMAGEM
Construção Nas produções do NUDOC e de produtores independentes há uma série de re-
do Espaço gistros que, passadas três décadas da sua produção, transformaram-se em importante
Cultural referência para o estudo de aspectos variados da vida cotidiana de João Pessoa.
Elpídio Navarro, Em Cidade Verde (direção não identificada, 1982), um narrador afirma ser João
1980-1, 20 min. Pessoa “a cidade verde” e somos conduzidos a um passeio por vários bairros da

cidade. O espectador, conhecendo ou morando em João Pessoa, vai perceber como


a expansão urbana, marcada pela verticalização, mudou consideravelmente a paisa-
gem da capital paraibana, com uma expressiva diminuição da cobertura vegetal. A
começar pelo seu título, o filme guarda as imagens e a memória de uma cidade que
não mais existe.
42
Em Construção do Espaço Cultural (Elpídio Navarro, 1980-1) o realizador narra, em
tom epistolar, o abandono do Teatro Santa Roza, prédio do final do século XIX,
e critica a construção do monumental Espaço Cultural. Ao mostrar o contras-
te entre os dois equipamentos culturais, Navarro faz um registro da memória do
velho teatro, e o seu discurso verbal relaciona o novo prédio ao autoritarismo do
gestor que o constrói.
Por ironia, no segundo semestre de 2013, ambos os prédios estão fechados para
reforma, deixando João Pessoa sem seus dois principais locais destinados ao teatro,
música e exposições.

O CAMPO EM TRANSE
Como vimos, a vida no campo é o tema principal do cinema paraibano dos anos
de 1960. Se nos filmes do período os conflitos pela posse da terra não foram retra-
tados, coube a uma produção carioca, do Centro Popular de Cultura da União
Nacional dos Estudantes (CPC-UNE), filmar a vida e a morte de João Pedro Tei-
xeira, líder sindical assassinado em Sapé, em 04 de abril de 1962.
Dirigido por Eduardo Coutinho, Cabra Marcado para Morrer foi interrompido
pelo Golpe de 01 de abril de 1964. A ficção inacabada tornou-se o documentário
finalizado em 1984, um dos mais significativos filmes do cinema brasileiro.
Nas décadas que se seguiram ao assassinato de João Pedro a tensão na zona
da mata paraibana não diminuiu. Com a abertura política do início da década
de 1980, trabalhadores se organizam na luta pela posse da terra, em uma batalha
árdua contra grandes proprietários, estes apoiados pelo Estado.
Uma dessas lutas tem como cenário a fazenda Camuçim, no munícipio de
Pitimbu, no litoral sul da Paraíba. Através do Centro de Comunicação, Educação
e Documentação Populares (CEDOP) criado em dezembro de 1978, a Igreja
Católica da Paraíba passa a usar o cinema como instrumento de incentivo à luta
dos trabalhadores urbanos e rurais.
Produzido pelo CEDOP, Nós, os Agricultores de Camuçim (Diretor não credita-
do, 1982) torna-se instrumento dos trabalhadores estigmatizados pela imprensa,
ameaçados fisicamente pela polícia e pelos capangas da Destilaria Tabu, e acusa-
dos de agitação política pelo então governador da Paraíba, Tarcísio Burity.
Crianças, mulheres e homens relatam a difícil situação que vivem, e o filme
registra o acampamento montado pelos agricultores na Praça João Pessoa, em
frente ao Palácio da Redenção - sede do governo estadual -, entre dezembro de
1981 e janeiro de 1982. Vemos os trabalhadores em tarefas domésticas em plena
praça, observados por curiosos e por policiais militares que guardam o palácio.
Uma narradora relata a luta dos agricultores pela posse da área. Na fazenda Ca-
muçim, os atos de violência da polícia e dos proprietários são contados em detalhes
pelas suas vítimas. A estrutura do filme é centrada em uma marcha, composta em
sua maioria por crianças, que ao som marcante de tambores, percorrem Camuçim.
43
Nós, os Agricultores de Camuçim é um marco de cinema engajado na Paraíba, e ao mes-
mo tempo, um documento da importância da atuação da ala progressista da Igreja
Católica no estado, que àquela altura, com a guinada à direita promovida por João
Paulo II, estava ameaçada.
No ano seguinte aos acontecimentos de Camuçim, na cidade de Alagoa Grande,
a sindicalista Margarida Maria Alves é assassinada em frente a sua casa. O crime
choca a opinião pública e tem repercussão nacional. Duas décadas depois da morte
de João Pedro Teixeira, a zona canavieira da Paraíba continua a eliminar lideranças
que lutam pela posse de terra e melhoria de vida dos trabalhadores rurais.
Margarida Sempre Viva... (Cláudio Barroso, 1983) acompanha os dias tensos que
se seguiram ao assassinato da presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de
Alagoa Grande, a começar pelo enterro do seu corpo, em que vemos e quase não
ouvimos o discurso comovido do viúvo Casimiro Alves.
Em João Pessoa Casimiro encontra-se com o deputado Assis Camelo e com
Fernando Milanez, Secretário de Segurança Pública. Este elenca as providências
que estão sendo tomadas pela polícia local. Em 16 de agosto de 1983, quatro dias
depois do assassinato, uma grande manifestação acontece em Alagoa Grande,
reunindo trabalhadores rurais, sindicalistas e políticos, entre eles o deputado pau-
lista Airton Soares (PT). Uma multidão acompanha os discursos.
Ainda no mês de agosto, debaixo de chuva, centenas de trabalhadores rurais
de Alagoa Grande reúnem-se para dar início à campanha de reajuste salarial. Em
imagens de arquivo, Margarida afirma: “só paro de falar quando estiver morta”.
Trinta anos depois de seu assassinato, o crime permanece impune.
Margarida continua em cena no longa-metragem Uma Questão de Terra (Man-
fredo Caldas, 1988). Ela é uma das protagonistas do filme, produção filmada em
16 mm pelo mesmo realizador de Cinema Paraibano – Vinte Anos (1983), que faz
um balanço do cinema documentário realizado no estado nas décadas de 1960
e 1970.
Coproduzido pela Fundação do Cinema Brasileiro com o apoio do CENTRU
– Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural – produtora de Margari-
da Sempre Viva – da Cinemateca do MAM e do NUDOC, Uma Questão de Terra
mapeia os diversos conflitos agrários em curso na Paraíba na segunda metade da
década de 1980.
Acompanhamos o acampamento de agricultores na sede do INCRA em João
Pessoa, e viajamos pelas zonas rurais dos municípios de Belém, Caaporã, Bananeiras,
Alagoa Grande e Campina Grande. Na exuberante paisagem verde, vemos desfilar
rostos tristes e sofridos. Homens e mulheres relatam as agruras de uma vida dura,
marcada pela luta pela terra e pela fome e opressão.
Rostos e relatos que lembram em muito os depoimentos dos trabalhadores rurais
de Maioria Absoluta (Leon Hirszman, 1964-66), em que o analfabetismo é o ponto de
partida para mostrar a vida miserável da maioria dos camponeses brasileiros. Com o
uso pioneiro do som direto, conforme aponta Ramos (2008), o filme de Hirszman dá

44
voz ao homem do campo, ao analfabeto, aqueles que constituem a maioria absoluta
da população brasileira.
Há imagens da ainda nova Brasília, centro do poder que com o Golpe Militar e o
enorme retrocesso das conquistas sociais conseguidas no país, parece bem distante da
realidade do campo. Passadas mais de duas décadas, Uma Questão de Terra nos revela
um retrato do campo não muito distante daquele de Maioria Absoluta.
Brasília também está presente em Uma Questão de Terra. O filme nos leva ao
Congresso Nacional, detalhando os momentos cruciais da votação sobre a questão
agrária na Assembleia Nacional Constituinte. Depois de percorrermos uma Para-

íba conflagrada por disputas de terra, somos apresentados ao poder político dos IMAGEM
representantes dos grandes proprietários rurais, reunidos pela União Democrática Margarida
Ruralista, a UDR, liderada por Ronaldo Caiado. Os ruralistas vencem no voto e a Sempre Viva
reforma agrária não virá. Aos depoimentos dos trabalhadores em luta por um pe- Cláudio Barroso,
daço de terra na Paraíba, somam-se os discursos de lideranças políticas e sindicais 1983, 41 min.
decepcionadas com a derrota.
O detalhe da lustrosa bota de um dos ruralistas presentes na votação, os rostos
marcados por sorrisos triunfantes, em contraponto com tudo o que assistimos em
Uma Questão de Terra sintetiza a aguda crise social e política que o Brasil vive no final
da década de 1980.

45
Pela sua abrangência e engajamento, Uma Questão de Terra reafirma, agora em um
tom explicitamente mais político, o compromisso social do cinema paraibano.

A BALEIA E A CANÇÃO
Entre os filmes recuperados pela pesquisa Cinema Paraibano – Memória e Preser-
vação um dos mais instigantes do ponto de vista histórico e estético é Caça a Baleia
(Moacyr Madruga, 1978/79). Professor de Geografia da UFPB, Madruga reali-
zou uma bem cuidadosa produção em Super-8, documentando as atividades do
barco pesqueiro em ação no litoral paraibano.
O filme não tem som direto, e logo em seu início um narrador nos informa
que o navio Katsumaru, com 26 pessoas a bordo, entre japoneses e brasileiros, vai
à busca de baleias no litoral norte paraibano.
As imagens em Super-8 captam o exato instante em que uma baleia é atingida
pelo arpão. A trilha musical acentua a dramaticidade do momento. O mar fica
tingido de vermelho, causando grande impacto no espectador. Com as limitações
técnicas da câmera Super-8, as imagens da baleia em agonia, - captadas pelo rea-
lizador e pelo cineasta paulista Augusto Sevá, que à época realizava na Paraíba o
curta-metragem Oro - vistas de longe, ganham contornos dramáticos acentuados
pelo rock progressivo da trilha.
Já em terra firme, enquanto a baleia é retalhada, o narrador detalha o his-
tórico da companhia japonesa que controla a pesca da baleia na Paraíba. Nessa
sequência, onde vemos os trabalhadores rapidamente transformar uma enorme
baleia em pedaços pequenos que desaparecem no pátio da empresa, o narrador
é substituído pela canção de Paulo Ró, redimensionando, em sua melancólica
poesia, o triste espetáculo que acabamos de assistir.

No reino de seu Netuno


Tá havendo uma invasão
Por causa de uns mamíferos
Que por lá ainda estão
A invasão está tirando
Por quem só podia ser?
Pelos tais capitalistas
Não querem deixar viver
Nem homens, nem animais
Até parecem canibais
Na calma vida dos pobres

O narrador alerta sobre a possibilidade da extinção das espécies capturadas no


litoral paraibano, e fala da dependência dos habitantes do município de Lucena da
atividade. A pesca da baleia foi proibida no Brasil em 1985, e hoje Lucena vive da
46
pesca artesanal, da fruticultura e do turismo.
Ao optar por um documentário conduzido por uma trilha musical e sonora dis-
tantes do realismo, Caça a Baleia foi além do registro histórico e geográfico, cativando
o espectador com um tratamento dramatizado de um tema ecológico e social de
grande repercussão para a Paraíba. Visto hoje, mostra-se bem mais impactante e

crítico que o padrão dos documentários sobre vida natural exibidos nos canais pagos IMAGEM
como Discovery ou National Geographic. Caça a Baleia
Marcada pela diversidade temática e pelos formatos – indo do 35 mm ao Super-8 Moacyr Madruga,
– percebe-se o traço comum do engajamento social no cinema paraibano das déca- 1979, 19 min.
das de 1960, 70 e 80. Dos trabalhadores explorados por multinacional japonesa no
litoral, aos excluídos da capital e do campo, passando por lutas estudantis, há um mo-
vimento constante dos realizadores no sentido de captar momentos importantes da
luta por uma sociedade diferente daquela limitada pela pobreza e pelo autoritarismo.

47
REFERÊNCIAS
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do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz


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raíba. João Pessoa: Edição do Autor, 2007.

LIMA, Maria José Cordeiro de. Documentação


Popular: a Trajetória dos Que Redefiniram o
Seu Próprio Caminho – uma visão crítica a
partir da experiência do CEDOP. Dissertação de
mestrado – Pós-Graduação em Biblioteconomia,
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ção de mestrado – Programa de Pós-Graduação
em Educação, Universidade Federal da Paraíba.
João Pessoa: UFPB, 2002.

48
49
A contribuição
francesa do
Cinema Direto
POR João de Lima Gomes

João de Lima Gomes é pro-


fessor da UFPB e coordenador
do NUDOC

IMAGEM
Pedro Santos
no filme Cinema Paraibano -
50
vinte anos
51
O cinema no âmbito universitário da Paraíba remonta ao ano de 1955. Ha-
via no programa pedagógico do curso de graduação em Filosofia uma disciplina
de Filmologia na Faculdade de Filosofia de João Pessoa, ministrada pelo crítico de
cinema José Rafael de Menezes.
A faculdade era mantenedora do Curso de Filosofia pela congregação das irmãs
Lourdinas, e tinha caráter privado. Em seguida, a Faculdade foi estadualizada e de-
pois federalizada. Além disso, eram oferecidos ainda cursos de extensão com o título
de “Introdução ao Cinema” nas cidades de João Pessoa e Campina Grande para
uma grande quantidade de estudantes. As faculdades isoladas foram o embrião do
que futuramente seria a Universidade Federal da Paraíba.
A Faculdade era também espaço de politização. O debate orientado para o assun-
to “Cinema - Universo - Povo”, promovido pelo diretório acadêmico da Faculdade
de Filosofia, foi embasado nas opiniões de Álvaro Vieira Pinto e Nelson Werneck So-
dré. Em termos genéricos, a leitura do texto-base, publicada em 1963 sob a forma de
plaquete, para orientação do debate, explicava que a Universidade brasileira, além
de uma questão política, era também uma questão de política.
Senão vejamos os termos do texto, provavelmente redigido por Pedro San-
tos, no qual se elencavam os debatedores Wills Leal, Juarez Batista, José
Rafael de Meneses e Paulo Pires:

A reforma da universidade num país subdesenvolvido, que necessita sacudir o jugo


das pressões imperialistas que o entravam, e criar com plena liberdade a sua cultura
própria, não tem primordialmente finalidade pedagógica, mas visa antes de tudo a
finalidade política. A Universidade da Nação oprimida em esforço de libertação vê-se
constrangida a passar por esta fase de atuação preferencialmente política, para atin-
gir, quando o país houver se consolidado numa realidade social justa e independente,
a fase em que poderá, como e de sua natureza, consagrar-se por inteiro aos seus fins
culturais, identificados, em tal momento, à política geral da sociedade. [...] A forma
da futura Universidade brasileira está sendo decidida muito mais num comício de
camponeses do Nordeste do que nas salas de reuniões dos Conselhos de Educação
(SANTOS, 1963, p. 4).

Essa politização não deixaria de fora o cinema. No texto do debate, uma ci-
tação exemplar (indicada pelas letras J.A., provavelmente retirada de Jorge Ama-
do): “Os inimigos do cinema brasileiro são os mesmos inimigos do povo brasileiro”
(SANTOS, 1963, p. 3).
Na UFPB, com o golpe militar de 1964, foi extinto o Serviço de Cinema, do
Departamento Cultural da Universidade, criado dois anos antes e que tinha à sua
frente Linduarte Noronha. O setor adquiriu inclusive uma filmadora 35 mm russa,
além de película virgem. Os projetos do Serviço foram abortados com o golpe. O
episódio da câmera russa foi rememorado no perfil cinematográfico sobre Linduar-
te Noronha, dirigido por Manfredo Caldas, intitulado Cineasta da terra, produção da

52
Folkino, que foi realizada para a grade de programação do Canal Brasil em 2009,
na série Retratos Brasileiros.
Somente no mês de janeiro de 1977 é que o cinema seria debatido novamente num
espaço próprio na Universidade, após a extinção do Serviço de Cinema. Em promo-
ção do Museu da Imagem e do Som da UFPB, naquele ano realizou-se o simpósio
Universidade – Cinema, pretendendo-se o estabelecimento de uma política de cinema
na Universidade, espaço no qual quase nada estaria sendo feito. “O potencial de lin-
guagem cinematográfica é desconhecido e, portanto, relegado como forma auxiliar às
atividades de ensino, e sobretudo de pesquisa” (MOURA, 1977, p. 4).
O texto originado do evento é repetitivo nesse aspecto: “Praticamente nada vem
sendo desenvolvido neste setor, tanto em termos de realização como de cursos e de
exibições”. Após o diagnóstico, detalham-se os itens de uma política de ação - de um
projeto de infraestrutura de equipamentos à execução de ações no âmbito do cinema.
As linhas que seriam implementadas estariam voltadas para: a) filmes de registro;
b) filmes de pesquisa e c) filmes culturais ou documentários. “E em conformidade com
o interesse [...] os filmes poderão ser realizados nas bitolas 8, 16 e 35 mm, a cores ou
preto e branco, de curta, média ou longa-metragem” (MOURA, 1977, p. 5).
Uma leitura atenta do documento demonstra existir nele a semente do que seria
posteriormente o NUDOC. Comparando-se com outro documento, na Carta de João
Pessoa (1979), vê-se que ambos partem de um mesmo diagnóstico: a estagnação da
produção local. Há diferença em relação ao contexto. No texto de 1979 há referência
ao debate em torno da regionalização e descentralização cultural na Embrafilme, e a
congregação de representação política durante o evento da Jornada de Cinema, evento
no qual veio à lume a Carta.
Foi no NUDOC que introduziu-se a proposta de introdução do Cinema Di-
reto, nos moldes preconizados por Jean Rouch uma vez que, embora oficial-
mente só existisse meses depois, o Núcleo passou a ser a referência em formação
cinematográfica da Universidade.
A abertura do texto da Carta firma-se uma necessidade de “criar condições locais
para participar do programa oficial de regionalização da produção cinematográfica que
vem sendo levado a efeito pela Embrafilme e na qual todas as regiões participantes deve-
rão atuar em nível decisório”. Embora não citado explicitamente, é com lastro no filme
de Linduarte Noronha, Aruanda, que se segue a reivindicação de que é preciso “a reto-
mada do ciclo de documentários paraibanos que ofereceram uma grande contribuição
à história do cinema brasileiro através do esforço espontâneo de jovens e da eventual
colaboração de instituições várias”.
A Universidade é citada várias vezes no teor da Carta. Em relação à infraestrutura,
reivindica-se “a aquisição de equipamentos completos de cinema pela UFPB e Governo
do Estado, da mesma forma como vem acontecendo em outros Estados”.
No tocante à formação, propõe-se na Carta a “realização de convênios, estágios, cur-
sos de extensão e concessão de bolsas de estudo que permitam a conformação de quadros
técnicos que servirão de base à infraestrutura necessária à revitalização do cinema parai-

53
bano à qual se encontra praticamente inativo” (O NORTE, 1979, p. 3).
Quando criado o NUDOC, que seria um dos pontos de apoio para efetivação do
Polo de Cinema da Paraíba, a UFPB já era multicampi e tinha uma feição inter-regional,
possuía mais de 20 mil alunos, 70 cursos de graduação e 39 cursos de pós-graduação,
além de 31 núcleos de pesquisa e extensão em diversas áreas do conhecimento.
Aliado à importância regional, o reitorado da época continuava expandindo as co-
operações internacionais e celebrando convênios com diversas universidades do país e
exterior. Um indicador de seu destaque no cenário das outras instituições universitárias
federais era seu orçamento, o maior da região Nordeste e um dos maiores do país.
A expansão das cooperações encontrou na oferta do realizador francês Jean Rouch,
durante a Jornada de Cinema, mais uma oportunidade de aumentar o número de convê-
nios que naquele momento somava mais de uma dezena de países do mundo envolvendo
diversas áreas do conhecimento. Entre tais países, destaque para os EUA, França, Cana-
dá, Japão, Alemanha e Holanda.
Na discussão da proposta francesa de introdução do Cinema Direto, inicialmente o
principal ponto de divergência era sobre a bitola Super-8, proposta em função de Ateliers
mantidos pelos franceses em Paris e Maputo.
Conforme Manfredo Caldas, estiveram presentes à discussão ocorrida durante a Jor-
nada ele próprio, Vladimir Carvalho, Cosme Alves Neto, Jurandy Moura, Pedro Santos e
Paulo Melo. Os três últimos tiveram participação direta no intercâmbio, sendo que Paulo
Melo, primeiro coordenador do convênio com o NUDOC e redator do projeto do Ate-
lier local, desligou-se da UFPB para acompanhar o reitor Lynaldo Cavalcante, após este
sair da Universidade ao fim do mandato. Jurandy Moura e Pedro Santos fizeram estágio
em Paris por conta da cooperação.

O NUDOC, espaço privilegiado de formação fílmica


Um dado curioso é que foi suprimida a bitola Super-8 na competição das obras na
VII Jornada de Cinema de Salvador. O questionamento sobre o Super-8 resultou na
inclusão do 16 mm, na parte referente à infraestrutura básica e de formação (com câ-
meras, uma mesa de montagem e gravador Nagra).
Mesmo em Paris, o fato de se trabalhar com o Super-8 motivou questionamentos por
parte da revista Films et documents, questão à qual o próprio Jean Rouch respondia dizen-
do: “le probléme du format n’a rien à voir avec le probléme du moyen d’expression...”
(MARCORELES, 1981, p. 27).
Para explicitar a ideia do Atelier, Jean Rouch falou da experiência no Departamento
de Estudos de Comunicação da Universidade de Maputo. Quatro realizadores-forma-
dores, que trabalharam com ele em Nanterre, estiveram em Moçambique entre junho
e setembro de 1978 em missão cultural do ministério do exterior francês (Ministere des
Affaires Etrangeres, conhecido aqui pela sigla MAE) e lá realizaram vários filmes.
Philippe Costantini, que veio ao Brasil duas vezes ministrar cursos,
assim falou a Louis Marcorelles:
54
L’intérêt de l’àventure: des gens partent de zéro, sur un terrain neuf. Ce n’est pas tel-
lemente une question de format. Nous amenons aussi avec nous des films en 16 mil-
limétres que nous montrerons dans les villages. Ce qui compte, c’est 1’état d’espirit:
vivre avec des gens partage quelque chose avec eux, et finalraent apprendre autant et
plus qu’eux. Je leur mettrai des cameras dans 1es mains (MARCORELLES, 1981, p. 23).

Louis Marcorelles viu aí uma forma de realizar “le vieux rêve de Jean Rouch, qui ne
voulait plus que le cinéaste monopolise 1’observation des choses. Il sera a son tour observé”.
O entusiasmo de Jean Rouch pelo Super-8 já fora anteriormente exposto numa
entrevista que concedeu à Miriam Alencar quando veio ao Brasil participar da I
Mostra do Filme Etnográfico do Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro:

A imagem é que vai falar e nesse caso, o Super-8 tem todas as condições para esse
tipo de trabalho, na medida em que há maiores facilidades de filmagens. O movimen-
to da câmera deve caminhar em função do que vê. E o filme etnográfico deve ser feito
também em função do sentimento do autor diante de um homem e sua civi1ização.
Através de sua subjetividade se chega à objetividade científica. Essa objetividade vai
ser observada no momento em que se projetar o filme para os que foram filmados.
Eles vão dizer se sua realidade foi ou não captada (ALENCAR, 1975, p. 2).

Nesse ponto, Jean Rouch penetra na divisão por demais discutida entre dois cam-
pos de conhecimento: o cinema e a ciência. Com base em seus estudos e na sua ex-
periência na África, defendeu o ponto de vista de que a filmadora substitui o bloco de
notas dos antropólogos que fazem observação de campo. Sabemos que em decorrên-
cia disso, pode acontecer uma série de problemas: desde uma inevitável associação
da antropologia clássica com o colonialismo numa perspectiva politica, e também a
luta de autonomia por ambos os campos - o cinema e a ciência, com abordagens de
ambos os lados em vista dos seus fundamentos.
Em 1981, os formadores da Associação Varan, responsáveis pela cooperação com
a UFPB, falavam em “antropologia recíproca” em seu texto-manuscrito, traduzido
por Pedro Santos, do original francês1. 1
O Super-8 seria ideal, para os franceses, nos países onde não havia infra- Antropologie
partagée, no
estrutura de meios audiovisuais desenvolvida no plano das tecnologias de aces-
original.
so ao cinema. No aspecto das derivações do termo documentário, uma abor-
dagem vinculando essa possibilidade fílmica ao que conceitualmente seria
mais apropriado - o Cinema Direto.
A primeira publicação da UNESCO sobre o tema do Super-8, datada de 1976,
foi editada tendo em conta o viés da tecnologia de acesso ao audiovisual e inaugura
esse casamento entre uma tecnologia “modesta” e sua relação com o Terceiro Mun-
do. Além das possibilidades expressivas do que o autor Jonatah Gunter nomeada-
mente intitula de “cinema verité”.
A publicacão francesa Films et Documents questiona bastante o Super-8. Em certa

55
altura da entrevista concedida ao periódico, Jean Rouch declara:

Nous n’avions aucune autre pretention, et quand tu parlais tout à l’heure des Afri-
cains, non, il est très mauvais, je pense, de proposer a des pays qui n’ont pas encore
de cinéma, de passer par le cinéma super 8, ce serait vraiment proposer le cinema au
rabais, le cinéma, il est trés difficile de le diffuser.

Segundo o professor João Carneiro, convidado da UFPB para falar de literatura


e artes no contexto africano, em 1979 as realidades moçambicana e brasileira eram
diferenciadas:

Quando chega a independência, por exemplo, Angola já tem um parque gráfico de


grande sofisticação. Já com uma indústria de cinema, televisão, com rádio muito de-
senvolvido. Em Moçambique a situação é ligeiramente diferente, pois o desenvolvi-
mento dos meios de comunicação é bem menor. Nas outras colônias é insignificante
(GOMES & NUNES FILHO, 1980).

De acordo com Carneiro, não havia acesso, com raríssimas exceções - e estas
exceções são só Angola e um pouco em Moçambique - aos órgãos de informação de
nativos das colônias. “E, mais ainda, não havia acesso de nativos negros. Isso não por
condições de estrutura social, mas também por condições especificamente de instru-
ção, porque os índices de alfabetizados eram mínimos, insignificantes”.
No mesmo ano da VIII Jornada, presente também ao Festival de Brasília, Jean
Rouch fez declarações publicadas no Jornal do Brasil, considerando as diferenças e as
possibilidades do Atelier da Paraíba na matéria intitulada “Jean Rouch e Nanterre
em ligação direta”, datada do dia 20 de outubro:

Nessa experiência serão levadas em conta as condições econômicas, politicas e so-


ciais do lugar. Pretendemos ouvir nossos companheiros, corresponsáveis do projeto
que determinarão as modalidades da experiência. Existe no país, e particularmente na
Paraíba, uma tradição cinematográfica que modifica muito o nosso trabalho.

A afirmação do realizador francês apenas em parte foi considerada ao longo dos anos,
vez que do lado francês a implementação do 16 mm foi efetivada apenas em nível de forma-
ção, no último estágio oferecido em Paris, em 1986.
Isso, contudo, não se constituiu um problema, pois as produções em 16 mm começa-
ram a ser feitas no NUDOC, após a cooperação terminada, numa demonstração de que
o movimento inicial de Jean Rouch foi decisivo para concretização de um salto tecnológico
no interior da própria UFPB. A nosso ver, o problema maior seria compatibilizar duas cine-
matografias fortes no âmbito do cinema em ambiente cultural-universitário, com a profusão
de filmes no estilo do Cinema Direto em grande quantidade. Tal circunstância, propiciou
um debate quase constante sobre os rumos da tradição paraibana e das estéticas possíveis do

56
cinema documentário – e também da ficção - nas terras de Aruanda.
Entre os anos de 1981 e 1985, as principais definições do projeto passaram a ser feitas por
Jean Rouch e Jacques D’Arthuys, na França, e Pedro Santos, no Brasil.
Montar ateliers em vários países no mundo (em 1981 registravam-se Maputo, Niamey,
Tenerife, Manágua, Cidade do México e João Pessoa) pode ser indicador de uma natural
expansão do cinema francês e recupera a tradição expansionista dos franceses, fortíssima e
de escala mundial na primeira década do século XX.
Em países como Moçambique, a empreitada incluía laboratórios de revelação e copia-
gem, o que permitiu nos seus cursos uma quase instantaneidade do processo lá implemen-
tado. Considere-se ainda o incentivo de grandes agências de financiamento e de difusão
cultural como a UNESCO. No caso brasileiro, o financiamento teve aporte para instalação
do Banco do Nordeste do Brasil e do governo estadual.
A publicação Super-8: the modest medium é a primeira a tratar de tecnologia comunicacional
numa série daquele órgão. Embora o autor ressalte que seu trabalho não reflete necessaria-
mente as opiniões da Instituição, o fato de ter sido a primeira de uma série que trata de forma
simples as questões operativas da tecnologia acessível aos países do Terceiro Mundo, indica
que naquela agência de fomento antevia-se no Super-8 possibilidades inúmeras no processo
de comunicação desses países. Funcionaria como uma espécie de manual a ser seguido. E
o seu autor, Jonathan Gunter, foi consultor de projetos de comunicação no Equador e na
Colômbia.
Em Super-8: the modest médium, Gunter discute as qualidades do Super-8: economia,
versatilidade, flexibilidade e fácil operação. Define a tecnologia, basicamente, como um “pro-
duction médium, not a distribution médium”.
Se consideramos que o autor equivocou-se em relação ao que previu em 1976, especial-
mente ao não considerar a velocidade com que a plataforma tecnológica mudaria em escala
global, ao tratar da difusão, no plano ideológico, sustentava ainda a divisão do mundo em
blocos hegemônicos ao considerar a denominação de Terceiro Mundo, por exemplo, para
países diferentes em continentes também diversos.
Contudo, as orientações contidas no livro sobre problemas técnicos foram explicitadas de
modo bastante didático. Tipos de películas, câmeras, iluminação, processamento de labora-
tórios e edição - além de comparativo com outros meios.
Nas conclusões que ele apresentava vejamos o que escreveu:

In the developing countries the possible uses of 8 mm are numerous, most of them
not fully explited. An 8 mm Project can provide film training economically for uni-
versities or training centres concentrating on film or film to television production for
educationar culture. 8 mm can provide quick, lowcost programme inputs for existing
television stations. 8 mm can be taken to the bush or the isolated farms for on-the-
spot reportage or cinema verité (grifo do autor) essays. 8 mm can reflect the depth
and variety of culture to its own people even using separated sound tracks on cassete
for the many dialects spoken. As a mother of fact, the more 8 mm cinematographes
keep away from the ‘established practices of filming in the industrializated countries,

57
the more they can created new possibilities and applications of the medium... In the
Third World especially, the possible innovations with 8 mm are considerable and very
likelly it is in the Third World that the 8 mm revolution will have its greatest impact
(GUNTER, 1976, p. 85).

Voltando ao tema da expansão da cinematografia francesa, podemos aferir que o


aspecto da introdução do projeto na África também não foi sem polêmica, notadamente
em sua feição antropológica.
Rui Duarte de Carvalho comenta em O Camarada e a Câmara que Jean Rouch personi-
ficou uma reação de esmagadora maioria opondo-se ao cinema etnográfico. Os nomes
de Ohnsein e Sambene são citados como destaques dessa reação que remete, segundo
Rui Duarte, à Carta de Argel, de 1959 e ao I e II Congresso de Escritores e Artistas Ne-
gros - vetores importantes, segundo Duarte, para edificar uma cinematografia nacional.
Enunciados os argumentos de cada parte, Rui Duarte afirmou que em fins dos anos
1980 do século passado os ânimos serenaram, mas no caso angolano a produção de uma
cinematografia especializada não atenderia à enorme necessidade do país no campo au-
diovisual por essa época.
Em depoimento ao Seminário “Para entender melhor Angola” (1988), Rui Duarte
afirmou que em relação à sua própria obra foi preciso escrever o livro O Camarada e a
Câmera para demonstrar que não se tratava de cinema antropológico.
Do ponto de vista francês, é raro encontrar por essa época documentos oficiais do Mi-
nistério do Exterior em que o expansionismo no campo do audiovisual seja evidenciado.
Apenas um, que trata da cooperação nesse ramo e da radiodifusão foi publicizado pelos
2 autores do livro Cultura contra democracia? - O audiovisual na época transnacional2. Do capítulo
Ver MATTELART, dedicado ao fluxo cultural entre os países do Primeiro e do Terceiro Mundo, transcreve-
Armand; mos abaixo:
DELCOURT, Xavier;
MATTELART,
Michèle. A As operações de cooperação assumidas essencialmente pelo Ministério da Cooperação
cultura contra e o Ministério das Relações Exteriores para responder as necessidades extremamente
a democracia? diversificadas exprimidas pelos países demandantes, assumem formas diferentes con-
O audiovisual forme se trate de formação profissional ou de assistência técnica. Mas todas servem
na época de apoio a uma política de promoção dos Programas franceses de televisão e de ajuda
transnacional.
para sua difusão, quer seja em bases culturais ou comerciais. Elas favorecem também
São Paulo: Ed.
Brasiliense, 1987. uma penetração de nossas técnicas e de nossos materiais nas redes estrangeiras
de rádio e de televisão ficando entendido que se elas podem às vezes contribuir de
maneira direta para a realização de uma operação de vendas de equipamentos visam
antes de mais nada, preparar o terreno para nossos industriais e sensibilizar nossos
interlocutores para as qualidades das técnicas audiovisuais e do material francês. A
partir de uma época recente, a formação se tornou, além disso, um produto que pode
ser vendido da mesma maneira que qualquer um de nossos bens culturais, porque
possuímos um savoir-faire que interessa nossos interlocutores estrangeiros (exem-
plo: países árabes, México)” (MATTELART; DELCOURT; MATTELART, 1987, p. 87).

58
Em relação a Moçambique, diante de como se apresentava a cooperação, seria neces-
sário um suporte diplomático e Jacques D’Arthuys era o adido cultural da França naquele
país. A sua experiência na área garantia o suporte político necessário, inclusive em Paris, para
implementação dos Ateliers de Cinema Direto.
No caso brasileiro, é preciso entender que era bastante anterior o interesse pelo Bra-
sil manifestado por Jean Rouch. “É preciso contextualizar que esse movimento repre-
sentava um gesto de aproximação efetiva à imagem que guardava da cinematografia
brasileira na França”.
No início dos anos 1970, Rouch já falava em rodar filmes no país, nas cidades de Sal-
vador, São Paulo e Rio de Janeiro, contando com o provável apoio de Thomas Farkas,
produtor de série Brasil Verdade.
Ao que parece, a perspectiva comercial de venda de equipamentos em Super-8 apresen-
tava um descompasso na época com a estratégia comercial da Kodak, que detinha pratica-
mente o monopólio de películas virgens na bitola no Brasil.
Se no caso moçambicano fora decisiva, no Brasil, em 1980 a Kodak interrompeu a co-
mercialização de filmadoras e projetores sonoros, equipamentos importantes para a coope-
ração nos moldes do Cinema Direto.
A deduzir pela Carta de Intenções (1979), assinada quando houve a VIII Jornada, a
proposta de Jean Rouch não mencionava aquisição de tecnologias como condição da co-
operação, o que o exime da crítica sobre obrigatoriedade de compra de equipamentos de
Super-8 feita na época.
Um segundo ponto a considerar seria que se tomarmos por base o manifesto traduzido
por Pedro Santos, texto este que representava em parte o pensamento dos formadores da As-
sociação Varan, de 1981, a polêmica se instaurou pelo viés da institucionalização de saberes
no âmbito artístico e acadêmico. E o cinema não estaria imune a esse poder de instituciona-
lização que o conhecimento gera em ambientes universitários e artísticos.
A deduzir pelos exemplos dos filmes exibidos nos estágios na França, ao comparar com
os termos do documento de 1981, nota-se que não havia um consenso total pairando sobre
o que se discutia em termos do Cinema Direto, sequer no interior da própria Associação
Varan, onde os formadores imprimiam seu ponto de vista naquilo que essencialmente Jean
Rouch definia como “antropologia recíproca”, segundo a tradução livre do maestro Pedro 3
Santos. Isso repercutiu em áreas onde a expansão ia se fazendo. O próprio perfil dos forma- DIVERSOS - Plano
dores imprimia uma inclinação pessoal a uma orientação genérica sobre o Cinema Direto. del curso. Apostila
mimeografada
Uma vez que pudemos participar diretamente de duas fases, em Paris, do intercâmbio,
distribuída
podemos constatar que houve um salto evolutivo em relação aos primeiros movimentos do no estágio de
grupo de Varan, que, no entanto, já em 1984 demonstrava ter fissuras internas que influen- aperfeiçoamento
ciariam o desdobramento dos eventos relacionados ao atelier de João Pessoa, por exemplo. em Paris, França.
No aspecto pedagógico, a partir do Plano del curso3, distribuído aos participantes Ateliers Varan,
de uma avaliação mundial feita em 1984, vê-se uma ampliação em relação ao leque 1984. Autoria
do grupo Varan
de práticas do documentário, tendo em vista “as necessidades específicas de cada
no estágio de
centro” e “a prática de outros gêneros cinematográficos mais aptos à demanda destes primavera de
(Filme tecnológico, pedagógicos, documentários, reportagens...)”. 1981.

59
No caso brasileiro, este perfil ia se delineando em João Pessoa com Severin Blan-
chet, Mirreil Abramovici, e Philippe Costantinni, sendo que este último atuou na
fundação do atelier de João Pessoa e Fortaleza.
De forma sucinta, poderíamos convidar o espectador a refletir sobre como, no
Atelier de João Pessoa, filmes tipo Música sem preconceito e É Romão praqui, é Romão praco-
lá, de Alberto Jr. e Vânia Perazzo, respectivamente, têm propostas estéticas distintas.

IMAGEM Eles foram produzidos em cursos nos quais as orientações dos formadores franceses
Música sem eram diferentes, não se mostrando assim tendências monolíticas na forma de uma
preconceito pedagogia do Cinema Direto.
Alberto Jr., No Atelier de Fortaleza, para onde foi estendida a cooperação com o aporte de
1984, 20 min. 50.000 francos oferecidos pelo governo francês, em equipamentos, a análise dos fil-
mes se tornaria mais complexa uma vez que a coordenação local de Euzélio Oliveira
sugeriu ao reitor da Universidade Federal do Ceará interromper o acompanhamento
da finalização das obras dos alunos, levando à suspensão dos trabalhos de orientação
da montagem dos filmes na última etapa dos trabalhos.
De forma genérica, pode-se considerar para reflexão, no entanto, duas caracte-
rísticas comuns nos filmes advindos dos estágios brasileiros: a) a grande parte dos
filmes era de perfis abordando artistas que mobilizavam algum tipo de linguagem.
Em consequência, a própria prática dessa linguagem supria as “deficiências” expres-

60
sivas desse tipo de trabalho fílmico; b) ao realizar um filme onde o próprio sujeito é o
personagem da narração, cria-se um vínculo ético que limita a ação, estimulando o
plano-sequência que evitaria ou amenizaria a manipulação dos conteúdos.
Algumas produções dos brasileiros na França, realizadas na Associação Varan,
podem ser acessadas pelo site do Instituto Nacional do Audiovisual, especialmente os
filmes com um apelo mais universalista.
La crise est mondiale (Pedro Santos, 1980, realizado em Super-8) foi o primeiro
título de brasileiro na França, realizado na forma de uma carta-postal cinema-
tográfica, narrado em primeira pessoa pelo autor, contando suas impressões da
Paris da época.
Superando a perspectiva da técnica, o próprio NUDOC tratou de avançar a
partir dessa base propiciada pela cooperação na medida em que passou a produ-
zir curtas e médias-metragens na bitola 16 mm e 35 mm, com financiamentos de
diversas naturezas, ou mesmo, mais recentemente, no formato digital; filmes que
têm ainda assim marcas do período em que o intercâmbio com os franceses foi
efetivo.
Pensando o projeto sob a perspectiva do próprio Núcleo, é curioso como o
maestro Pedro Santos enfatizava que os franceses esperavam uma contribuição
nossa, embora que sobre o Cinema Direto já existisse no centro-sul do país um
debate que remontava aos anos 1960.
Contudo, ao retornar de um estágio em Paris, o maestro Pedro Santos assi-
nalou que discutiu com os seus colegas franceses um viés bastante curioso para a
época: o de que com o Super-8 quebra-se a hierarquia da obra fílmica de padrões
industriais. O filme realizado permite que o autor seja o dono da própria obra e,
portanto, não alienado em relação a ela. Ademais, o filme Super-8 continha uma
forma de subversão do uso da tecnologia complexa do cinema; este uso deveria
ter uma perspectiva de reversão, de encarar a tecnologia como lixo da sociedade
industrial, fazer tal como o artesão nordestino que se apropria de produtos indus-
triais (um pneu) e transforma-o artesanalmente em objeto utilitário.
Embora refletisse uma política de expansão do governo francês, foi sintomático 4
que com o falecimento dos principais entusiastas do projeto, Pedro Santos (1987) e Correspondência
Jacques d`Arthuys (1989), praticamente desapareceram as forças pessoais e institu- administrativa
assinada
cionais que mantinham efetiva a cooperação.
por Jacques
Contudo, há que ser considerado ainda que o ano de 1983 foi difícil para as uni- Ramondot. Acervo
versidades brasileiras (em 1982 ocorreu uma greve que interrompeu parcialmente as do maestro
atividades do Atelier de João Pessoa) e para o governo francês. É o que consta no re- Pedro Santos,
latório da Assessoria Internacional da UFPB, assinado em 27 de dezembro de 19834. catalogado
Antes de falecer, D`Arthuys ainda fez o esforço de, através de uma instituição no Núcleo de
Documentação
(Garsilaso de La Vega, com sede em Paris) articular brasileiros, mexicanos, bolivia-
e Informação
nos e equatorianos em produções fílmicas internacionais. Histórica Regional
Vânia Perazzo, cineasta paraibana que participou desde cedo da cooperação e da UFPB. Pasta
tornou-se orientanda de Jean Rouch na Universidade de Nanterre, também tentou APS-CD6.

