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“O senhor vai me desculpar, mas eu não vou assinar, porque lutei muito para termos eleição

neste país. Quero que o Fernando Henrique seja derrotado por um candidato nas próximas
eleições. Não quero que saia do poder por outros expedientes. Nem ele nem qualquer outro
presidente da República. Quero campanhas eleitorais, quero eleições”. Sei que é difícil, mas
eu aprendi a valorizar os procedimentos democráticos. A nossa Câmara dos Deputados,
realmente, embora não totalmente, é lamentável. Mas eu quero a Câmara dos Deputados
funcionando. É como o casamento: muito difícil, mas ainda não se inventou nada melhor para
substituí-lo.

Ela não é de graça. Temos que lutar muito para que liberdade e democracia não sejam
reduzidas a questões como probidade de parlamentares e outras do mesmo gênero. Temos
que ter a clareza de que são valores inegociáveis, que devem ser defendidos. É o que já se
viu: os fins não justificam os meios.

Populismo...

ACG A maneira de enfrentar a questão do populismo, para mim, nos anos 1980, foi não
trabalhar com o conceito. Você pode pegar o meu livro, que não tem uma vez escrita essa
palavra. Porque a minha perspectiva era discutir o valor interpretativo do conceito. Havia
formulações sofisticadas, como a de Francisco Weffort, mas ainda assim não me agradavam.
Eu queria acentuar que o discurso político do pós-30 se apropriava do discurso dos
trabalhadores, daí toda uma primeira parte de meu livro A invenção do trabalhismo. No pós-
30 havia um processo de controle dos trabalhadores, sem dúvida, mas havia também um
processo de negociação, que eu queria ressaltar. Entrevistei para a minha tese o Seu Hílcar
Leite, um gráfico comunista e depois trotskista, que me disse: “Eu ia para a porta da fábrica
falar mal do Getulio e quase apanhava. Os trabalhadores adoravam o Getulio!” Ora, dizer que
se vivia um processo de manipulação dos trabalhadores, que eram todos enganados durante
tanto tempo, era algo insatisfatório para mim. Essas pessoas seriam completamente
desprovidas de discernimento? Ou, afinal, tinham uma lógica em seu comportamento político
que deveríamos encontrar e respeitar? Os trabalhadores, quando “gostam” de Vargas,
entendem que há ganhos nessa negociação, e vão explorar essa possibilidade.

Populismo -  Chamar nossa experiência liberal-democrática de populista é minimizá-la,


esvaziá-la como período de aprendizado político fundamental. Um conceito, para ser
conceito, tem que ter um sentido preciso, um significado esclarecedor. Ele não pode abarcar
praticamente tudo, referindo-se a personagens os mais diversos e a períodos muito distintos.
Então, para alguns, na Primeira República tem populista, e no pós-30 e no pós-45 também
tem, e muito. Mas no pós-64 tem também, e até Fernando Henrique Cardoso é populista.
Como discurso político, como retórica, como arma de ataque, chamar algo ou alguém de
populista funciona muito bem. Mas eu sou historiadora. Sei que política é retórica, que se
ganha espaço e se luta com a linguagem, portanto, com o vocabulário, com as palavras. A
palavra, sendo conhecida, tem muito poder nesse campo. Então torno essa palavra meu
objeto de estudo; trabalho com ela para explicar esse poder. Essa palavra não explica; tem
que ser explicada.

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