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Identidade ou Identidades? Que análise se pode


fazer da pluralidade cultural de Moçambique?[1]
Namuholopa[2], Óscar Morais Fernando; Veorassi[3], Andréa

Resumo: No presente trabalho discutimos a questão da cultura e


Óscar Morais Fernando Namuholopa[2] identidade. Nesse sentido, em um primeiro momento os conceitos
oscarnamuholopa@gmail.com. de cultura e de identidade foram analisados e, em seguida,
Universidade Federal de Goiás, Brasil consideramos os contornos de sua evolução histórico-temporal
Andréa Veorassi[3] e pontuamos as diferentes acepções desses conceitos. É ainda
andreaveorassi@yahoo.com.br matéria de análise neste trabalho o papel da cultura na definição
Universidade Federal de Goiás, Brasil da identidade coletiva e como um recurso para preservação
dos valores da comunidade, tido como herança coletiva. Mais
adiante, partindo da análise anterior, discutimos a questão da
multiplicidade cultural de Moçambique ditada pela existência
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências de vários grupos étnicos e que leitura se pode fazer a partir
Sociais da Unimontes dessa pluralidade cultural na afirmação da identidade e unidade
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627 nacional, assim como que mecanismos usar para acomodar
ISSN-e: 2527-2551 essa unidade na diversidade. Como ferramentas metodológicas
Periodicidade: Semestral
vol. 14, núm. 1, 2017 utilizamos a análise bibliográfica, em uma perspectiva psicanalítica
revista.argumentos@unimontes.br e sociológica, bem como o exame crítico de contextos específicos
da história moçambicana.
URL: http://portal.amelica.org/ameli/jatsRepo/363/3631546008/
index.html Palavras-chave: Cultura, Identidade, Moçambique.

Resumen: En el presente trabajo discutimos la cuestión de cultura


e identidad. En ese sentido, abordamos primero, los conceptos
Esta obra está licenciada com Creative Commons - Atribuição-
NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. de cultura e identidad y luego analizamos los elementos de su
evolución histórico-temporal y hacemos énfasis en los diferentes
significados de esos conceptos. En materia de análisis aún en este
Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição- trabajo, el papel de la cultura en la definición de la identidad
NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional. colectiva y como un recurso para la preservación de los valores de
comunidad, como una herencia colectiva. Más adelante, partiendo
del análisis anterior, discutimos la cuestión de la multiplicidad
cultural de Mozambique establecida por la existencia de varios
grupos étnicos y qué lectura se puede hacer a partir de esa
pluralidad cultural en la afirmación de la identidad, unidad
nacional y qué mecanismos emplear para enmarcar esa unidad
en la diversidad. Como herramientas metodológicas, utilizamos
el análisis bibliográfico, desde una perspectiva psicoanalítica y
sociológica, así como el examen crítico de contextos específicos de
la historia mozambiqueña.

Palabras clave: Cultura, Identidad, Mozambique.

O que significa ser homem?


O que significa ser homem que eu sou?
Mas que tipo de homem sou eu?

Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e


aberta da comunicação científica

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Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, 2017, 14(1), Enero-Junio, ISSN: 1806-5627 / 2527-2551

Fonte: (NGOENHA, 1992, p. 28)

Introdução

Muitas vezes faz-se caminhar juntos os conceitos de cultura e de identidade.


Se por um lado a cultura agrega as mais diversas manifestações da sociedade,
como os costumes, os hábitos, as manifestações artísticas e demais representações
sociais, por outro, essas práticas, por não serem uniformes e apresentarem certas
peculiaridades que variam de um grupo para outro, servem de identidade desses
povos.
É esta a discussão que pretendemos levar ao longo do presente texto, com
objetivos de analisar os conceitos de cultura e de identidade, sua evolução
ao longo do tempo e sem negligenciar a relação entre os dois conceitos.
Analisaremos, ainda, a questão da cultura e identidade no exemplo de
Moçambique e destacaremos o papel da cultura para a própria concepção da
noção de Estado-nação.
Lembramos que Moçambique é um país localizado na costa oriental da África
Austral e é banhado pelo Oceano Índico. A sua capital é a Cidade de Maputo,
localizada ao sul do país, na baía com o mesmo nome. O seu idioma oficial é o
Português, adotado no país na sequência da colonização portuguesa da qual ficou
independente só em 1975, após dez anos de luta armada (NEWITT, 2012).
Antes da presença portuguesa, Moçambique era um território constituído
por várias unidades políticas estáveis, com autonomia territorial, econômica e
administrativa. A pessoa do soberano era a estrutura mais alta que contava com
apoio do conselho dos anciãos que lhe ajudavam na coordenação de alguns setores
de atividades. A dominação lusa, sobretudo a partir do século XIX, rompeu com
as independências antes criadas e forçou que as diferentes unidades linguísticas,
que eram marcas distintivas desses territórios, passassem a integrar um mesmo
território, no meio de toda uma diversidade étnico-cultural (NEWITT, 2012;
SERRA et al, 2000).
A razão de analisar a identidade a partir da cultura é pelo fato desta ser um meio
de identificação coletiva, pois está nas manifestações ou marcas apresentadas por
diferentes grupos sociais. O trabalho é fruto de um estudo bibliográfico do qual
confrontamos diferentes fontes que se debruçam sobre a matéria em análise,
isto combinado com o conhecimento da realidade de Moçambique a partir das
experiências próprias vividas neste país e análise de seu contexto histórico. Em
um primeiro momento, os conceitos de cultura e identidade foram analisados em
uma perspectiva histórica e interdisciplinar, destacando as correlações entre as
possibilidades de análise psicanalítica e sociológica. Foi também o momento de
trazer à tona referências de estudos com matrizes africanas para refletir sobre a
cultura e identidade moçambicanas. Nesses estudos, a identidade é pensada em
suas esferas históricas, linguísticas e psicológicas, por isso procuramos identifica-
las no contexto empírico de Moçambique e em alguns dos exemplos de embates
culturais em sua história recente, destacados na última seção desse artigo.