61
rearticular institucionalmente o convênio, porém tal iniciativa não logrou êxito.
Fazendo hoje uma reflexão ante a facilidade com que as pessoas terão acesso aos
filmes, entrando no universo do projeto que ora disponibiliza na web grande parte
dos filmes paraibanos, realizados durante a cooperação, podemos aquilatar possibi-
lidades infinitas na revisão das ideias em curso naquela época. Instaura-se uma nova
leitura de imagens e propostas trazidas pelos franceses que aqui aportaram, gerando
agora interfaces daquela época com os acontecimentos recentes.
O “viver com as pessoas”, que nos falava Philippe Constantinni, realiza-se mais
uma vez, agora com o apoio da tecnologia de acesso digital, numa triangulação sen-
sível da memória afetiva dos personagens reais que aparecem nos filmes, no discurso
fílmico dos diretores que realizaram as obras e, principalmente, no distanciamento
crítico necessário que permitirá ver nos trabalhos dos alunos o empenho dos forma-
dores franceses que conosco conviveram.
Em abril de 2010, em João Pessoa, numa realização do NUDOC e Balafon,
a Mostra Jean Rouch foi a maior retrospectiva já programada de um cineasta da
contemporaneidade na nossa região. O cineasta francês, no entanto, já era falecido.
O programa de filmes foi encerrado com a projeção e debate do filme Jean Rouch et
Germaine Dieterlen, l`avenir du souvenir, dirigido por Philippe Costantinni, que a nosso
ver explicita bem essa continuidade de um cinema voltado para a compreensão dos
povos e suas memórias, mesmo que elas estejam distantes da nossa memória.
Em 2003, quando da realização em Salvador de mais uma Jornada de Cinema da
Bahia, na qual Rouch seria homenageado por diversos cineastas brasileiros partici-
pantes do evento, entrevistei Jean Rouch. Indagado sobre a cooperação com o cine-
5 ma paraibano, de pronto nos respondeu que o intercâmbio era uma “porta aberta”5.
Em entrevista
curta que nos
concedeu em
setembro de
2003, disse
que esse tipo
de cooperação
seria uma “porta
aberta”. Arquivo
pessoal, registro
em áudio.
Colaboraram
também Bertrand
Lira e Marcos de
Souza Mendes.
Salvador-BA,
set. 2003. Acervo
pessoal.

62
REFERÊNCIAS
ALENCAR, Miriam. “Para fixar o primitivo o cine-
ma não precisa de palavras, só imagens”. Jor-
nal do Brasil, Caderno B, Rio de Janeiro, 20 ago.
1975. Entrevista com Jean Rouch.

GOMES, João de Lima; NUNES FILHO, Pedro. Ca-


dernos de comunicação e realidade brasileira.
João Pessoa, PB: EdUFPB, 1980.

GOMES, João de Lima. Cinema paraibano. Um


núcleo em vias de renovação e retomada. 1991.
Dissertação de mestrado - Escola de Comuni-
cação e Artes, Universidade de São Paulo, São
Paulo, SP, 1991.

GUNTER, Jonathan F. Super-8: the modest me-


dium. Paris: UNESCO, 1976.

“JEAN Rouch e Nanterre em ligação direta”. Jor-


nal do Brasil, Rio de Janeiro, 20 out. 1979.

MARCORELLES, Louis. Des ateliers super-8 em


France et au Mozambique. Films et documents,
n. 333, Paris, França, 1981.

MATTELART, Armand; DELCOURT, Xavier; MATTE-


LART, Michèle. A cultura contra a democracia?
O audiovisual na época transnacional. São
Paulo: Brasiliense, 1987.

MOURA, Jurandy. Universidade - Cinema: pro-


posta para uma política de cinema da UFPB.
Documento mimeografado. Acervo NDIHR-UFPB,
João Pessoa, PB, 1977.

SANTOS, Pedro Pereira et al. Cinema - Universi-


dade - Povo. Plaquete mimeografada, Diretório
Acadêmico da Faculdade de Filosofia. Serviço de
Cinema da Universidade da Paraíba. João Pes-
soa, PB, 1963.

63
Jomard Muniz
de Britto
um livre pensador a serviço do
cinema e da cultura

POR pedro nunes

64
“Sobrevivemos pelo Jomard Muniz de Britto pode ser
descrito como um livre pensador que

desencantamento
incorpora a dimensão de um poeta ir-
reverente. Habitualmente esse filósofo-
poeta caminha na contramão dos acon-
do mundo e tecimentos. Esse guru acadêmico que
vislumbra possibilidades estranhas e ra-

reencantamento dicais no campo da arte, consegue rein-


ventar o seu próprio cotidiano através

das linguagens.” da inscrição de marcas libertárias e de


resistência cultural muito bem expressas
em seus manifestos, filmes, declama-
JMB ções, performances e discursos que co-
meçam pelo avesso, livros, experimentos
e manifestos. Esse seu perfil singular é
impregnado por essas diferenças que se
proliferam na contracorrente. A sua sin-
gularidade criativa e intelectual resulta
de um eu plural com múltiplas faces.

65
1 Paulo Cunha, em A pesquisa cultural nas margens: universidade, vanguarda, periferia1, faz a
Texto apresentado seguinte observação sobre a produção conceitual de Jomard Muniz de Britto:
no Encontro
de Estudos
Parece claro que o traço unificador mais genérico da produção de Jomard Muniz de
Multidisciplinares
em Cultura, Britto é a ruptura com as esferas tradicionais da cultura e a instituição do sentido do
realizado no novo como produtor do novo sentido. Há um permanente elogio da experimentação,
período de 23 a 25 das vanguardas - embora esse elogio seja problematizado pelas próprias contra-
de maio de 2007, dições que ele expõe. Trata-se, muitas vezes, de uma espécie de antissaudosismo
na Faculdade
militante em que o novo se localiza como desafio.
de Comunicação
da Universidade
Federal da Bahia, Jomard Muniz de Britto é um militante despojado que maneja com ideias ino-
Salvador/Bahia- vadoras no campo da produção de conhecimentos e de sua produção cultural. Age
Brasil. e pensa em ritmo de ruptura, confrontos e diálogos. Pode-se dizer que a sua con-
dição de ser revela uma pessoa avessa às convenções, aos rituais e aos protocolos.
Integra esses protocolos, mas prefere as dobras, as margens, os paradoxos, a peri-
feria e os percursos errantes. A sua produção intelectual reflete essas contradições
e conflitos de um Brasil utópico em busca de novas identidades: “O Brasil não é
meu país, é o meu ABISMO”, afirma. Essas posturas pensamentais e performan-
ces Jomardianas geram atritos, colisões e promovem a curiosidade. Desaguam e se
espraiam em toda sua produção conceitual e fazem do humano pensador Jomard
Muniz de Britto uma pessoa amada e odiada por proclamar o respeito às diferen-
ças, por adotar posturas contra as farsas políticas, os valores morais, a hipocrisia
social e as imposturas acadêmicas.
Jomard Muniz de Britto é por natureza própria um protagonista da cena cultural,
polêmico, que se estrutura sob o paradigma da ousadia. Encampa outros adjetivos
qualificativos. Essa irreverência enquanto postura existencial de vida contra o que
sempre denominou de BURROcracia não impediu que ocupasse cargos públicos
de destaque, a exemplo de diretor da Fundação de Cultura da Cidade do Recife ou,
ainda, a sua atuação como diretor do Departamento de Extensão Cultural da Uni-
versidade Federal de Pernambuco.
Seus textos, produções culturais e legados poéticos ressignificam a vida ao valori-
zar o contraditório, as posturas libertárias e os novos arranjos estéticos que violentam
as construções narrativas mais tradicionais.
Em um AUTORRETRATO verbal, Jomard Muniz de Britto relata o se-
guinte: “Eu sou sobrevivente da Bossa Nova, pra mim, a modernidade surgiu na Bossa Nova
e corresponde ao Cinema Novo...”.
Em 1964, ano de instauração do Golpe Militar Brasileiro, Jomard Muniz de
Britto lança Contradições do Homem Brasileiro, sendo logo em seguida o livro proibido,
tempos depois, o autor preso. Na condição de professor da Universidade Federal da
Paraíba respondeu a um inquérito policial em decorrência de uma palestra que teve
como tema o AMOR.
Autor de uma vasta obra literária destacando-se: Do Modernismo à Bossa Nova

66
(1966), Inventário de um Feudalismo Cultural (1979), Terceira Aquarela do Brasil (1982), Bordel
Brasilírico Bordel (1992), Arrecife de Desejo (1994) e Atentados poéticos (2002), entre outros.
Glauber Rocha, ao prefaciar Do Modernismo à Bossa Nova (1966), reeditado pela
Civilização Brasileira em 2009, nos traça um perfil afetuoso que revela o amplo es-
pectro criativo de Jomard Muniz de Britto. Glauber Rocha assinala o seguinte:

O que me fez amigo de JMB foi nossa comum paixão pelo cinema, isso já faz dez
anos (em 1956, portanto), na decente Recife. Depois, nosso desencontro de tempe-
ramentos criou compensações: JMB veio escrever crítica de poesia numa revista li-
terária que eu dirigia em Salvador, depois veio mesmo para a Bahia, onde agiu com
brilhantismo e polêmica nas rodas jovens das artes e letras locais. E assim foi, se
revelando palmo a palmo: o crítico de cinema era professor de filosofia, o teórico
de poesia era entendido de teatro, o esteta rigoroso era jornalista, o jornalista era
professor e o professor sambista, outra vez no teatro! Fascinante timidez evoluindo
por meandros táticos, aqui e ali exercendo sua função precisa, consequente. Outra
coisa que me fascina em JMB é a sua desaristocratização [...]. Sua erudição é diluída
no seu grande interesse pela vida, sobretudo pela vida que o cerca, a que vive nos
inesperados caminhos de hoje.

No campo da produção audiovisual, a obra de Jomard Muniz de Britto é igual-


mente perturbadora e mordaz. Em pleno auge de repressão do regime militar,
começa a produzir a partir do ano de 1974, filmes na bitola Super-8. A sua pro-
dução audiovisual em Pernambuco é constituída por 28 filmes irreverentes ou por
assim dizer, desestabilizadores. Destacamos alguns desses títulos: Ensaio de androgi-
nia (1974), Esses moços, Pobres moços (1975), Alto nível baixo (1977), O palhaço degolado
(1977), Inventário de um feudalismo cultural nordestino (1978), Jogos frugais frutais (1979)
e Jogos Labiais Libidinais (1979).
Em 1980, a ação que tramitava na Justiça garantiu a Jomard Muniz de Brit-
to o direito de reintegração à UFPB. A partir daí passa a compor o quadro de
docentes do então Departamento de Artes e Comunicação, ministrando au-
las no Curso de Comunicação Social. O Brasil desde 1978, em plena vigên-
cia do regime militar, se articulava a partir de grupos organizados em favor da
Anistia Ampla, Geral e Irrestrita.
A presente entrevista com Jomard Muniz de Britto, realizada no dia 06 de junho
de 1985, retrata esse período de vivência intensa do autor em termos da efervescên-
cia cultural que forneceu suporte para construção do terceiro ciclo de cinema na
Paraíba. Jomard Muniz de Britto foi uma das figuras de destaque desse movimento
por conta de sua sólida formação intelectual, produção de filmes Super-8, participa-
ções em seminários, debates e posicionamentos na imprensa. Ele integrou a segunda
geração de cinema paraibano, sobretudo com sua produção literária, fazendo uma
ponte entre João Pessoa e Recife e atuou de forma ativa junto aos protagonistas do
surto de produção audiovisual ocorrido na Paraíba de 1979 a 1983. Como contrar-

67
resposta ao Cinema Direto, Jomard Muniz de Britto ajudou a criar o Núcleo de
Cinema Indireto, estimulou a escritura de manifestos e produziu três filmes na bitola
Super-8 que são considerados basilares no contexto de uma produção audiovisual
na Paraíba, visto que apresentam marcas de experimentação e transgressão temática
envolvendo a sexualidade: Esperando João (1981), Cidade dos Homens (1982) e Paraíba,
Masculina, Feminina Neutra (1983).
No ano de 2007, a Universidade Federal da Paraíba outorgou o título de Profes-
sor Emérito a Jomard Muniz de Britto como forma de reconhecer a sua relevante
produção acadêmica prestada à ciência, à cultura e à instituição.
Na presente entrevista Jomard Muniz de Britto levanta questões conceituais sobre
o cinema, destaca as iniciativas regionais de produção audiovisual, põe em relevo o
papel da Universidade Federal da Paraíba, evidencia o contexto de época que cir-
cunscreve o Terceiro Ciclo de Produção Audiovisual na Paraíba, levanta os conflitos
em torno do Cinema Direto e do Cinema Indireto, fala dos filmes onde a sexuali-
dade é posta em debate, critica as ações da censura no contexto da ditadura militar
e sinaliza apontando os principais desafios quanto à ausência de uma infraestrutura
necessária para a produção audiovisual na Paraíba. A entrevista inédita integra o
corpo da dissertação de mestrado, intitulada Violentação do ritual cinematográfico: Aspectos
do cinema independente na Paraíba - 1979 -1983, defendida no ano de 1988 na Universi-
dade Metodista de São Paulo.

O que você considera como Cinema In- de Época, que afirma de início: era uma
dependente e Cinema Alternativo? Você produção que estava ligada a grupos,
faz alguma distinção entre esses dois como Nuvem Cigana, Frenesi, quer di-
conceitos? zer, poetas, cada um com sua caracterís-
tica própria, mas que se agrupavam. A
Associo muito esse problema de Cine- produção independente surgiu por uma
ma Independente ou Cinema Alternati- necessidade de expressão do pessoal, e de
vo ao problema da cultura de um modo furar o bloqueio das editoras. Todo o cir-
geral. Fala-se muito de Poesia Marginal, cuito, tanto a produção como a difusão
a Geração de Mimeógrafo, que foi em em si, iam aos bares vender seus livros,
70, chamada geração 70, quer dizer, um para as portas de teatro, aos lugares onde
bocado de poetas, escritores num sentido tinha um público, que eles achavam que
mais amplo, mas preponderantemente tinha identificação com essa proposta de
poetas, que com dificuldades de acesso trabalho. O cinema que foi feito na dé-
às grandes editoras, começaram a furar cada de 70, no nosso caso, sobretudo nos
o circuito de divulgação dos seus traba- meados de 70, que se pode chamar de
lhos, através de uma produção indepen- Produção Independente ou Alternativa
dente. Eles próprios, através de recursos (esses rótulos são muito questionáveis)
artesanais - mimeógrafo - iam divulgan- que se coloca dentro dessa produção
do seus trabalhos. Havia uma produção. mais ampla da cultura brasileira alter-
Tem a tese interessante chamada Retrato nativa, marginal ou marginalizada dos

68
grandes circuitos, das grandes editoras, po em que entrevistei muita gente. Para
das grandes produtoras, uma forma de mim surge como necessidade desse com-
furar esse bloqueio. Poesia Marginal é prometimento didático, de que o profes-
uma poesia que se fez à margem, ela foi sor deve, também mexer com os meios
editada à margem das grandes editoras, de comunicação, e o professor, à medida
marginal neste sentido, ou alternativa, que faz coisas fracas, também, coisas cri-
com circuito de distribuição ou de consu- ticáveis, e isso tudo mostra que ele está se
mo, todo o elo da comunicação desde a desmistificando também e que os alunos
produção até o consumo, se é que se deve achem que se o professor faz um filme ele
ter um público diferente, uma alternativa também pode fazer. Acho que é dentro
diferente para aquela “produção indus- desse espírito muito pedagógico. Agora,
trial”, eu diria que uma coisa mais de um a coisa ao mesmo tempo extrapola a di-
certo resíduo de coisa artesanal. Na épo- dática, a pedagogia. Eu sempre fui muito
ca da censura muito forte, essa “geração voltado para o problema dos audiovisu-
mimeógrafo” na literatura... significava, ais, eu me lembro, teve uma época em
também, um confronto, uma “guerrilha que eu dava todos os meus cursos basea-
cultural” diante das tremendas frações dos em episcópio e pegava músicas, cola-
da censura. gens... e eu me lembro de uma aluna que
participava de um curso meu na Secre-
Quer dizer que você situa o Cinema In- taria de Educação e Cultura de Pernam-
dependente dentro desse contexto mais buco e disse: “Isso parece Godard, essas
amplo, com outros movimentos, da poe- montagens que você faz”. Eu cheguei ao
sia, teatro. Então, qual a relação de seu cinema através de um trabalho audiovi-
trabalho com esses conceitos que você sual, música e colagens, uma montagem
teorizou de uma forma mais ampla, como que eu fazia com episcópio, eu treinava
é que você associa seu trabalho com... muito em casa para que houvesse a coin-
cidência do ritmo e da música com aque-
As peculiaridades de meu trabalho ou las imagens que eu mesmo projetava. Eu
particularidades eu já procuro um pouco achei esse encaminhamento de chegar
justificar, no caso de carecer justificativa, ao cinema da década de 70, já que es-
pelo fato de eu ser professor de Comuni- tava desligado desde fins de 50... época
cação, eu acho que há um certo estímulo dos debates dos filmes, cineclubismo, etc.
para os próprios alunos com os quais eu É uma motivação didática ligada a essa
trabalho, de que o professor não apenas paixão que eu tenho pelo audiovisual.
teorize ou discuta problemas de comuni-
cação, mas que ele também se exercite De 1978 a 1983 nós temos 55 filmes re-
através dos meios de comunicação. Eu alizados na Paraíba, em sua maioria na
gostaria muito de fazer programas de bitola Super-8 e alguns no formato 16
televisão. Mas não tenho acesso à televi- mm. A que você atribui esse surto de re-
são; eu participei um pouco de entrevis- alizações?
tas de televisão, até como entrevistador
convidado da Globo durante algum tem- São tantos fatores. Primeiro a necessi-

69
dade de retomar uma própria produção Cinema Direto, o convênio com a Fran-
que acabaria sendo pioneira na época do ça gerou uma certa polêmica altamente
Cinema Novo. Isso sempre ficou, apesar produtiva. Ao pessoal que era ligado ao
de muitos cineastas paraibanos terem Cinema Direto eu colocava numa linha
ido radicar-se no centro-sul do país, mas paródica o Cinema Indireto, que é um
ficou dentro da ambiência cultural o de- cinema oblíquo. Questionar um pouco
sejo de retomar essa linha criativa, dessa o perigo de um certo dogmatismo do
produção criativa do cinema. Esse seria Cinema Direto. Mas, a Paraíba teve um
um dos elementos, outro, as Jornadas de mérito, um mérito, inclusive, que acho

IMAGEM Cinema em Salvador tinham um efei- importante, de ter recriado o Cinema


Música sem to de demonstração... assim você via as Direto, de ter deturpado o purismo do
preconceito produções que estavam se realizando nos Cinema Direto, a proposta do Cinema
Alberto Jr., outros estados. Isso era uma fonte de estí- Direto. Recriação incluindo tudo, aspec-
1984, 20 min. mulo para quem queria. Aqui em Recife, tos de deturpação, de formação da pro-
a influência do crítico Fernando Spencer, posta inicial do Cinema Direto, de uma
também cineasta, divulgava muito, como certa pureza do Cinema Direto. Então,
também Celso Marconi divulgava a Jor- a Paraíba é um negócio... as impurezas
nada de Cinema de Salvador. As pessoas paraibanas, as impurezas do “masculi-
queriam participar, iam, e para partici- no neutro”, como tem as impurezas do
par tinham que fazer filmes. Eu coloco branco do poeta Carlos Drummond de
muito isso e também na Paraíba o pro- Andrade, as impurezas do audiovisual
blema da universidade que houve com o que são as manchas paraibanas, as tintas

70
paraibanas dentro de uma certa “ortodo- mesmo, e isso para os defensores de um
xia diretivista” por parte dos franceses. E cinema, de uma linha da pureza docu-
depois, a facilidade de se fazer Super-8, mental. Essas pessoas, evidentemente,
em termos econômicos, é claro que mui- se sentiam muito incomodadas, eu diria
ta gente tinha vontade de fazer 16 mm, talvez, agredidas. Havia uma tradição
35 mm, terceira dimensão, mas não se sólida, muito forte, uma tradição crista-
tinha grana, não se tinha condições eco- lizada de um cinema feito por cineasta
nômicas. Na década de 70 era uma coisa antropólogo ou etnólogo, da linha mui-
viável, eu pude fazer vários filmes com to mais Aruanda, da matriz Aruanda do
recursos próprios, com o meu salário de Linduarte... Pois quando surgiu essa
professor, sem ajuda de nenhuma insti- coisa ficcional, a abertura para uma
tuição; conseguia tirar do meu salário fantasia criadora, mistura de docu-
para produzir esses filmes, quer dizer, mento com ficção, gerando ficções
entrava na produção atores que nunca mais audaciosas. Isso naturalmente
ganharam dinheiro comigo, mas alguns bulia muito com as tradições do do-
técnicos de montagens e cinegrafistas ti- cumentário, não só paraibano, mas
nham um cachê simbólico que eles pe- nordestino, brasileiro.
diam, a parte de montagem... não era só
o filme virgem não, mas alguns técnicos As produções independentes em Su-
recebiam, e isso, com meu salário de pro- per-8 tendem para experimentação
fessor, e hoje em dia a coisa seria muito com inovações da narrativa. É isso
mais difícil. Estou colocando a Paraíba, que observamos no conjunto de pro-
mas o intercâmbio entre Recife e João duções emergentes em vários estados
Pessoa é muito grande, sobretudo, por brasileiros. No entanto, percebo no
eu transitar semanalmente entre as duas conjunto das realizações paraibanas
cidades... eu tenho que colocar a coisa a utilização de códigos convencionais
do ponto de vista da Paraíba e de Per- que tomam como modelo o cinema de
nambuco também, inclusive retomando concepção dominante. Identifico uma
aquele casamento tão ideal e tão perfeito ausência de criatividade, falta ousa-
que foi o do fotógrafo Rucker Vieira com dia para a grande maioria dos jovens da
o Linduarte Noronha, nas origens do Ci- terceira geração. Eu consigo enxergar
nema Novo paraibano. essa ousadia nos filmes de ficção ou pro-
postas híbridas docuficcionais.
Observamos nos filmes paraibanos pio-
neiros e na segunda geração de cinema A linhagem documental, documen-
uma tradição de cinema com uma pers- tarista, tem as amarras históricas muito
pectiva documental. Neste novo ciclo de nítidas. O documentário faz uma opção,
cinema produzido na Paraíba você con- ou certo comprometimento, uma certa
segue ver um corte nítido entre o docu- amarração histórico-social, ou histórico-
mentário e a ficção, ou não? sociológica, ao passo que a ficção joga
com as asas da liberdade. Embora, toda
Mais do que um corte, é uma ruptura a ficção reflita um momento histórico. O

71
projeto ficcional é justamente o projeto Embora eu conheça muito bem o
de jogar com o imaginário. Logo, a pala- seu trabalho, eu queria que você
vra que você usou antes, um comporta- falasse sobre os seus filmes e
mento mais audacioso, um desafio maior temáticas perturbadoras.
para a parte inventiva, estaria na ficção,
embora sem tirar o mérito da criativida- Considerando num todo, num con-
de que existe nos documentários. Mas, junto, ou num bloco, diria que é a proble-
eu acho que há um apelo mais veemente mática da crítica da cultura. É uma coisa
de identidade criativa na ficção. O pro- meio pernóstica, mas é uma coisa que
blema mais sério é a partir de quando, a gente tenta exercitar na universidade,
por exemplo, Jean-Claude escreveu mui- que é a coisa da crítica cultural, muito
to bem, por uma crítica ficcional, que ligada à cultura brasileira, especialmen-
esses territórios de documentário e da te. Eu procurei mobilizar o audiovisual,
ficção já começam a estar muito mina- especialmente o Super-8, dentro dessa
dos, uma vivência, uma reflexão, não só perspectiva de crítica cultural, que em
a vivência, mas uma reflexão metalin- alguns filmes a coisa é bem evidenciada,
guística, coloca muito, sobretudo a con- ela tem um destaque muito... talvez mais
tribuição de semiologia e da semiótica. do que óbvio, como Palhaço Degolado e
As análises, assim, freudianas, lacania- Inventário do Feudalismo Cultural, esses dois
nas, já mostravam que esses territórios filmes eu acho que definem bem. Outras
são territórios minados, e que não exis- Cenas da Vida Brasileira, também. A minha
tem fronteiras rígidas, separando a ficção produção paraibana é uma produção
do documentário. E esse documentário, muito limitada, são três filmes de mais
de qualquer forma, documenta o real, e ou menos 30 minutos, Esperando João, A
também o que existe de ficcional na pró- Cidade dos Homens e Paraíba Masculina... O
pria intenção ou na própria linhagem do primeiro é uma tentativa de me anteci-
documentarista. Eu acho que é a colo- par ao filme da Tizuka Yamasaki sobre
cação mais forte a ser feita, justamente a Anayde Beiriz, mais uma vez mostra
isso é uma coisa da década de 70 pra cá, a facilidade do Super-8. Na verdade eu
é mostrar que não existe esse purismo assisti a uma palestra no Departamento
documentarista, e que o documentário... de Artes e Comunicação do José Joffily,
ele aparentemente é um documentário, é durante a palestra uma professora e ex
um reflexo... reflexão sobre a realidade, -aluna nossa, Maria das Graças, fez uma
mas tem muita coisa do delírio do autor, pergunta ao Joffily sobre o problema
do apriori ideológico do autor... ele vai ser das ligações daquele assassinato de João
a realidade através de uma angulação so- Pessoa àquela trama entre João Dantas,
ciológica (psicologia social) antropológi- João Pessoa e Anayde, se havia um com-
ca e isso condiciona a visão dele da pró- prometimento ideológico, ou era mais
pria realidade. As fronteiras se tornaram um caso sentimental, um caso de amor,
muito fluidas, o campo de ambiguidade de uma paixão desvairada. Aquela per-
tende a crescer cada vez mais nessas rela- gunta, e até a própria notícia de que a
ções de documentário com a ficção. Tizuka estava interessada em fazer um

72
filme sobre a Anayde Beiriz, me levou a vi... (você pega aquela página que saiu na
ler o livro de Joffily, e de fazer um auto- edição de IV centenário da Paraíba, em
desafio a mim mesmo. Vamos fazer um A União) procurei teorizar mais a minha
filme antes do filme da Tizuka. É... essa interpretação da cultura paraibana, dos
coisa que eu diria assim: o espírito paro- modos vivenciais paraibanos.
dístico, a coisa da sátira, da paródia, que
a gente gosta de usar muito como ins- Eu queria que você fizesse uma leitura
trumental da crítica da cultura. E o que geral desse bloco de filmes. Que elemen-
a gente pensou foi o seguinte: dar uma tos você considerou importante nesse
versão pirandeliana da Anayde. Seriam conjunto de realizações?
seis pessoas ou sete incluindo a narrado-
ra, seriam sete imaginários da Anayde O grande corte, ou a grande ruptura
Beiriz, como eu via, e como os autores em relação à tradição anterior do filme
tinham uma importância muito grande, paraibano mais contaminado pelo ide-
cada um concebeu a sua Anayde, como al de uma certa pureza documental, foi
o ator Francisco Marto, que pesquisou justamente essa coisa da fantasia e so-
muito. O Esperando João é essa colocação. bretudo a fantasia erótica, esses filmes
São três atores e três atrizes, cada um no conjunto dinamizavam esse dado da
encarnando, corporificando a Anayde fantasia erótica, o fantasma da fantasia
Beiriz. É muito como se fosse a ótica da e do imaginário erótico, muito recalca-
cidade de João Pessoa, através da mulher, do na província, assim, as pessoas numa
da condição feminina. Por isso eu fiquei leitura mais superficial, mais rápida di-
interessado em fazer dentro deste espíri- riam: é o toque do homossexualismo, in-
to parodístico inspirado em Fellini de A clusive gostei de ter criado a expressão
Cidade das Mulheres, fazer A Cidade dos Ho- “Cineguei”, mas no sentido do Nego da
mens, que foi o segundo filme, mostrando Paraíba, do verbo neguei, passado do...
a presença predominantemente mas- Cineguei, quer dizer, várias leituras dessa
culina na vida da cidade, desde o ama- expressão. Mas não fica só nesse toque
nhecer, os pescadores indo trabalhar, os homossexual, homoerótico, é o proble-
operários que estavam construindo, o tão ma do erotismo num sentido mais am-
controvertido Espaço Cultural, a manhã plo, dentro daquela visão mesmo, muito
na vida da cidade, os pontos que têm questionada pelos pós-freudianos, que
um aglomerado masculino maior, bares, colocam essa dimensão da sexualidade
Ponto de Cem Réis. E o terceiro é a pre- como sendo perversa e polimórfica. Gos-
tensão de fazer uma síntese do primeiro taria de citar, já que falei em Freud, uma
com o segundo, uma síntese que avan- entrevista recente de Wally Salomão que
çasse um pouco mais. E a partir da mú- está dentro deste pensamento, dentro da
sica Paraíba Masculina... misturando essa tropicália, até essa produção indepen-
música com uma leitura que faço barthe- dente, o Wally Salomão disse: “eu quero
siana de um livro chamado... Masculino ser, eu me assumo”. E cita a expressão
Feminino Neutro. Eu fiz Paraíba Masculina... de Freud: “O perverso e Polimórfico”. A
E que eu acho que depois o que eu escre- perversão é o dado polimórfico da sexu-

73
alidade. Essa é, pra mim, a contribuição dos mitos de Braúlio Tavares, pra ver
mais abrangente da fantasia erótica. Ha- isso, essa coisa, esse dado novo, que está
via também o sociólogo muito contesta- muito ligado a toda essa produção cul-
dor, ele quer ser, sobretudo, antissociólo- tural independente, esse aflorar, deflorar,
go, contra os modelos uspianos, ele tem transpirar a sexualidade no sentido mais
uma formação uspiana, mas tenta passar aberto, mais ambíguo, do que eu chama-
um pouco de cuspe nessa formação dele, ria da perversão, no sentido positivo e da
que é o Gilberto Vasconcelos. Ele viu transgressão e da polimorfia.
o filme do nosso caro amigo Manfredo

IMAGEM Caldas, Cinema Paraibano - Vinte Anos, que Por que a preocupação por parte dos re-
Música sem é uma antropologia muito bem realiza- alizadores em abordar a questão da se-
preconceito da, que tem um dado muito importante, xualidade? Existe um dado importante,
Alberto Jr., inovador, joga homenagem a Dziga Ver- pois são esses filmes, que já conseguem
1984, 20 min. tov... o Gilberto Vasconcelos assistindo atingir um grande público, seu filme Es-
ao filme e depois a um debate que eu fiz perando João... e um exemplo disso visto
na sala de aula, fez o seguinte comentá- que foi apresentado em quatro sessões.
rio: “mas o cinema paraibano não tem É uma coisa interessante, muito impor-
um beijo!”. Quer dizer que a sexualidade tante, porque até então, havia uma le-
anda muito reprimida, opinião do Vas- targia, e mesmo os outros filmes num
concelos, um sociólogo antissociologal, estilo mais documental, no sentido de
um ensaísta da cultura. Eu jogo isso, os registrar a realidade, conseguiam certo
dados do Freud, do Wally Salomão, do público, mas isso em nível de trabalhos
Vasconcelos, misturando no caldeirão mais ligados à comunidade, aos mo-

74
vimentos de bairro... Mas os filmes que Quanto à veiculação de filmes, qual
abordam a sexualidade extrapolam isso o papel da animação cultural, en-
aí, criou-se em nível de público também. quanto fator decisivo para o debate
dessas realizações?
Esses filmes que estão mais ligados às
comunidades são um cinema que pre- O fato de estarmos ligados à universi-
tende ser militante, mas é um cinema dade, as pessoas todas que participaram
de assistencialismo social, é o problema desse movimento de curta-metragem, são
do cinema como serviço social. Agora, pessoas ligadas, direta ou indiretamente,
o que acho dentro dessa temática nova na condição de aluno-professor, de
dos curtas paraibanos, não tenha a me- professor-aluno, ao Departamento de
nor dúvida, que não é apenas por moti- Artes e Comunicação da UFPB. Nós
vação psicológica-sociais, mas em termos vivemos o DAC na época das produ-
de um marco objetivo, é o filme Closes, ções, um clima de animação cultural
que por coincidência foi realizado pela muito grande. Essa animação cultu-
pessoa que está me entrevistando ago- ral pré-existia aos filmes. O próprio
ra. O grande rebuliço na província de DAC era sinônimo de alguma coisa
João Pessoa foi realizado pelo filme Clo- bendita (por que não maldita?) dentro
ses. Era a temática nova, a problemática da universidade, um corpo estranho
nova, em termo de sexualidade, pela be- dentro da universidade. Toda essa
leza formal do filme. O filme tinha um dinâmica, essa mobilização, filhos
charme, um encantamento visual muito bastardos do DAC. Então vejo essa
grande. Isso foi um grande motivo para animação cultural como um projeto
acender a chama dessa sexualidade re- muito intencional e não apenas como
calcada nos filmes. Coloco isso objetiva- uma missão pedagógica, mas como
mente, foi Closes. Todos os meus filmes um trabalho maior uma dinâmica
são devedores do filme Closes. Acho que dentro da comunidade. O importante
os filmes de Henrique Magalhães, do é fazer a justiça histórica. O trabalho
Lauro Nascimento, estão dentro dessa nosso é de resgatar, não o passado glo-
linhagem, a partir do que Pedro Nunes rioso ou esses momentos culturais, mas
fez. Não era somente o filme exibido, resgatar a nossa contemporaneidade, a
era todo um movimento antes de di- memória do presente, a memória viva
vulgação, de mobilização da comuni- do presente. O teu trabalho é impor-
dade, o interesse, os debates em rádio, tante enquanto isso. Não esperava fazer
na universidade, no DAC, esse circuito uma revisão histórica desses filmes daqui
de divulgação, essa animação cultural, a dez ou vinte anos não. É na linha da
que o filme Closes promoveu, propiciou, tese, da dissertação de Carlos Messeder,
e que nós pegamos, somos os afluentes Retratos de Época, que reflete o presen-
dentro desse movimento da animação te, é a contemporaneidade em Closes, o
cultural closística. Closes da contemporaneidade.

75
Nós tivemos alguns cineclubes, não de abre para propostas novas. É a universi-
forma tão organizada como nos anos dade como um polo mais catalisador de
1960, mas tivemos alguns cineclubes tudo isso, porque essas pessoas estão liga-
como: Cartaz de Cinema, Filipéia, SESC, das diretas ou indiretamente a uma con-
DCG. Esses cineclubes e as Mostras de Ci- vivência na universidade. A crítica cultu-
nema tiveram um papel importante nes- ral passa pela própria universidade, ela é,
se terceiro movimento de cinema. sobretudo, uma autocrítica cultural.

