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E TEOLOGIA DA LIBERATAÇÃO:
INSPIRAÇÃO EVANGÉLICA E PENSAMENTO
MARXISTA NA GÊNESE DE UM CAPÍTULO
DA TEOLOGIA LATINO-AMERICANA*
R
efletir sobre as relações entre cristianismo de libertação e Teologia da Libertação,
no sentido de perceber como se encontram inspiração evangélica e pensamento
marxista na gênese da Teologia da Libertação é a intenção do presente artigo.
Para tanto queremos propor um panorama que possibilite o leitor identificar o momento
que propicia o surgimento da Teologia da Libertação e os fatores que para isso cooperaram.
Além disso buscaremos evidenciar da melhor maneira possível os métodos pelos quais se dão
as ações dessa teologia e quais são os fundamentos que nortearão sua prática. Para tal, faz-se
necessário esclarecer que apesar da intensa ligação com os movimentos de esquerda e forte
influência de ideais socialistas e marxistas, esse movimento não poderá ser compreendido
A teologia da libertação é, ao mesmo tempo, reflexo de uma práxis anterior e uma reflexão
sobre essa práxis. Mais precisamente é a expressão de um movimento social que surgiu no
começo da década de 60, bem antes dos novos escritos teológicos. Esse movimento envolveu
setores significativos da Igreja (padres, ordens religiosas, bispos), movimentos religiosos
laicos (Ação Católica, Juventude Universitária Cristã, Juventude Operária Cristã, redes
pastorais com base popular, Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), bem como várias
organizações populares criadas por ativistas das CEBs; clubes de mulheres, associações
de moradores, sindicatos de camponeses ou trabalhadores, etc. (LÖWY, 2000, p.56).
Em outras palavras, o que está em jogo, sobretudo, é uma concepção dinâmica e histórica
do homem, orientado definitiva e criativamente para seu futuro. Atuando no presente
em função do amanhã. É a humanidade que [...] tomou nas mãos as rédeas da evolução.
A história, contra toda perspectiva essencialista e fixista, não é o desenvolvimento de
virtualidades preexistentes no ser humano, mas, a conquista de novas formas, qualitati-
vamente distintas, de ser homem; em vista de uma realização cada vez mais plena e total
de si mesmo, solidariamente com toda a coletividade humana.
Os movimentos e grupos que aí surgiram teriam sido a base social da teologia da libertação.
Ao formar um laicato mais crítico em relação ao mundo no qual vivia, tais movimentos
despertaram o católico médio para os graves problemas sociais do país e do continente,
no qual praticava sua religiosidade.
Essa observação [sobre a relação da TL com a teologia francesa] não poderia levar-nos
ao engano de considerar a Teologia da Libertação apenas como um apêndice da teologia
progressista francesa. [...] A Teologia da Libertação tem características autônomas e
surgiu como resposta à realidade latino-americana e não como importação de modelos
de teologia estranhos ao continente (SILVA, 2006, p. 36).
E ainda:
Poderíamos então dizer que há uma “luta de classes dentro da Igreja”? Sim e não. Sim,
na medida em que certas posições correspondem aos interesses das elites dominantes e
outras aos dos oprimidos. E não, na medida em que os bispos, jesuítas ou padres que
chefiam a “Igreja dos Pobres” não são eles próprios pobres. Sua dedicação à causa dos
explorados tem como motivos razões espirituais e morais inspiradas pela cultura religiosa,
pela fé cristã e pela tradição católica.
A esquerda católica teria então assimilado a obra de Marx sem lidar com essa ambigui-
dade encarada por Berdiaeff? Construir o Reino do pobre não seria então destruir o
Reino de Deus? Certamente não. Uma das palavras de ordem do pensamento da Igreja
popular daquela época era a construção do Reino de Deus aqui na Terra. E logicamente
esta construção se daria pelas mãos das classes camponesas e proletárias, do sertão, dos
subúrbios, das favelas (SILVA, 2006, p.50).