Não tenho a menor dúvida. Mas de- A Censura Federal atuou com bastante
pois de ficar tanto tempo sem uma prá- veemência em algumas ocasiões com
tica de debate, as pessoas, os jovens, a agentes federais armados com metra-
geração famosa do AI-5... esse pessoal lhadoras em punho, a exemplo da dis-
ainda está carecendo muito de prática persão da II Mostra de Cinema Indepen-
de debate, do que se fazia na década de dente que coordenei em João Pessoa
1960, os chamados cine-fóruns, havia no ano de 1981, ou mesmo atuação da
uma regularidade, um hábito de se de- censura por ocasião do lançamento do
bater. Hoje em dia, na sala de aula para filme Closes, ou mesmo do seu próprio
fazer um debate, o pessoal está desacos- filme Paraíba, Masculina Feminina Neu-
tumado. Esse movimento de cineclubis- tra. Eram ações intimidatórias com de-
mo que surgiu, mesmo espaçadamente, monstração de força. Como você analisa
de uma maneira mais informal do que essas intervenções da censura?
aquele cineclubismo institucionalizado
das décadas de 1950 e 60, foi um fator Realmente. A censura estava sendo
muito bom para as pessoas começarem a competente, estava realizando seu papel.
falar, a perder o medo, perderem o aca- Se existia uma censura ela tinha que se
nhamento. Hoje em dia tem alunos que exercitar como censura. Você tinha que
dizem: “Que bom, professor, que a gente mostrar o filme antes. A censura era ar-
teve a oportunidade de falar, quando eu bitrária e tinha que ser arbitrária, porque
comecei a falar estava todo empulhado”. a época era disso, de arbítrio. Essa pres-
Inibido não, empulhado mesmo. E com são da censura, mais do que a pressão, a
a prática, os debates que aconteceram, a repressão da censura, era o papel que ela
imprensa... O papel da imprensa, espe- estava representando, era uma perfor-
cialmente na Paraíba, foi muito forte, a mance censória típica do regime militar.
imprensa dava uma força muito grande, Ela tinha que ser competente, mostrar
havia um espaço muito aberto para o que era competente, que era exigente
que a gente chama de animação cultu- e criava casos. O papel da censura era
ral. Pessoas como Carlos Aranha, Walter reprimir. Diferente de como se coloca
Galvão, participaram muito dessa polê- agora, desse movimento de anistia e tudo
mica cultural, desse debate cultural. Ani- mais. Um personagem... eu acho que o
mação Cultural é tudo isso; é você ter es- Dr. Pedro, que comandava essas ações,
paço no rádio, na imprensa, na imprensa merecia até um filme, um vídeo sobre
governamental do jornal A União, que ele. E não somente essa censura institu-

76
cionalizada, a censura formal, mas tam- negatividades paraibanas. Dá para escre-
bém alguns jornalistas, não vamos dizer ver uma tese: “Como o Cinema Direto
que vivíamos num mar de rosas não, se torna Indireto na Paraíba”. Como o
alguns jornalistas conservadores, retró- Cinema Direto entrou nesse sistema an-
grados, xenófobos, fizeram movimentos tropofágico de deglutição, de devoração
mais impetuosos, mais virulentos, mais de seus próprios deuses e mitos. Como
sanguinolentos do que a própria censura, ele foi repensado, questionado na Paraí-
o Wellington Aguiar não me deixa men- ba, como ele possibilitou um movimento
tir, que fez um trabalho de uma cruelda- paralelo a ele, de pessoas que estavam
de censória absurda e absoluta... notável! ligadas a ele, mas que faziam a sua an-
títese. Foi bom. Foi um movimento vivo,
O Cinema Direto enquanto uma das ativi- as picaretagens são muito comuns no
dades do Núcleo de Documentação Cine- campo da cultura, os jogos de interes-
matográfica da UFPB... Como você anali- ses, as facilidades, as barganhas. Se não
sa o Cinema Direto tendo se distanciado, existisse essas picaretagens não existiria
já um pouco mais... cultura, a cultura ficaria numa redoma,
sacrificada, faz parte da vida cultural es-
Por mais que os franceses e alguns pa- ses jogos de interesses, essas ligações peri-
raibanos afrancesados desejassem man- gosas entre o artista e o poder... O artista
ter uma fidelidade rigorosa ao projeto do querendo fazer uma coisa independente,
Cinema Novo Jean Roucheano, a pro- mas ele está atrelado ao esquema, à uni-
víncia paraibana era tão “torta”, troncha versidade, ao poder. E o negócio para a
e distorcida que ela distorceu esse projeto província é um negócio fascinante. A Eu-
logo no começo. Quando as pessoas de- ropa, o mito da Europa. Esse convênio
fendiam, elas já defendiam sabendo que do NUDOC com Cinema Direto francês
era uma constatação, uma impossibilida- possibilitou esse frenesi cultural de pesso-
de de se fazer Cinema Direto na Paraí- as que ficavam: Vamos ver como é a Eu-
ba. Era um projeto impossível, ele tinha ropa, Paris cidade luz, vamos ter transas
que ser renegado, é esse comportamento europeias, vamos conhecer os homens e
antropofágico. Era uma compensação da as mulheres francesas.
falha do projeto, porque era um proje-
to manco, e à medida que, manco como Quer dizer que você postula que houve
o Jango era manco, ele pendia para um uma deformação da proposta, da matriz
lado, e à medida que ele tinha que ser do que seja Cinema Direto e ao mesmo
realizado na Paraíba, ele já começava tempo isso despertou um desejo, uma
a ser abortado, a ser visto... A proposta fascinação da questão de ir a Paris?
do Cinema Direto é uma proposta que
vai sendo antropofagizada, quer dizer, os É difícil pra eu comentar mais por-
paraibanos comendo os franceses, devo- que não fui a Paris, o problema mais
rando os franceses. O Cinema Direto co- sério é esse, mas é bom ouvir as pessoas
meçou a ser minado: contaminado pelo que foram, até mesmo mais de uma vez.
vírus paraibano, pelas negações, pelas As pessoas que participaram do projeto

77
mais diretamente é que têm um melhor mas o nível era bem elementar, parece
depoimento a dar. Eu, numa visão vul- que o curso não funcionava bem, havia
garmente chamada de despeitada ou muita pobreza técnica, e não uma pobre-
uma visão dos marginalizados, dos não za intencional, uma pobreza por falta de
beneficiados, diria que esse pessoal que habilidade, por carência, eu sentia mui-
teve oportunidade de ir à França, uma to isso; o som direto não funcionava; em

IMAGEM oportunidade muito boa, inegavelmen- princípio qualquer coisa com som dire-
Música sem te de intercâmbio cultural, de conhecer, to era Cinema Direto, usou som direto
de atualização, esse pessoal na volta não é Cinema Direto, não é. Os professores
preconceito
Alberto Jr., colocava muito, a não ser para grupos que iam ou viam não satisfaziam não, o
1984, 20 min. pequenos de amigos, o que eles tinham problema de língua, de linguística, um
aproveitado lá, acho que deveria partici- negócio muito fraquinho em termos de
par do convênio, de qualquer convênio, criatividade no plano da técnica, de um
as pessoas na volta dar uma geral do que modo geral. E esse sistema, esse exercício
viu, isso é importante, as pessoas só fala- de colocar logo as pessoas com a câmera
vam quando eram solicitadas, já devia fa- é bom, isso quando você tem filme, é o
zer parte do esquema de trabalho. Agora, de aprender fazendo, mas eles desmis-
sobre a produção do Cinema Direto, era tificavam o problema técnico, é aquela
uma coisa tão variada, é difícil a gente coisa muito francesa, de uma certa linha
colocar, inclusive, o problema mais sério francesa, de um certo enciclopedismo de
era a deficiência técnica dos filmes, não uma camada de cineasta faz tudo, e eu
que eu esteja defendendo um tecnicismo, acho que era muito papo furado, e o que

78
sempre caracterizou o cinema é ser uma Considerando que essas realizações em
arte coletiva, toda angústia de criação é sua maioria foram feitas em Super-8,
uma angústia compartilhada, uma an- que perspectiva se apresenta ante o sur-
gústia coletiva, esmo o cinema que não gimento de uma nova tecnologia que é
seja industrial, o cinema Udigrudi, o ci- o vídeo?
nema é sempre uma proposta de criação
coletiva, então por que esse negócio de O que muita gente está fazendo é
uma só pessoa fazer tudo? Isso é uma transcrever esses filmes em vídeo, em
das bobagens do Cinema Direto, o ca- que se começa a surgir um circuito de
marada ser o autor da ideia, o diretor, o vídeo, e eu confesso, não tenho me
fotógrafo, o cinegrafista, o montador, o motivado, não só pela falta de grana,
editor do filme, eu acho isso uma boba- mas por preferir fazer filmes novos, do
gem, porque pode ser o mito do Chaplin, que copiar. O vídeo agora está desem-
o gênio da criação, mas isso pode funcio- penhando o papel do Super-8, o fator
nar ou não, pode ser o Cinema Direto, econômico mais uma vez, a facilidade
Indireto, Oblíquo, mas o cinema é basi- de se fazer Super-8 é relativa porque
camente uma arte coletiva. E essa coisa o equipamento do vídeo é muito caro,
da pessoa fazer tudo como aprendizado e você tem que depender de um ami-
é interessante, faz parte de certa inclina- go, de um grupo, mas no vídeo a fita é
ção, pessoas que gostam de fazer monta- muitíssimo mais barata, a dinâmica é
gens outras não, pessoas que gostam de outra. Tudo pra mim é cinema, como
trabalhar na trilha musical, embora que dizia Glauber Rocha: tudo é produto
no Cinema Direto não tenha esse negó- audiovisual, cinema, TV, vídeo, Su-
cio de trilha musical. Em síntese, existia per-8, é ridículo essa coisa que teve de
uma certa bitola, não no sentido da bito- muita gente não considerar o Super-8
la Super-8, mas a bitola ação, ou um cer- como cinema, isso é um preconceito
to padrão, o que era Cinema Direto, por absurdo. Os grandes cineastas do mun-
mais que houvesse essa deturpação, no do usam Super-8. É a possibilidade de
bom sentido que estou falando, essa an- se fazer cinema mais experimental, tan-
tropofagização do Cinema Direto Fran- to curta-metragem como bitola Super-8
cês, mas as pessoas tinham na cabeça um ou vídeo, você tem um campo mais livre
fantasma, o Cinema Direto é isso, um para experimentação.
certo modelo prejudica, castra a criativi-
dade. Um pessoal jovem querendo ousar
mais, mas no modelo do Cinema Direto
havia aquela pressão em cima do que era
direto, o que não era direto, e tem alguns
que fizeram o Anticinema Direto, o não
Cinema Direto. Mesmo assim, foi tanta
coisa feita que eu não sei se conheço to-
dos os filmes.

79
Terceiro ciclo
de cinema na
Paraíba:
tradição e rupturas

POR Pedro Nunes

80
“Fizemos cinema como respos-
ta à realidade que a gente dispunha...
Aprendemos a fazer cinema enquanto
linguagem quando muitos cineastas pa-
raibanos continuam a pensar que cine-
ma é encenação de fazer filme. Fomos
ladrões de cinema... Enfrentamos a ira
dos cineastas locais. Fizemos um cine-
ma muito leve.
O cinema é uma escrita muito sim-
ples. Somos uma geração diferente.
Cumulativamente somos um avanço a
relação à geração passada. Não pode-
mos encarar o mundo e a nossa produ-
ção sob a ótica do que eles teorizaram.
Temos que teorizar a nossa geração...
Optamos por uma maneira libertária
de pensar cinema... Os filmes que que-
remos fazer são diferentes.”

Everaldo Vasconcelos

Pedro Nunes é cineasta e IMAGEM


prof. Dr. do Programa de
Pós-graduação em Comuni-
Tá na Rua
Henrique
cação (PPGC/UFPB) e do
Magalhães, 1981,
Departamento de Comuni-
15 min.
cação em Mídias Digitais do
CCHLA/UFPB .

81
No final dos anos 1970, ainda em plena vigência do regime militar brasileiro sob
o comando do General Ernesto Geisel, a Paraíba vivenciou o surgimento de um
terceiro ciclo de produção cinematográfica com características narrativas e modos
de circulação distintos dos movimentos de cinema predecessores. Trata-se da reto-
mada quantitativa e qualitativa em termos da produção de filmes que integram um
surto audiovisual caracterizado como “Cinema independente” (NUNES,1988). Esse

IMAGEM surto de filmes revela marcas de ruptura simbólica quanto aos modos de produção,
Wladimir natureza da bitola, temática voltada para critica social e sexualidade e exibições dos
Carvalho filmes através de circuitos paralelos ou itinerantes.
no filme Cinema A consolidação do então “novo” movimento de cinema na Paraíba brota no
Paraibano - vinte esteio referencial de uma forte tradição de cinema dos movimentos passados ancora-
anos. dos desde as experiências pioneiras de cinema na Paraíba, articulações cineclubistas,
crítica cinematográfica e o ciclo de cinema documentário envolvendo a realização de
filmes basilares para a cinematografia nacional, a exemplo de Aruanda (1960), de Lin-
duarte Noronha, e O País de São Saruê (1971), de Vladimir de Carvalho, dentre outras
iniciativas no campo do audiovisual. Ou seja, o terceiro ciclo de cinema na Paraíba
é motivado e precedido historicamente por um conjunto de ações, fatos, aconteci-
mentos e iniciativas que auxiliam direta e indiretamente nesse processo de retomada
da produção cinematográfica na Paraíba com marcas expressas de artesanalidade

82
da produção, originalidade, inventividade no campo das construções narrativas e
transgressões temáticas.
Também é importante destacarmos que outros fatores interferiram de forma direta
no processo de retomada da produção audiovisual em forma de movimento. Neste
sentido, a Universidade Federal da Paraíba tem um papel de destaque com a criação
do Curso de Comunicação Social (1977) e a implantação do Núcleo de Documentação
Cinematográfica, que encampou um convênio de cooperação com o Cinema Di-
reto. Outro aspecto importante é que em Campina Grande a então Universidade
Regional do Nordeste com seu Curso de Comunicação Social (1974) também se
destacou com várias iniciativas no campo do cinema centralizadas, principalmente
por Machado Bittencourt, através da produtora Cinética Filmes.
A UFPB, amparada a essa forte tradição de cinema de base documental, in-
corporou ao seu quadro institucional integrantes da segunda geração de cinema,
como o diretor Linduarde Noronha, o fotógrafo Manuel Clemente, o crítico Pau-
lo Melo, Jomard Muniz de Britto, Lindinalva Rubim, Pedro Santos, o montador
Manfredo Caldas, Jurandir Moura e José Umbelino. Esses profissionais com atu-
ações diversificadas no campo do cinema e do audiovisual, presentes no Curso
de Comunicação Social, Coordenação de Extensão e Núcleo de Documentação
Cinematográfica da Universidade Federal da Paraíba contribuíram, de forma
decisiva, para a formação de uma terceira geração de cineastas na Paraíba que
compreende o período de 1979 a 1983.
Podemos dizer que o terceiro ciclo de cinema na Paraíba apresentou uma feição
extremamente heterogênea, integrando realizadores com destacada vivência pro-
fissional que interagiram com cineastas principiantes. O traço distintivo do terceiro
ciclo de cinema na Paraíba é então essa pluralidade de vozes que se agrupam em
torno da reflexão sobre a natureza do cinema paraibano, processo de produção e
circulação de filmes, tendo com predominância a utilização da bitola Super-8.
Nessa fase de retomada da produção audiovisual na Paraíba, o Brasil, através
do poder político militar, ainda amargurava com as ações da censura imposta aos
meios de comunicação, livros, filmes, peças teatrais, perseguições aos artistas e militan-
tes, realização de torturas, repressão aos movimentos sociais e perseguição aos grupos
sociais e indivíduos contrários ao regime militar e Intensa repressão ao movimento es-
tudantil. Concomitante aos atos de repressão e cerceamento da liberdade de expressão
vigentes ao longo da década de 1970, Geisel sob crescente pressão política e protestos
de segmentos da sociedade civil implementou o que denominou como um “processo
de abertura política”, tendo como lema a “abertura lenta, gradual e segura”.
É então neste contexto sociopolítico que brota o terceiro ciclo de cinema paraibano
com dinâmicas próprias de funcionamento, traços de ruptura temática no processo
de codificação, bitola, temática voltada para crítica social e veiculação da mensagem
através de circuitos não convencionais. São produções acabadas intencionalmente
para ocupar “outro” circuito paralelo, adquirindo em seu conjunto uma dinâmica
própria de funcionamento.

83
Essas produções audiovisuais de caráter nitidamente regional situam-se num con-
texto do surgimento de outras narrativas experimentais com linguagens provocati-
vas: edições marginais, grafites, atividades teatrais, quadrinhos, pintura, imprensa
alternativa... que quase sempre questionavam a moral estabelecida. No âmbito in-
ternacional, eclodiram de maneira pluralista os movimentos denominados alternati-
vos: ecológico, pacifista e antinuclear. É o aflorar explícito dos movimentos sociais e,
consequentemente, o seu enfrentamento com o Estado.
O ciclo em questão apresenta marcas artesanais bem expressas, cujos filmes
nascem basicamente no seio da Universidade, que contribuiu com empréstimos de
equipamentos e liberação de filmes virgens, muito embora uma parcela mínima dos
realizadores efetivasse trabalhos às suas expensas com total liberdade de criação na
elaboração de propostas audiovisuais.

Cenários dos novos ciclos de cinema Super-8


Torquato Neto, com seu espírito inventivo e dilacerador, conclamava o público leitor
de sua coluna Geléia Geral para debater/realizar produções em Super-8. Símbolo de uma
geração que começa a desconfiar das posturas estéticas linearmente engajadas, o poeta da
alegoria “suicida” vislumbrava na minibitola Super-8 a possibilidade de exercitação cria-
tiva dizendo: “Qualquer filme é a projeção de um sonho reprimido. E eu quero que esse
sonho seja liberado, seja livre sem nenhum limite. O cinema é feito por cineastas, filmakers
e eu quero que ele seja feito por todo mundo. Super-8... oito crianças... Isso será cinema”
(NETO, 1982, p. 26).
O fervor cultural dos anos sessenta (atuações do Centro Popular de Cultura – CPC/
UNE, Movimento de Cultura Popular – MCP trabalhando as ideias de Paulo Freire, mo-
vimentos sindicais e estudantis) era interrompido, eclodia numa outra esfera e com uma
performance anárquica, o tropicalismo; que nas entrelinhas de sua irreverência, combatia
a militância ortodoxa populista, lançando preocupações com a transformação individual.
São os fenômenos culturais acompanhando o processo de mutação da vida social.
Com o recrudescimento político (Lei de Imprensa e Lei de Segurança Nacional) ser-
vindo de suporte auxiliar para o “milagre econômico brasileiro” e a construção de um
“Brasil Grande”, o Estado arquiteta seu ideário político de mutilação artística e passa a
subvencionar a produção cultural de seu interesse.
Os produtores de cultura enfrentam uma situação paradoxal no sentido de aderir ou
desvencilhar-se das exigências da “cultura oficial” com o selo forte e imperativo da censu-
ra. A dinâmica da cultura brasileira é então afetada a partir de 1968, com um novo golpe
de Estado. Nos anos sessenta, conforme argumenta Heloisa Buarque de Holanda:

O cinema fora talvez a manifestação mais crítica e questionadora do papel do ar-


tista dentro das relações de produção. Na década de setenta é o cinema que adere
mais sintomaticamente às novas exigências da política cultural do Estado. Alguns dos
princípios representantes do cinema novo lançam-se à produção cinematográfica em
84
grande escala e, além da qualificação técnica justificam-se pela divulgação de conte-
údos supostamente populares (HOLANDA, 1981, p. 92).

O Brasil regido pela doutrina de segurança nacional respira um clima tenso com
a instauração dos Atos Institucionais, o cerco incisivo do Estado às manifestações
políticas contrárias ao regime militar, atuações da censura sob a chancela oficial in-
terferindo diretamente nas produções culturais. O impacto dessa nova ordem po-
lítica gera situações de verdadeiro terror, mas ao mesmo tempo produz formas de
resistência cujo delineamento se opera em contraponto à cultura oficial e ao próprio
estado repressor da época.
Jornais como Pasquim, Opinião, Flor do Mal transgridem os sacramentos da grande
imprensa evidenciando a não neutralidade dos fatos, a parcialidade, a questão da
subjetividade e, sobretudo, com uma linguagem voltada para o questionamento de
situações da realidade brasileira. Heloisa Buarque de Holanda observa o seguinte:

É exatamente num momento em que as alternativas fornecidas pela política cultural


oficial são inúmeras que os setores jovens começarão a enfatizar a atuação em cir-
cuitos alternativos ou marginais. No teatro aparecem os grupos ‘não empresariais’,...
na música popular os grupos mambembes de rock, chorinho etc; no cinema surgem
as pequenas produções, preferencialmente em super-8 e, em literatura a produção de
livrinhos mimeografados... É importante notar que esses grupos passam a atuar di-
retamente no modo de produção, ou melhor, na subversão das relações estabelecidas
para a produção cultural (HOLANDA, 1981, p. 96).

É nesse movimentado cenário político-cultural de agudez política e crise econô-


mica que surge a minibitola Super-8, favorecendo a eclosão de surtos regionais com
a produção de filmes que provocam uma espécie de reorientação quanto ao fazer
cinematográfico em diferentes regiões brasileiras.
Assim o Super-8 passa a cumprir um papel relevante na dinâmica cultural dos
anos 1970 até meados de 1980, visto que as obras audiovisuais são frutos de peque-
nas equipes de trabalho e se firmam enquanto produções de baixo orçamento. O Su-
per-8 simplifica o processo de filmagem em relação às demais bitolas profissionais de
cinema. Thomas Farkas assegura que: “A grande novidade consiste numa nova ideia
de filmagem, colocando o cinema como atividade criativa nas mãos de qualquer
pessoa... A filmagem passa a ser um simples ato de visão e observação sem passar por
problemas técnicos” (FARKAS, 1972, p. 56-57).
Sabemos que o surgimento e aperfeiçoamento do sistema Super-8 enquanto bem
de consumo foi resultado de estratégias econômicas com vistas a um maior fatura-
mento e não simplesmente contribuir para o desenvolvimento de um novo meio de
expressão artística. O Super-8 se caracterizou enquanto um instrumento que possi-
bilitou que jovens realizadores pudessem fazer cinema de maneira mais desamarrada
e com possibilidades de exercitação criativa.

85
Enquanto um produto em oferta no mercado resultante do processo de miniatu-
rização tecnológica, o Super-8 tornou-se acessível e menos dispendioso em relação à
bitola semiprofissional 16 mm e à profissional 35 mm. Esse novo invento possibilitou
uma reviravolta no modo de se produzir filmes apresentando-se enquanto um possí-
vel instrumento de ação social. Como toda tendência nova, o Super-8 provocou re-
ações polarizadas entre os jovens cineastas iniciantes adeptos da bitola e os cineastas
com filmes em bitolas profissionais.
Vários movimentos foram deflagrados tendo por base o Super-8. É interessante
observar que esses movimentos de produção audiovisual extrapolam o eixo Rio de
Janeiro-São Paulo com o surgimento de produções descentralizadas em vários esta-
dos brasileiros, além da formação de associações, cooperativas e cineclubes que se
empenharam de forma organizada no sentido de lutar pelo reconhecimento do
cinema Super-8. As mostras de cinema e festivais nas várias regiões brasileiras
adaptam-se às exigências próprias da nova bitola.
O preconceito alimentado por alguns críticos de cinema mais conservadores e
cineastas profissionais formulados sem qualquer ponderação quanto as reais po-
tencialidades do Super-8 foram frequentemente rebatidos como se pode perceber
no artigo na revista Close Up:

Para desfastio de uns e desagrado de outros, lucro de alguns e até realização artís-
tica dos demais, prossegue o movimento de super-8 mm, em experiências arrojadas,
pirotécnicas, algumas originais arregimentando novos adeptos com suas mostras,
ocupando espaços em jornais e formação espontânea de uma crítica especializada. O
super-8 começa a ser reconhecido como cinema... ninguém pode recusar-se a ver na
bitola um novo meio de expressão (CLOSE UP, 1977, p. 15).

Na Paraíba, em 1973 é que surgem as primeiras realizações em Super-8 por


autores que de alguma forma já tinham passado pelo 16 mm ou mesmo pela
crítica de cinema. Dentre os trabalhos da primeira fase Super/8 na Paraíba, des-
tacam-se: A Última Chance (1973), de Paulo Mello, O Estranho Caso de Leila (1973),
de Antonio Barreto Neto, Yoham e Lampiaço, de José Bezerra, A Greve e Absurdamente
(1975/1976), de W.J. Solha, sendo o último em parceria com José Bezerra, e ain-
da A Guerra Secreta, de Antonio Barreto Neto e Sílvio Osias. São trabalhos pouco vei-
culados e encontram-se em precárias condições de conservação, consequentemente,
totalmente desconhecidos pelos realizadores contemporâneos.
Ainda, além de O Coqueiro (1977), de Alex Santos, os filmes mais conhecidos des-
sa fase inicial de utilização do Super/8 na Paraíba são a trilogia de Archidy Pica-
do: Desencontro, O Garoto e Elegia para um Homem só, que foram exibidos na Jornada
Paraibana de Super/8 (1980).
Mas foi em Campina Grande onde se concentrou um permanente esforço para
uma produção regular de cinema em 16 mm. A criação do curso de Comunicação
Social em 1974 pela Universidade Regional do Nordeste possibilitou o aglutinamen-

86
to de cineclubistas e profissionais da área, o que resultou em iniciativas concretas no
campo da produção cinematográfica.
O conjunto dessas produções campinenses tem como líder o cineasta Machado
Bitencourt, que chega a implantar uma empresa de produção, revelação e monta-
gem - a Cinética Filmes Ltda. Machado é considerado um dos únicos profissionais
sediados na Paraíba que consegui manter uma produção regular, pela preocupação
que teve de instaurar uma infraestrutura pessoal, em que pode mediar o lado comer-
cial de seu trabalho e, por outro lado, a feitura de projetos culturais não comerciais.
De 1975 a 1978 são concretizados cinco filmes 16 mm por Machado Bitencourt
com temática diversificada, seguindo quase sempre um estilo linear: O Último Coronel
(1975), Campina Grande, da Prensa do Algodão, da Prensa de Gutemberg (1975), Crônica de

Campina Grande (1976), o longa-metragem Maria Coragem (1977) e finalmente o curta IMAGEM
Fiação primitiva do Nordeste (1978). Já em João Pessoa com o apoio da UFPB, Fernando Gadanho
Pereira elabora A Compadecida (1977) em 35 mm sem qualquer avanço do documen- João de Lima
tário no plano da linguagem cinematográfica. e Pedro Nunes,
No entanto, é só no ano de 1979 que de fato teremos a rearticulação do movimen- 1979, 21 min.

to de cinema seguido por um período de mais quatro anos com um fluxo contínuo de
produções em Super-8 vinculadas aos movimentos de contestação.
O filme Gadanho (1979) sobre os catadores de lixo do Baixo Roger, dirigido por
Pedro Nunes e João de Lima, é considerado o precursor desse novo surto de cinema
com marcas poéticas diferenciais e transgressão quanto a sua abordagem temática.

87
Coincidentemente nesse mesmo ano ocorre a VIII Jornada Brasileira de Curta Me-
tragem, transferida de Salvador para João Pessoa. É também nesse mesmo ano de
1979 que a Kodak declara oficialmente a falência do Super-8 projetando uma sobre-
vida da bitola por em média cinco anos. Esse era o prenúncio para nova era do vídeo
com um sistema de codificação distinto do cinema, assentado em base eletrônica.
Nessa fase de retomada da produção de cinema na Paraíba com a bitola Super-8,
as experiências em 16 mm declinaram de forma sintomática, restringindo-se ao gru-
po de Campina Grande e aos cineastas paraibanos residentes fora do estado.
Essa força do Super-8 em forma de movimento também presente em outros
estados brasileiros pode ser identificada com a realização do longa-metragem em
Super-8 Deu Prá Ti Anos 70, de Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti, que recebeu o
prêmio de melhor filme no Festival de Gramado em 1981. A obra provocou um im-
pacto junto ao público e crítica especializada pela criatividade dada no tratamento
da linguagem e do tema, acerca de um grupo de adolescentes que despertam para
curtir a vida num período de repressão militar. Deu Prá Ti Anos 70 concorreu com
vários outros filmes em 35 mm.
Na Paraíba, com a irrupção do terceiro ciclo de cinema quebra-se a visão de cine-
ma grandiloquente com a aparição de táticas novas de intervenção cultural. A noção
de cinema é radicalizada a partir do fazer cinematográfico associado ao processo
simplificado de recursos técnicos. É a partir da “abertura” política que o movimento
de cinema cresce com uma preocupação mais comprometida com os movimentos
sociais que despontam da sua situação de clandestinidade. Nesse período um total de
55 filmes são produzidos por autores, com apoio da UFPB, Cinética Filmes e outros
apoiadores. Esses filmes abarcam temas ligados ao cotidiano dos setores oprimidos e
promovem o questionamento do próprio momento político de crise econômica que
atravessava o país.
Há visivelmente um aumento quantitativo e qualitativo da produção cinemato-
gráfica com temáticas regionais que reinterpretam e reencenam as dinâmicas de
realidades locais conflitantes.

Retrato verbal dinâmico do


terceiro ciclo de cinema na Paraíba
O terceiro surto de cinema na Paraíba trouxe, de forma desordenada, o desejo de
mudanças, a renovação no quadro cinematográfico, a necessidade de afirmação da pro-
dução e a preocupação latente em criar narrativas audiovisuais enfocando os diversos
aspectos da vida social. Percebe-se por parte dos jovens envolvidos no terceiro ciclo de
cinema um aprendizado gradativo quanto ao manejo da linguagem e à crescente in-
quietação com a ruptura temática e narrativa nos filmes.
Há também, conforme o andamento dessas realizações, uma repulsa às produções po-
lidamente engajadas. A tematização dos filmes volta-se inicialmente para abordagem dos
88
conflitos e contradições sociais aproximando nessa primeira fase do terceiro ciclo a uma
tradição mais documental de cinema. Na sequência temos a existência de um conjunto de
filmes com temáticas relacionadas à sexualidade que tendem à experimentação da ficção.
A quase totalidade desta produção cinematográfica do terceiro ciclo foi concluída por
jovens cineastas estreantes que optaram por efetuar leituras bem singulares da realidade
paraibana. Isso demonstrou efetivamente a renovação no quadro cinematográfico com a
entrada em cena de novos protagonistas no processo de produção cinematográfica.
Conforme afirmamos, os grupos em atuação do terceiro ciclo do cinema não viven-
ciaram uma luta política formal de esquerda. São filhos bastardos do regime militar.
Mas isto não quer dizer que não houve uma preocupação dos realizadores quanto ao
resgate de problemas sociais e problemas quanto à censura de filmes e censura imposta
às Mostras de Cinema.
Há sem dúvida, nos documentários/registros da fase inicial desse ciclo, um traço
forte de crítica ao regime militar. Identificamos um engajamento mais libertário. Os
movimentos sociais, greves, passeatas, acampamentos de posseiros ou mesmo as dispa-
ridades urbanas, são elementos temáticos frequentemente abordados no conjunto dessa
produção cinematográfica.
A intenção expressa é registrar a dinâmica de aspectos da realidade paraibana, vin-
culando estas representações de práticas culturais à própria dinâmica da sociedade.
Num segundo momento a orientação temática dos filmes volta-se para o tratamento da
questão da sexualidade, homossexualidade, amor, solidão e o questionamento visceral
das formas de poder que castram a liberdade do indivíduo na sociedade contempo-
rânea. Essa característica de abordagem temática enfatiza as marcas de transgressão
presentes nesse novo ciclo de cinema.
Além do caráter artesanal desta produção, constatou-se uma permanente preocu-
pação entre os próprios cineastas com o intento de ativar a produção local. Se houve
por um lado a necessidade patente de afirmação da produção, por outro, o surto em si
é uma resposta a uma crise de produções locais.
Mesmo com a iniciativa dos integrantes do novo surto em imprimir impulso voltado
para “o fazer” cinematográfico em si, o grosso dessa produção traz marcas profundas de
precariedades financeiras. Apesar do relativo barateamento do material fílmico em Su-
per-8, e da impossibilidade de se experimentar em 16 mm, há uma grande dificuldade
de produção. Essa dificuldade gerava quase sempre impasses na finalização dos filmes
da forma como foram originalmente concebidos, tendo como resultante verdadeiras
improvisações. Reclamava-se constantemente o apoio da Universidade e dos órgãos es-
tatais para que não houvesse um cessar no ritmo continuado da produção de filmes.
As condições de produção dos filmes estão dispostas da seguinte forma: filmes de
produção do autor; filmes produzidos com apoio Institucional da Universi-
dade (UFPB) – Núcleo de Documentação Cinematográfica – Nudoc/UFPB, Progra-
ma Bolsa Arte MEC/UFPB, Núcleo de Pesquisa Popular – Nuppo/UFPB, Cursos de
Comunicação Social e Educação Artística/UFPB e Campus II/UFPB/CG e URNe –
Universidade Regional do Nordeste, CG (Curso de Comunicação Social URNe/CG),

89
filmes com produção da Cinética Filmes CG e em menor grau filmes produzidos
com apoio da Igreja através do SEDOP (Serviço de Documentação Popular).

Quadro Demonstrativo da Produção Cinematográfica


PRODUÇÃO UFPB
ANO AUTOR CINÉTICA OUTROS
NUDOC AUTOR/BOLSA ARTE CAMPUS II

1979 1 — 1 1 2 1

1980 1 — 3 — 2 —

1981 3 8 — — 2 1

1982 3 8 — 1 — 1

1983 4 8 — — 2 2

TOTAL 12 24 4 2 8 5

O quadro acima mostra as condições de produção encontradas ou criadas pelos


realizadores de cinema integrantes do terceiro ciclo de cinema na Paraíba. Desse total,
12 filmes foram finalizados com recursos financeiros próprios ou com incentivo material
de filmes e equipamentos, sem que houvesse uma interferência no processo de criação.
Jomard Muniz de Britto descreve as suas condições de produção destacando a facili-
dade de se fazer Super-8 em termos econômicos:

É claro que muita gente tinha vontade de fazer 16mm, 35mm ou 3ª dimensão, mas não
se tinha condições econômicas. Eu pude fazer vários filmes com recursos próprios com
meu salário de professor, sem ajuda de Instituição. Consegui tirar do meu salário para
produzir filmes, quer dizer, entrava na produção atores que nunca ganharam dinheiro
1 comigo (BRITTO, 1985)1.
Entrevista com
Jomard Muniz de Poucos realizadores autofinanciam sua produção: Jomard Muniz de Britto com
Britto concedida
Esperando João (1981), Cidade dos Homens (1982) e Paraíba Masculina Feminina Neutra
ao autor. Recife,
06/10/85. (1982), Lauro Nascimento com Acalanto Bestiale (1981), Miserere Nobis (1982) e Ter-
ceira Estação de uma via Dolorosa (1983), Alberto Júnior com Contrastes da Vida (1980),
Pedro Nunes com Closes (1982) e Henrique Magalhães com Era Vermelho o seu Ba-
tom, todos em Super-8; nesses filmes há claramente a preocupação de cada autor
em trabalhar o cinema enquanto instrumento criativo. No caso de Jomard Muniz
e Lauro Nascimento percebe-se uma preocupação no tratamento da imagem e
uma maior fluência narrativa em termos de arranjos formais com a finalidade de se
obter maior atenção do espectador.
90
Observando o quadro constatamos que o maior quantitativo desses filmes foi pro-
duzido com o apoio da Universidade Federal da Paraíba interessada em ampliar sua
participação na comunidade, sobretudo no âmbito da extensão cultural, principal-
mente através do Programa Bolsa Arte, Campus II e do Núcleo de Documentação
Cinematográfica – NUDOC com 24 filmes finalizados.
Antes da implantação do NUDOC na UFPB em 1980, as primeiras realizações des-
te terceiro ciclo de cinema foram montadas de forma rudimentar, sem auxílio de editor/
moviola. Esses filmes são basicamente documentários: Gadanho (1979), de João de Lima
e Pedro Nunes, Imagens de Declínio ou Beba Cola e Babe Cola (1980), de Torquato Lima e
Bertrand Lira, Contrapontos (1980), de Pedro Nunes e Contrastes da Vida (1980), de Alberto
Júnior. As propostas, através de seus realizadores, receberam o incentivo do programa
Bolsa Arte da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da UFPB.
Com o convênio assinado entre a Associação Varan-Paris e a UFPB, este panora-
ma de dificuldades alteraria de forma significativa favorecendo o incremento da pro-
dução cinematográfica local. A implantação da infraestrutura completa em Super-8
(câmeras, tripés, iluminação, gravador, gerador, editores, telas e projetores) atenuou
parte das dificuldades habitualmente encontradas pelos realizadores. A Universidade
através do NUDOC limitou-se a financiar apenas os exercícios/filmes dos integran-
tes matriculados no curso de Cinema Direto e apoiar projetos que dependiam do
uso de equipamentos de gravação ou montagem. Em termos de produção do NU-
DOC, a maioria dessas realizações apresentam deficiências técnicas de filmagem,
montagem e som. Em seu conjunto são exercícios fílmicos inacabados, embora haja
experiências que conseguem transpor o mero registro de imagens e falas. O rigor
dessa produção se concentra muito mais na escolha temática sempre angulando um
personagem real.

O Núcleo de Documentação
Cinematográfica e o Cinema Direto
Tanto a criação de um núcleo de produção na Universidade (NUDOC), como a ins-
talação do Atelier de Cinema no NUDOC, que direcionaria toda sua produção para o
Super-8, ambas as iniciativas nascem nesse contexto de rearticulação de movimento de
cinema na Paraíba ocorrido a partir da VIII Jornada de Cinema. Essas duas propostas
receberam o aval dos integrantes da “geração sessenta” que projetavam criar as bases
para uma estrutura profissional de cinema. Vale destacar que a presença da geração do
terceiro ciclo cinema nos debates e rumos do cinema paraibano só viria acontecer no
início dos anos 1980.
O Núcleo de Documentação Cinematográfica desde a sua criação na gestão do
Reitor da UFPB Lynaldo Cavalcanti, direcionou a formação de recursos humanos a
partir do curso de Cinema Direto com filmes produzidos em Super-8. Se por um lado
a iniciativa abria as portas para iniciantes incursionarem no aprendizado de técnicas
91
introdutórias ao cinema, por outro entrava em choque com as diretrizes traçadas por
Manfredo Caldas, Vladimir Carvalho, Jurandy Moura, Linduarte Noronha, Ipojuca
Pontes entre outros. Segundo parecer de Manfredo Caldas:

IMAGEM Uma coisa que eu também achei que foi uma distorção nesse movimento foi a entrada
Miserere do Atelier de Cinema Direto. Fui contra porque ele atravessou por oportunismo de
Nobis pessoas daqui, que deram mais ênfase a esse convênio em nível de experimentação
Lauro Nascimento, do Super-8, que tudo bem poder fazer isso, mas teria que ser uma coisa paralela.
1982, 23 min. Isso foi muito mal conduzido, não podia em detrimento de uma estrutura profissional
que estava se criando, você dar ênfase a uma coisa experimental de mistificação da
linguagem que é toda a teoria do Cinema Direto. Reservo-me no direito de achar que
foi uma grande bobagem (CALDAS, 1987).

O projeto inicial de cooperação entre o Centro de Formação e Pesquisa em Ci-


nema Direto - Associação Varan-Paris e a Universidade Federal da Paraíba, além da
implantação de um sistema completo para produção em Super-8, previa a doação
pelo governo francês de um moviola em 16 mm, um gravador profissional e um
laboratório de ampliação de Super-8 para o 16 mm, cláusula essa não cumprida. A

92
contrapartida dessa infraestrutura profissional foi uma condição apresentada para a
efetivação do projeto, feita diretamente ao cineasta francês durante a VIII Jornada,
por vários cineastas paraibanos:

Nós fizemos pessoalmente uma série de exigências ao Jean Rouch quando ele veio
com uma proposta que tinha sido recusada em diversos estados do país. Mas era
desprestígio pra ele voltar sem ter feito um convênio com qualquer Universidade
brasileira. Então a que estava pintando ser mais fácil era a daqui. [...] Teria que vir
um equipamento em 16 mm, não seria só Super-8, pra somar com o que a gente
tinha conseguido, e isso ele concordou e não cumpriu (CALDAS, 1987).

Dos vários estágios realizados na França por alunos e professores indicados


pelo NUDOC, apenas foi ministrado um curso em 16 mm para três alunos.
O NUDOC passa a atuar então com uma infraestrutura de espaço físico e ma-
terial de consumo da UFPB e com material doado para implantação do Atelier de
Cinema na Paraíba. Funciona como ponto central de discussão e encontro dessa
nova geração que despontou a partir da realização dos estágios nesse Núcleo. No
período funcionou concedendo empréstimo de equipamentos e de filmes para a
comunidade, capacitando pessoal técnico além de produzir filmes na linha do Ci-
nema Direto, registrando as atividades de pesquisa e extensão mais importantes
da Universidade.
Além de Pedro Santos como coordenador, atuou também ao seu lado o cineas-
ta Manfredo Caldas, que no período de sua permanência em João Pessoa passou
a incentivar os novos realizadores no sentido de lutar não só por uma atuação
profissional no campo de cinema, mas despertando a necessidade de organização
política em torno da ABD/PB (Associação Brasileira de Documentaristas) criada
em 1982 durante a realização do Festival de Arte na cidade de Areia-PB.