Este caráter de denúncia e protesto contra as injustiças feitas aos pobres é marca
imprescindível do movimento que se estuda aqui. Ainda segundo Löwy, apesar de haver dife-
renças, é fácil encontrar nos escritos dos teólogos da libertação uma série de princípios básicos
que nortearam a ação do movimento (para o qual produzem) e que, portanto, acabarão por
caracterizar uma doutrina em torno da atitude libertadora empreendida nele e que, por sua
vez, será radicalmente contrária à doutrina da Igreja Católica. Aqui serão citados alguns dos
pontos que Löwy enxerga como sendo norteadores dessa prática:
Importa, todavia, pensar em como tais ideias teriam alcançado a esfera institucio-
nal da Igreja Católica. Sobre essa questão Löwy levanta duas correntes de análise do pro-
Segundo ele [Bruneau], essa igreja tem inovado porque deseja manter sua influência.
Confrontada com a concorrência de diversas correntes religiosas (protestantismo, seitas
etc.) ou políticas (movimentos de esquerda), o declínio das vocações, a crise das suas
finanças, a elite da igreja compreendeu que é preciso inovar, e se voltou para as classes
inferiores (LÖWY, 1991, p. 31).
Para Löwy, essa interpretação não dá conta de todo o processo social, na ordem das
estruturas eclesiásticas, contido no movimento impetrado pelo cristianismo da libertação e
pela Teologia da Libertação, futuramente. Ele refuta essa explicação pelo fato dela desconsi-
derar a alteração ocorrida na prática dentro da igreja dos pobres, isto é, se outrora esta prática
alinhava-se com o discurso conservador e de dominação por parte das elites, doravante, não
mais estaria o discurso pautado por este tom. A Igreja, tendo empreendido mudança tal qual
argumentada por Bruneau não teria alterado sua prática no sentido convergente com a prática
revolucionária como ocorreu na nova igreja, mas procuraria, uma vez que teria encabeçado
este movimento, manter o status quo vigente.
Além disso, quanto à atividade dos próprios clérigos e leigos que se envolveram com
as atividades da Teologia da Libertação, a explicação de Bruneau continua a deixar lacunas
quando, segundo Löwy (1991, p. 32), desconsidera os riscos de morte a que se submeteram.
Riscos estes que indicam uma atividade com autenticidade orgânica, ou seja, que é vivida e
levada adiante não pela estrutura institucional, como disse Bruneau, mas, no dia-a-dia dos
envolvidos nessa prática. Löwy, portanto, não assume a posição de explicar o surgimento do
cristianismo da libertação como sendo uma posição estratégica da Igreja institucionalizada
para garantir-se junto às estruturas de poder, o que conferiria a este a característica de ser um
movimento que acontece de cima para baixo.
Há, entretanto, outra teoria pela qual se procurou compreender a abertura da Igreja
ao cristianismo da libertação, esta, por sua vez, é o outro extremo da possibilidade levantada
por Bruneau. É a concepção romantizada da esquerda cristã que argumentará por meio do
discurso de que “a população tomou posse da instituição, converteu-a e a fez agir por sua
conta” (LÖWY, 1991, p. 32). Sem desconsiderar que este argumento possui suas verdades, o
autor faz outros questionamentos a esse respeito:
Como aconteceu que as classes populares tenham podido, a partir de um certo momento,
“converter” a Igreja à sua causa? Esse tipo de análise tende também a subestimar aquilo
que Leonardo Boff chama (contornando muito bem um conceito marxista) “a autonomia
do campo religioso eclesiástico”, isto é, as determinações sociais e culturais específicas à
Igreja, sem as quais a sua “abertura ao povo”, a partir dos anos 60 não é compreensível
(LÖWY, 1991, p. 32).
Michel Löwy propõe, então, que a lente pela qual se deve avaliar o tema do sur-
gimento da Teologia da Libertação precisa levar em conta as conjunturas da sociedade que
a circundavam, tanto em âmbito eclesiástico quanto em ambientes externos à Igreja e inde-
pendentes de sua ação. Isto é, para que se compreenda o fato do cristianismo da libertação se
estruturando em uma Teologia da Libertação, será necessário analisar sua historicidade, não
dissociando o que é ação da Igreja Católica e as decisões por ela tomadas, dos tantos acon-
tecimentos seculares aos quais estava exposta a América Latina. Seria, portanto, impossível
discutir este tema sem antes estabelecer o elo entre Igreja e Sociedade e como, nestes termos,
um afeta o outro. Como o interno afeta o externo e vice-versa.