Documentação de aspectos da realidade


Como já afirmamos com o início da abertura política no país, novos ventos indicam
um reaquecimento da produção cinematográfica na Paraíba. O ressurgimento desta
produção toma corpo de forma espontânea a partir de 1979 ainda sob a influência da
tradição documental predominante nos anos 1960 e 1970. Assim as primeiras realiza-
ções do novo ciclo são expressamente de linhagem documental trazendo à tona temá-
ticas sociais que evidenciam as complexidades da realidade. Os problemas urbanos, o
desemprego, os movimentos sociais e o homem frente aos diversos níveis de exploração
são pontos preferidos para enfoque por vários cineastas.
O momento político torna-se favorável para elaboração de produtos culturais
abordando a problemática social, sobretudo pela mobilização efervescente dos seto-
res populares da sociedade. A retomada ou mesmo o ressurgimento da produção de
cinema na Paraíba com características de combate surge num contexto de crescen-
93
IMAGEM tes mobilizações, retorno do movimento estudantil, articulação dos movimentos de
Ciclco do liberação e custo de vida.
Caranguejo Neste primeiro momento da retomada da produção fílmica temos um bloco de fil-
Vânia Perazzo, mes que captam os conflitos presentes na grande cidade. São filmes realizados totalmen-
1982, 18 min. te em espaço aberto tendo o próprio ambiente natural como cenário. Em cada um dos
filmes, o realizador assume o papel de repórter que não aparece, investigando os fatos
eleitos para enfoque.
Imagens do Declínio ou Beba Coca e Babe Cola (1981), de Bertrand Lira e Torquato
Joel, é uma mistura de documentário e ficção que mostra a dura realidade das favelas
e a presença das multinacionais no Brasil. É uma versão realista adicionada de alguns
elementos de deboche... Já Gadanho (1979), de João de Lima e Pedro Nunes, é o pri-
meiro filme deste novo ciclo, baixo orçamento e com ampla repercussão no Estado.
Segundo Henrique Magalhães:

Um dado importante foi a realização de Gadanho, pois a partir dele se rompeu com
estagnação do cinema na Paraíba. A gente só tinha conhecimento do que foi produzi-
do durante o movimento do cinema novo. Havia uma produção em Super-8, mas não
2 era sistemática e alcançava um número muito limitado de pessoas. A partir de Gada-
MAGALHÃES, nho houve uma retomada do cinema na Paraíba porque se alcançou um público maior
Henrique. e muita gente se interessou em fazer Super-8 (MAGALHÃES, 1986, p. 8).2
Entrevista a
Bertrand Lira
– Cadernos do O filme tem como cenário o lixão de João Pessoa localizando no Baixo Roger e
CCHLA , n. 8, p. 8. presença dos catadores, seres humanos que disputam com os urubus a primazia do
94
lixo. O documentário consegue despertar um amplo interesse nas escolas públicas
da rede estadual e nas escolas privadas pela força das imagens com pessoas que se
perdem na fumaça do lixo.
Procurando ainda desnudar a dinâmica da engrenagem urbana, Con-
tra-pontos (1981) e Registro, de Pedro Nunes, enfatizam as disparidades do es-
paço urbano em João Pessoa e a primeira greve estudantil a partir de 1968
ocorrida na Paraíba, respectivamente.
Mas é o Núcleo de Documentação Cinematográfica – NUDOC que desponta
com um maior número de realizações acabadas após a finalização de três estágios
do curso de Cinema Direto.
As obras produzidas pelo NUDOC privilegiam também o univer-
so cotidiano com a captação do som direto. Os filmes são verdadeiros
registros brutos da realidade.
O Mestre de Obras (1981), de Newton Araújo Jr., retrata a vida e as dificuldades
de um trabalhador da construção civil com sua residência ainda inacabada. Um
dado expressivo no trabalho é uma música composta por Chico César especial-
mente parte o filme. Enfocando o homem e sua situação de miséria e criatividade,
Vânia Perazzo filma Romão práqui, Romão prácola em 1981. Romão é um músico
artesão que confecciona seu próprio instrumento de trabalho (berimbau) exibin-
do suas criações musicais em feiras livres do interior paraibano.
A reflexão em torno das condições de vida do ser humano é um traço muito
marcante nos demais filmes produzidos pelo NUDOC. As Cegas (1982), de Maria
Antonia, Bernadete (1983), de Maria Graça Lira e o Menor (1983), de João Galvíncio
Jr., são filmes de crítica social explícita. Em ambos os trabalhos as precariedades
técnicas são bem visíveis. O primeiro destaca a convivência de três deficientes visuais
pedintes na cidade de Campina Grande. Já Bernadete discorre acerca da vida de uma
lavadeira, seus problemas e o sonho de um dia poder trabalhar em São Paulo. Em
o Menor, o autor confronta depoimentos de representantes de órgãos oficiais com a
fala de menores.
Na linhagem de sempre orientar suas produções para registro da realidade regio-
nal, o NUDOC enfatiza o tema movimentos sociais urbanos nos seguintes filmes: A
Greve (1982) direção coletiva, sobre o movimento paredista de professores, alunos e
funcionários da UFPB, Quando um Bairro não se Cala (1983), de Marcus Vilar, sobre o
trabalho do movimento de bairro desenvolvido pelo grupo Fala Jaguaribe que tem
como meta trabalhar a educação através da arte junto à população.
Ainda no âmbito do NUDOC, Elisa Cabral elaborou vários filmes num pro-
jeto que autodenominou “Cinema e Sociologia”. O Ciclo do Caranguejo (1982)
retrata a infraestrutura econômica da pesca do caranguejo, Visões do Man-
gue (1982) a tentativa é abordar a visão de mundo e os mitos dos pescadores e
Sobre a evolução das Sociedades (1983).
Mas dessa produção do NUDOC vale destacar do conjunto, duas películas reali-
zadas em 1981 no primeiro estágio de Cinema Direto: Perequeté (1981), de Bertrand

95
Lira, e Sagrada Família (1981), de Everaldo Vasconcelos. Em Perequeté, o autor docu-
menta a vida, as fantasias e as dificuldades do artista paraibano Francisco Marto.
Enquanto discorre acerca de seu esforço no campo do teatro, cinema e dança e do
preconceito enfrentado pelos artistas, é mostrado cenas de diversos momentos de
seu trabalho. Em a Sagrada Família a câmera apresenta-se constantemente inquieta e

IMAGEM aos poucos viola o espaço sagrado da família revelando seus conflitos neuróticos e o
Tá na Rua choque de gerações. Os dois filmes apresentam preocupações de linguagem quanto
Henrique à fotografia, procedimentos de montagem, além de transgredirem a própria linha do
Magalhães, 1981, Cinema Direto, notadamente em Sagrada Família. Dos filmes produzidos pelo NU-
15 min. DOC nos três estágios do Curso de Cinema Direto, pode-se considerar como pro-
postas mais amadurecidas com traços diferenciais em relação aos demais trabalhos
ou exercícios fílmicos.
Outros filmes também conseguem transgredir a linha mestra do Cinema Direto
pela abordagem temática se encaixando também dentro deste espírito de ruptura
dos trabalhos anteriores. São eles: Música sem Preconceito (1983), de Alberto Júnior,
que numa fusão de documentário e ficção com depoimentos de músicos e ensaios de
grupos mostra a importância do rock para a juventude e a sua penetração na socie-
dade, Pedro Osmar em Carne e Osso (1982), de Otávio Cássio, enfoca a experiência de
pesquisa musical criativa desenvolvida pelo músico Pedro Osmar juntamente com o

96
grupo que faz parte do “Jaguaribe Carne”. Caminhando também na contramão e
fugindo do enfoque sociológico, Henrique Magalhães realiza Canto do povo de um Lugar
(1981). O filme é um cartão postal de João Pessoa com a música de Caetano Veloso
e Tá na Rua (1981) um documentário que registra a passagem do grupo teatral Tá na
rua em João Pessoa, liderado por Amin Hadad. A interação atores e expectadores é
pontilhada tornando clara a quebra com o teatro tradicional. Finalmente, Sonho
de uma Estrela (1983) foge à concepção de abordagem sócioantropológica adotada
pelo Cinema Direto. Segundo Bertrand Lira (1986, p. 11): “Sonho de uma Estrela é a
vida de um artista de interior sem perspectiva de profissionalização e nem acesso
aos produtores de discos. A frustração de não ser famosa a deixa profundamente
descrente. É o filme final do autor de peças teatrais Eliézer Rolim”.
Com esses trabalhos os respectivos autores mostraram que seria pos-
sível utilizar os recursos do Cinema Direito e driblar as suas convenções
muito mais direcionadas para a captação crua e com pouca interferência
de aspectos da realidade social.
Há também um grupo de filmes feitos dentro e fora do NUDOC que se afas-
tam da temática urbana e seguem para um levantamento de questões pertinentes
à zona rural. Nos estágios do NUDOC, dois filmes seguem esta orientação: Emer-
gência/Seca (1982), de Torquato Joel, relata a vida de um grupo de camponeses que
vivem nas proximidades do açude de Orós-CE em pleno período de seca e Mani-
pueira (1982), de Maria Aparecida, que mostra o processo artesanal de colheita da
mandioca e a feitura da farinha de mandioca. O que eu conto do sertão é Isso (1979)
16 mm de José Umbelino e Romero Azevedo, realizado na cidade de Campina
Grande, também se desloca da zona urbana para o campo e revela a miséria
do sertão nordestino. Anos mais tarde, José Umbelino filmaria o documentário
longa-metragem em 16 mm Lutas de Vida e Morte (1982) com a colaboração da Ar-
quidiocese da Paraíba, onde discute questões referentes às Ligas Camponesas na
Paraíba. Além desses trabalhos que dão preferência em sua abordagem à questão
rural, duas outras películas produzidas fora do NUDOC, A luta do Povo de Capim de
Cheiro (1982), direção coletiva com a participação de Pedro Nunes, Sedi Marques e
do grupo de “Atuação no meio Rural do Centro de Educação – PRONASEC-U-
FPB” e Camucim Cinco Anos de Luta (1983), de José Barbosa, versam sobre os conflitos
de terra na região de Capim de Cheiro e Camucin-PB.
Neste novo ciclo verifica-se que as produções em 16 mm são numericamente bem
reduzidas. Dois trabalhos nesta bitola vêm lançar elementos de discussão em torno
do fazer cinematográfico na Paraíba, da necessidade de uma infraestrutura básica
para incremento da produção local e lançam também um painel da própria História
de luta do cinema feito na Paraíba: Cinema Paraibano – Vinte Anos (1983), de Manfre-
do Caldas e fotografia de Valter Carvalho, e Cinema Inacabado (1981), de Machado
Bittencourt e Alex Santos. Cinema Paraibano – Vinte Anos resgata em suas imagens e
depoimentos a discussão do ciclo paraibano de filmes dos anos sessenta iniciado por
Aruanda. Segundo Alex Viany:

97
Esse documentário “Cinema Paraibano – Vinte Anos”, eu não sei se há ou se já foi feito
um filme semelhante porque é um documentário sobre um ciclo, como parte dele. Na
verdade, é uma coisa que procura falar de um ciclo, não somente com depoimento,
mas com reflexão de linguagem, de propostas e está tudo muito inteiro. [...] Esse
filme é vivo, é reprodutivo, está em reprodução. [...] Não é uma coisa de jeito nenhum
reflexiva sobre um passado acabado, é sobre uma coisa viva e que vai ajudar não só
3 na discussão, mas no trabalho mesmo (VIANNY, 1983).3
Depoimento
de Alex Vianny O outro filme que se enquadra nesta mesma abordagem é Cinema Inacabado, que pro-
a Manfredo cura questionar o porquê de tantos projetos fílmicos inconclusos na Paraíba. Na medida
Caldas no Rio de
em que os depoimentos ocorrem são exibidos trechos dos filmes inacabados como: Liber-
Janeiro. O filme
recebeu o prêmio tação, de Carlos Aranha, Uma Aventura Capitalista, de Antonio Barreto Neto, Arribação, de
Glauber Rocha e Alex Santos, O Adro, de Pedro Santos e fotos de Contraponto sem Música, de Paulo Mello e
prêmio de melhor Virginius da Gama e Mello e fotografia de Machado Bittencourt. Ainda no filme, temos
documentário a presença marcante do cineasta e fotógrafo João Córdula que depõe sobre a trajetória do
na XII Jornada Cinema Educativo na Paraíba, além de depoimentos do crítico Wills Leal e cineasta Lin-
Brasileira de Curta
duarte Noronha que falam do ciclo espiritual do cinema, ou seja, dos filmes e roteiros que
Metragem (1983
em Salvador-BA). jamais foram concretizados. Para Machado Bittencourt, um dos diretores do filme, a obra:

Mostra o esforço dos inacabados enquanto explica porque esses filmes não foram
concluídos na Paraíba. Além dessa abordagem, o filme abre espaço para depoimentos
de Pedro Santos e Wills, esse último depondo sobre outro ciclo de cinema na Paraíba
– o ciclo do cinema espiritual (CINÉTICA FILMES, s/d.).4
4
Texto distribuído Machado Bittencourt junto a sua atividade comercial, a produtora Cinética Filmes
pela Cinética em Campina Grande, elabora outros trabalhos de cunho cultural em 16 mm. Por sinal,
Filmes de Campina
é o único cineasta até então que consegue desenvolver uma produção regular nessa
Grande – s/d.
bitola. Em Teares de São Bento (1979), o autor destaca o fabrico de redes na pequena
cidade de São Bento na Paraíba, sendo esta a principal atividade econômica local. Em
1980 finaliza dois curtas com alunos do curso de Comunicação Social da Universidade
Regional do Nordeste – URNe: Com a palavra, a Mulher, o documentário retrata o papel
da mulher, da liberdade, do casamento, da existência do romantismo; e Festas Juninas,
que é o trabalho que mostra os costumes nordestinos nas festas de S. João e S. Pedro em
Campina Grande. A Seca no Cariri (1983) e Miguel Guilherme (1983) são trabalhos seguintes
do autor. O primeiro mostra o flagelo da seca no Nordeste, particularmente na região
do Cariri, este está enquadrado no bloco de filmes que fogem da temática urbana; o
segundo relata a vida do artista plástico Guilherme dos Santos, reconhecido por suas
esculturas e pinturas nos tetos das igrejas.
Os filmes produzidos por Machado Bittencourt são pouco conhecidos pelo público.
O projeto de divulgação maior foi dedicado a Cinema Inacabado e O Caso Carlota (1981),
longa-metragem em ficção a partir de dados reais versando a questão da sexualidade.

98
Experimentação da Ficção:
A explosão temática da sexualidade
Após a etapa de filmes que se orientam para o estilo documental, pode-se destacar
no elenco das realizações desse novo ciclo um bloco significativo de filmes que tratam a
questão da sexualidade com inclinações para a ficção. A explicação para esta escolha está
no fato de que sexualidade sempre foi um tema tabu, estando bem presente nas relações
de dominação da sociedade patriarcal. A própria esquerda de um modo geral sempre con-
siderou a sexualidade como um assunto de pauta não prioritário em suas discussões nos
anos 1970. Os grupos homossexuais e, sobretudo os grupos feministas da época, procuram
avançar na compreensão do tema, valorizando o prazer, lutando contra a discriminação,
combatendo a visão de sexualidade unicamente para fins de reprodução. 5
Em João Pessoa, a conjuntura política do país contribuiu de certa forma para o aflora- Filmes sobre
sexualidade:
mento de produções que investigaram a sexualidade. Para Henrique Magalhães:
Esperando João,
de Jomard
A importância dessa fase é a contemporaneidade com o que o cinema respondeu à Muniz de Britto,
efervescência das mudanças políticas, sociais e existenciais do início dos anos 80. O Acalanto Bestiale,
cinema na mão de cineastas envolvidos diretamente com esta nova realidade, tor- Miserere Nobis e
nou-se um objeto de reflexão, militância e provocação, conseguindo com eficiência Terceira Estação
de uma Via
suas respostas, através do grande fluxo do público às exibições e gerando discussões
Dolorosa, de
em torno das ideias transmitidas (MAGALHÃES, 1987, p. 2).
Lauro Nascimento,
Closes, de Pedro
Neste período, final dos anos setenta e início dos anos oitenta, surgem os grupos: Nunes, Cidade
Maria Mulher, cuja linha de atuação se orientou no sentido e refletir a opressão da dos Homens e
mulher e grupo homossexual; Nós Também, que desde a sua criação em 1980 se Paraíba Masculina
Feminina Neutra,
emprenhou em direcionar sua força contra qualquer tipo de discriminação expres-
de J. M. de Britto,
sando-se principalmente pela livre opção da sexualidade através da arte. Isto é o que Baltazar da
também confirma Bertrand Lira: Lomba, do Grupo
Nós Também,
É também nesse contexto de abertura que surgem grupos de militância sexual, racial Era Vermelho
e partidária, entre outros, que antes, devido a conjuntura política, permaneciam sem seu Batom,
de Henrique
se manifestarem. Em João Pessoa, é criado o ‘Nós Também’ um grupo de militantes
Magalhães, O
homossexuais, que tinha como proposta original, a de militar através da arte (envelo-
caso Carlota,
pes que continham fotos, poesia, arte-xerox etc.), pichando muros, fixando outdoors de Machado
e até com a produção e realização de um filme: ‘Baltazar da Lomba’ ... Fruto de longas Bittencourt,
discussões entre os componentes do grupo, responsável pela sua produção, direção e Na Cama, de
realização, resultando num filme bem acabado (LIRA, 1986, p. 8-9). Romero Azevedo,
Flagrante Delito,
de Rômulo
Do conjunto de 13 filmes que manejam acerca da questão da sexualidade, o en- Azevedo,
foque escolhido em 10 deles é a abordagem da homossexualidade5. São filmes que Perequeté, de
apresentam informações reveladoras sobre o assunto, fazendo uma leitura crítica dos Bertrand Lira.

99
6 padrões morais e sociedade e suas crescentes formas de punição e controle. Quando
Henrique confrontados aos filmes de cunho documental da primeira fase desse mesmo ciclo,
Magalhães esses filmes são considerados ousados e até pioneiros pela coragem dos realizadores
em entrevista
de trazer à tona o debate sobre a prática sexual entre indivíduos do mesmo sexo, sem
concedida ao autor
observa que alguns
as caricaturas ou deboches presentes em grande parte da produção cultural volta-
filmes de produção da para o mesmo tema. Além da inserção de elementos de experimentação; maior
do autor receberam cuidado com a fotografia e montagem, a característica marcante nestas realizações
apoio do NUDOC é examinar os condicionamentos autoritários e as regras de comportamento ditadas
quanto à utilização pela escola, família, igreja, trabalho... refutando os valores retrógados que imperam
de equipamentos:
na sociedade com relação à homossexualidade. Neste sentido esses filmes são extre-
“Inclusive Baltazar
da Lomba que
mamente ousados e transgressores principalmente pela forma como apresentam ou
foi proibido pela debatem os espectros da sexualidade humana.
Polícia Federal, mas Um dado novo observado nessa retomada da produção cinematográfica na Pa-
passou no NUPPO raíba é, também, a experimentação da ficção. São filmes produzidos em sua maioria
(Núcleo de Pesquisa com recursos financeiros do próprio autor obtendo maior repercussão em relação
Popular) sob a
aos trabalhos anteriores direcionados de forma mais acadêmica para o registro social
responsabilidade
da UFPB”. Situando
da realidade paraibana.
apenas um exemplo Mesmo tendo em conta que parte dos realizadores tenha sofrido restrições de
também como órgãos oficiais inviabilizando apoios de produção, negando espaços públicos para
contrapartida, os exibição de filmes ou isentando-se quanto ao apoio aos realizadores quanto às per-
filmes de Jomard seguições da Polícia Federal, esses filmes obtêm uma grande aceitação do público6.
Muniz de Britto
A partir deles, o Cinema Independente na Paraíba amadurece enquanto proposta,
não receberam
o aval da UFPB,
passa a discutir a possibilidade de implantação de uma infraestrutura profissional.
o realizador foi Em decorrência desse amadurecimento há, como já dissemos, uma atenção explícita
diretamente dos realizadores quanto à escolha temática, além da inserção de elementos novos de
pressionado pelos linguagem, sem cair no didatismo linear dos filmes da primeira fase.
agentes da Censura O enfoque temático da sexualidade inicia-se com dois filmes de ficção bem dis-
Federal tendo que
tintos: Esperando João (1981), de Jomard Muniz de Britto e O Caso Carlota (1981), de
submetê-los ao
crivo dos censores
Machado Bittencourt. Os dois, em nada se afinam; o primeiro, em Super-8 ironiza
locais para exibição agilmente valores conservadores incrustados na província antecipando o filme de
pública. De igual Tizuka Yamasaki – Paraíba Mulher Macho (1983) com grande sucesso no circuito co-
modo, Pedro Nunes mercial. No filme, Jomard Muniz de Britto utiliza três atores e três atrizes que vivem
com o filme Closes o papel de Anayde Beiriz, amante de João Dantas e responsável pelo assassinato de
foi obrigado a
João Pessoa, governador da Paraíba na época. Anayde, no filme aparece na eterna
submeter o referido
filme à censura
espera de João Dantas e se transforma a cada vez que um mágico retira de sua car-
com a presença de tola revelações sobre a cidade.
agentes policiais Para Lauro Nascimento:
federais com armas
em punho. O mágico que habita a cidade é um VAMPIRO TRITURADOR que analisa e manipula dados
escondidos entre-grades, entre-muralhas, entre-abertas verdades nas janelas mentiro-
sas. [...] Trata-se muito mais de um acender de luzes da cidade em pleno dia para que se
leia uma estória dentro da história que sequer igual e repetitiva (NASCIMENTO, 1981, p. 2).

100
O segundo filme, O Caso Carlota, possui uma narrativa extremamente conven-
cional. Baseado em episódio ocorrido na cidade de Areia-PB em meados do século
XIX. Carlota torna-se amante de Quincas Leal, político oposicionista do partido
Liberal, chocando a sociedade local por sua desenvoltura amorosa. Ofendida publi-
camente por um integrante do partido conservador, Carlota planeja seu assassinato
como vingança. Levada para prisão em Fernando de Noronha após cometer o as-
sassinato, consegue indulto pelo envolvimento amoroso com o diretor do presídio.
Recheado de cenas eróticas, o filme não consegue avançar para o aprofundamento
do tema que se propõe investigar em forma de ficção.
Ainda em 1981, Perequeté, de Bertrand Lira, retrata o preconceito que sofre o ar-
tista na província paraibana. Embora sendo um documentário, incluso na pri-
meira fase, o autor mescla sua obra com elementos de ficção demonstrando a dis-
criminação de segmentos da sociedade em relação aos indivíduos que exercem
livremente a sua preferência sexual.
Já Henrique Magalhães depois de concluir em parceria com Torquato Joel o filme
Les Etoiles (1983) durante um estágio em Paris no Atelier de Cinema Direto da Universi-
dade de Nanterre, elabora Era Vermelho seu Batom (1983). Em 15 minutos, o filme mostra
o relacionamento de dois homens num acampamento de carnaval. No vale tudo da
movimentação carnavalesca, um deles flagra o outro fantasiado de mulher. A relação
se deteriora face a discriminação do parceiro. Segundo o próprio realizador, o filme Era
Vermelho seu Batom traduz as inquietações de uma geração também preocupada com os
conflitos existenciais como o amor e a solidão e com os grupos ligados a movimentos de
libertação de minorias, no caso, homossexual” (MAGALHÃES, 1983)7. 7
O grupo de militância homossexual Nós Também realiza o curta de 18 minutos MAGALHÃES,
Baltazar da Lomba (1982) sobre a inquisição de um homossexual na Paraíba no período Henrique. Cinema
e Província, João
do império. No entendimento de Gabriel Bechara:
Pessoa, A União,
25/05/1983.
Baltazar da Lomba foi o primeiro produto de um grupo que abria mão de uma mili-
tância política no sentido tradicional e achava por bem que a linguagem artística era
a mais adequada para tratar da questão homoerótica. [...] A preocupação nesse filme
é resgatar a história da perseguição, da intolerância em relação à homossexualidade
na primeira década da existência da inquisição na Paraíba em 1595. A rebeldia a nível
pessoal de Baltazar é uma rebeldia em relação a todo um modus vivendis que as elites
portuguesas tentam implantar na Colônia. Eu diria mesmo que Baltazar é o inicio da
irreverência brasileira de tantos outros perseguidos pelos autos inquisitoriais (BE-
CHARA, 1987).8
8
Retratando ainda a mesma temática da homossexualidade, Closes (1982), de Pe- Entrevista com
Gabriel Bechara
dro Nunes, consegue obter um grande impacto junto ao público, imprimindo uma
concedida
dimensão mais séria para o Super-8. O filme se impõe frente à crítica local, que ao autor.
sempre agiu com reservas e ironias em relação ao Super-8, tornando a discussão da João Pessoa,
homossexualidade ainda mais ampla. Misto de documentário e ficção, Closes reúne 14/01/1987.

101
IMAGEM em sua parte documental depoimentos diversificados sobre preferências pelo mesmo
Era Vermelho sexo. Os depoimentos chocam-se, complementam-se e se contradizem. Na parte de
o seu Batom ficção, exibe a relação sexual entre dois rapazes onde um deles é obrigado a aban-
Henrique donar a cidade devido às pressões de família, da imprensa e da sociedade. Segundo
Magalhães, 1983,
Jomard Muniz,
10 min.

O grande rebuliço na província de João Pessoa foi realizado pelo filme Closes. Era a
temática nova, a problemática nova em termos de sexualidade, pela beleza formal do
filme tinha um encantamento visual muito grande. Isso foi um grande motivo para
acender a chama dessa sexualidade recalcada noutros filmes (BRITTO, 1985).

Percebe-se nesta fase a existência de um grupo compacto de realizado-


res intencionados em fazer filmes inovadores, não só em sua temática, mas tam-
bém em exercitar o aprendizado da linguagem cinematográfica. Esta exercita-
ção e ousadia temática estão bem mais presentes nesta fase de resgate da ficção.
A maioria desses filmes com gestos explícitos de transgressão temática associada à
ficção é de obras de produção de autor.
Apenas Perequeté dribla a orientação do estágio de Cinema Direto realizado no
NUDOC/UFPB em 1981, abordando o tema da sexualidade, lançando elementos
de ficção em sua obra.
Seguindo esta linha de se confeccionar trabalhos artísticos inventivos, dois auto-

102
res sobressaem-se do conjunto por atuarem exclusivamente no campo da ficção:
Lauro Nascimento e Jomard Muniz de Britto.
Lauro Nascimento trabalha a sexualidade sob o prisma da religiosidade. O
sagrado e o perverso fundem-se através da ótica barroca sensitiva do irrequieto
artista plástico. Em Acalanto Bestiale (1981) e Miserere Nobis (1982) o autor faz uma
fusão mística do imaculado e do profano, da pureza e da transgressão envoltos
numa ambiência religiosa. De um lado a imaginação de um garoto que materiali-
za Jesus e o ama docemente. De outro, um Jesus contemporâneo adota a filosofia
“qualquer maneira de amar vale a pena”. Completando a trilogia ficcional, Segunda
Estação de uma Via Dolorosa (1983) é a investida seguinte de Lauro Nascimento com
a finalidade de mostrar o lado cru da prostituição masculina entre um intelectual
e um michê adolescente que mantém relação sexual unicamente por dinheiro. O
lado plástico, a cor, a luz, os cenários e o depuramento da imagem são aspectos
importantes enfatizados na trilogia de Lauro Nascimento.
Já Jomard Muniz ocupa um lugar de destaque na história do cinema paraiba-
no e do cinema pernambucano. Agitador cultural dos anos 1960 e grande guru
e realizador da geração do terceiro ciclo de cinema dos anos 1980, imprimiu em
toda sua obra de literatura e cinema uma visão crítica e anárquica da cultura
brasileira. É autor de mais de 40 curtas em Super-8. Em sua trilogia paraibana
de filmes sobre sexualidade Esperando João (1981), Cidade dos Homens (1982) e Pa-
raíba Masculina Feminina Neutra (1982), Jomard Muniz questiona os preconceitos
enraizados no cotidiano da província. Cidade dos Homens mostra a forte presença
masculina na cidade, nos bares, nas ruas, no trabalho, nas praças... na construção do
controvertido Espaço Cultural da cidade de João Pessoa.
Mas o filme mais importante do conjunto de realizações de Jomard Muniz de
Britto é Paraíba Masculina Feminina Neutra, o terceiro de sua trilogia e o único que
consegue realmente radicalizar a linguagem cinematográfica. Esta afirmação
é também endossada por Bertrand Lira: “Paraíba Masculina Feminina Neutra é sem
dúvidas o mais criativo desse cineasta que vive em constante atividade experimen-
tal no cinema. É com ‘Paraíba M.F.N.’ que Jomard demonstra maior intimidade
com a linguagem cinematográfica” (LIRA, 1986, p. 8).
Nesta obra, o autor investe contra a moral cotidiana, recortando ironicamente a
realidade e sempre colocando em xeque o discurso militante. O filme é construído a
partir de um discurso fragmentário composto por elementos díspares e imaginários,
tais como: um chicoteador que se rende aos pés de Maria Bonita, um professor con-
servador e uma professora marxicóloga, gerando impacto no espectador pela agres-
sividade das imagens e do discurso verbal. O filme, em três tempos (presente, passado
e futuro) agrupa 12 personagens em constante metamorfose que percorrem favelas,
becos e vielas de João Pessoa. É o único que consegue realmente lançar elementos
novos em termos de provocações da linguagem cinematográfica e da sexualidade.
Três outros filmes de restrita divulgação podem ser citados no campo da ficção:
Na Cama (1981), de Romero Azevedo, Faon (1983), de Gabriel Bechara e Flagrante

103
Delito, de Rômulo Azevedo.
A importância desse ciclo marcado pela ampla receptividade do público se ca-
racteriza pela busca de uma estética própria. Embora não tenha existido uma sub-
versão no tocante ao avanço depurativo da linguagem, houve as iniciativas que
se encaminharam neste sentido, e o que é muito importante, exercitou-se a ficção
discorrendo sobre a homossexualidade.
A ruptura fundamental presente nessa produção é o enfoque temático em torno da se-
xualidade e a passagem, sob forma de ensaios, para a elaboração da ficção. Isto representa
um dado novo muito forte, pois a Paraíba sempre carregou desde décadas anteriores o tra-
ço notadamente documental em sua filmografia. É o que confirma Henrique Magalhães.

IMAGEM A mudança proporcionada pelo uso do Super-8 como veículo dos novos experimenta-
Baltazar dores em cinema, deu-se pela preferência de se traduzir suas mensagens através da
da Lomba ficção, rompendo a tradição documental da Paraíba. [...] A opção pela ficção seria um
Direção coletiva, sintoma desse novo tempo, na medida em que ela abre mais espaço para viagens e
1982, 18 min. universos particulares e interiores do cineasta (MAGALHÃES, 1987, p. 2).

A escolha pela ficção é aqui entendida não unicamente enquanto produtos culturais
com um roteiro criando imaginariamente novas situações, mas sim algo que se nutre e
extrapola as próprias contradições da realidade cotidiana.
Os documentários Perequeté, de Bertrand Lira, e Sagrada Família, de Everaldo Vas-
concelos, foram elaborados no sentido de documentar o dia a dia de um ator e de

104
uma família respectivamente, findam por registrar e ficcionar criativamente recortes
de realidades humanas específicas. Isto comprova a dificuldade de se conceituar o que
é um filme documentário e o que é um filme de ficção. Há um embaralhamento de
gêneros embutido em ambos os filmes. Essa mistura que funciona como recurso criati-
vo. No caso específico de Sagrada Família, o filme não aborda aparentemente a questão
da sexualidade visto que aparece oculta, de forma reprimida; o seu realizador explora
as tensões psicológicas de sua família, conseguindo a partir da seleção de ângulos, to-
madas e estruturação das imagens, uma situação limítrofe de ficção e documentário.
Enquadram-se também nesta perspectiva de misturas entre gêneros os filmes de
Jomard Muniz, cujas obras adquirem vida própria ao tomar como pano de fundo
alguns pontos e locais estratégicos da cidade João Pessoa. Ficção e realidade tam-
bém se entremesclam com a presença de atores que se inserem performaticamen-
te na realidade e se confundem com os transeuntes.
Ao reunir situações díspares como: cultura marginal e cultura oficial, travesti
e policial machão, sempre reportadas ou extraídas de situações regionais, locais
ou nacionais, Jomard Muniz dispara através de suas narrativas uma avalanche
de informações que atuam como nocaute aos valores cristalizados da província.
Percebe-se então na leitura de sua obra que documento e ficção se interpõem.
Enfim é interessante observar que alguns desses filmes que versam sobre a
sexualidade conseguem mobilizar o público, chamar a atenção da imprensa e
formadores de opinião por trazer temas polêmicos para o debate. A mobilização
em torno desses filmes extrapola o estado da Paraíba a exemplo de Closes, que
percorreu vários estados brasileiros e circulou pela América Latina. Nesse perí-
odo foram construídas alternativas de exibição em forma de animação cultural.
Essa iniciativa de circulação dos filmes se distinguia pela busca de canais parale-
los junto às escolas, sindicatos, associações de bairro, periferias da zona urbana,
zona rural e interior do Estado. É um cinema itinerante onde cada realizador ou
integrante da comunidade encontravam fórmulas improvisadas para divulgação
e exibição dos filmes, ao ar livre ou mesmo em recintos fechados. Alguns desses
filmes também integraram as quatro Mostras de Cinema independente realizadas
no contexto do terceiro ciclo de cinema e que possibilitaram o contato com reali-
zadores e filmes de outros estados brasileiros.

Considerações Finais
O terceiro ciclo cinematográfico na Paraíba representou a oportunidade de arti-
culação espontânea de grupos de jovens principalmente junto à Universidade Federal
da Paraíba, que mobilizaram para produzir cinema enxergando o seu potencial como
expressão libertadora.
A marca deste novo surto ficou caracterizada pela utilização da minibitola Super-8,
adotada por uma geração emergente que utilizou o cinema como ferramenta de traba-

105
lho ideal para expressão dos conflitos políticos-existenciais em um contexto histórico de
renovação da cinematografia paraibana.
O resgate do Super-8 enquanto bitola apropriada para experimentação da lin-
guagem e reflexão da realidade regional consistiu numa forma alternativa de gerar
conhecimentos, atingindo proporções amplas.
A flexibilidade da minibitola ampliou o quantitativo de produções au-
diovisuais possibilitando a entrada e a capacitação de um maior número de
pessoas no processo de criação de filmes.
Apesar da relevância do terceiro ciclo de cinema, o uso regular da bitola pro-
vocou reações preconceituosas por parte de jornalistas e cineastas da segunda ge-
ração do cinema, que reclamava a montagem de uma infraestrutura profissional
de cinema. Essa polêmica resultou em dois manifestos polêmicos de Pedro Nunes
e Everaldo Vasconcelos, além dos frequentes posicionamentos publicados na im-
prensa por integrantes do terceiro ciclo de cinema. Diante dessas questões Jomard
Muniz argumenta o seguinte:

É ridículo essa coisa que tem na Paraíba de muita gente não considerar o Super-8
como cinema, isso é um preconceito absurdo. Os grandes cineastas do mundo usam
Super-8, é a possibilidade de se fazer cinema experimental, tanto curta-metragem,
como a bitola Super-8 ou vídeo, você tem um campo mais livre para experimentação
(BRITTO, 1985).

Henrique Magalhães também reage às críticas formuladas contra o movimento:

Alguns críticos e intelectuais insistem na concepção de que o Super-8 não é cinema,


fechando os olhos para o que está surgindo de novo no cenário cinematográfico parai-
bano. Comparativamente, seria o caso de se dizer que o vídeo cassete não é televisão.
Mas como, se em ambos os casos os recursos de linguagem são os mesmos? Apela-se
então em invocar o argumento de que o Super-8 é um instrumento amador e que os que
o manuseiam agem amadoristicamente diante das possibilidades do cinema de capta-
ção de imagens paradas e transmissão de ideias em movimentos. Ora, conheço muitos
filmes dessa nova safra made in Pb que valem muito mais do que centenas de filmes
profissionais em 35 mm que inundam nossas salas de projeção e a cabeça de muitos.
Este raciocínio de que estas produções superoitistas não têm valor recai no preconcei-
to que têm as gerações mais velhas e alguns jovens retardatários de que a produção
antiga é sempre de melhor valor e que qualquer nova produção é desacreditada talvez
pelo simples argumento de que é novo. E desacreditar também que através do Super-8
alguns possam desenvolver linguagem (ou várias) tão original que se torne revolu-
cionária. É pôr água fria na fervura. Se os meninos estão se achando cineastas porque
estão fazendo Super-8 é porque eles são cineastas (me incluo nos meninos).
O cinema que os meninos estão fazendo é duma realidade interior tão grande que pode
até ser chamado de mal acabado, mas nunca pode deixar de ser chamado cinema.

106
Querer que se faça cinema que se fez 23 anos atrás, é como querer que nossos músicos
de hoje cantem como Vandré na época de “Caminhando”, e aí corre-se o grande risco
de não ser contemporâneo e cair numa real banalidade, como o foi Simone cantando
“Pra não dizer que não falei das flores”. (MAGALHÃES, 1983).

A Paraíba tem demonstrado ao longo da história uma vitalidade significativa vol-


tada para o campo do cinema e do audiovisual. A ausência de uma sólida infraestru-
tura sedimentada por recursos técnicos e financeiros é uma constante que perpassa
os distintos ciclos da produção audiovisual no âmbito da Paraíba. A cada novo surto,
os protagonistas do processo iniciam pela estaca zero. Tanto as produções do ciclo
pioneiro liderado por Walfredo Rodrigues como as do ciclo Aruanda apresentam pre-
cariedades de recursos técnicos e financeiros, equipe de trabalho sempre reduzida.
O amadorismo e improvisação estiveram presentes nos três ciclos de cinema embora
com traços bem distintos.
As falhas detectadas nessa produção do início dos anos oitenta, como registro
linear dos fatos, filmes inconclusos, impossibilidade de exercitação em 16 mm, são
condicionantes da ausência de uma infraestrutura básica no Estado e da falta de
preparo profissional no campo audiovisual.
Se por um lado houve um retrocesso em relação ao formato da bitola e a não cria-
ção de uma infraestrutura profissional, por outro lado cabe afirmar que não existiu
um recuo em termos de construções narrativas e busca de uma estética própria como
marca distinta de uma geração.
A violentação desse surto se faz presente quanto à escolha temática que serviu
como fator de provocação e debate, ensaio da ficção e, consequentemente, o rom-
pimento com a tradição do filme documental na Paraíba, as condições precárias
de produção e a inserção desses produtos culturais de cunho expressamente ar-
tesanal junto aos movimentos populares e diversos setores da comunidade. Com
uma bitola marginalizada, os realizadores lançam mão da potencialidade audiovi-
sual do cinema e passam a utilizá-lo enquanto instrumento de ação social criando
situações de participação efetiva do público.
Há nesse conjunto de filmes um valor histórico de construção de memórias mesmo
em se tratando dos trabalhos que tiveram a preocupação de registro. Esses filmes são
memórias compartilhadas e representam em sua extensão um grande documento visu-
al polipartido de época. Revelam nuances subjetivas de um contexto de época em que
atravessa o político, o econômico, o existencial e os gestos criativos de realizadores que
trafegam de maneira conflitante entre tradição e os procedimentos de ruptura.

107
REFERÊNCIAS
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tor. João Pessoa, 14 jan. 1987.

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ao autor. Recife, 06 out. 1985.

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método de trabalho. Tese de Doutorado, São
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LIRA, Bertrand. A Produção Cinematográfica


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mos dias de Paupéria. São Paulo: Max Limonad,
1982.

NUNES, Pedro. Violentação do Ritual Cinemato-


gráfico: Aspectos do cinema independente na
Paraíba – 1979-1983. Dissertação de Mestrado,
S. Bernardo do Campo: UMSP, 1988.

108
109
A experimentação
cinematográfica
superoitista no
Brasil:
espontaneidade e ironia como
resistência à modernização
conservadora em tempos de
ditadura

POR Rubens Machado Jr.

Rubens Machado Jr. IMAGEM


é cineasta e prof. Dr. do
Programa de Pós-graduação
Agrippina é Roma
em Comunicação (PPGC/ -Manhattan
UFPB) e do Departamento Henrique Magalhães, 1981,
de Comunicação em Mídias 15 min.
Digitais do CCHLA/UFPB .
110
111
Há uma geração (à qual pertenço) que já começou a crescer vendo TV, se a par-
tir dos anos 1950 vivesse em cidades grandes ou metrópoles regionais brasileiras e,
claro, sendo de classe média para cima na pirâmide social. Geração que em 1968,
com o recrudescimento da ditadura após o AI-5, era ainda adolescente e só foi cursar
faculdade já nos anos 1970. Viu então a modernização conservadora do país no pro-
gresso da TV colorida e de um cinema que lhe pareceu diversificado e interessante,
principalmente o dos circuitos mais alternativos, que se desenvolviam nas maiores
cidades regionais. Era um cinema que ecoava em efeitos de maturação e ironia os
ventos utópicos recentes dos anos 1960, destilando sua acidez e fermentação em
calmaria paradoxal. Eram tempos de inquietude, restritivo mundo afora, de repres-
são mais ou menos ostensiva e de refluxo social que se exprimiam com inteligência
controversa, por vezes provocadora até mesmo no cinema estadunidense, mas, sobre-
tudo no europeu e no minoritário nacional que podíamos ver.
Com os anos 1970 chegam às lojas os projetores e câmeras Super-8, tornando
mais acessível econômica e tecnicamente o registro doméstico ou a realização de ex-
periências criativas como “cineasta”. Sua rápida apropriação por artistas plásticos, e
inesperados jovens cineastas mais ou menos selvagens, vão aos poucos afigurar aven-
turas pessoais ou coletivas um tanto contraditórias e, contudo, promissoras. Este mo-
vimento era silencioso, subterrâneo de início, e sua inquietude só foi ganhar espaços
de repercussão mínima na recepção de alguns festivais e sessões de certos cineclubes
mais para a segunda metade dos anos 1970. Se não foi muito exibido, foi realizado
com maior liberdade que os outros tipos de produção audiovisual, já pelo seu cará-
ter independente e amadorístico, constituindo experiências marcantes para públicos
específicos. Os festivais de Super-8 ao longo da década se proliferariam em mais de
meia dúzia. Os do Grife, organizados em São Paulo por Abrão Berman, duraram de
1973 até os anos 1980, e foram o primeiro, maior e mais longevo evento superoitista,
trazendo, por incrível que pareça, estrelas de Hollywood ao Brasil, coisa que mes-
mo os maiores festivais profissionais não lograram. Certas sessões foram para mim
inesquecíveis; pude ali ver filmes como Cubo de Fumaça (1971), de Marcello Nitsche,
e Grátia Plena (1980), de Carlos Porto de Andrade Jr. e Leonardo Crescenti Neto. Ou
nas Jornadas de Salvador, em que pude ver O Rei do Cagaço (1977) e Exposed (1978), de
Edgard Navarro, ou Céu sobre Água (1978), de José Agrippino de Paula.
Mas o Agrippina é Roma-Manhattan (1972), que Hélio Oiticica realizou em Nova
York, bastante conhecido nos últimos dez anos, só pude ver em 1992, numa de suas
primeiras projeções públicas, na grande mostra de cinema marginal brasileiro rea-
lizada por Neville d’Almeida e Júlio Bressane, em Paris (Retrospectiva de Hélio no
Jeu de Paume). A surpresa com a fita me convenceu em definitivo da importância do
Super-8 para a compreensão do cinema experimental brasileiro em seu conjunto
“naturalmente” disperso. Ainda hoje, entretanto, mesmo com as facilidades das re-
des virtuais, quem se interessar pela história do cinema experimental ou de vanguar-
da realizado no Brasil, encontrará dificuldades de acesso, além de uma filmografia
desigualmente mapeada em seus vários lugares e épocas, aspectos e vertentes. Vai

112
encontrar bibliografia e debates do maior interesse sobre certos momentos, auto-
res e movimentos – o Limite, de Mário Peixoto, o Cinema Novo, o Marginal. E os
anos 1970 configuram, em todo caso, uma espécie de apogeu dessa produção, pelo
menos do ponto de vista quantitativo. A produção experimental realizada em Su-
per-8 nessa década é enorme, se comparada ao vídeo ou ao 16 e 35 mm. E não
tem sido vista desde então, quando foi por seu turno muito mal vista. Foi projetada
só em sessões alternativas, alguns festivais de modo atomizado; e, depois disso, não
mais. Nem o público cinéfilo ou de especialistas, nem mesmo os pesquisadores da
área experimental ou vanguarda conhecem essa produção. Portanto, é difícil a ta-
refa de expor algo que ainda não está integrado ao debate, não possui abordagens
comparativas, algo sequer recenseado sistematicamente, quanto mais historiado e
criticado, reverberado por alguma fortuna crítica. Eu próprio; não faz tanto tem-
po que iniciei a pesquisa e, em meio a outras, com interrupções grandes, posso f
alar algo do que pude processar até aqui.
Se falarmos de vanguarda no cinema brasileiro moderno, o Cinema Novo (e o
Marginal, quase como um eco invertido dele) fornecem ao longo dos anos 1960 a
régua e o compasso que vão repercutir até os dias que correm. Falo aqui de vanguar-
da e experimental sem nas suas teorias me aprofundar, o que implicaria em esforço
considerável, já que existem aspectos e compreensões bastante diferentes, dissemi-
nados sem maior sistematização enquanto debate específico. Faço uso, então, dos
termos num âmbito genérico em nossa tradição cultural. Vanguarda e experimental
são por vezes dois termos sinônimos, outras vezes antagônicos, segundo o contexto.
Pode-se abstrair que, em geral, a ambição do experimental (com inúmeras exceções)
é menos explícita que os vanguardistas no campo político ou das instituições sociais,
e por fim também no aspecto projetual, no sentido de articular o fazer artístico da
criação a um horizonte histórico, de modo manifesto e conceituado, racionalizado.
Se a postura experimental se dissemina pelo país a partir do final dos anos 1960,
junto com o Tropicalismo e o recrudescimento da ditadura, assumindo contornos
de vanguarda nos mais diferentes sentidos, isto tudo se pode discutir, mas não quer
dizer que possamos verificar nas obras resultados à altura das pretensões. Avaliar esse
problema é entrar no campo da crítica, da análise de filmes e da estética realizada
nos filmes – não apenas na proposta ou convicção dos autores, adotando-as (como,
aliás, de hábito se tem feito).
Há muitas coisas diferentes debaixo desse conceito guarda-chuva do cinema ex-
perimental, em que cabe um pouco de tudo (filme de artista, agit-prop, cinema de
poesia, amadorismo radical etc.). Aqui é como se fala no futebol: é preciso pôr a
bola no chão. E, partir dos filmes, sobretudo, o elementar objeto e terreno, para
que consigamos estabelecer algum debate mais produtivo, para além do tiroteio
surdo. Ou seja, tomar o objeto em sua própria medida. Trata-se evidentemente
de uma discussão de longo prazo, que não poderá dispensar os estalos e sobres-
saltos intempestivos, embora hoje apenas comece a engatinhar, levantando os fil-
mes, vendo e procurando estabelecer os seus parâmetros próprios – tanto em face

113
das expectativas autorais, como dos olhares de hoje confrontados aos da sua época,
seja da parte do público ou da crítica. A produção audiovisual dos anos 1970 tem,
contudo, essa marca de grande fenômeno, de estruturação espetacular da televi-
são como rede, e o avanço da Rede Globo dentro dessa transformação. O alcance
e a importância industrial que a TV brasileira ganha nos anos 1970 fazem com
que o cinema se perceba bastante sobrepujado em termos de indústria cultural no
país. Digamos que este é o pano de fundo que temos em mente, difícil para se lidar,
mas sobre o qual – aliás, atrás do qual, à margem do qual – se desenvolveria o ci-

IMAGEM nema mais inquieto, livre, contestatário, radical. É preciso, enfim, compreender o
Céu que acontecia no país, para sabermos o que o afetava e o que faziam aqueles que
sobre água se opunham de algum modo a esse status quo.
no filme Cinema No campo do cinema, a Embrafilme se estrutura a partir de 1969. Os filmes
Paraibano - vinte que ela produz têm muito a ver com uma opção dos cinemanovistas, de fortaleci-
anos. mento do mercado como resistência do cinema nacional. Artisticamente busca-se
na literatura brasileira, por exemplo, ou em gêneros populares de narrativa cine-
matográfica, um diálogo com a identidade brasileira e, ao mesmo tempo, indus-
trialmente tenta-se algo mais comercial e de diálogo com o grande público. Em
paralelo ao cinema comercial propriamente dito, à pornochanchada e a um resto
do cinema industrial que podia sobreviver, alcançou-se por fim, com a Embrafilme,
um exercício industrial considerável nos termos da tradição brasileira. Consolida-
ram-se algumas modalidades de gênero, como a própria pornochanchada. Então,
Globo, Embrafilme, pornochanchada e certo cinema de mercado que evoluiu nos

114
anos 1970 constroem de certo modo um fortalecimento da indústria cultural. Hou-
ve participação importante de intelectuais de esquerda em novos arranjos, com ou
sem cooptação (esse debate iria longe). É a maneira pela qual o poder civil-militar
dá certo espaço, utiliza essa força produtiva intelectual para os desígnios da cons-
trução de uma identidade nacional. Será importante considerarmos isso, pois tudo
o que é feito, então, se relaciona à tradição criada nos anos 1960, àquela de um
cinema de maior pretensão questionadora, que procura interrogar de maneira mais
radical o sentido da vida brasileira, da atualidade – do próprio sentido do audio-
visual brasileiro, ou mesmo de se estar criando um filme, como chega a fazer
Fernando Coni Campos em Ladrões de Cinema (1977).
O cinema independente, de então, era uma das formas de se opor à voga domi-
nante num país que se integrava pela modernização conservadora. Em sua maior
radicalidade, os independentes acabavam se contrapondo também às oposições e
às esquerdas mais integradas à indústria cultural. Esse rótulo de cinema indepen-
dente é um entre vários que se davam na época. Eu fui cineclubista e participei,
na segunda metade dos anos 1970, da criação de uma oposição mais à esquerda,
o grupo Deflagração, que quase ganhou as eleições do Conselho Nacional dos
Cineclubes em 1978, congregando trotskistas, anarquistas e independentes contra
a tradicional frente liderada pelo PCB e apoiada por cineclubes mais conserva-
dores. Nossa proposta, para usar uma só palavra, seria assembleísta, buscando
integrar o público à estrutura da atividade de programação e debate. Visávamos
formar não só culturas cinematográficas alternativas, ligadas a cada específica
comunidade frequentadora, mas também formar entre os expectadores esboços
de um laboratório de análise crítica ou de práticas de discussão, práticas insi-
pientes, mas necessárias para que se fizesse jus ao nome Cineclube. A escolha da
programação seria assim em parte do público, incluindo a produção dominante
nos cinemas e na TV. Pensávamos em nos desembaraçar de uma ideia viciosa de
programação pré-fabricada. O cineclube seria não só o Sistema de veiculação (even-
tual circuito de fitas engajadas ou nacionais), mas a Formação de críticos, cineastas e
públicos, aptos a debater em seus diferentes círculos de participação, dos pequenos
núcleos de atividade ao público maior das sessões.
Depois de 1978, com a derrota da chapa Deflagração na Jornada Nacional de
Caxias do Sul, foi-se implantando um sistema de distribuição importante para a
construção de uma difusão paralela do cinema brasileiro, que vai da Dinafilme, nos
anos 1970, aos dias de hoje, com a Programadora Brasil. Desde então cineclube é,
como hoje, circuito de exibição paralelo, e raramente um circuito de interação co-
munitária, circuito de debates e de formação de uma cultura audiovisual crítica. O
modelo de Dziga Vertov, com O Homem da Câmara (1929), que inspirava a Deflagra-
ção, assim como a revista Cine-Olho (1976-1980), de que fui editor, nos parecia for-
midável. Sugeria algo como distribuir varas de pescar em vez de peixes. Em lugar de
um filme de Pudovkin, ou algum realismo socialista, que já trariam “a visão correta”,
teríamos a visão entusiástica de como se fabricam imagens. Havia experiências que

115
apontavam nesta direção no Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Goiás
e no Nordeste, como as iniciadas na USP pelo Cineclubefau e o Luz Vermelha, da
ECA, que formaram em 1977 um circuito de cineclubes universitários, o Cinusp.
Salvo engano, tais esboços se pulverizaram demais como política cineclubista de lá
para cá. O CAC, da PUC-RJ, onde nasceu a Cine-Olho, era um dos modelos mais
interessantes, e um dos poucos a trazer farta programação superoitista.
Na Cine-Olho participamos de uma busca difusa por um cinema mais livre, em que
havia um jogo para se designar ou adivinhar um movimento não comprometido com
os padrões do mercado, ainda não era bem o do Cinema Marginal, mas que deveria
incluí-lo. Até se chegar a alguma aceitação do nome “cinema marginal”, por exem-
plo, foram cogitados diversos outros, “cinema do lixo”, “cinema cafajeste”, “cinema
da boca”, “udigrudi” (que o Glauber adaptou de underground para caçoar da nova
onda como velha colonização). Também era um cinema que não existia ainda, que se-
ria uma espécie de nova opção, oscilava entre várias designações, desarticulado como
movimento de fato (no sentido praticado pelo Cinema Novo nos tempos da “Estética
da Fome”, bandeira agora substituída pela “Mercado é Cultura”). Então se pensava:
“cinema alternativo”, “cinema não alinhado”, “cinema experimental”, “cinema mar-
ginalizado”, “cinema diferente”, ou mesmo “cinema independente”. São incontáveis:
só numa linha mais irônica teríamos “cinema ovo”, “megalomaníaco neo-cinemano-
víssimo”, “vanguarda acadêmica”, “antropofagia erótica”, “terrir” etc.
Sobre essa designação variada temos uma produção enorme, na qual se incluem
os filmes em Super-8, mas também os feitos em outras bitolas. Às vezes em vídeo,
um pouco mais no fim dos anos 1970, e mais nos anos 1980, quando se torna opção
dominante. E o 16 mm, sem dúvida, também continua importante. Essa produção
independente não está muito bem mapeada e, por vezes, nem sequer levantada.
Sabemos generalidades do tipo: predominam nessa época fitas de curta duração e
em preto e branco, à exceção do Super-8, que se populariza já em colorido. Não há
muitos trabalhos de reflexão; eles são em geral manifestações pontuais: o cinema de
Arthur Omar ou João Batista de Andrade, que agora está sendo estudado; enfim,
temos pouca coisa discutida sobre o tema.
A filmografia Super-8 ainda tem um problema: ela vai desaparecer por desafiar
o próprio estatuto do que é cinema. É mais perecível, realizado artesanalmente, de-
pois veiculado e guardado em casa. A projeção do filme não é a de uma cópia; você
projeta o original. Isso concorria para que as sessões fossem raras já na época, e de lá
para cá com a quebra dos projetores, que são eletrodomésticos frágeis, baratos, ob-
solescentes, para o pai de família mostrar a viagem, o churrasco que filmou. Eles se
estragavam com facilidade já na projeção. Fica aquele típico arranhado, para sempre
visível! Era mesmo um perigo, arranhar não é nada, se a engrenagem do projetor
arrebenta a película, você perdeu parte da fita. Aqueles fotogramas, nunca mais,
tchau! Se a polícia apreende? Houve alguns casos. O transporte extraviou? Esqueceu
na cadeira do bar? Numa gaveta da chácara? Há filmes em Super-8 desaparecidos
por falta de cópia, ou negativo – mandar fazer uma cópia em celulóide ou em vídeo

116
poucos praticavam, eram ainda caras, e bastante ruins.
Aquela história que conhecemos da reprodutibilidade técnica, ensejando a perda
da aura, pensada por Walter Benjamin diante do cinema, é uma questão interessante
de se pensar no caso do Super-8. Ao circular, o autor já acaba preferindo ir junto
com o filme, seja por receio de extravio, ou medo da polícia pegar, paúra de que o
projecionista vá mutilar, mascar seu filme; acaba por levá-lo debaixo do braço, irá
postar-se ao lado do projetor, ou vai querer ele mesmo projetar com suas próprias
mãos. Alguns ficavam divididos entre ficar colado ao projetor ou posicionar-se para
sentir a plateia, afinal sabia ser uma rara oportunidade para captar reações. Supe-
roitista, então, não ficava emprestando o filme; temia estrago, perda; ele levava e
projetava. Então, de certo modo, isso faz com que as sessões tivessem sido irrepetíveis
com o hic et nunc, um aqui-e-agora raro – implicando algum tipo de aura. São sessões
de que as pessoas se lembram como experiência ímpar: “eu vi esse filme aí!”, “mas
você viu mesmo esse filme?”. Então se imporia uma discussão em torno do conceito
de exposição da obra de arte, que estudamos no célebre texto de Benjamim, “A obra
de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”. Há um valor de exposição numa
projeção do Super-8 que é diferenciada, isso acaba repercutindo de alguma forma no
modo como se concebe e se percebe um filme. Então, se dimensiona uma espécie de
radicalidade já na opção de se fazer um Super-8, diante da precariedade e do risco
que se assume; em diversos aspectos isso acaba afetando as estéticas que se desenvol-
vem entre os superoitistas e o seu público.
É importante falar disso, porque é um fator que diferencia. Em princípio, muitos
filmes em Super-8 poderiam ter sido feitos em 16 ou 35 mm, não seria tão decisivo
assim no âmbito do seu resultado final. Em sessão de bitolas misturadas, como as
que tínhamos na Jornada de Salvador, só um olhar meio perito distinguiria a textura
de cada exata bitola projetada. Porém, o que se conseguiu a partir dessa precarie-
dade técnica de câmeras amadoras, em que era só apertar o botão e sair filmando,
multiplicava-se como certa experiência social numa cultura de massa, na qual todos
pareciam circunscritos, ainda que se considere, como se deve, toda exclusão inerente.
A sua novidade técnica dentre as câmeras amadoras está em descartar um saber téc-
nico mínimo que ainda se exigia para operá-las. Isso faz com que uma série de des-
dobramentos estéticos destes amadorismos técnicos fosse se desenvolvendo ao longo
dos anos 1970, e diferenciasse de fato essa produção das outras.
Uma específica estética do precário vai se incorporando também nas outras bito-
las, existe uma mimese entre os diferentes suportes, que faz com que, em diferentes
práticas, possa se encontrar uma estética indelével do Super-8. Por exemplo, em
filmes como A Rainha Diaba (1973), de Antônio Carlos de Fontoura, ou no curta de
Glauber Rocha sobre o Di Cavalcanti, Di (1977), há procedimentos de soltura da
câmera 35 mm que mostram a impregnação de novos repertórios gestuais do olhar
cinematográfico, difíceis de verificar antes do Super-8. Isso se pode afirmar indepen-
dente de sabermos que Glauber já tinha filmado em Super-8 no exílio; e de Fontoura
ter declarado combinar então com o seu fotógrafo, José Medeiros, uma deliberada

117
imitação da câmera Super-8. Há, com efeito, uma questão que eu estou aqui deli-
neando, compreender a técnica junto com toda uma época, seus humores e aqueles
determinados fatores que se compõem: a contracultura, o sufoco ditatorial, a simpa-
tia pelo espontâneo, a abertura lenta, gradual e relativa – mas que seria prudente e
preciso discutir mais concretamente a partir dos filmes realizados.
Pois bem, o que podemos chamar então de um efeito Super-8, se insinua e gras-
sa como certa facilitação técnica, a redundar em faturas rústicas, mas desenvoltas,
explorando e elaborando o que o estrito profissionalismo em voga chamaria de
erro, mera barbeiragem ou incompetência técnica. Ver na espontaneidade ex-
pressiva do Efeito Super-8 a fatura incompetente – como se ouvia no métier – viria
em duplo sentido corresponder ao ponto de vista “bitolado”. Apertar o botão e
sair filmando, eis o gesto libertário! A frase de Oswald de Andrade sobre a “contri-
buição milionária de todos os erros” pode agora se converter em prática, melhor
dizendo, fará parte da nova práxis do cinema. Diferente das câmeras amadoras
– desde as 16 mm e as Pathé Baby nos anos 1920 até as Regular 8 – antigas 8 mm
fabricadas ainda nos anos 60, as Super-8 vem facilitar sobremaneira o manuseio.
Dado que a exposição automática da película dispensa medições e regulagens, o
foco, já se está vendo diretamente pela objetiva e se corrige na hora, fica difícil
tomar imagens difíceis de ver, depois dessas câmeras com autofotometragem e
zoom por visor reflex. Na prática, qualquer criança pode sair filmando, apenas
tendo uma intuição do que é filmar – o que é um pouco congênito para quem,
desde os anos 1950, nasceu assistindo a TV, com os filmes e reportagens que ela
veio incorporar. O que aconteceu a partir da invenção do Super-8, em 1965, foi
uma comercialização com preço acessível, similar ao das câmeras digitais de hoje.
A consciência dessa precariedade no contexto histórico brasileiro, cultural ou ar-
tístico, deu um significado especial a essa produção feita com pouco. Tal como,
aliás, num patamar anterior, o fizera o chamado Cinema Marginal, ainda que ali
respeitando mais certos padrões convencionais, como o 35 mm, o longa-metragem.
Quando Rogério Sganzerla, no final dos anos 1960, propunha espirituosamente que
no Brasil passássemos a fazer filmecos (palavra inequívoca e assumidamente deprecia-
tiva), glosava e traduzia em miúdos ideias de Glauber Rocha que marcaram o Cine-
ma Novo. Mas a sua radicalização visionária não podia então prever que na década
seguinte isso se concretizaria de fato; e, sobretudo, via Super-8.
Escrito em 1965, o manifesto “Uma estética da fome”, de Glauber Rocha, pro-
punha a seu modo fazermos frente à indústria cultural, não tendo que imitar mo-
delos hollywoodianos, estandardizados, com filmes caros e localmente complicados,
produção alambicada, como se tentou por aqui no pós-guerra e, aliás, desde sempre.
Talvez a história tenha se restringido a salientar uma leitura política mais imediatista
naquele texto de Glauber, dando relevo à efetiva tática anti-imperialista de grande
impacto naquele contexto. Os pressupostos do manifesto que devem se salientar são
os de que, no Brasil, como em geral no Terceiro Mundo, não teríamos uma indústria
cinematográfica, nem cultura técnica e nem política cultural suficiente para resolver

118
a curto ou médio prazo as necessidades requisitadas por aqueles modelos dos países
mais desenvolvidos. O resultado ao longo do Século XX são filmes muito artificiosos,
atavicamente engessados e soando falsos, descompassados entre intenção e fatura,
proposta e performance, como os que já analisara em seu livro de 1963, Revisão crítica
do cinema brasileiro. Não haveria condição estética, política nem cultural no Terceiro

Mundo que sustentasse de uma hora para outra a realização cinematográfica nos IMAGEM
padrões tradicionais do mundo desenvolvido. Não se pode, por conseguinte, cons- Exposed
truir uma experiência histórica capaz de alimentar tais padrões técnicos teimosamente no filme Cinema
idealizados na periferia do Primeiro Mundo. Paraibano - vinte
Como, então, se resolveria o problema de não termos em horizontes próximos anos.
uma indústria e, no entanto, seguidamente tentarmos um padrão industrial (ou pseu-
do industrial), com suas estratégias de produção, ambições técnicas e programas es-
téticos? A resposta desenhada no manifesto passa pela convocação ao trabalho com
a técnica concretamente existente, praticável (e já de algum modo praticada) em
nosso contexto cultural e artístico. Técnica não é aqui só o aparato, a tecnologia, a
aparelhagem velha e obsoleta. É também a cultura técnica sedimentada num sentido
mais amplo, é gente capacitada artisticamente para interpretar certos papéis como
ator; gente formada para manipular com destreza, criatividade, aquelas máquinas
e aparelhos já disponíveis. Neste sentido, o que repercutiria do manifesto se traduz
no plano prático de modo antagônico à nossa tradição mais colonizada, como se
pudéssemos agora dizer: “precisamos parar de conceber a técnica como ideologia”,

119
“vamos baixar a bola, começar o trabalho a partir do que a gente já sabe e tem con-
dições de fazer”, “chega de fetiche hollywoodiano”. O que urge, então, é romper de
vez com idealizações inatingíveis, assumir a precariedade de recursos, mas fazendo
algo elaborado, algo esteticamente rico com essa pobreza dos meios. E o Cinema Novo, de
determinada maneira, já vinha construindo um capítulo importante nessa conquista
desde seus primeiros filmes. Glauber, quando escreve, já reflete sobre o que ele pró-
prio e a sua geração vinham fazendo até ali. Coisas como certa apropriação inusi-
tada de temas locais, argumentos originais e contemporâneos, enredos otimizando
atributos conhecidos e talentos inexplorados de atores e técnicos, além da invenção
da famosa “luz estourada” no sertão. E, enfim, o próprio lema maior do movimento:
“Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”.
Depois, sabemos que o Cinema Marginal vai até radicalizar isso em vários aspec-
tos porque vai filmar com ainda menos dinheiro, estrutura e condições. E o Super-8
é, então, nessa linhagem, aquilo que Glauber nem chegou a supor em seu manifesto,
não a esse ponto. Malgrado datem do mesmo ano a escrita daquele revolucionário
manifesto e o lançamento nas lojas ianques da simpática bitola caseira, ninguém
imaginaria, em 1965, tal convergência. No entanto, aí descortinaríamos no plano da
criação de formas cinematográficas talvez a mais funda repercussão da Estética da
Fome em termos de realização poética. Uma particularidade que me parece singular
desta produção superoitista foi a de entrelaçar artistas, poetas e irrequietos cineastas
iniciantes. É provável que fique mais evidente na práxis superoitista que nas outras o
interesse estético do defeito técnico ser visto como efeito técnico, sua prazerosa incorpo-
ração com o sinal invertido. É significativo o fato de que os artistas plásticos brasilei-
ros se interessem demais, sobretudo entre 1970 e 1975, pela nova bitola, inscrevendo
alguns de seus filmes nos primeiros festivais de Super-8, desde 1973, quando começa-
ram. Ainda no início dos anos 1980 estão interessados em mostrar seus filmes nesses
festivais artistas de proa, como o recifense Paulo Bruscky.
Esse fato de artistas plásticos participarem dos festivais de cinema contribuiu para
uma mistura bem mais heterogênea. Tal experiência de alteridade por parte do pú-
blico e dos próprios cineastas propunha uma espécie de sessão-salada que, embora
particularmente provocativa, não era bem uma novidade se pensamos no quadro
cultural da segunda metade dos anos 1960, no Febeapá – Festival de Besteiras que
Assola o País – descrito na imprensa da época pelo cronista Stanislaw Ponte Preta.
Era o estado de rebaixamento à diversidade permitida, difundida nos meios de co-
municação pós Golpe de 1964. Havia também os Festivais de MPB televisionados,
os programas do Flávio Cavalcanti, do Chacrinha; o próprio Tropicalismo eclode na
TV, mais do que no rádio. Entretanto os filmes dos artistas, vocacionalmente esquisi-
térrimos o mais das vezes, devem ter tido a sua importância nos festivais de Super-8.
O público podia não entender nada daquilo, mas eles estavam lá concorrendo. Penso
na interação de filmes de artista, via de regra mais exigentes e elaborados, com os de-
mais, e com os jovens cineastas querendo iniciar sua carreira, seu próprio caminho.
A espécie de amadurecimento estético que se processa implicando com o uso dessa

120
arte da precariedade técnica. O convívio das imagens tremidas, montadas de modo 1
inusual, não raro ingênuo, cada vez mais riscadas pelo projetor, desde as primeiras JAGUAR, Sérgio
projeções, não impede que possa dar resultados estéticos de interesse, de riqueza, Jaguaribe.
Festival do
questionadores e de uma interrogação forte. Cheguei a ouvir na época de um jovem
Cinema Brasileiro.
poeta, não me lembro do nome, acho que era o Tavinho Paes, viera do Rio para um Revista Civilização
evento literário em São Paulo, algo que retive como uma boa definição do Super-8. Brasileira. Ano
Ele tinha acabado de improvisar um happening, mijando do alto das escadarias do I, n. 5/6, p. 204,
Teatro Municipal com pose de anjinho barroco, e veio nos dizer com empolgação nov. 1965. Há uma
uma frase que repeti muitas vezes, dado que tínhamos na mão uma filmadora: “O versão digital
disponível em:
que eu adoro no Super-8 é aquele acontecimento, aquela luz imprevisível estourando www.socine.org.br/
na tela, o ruído-crcrcrcrcr, as imagens cheias de riscos, tremidas, desfocadas, desbo- rebeca/
fora.asp?
tadas”. C%F3digo=102
A produção em Super-8 é numericamente grande, e até hoje não faz parte da his- Acesso em: 22 set.
tória do cinema brasileiro. É ignorada em parte por boas razões, em parte por más. 2013.
Comecei a fazer um levantamento completo e logo desisti; era muito mais filme do
que supunha, fiquei só com o filme experimental. Vinham dos festivais, em geral des-
de o momento da inscrição, as quatro categorias: Ficção, Documentário, Animação
e Experimental. Quando isso ainda era livre e o festival era quem classificava, não
raro encontrava-se na categoria experimental tudo o que causava dúvida, não encaixa-
va em nenhuma das alternativas anteriores, uma espécie de prateleira “outros” ou
por mesclar os gêneros, ou por não respeitar seus cânones típicos. Logo se descobriu
ser menos embaraçoso deixar que o autor escolhesse. Então, experimental passava a
ser o que o realizador pretendia que fosse experimental. Torna-se imponderável a
variedade de critérios no caso; dos mais singelos aos mais complicados. Todos sabe-
mos que depois de O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, ficou mais
fácil reencontrarmos aquela dúvida reversível que o filme reverbera, fórmula, aliás,
emprestada às crônicas de Nelson Rodrigues: “Poucos saberão dizer se é um gênio,
ou uma besta”.
Em meados da década de 1970 fui aluno de Paulo Emílio Salles Gomes na USP,
e me lembro de ouvir seu entusiasmo com um festival de Super-8, chegando para
os alunos com uma inusitada conclusão: “Saí com uma impressão curiosa de que
os cineastas sempre eram mais interessantes que os seus filmes”. Embora inespe-
rada, pareceu-me justa a observação, uma ideia muito provocadora, cujo sentido
ultrapassava a mera maledicência que o senso comum podia apreender. Mas depois,
frequentando a diversos festivais pelo país, vi que aquela impressão estava longe de
ser exclusiva do mundo superoitista. Em algum sentido diz respeito ao fazer cinema
no Brasil. Essa exuberância talvez fosse notória e sintomática de questões importan-
tes de se discutir historicamente, mas como? Há uma charge do Jaguar que marcou
nossa geração, na Revista Civilização Brasileira, em 1965, e que desde então ficou muito
comentada. Virou um clássico da charge brasileira e figurou no imaginário dos de-
bates sobre a vocação problemática do cinema nacional. Víamos nela dois indivíduos
na saída movimentada de um cinema. Um vira para o outro e diz: “O filme é uma

121
droga, mas o diretor é genial”1. Jaguar me disse recentemente que a charge causou
reações no meio cinematográfico e reprimendas pessoais de Glauber Rocha, que
vinha de lançar Deus e o Diabo na Terra do Sol.
O surto superoitista coincide com a Ditadura, do seu pior momento às “Diretas
Já”. Na pesquisa que fiz, levantei cerca de 600 títulos de filmes supostamente experi-
mentais em Super-8, realizados entre 1969 e 1985. Deles, cheguei a ver uns 400, para
selecionar os 120 do panorama Marginália 70: o experimentalismo no Super-8 brasileiro,
promovido pelo Itaú Cultural entre 2001 e 2003. Daquelas quatro categorias usu-

IMAGEM ais, ou institucionais, talvez só o número de animações pudesse ser comparado aos
Zonazul experimentais; a quantidade de documentários e ficções seria provavelmente umas
no filme Cinema dez vezes maior. Na pesquisa decidi adotar, em princípio, um critério abrangente,
Paraibano - vinte acolhendo generosamente todos os tipos de cinema experimental, ou pseudoexpe-
anos. rimental, incluindo os que apenas desconfiava serem experimentais, mesmo que al-
guns realizadores reagissem contra, falando “não, eu nunca fiz cinema experimental;
não tenho nada a ver com isso”. Claro que não os acatei. Parti daquele princípio
segundo o qual o autor é o menos autorizado a falar sobre o seu próprio filme, tem
menos isenção, distância. Eu acho que é preciso, nesse caso, assumir um ponto de
vista crítico como historiador, e não ficar a reboque do que dizem jornalistas, reali-
zadores e mesmo a própria crítica. Cada um deve assumir um olhar crítico próprio,
como analista, curador, historiador, pedagogo, ensaísta: vejo entre todas essas figuras
um substrato crítico igualmente necessário.

122
Em nome justamente dessa experiência crítica pretendida como um trabalho
público o mais transparente possível, republicano no melhor sentido que possamos
compreender, é que eu vejo a necessidade de fornecer um quadro múltiplo de dife-
rentes propostas, para podermos observar suas amplas interações. Num país como o
nosso, e mais ainda num terreno pouco conhecido e debatido como esse, parece-me
fundamental a riqueza de podermos comparar, apreender um momento histórico
em sua diversidade máxima. Temos, por um lado, uma História do Cinema Expe-
rimental, assim nomeada, que começa a ser escrita mundialmente só no início dos
anos 1970. Antes disso, apenas livros e ensaios parciais, localizados, do underground
estadunidense, das vanguardas dos anos 1920 contempladas de um pós-guerra
europeu, a arte deste ou daquele realizador e sua geração etc. De toda a história
mundial do cinema experimental que pude cotejar, só um traço pude, em prin-
cípio, identificar com o panorama que eu estava investigando (mesmo assim só
descobri depois, e por acaso): cerca de um terço da produção experimental é filme
de artista plástico, em média, desde os anos 1920. No mais, toda diferença parece
falar mais alto que as semelhanças.
Fundamental também é integrar ao panorama experimental como no de van-
guarda o filme político, o agit-prop, o filme militante – com frequência observa-
dores daquele princípio básico atribuído a Maiakovski: “Não há conteúdo revo-
lucionário sem forma revolucionária”. Com isto, mesmo os mais “conteudistas”
intuem que é preciso mexer com a forma também; a forma convencional, suspei-
ta-se, não vai mexer muito com os velhos conteúdos. Há aí uma vontade artística
que se vincularia à vontade política, num encadeamento em que uma passa a exigir
a outra, ainda que tardiamente, ainda que demore o tempo de uma maturação
pessoal e coletiva do processo de trabalho criativo. Além disso, existirá uma série
praticamente infinita de diferentes modalidades do cinema de vanguarda ou ex-
perimental a pensar, incluindo-se as já pensadas. Eu englobei tudo, em princípio,
nesse grande conceito guarda-chuva de cinema experimental como estratégia crítica,
até para poder comparar eles todos entre si, mas, sobretudo, sabendo que muita
coisa que não se quer de vanguarda, pode sê-lo; e vice-versa. Em terra de cineastas
tão cultuados quanto pouco analisados e debatidos – como os “primitivos” Ozualdo
Candeias e José Mojica Marins, sem dúvida visionários e antecipadores –, é preciso,
no mínimo, atenção maior.
A diferença conhecida dos filmes experimentais para com o restante dos filmes de
esquerda feitos no país é notável. Entretanto, a zona limítrofe entre um campo e ou-
tro não me parece muito fixa e estabelecida. Isto se deve, de algum modo, ao pouco
interesse e mesmo pouco preparo da crítica para a discussão tanto do aspecto político
quanto do formal e estético do nosso cinema mais experimental. A boa crítica, como
disse Siegfried Kracauer, não é a que conhece só cinema, é a que conhece também
o assunto dos filmes, exigindo uma formação dupla do analista, em arte e em socie-
dade. O cientista social ingênuo em estética e cinema não terá muito que dizer sobre
um filme experimental, mesmo que se interesse. Um crítico de cinema pode, enquan-

123
to cinéfilo típico, avaliar bem uma obra estilisticamente, mas pouco terá a dizer de
um filme além de clichês sobre o ponto de vista político, histórico, psicológico etc.
O filme experimental é aquele que tenta fazer aquilo que é potencialmente possível
com o cinema – mas que nenhuma prática está fazendo; aquilo que é potencial do
2 cinema e ultrapassa ou surpreende os parâmetros com que a crítica está trabalhando.
Vejam-se tais Um dos interesses centrais do cinema experimental tem sido o de fazer aquilo
noções já que interroga o que estamos fazendo; seja na sociedade, seja na própria atividade
nos primeiros
cinematográfica. Como definição provisória, estamos diante de algo que é difícil de
trabalhos
panorâmicos ser definido, pois depende de circunstâncias singulares e do que está sendo praticado;
sobre o Cinema é nesse caso uma questão viva a ser resolvida. A teoria do ensaio como formalização
Marginal: do pensamento é indispensável no auxílio a esse debate. A partir do momento em
FERREIRA, que você começa a praticar determinadas leis de construção formal do filme, dentro
Jairo. Cinema de um estilo convencionado, de uma modalidade, isso passa a não ser mais expe-
de Invenção.
rimental, isso é trabalho acadêmico. Então, a questão da vanguarda se repõe, pois
São Paulo: Max
Limonad, 1986. ela nega por programa o que se convencionou. Nem todo filme experimental pode
RAMOS, Fernão. se pretender de vanguarda, ou deveria de fato ter vínculos com alguma vanguarda,
Cinema Marginal pois ao contrário do que nela se propõe, ele não constrói junto com a obra um pro-
(1968-1973): a grama manifesto de conceitos, implicando ruptura ou negação para com um legado
representação no prático ou teórico. Por isso, o conceito de experimental seria mais abrangente que o
seu limite. São
de vanguarda. Ele admite também gente que está tateando num fazer artístico ex-
Paulo: Brasiliense,
1987. BERNARDET, traordinário, às vezes de grande invenção, mas sem a ambição manifesta de dialogar
Jean-Claude. necessariamente com esse ou aquele conceito, tradição ou proposta - isso viria a ser
O vôo dos um gesto posterior da interpretação crítica, e porventura fora da experiência autoral
anjos: Bressane, de criação.
Sganzerla. São O que eu quero dizer com isso tudo é que a produção mais questionadora do
Paulo: Brasiliense,
status quo no período que nessa hipótese seria, sobretudo, a experimental vai ter um
1990.
perfil escapando muito dos parâmetros mais sólidos com que a esquerda ou a teoria
social pensava no campo cinematográfico. Se formos aos termos mais gerais da vaga
tropicalista (um termo que logo colou, e demais até, abrangendo com abuso coisas
muito distintas entre si) mesmo alguns dos mais penetrantes artigos de recepção da
onda experimental no fim dos anos 1960 se interessaram mais pelos seus limites que
pelas suas virtudes. Um texto brilhante e incontornável como o de Roberto Schwarz,
“Cultura e política, 1964-1969”, pode ser considerado ainda hoje o mais paradigmá-
tico ou representativo dessa resistência da esquerda contra o tropicalismo, fornecen-
do argumentos, intuições e instrumentos conceituais, embora ultrapasse essa questão
e revelou-se sob certos aspectos atual (e mais ainda com Gilberto Gil chegando ao
Ministério da Cultura). É enorme, todavia, a sua utilidade para se pensar a produção
cultural e artística pós-68 no país - incluindo-se a que estamos aqui abordando.
Neste artigo, em vez de analisar obras a fundo, tal como o ensaísta costuma fazer
de modo singular e singularizante, em crítica imanente, circunstanciada em perspec-
tiva social apoiado em lapidar detalhamento formal, sensível e nuançado, o obje-
to aqui é algo como uma experiência direta da eclosão tropicalista. Constitui certa

124
morfologia de um conjunto de obras reconhecíveis, porém relativamente anônimas.
Isto é, não são ali nomeadas ou, em todo caso, não discutidas criticamente enquanto
obra experienciada em sua unidade forte ou inteireza. Os atributos formais presentes
nesta análise de obra coletiva, amalgamada na descrição, correspondem ao conjunto
das obras instauradoras ou, em determinado sentido, às mais ruidosas do movimento
todas do seu início, dado que o ensaísta escreveria entre 1969 e 1970, já no exílio.
Toma o Tropicalismo como uma resposta à participação, um desdobramento ou
contrapartida ao processo promissor que se instaurava ao longo de um aprendizado
proposto pela década de 1960. Nem poderia se dar de outra maneira sua aproxi-
mação, uma vez que o seu percurso e o substrato essencial da tarefa crítica, então
mobilizado, articularia exigente leitura crítica, de intervenção, num momento de 3
particular culminância da história cultural e política de toda uma geração. Ademais, Própria da
justifica-se tal reação intelectual pelo caráter promocional mercadológico assumido experimentação
na arte radical,
pelo fenômeno tropicalista, ainda que contraditoriamente. A unidade conjuntiva se
para Theodor
incrementaria pela ação fetiche dos media. Isso ajuda a conferir inequívoca coerência Adorno a
ao que Schwarz descreve, enfim, àquele amálgama que se estabelece e se enuncia irresponsabilidade
entre as obras no seu conjunto, em seu próprio modo de veiculação. “faz lembrar o
O que se pode objetar é que muito embora a sua crítica se vincule à parte bas- ingrediente do
tante considerável do que se produziu, certas obras, já num primeiro momento e, jogo, sem o qual
a arte, tal como a
sobretudo, na sua sequência, questão de meses ou anos, se distinguem e fornecem
teoria, não pode
experiência de significado inovador mesmo na direção crítica reclamada por parte ser concebida.
da esquerda, ou pela perspectiva no ensaio delineada. E isto não se pode suspeitar Enquanto jogo,
muito a partir daquela descrição inicial proposta por Schwarz - a qual, no entanto, a arte procura
permanece via de regra surpreendentemente válida, ainda que faltem ali as usuais expiar a sua
análises formais de seu mais característico viés de crítica imanente. O que irrompe aparência. Além
disso, a arte é
de contemporâneo em muitas das obras artísticas provocará entrementes centelhas
irresponsável
de interrogação: seu espalhafato inventivo, por vezes visionário ou histérico2, deixa enquanto
imaginar nexos de experiência histórica bastante curiosos. Qualquer que seja o nome cegueira,
que se dê no futuro para o conjunto e os subconjuntos de obras daquele período enquanto spleen
tropicalista (ou pós-tropicalista), devem ser incluídos por certo filmes como os de e, sem ele, de
Rogério Sganzerla. nenhum modo
existe.” ADORNO,
Sganzerla mesmo talvez intuísse algo nessa direção, ao manifestar-se sempre
Theodor W. Teoria
avesso ao movimento tropicalista tal qual se alastrava. Bressane, por seu turno, se estética. Tradução
perfilará também um tanto indiferente, a certa distância um tanto blasé, na verdade de Artur Morão.
escolhendo entre vagas de erudição mais ancestral, destilando uma visão própria. 1982, p. 52.
Glauber só se manifestaria a favor do Tropicalismo num segundo momento, ou se-
não já exilado, em plenos anos 1970. Porém, sua defesa do movimento em 1969 é
discrepante do que se tornou comum escutar, filiando-o à tradição da vanguarda
surrealista e, no Terceiro Mundo, fazendo remontar o que seria o cinema tropicalista
ao marco do trabalho mexicano de Buñuel, a partir dos anos 1940. É bom lembrar,
a propósito de distâncias e ângulos de observação, que se passaram duas décadas até
que um crítico da importância de Jean-Claude Bernardet reconheça que a crítica,