Isto posto, a compreensão de Löwy é de que a abertura da Igreja ou a sua perme-
abilização pelos ideais do cristianismo da libertação, não teria sido dada por movimentos
verticais, isto é, nem do topo à base, como afirmou Bruneau, e, tampouco da base para o
topo, como afirmaram os românticos da esquerda cristã. Para ele o movimento foi centrí-
fugo, tendo vindo da periferia para o centro, influenciados tanto por fatores sociais como
por fatores religiosos que levaram às transformações teológicas na Igreja. Assim, o histo-
riador (LÖWY, 2000, p. 69) sugere a hipótese de que o cristianismo da libertação seria “o
resultado de uma combinação ou convergência de mudanças internas e externas à Igreja
que ocorreram na década de 50, tendo se desenvolvido a partir da periferia e na direção do
centro da instituição”.
Tais mudanças estão, por seu turno, associadas, como já dito, aos fatores remetentes
às estruturas eclesiais - sejam estes entendidos, principalmente, como o Concílio Vaticano II, a
Conferência Geral do Episcopado da América Latina em Medellín (1968) e Puebla (1979) - e
o que tange à estrutura secular, como os acontecimentos sociais que balançarão os poderes
estabelecidos na América Latina nas décadas de 50 em diante, como por exemplo a Revolu-
ção cubana, em 1959 e os rumos tomados pelas potências que polarizavam o globo durante a
Guerra Fria. Importa perceber estes acontecimentos de tal maneira para que se possa, assim,
compor um cenário historicizado dessa nova teologia que se vai estabelecendo no continente.
Em linhas gerais – em um parecer breve sobre os fatores internos à Igreja que corro-
boraram para a consolidação da Teologia da Libertação-, o Concílio Vaticano II, que operou
profundas reformas na Igreja Católica, face à necessidade de adequar suas ações às exigências
do mundo moderno, trará novos ares quanto a compreensão dos momentos que o continente
atravessava à época, tendo um peso transformador na prática teológica que passou a vigorar
em parte considerável da Igreja latino-americana. Sobre o concílio, em artigo escrito pelo pro-
fessor e historiador católico, Orlando Fideli, enquanto analisava a abordagem de João Batista
Libânio, sobre esse mesmo tema, constata-se que as transformações no seio da Instituição
Católica (segundo a visão da Teologia da Libertação) possuem caráter de tal modo abrangente
que pôde abarcar as novas demandas da sociedade, denotando, assim, mudança de comporta-
mento em relação ao que se propunha a Igreja antes desse evento. Em decorrência, as reuniões
conciliares não se limitaram a deliberar apenas sobre classificações dogmáticas de sua prática,
todavia, a Igreja, a partir deste momento, se inclinaria às demandas externas à sua hierarquia,
Outro importante ocorrido foi a proibição da presença dos teólogos assessores dos bispos,
num mecanismo de marginalização dos teólogos da libertação da confecção do texto final.
Esses teólogos haviam desenvolvido uma grande quantidade de pesquisas e reflexões que
compunham o quadro das manifestações teológicas das conferências episcopais, dioce-
ses, entre outros, constituindo um verdadeiro braço teológico desses bispos. Ao invés de
assumirem igual posição na Conferência, foram nomeados outros teólogos como peritos,
todos na linha conservadora do Vaticano (BRITO, 2010, p. 86).
CONCLUSÃO
Löwy argumenta que não se pode ignorar a dinâmica existente entre os assuntos e
ações para as quais se voltaram a hierarquia da Igreja dos movimentos que aconteciam fora de
seus muros para que se possa traçar o que possibilitou o nascimento da Teologia da Liberta-
Abstract: reflect on the relationship between Christianity and liberation theology of liberation,
in the sense of understanding how are Evangelical inspiration and Marxist thought in the gen-
esis of the theology of liberation is the intention of this article. To this end we will go through
the following path: first introduce the Christianity of liberation as locus of liberation theology,
popular participation in the embryonic movement of secular liberation theology; second call
attention to tensions about the Christianity of liberation, namely divergent forces within the
Catholic Church.
Nota
1. Para um aprofundamento sobre o tema da doutrina social é adequado ler o Compendio da Doutrina Social
da Igreja, organizado pelo Pontifício Conselho “Justiça e Paz”. (VVAA, 2004).
Referências