125
incluindo ele próprio, não tinha instrumentos para falar dos filmes do Cinema Mar-
ginal. Dizia ele que, a seu ver, isso ajudaria a explicar o silêncio não só da época
como posterior sobre um cinema bem visto, senão pelo público em geral, por boa
parte da crítica e do público universitário. Isso não quer dizer que não houvesse ao
longo dos anos 1970 discussão e até bate-boca; entre realizadores, por exemplo, nos
festivais, sobretudo naqueles que reuniam os diversos formatos e bitolas. É o caso da
Jornada de Salvador, que costumava passar numa mesma sessão filmes de 35 mm, 16
mm e Super-8, sem diferenciação. E tínhamos debate diário com realizadores e crí-
ticos depois das sessões, com ampla participação. Havia altercações memoráveis,
“quebra-paus”, e não só porque “baiano gosta de falar”.
Fato memorável, uma das principais polarizações que se davam ali era en-
tre o pessoal superoitista e os do 16 mm, os quais correspondiam grosso modo
à tradição recente do documentário engajado, e/ou à tradição (não tão recen-
te) da esquerda mais ortodoxa. Já os do 35 mm nem se exprimiam muito nesse
foro; sabe-se que eram filmes mais caros, financiados em geral pelo Estado,
sobre temáticas mais sedimentadas, incontestavelmente nacionais, como o pa-
trimônio histórico, o perfil de luminares pátrios etc. Dentre os superoitistas
baianos mais iconoclastas estava sem dúvida a turma de Edgard Navarro, Fer-
nando Bélens, José Araripe Junior e Pola Ribeiro, o qual ainda se diverte ao
recordar o que na época eles repetiam, e continuam achando muito engraçado
lembrar: “A gente dizia assim, que o pessoal do 35 mm está preocupado em
construir monumentos, o pessoal do 16 mm está interessado em questionar monumen-
tos, e nós superoitistas chegamos para jogar merda nos monumentos”. O que diverte
nisso não seria só o lado escatológico ou grotesco, se bem que inextricável do
humor de seus filmes - mencione-se apenas esse chef d’œuvre que é O Rei do Ca-
gaço (1977), de Edgard. Mas temos ainda uma espécie de coragem criativa, ten-
tativa de encarar o mais inexplorado, o arriscado, até como viés programático,
quase vanguardístico, postura em progressiva difusão. Parece ir junto com a
inclinação mais visceral dessa postura um expor-se praticamente intrínseco ao
fazer filmes naquelas condições assumidas, tão imediatistas e pessoais. Por exem-
plo, o mesmo Edgard que apresentou em 1978 um desabafo íntimo e estupendo,
o sintomático Exposed e, inquirido pelo público no final dos debates acabou por
tirar a roupa diante dos holofotes. Este intuicionismo artístico, necessária e intrin-
secamente irresponsável (como, aliás, na arte radical de diferentes épocas)3, levará
ali em direção ao selo de porra-louca. A nomeação vinha da esquerda mais conven-
cional; entretanto, por boa parte dos radicais era, naquela altura do campeonato,
assumida de bom grado.
Em 1979 dois artistas plásticos pernambucanos, Daniel Santiago e Paulo Brus-
cky, filmam O Duelo, filme do primeiro, em Super-8. Protagonizam um duelo tal
como a literatura de séculos anteriores representa. Dois homens escolhem as ar-
mas só que as armas eram aqui filmadoras típicas, uma 16 mm e a outra, uma
Super-8. Eles tomam distância, dando-se as costas na clareira de uma floresta, há

126
ao menos alguns discretos guinchos de macaco. Caminham passos calculados com
uma concentração solene, pseudoaristocrática; pensando bem, não: a concentra-
ção soa mais para uma corriqueira obsessão, quase prosaica. Viravam-se com
frieza e apertavam o gatilho. Em vez de estampidos, o conhecido chilreio das fil-
madoras. Iam ambos então se aproximando, olhos no visor. Como se a proximida-
de fosse mais letal, no caso. Os planos frontais filmados mutuamente de cada um
deles, surpreendiam-lhes por trás das objetivas, alternando-se com aquele plano
de antes, perpendicular e equidistante como num olhar impostado de juiz. Tudo

isso vai articular a construção equilibrada, de um tom neutro e contido do filme. IMAGEM
Se bem que a simetria lembra algo improcedente como de um arbítrio arbitrário! Caravelas
E os dois se aproximando, acabam batendo de frente, com estrídulo, um barulho no filme Cinema
áspero de vidro quebrando etc. Quem detectou a diferença das câmeras coisa Paraibano - vinte
minimamente assegurada no circuito a que se destinaria tal obra - poderia dar anos.
um segundo passo e também se perguntar em que formato se apresentava aquele
filme: copiou-se o 16 mm em Super-8 ou vice-versa? E a parte do juiz, como se
filmou? Dois artistas locais de expressão, sob influxos múltiplos do concretismo,
do conceitual, do pop, do happening, do dada etc. - e hoje bastante reconhecidos,
mesmo nacionalmente  ali, colocando filme em festival de cinema? O que se atesta
com isso? Theodor Adorno dirá que a arte radical guerreia. Essa estranha piada
meio alienígena que o filme traz parece falar do ambiente dos próprios festivais.
Reflete sobre o fazer filmes que ali se instaura. Até independente das bitolas, é o

127
duelar-se que moveria a criação mais polêmica?
Isso faz com que o pessoal mais sério, ou mais engajado, do Partido Comunista
ou dos partidos mais tradicionais de esquerda, vissem o pessoal do Super-8 como
ultraesquerdista ou anarquista. Na verdade, seria necessário trabalhar mais sobre
este espectro radical. Trata-se, à primeira vista, de uma miríade de posturas dife-
renciadas e na prática irredutíveis ao espectro da vida política institucional. Além
de um Paulo Bruscky ou um Edgar Navarro, vamos passar a alguma outra peça
dessa constelação: no Rio, Sérgio Péo, antes dele Ivan Cardoso, Torquato Neto,

IMAGEM Hélio Oiticica, este em Nova York, ou José Agrippino de Paula; pensando nas
Nosferatu diferenças, Flávio Del Carlo, Jomard Muniz de Britto, Rui Vezzaro, Jorge Mou-
no Brasil rão, Henrique Faulhaber. Vendo-se hoje, de repente e desavisadamente, o filme
no filme Cinema de Sérgio Péo, Esplendor do Martírio (1974), podemos levar um susto, enquadrá-lo
Paraibano - vinte numa visão de mundo foquista, terrorista ou ultraesquerdista, algo do gênero. É
anos. um filme que tem uma pegada de agit-prop meio insólita, pois soa desarticulado,
difícil e propositalmente obscuro. Tem também algo do desbunde, da curtição,
cujos precursores no Rio foram jovens como Ivan Cardoso ou Giorgio Croce,
Henrique Faulhaber.
Nesta extremidade diametral da contracultura vamos encontrar estimulantes
eclipses parciais ou totais da polis ou da política. Veja-se o caso de José Agrippino
de Paula. Considerado um precursor do Tropicalismo com a narrativa pop de
seus romances e a inovação de suas montagens teatrais, o paulista realiza em 35

128
mm o longa Hitler, Terceiro Mundo (1968), pouco após o lançamento da sua obra
referência, o livro PanAmérica (1967). Depois de passar pela África, Europa, EUA
e América Latina, dando um tempo, como tantos outros na diáspora artística
em tempos de exílio pós-68, roda em Super-8 no litoral da Bahia Céu Sobre Água
(1978). Nas águas de Arembepe (localidade ainda hoje conhecida pela experiência
comunitária hippie), vemos uma mulher ora grávida, ora não, uma criança em seu
colo, e poucas aparições masculinas vão se alternando em temporalidade elíptica.
A dançarina Maria Esther Stockler, então sua mulher e colaboradora desde os
trabalhos cênicos do final dos anos 1960, movimenta-se na água de maneira a
integrar-se com densidade rítmica ao espaço da natureza. É num certo sentido
o filme mais hippie que eu conheço, talvez o único em certo sentido: Não sobre
hippies, ou com hippies. É um filme hippie no sentido de que ele simbolizaria
uma experiência concreta de vida hippie. A sua estrutura nos desafia a propor
nexos simbólicos entre os elementos moventes, da presença dos corpos e da
Natureza, que se relacionam em fluxos dialogantes.
De Agrippino, além do Hitler, Terceiro Mundo, pude ver ainda outros filmes,
todos Super-8 e posteriores àquele, mas anteriores ao de Arembepe. Alguns
deles, sobre ritos tribais filmados na África, como Candomblé no Togo ou Timbuctu
e Mopti, possuem um trabalho bem coerente da câmera, que parece prepa-
rar a contemplação dinâmica do filme baiano. Há uma suspensão do tempo
comparável. Só que aqui o caso seria diferente dos africanos, embora pelo
movimento dos corpos também se atinja uma empatia entre o olhar da câmera
e o ritual filmado. A câmera de Agrippino reage, portátil como um pincel, e
pode se submeter à presença física mais imediata dos corpos. Sua relação com
as coisas que filma supõe uma entrega àquele momento; momentos em que o
corpo vai proporcionar a visão que temos. É um tipo de impressionismo que
se desprende dos cânones da representação para entrar numa empatia trans-
cendental com os corpos.
Um paralelo possível desta experiência pode ser buscado no Super-8 de
Hélio Oiticica, Agrippina é Roma-Manhattan, de 1972, inspirado em Sousândrade,
Haroldo de Campos e Agrippino (pensemos, sobretudo, em O Guesa, Galáxias e
PanAmérica). Foi uma tentativa de Hélio de trabalhar com uma câmera algo tátil,
que recuperou talvez dos primeiros filmes de Neville d’Almeida, mas em diálogo
com o vanguardismo de Glauber Rocha e possivelmente o underground nova
-iorquino de Jack Smith e Andy Warhol. Creio que estes dois filmes, Agrippina e
Céu sobre Água são importantes na constelação que me esforço por montar. Não
como “influências” (há no mundo estanque da Ditadura pouca interação artísti-
ca), mas para balizar a compreensão do experimentalismo superoitista que vai se
desenvolver no Brasil até o início dos anos 1980. Creio ser possível configurar um
novo patamar de propostas estéticas diferenciadas tanto do Cinema Novo como
do Marginal, ainda que ligado a eles umbilicalmente. Uma história do cinema
experimental, assim como a do audiovisual brasileiro, precisa começar a se inte-

129
ressar pelas centenas de filmes inventivos rodados em Super-8 nos anos 1970, e
ignorados pelo surto (no sentido patológico inclusive) industrialista que nos tem
acometido. A história local do cinema e da crítica talvez não nos ofereça ainda os
tais instrumentos conceituais suficientes.
Céu sobre Água é um home movie telúrico em que o lar é a Natureza em tempo-
ralidade transcendental, e uma lenta coreografia se integra em superenquadra-
mentos diagramados com harmonia gestáltica muito particular. A expressividade
desse trabalho da câmera merece análise, pois parece discursar sobre as relações
estabelecidas de um olhar não só para com um espaço mítico da Natureza, mas
também com proximidades corporais, que se entrelaçam aos elementos físicos
locais. Nas relações que se estabelecem entre corpos e espaço, um parece propor-
cionar o acesso ao outro, numa interação em que eles se fornecem mutuamente
critérios de apreensão. No desafio de descrevermos o que se passa neste filme de
ritmo e gesto coreográfico repousa a possibilidade de discuti-lo como obra singu-
lar, situá-lo perante as tradições do cinema experimental e das estéticas em vigor
no campo artístico (e comportamental), cultural (e contracultural). Toda a criação
que se desvencilha das tradições convencionadas por intuição a elas rebelde, com
ou sem projeto manifestado, merecem ou deveriam merecer a maior atenção de
quem se interessa por arte, pelo fazer artístico, ou ainda pelo papel social da arte.
Trata-se do estatuto e do estado atual do olhar crítico. Constate-se que a política
andou meio abandonada pelo debate cultural e artístico desde os anos 1980 e este
se desabilitou de abordar o que fuja do senso comum, o que não seja mais expli-
citamente tema, conteúdo político.

130
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131
Cinema e as
condições de
produção da
imagem em
Super-8 na
Paraíba:
aproximações possíveis entre
acervo imagético e memória
POR Lara Santos de Amorim

132
Lara Santos Amorim
é cineasta e prof. Dr. do
Programa de Pós-graduação
em Comunicação (PPGC/
UFPB) e do Departamento
de Comunicação em Mídias
Digitais do CCHLA/UFPB .

IMAGEM
Festa de
Oxum
Everaldo
Vasconcelos, 1982,
12 min.

133
Introdução
Em 1960 Aruanda, de Linduarte Noronha, colocou a Paraíba no mapa do cinema
brasileiro. Depois dele seguiram-se outros documentários, que formaram o chamado
Ciclo do Cinema Paraibano. Nas duas décadas seguintes, iniciativas isoladas e o tra-
balho articulado de realizadores e da Universidade Federal da Paraíba resultaram na
formação de acervo de filmes nas bitolas Super-8 e 16 mm, acervo reunido atualmente
no Núcleo de Documentação Cinematográfica – NUDOC/UFPB.
Em 2010, entendendo que este material encontrava-se isolado do seu público
natural, isto é, dos paraibanos e de todos os interessados no cinema brasileiro, dois
integrantes do Laboratório de Antropologia Visual – Arandu/UFPB/Litoral Norte
elaboraram um projeto que se propôs a empreender pesquisa e catalogação do conte-
údo deste acervo, para em seguida digitalizar, através de processo de telecinagem, os
1 filmes selecionados1. O Projeto concorreu ao Programa Petrobrás Cultural em 2010
Os dois autores e recebeu um prêmio de R$ 309.282,65 na rubrica PRESERVAÇÃO E MEMÓRIA
do projeto são – Memória das Artes.
Lara Amorim
Com o objetivo de divulgar o acervo referido para um público ampliado, o proje-
e Fernando
Trevas. Ambos to denominado Cinema Paraibano: memória e preservação está sendo realizado em quatro
são professores etapas, produzindo a partir disso, quatro produtos. A primeira etapa consistiu na
do curso de pesquisa e catalogação do acervo depositado no NUDOC e na telecinagem de, no
graduação em mínimo, 20 horas de filmes em Super-8 e 16 mm. A segunda etapa propôs a elabo-
Antropologia ração de uma publicação cujo conteúdo reuniria textos analíticos de especialistas no
da UFPB/Litoral
tema e informações detalhadas sobre os filmes pesquisados durante a primeira etapa,
Norte, o qual
possui uma com sinopses e fichas técnicas de cada um deles.
habilitação em A realização da mostra (a terceira etapa) prevê ainda a realização de uma mesa
Antropologia redonda com reflexões sobre o cinema brasileiro e sobre os filmes que compõem o
Visual. Lara acervo em Super-8 e 16 mm. Na quarta etapa, será publicado o website com o conte-
Amorim é doutora údo resultante da pesquisa realizada pelo projeto: filmes digitalizados, textos analí-
em Antropologia
ticos, fotos do evento e outras ferramentas para a ampla difusão do acervo. Desde o
pela Universidade
de Brasília início do projeto, um blog tem feito a divulgação do andamento das etapas da pesqui-
e Fernando sa. Uma vez concluída a pesquisa, todo o acervo de filmes digitalizados será publica-
Trevas estudou do no site. Este material ficará no ar durante dois anos após a finalização do projeto.
jornalismo na O projeto, que terá a duração dois anos, se justifica por entender que com os
UFPB na segunda filmes restaurados e disponíveis para difusão, e com o apoio do material de reflexão,
metade dos anos
parte significativa da produção audiovisual da Paraíba poderá ser ponto de partida
1980 e, em 1995,
concluiu mestrado para trabalhos de pesquisadores e realizadores do audiovisual e de outras áreas do
na ECA/USP com conhecimento, tendo em vista a diversidade temática dos filmes.
a dissertação “A Outro resultado importante desta pesquisa será a difusão do acervo pesquisado
Critica Paraibana para novas gerações e também para outras regiões do país e do exterior, graças à
e o Cinema divulgação do material através de um website. É neste sentido que se pretende propor,
Brasileiro - Anos
no âmbito desta reflexão, que um acervo audiovisual também pode ser considerado
50 e 60”.
um patrimônio cultural, uma vez que, ao ser pensado como um conjunto de imagens
134
produzidas por um determinado grupo social em um dado momento histórico, adqui- 2
re a característica de um acervo dotado de memória e visibilidade, capaz de revitalizar O conceito de
valores e práticas culturais que correm o risco de serem esquecidas, ou mesmo perma- Cinema Direto
denomina, a
necerem desconhecidas por determinados segmentos sociais.
princípio, uma
O acervo do NUDOC digitalizado refere-se a filmes em formato Super-8 e 16 mm nova técnica
que foram produzidos na Paraíba entre as décadas de 1970 e 1980 em um momento de registro
de efervescência cultural local, ligado, em sua maioria, à dinâmica da Universidade da realidade
Federal da Paraíba e ao Convênio do Atelier Varant com a UFPB. Ao se propor uma pré-fílmica.
reflexão sobre esta produção, propõe-se também oferecer visibilidade a um momento Este termo –
que substitui o
da produção audiovisual da Paraíba pouco conhecido da população local e das novas
vocábulo ambíguo
gerações, uma vez que a circulação deste material ficou restrita aos círculos do que se cinema verdade,
convencionou chamar de Cinema Direto e Cinema Marginal. no início dos anos
A possibilidade de refletir e discutir sobre o que foi registrado em película naquela 1960 – se aplica,
época, faz com que surja uma memória sobre a produção audiovisual na Paraíba e, além de uma
neste sentido, acrescenta ao repertório brasileiro de produção audiovisual mais um simples técnica, a
toda uma corrente
conceito de cinema e de produção audiovisual regional, local, praticamente desco-
que revolucionou
nhecido no restante do país. os métodos de
O projeto conta com a parceria local de instituições que possuem grande poten- realização antes
cial de difusão e divulgação de uma mostra e do material impresso produzido no completamente
âmbito da cidade de João Pessoa e do Litoral Norte da Paraíba. O NUDOC, o La- estandardizada
boratório de Antropologia Visual – Arandu, ambos da UFPB e a Fundação Espaço sobre o modelo
industrial
Cultural (Funesc) – compartilharão o material resultante da pesquisa e da digitali-
exclusivo. A esta
zação dos filmes, ampliando o acesso dos estudantes e do público local à mostra e à técnica responde
publicação impressa. uma estética
Com o intuito de discutir alguns dos objetivos da pesquisa que deram origem ao fundada numa
projeto Cinema Paraibano: memória e preservação, pretendo, ainda que de forma prelimi- volta à função
nar, sistematizar neste artigo algumas das questões teóricas – éticas, estéticas e antro- primordial da
palavra e no
pológicas – que norteiam a pesquisa do acervo de audiovisual produzido na Paraíba
“contato direto e
entre os anos 1970 e 1980. autêntico” com a
realidade vivida.

Produção audiovisual na Paraíba (LIRA, 1986, p. 8).

A produção de filmes em Super-8 e 16 mm na Paraíba, movimento posterior ao


Ciclo Paraibano de Cinema, liderado pelos documentaristas Linduarte Noronha e
Vladimir Carvalho, resultou em acervo depositado no Núcleo de Documentação
Cinematográfica - NUDOC da UFPB.
Afirmar que o filme Aruanda, do cineasta Linduarte Noronha, colocou a Paraíba
no mapa do cinema brasileiro, é reconhecer a relevância de uma produção audio-
visual realizada no nordeste no início da década de 1960, que foi precursora do
Cinema Direto2, mas não é suficiente para se fazer justiça à importância do que
aconteceu, em seguida, na Paraíba, depois que o filme de Linduarte foi exibido no
circuito centro-sul, como um exemplo de que os paraibanos sabiam fazer cinema
135
3 sobre o “outro popular”3 de uma maneira inovadora.
Refiro-me a Quando o projeto descrito acima foi elaborado, a ideia era se debruçar sobre
expressão utilizada um acervo capaz de representar uma identidade audiovisual regional específica,
por Fernão
considerando que a Paraíba tem uma história singular no que se refere à produção
Ramos em “O
horror, o horror! audiovisual brasileira. Além do notório sucesso de Aruanda, discutido em todas as
Representação publicações sobre Cinema Novo no Brasil e destacado inclusive por Glauber Rocha
do popular no em artigo publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil em 19604, a Pa-
documentário raíba foi palco também de uma experiência bastante marcante (eu diria, inclusive,
brasileiro do ponto de vista antropológico): o convênio realizado entre a Associação Varan de
contemporâneo”
Paris, do cineasta Jean Rouch, com a UFPB, que culminou na criação do Atelier de
em Mas Afinal...
o que é mesmo Cinema Direto do NUDOC.
documentário? A partir de uma perspectiva antropológica, portanto, a pesquisa pretende recons-
(2008). tituir a memória da produção audiovisual no estado da Paraíba entre 1970 e 1980,
reconhecendo em sua produção estética uma pluralidade de tendências e contra-
dições, as quais podem vir a revelar possíveis representações de identidade de um
4 cinema paraibano, ao mesmo tempo regional e brasileiro.
Citado por Para isso foi necessário recorrer a publicações recentes sobre o tema, das quais
MARINHO, José.
destaco o livro de Fernão Pessoa Ramos (2008), Mas Afinal... o que é mesmo documentá-
Dos homens e das
pedras: o ciclo
rio?, Documentário Nordestino: mapeamento, história e análise, de Karla Holanda (2008) e o
do documentário Relatório Final do documentário Renovatório, de Francisco Sales de Lima Segundo (2007),
paraibano [1959- trabalho realizado para a obtenção do título de Bacharel no curso de Comunicação
1979]. Niterói: Social da UFPB. Outras referências, citadas também nas obras acima, foram funda-
EdUFF, 1998, mentais para a compreensão do cenário sobre o qual nos debruçamos: Dos Homens e
p.165-167.
das Pedras: o ciclo do documentário paraibano [1959-1979] de José Marinho (1998), Produção
cinematográfica superoitista em João Pessoa e a influência do contexto social/econômico/político e
cultural em sua temática, de Bertrand Lyra (1986) e Cinema paraibano. Um núcleo em vias de
renovação e retomada, Dissertação de Mestrado de João de Lima Gomes, UFPB (1991).

Os Ciclos do documentário paraibano


O pioneiro
Ao descrever as primeiras produções da história do cinema paraibano, Ber-
trand Lira lembra que foi por volta de 1918 que surgiram as primeiras realizações
cinematográficas na Paraíba, com o fotógrafo oficial do governo, Pedro Tavares,
registrando os acontecimentos mais importantes da cidade. Nessa mesma época,
Walfredo Rodrigues – que também incursionara pelo teatro, fotografia, literatu-
ra, arquitetura e urbanismo – se dedicava ao cinema, montando um laboratório
onde revelava e copiava seus inúmeros filmes sobre coisas típicas, especialmen-
te trabalhos ligados à agricultura. Sua produção era essencialmente documental
e jornalística (LIRA, 1986, p. 2).
O cinegrafista realizou, entre 1917 e 1931, nove edições de um Cine-Jor-
136
nal que chamou de “Filme Jornal do Brasil”, e que eram apresentados na sua
própria sala de exibição. Mas foi em 1928 que Walfredo Rodrigues inaugu-
rou o primeiro ciclo do documentário na Paraíba com o primeiro longa-metra-
gem realizado no estado: “Sob o céu nordestino”, com 80 minutos. O filme de-
morou quatro anos para ser finalizado e foi produzido pela Nordeste Filmes,
empresa criada por ele em João Pessoa.
O documentário foi constituído de oito partes sendo a primeira uma ficção sobre
a presença indígena na Paraíba. Segundo Holanda (2008) o filme descrevia desde
os primeiros habitantes indígenas da região, a fauna, a flora, até documentar o co-
mércio e a indústria do estado. Registrou também a pesca da baleia no litoral e uma
descrição da cidade de João Pessoa, com seus monumentos, praças e jardins.
Seu último filme Reminiscência de 30, realizado em 1931, registrava os discursos, as
viagens pelo interior e o enterro de João Pessoa. Segundo Marinho (1998, p. 42-43),
a trajetória cinematográfica de Walfredo Rodrigues ficou obscura nas primeiras dé-
cadas do século, sendo recuperada somente após o lançamento de Aruanda, em 1960.
Depois do pioneirismo de Walfredo, não houve mais quem produzisse filmes na
Paraíba nas décadas seguintes, exceto esparsas produções feitas por equipes vindas
do vizinho estado de Pernambuco.

Cineclubismo e o efeito Aruanda


Em Renovatório, Francisco Sales relata que ainda na década de 1920, em al-
guns países da Europa e também no Brasil, nasce o cineclubismo, entendido como
um novo conceito de se pensar e fazer cinema. A atividade questionava os mode-
los que se instauraram na estética, na economia, e na relação do espectador com a
obra cinematográfica, transformada em mero produto comercial e em veículo de
alienação e dominação. Segundo ele, com os cineclubes, inicia-se um processo em
que criação, produção, distribuição e consumo não se configuram como coisas se-
paradas, mas como um processo no qual se torna possível ver e entender de forma
completa o cinema (LIMA SEGUNDO, 2007, p. 12).
Segundo Sales o cineclubismo se constituiu em uma subversão do cinema comercial,
que se limitava a produzir e exibir, sem, em nenhum momento, relacionar esses pro-
cessos. E continua: “diante disso, com a encíclica papal Vigilanti Cura, a Igreja Católica
passa a estimular a criação de cineclubes nas paróquias, nas associações católicas e nas
respectivas dioceses, provocando uma expansão de um movimento cineclubista com
esta orientação religiosa, no início da década de 50” (Ibid., p. 12).
Desta forma, a encíclica promoveu um movimento cultural que for-
mou cineclubes em diversas cidades brasileiras, com desdobramentos que
refletem na história do cinema nacional.
Em João Pessoa, um grupo de jovens sob a liderança de José Rafael de Menezes
e dos padres Antônio Fragoso e Luís Fernandes, criaram o Cineclube de João Pes-
soa, em 1952, tornando-se o polo animador de discussões cinematográficas na Pa-

137
raíba. Segundo o relato de Holanda (2008), entre estes jovens na casa dos vinte
anos estão Linduarte Noronha, Vladmir Carvalho, João Ramiro Melo, Wills Leal,
Wilton Veloso e Geraldo Carvalho.
Deste movimento, surgiu, em maio de 1955, a Associação dos Críticos Cine-
matográficos da Paraíba (ACCP), que, de certa forma, representou uma dissidên-
cia dentro do movimento cineclubista local, pois este era indiferente à orientação
católica do Cineclube de João Pessoa.
Segundo o relato de Francisco Sales,

A ACCP acompanhava passo a passo os debates e comparecia, através de seus mem-


bros, nas colunas diárias e nos suplementos dominicais com comentários críticos e
ensaios sobre os filmes vistos no cineclube e no circuito comercial. E, só em 1964,
a ACCP se estende para o interior do Estado e cria a seção Campina Grande, tendo
em seu quadro os irmãos Rômulo e Romero Azevedo, Luiz Custódio, José Umbelino e
Bráulio Tavares, grupo esse que, em seguida, passa a liderar as atividades cinemato-
gráficas naquela cidade, juntamente com Machado Bittencourt, este último também
realizador, desde os primeiros momentos (LIMA SEGUNDO, 2007, p. 13).

No início da década de 1950 foi criado o Serviço de Cinema Educativo, dirigi-


do pelo fotógrafo e cinegrafista João Córdula, responsável pela formação de novos
pontos de exibição, destacando-se aí o Cineclube do Liceu Paraibano. Córdula con-
viveu com Humberto Mauro e Roquete Pinto, no Rio de Janeiro, no início de 1950,
quando estagiou no Instituto Nacional de Cinema Educativo – INCE. O trabalho de
Córdula era manter um acervo em sua maioria proveniente do antigo Instituto Na-
cional de Cinema e promover a exibição em colégios e centros operários, enquanto
também dava apoio ao movimento cineclubista, cedendo cópias de filmes, projetores
e outros equipamentos (MARINHO, 1998, p. 30-47).
5 A efervescente movimentação dos cineclubes em João Pessoa e Campina Grande5
Ver filmes e foi fundamental na formação de quadros para a produção que viria na década se-
cineastas que guinte. De tanto se discutir e falar sobre cinema, surgiu, naturalmente, a necessidade
fizeram parte do
de também realizar filmes, e neste sentido, a Universidade Federal da Paraíba, fun-
grupo de Campina
Grande em dada em 1955, pelo então governador José Américo de Almeida, foi importantíssima
HOLANDA, Karla. tanto aglutinando discussões sobre possíveis produções, como dando subsídios para
Documentário que elas se realizassem.
Nordestino: Segundo os pesquisadores, todo este contexto faz parte do embrião que desaguou
Mapeamento, no Cinema Novo. Linduarte Noronha, que também participou do movimento cine-
história e análise,
clubista, era estudante de direito, repórter do Jornal A União e crítico de cinema no
2008, p. 138.
Jornal O Estado da Paraíba. O autor de Aruanda participou de várias discussões sobre o
cinema de John Grierson, Robert Flaherty, entre outros, e acreditava que filmar na
Paraíba não era um sonho impossível. Em depoimento a José Marinho, ele afirma:

Eu ficava revoltado quando começava a ler, começava a ter conhecimento do grupo

138
inglês de documentário de Grierson, de Cavalcanti, o National Film Board, etc., os
grandes trabalhos dos pioneiros do cinema e a gente perguntava: “E por que é que
a gente não faz aquilo também?”. Era um pessoal que começou sem nada, começou
sem equipamento, começou até “sem invenção”, incipiente num equipamento sem
origem, nomes como Murnau, como Flaherty. Não tinham absolutamente nada (apud
MARINHO, 1998, p. 63).

Com o roteiro em mãos, Linduarte segue para o Rio de Janeiro onde consegue
angariar o apoio de Humberto Mauro, então diretor do Instituto Nacional de Ci-
nema Educativo, para usar o equipamento da instituição. Com a câmera em mãos,
Linduarte segue para o Instituto Joaquim Nabuco, em Recife, no intuito de conse-
guir o dinheiro necessário para a produção, e lá consegue a verba. Já o negativo foi
fornecido pelo industrial paraibano Odilon Ribeiro Coutinho, que se compadeceu
da situação, e também foi uma figura muito importante na finalização de Aruanda.
E, com o Governo do Estado, ele conseguiu transporte, hospedagem e alimentação
(LIMA SEGUNDO, 2007, p. 14).
Assim, Linduarte Noronha, o fotógrafo do filme Rucker Vieira6, os roteiristas 6
João Ramiro Mello e Vladimir Carvalho partem para filmar o que se tornaria um Rucker Vieira é
dos marcos do movimento do Cinema Novo brasileiro, juntamente com Rio 40 graus pernambucano
e trabalhou
(1955) e Rio Zona Norte (1957), ambos de Nelson Pereira dos Santos, e O grande momento
como fotógrafo
(1959), de Roberto Santos. no Instituto
Tecnológico da
Mas “Aruanda”, é bom que se diga, deflagrou o movimento nacional [o Cinema Novo], Aeronáutica - ITA,
por força de uma proposta eminentemente social e nordestina por excelência, fazen- em São José dos
do com que chegasse ao Sul a nossa mais crucial questão existencial, a seca no Nor- Campos, SP, em
1950. Realizou
deste; suas consequências econômicas oriundas de feitos socialmente rudimentares,
curso de fotografia
como os de Zé Bento do Talhado, enfim, toda a problemática que ainda hoje submete para cinema
e massacra o nosso povo. Tudo é representado no filme de Linduarte – protótipo de nos estúdios
uma geração ávida de denúncias. (SANTOS apud LIMA SEGUNDO, 2007, p. 15). da Kino Filmes,
patrocinado
Aruanda conta a história de Zé Bento, que junto com mulher e filhos, sai em busca por Assis
Chateaubriand.
da terra onde viver, chegando finalmente a Serra do Talhado, onde fundaria um
Conheceu
quilombo. A narrativa reconstitui a saga de Zé Bento deixando sua terra até o mo- Linduarte
mento da constituição do sistema de produção criado por ele e sua família na Serra Noronha quando
do Talhado, onde começaram a plantar algodão. Neste sistema cabe à mulher a pro- trabalharam juntos
dução da cerâmica e utensílios domésticos de barro, os quais serão vendidos na feira na Rádio Tabajara,
da cidade mais próxima, Santa Luzia. Mas a força das imagens do filme está no fato Paraíba (HOLANDA,
2008).
de que este registra a problemática do escravo negro, após a libertação dos engenhos
e fazendas do Nordeste, onde a família de Zé Bento representa uma das tantas que
foram abandonadas à própria sorte.
Para Francisco Sales,

139
O gênero, definitivamente, faz escola e, a partir daí, surgem vários documentários na
mesma linha de Aruanda, com temáticas das mais diversas, como: Cajueiro nordestino
(1962), do próprio Linduarte Noronha; Romeiros da Guia (1962), de Vladimir Carvalho e
João Ramiro Mello; Os homens de caranguejo (1968), de Ipojuca Pontes; A bolandeira
(1967), de Vladimir Carvalho, entre tantos outros (LIMA SEGUNDO, 2007, p. 15).
7
Entre outros,
destacam-se Outros filmes tiveram destaque neste ciclo cinematográfico. Foi o caso de O
os seguintes país de São Saruê (1971), de Vladimir Carvalho, que embarca na realidade do povo
documentários do sertão do extremo oeste da Paraíba, retratando-o de maneira simples, no seu
que compõem este trabalho diário e na luta pelo sustento. Carvalho retrata seus personagens como
Ciclo: O Cajueiro
homens e mulheres corajosos que apesar das precárias condições de vida, en-
Nordestino, de
Linduarte Noronha frentam as dificuldades impostas com coragem. “É um filme-denúncia, um trata-
(1962); Romeiros do, um registro histórico, que valoriza o esforço daqueles que eram (e ainda são)
da Guia, de prejudicados pela miséria” (Ibid., p. 16).
Vladmir Carvalho e Vladimir Carvalho, considerado o maior expoente dos cineastas paraibanos, fo-
João Ramiro Mello cou inicialmente o seu interesse no homem nordestino. Em 1969 mudou-se para
(1962), A Cabra na
região semi-árida,
Brasília, onde, até hoje, exerce a carreira acadêmica de professor da UNB. Mesmo
de Rucker Vieira tendo realizado os filmes Incelência para um trem de ferro (1972) e A pedra da riqueza (1975)
(1968); Os homens em seu estado natal, quando já morava em Brasília – fazendo parte ainda do ciclo do
do caranguejo documentário paraibano, depois de alguns anos na capital federal, acabou voltan-
(1969) e A poética do-se para o Centro-Oeste em seus filmes, tratando os mesmos problemas da terra
popular (1970) de
em regiões desconhecidas. Constam em seu currículo 22 filmes, dos quais seis são
Ipojuca Pontes, A
bolandeira (1967)
de longa-metragem e outros seis fazem parte do Ciclo do Documentário Paraibano
e Sertão do Rio (HOLANDA, 2008, p. 139).
Peixe (1968), de Ainda segundo Karla Holanda, com Aruanda inicia-se o Ciclo do Documentário
Vladimir Carvalho. Paraibano que se encerra com o Homem de Areia (1979), de Vladimir Carvalho7.

Atelier Varant e Jean Rouch na Paraíba


Em 1980 a Universidade Federal da Paraíba criou o NUDOC (Núcleo de Docu-
mentação Cinematográfica), que durante três anos realizou um trabalho que consistia
em desenvolver uma política de produção de documentários e cursos de formação de
mão de obra (MARINHO, 1998, p. 271-272).
De acordo com a Enciclopédia do Cinema Brasileiro, o NUDOC surgiu graças a
um convênio estabelecido entre a UFPB e o Centro de Formação em Cinema Direto
de Paris (Associação Varan). Karla Holanda reproduz o seguinte texto da Enciclopédia:

O convênio previa a implantação de um ateliê de cinema direto em João Pessoa e o


estágio dos alunos locais na capital francesa [...]. O projeto, que tinha à sua frente o
diretor do Comitê de Filme Etnográfico da França, Jean Rouch, consistia na aquisição
de um sistema completo de produção em bitola Super-8. A proposta acabou por divi-
dir os cineastas locais, que acreditavam que as metas estabelecidas por Rouch diver-

140
giam das propostas traçadas pela geração documentarista dos anos 60. Eles viam no
NUDOC a possibilidade da retomada da produção em bitolas mais profissionais (SOUZA
apud HOLANDA, 2008, p. 140).

No entanto, os pesquisadores observam que o acordo firmado entre a Univer-


sidade e a Associação Varan era que esta última iniciaria suas atividades em Su-
per-8, já que, para os franceses, esta bitola seria ideal nos países onde não havia
uma infraestrutura desenvolvida de audiovisual, mas que posteriormente pas-
sariam a oferecer uma estrutura de 16 mm à UFPB. Esta parte do convênio foi
cumprida apenas parcialmente, provavelmente em função dos custos de se montar
uma estrutura completa de 16 mm.
Bertrand Lira descreve como foi realizado o primeiro treinamento oferecido pelo
Atelier Varan aos alunos da UFPB, em 1982:

Este primeiro treinamento teve aproximadamente quatro meses de duração e consis-


tia em uma introdução teórica, quando se assistia e discutia filmes, na sua maioria
documentários, e vários deles produzidos durante estágios semelhantes em Paris. No
restante do curso, era dada ênfase à prática de realização: nos primeiros quinze dias
de aulas o aluno era estimulado a realizar um pequeno exercício de câmera sobre uma
ação qualquer (uma pessoa que entra numa cantina e bebe um café, por exemplo).
Aproximadamente um mês depois, fazia-se o segundo exercício, esse com o tema
escolhido pelo próprio aluno que deveria colocá-lo em discussão antes de filmá-lo.
Para isto eram fornecidos dois cassetes (cartuchos) em super-8 com 3 minutos de
duração e o equipamento necessário. O terceiro exercício ou filme final não tinha,
teoricamente, limite em relação aos cartuchos utilizados e cada estagiário poderia,
portanto, utilizar quantos fossem indispensáveis. Mas a prática mostrou que quem
não conseguia apresentar um filme acabado, utilizando cerca de 20 cartuchos, acaba-
va desistindo de fazê-lo no decorrer do curso. (LIRA, 1986, p. 8).

Em artigo sobre a produção cinematográfica superoitista da Paraíba, Bertrand


Lira faz uma análise crítica dos preceitos técnicos e estéticos do Cinema Direto. O
produto desses estágios realizados entre 1981 e 1983 era de filmes voltados para uma
abordagem sociológica do sujeito, cuja tônica era a relação do homem com a famí-
lia, o trabalho e a questão da sobrevivência. Enquadram-se nesta linha documental
filmes como Ciclo do Caranguejo, de Elisa Cabral (1982), que descreve o processo de
comercialização do caranguejo desde a sua pesca na cidade de Livramento até a sua
comercialização em bares e restaurantes de João Pessoa, e Emergência, de Torquato
Joel. Emergência retrata a vida de camponeses que habitam na bacia do açude de Orós
(interior do Ceará) na época da grande estiagem de 1981. Ele enfoca o problema da
migração e das secas na região (LIRA, 1986, p. 10).
A influência do Atelier de Cinema Direto entre o movimento superoitista na Pa-
raíba teve uma faceta bastante polêmica. Não havia unanimidade quanto aos princí-

141
pios do Cinema Direto no contexto da produção cinematográfica paraibana, o que
gerou reações adversas dentro e fora do NUDOC. A mais clara delas foi a criação
da marca NUCI (Núcleo de Cinema Indireto), por Jomard Muniz de Britto, que já
produzia filmes experimentais em Recife, como O palhaço degolado (1977), ou ainda o
Inventário do feudalismo cultural nordestino (1978).

No NUCI, Jomard rompe totalmente com os conceitos estabelecidos frente à estética


e à linguagem cinematográficas, até então vigentes na Paraíba: filmes que sugerem
uma mutação entre o real e o imaginário, e entre a ficção e o documentário. Um ci-
nema que se joga totalmente no espetáculo do espontâneo – o cinema do inusitado.
(LIMA SEGUNDO, 2007, p. 23).

IMAGEM Entre os filmes realizados por Jomard, destaca-se Paraíba Masculina Feminina Neutra
Visões do (1983), que toca de forma direta nos tabus da província, com personagens que desa-
Mangue fiam padrões morais estabelecidos de forma irônica e irreverente.
Elisa Cabral, 1982, Em seu estudo realizado para filmar Renovatório, Francisco Sales afirma que
14 min. o Atelier de Cinema Direto foi responsável por grande parte da produção supe-
roitista da época, tendo Romão pr’aqui, Romão pr’acolá (1981), de Vânia Perazzo, e
Festa de Oxum (1982), de Everaldo Vasconcelos, como exemplos de filmes que se-

142
guiram à risca os preceitos do Cinema Direto. Os movimentos sociais urbanos
também são temas de vários filmes, como A greve (1983), de direção coletiva dos
estagiários do NUDOC. Já Elisa Cabral produz num projeto que ela mesma de-
nominou de “Cinema e Sociologia”, com Visões do mangue (1983) e Tele-visões (1986),
entre outros. (LIMA SEGUNDO, 2007).
Holanda, por sua vez, conclui que a Paraíba teve uma fase superoitista entre os
anos 1970 e 1980, na qual o NUDOC foi o responsável pela formação de por boa
parte da nova geração de realizadores. Enumera, por fim, os nomes de alguns reali-
zadores que surgiram e se fortaleceram através do NUDOC, sendo atuantes até hoje:
Marcus Vilar (24 Horas, 1986), Torquato Joel (Itacoatiara – a pedra no caminho, 1987),
Vânia Perazzo (Palácio do Riso, 1989), Eliza Maria Cabral (Com passos de moenda, 2001)
e Bertrand Lira (Bom dia, Maria de Nazaré, 2003) (HOLANDA, 2008).

O movimento superoitista
O Super-8 chega ao Brasil em um momento politicamente delicado e de
grave crise econômica. Foi em plena ditadura e logo após a instauração do
Ato Institucional Nº 5, decretado pelo então presidente Costa e Silva, em de-
zembro de 1968, que o Super-8 terminou por reorientar o fazer cinema-
tográfico, com a simplificação do processo de produção, em que qualquer
um teria condições de manusear uma câmera.
De acordo com Francisco Sales, diretor do documentário Renovatório sobre o mo-
vimento superoitista na Paraíba, os produtores culturais enfrentaram, na época, uma
situação de aderir ou desvencilhar-se da cultura oficial, manipulada pela censura.
Ele observa que:

Na contramão da história e engrossando o caldo da cultura marginal, a “imprensa


nanica”, os poetas de mimeógrafo, os grupos teatrais mambembes, tratavam de
subverter as relações de produção da cultura. E junto com o Super8, fizeram parte
de um mesmo esforço de descoberta e ocupação de espaços alternativos para
produção artística e intelectual, em tempos de “vazio cultural”, arrocho político,
dispersão e crise de utopias. (LIMA SEGUNDO, 2007, p. 18-20).

Para o cineasta, a produção audiovisual independente da década de 1970, no


Brasil, passa a se dividir em duas vertentes básicas: os documentaristas, muito
ligados ainda à apreensão de temas relacionados à cultura popular e a questões so-
ciais, quase num prolongamento das discussões pré-tropicalistas da década anterior,
e onde o 16 mm ainda se apresentava como bitola ideal; e os superoitistas, que utili-
zaram o Super-8 na busca de novas formas de linguagem e estética cinematográficas,
subvertendo, assim, as relações de produção e circulação de suas obras, devido ao
barateamento e ao fácil acesso da bitola (Ibidem).
Na Paraíba, as primeiras produções em Super-8 surgem a partir de 1973, feitas

143
por pessoas que já tinham experiência com 16 mm ou mesmo que trabalhavam em
jornais, fazendo crítica cinematográfica. Para essas pessoas, o Super-8 era apenas
uma contingência da época. Já que não havia condições de se produzir em 16 mm,
e muito menos em 35 mm, a pequena bitola se tornou na única possibilidade para
produção de filmes na Paraíba. Mas é só, em 1979, que o cinema Super-8 surge em
forma de movimento. (Ibid., p. 20).
Com o início da abertura política, a partir de 1979, e a diminuição da censura
prévia à Imprensa, um novo cenário se configura no Brasil. Foi neste contexto
político que João de Lima e Pedro Nunes, então estudantes do curso de Comuni-
cação Social da UFPB, realizam Gadanho (1979), iniciando o que será reconhecido
como movimento superoitista paraibano. Documentando a atividade dos catado-
res do Lixão do Roger, o filme renderá comparações com Aruanda (1960), “não do
ponto de vista estético ou da linguagem, mas como deflagrador de um novo ciclo
cinematográfico” (LIRA, 1986, p. 5).
Para Bertrand Lira, Gadanho deu um impulso nesta nova fase da produção de
cinema da Paraíba:

Esse filme foi para o cinema superoitista, no final da década de 70 e início de 80, o
que Aruanda representou para o cinema paraibano na década de 60. Não se quer aqui
comparar os dois filmes em termos de estética ou linguagem cinematográfica, mas o
que cada um representou para o movimento cinematográfico da Paraíba quando fo-
ram realizados. Talvez a comparação pareça absurda pela importância e repercussão
que Aruanda teve para o cinema documental brasileiro. O que se quer deixar bem
patente aqui é a relevância que esse curta-metragem teve para o cinema superoitista.
A partir dele, o cinema paraibano em super-8, já que a produção nas bitolas profis-
sionais (16 e 35mm) se deu em pequeno número nesse período, ressurge em forma de
movimento. (LIRA, 1986, p. 6).

Em meio ao clima de subversão deflagrado pela produção de Super-8, a exi-


bição não podia ficar de fora, considerando a marginalidade do material produzido,
em relação à rede exibidora tradicional. Foram criados, portanto, diversos festivais
de filmes Super-8, como o Festival Nacional de Primeiros Filmes, realizado em 1970,
e o Super Festival Nacional do Filme Super-8, realizado pelo GRIFE (Grupo de Re-
alizadores Independentes de Filmes Experimentais), entre 1973 e 1983, ambos em
São Paulo, e que teve, neste último, a grande vitrine do Super-8 nacional.
A produção superoitista foi caracterizada, entretanto, por uma pluralidade estéti-
ca, como define Francisco Salles em seu Relatório Final sobre o documentário:

A multiplicidade e diversidade de experimentos são marcas distintivas da produção


audiovisual superoitista, impostas, em parte, pela segmentação fragmentária das ex-
periências, forçada pelo regime político autoritário. Um ponto marcante desta produ-
ção é a riqueza e a variedade das mais diversas proposições estéticas: o cinema rudi-

144
mentar, o cineviver, a antropofagia erótica, o terrir, o cinema ovo, o megalomaníaco
neocinemanovíssimo, o cinema de salão, o anarco-superoitismo, etc. Estas propostas
são idealizadas por realizadores das mais diversas partes do país, como Jomard Mu-
niz de Britto, Torquato Neto, Hélio Oiticica, Ivan Cardoso, Amin Stepple, entre tantos
outros. (LIMA SEGUNDO, 2007, p. 19).

Surgem neste contexto de abertura, grupos de militância sexual, racial e partidá- IMAGEM
ria, que devido à conjuntura política anterior, não tiveram a chance de se manifestar. Baltazar
Em João Pessoa, destaca-se o grupo Nós Também, integrado por militantes homosse- da Lomba
xuais com a proposta original de militar através da arte. “O grupo atuou por quase Direção coletiva,
três anos, publicando boletins, envelopes de arte (envelopes que continham fotos, 1982, 18 min.
poesias, arte-xerox etc), pichando muros, fixando outdoors e com a produção e rea-
lização de um filme: Baltazar da Lomba” (LIRA, 1986, p. 6).
Segundo Bertrand Lira, a discussão sobre a sexualidade no cinema paraibano
começa com Esperando João (de Jomard Muniz) em 1981 e passa por Perequeté (Bertand
Lira) no mesmo ano, mas vai atingir uma abordagem mais ampla com Closes de
Pedro Nunes, o qual se tornou o filme, em Super-8, mais discutido na Paraíba. Para
Lira “o misto de documentário e ficção desse cineasta não traz nada de novo em ter-
mos de linguagem cinematográfica, mas contribuiu, inquestionavelmente, para uma

145
ampla discussão da homossexualidade”. Closes aborda o relacionamento amoroso de
dois rapazes que, ao optarem pela homossexualidade, são severamente reprimidos. A
inovação está na abordagem documental que apresenta depoimentos de habitantes
da cidade e transeuntes.
Renovatório, documentário de 20 minutos realizado por Francisco Sales de Lima
Segundo, faz uma reflexão criativa e reveladora sobre esta geração que foi protago-

IMAGEM nista do segundo ciclo de cinema paraibano, o chamado movimento superoitista,


Festa de que foi também o mesmo grupo de jovens cinegrafistas que foram formados nos
Oxum princípios do Cinema Direto disseminados pelo Atelier Varan no Brasil. Em seu fil-
Everaldo me, Francisco Sales traz 18 títulos que pertencem ao acervo do NUDOC e procura
Vasconcelos, 1982, elucidar algumas tendências estéticas e éticas daquela produção.
12 min.

Patrimônio e bem patrimonial


Vale salientar ainda no que diz respeito à vocação do projeto aqui debatido, que
se trata de um projeto de preservação de memória audiovisual, o que revela, por-
tanto, o fortalecimento recente das políticas públicas de valorização, preservação e
difusão dos acervos de audiovisual no Brasil. Neste sentido, a ideia de patrimônio se
insinua como um “dispositivo de memória coletiva”, isto é,
146
Tanto o patrimônio cultural, quanto a memória coletiva e seus suportes materiais
– bibliotecas, museus, arquivos – devem estar enraizados em práticas culturais con-
cretas, e é essa imersão no cotidiano que imprime aura e significação social e política
a ambos, e que também os conecta com a cidadania – enquanto prática e exercício
do direito de acesso aos bens patrimoniais e aos dispositivos da memória coletiva
(VELOSO, 2008, p. 137).

Entende-se o conceito de patrimônio a partir da definição que faz Fonseca


(1997) em O Patrimônio em Processo, quando afirma que este deve ser compreendido
a partir dos processos, das práticas e dos atores que contribuem para a formula-
ção do que vem a ser a política de preservação do Patrimônio cultural, uma vez
que as políticas de patrimônio atuam, basicamente, no nível simbólico.
Segundo Fonseca,

A noção de patrimônio é, portanto, datada, produzida, assim como a ideia de


nação, no final do século XVIII, durante a Revolução Francesa, e foi precedida, na
civilização ocidental, pela autonomização das noções de arte e história. O históri-
co e o artístico assumem, nesse caso, uma dimensão instrumental, e passam a ser
utilizados na construção de uma representação de nação (FONSECA, 1997, p. 37).

Assim, atualmente a ideia de patrimônio não está focada apenas no conjunto


de objetos que o constituem e nos conjuntos de discursos que o legitimam, mas na
percepção de que os bens patrimoniais estão permeados de um valor que envolve
um sentimento de pertencimento a uma comunidade, a uma nação. Estes bens
patrimoniais viriam, portanto, legitimar essa comunidade ou nação.
Por meio da publicação do Decreto Nº 3.551, de agosto de 2000, o Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, instituiu o Registro de Bens
Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro e criou
o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. Esta iniciativa procurou instituir “um instru-
mento legal destinado ao reconhecimento e à valorização do patrimônio imaterial”.
Trata-se de uma iniciativa oficial que abre novas frentes de pesquisa e de recursos
para a documentação, registro e reconhecimento de manifestações culturais que têm
características performáticas e itinerantes. Em decorrência disso, acredito que novas
políticas públicas podem ser desenvolvidas a partir desta experiência.
É, portanto, na tensão entre forças sociais contraditórias que se constitui a reali-
dade contemporânea e que, ainda assim, podem florescer possibilidades mais criati-
vas e dinâmicas de se testemunhar uma cultura. Reconhecer a diversidade cultural e
legitimar a identidade e as formas de pertencimento associadas a narrativas de me-
mória excluídas e subalternas significa reconhecer os sujeitos sociais representativos
de um segmento social legítimo.
A possibilidade de se incluir acervos de imagens, de músicas, de fotografias e ma-

147
nifestações artísticas, em geral, entre as possíveis narrativas de uma memória cultural
a qual corresponda bens patrimoniais é mais um desafio que se apresenta para a
antropologia da imagem e do cinema.

Memória subterrânea e sentimento de pertencimento


Não é novidade para a antropologia que o que sobrevive enquanto memória co-
letiva de tempos passados não é o conjunto dos monumentos e documentos que
existiram, mas o efeito de uma escolha realizada pelos historiadores e pelas forças
8 que atuaram em cada época histórica (LE GOFF, 1995).
A respeito No artigo “História Oral, uma metodologia para o estudo da memória”, Me-
da narrativa nezes relaciona a contribuição dos estudos de Halbwachs e Pollak para o estudo da
homogênea
memória. Halbwachs entende que a memória individual está sempre relacionada à
da nação, ver
Anderson (1979).
memória do grupo. No entanto, a afirmação da coercitividade da memória coletiva
Sobre uma reflexão não é aceita por outros teóricos.
da formação da Pollack compreende a memória como um campo de forças e sua história diversa
identidade pós- e conflituosa. Enquanto Halbwachs fala de uma negociação entre memória coletiva
moderna, ver Hall e individual, Pollak identifica o caráter destruidor, uniformizador e opressor da me-
(2000), Chatterjee
mória coletiva e nacional.
(2004) e Canclini
(1997). Ainda sobre
algumas narrativas A perspectiva teórico-metodológica de Pollak reabilita a periferia e o que é marginal
possíveis de na história oficial, assim, não adere à visão de dominação exclusiva de um sobre o
identidade outro, no campo da memória, mas à possibilidade de resistências constantes em um
nacional brasileira, campo de forças materiais e simbólicas (MENEZES, 2005, p. 33).
ver Veloso e
Madeira (1999) e
Vianna (1995).
E por fim, ambos os autores reconhecem a relação entre memória e identida-
de social, considerando o caráter seletivo da memória. Seria, portanto, neste sen-
timento de pertencimento a um grupo, comunidade ou nação, que se constituiria
o conceito de identidade.
Neste momento surge a ideia de uma memória subterrânea, de uma memória
marginalizada que pode finalmente vencer a resistência da dominação da história
oficial e revelar uma memória e uma identidade social que foi invisibilizada, silen-
ciada ou mesmo excluída em meio a um processo seletivo de construção de uma
“comunidade imaginada”, de uma Nação, ou de uma cultura nacional.
Em 1933, o filósofo alemão Walter Benjamin já percebia, de maneira visionária, a
revolução que iria percorrer os meios de comunicação da sociedade moderna.

Podemos agora tomar distância para avaliar o conjunto. Ficamos pobres. Abando-
namos, uma depois da outra, todas as peças do patrimônio humano, tivemos que
empenhá-las muitas vezes a um centésimo de seu valor para recebermos em troca a
moeda miúda do “atual” (BENJAMIN, 1985, p. 119, grifo nosso).

148
As artes, o cinema, a publicidade e o jornalismo assimilaram aquilo que Benja-
min chamou de nova forma de comunicação: a informação. Benjamin afirmava que
enquanto a informação aspira a uma verificação imediata, outra forma de comuni-
cação, como a narrativa, recorre ao miraculoso. Ao afirmar, de dentro da primeira
metade do século XX, que o saber que vem de longe encontra hoje menos ouvintes
que a informação sobre acontecimentos próximos, ele escreve:

O saber que vinha de longe – do longe especial das terras estranhas, ou do longe
temporal contido na tradição –, dispunha de uma autoridade que era válida mesmo
que não fosse controlável pela experiência. Mas a informação aspira a uma verificação
imediata. Antes de mais nada, ela precisa ser compreensível “em si e para si”. (BEN-
JAMIN, 1985, p. 202- 203).

E termina o mesmo parágrafo com a seguinte afirmação: “Se a arte da narrativa


é hoje rara, a difusão da informação é decisivamente responsável por esse declínio”.
Benjamin entendia que as formas de comunicação de seu tempo estavam cada vez
mais a serviço da informação, e quase nada do que acontecia estava a serviço da
narrativa, a qual, por sua vez, era considerada por ele uma arte que evitava explica-
ções, uma forma artesanal de comunicação. Em outro momento desse mesmo texto
O Narrador, Benjamin refere-se ao ritmo do trabalho artesanal como sendo um tipo
de trabalho que envolve o “dom de narrar”, pois enquanto se trabalhava, se contava
histórias, se cantava ou se confraternizava. Ele conclui então: “com isso, desaparece
o dom de ouvir, e desaparece a comunidade de ouvintes. Contar histórias sempre foi
a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conser-
vadas.” (BENJAMIN, 1985, p. 205).
Benjamin se mostra apreensivo com a mudança da sensibilidade do homem mo-
derno e a esta sensibilidade opõe a oralidade e a Epopeia, uma narrativa que ain-
da não conhecia a previsibilidade e o individualismo que invadirá o Romance. Sua
abordagem nos faz notar que a sensibilidade do homem moderno de fato o afasta
de suas tradições. Mas em plena era da globalização, podemos dizer que algumas
estratégias têm sido traçadas para diminuir o impacto desta mudança.
Relações econômicas e sociais descontínuas estão em jogo no capitalismo tar-
dio, e fluxos de informação cada vez mais acelerados interferem nas antigas nar-
rativas homogêneas sobre a identidade, antes estáveis e portadoras de uma ver-
dade absoluta que era disseminada e facilmente aceita por instituições e atores
sociais acostumados à estabilidade.
Portanto, as narrativas de identidade são hoje articuladas a partir de novos arran-
jos e estratégias simbólicas, decorrentes do cenário econômico e social que se instalou
no fim do século XX, influenciado pela difusão em massa das novas tecnologias e
pela transnacionalização dos capitais. Canclini (1997) e Harvey (2005) abordam esse
fenômeno a partir do viés teórico da economia política, contribuindo para que não
se perca de vista a fundamental influência dos meios de produção capitalista sobre a

149
atual distribuição de signos culturais e étnicos ao redor do planeta.
Sérgio Costa (2002) discute as novas configurações pós-nacionais que estão subs-
tituindo hoje um consenso de Estado-nação construído na Europa, no século XIX,
e no Brasil, ao longo do século XX. Costa mostra como as novas configurações sim-
bólicas de consciência nacional e comunidade política estão segmentadas e desterri-
torializadas, se constituindo de forma heterogênea em democracias maduras, como

IMAGEM as europeias, e em países latino-americanos, como o Brasil.


Itacoatiara Neste sentido, não há dúvida que as “comunidades imaginadas” às quais se refere
- a pedra no Anderson (1979) estão hoje em intenso processo de reformulação8. Seja a partir das
caminho novas identidades fragmentadas e descentradas que teriam surgido na modernidade
Torquato Joel, tardia, às quais se refere Hall, ou a partir do conceito de tempo heterogêneo e irre-
1987, 12 min.
gular, sugerido por Chatterjee, fruto de sua abordagem sobre a experiência indiana
de projeto de nação.

O Acervo
De acordo com cineastas da cidade, a Paraíba possui outros acervos de filmes,
que devido a questões legais encontram-se inacessíveis, é o caso dos filmes do Ci-
nema Educativo, realizados na década de 1950, e o acervo do cineasta Machado
150
Bittencourt. Este projeto se propôs a fazer um trabalho abrangente de preservação,
pesquisa e difusão do acervo do NUDOC, devolvendo à circulação, filmes que mar-
caram a produção audiovisual de uma geração que se empenhou em fazer cinema
em película com os meios disponíveis.
O acervo restaurado e telecinado está estimado em cerca de 80 títulos em formato
Super-8 e 4 títulos em 16 mm. São narrativas fílmicas curtas em diferentes gêneros,
reunindo registros sem nenhuma edição, documentários, vídeos institucionais e
algumas poucas ficções.
O número total de horas estimado para a telecinagem do acervo é de 25 horas,
incluindo 2 horas de material em 16 mm. A pesquisa delimitou alguns critérios
para a catalogação dos filmes: a) Condições materiais da película do filme: os fil-
mes que apresentaram danos materiais irrecuperáveis causados pelo tempo foram
excluídos do processo de telecinagem; b) A maioria dos títulos do acervo são regis-
tros de eventos e documentários. Foram criadas categorias capazes de contemplar
a diversidade das temáticas apresentadas pelos filmes: trabalho, manifestações
tradicionais e religiosas, eventos históricos e cívicos, eventos artísticos, registros
institucionais, animação, sexualidade, registros urbanos e registros do meio am-
biente; c) As categorias criadas para catalogar o acervo têm como objetivo repre-
sentar uma produção em película que caracterizou a identidade e a especificidade
da produção cinematográfica do estado da Paraíba entre 1970 e 1980.

Considerações Finais
Entendendo que o cinema revela um imaginário cultural e é também produto
da cultura, as ações de recuperação, restauração, telecinagem e difusão do acervo
de filmes aqui descritos adquirem uma relevância histórica e cultural bastante
ampla, visto que se constituem em um painel diversificado da cultura, sistema de
valores e do cotidiano da Paraíba no período.
Ao delimitar o cenário de produção do cinema paraibano em três ciclos, ao longo
do século XX, algumas questões se insinuaram de forma significativa na pesquisa.
Dentre estas, o debate sociológico na produção das imagens e a polêmica sobre o Ci-
nema Direto, o uso da bitola Super-8 como uma alternativa de “desmistificação” do
cinema (tanto no âmbito da produção, como da exibição) e a questão da sexualidade
(ou da homossexualidade) como uma temática que, inexistente no primeiro ciclo, foi
filmada a partir de uma linguagem que não se adequava aos princípios do Cinema
Direto. A este respeito vale considerar a abordagem de Rubens Machado (2004) em
Realismo e desprendimento, grotesquerie e sublimação, quando ao se referir ao “primarismo
estético” e ao “realismo antológico” da produção audiovisual exibida no “Mix Bra-
sil” em São Paulo, na década de 1970, nos dá algumas pistas dos elementos estéticos
e escolhas narrativas que permeiam o material digitalizado dos realizadores paraiba-
nos que aderiram ao cinema experimental ou marginal.
A relação entre os meios de produção da imagem, a conjuntura política brasileira
151
e a linguagem estética são alguns dos elementos que norteiam boa parte do debate
travado sobre a produção audiovisual na Paraíba durante os três ciclos que se desen-
volveram no século XX. Os diferentes ciclos deflagrados pela produção de Aruanda,
em 1960, e do movimento superoitista, em 1979, com Gadanho e a atuação do Centro
de Formação em Cinema Direto de Paris (Associação Varan), em 1980, demonstram
que a produção cinematográfica paraibana respondeu a determinado contexto po-
lítico e econômico regional e nacional, onde os meios de produção da imagem, bem
pouco acessíveis até a década de 1970, deixaram de ser escassos e passaram a estar
disponíveis para a classe universitária, a partir da iniciativa do Estado, como foi o
caso do Convênio que possibilitou a formação do Ateliê Varan (através da atuação
das universidades tanto brasileira quanto francesa).
O fato de o Ateliê Varan disponibilizar equipamentos mais acessíveis como o Su-
per-8 foi também motivo de crítica e polêmica entre os realizadores, pois teria afasta-
do a possibilidade destes terem acesso a equipamentos e películas mais profissionais,
como o 16 mm, por exemplo. Segundo Rubem Machado (2004), haveria sim uma
relação entre o realismo e o “primitivismo” que caracterizaram a estética do cinema
marginal e o uso de equipamentos mais acessíveis economicamente como o Super-8.
Em seu livro Mas afinal... o que é mesmo o documentário? Fernão Ramos discute o
conceito de Cinema Direto, esclarecendo de forma bastante convincente a diferença
entre as terminologias cinema verdade e cinema direto. Sem tempo, no âmbito deste
artigo, para entrar no cerne do debate, gostaria de destacar a abordagem de Ra-
mos sobre o Cinema Direto de Jean Rouch. Segundo o autor, “em seus filmes mais
significativos, para além do etnólogo, Rouch trabalha o outro na forma do cinema,
tornando-se também cineasta no sentido pleno da palavra: aquele que nos remete a
uma tradição estilística e narrativa particular” (RAMOS, 2008, p. 310).
Ramos argumenta que nos principais filmes de Rouch encontram-se opções es-
tilísticas particulares, que tensionam de modo periférico os limites da representação
da alteridade, nos campos conceituais delineados pela etnologia. Ele acredita que
Rouch “carrega nas costas um peso que sua obra não suporta: o de definir os limites
epistemológicos do que seria uma ciência, a etnologia” (Ibidem). Neste sentido, de-
vemos problematizar a sensação que o Atelier Varan causou entre uma geração de
realizadores paraibanos: a sensação de que o Cinema Direto, com seus princípios de
contato direto e autêntico com a realidade vivida, não permitia a utilização da criatividade e
dos recursos da linguagem da ficção. A obra completa de Rouch é o principal argu-
mento contra essa percepção da influência de Rouch como cineasta.
No que concerne ao acervo, uma vez digitalizado e disponibilizado em um site
construído a partir de um design acessível e criativo, a pesquisa resultante desse pro-
jeto pretende alcançar um público jovem, talvez especializado, mas que costuma ser
assediado por uma indústria cultural hegemônica e massificadora. O acesso a este
acervo de documentários feitos em condições de produção alternativa e marginal há
mais de três décadas atrás, com temáticas e tendências estéticas diversas e inovado-
res talvez só seja possível devido ao processo de tecinagem e de disponibilização do

152
acervo para domínio público em um website, que contará com estratégias de divul-
gação. Temáticas como festas populares urbanas e rurais, manifestações culturais
tradicionais, sexualidade, aspectos da cultura popular, registros urbanos e da vida
e do trabalho cotidiano no sertão e no interior da Paraíba e ficções que revelam os
mais diferentes olhares sobre a vida na região nordeste estarão disponíveis como um
acervo digital da memória da cultura regional.
O projeto ambiciona ampliar o acesso do público de estudantes e pesquisadores
do estado da Paraíba a um relevante acervo audiovisual e cinematográfico, o que
poderia contribuir para a formação de uma massa crítica de pesquisadores e realiza-
dores, capazes de articular uma reflexão sobre a efervescente produção audiovisual
das décadas de 1970 e 1980 em meio à profusão de signos globalizados e fetichizados
da produção audiovisual contemporânea.
A produção do website, por sua vez, prevê uma maneira de disponibilizar o acervo
em questão não só para o Brasil, mas também em um tempo e espaço global, uma
vez que o conteúdo estará disponível para usuários de qualquer parte do mundo, a
exemplo do que ocorre com o website portacurtas.com.br.
Por fim, entendemos que dar visibilidade a um acervo de audiovisual desta na-
tureza, permitiria o intercâmbio de arquivos de filmes em formato digital (como
acontece com o MP3), possibilitando ao estado da Paraíba receber mostras de outras
regiões e países, que por sua vez também terão acesso aos filmes realizados na região.
É neste sentido, por fim, que o acervo de imagens aqui discutido deve ser per-
cebido como um “bem patrimonial” e um “dispositivo de memória coletiva”, no
sentido de legitimar uma produção estética local como patrimônio cultural do
estado e do país. “Em seus edifícios, quadros, e narrativas, a humanidade se pre-
para, se necessário, para sobreviver à cultura. E o que é mais importante: ela
o faz rindo. Talvez esse riso tenha aqui e ali um som bárbaro. Perfeito”.
(BENJAMIN, 1985, p. 119, grifo nosso).

153
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154
155
GRAFIA Abreviações
Dir = Direção
Abril
A mobilização popular em torno da votação da
P = Produção Emenda Dante de Oliveira, em abril de 1984,
AP = Ano de Produção no centro de João Pessoa. Depoimentos de popu-
D= Duração lares e aposentados na praça João Pessoa. Dida
Fialho e Joana Belarmino cantam para o público.
Depoimentos do jornalista Carlos Aranha (cita
CEDOP - Centro de Comunicação, João Goulart) e do artista Nandy Lisboa. Repre-
Educação e Documentação Populares sentante do PDS (do governo militar) fala sobre a
CTI - Centro Trabalho Indigenista posição do partido, que tende a apoiar a emenda.
Depoimentos de Pedro Gondim (ex-governador
DAC - Departamento de Artes
da Paraíba), Nandy Lisboa (artista plástico), Paulo
e Comunicações da UFPB
Coelho (professor universitário), Vandinho Carva-
NUDOC - Núcleo de Documentação lho – participante do movimento de bairro Fala
Cinematográfica da UFPB Jaguabirbe – e do jornalista Carlos Aranha.
NUPPO - Núcleo de Pesquisa e
Documentação de Cultura Popular Dir: Macus Antonio (Vilar); P: NUDOC; AP: 1984; D:
19’; Super-8; Cor; Sonoro.
PRAC – Pró-Reitoria de Extensão
e Assuntos Comunitários
Créditos detalhados no filme: Câmera e Monta-
UFPB – Universidade Federal da Paraíba gem: João de Lima; Texto: João de Lima “O porquê,
VARAN - Centre de Formacion Atelier Varan ainda”, Som direto: Ari Kubistcheck, Francisco
Magalhães; Iluminação: Dinarte Varela, Carlos
Machado, Mourão; Créditos: Henrique Magalhães;
As fichas técnicas foram elaboradas a partir Fotografia adicional: João de Lima; Músicas: “Me-
de informações contidas nas caixas dos filmes ou nestrel das Alagoas” - Milton Nascimento e Fer-
nos créditos apresentados nos filmes. Os poucos nando Brant e “Caminhando” - Geraldo Vandré;
títulos que trazem créditos detalhados têm estas Apoio: DAC; ADUF-PB, FUNAPE, FUNARTE, ANAR-
informações reproduzidas nas fichas. TEA, API; Agradecimentos: Jornais “O Norte” e “A
Os filmes que não são documentários estão União” e Rádio Universitária FM.
assinalados como ficção ou experimental.

156
FILMOGRAF
Abrindo Brecha
Em Guarabira (PB), a adolescente Bia escreve
Africanos
João Pessoa, Carnaval de 1981. João Batista do
peça teatral sobre família, questões de gênero e Nascimento fala sobre o Bloco Africanos. A pre-
machismo. O grupo faz entrevistas na rua, per- paração do bloco. Desfile na Avenida Beira Rio.
guntando sobre a visão do que seja a família.
Cenas dos ensaios da peça “Filhos de Papel”. O Dir: Alex Santos; P: UFPB/NUPPO/FUNARTE/FU-
bispo de Guarabira, D. Marcelo Carvalheira, fala NAPE; AP: 1981; D: 22’; Super-8; Cor; Sonoro.
sobre o papel da família na sociedade brasileira.
Bia desiste da peça por causa da repressão pater-
na. No teatro, a diretora anuncia que a peça não
será concluída por conta da proibição do pai de
uma das atrizes.
Amor e Morte
Depoimentos de Selma Tuareg, Kubistcheck Pi-
Dir.: José Barbosa da Silva; P: Não identificada; AP:
nheiro, Tadeu Franca, Edilson Dias e Henrique
198?, D: 24’; Super-8; Cor; Sonoro. Docudrama.
Magalhães sobre amor e morte. Diálogos bizarros
entre Tuareg e Kubistcheck.
Créditos detalhados no filme: Elenco: Fátima
Melo, Silvana Rodrigues, Aldemir Leal, Orland-
Dir: Torquato Joel; P: NUDOC; AP: 1985; D: 17’;
il Lima e populares; Desenhos: José Barbosa e
Super-8; Cor; Sonoro.
Paulo Matias.

Acalanto Bestiale Ancião versus Sociedade


Mulher lê testamentos para filhas. Imagens da No Lar da Providência, em João Pessoa, velhi-
sua casa. nhos, funcionários, médica e freira falam sobre a
condição do idoso em um abrigo. Surgem temas
Dir.: Lauro Nascimento; P: Lauro Nascimento; AP: como abandono familiar, solidão, doença. O filme
1981; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro. teve a colaboração da socióloga Joselita Rodrigues
Vieira.

Dir: Rejane Maria Martins; P: NUDOC; AP: 198?; D:


17’; Super-8; Cor; Sonoro (problemas de áudio
em quase todo o filme).
157
Anistia Baltazar da Lomba
Prisioneiro político, Emilson foi solto após a anis- Reconstituição do primeiro caso de repressão à
tia em 1979. Ele torna-se produtor avícola, mas o homossexualidade na Paraíba, durante o Brasil
negócio não prospera. Depois administra depósito colonial (1595), conduzido pela Igreja Católica.
de material de construção. O filme o documen- O filme é ousado ao explicitar a proposta de atu-
ta nestas atividades. Em reunião com anistiados alizar o debate sobre a repressão à homossexua-
e em depoimentos gravados em som direto, fala lidade, especialmente na longa cena de sexo e ao
de suas lutas políticas. Enquanto relata como foi revelar os bastidores das filmagens realizadas pelo
preso e torturado em 1973, mostra filhote de jaca- coletivo Nós Também.
ré em seu quintal. Cenas de uma reunião do PT.
Manifestação de rua e evento na Assembleia Le- No final, cenas de carnaval em Pernambuco cele-
gislativa da Paraíba. bram simbolicamente a liberdade do personagem.

Dir: Edilson Dias; P: NUDOC; AP: 1981; D: 18’; Su- Dir.: Nós Também; P: Nós Também; AP: 1982; D: 18’;
per-8; Cor; Sonoro. Super-8; Cor; Sonoro. Atores: João Valença, Ga-
briel, Augusto, Carlos, Lauro, Arimatéia, Marcelo
Fidelis, Tutu, Fernando Peixe e Marcelo.

Baía da Traição
Índios potiguara dançam o toré ao som de mú-
sica sem fonte sonora visível. O grupo caminha
pela mata com bandeira branca. Potiguara lê te-
legrama sobre demarcação. Outro fala de Odilon
Costa: “morreu, já se livramos desse” e da Com-
panhia de Tecidos Rio Tinto.

Dir.: Tiuré Índio Potiguara; P: CTI; AP: 198?; D: 10’;


Super-8; Cor; Sonoro. Edição: Edson e Vincent
(Carelli?)

158
Banhistas de Tambaú Bonecos de Florismar
(registro) (registro)
Imagens da praia de Tambaú, em João Pessoa. Exposição didática da produção e manipulação
Banhistas e vendedores ambulantes. Dois destes de bonecos de luva feitos de papel machê, pelo
são entrevistados. professor Florismar do Departamento de Artes e
Comunicação da UFPB.
Dir.: Não identificada; P: Não identificada; AP:
198?; D: 06’; Super-8; Cor; Sonoro. Dir: Cristina Moraes (orientação Prof. João de
Lima); P: DAC/UFPB; AP: 1984; D: 05’; Super-8;
Cor; Sonoro.

O Batom
Uma bela mulher, um homem misterioso, um
batom. Um experimento com duas soluções..

Dir: Fernando Trevas e Gliberto Martins; P: DAC/


NUDOC; AP: 1987; D: 05’; Super-8; Cor; Mudo. Ex-
perimental.

Bernadete
Mulheres de bairro periférico de João Pessoa fa-
lam das suas duras condições de vida: abando-
nadas pelos maridos, com filhos e até mães para
cuidar. Um retrato singelo da condição feminina
de trabalhadoras domésticas de uma capital nor-
destina.

Dir: Graça Lira; P: NUDOC; AP: 1983; D: 10 ’; Su-


per-8; Cor; Sonoro.
159
Caça a Baleia Caiana dos Crioulos
No alto mar o navio japonês Katsumaru “caça” Na comunidade quilombola de Caiana dos Criou-
baleias. Imagens mostram detalhe da captura, los, em Alagoa Grande (PB), mulheres falam de
com muito sangue na água. O narrador informa o suas vidas. Na escola, crianças brincam. Comuni-
número de tripulantes, 26, entre japoneses e bra- dade realiza apresentação musical (coco de roda).
sileiros, e ressalta que o comando é dos japone-
ses. A trilha musical acentua a dramaticidade da Dir.: Ana Lúcia Arcela; P:NUDOC; AP: 1981; D: 15’;
captura da baleia. Na praia de Costinha funciona Super-8; Cor; Sonoro.
a Copesbra, companhia que explora a caça da
baleia. O narrador dá os detalhes do empreendi-
mento comandado pelos japoneses, e que é a base
da economia de Lucena, um município pobre do
litoral da Paraíba. A música tema enfatiza o lucro
obtido pelos japoneses com a baleia, e a situação
de pobreza dos trabalhadores, além de alertar
para a possibilidade de extinção do mamífero. Caldo de Cana (balé)
O narrador aponta alternativas ao fim da caça à
baleia, como outras formas de pesca, reativação Bastidores da preparação do espetáculo da dança
do porto de Cabedelo e exploração do coco, fruto “Caldo de Cana” no teatro Paulo Pontes do Espa-
abundante na região. ço Cultural em João Pessoa. Imagens dos ensaios
e entrevistas com a coreógrafa Rosa Cagliani, o
Dir: Moacyr Madruga; P: Gamela Filmes; AP: 1978/9; diretor Fernando Teixeira, W. J. Solha, autor do
D: 19’; Super-8; Cor; Sonoro. espetáculo, e os músicos Carlos Anísio e Odair
Salgueiro.
Créditos detalhados no filme: Fotografia: Moacyr
Madruga e Augusto Sevá; Direção musical: Ana Dir.: Não identificada; P: Não identificada; AP:
Glória Madruga; Música tema: Paulo Ró. 1985; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro.

160
Campanha política de Carnaval em Camalaú
Antônio Mariz (registro) Carnaval de rua no bairro de Camalaú, em Cabe-
delo (PB). Apresentação de blocos e “tribos indí-
Em João Pessoa, uma grande passeata em apoio genas” e cerimônia de premiação. Entrevista com
à candidatura de Antônio Mariz (PMDB) a go- moradores do bairro.
vernador do estado inicia-se pelas ruas do bairro
popular de Cruz das Armas durante a noite, passa Dir.: Não identificada; P: Não identificada; AP:
pela Assembleia Legislativa, Lagoa e percorre a 1983; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro.
Epitácio Pessoa, principal avenida da cidade. O
evento termina com o raiar do dia, na praia de
Tambaú.

Dir.: Não identificada; P: Não identificada; AP:


Castelo Branco
1982; D: 13’; Super-8; Cor; Sonoro.
Registro dos problemas do bairro do Castelo
Branco, ao lado do campus da UFPB, em João
Pessoa: ruas sem pavimentação, coleta de lixo irre-
gular, ausência de áreas de lazer. Depoimentos de
Cara x Coroa moradores, entre eles o jornalista Walter Santos.

Registro irregular (sem edição e com problemas Dir.: Joás Antônio; P: NUDOC; AP: 1982; D: 16’;
de captação de som) da campanha eleitoral de Super-8; Cor; Sonoro.
1982 (Antônio Mariz X Wilson Braga). Imagens
de bairros pobres e depoimentos de moradores
sobre a política local. Comício de Mariz à noite e
na praia, Mariz discursa em cima de caminhão de
som. Homem da cobra no centro vendendo ervas.
O dia da eleição, local de votação. Apuração no
clube Astrea.

Dir: Abelardo G. Oliveira, Roberto E. Oliveira e


Rosilde P. Oliveira; P: Não identificada; AP: 1982;
D: 15’; Super-8; Cor; Sonoro (algumas partes
sem som).

161
Cavalo marinho Celso após milagre
do Mestre Gasosa Em Paris, o economista paraibano Celso Furtado

(registro) fala da sua atuação na Sudene, instituição idea-


lizada por ele, e de seus planos para participar
da vida política do Brasil. Vai a “sebo” de livros,
Apresentação do cavalo marinho, manifestação ao Instituto onde dá aulas, compra produtos em
tradicional da Paraíba. Incentivador das mani- feira de rua e caminha pelos parques da cidade.
festações tradicionais da região, Tenente Lucena Comenta sobre o futebol e numa longa sequên-
apresenta o Mestre, mas o depoimento deste é cia, brasileiros assistem ao jogo Brasil x Rússia na
inaudível. Copa de 1982. Ao embarcar para o Brasil, revela
esperança com os novos rumos do país após a elei-
Dir.: Não identificada; P: Não identificada; AP: ção a ser realizada em novembro.
198?; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro.
Dir: Vânia Perazzo; P: Association Varan; AP: 1982;
D: 18’; Super-8; Cor; Sonoro.

As Cegas
Em bairro pobre de Campina Grande, três irmãs
cegas cantam e contam as dificuldades de sobre-
vivência. Relatam que pedem esmola desde a in-
fância e que com a morte do pai a vida tornou-se
ainda mais difícil. Graças à ajuda de pessoas que
documentam a vida destas irmãs, elas compraram
uma casa modesta. Levadas pela mãe, elas vão a
uma rua movimentada cantar e pedir esmolas.

Dir.: Maria Antonia; P: NUDOC; AP: 1982; D: 10’; Su-


per-8; Cor; Sonoro.

162
Ciclo do Caranguejo Cidade dos Homens
O ciclo do caranguejo e seus personagens e ce- Com depoimento do ator e diretor Ednaldo do
nários: duro trabalho dos catadores das comuni- Egito, o filme reflete sobre a presença masculina
dades ribeirinhas de Várzea Nova, Porto do Moi- na cidade de João Pessoa.
nho, Forte Velho e Livramento. O filme ressalta o
contraste entre os catadores e os consumidores e Dir.: Jomard Muniz de Britto; P: Jomard Muniz
mostra a atuação dos intermediários e de traba- de Britto; AP: 1982; D: 25’; Super-8; Cor; Sonoro.
lhadores que atuam no processo de extração da Ficção.
carne de caranguejo, base do ensopado, qualifica-
do como um “prato internacional”. Créditos detalhados no filme: de uma ideia rou-
bada de Luís Falcão; dedicado a Manoel José
Dir: Elisa Cabral; P: NUDOC; AP: 1982; D: 14’; Su- de Lima (Caixa D’Água) e demais participantes
per-8; Cor; Sonoro. amadores; Entrevistas com Ednaldo do Egito e
Sérgio Castro Pinto filmadas por Pedro Nunes
Filho; Montagem e sonorização: Lima; Assis-
tente de direção: Francisco Chagas Magalhães;
Letreiros: Anacleto Eloi.

Cidade Verde
Em tom institucional, narrador exalta as virtudes
de João Pessoa, a cidade verde. Imagens do centro,
Praça João Pessoa, Lagoa, Cidade Universitária.
A narração alerta para o crescimento da cidade,
ameaçando as áreas verdes. Os dois depoimentos
são prejudicados pela edição. As imagens, possi-
velmente do início da década de 1980, formam
um importante registro da diminuição das áreas
verdes da cidade.

Dir.: Não identificada; P: Não identificada; AP:


1982; D: 15’; Super-8; Cor; Sonoro.

163
Closes Construção do
Casal homossexual protagoniza cenas de amor. Espaço Cultural
Depoimentos de Lauro Nascimentos, Eleonora
Menicucci, Henrique Magalhães e de populares Contraponto entre a construção do grandioso
sobre homossexualidade. As entrevistas foram Espaço Cultural, no bairro de Tambauzinho, e o
feitas no centro de João Pessoa e no campus da abandono do Teatro Santa Roza, situado no cen-
UFPB. tro de João Pessoa. A trilha sonora é um relato
crítico da situação, feito pelo próprio realizador,
Dir.: Pedro Nunes; P: Pedro Nunes; AP: 1982; D: em um tom quase epistolar. O filme aborda ques-
32’; Super-8; Cor; Sonoro. tões relativas à política cultural e de ocupação dos
espaços públicos na Paraíba.

Dir: Elpídio Navarro; P: Elpídio Navarro; AP: 1980-


1; D: 07’; Super-8; Cor; Sonoro.
Comunicação e
Comunidade
Jornalistas, professores e alunos falam sobre o cur-
so de Comunicação Social da UFPB. Depoimen-
tos dos jornalistas Carlos Aranha e Walter Galvão,
dos professores Albino Rubin, Pedro Santos e Re-
gina Saraiva e dos alunos Glória Rabay e Newton
Jr. Trabalho da disciplina Técnicas de Cinema, do
professor Manoel Clemente.

Dir.: Coletiva; P: DAC/UFPB; AP: 1981; D: 19’; Su-


per-8; Cor; Sonoro.

164
O Coqueiro Do Oprimido ao
Narrador conta a história do coqueiro e de como Encarcerado
a árvore se espalhou pelo Brasil. Imagens de tra-
balhadores tirando o coco, descascando o fruto e O trabalho da professora Maria Salete Van Der
manipulando a palha. Caminhões são carregados Poel com detentos do presídio do Roger, em João
de coco seco. Empresário fala dos números da Pessoa.
produção do coco no município de Lucena, no
litoral norte da Paraíba. Dir: Marcus Antonio (Vilar); P: NUDOC; AP: 1982;
D: 13’; Super-8; Cor; Sonoro (com problemas).
Dir.: Alex Santos; P: Solama Filmes; AP: 1977; D:
13’; Super-8; Cor; Sonoro.

Créditos detalhados no filme: Prêmio “18 anos


de Sudene” no Primeiro Festival de Super-8 do
Recife, 1977; Narração e apresentação: José
Cornélio; Fotografia, Câmera e Montagem: Alex
Santos; Apoio: ACCP, Cinema Educativo da Paraí-
ba e Antonio Barreto Neto.

Dança em João Pessoa


José Enoch fala do trabalho e das aulas do seu es-
túdio e do preconceito em relação aos bailarinos
do sexo masculino. O mesmo tema é explorado
por Zeta Farias, responsável pelo setor de dança
do Teatro Santa Roza, em João Pessoa.

Dir.: Não identificada; P: Não identificada; AP:


198?; D: 12’; Super-8; Cor; Sonoro.

165
É Romão pra qui Em Qualquer Cidade
É Romão pra colá A partir de imagens de anônimos transitando no
centro de João Pessoa, realizador lê texto sobre as
Romão, tocador de um instrumento musical rústi- desventuras de trabalhadores explorados na cidade.
co, é procurado pela realizadora. Ela o encontra,
ele toca o instrumento. Na feira, reúne pessoas em Dir.: José Barbosa; P: NUDOC; AP: 198?; D: 06’; Su-
torno de sua performance. No parque de diver- per-8; Cor; Sonoro. Experimental.
sões, acompanhado pela realizadora, embarca na
roda gigante. Depois, anda de aviãozinho.

Dir: Vânia Perazzo Barbosa; P: NUDOC/VARAN; AP:


1981; D: 13’; Super-8; Cor; Sonoro.

166
Era vermelho seu batom Esperando João
Relação homoafetiva no Carnaval de Baía da Seis personagens, três homens e três mulheres
Traição, no Litoral Norte da Paraíba. Desfile do incorporam Anayde Beiriz, namorada de João
bloco “Virgens das Trincheiras”. Dantas, assassino de João Pessoa. Os personagens
refletem sobre a condição da mulher na conserva-
Dir: Henrique Magalhães; P: Henrique Magalhães; dora e machista sociedade paraibana. Livremente
AP: 1983; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro. Ficção. inspirado no livro Anayde Beiriz, de José Joffily.

Créditos detalhados no filme: Fotografia: Tor- Dir.: Jomard Muniz de Britto; P: Jomard Muniz
quato Lima; Montagem: Newton Junior e Hen- de Britto; AP: 1981; D: 28’; Super-8; Cor; Sonoro.
rique Magalhães; Som: Everaldo Vasconcelos; Ficção.
Fotos de cena: Bertrand Lira.
Créditos detalhados no filme: Glória Rabay,
Juanito, Annelsina Trigueiro de Lima Gomes
(Neta), Paulo Vieira, Ana Lúcia Toledo, Francisco
Marto (Perequeté); Participação especial: Lauro
Vasconcelos Nascimento; Textos: Anayde Bei-
riz, José Joffily, Jurandy Moura, Eulajose Dias
de Araújo, João Ramiro Farias de Mello, Jomar
Morais Souto, Maria José Limeira, Terezinha Fi-
alho; Narração: Conceição Accioly; Montagem
e sonorização: Lima; Assistente de montagem:
Heliane Barros; Letreiros: Astrogilda Paes de
Andrade; Assistentes de produção: Pedro Nunes
e Luiz Carlos Vasconcelos.

167
Favela da Gauchinha Festa de Oxum
Registro das obras feitas pelo governo do estado Preparação da comida para Oxum e outros orixás.
da Paraíba na Favela da Gauchinha, comunidade O ritual é acompanhado em detalhes: música, tran-
periférica de João Pessoa. Este trabalho é exaltado se. Filmado no terreiro Oxum Neli, fundado em 24
pelo presidente da Associação de Moradores do de dezembro de 1981.
local. Uma moradora, ressaltando o interesse po-
lítico eleitoral do governo, reconhece a atuação da Dir: Everaldo Vasconcelos; P: NUDOC; AP: 1982; D:
primeira dama Lúcia Braga e afirma que a favela 12’; Super-8; Cor; Sonoro.
tornou-se um bairro, dizendo “temos praça, quem
quiser ir para a praça não tem flores não, mas a
praça taí”.

Dir e P: Aliene, Baltazar, Celiane Germano, J.


Ancheita, Lindalva e R. Nonato; AP: 1983-6; D:
08’; Super-8; Cor; Sonoro.1981; D: 13’; Super-8;
Cor; Sonoro.

168
Festa do Rosário Gadanho
de Pombal A condição de exclusão social das centenas de
pessoas que vivem do lixo do Varadouro Munici-
Aspectos do evento religioso e profano que acon- pal de João Pessoa. Discurso de Figueiredo sobre
tece na cidade paraibana de Pombal, reunindo imagens de crianças disputando lixo com urubus.
uma grande multidão. Música de Villa-Lobos e Piazzola contrastando
com a rotina do lixão. Depoimento de morador
Dir.: Jurandy Moura; P: UFPB/Museu da Imagem que volta ao local depois de 12 anos no Rio, indig-
e do Som/Fundação Nacional de Arte; AP: 1977; nado com a exigência de carteirinha para quem
D: 22’; 16 mm; P&B; Sonoro. for catar o lixo. Fala da socióloga tenta explicar a
situação dos lixões a partir da luta dos trabalhado-
Créditos detalhados no filme: Montagem: Mach- res por melhores salários, achatados “em mais de
ado Bitencourt; Som: Aluísio Ferreira 70%” desde 1964.

Dir: João de Lima e Pedro Nunes; P: Dos real-


izadores; AP: 1979; D: 20’; Super-8; Cor; Sonoro
Filhos do Mundo (problemas de áudio em quase todo o filme).

(registro)
Imagens de crianças perambulando pelo centro
de João Pessoa. Flagrantes de trabalho infantil.
Depoimentos de Mário de Moura Resende, juiz
de menores, e do delegado de menores Martinho
Lisboa. Trabalho da disciplina Técnicas de Cine-
ma, do professor Manoel Clemente.

Dir.: Coletiva; P: DAC/UFPB; AP: 1981; D: 16’; Su-


per-8; Cor; Sonoro.

169
Greve de Fome Grupo Terra
Registro da greve de fome dos estudantes da Em São José do Rio Preto (SP), integrantes do Gru-
UFPB contra o fim dos subsídios ao restaurante po Terra participam de festival de teatro. Na cidade
universitário. Um dos estudantes em greve é o paulista Marcélia Cartaxo, Soia Lira, Lincoln Ro-
músico Chico César. Manifestação em frente à lim e Nanego Lira falam sobre o trabalho do Terra.
Fundação José Américo, responsável pela manu-
tenção do restaurante. Dir.: Não identificada; P: Não identificada; AP:
1982; D: 14’; Super-8; Cor; Sonoro.
Dir.: João de Lima e Marcus Vilar; P: NUDOC; AP:
1984; D: 03’; Super-8; Cor; Mudo.

Greve na UFPB O Incrível roubo


Narrador explica que os alunos do curso de Cine- da torre Eiffel
ma Direto do NUDOC, em solidariedade ao mo-
vimento de professores e funcionários da UFPB, Henrique Magalhães, Torquato Joel e outros si-
colocaram equipamentos e técnicos à disposição mulam o roubo da Torre Eiffel, símbolo da cultu-
da greve que paralisou a Universidade. Registro ra francesa. Curta experimental filmado em Paris
de assembleias no auditório do Centro de Tec- pelos estagiários do Atelier de Cinema Direto da
nologia. Depoimentos do professor Pedro Secat- Associação Varan.
to e do funcionário Sérgio Botelho, do estudante
Avenzoar Arruda e de outros professores. No cen- Dir: Everaldo Vasconcelos; P: Atelier Varan; AP:
tro de João Pessoa, pessoas falam sobre a greve 1981; D: 05’; Super-8; Cor; Sonoro.
da UFPB.

Dir.: Coletiva; P: NUDOC; AP: 1982; D: 35’; Su-


per-8; Cor; Sonoro.

170
Itacoatiara João Pessoa
As inscrições rupestres localizadas no município Turística (registro)
do Ingá, na Paraíba, são discutidas pela arqueólo-
ga Ruth Almeida, pelo artista plástico Raul Cór- Imagens de João Pessoa: a rodoviária, Praça João
dula, por um especialista local, João Zito, e pelo Pessoa, Lagoa do Parque Solon de Lucena, ruas de
enigmático Sr. K (Kubistchek Pinheiro). comércio, praias, Hotel Tambaú, Ponta do Cabo
Branco. O final é no aeroporto Castro Pinto.
Dir.: Torquato Lima; P: UFPB/PRAC/NUDOC; AP:
1987; D: 15’; 16 mm; P&B, Sonoro. Dir.: Gilberto Pekala; P: NUDOC; AP: 198?; D: 06’;
Super-8; Cor; Sonoro.
Créditos detalhados no filme: Fotografia: Mano-
el Clemente; Montagem: Manfredo Caldas

La Crise Est Mondiale


Cartão postal sonoro de Pedro Santos. O realiza-
dor narra suas impressões de Paris. Ressalta ser
uma cidade de imigrantes, vítimas da crise eu-
ropeia e chama atenção à vida privilegiada dos
cachorros parisienses. Pedro Santos se diz muito
satisfeito com a metodologia do estágio no Atelier
Varan, enfatizando o desapego da instituição. Em
francês, Jean Rouch (sentado no chão) debate com
alunos técnicas de filmagem.

Dir.: Pedro Santos; P: Varan; AP: 1980; D: 05’; Su-


per-8; Cor; Sonoro.

171
Manipueira Margarida Sempre Viva...
Homens arrancam mandioca da terra. Na pren- Crédito inicial: “este filme é dedicado às mulheres do
sa, extrai-se a manipueira, líquido venenoso, mas campo”. A morte de Margarida Maria Alves. Enterro
que após depurado serve de alimento, e a goma, dela em 12/08/83. Casimiro Alves, viúvo de Marga-
vendida nas feiras e usada para o preparo de beiju rida fala ao telefone. O deputado Assis Camelo fala ao
e da tapioca. telefone ao lado do viúvo. Em seu gabinete, Fernando
Milanez, secretário de segurança pública, fala das pro-
Dir: Maria Aparecida; P: NUDOC; AP: 1982; D: 12’; vidências da polícia, sendo observado por Casimiro.
Super-8; Cor; Sonoro. Ato público em Alagoa Grande em 16/08/83 em
repúdio ao assassinato de Margarida, com cinco mil
pessoas presentes. Discursos do deputado Airton Soa-
res (PT-SP) e de lideranças sindicais. Em 28/08/2013
tem início a campanha salarial dos trabalhadores
rurais de Alagoa Grande, com grande manifestação
embaixo de chuva.
Criança, testemunha do crime, conta como foi o as-
sassinato, que é reconstituído. Narradora fala de Ag-
naldo Veloso Borges, do Grupo da Várzea e de seu
peso político. Um dos acusados do crime presta de-
poimento ao delegado Rosas.
Imagens de Margarida durante comício, em que pede
a reforma agrária, e em reportagem de TV: “só paro
de falar quando estiver morta”.
Depoimentos de Eleonora Oliveira (Mennecucci), do
delegado Gilberto Rosas, encarregado das investiga-
ções, de Maria da Penha, do presidente do sindica-
to dos trabalhadores rurais de Alagoa Grande e da
presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de
Cuitegi.

Dir.: Cláudio Barroso; P: CENTRU – Centro de Ed-


ucação e Cultura do Trabalhador Rural – e PL
Produções Visuais; AP: 1983; D: 41’; Super-8; Cor;
Sonoro.

172
Maria Matadouro
Maria e o policial. Registro de uma vaquejada em local não identifi-
cado. Aspectos da festa. A derrubada dos animais
Dir: Henrique Magalhães; P: Varan; AP: 1981; D: no curral. Em outro cenário, homens tiram couro
01’; Super-8; Cor; Sonoro. Animação. e retalham um bode.

Dir: Luis Veríssimo; P: NUDOC; AP: 198?; D: 14’;


Super-8; Cor; Sonoro.

O Menor
Crianças de um bairro periférico dizem o que
querem ser quando crescerem. Representante do
poder público discorre sobre o problema social
dos menores que vivem nas ruas de João Pessoa,
muitos dos quais são infratores.

Dir: João Gauvíncio; P: NUDOC; AP: 1983; D: 10’;


Super-8; Cor; Sonoro.

Mercado do Peixe
de Tambaú (registro)
No mercado da praia de Tambaú, em João Pes-
soa, pescadores e vendedores limpam peixes e fa-
lam da rotina da profissão. Registro de atividade
da colônia de pescadores de Tambaú, patrimônio
cultural do bairro praiano.

Dir.: Não identificada; P: NUDOC; AP: 198?; D: 05’;


Super-8; Cor; Sonoro.

173
O Mestre de Obras Miserere Nobis
Retrata o cotidiano do trabalho de mestres de Um filme de temática homoerótica, primoroso na
obras. Pedreiro em conversa com familiares diz construção simbólica da narrativa, cuja fotogra-
que está construindo casa para a filha e que pre- fia, montagem e trilha sonora se destacam entre
cisa da ajuda de todos os membros da família. Ele os filmes catalogados neste acervo. A Santa Ceia
afirma para a família: “a casa é um patrimônio de ganha nova dimensão com a presença dos perso-
vocês”. Trilha musical de Chico César. nagens apresentados ao longo do filme.

Dir.: Newton Araújo Jr.; P: NUDOC; AP: 1981; D: Dir: Lauro Nascimento; P: Lauro Nascimento; AP:
16’; Super-8; Cor; Sonoro (com problemas). 1982; D: 23’; Super-8; Cor; Sonoro. Ficção.

174
Misticismo – Folguedos Música sem
e Tradições Preconceitos
Procissão marítima de São Pedro sai de uma praia Em estilo docudrama, jovem encontra amigo na
de Cabedelo, passa pelo estuário do rio Paraíba praia e marca encontro em casa para ouvir e to-
e termina na praia fluvial de Jacaré. A narração car rock. No centro da cidade, pessoas falam sobre
em off acentua um tom “institucional” que enal- música. Os jovens tocam música (captada parcial-
tece as manifestações populares dos pescadores – mente). Depoimento de Bráulio Tavares durante
como as Cambindas de Lucena e Coco Praieiro apresentação musical. O realizador dá o seu de-
– definido-as como manifestações folclóricas, reli- poimento. Na praia, garota viaja ao som do Pink
giosas e profanas. Floyd.

Dir.: Alex Santos; P; Solama Filmes/NUPPO; AP: Dir: Alberto Júnior; P: NUDOC; AP: 1983; D: 26’;
1980-1; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro. Super-8; Cor; Sonoro.

Créditos detalhados no filme: Câmera: Alberto


Júnior, Pedro Nunes, Fernando Melo; Som di-
Mônica Passos reto: Fernando Melo, Fernando Falcone; Músi-
ca: Queen, O Terço, Washington, David Gilmour,
Pink Floyd; Participação: Washington, Otávio,
A cantora brasileira Mônica Passos no palco em
Newton, Alberto Júnior, Juliana Vilar, Roberto
Paris. Em seu pequeno apartamento prepara re-
Chianca; “Dedico este filme a todas as pessoas
feição. No estúdio grava a música “Itaipu”. Fala
que curtem a música, e em especial aos roque-
de sua revolta contra a usina, que agride a natu-
iros do Brasil”. Alberto Júnior.
reza. Em um parque, canta “Itaipu”. Sua voz po-
derosa reproduz sons de pássaros. Joga pedras na
água, criando analogia visual com ondas sonoras.
Com o marido violonista caminha, de modo brin-
calhão, distanciando-se da câmera.

Dir.: Elisa Cabral; P: VARAN; AP: 1981-2; D: 23’;


Super-8; Cor; Sonoro.

175
Não se Preocupe, Mamãe Nós, os Agricultores
Estudante deixa a sala de aula do Departamento de Camuçim
de Artes e Comunicações da UFPB e vai para a
“república” em que mora. Lê carta da irmã. No Na zona rural do município de Pitimbu (PB),
restaurante universitário, sobe na mesa, anuncia o famílias lutam pela posse da terra em confronto
seu aniversário e propõe brinde. Canção de Chico com a destilaria Tabu. Os agricultores fazem vi-
César, um dos realizadores. gília em frente ao Palácio da Redenção, sede do
governo da Paraíba. Depoimentos de trabalha-
Dir.: Coletiva; P: Não identificada; AP: 1982; dores ameaçados e espancados por capangas da
D: 04’; Super-8; Cor; Sonoro (mudo no final). destilaria. Narrador comenta as ações do gover-
Ficção. nador e a atuação da imprensa no caso. Crianças
relatam a ação violenta da polícia. Narrador lista
as exigências dos agricultores. O filme vai além
de um registro ou reportagem, transformando-se,
através do narrador, que se assume como um dos
agricultores, e da montagem, como sujeito ativo
da luta pela posse da terra. Nesse sentido é emble-
mática a estrutura do filme ser centrada em uma
marcha, composta em sua maioria por crianças,
que ao som marcante de tambores, percorrem a
fazenda Camuçim.

Dir.: Não identificada; P: CEDOP; AP: 1981-2; D:


26’; Super-8; Cor; Sonoro.

176
Padre Zé Estende a Mão Pássaros na Cabeça
O cotidiano do Padre José Coutinho, responsável José Altino faz gravura em seu ateliê. Exposição
por abrigo e hospital que atende pessoas carentes no Núcleo de Arte Contemporânea da UFPB -
de João Pessoa. NAC. Depoimento de um crítico e de uma amiga
e do próprio artista. Voz feminina lê carta ao ami-
Dir.: Jurandy Moura; P: Jurandy Moura; AP: 1972; go: discorre sobre arte, cultura, fome e dinheiro.
D: 26’; 16 mm; P&B; Sonoro.
Dir: Manfredo Caldas e Marcus Antonio Vilar; P:
Créditos detalhados no filme: Fotografia: João NUDOC; AP: 1985; D: 12’; Super-8; Cor; Sonoro.
Córdula; Montagem: Manfredo Caldas; Títulos: J.
Altino; P: ACCP

Palco em Pauta Pastoris


A história do teatro em Cajazeiras. Eliezer Filho Apresentação pastoril (cordão azul x cordão en-
conversa com professor que fez teatro no passa- carnado). Alguns intelectuais assistem ao evento.
do. Ubiratan de Assis fala de grupos de teatro da
cidade. O jornalista Gutemberg Cardoso também Equipe: Oswaldo Trigueiro, Alex Santos, Ubira-
fala do tema. O ator Lincoln Rolim conta a passa- mar Vasconcelos, Roberto Coura; P: UFPB/PRAC/
gem do Grupo Mickey para o Grupo Terra, que COEX- Divisão de FolkComunicação; AP: 198?; D:
teve espetáculo censurado em Campina Grande. 07’; Super-8; Cor; Mudo.
Marcélia Caaxo em cena. Buda Lira é entrevis-
ta por Ubiratan em programa de rádio. Créditos
sonoros.

Dir: Everaldo Vasconcelos e Maria das Graças


Lira; P: ?; AP: 1982; D: 11’; Super-8; Cor; Sonoro.

177
Pedro Osmar Piollin (registro)
O músico e agitador cultural Pedro Osmar em O palhaço Xuxu (Luis Carlos Vasconcelos) na
casa com a família. Acorda, toma café e sai. Lon- rua. Depoimento do ator Luis Carlos V. A Piollin
go poema sobre a liberdade é lido em off. De ca- por dentro: sala, cinema, cartazes e teatro de ma-
rona vai ao Teatro Santa Roza, em João Pessoa, mulengo. Na parte externa do teatro, Ednaldo do
onde fará show com Jarbas Mariz. Fala do mo- Egito apresenta cenas de circo para o público. Na
vimento cultural Jaguaribe Carne. Depoimentos parte interna, aulas de teatro e dança e cenas dos
de Jarbas Mariz, Chico César, Elba Ramalho e dormitórios.
da mulher de Pedro Osmar. Imagens do show no
Santa Roza. Entre uma canção e outra, Osmar Dir: Elpídio Navarro; P: Sol Filmes; AP: 198?; D:
convoca plateia para participar de ato contra o 30’; Super-8; Cor; Mudo.
aumento das passagens de ônibus.

Dir.: Otávio Maia; P: NUDOC; AP: 1982; D: 28’; Su-


per-8; Cor; Sonoro. Primeiro de Maio
Trem vai em direção a Bayeux (PB). Cenas de

Perequeté bairro com casas de taipa e ruas alagadas. Essas


imagens são intercaladas com a encenação do
Calvário pela comunidade durante a Semana
A vida do ator e dançarino Francisco Marto, o Santa, denotando a intenção do filme de associar
Perequeté, que, com muita garra, tenta superar o o sofrimento da população ao martírio de Cristo.
preconceito contra o artista e a homossexualidade Na principal avenida da cidade de Bayeux comu-
na província. Cenas das filmagens de Esperando nidades participam de manifestação do Primeiro
João, em que Perequeté atua. de Maio, empunhando cartazes com demandas e
reclamações. Aspectos de uma comunidade ribei-
Dir.: Bertrand Lira; P: NUDOC; AP: 1981; D: 21’; rinha, com destaque para o trabalho em torno da
Super-8; Cor; Sonoro. pesca de caranguejo e as atividades de um arma-
zém comunitário. Presença de mulheres religiosas.
Uma missa celebrada ao ar livre reúne muitas pes-
soas, inclusive crianças.

Dir.: Não identificada; P: CEDOP; AP: 1982/3; D:


37’; Super-8; Cor; Sonoro.

178
Quando um bairro Registro
não se cala “Este trabalho é dedicado aos companheiros ‘fu-
ra-greves’ e aos que se omitiram da luta, enten-
Registro das atividades do Fala Jaguaribe, movi- dendo que o conjunto de reivindicações contra o
mento de moradores de Jaguaribe, bairro de João ensino pago, por melhores condições de ensino,
Pessoa. Depoimentos de Pedro Osmar e Van- por uma universidade democrática e contra o pro-
dinho – integrantes do movimento –, do artista jeto de autarquias especiais imposto pelo MEC,
plástico Nandy Lisboa e do jornalista Sílvio Osias, é uma luta ampla que compromete todos os es-
moradores de bairro. Osias foi convidado pelo re- tudantes na construção de uma nova sociedade”.
alizador a assistir a uma reunião do Fala Jaguari- Os estudantes da UFPB entram em greve contra
be. Representante do Círculo Operário comenta o aumento de 230% das tarifas do Restaurante
divergências entre o Círculo e o Fala Jaguaribe. Universitário. Lutam ainda pelo ensino público e
Imagens de festa do dia da criança promovida gratuito e contra as taxas impostas pelo MEC. Os
pelo movimento nas ruas do bairro. estudantes vão em passeata ao centro da cidade,
passando pela sede da Fundação José Américo e
Dir.: Marcus Antonio Vilar; P: NUDOC; AP: 1983; D: pelo Cinema Municipal, que exibe Lúcio Flávio e
13’; Super-8; Cor; Sonoro. Nos Embalos de Ipanema. Na Reitoria, reúnem-
se com o reitor e outros representantes da UFPB.
Em entrevista, líder fala do décimo terceiro dia do
movimento. Crédito final: A Luta Continua.

Dir: Pedro Nunes; P: DCE da UFPB; AP: 1979; D:


24’; Super-8; Cor; Sonoro.

Rodoviária
Comerciantes reclamam do valor do aluguel a ser
pago pelas lojas da nova rodoviária de João Pes-
soa. Imagens do novo terminal e da antiga rodo-
viária.

Dir.: Marcus Antonio Vilar; P: NUDOC; AP: 1981/2;


D: 04’; Super-8; Cor; Sonoro.

179
Sagrada Família Sem Título 1
A família do realizador é o tema do filme. O pai, Homem percorre mata e realizadora pergunta
fala hesitante. Varre a casa. No quintal, faz um ba- qual a utilidade das folhas e cipós de algumas ár-
lanço melancólico da sua vida. A mãe, enquanto vores. Na sua casa (de taipa), ele explica as fibras
descasca milho, revela timidez, cansaço, tristeza e e folhas que usou para construí-la. O tema central
vaidade. Os irmãos fogem da câmera. A avó re- gira em torno do trabalho extrativista.
lembra a morte do marido. Um mergulho corajo-
so no universo pessoal. Dir: Vânia Perazzo; P: NUDOC; AP: 1981; D: 10’;
Super-8; Cor; Sonoro.
Dir: Everaldo Vasconcelos; P: NUDOC; AP: 1981;
D: 14’; Super-8; Cor; Sonoro.
Sem título 2
Seca Mulher fala sobre sua condição homossexual. De-
poimentos foram gravados na casa dela, na Casa
Na zona rural de Orós, Ceará, agricultores falam da Pólvora, monumento histórico no centro de
da migração decorrente da seca e de seus planos João Pessoa, e na Bica (zoológico da cidade), ao
para o futuro. Um deles se refere ao fenômeno da lado da jaula dos felinos.
seca, citando a conversa com um compadre “os
astrônomos sabem menos que Deus uma coisinha Dir.: Não identificada; P: NUDOC; AP: 1981; D: 07’;
bem pouquinha”. Outro fala de migração para o Super-8; Cor; Sonoro.
Centro e Sudeste do país: “Não é tanto por vai-
dade. É fome, meu amigo”. Mulher comenta a
importância da televisão na zona rural: “É mui-
to bom para quem mora em sítio, onde não há Sem título 3
diversão”. Cabeleireiro executa seu trabalho em
troca de alimentos e relembra, com um dos seus Índios entram na Assembleia Legislativa da Pa-
clientes, situações vividas em São Paulo. raíba. Grupo de indígenas demarca terras. Em
depoimentos, eles dizem que fazem o trabalho
Dir: Torquato Joel; P: Universidade Federal da por conta própria. No fundo, grandes tanques de
Paraíba, Núcleo de Produção Cinematográfica, armazenamento do que parece ser uma destilaria.
Atelier de Cinema Direto – NUDOC, Association
Varan de Paris; AP: 1982; D: 16’; Super-8; Cor; Dir.: José Humberto Nascimento (Tiuré); P: CTI;
Sonoro. AP: 198?; D: 07’; Super-8; Cor; Sonoro.

180
Sem título 4 Sinal Vermelho
Noilton, líder indígena da Bahia, fala das ações “Um filme feito por ocasião da CF 87 ‘O Menor
dos índios pela posse das suas terras. O deputado e a Fraternidade’”. Garoto pobre é obrigado pelo
Mário Juruna faz discurso político em um povo- pai a se virar para comer. Tenta vender envelo-
ado. Potiguara reclama de demarcação de terra pes nos Correios, mas é expulso. Com colega pe-
prometida pelo presidente Médici. Menciona rambula pelo centro de João Pessoa com fome. É
documento conseguido no Museu Nacional do enxotado de restaurante, e vai cheirar cola com
Índio. outros meninos. Sonha jogar bola, com mesa de
comida e a família ao redor, na praia. É preso
Dir.: José Humberto Nascimento (Tiuré); P: CTI; após roubar homem. Na prisão, imagens fortes de
AP: 198?; D: 22’; Super-8; Cor; Sonoro. menores. No final, texto afirma a necessidade do
povo se organizar para lutar contra a miséria que
obriga crianças a roubar e matar para sobreviver.
Imagens iniciais e finais feitas com lente vermelha.

Dir: Não identificado; P: CEDOP; AP: 1987; D: 30’;


Super-8; Cor; Sonoro. Ficção.

181
Sobre as Rendas Sucata
Elza Oliveira fala sobre (e demonstra) processo A rotina de Geraldo Alexandre dos Santos, pes-
de confecção das rendas: ”muito trabalho, pouco cador do rio Sanhauá, que divide as cidades de
dinheiro”. Mostra fotos das rendeiras de Maceió, Bayeux e João Pessoa. O pescador mora com a
onde morava. família em uma palafita.

Dir.: Elisa Maria Cabral; P: NUDOC; AP: 198?; D: Dir.: Elpídio Navarro; P: Sol Filmes; AP: 1981; D:
06’; Super-8; Cor; Sonoro. 11’; Super-8; Cor; Sonoro. Créditos detalhados
no filme: Fotografia: Romeu Fernandes; Roteiro:
Assis Fernandes; Edição: Elpídio Navarro.

Sonho destrela
Em Cajazeiras, sertão da Paraíba, a cantora Nú-
bia Galvão (nome artístico em homenagem a can-
tora Núbia Lafaerte) fala das dificuldades que en-
frentou quando tentou carreira profissional. Em
1973 foi ao programa do Chacrinha, no Rio de
Janeiro, mas se frustrou por não ter conseguido
sucesso. Percorre sua cidade vendendo perfumes,
dando aulas de violão e ainda canta serestas.

Dir: Eliezer Filho; P: NUDOC; AP: 1982; D: 23’;


Super-8; Cor; Sonoro (problemas de áudio em
quase todo o filme).

182
Tá na rua Tarô
O diretor e ator Amir Haddad conta a trajetória A realizadora tenta entender os mistérios das car-
do grupo teatral Tá na Rua, surgido na década de tas do Tarô. Em restaurante ela e Marcus Vilar
1970, em pleno governo Médici, auge da ditadura conversam, em francês, sobre a realização do fil-
militar. Enquanto se preparam para mais um es- me. Em outra cena, sempre em francês, a realiza-
petáculo, e ao som de clássicos da MPB, Haddad dora se diz insatisfeita com a pesquisa. Imagem
diz que o grupo transformou um texto de louva- do livro Jung and Tarot. Casal punk em Londres.
ção ao autoritarismo, escrito em 1936, “Morrer
pela Pátria”, em crítica ao autoritarismo brasi- Dir.: Elisa Cabral; P: VARAN; AP: 1985; D: 20’; Su-
leiro. “Por baixo do autoritarismo está o cadáver per-8; Cor; Sonoro. Experimental.
do povo”. O Grupo apresenta-se para o povo no
Mercado Central.

Dir: Henrique Magalhães; P: NUDOC; AP: 1981; D:


15’; Super-8; Cor; Sonoro.
Tele Visões
Estimulados a falar sobre o que assistem na tele-
visão, trabalhadores da Usina Santana dão seus
depoimentos sobre o assunto. Uma entrevistada
ressalta a importância de ser filmada e ter se vis-
to na tela. Repete-se várias vezes a abertura da
telenovela Selva de Pedra, da Globo, e algumas
cenas da trama são exibidas. Outras cenas da
Globo: Jornal Nacional, seriado americano Duro
na Queda e abertura do Fantástico. Homem usa
bateria de trator para ligar TV. Nos créditos finais,
a realizadora entra em cena e grava sua imagem
manuseando fotos das entrevistadas. Os créditos
são apresentados “dentro” de uma TV. Um tele-
visor “plantando” no chão liga-se à abertura da
novela.

Dir.: Elisa Cabral; P: Elisa Cabral; AP: 1986; D: 22’;


Super-8; Cor; Sonoro.

183
TPF (registro) Vaquejada
Uma Kombi percorre ruas com carro de som A 21ª Vaquejada de Pombal, cidade paraibana.
exaltando a TFP – Tradição, Família e Proprie- Depoimentos de moradores da região. Cenas da
dade – grupo de extrema direita ligado à Igreja vaquejada. Um longo aboio “comenta” aspectos
Católica. Destaque para a enorme bandeira da do evento. No curral, vaqueiros derrubam os ani-
TFP. Populares observam o carro. Militante en- mais. Trechos mudos mostram pessoas dançando
trega publicação para passageira de ônibus. Outro no terreiro. Senhora conta que as vaquejadas do
conversa com padre. passado eram “elegantes” e “decentes”. Uma du-
pla de repentistas confronta as vaquejadas do pas-
Dir.: Carlos Alberto; P: Não identificada; AP: sado com aspectos das vaquejadas realizadas no
198?; D: 04’; Super-8; Cor; Sonoro. início dos anos 1980.

Dir: Carlos Alberto; P: NUDOC; AP: 198?; D: 20’;


Super-8; Cor; Sonoro (algumas partes sem som).
Umbanda
Sobras do filme Festa de Oxum, do mesmo realizador.
23 Barões
Dir: Everaldo Vasconcelos; P: NUDOC; AP: 1982; Em frente ao bar Sinatra, professor fala da Asso-
D: 12’; Super-8; Cor; Sonoro. ciação dos Docentes da UFPB – Campina Grande.
Imagens do centro da cidade, com destaque para a
livraria Livro 7. Reunião da Associação, com dis-
cussão sobre uso de verba para cultura. Homem lê

Um homem de Rádio texto de Revolução do Cinema Novo, de Glauber


Rocha. Grupo faz cartelas: 23 barões, Cinema Dí-
namo. O título refere-se a uma verba de 23 milhões
Em Paris, Claude, da Radio France, fala do seu tra- de cruzeiros antigos que a Associação dispõe para
balho como correspondente internacional. No es- atividades culturais. “Barão” era o nome popular da
túdio cita Jean Rouch, Jacques Dartuy, Pedro San- cédula de milhão de cruzeiros antigos.
tos, Cinema Direto. Manifestação em Paris contra
atentado antisemita. Dir.: Rômulo Azevedo e Romero Azevedo P: As-
sociação dos Professores da UFPB (Campina
Dir: Pedro Santos; P: NUDOC; AP: 1980; D: 13’; Grande); AP: 1983; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro.
Super-8; Cor; Sonoro. Ficção.

184
24 Horas Visões do Mangue
Cenas ficcionais, imagens de registro e depoimen- Catador do mangue fala do “pai do mangue”, o
tos discutem a questão do alcoolismo. Participa- “batatão”, aquele que “se transforma em todas as
ções do jornalista Anco Márcio e do ator Fernan- posições”: homem, gato, tocha de fogo, mas não
do Teixeira. faz mal a ninguém, só espanta a pescaria. Outro
catador fala de sua opção religiosa e diz preferir
Dir.: Marcus Vilar; P: UFPB/PRAC/NUDOC; AP: “a lei dos crentes que a lei dos católicos”. O filme
1987; D: 17’; 16 mm; P&B, Sonoro. mostra imagens do mangue, evidenciando a dura
batalha de quem sobrevive da cata do caranguejo.
Créditos detalhados no filme: Fotografia: Mano- Um trabalhador afirma, enquanto descansa que
el Clemente; Montagem: Carlos Cox “se mangue não tivesse mosquito, muriçoca, ma-
ruim nem toco era pros ricos, não era pros pobres,
por que logo eles secavam logo um pedaço para
eles, pegava mais da metade”. Filmado em comu-
nidade às margens do rio Sanhuá.

Dir: Elisa Cabral; P: NUDOC; AP: 1982; D: 14’; Su-


per-8; Cor; Sonoro.

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