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Óscar Morais Fernando Namuholopa[2], et al. Identidade ou Identidades? Que análise se pode fazer da pluralidade cultural de Moçambique?[1]

Cultura e identidade, relações e evolução histórica

O termo cultura é vasto e pode ter várias significações, dependendo do campo


de atuação. De acordo com Boudon (1990), a palavra ?cultura? aparece no fim
do século XI e designa, nomeadamente, um pedaço de terra trabalhada para
produzir vegetais, tornando-se, assim, sinônimo de agricultura. Nesta vertente, o
conceito é usado com frequência nos seguintes termos: cultura alimentar, cultura
forrageira, cultura de rendimento, policultura, etc. Em meados do séc. XVI os
humanistas do Renascimento começam a usar o sentido figurado de ?cultura do
espírito?.
No entanto, só foi no séc. XVIII que o termo cultura em Ciências, Letras e
Artes se torna um símbolo da filosofia das Luzes, tendo Hobbes designado por ?
cultura? o trabalho de educação do espírito, em particular durante a infância.
Portanto, presume-se que o homem ?cultivado? tem gosto e opinião, além de
requinte e boas maneiras.
Em meados do século XIX, a palavra ?cultura? ( Kulturem alemão) é usada
como sinônimo de ?civilização? (de civilization, termo preferido pelos franceses).
O termo, para ambos os casos, pretendia se referir aos indivíduos mediamente
instruídos ou de classe média, que tinham um estilo de vida distinto das demais
classes (ELIAS, 1994a; BOUDON, 1990).
Com o tempo, o conceito de cultura foi se aperfeiçoando e vários foram os
estudiosos que se interessaram em lhe atribuir significações. Foi nesse esforço
que E. F. Tylor (1871), citado por Keesing e Strathern (2014, p. 35), define a
cultura como ?aquele todo complexo que inclui os conhecimentos, crenças, arte,
moralidade, lei, costume e quaisquer outras habilidades e hábitos adquiridos pelo
homem como membro da sociedade?. O outro conceito de cultura mais próximo
deste é o seguinte: ?a soma total de conhecimento, atitudes e padrões habituais de
comportamento partilhados pelos membros de uma sociedade? (LINTON, 1940
apudKEESING; STRATHERN, 2014, p. 35). Já para Kroeber (1948) citado por
Keesing e Strathern (2014, p. 35), a cultura se refere ?à massa de reações motoras
aprendidas e transmitidas, hábitos, técnicas, ideias, valores e o comportamento
que eles induzem?. Os conceitos podiam se suceder infinitamente, mas limitamo-
nos a estes poucos e suficientes para tirar ilações.
A cultura, em certos sentidos, pode se referir ao desenvolvimento material
e técnico e à transmissão do patrimônio social. Os culturalistas são de opinião
que a cultura, enquanto modo de vida de um povo é uma aquisição humana,
relativamente estável, mas sujeita a mudanças contínuas que determinam o curso
das nossas vidas sem se impor ao nosso pensamento consciente.
Em suma, o sentido moderno do termo ?cultura? reporta aos modos de
comunicação, do saber das sociedades em rápida transformação e os objetos
simbólicos produzidos por uma sociedade para veicular valores. Para Boudon
(1990), uma atenção especial incide nos mitos, noções, imagens e modelos
espalhados em certos grupos sociais (cultura popular, cultura de elite) e por certos
canais de difusão do saber: a cultura de massa que é simultaneamente transmitida
pelos mediae a que se dirige a um largo público. No entanto, não nos surpreende
a diversidade de todo esse aparato cultural, ela é possível porque os seres humanos
são dinâmicos em seus meios e aprendem a vida a partir de meios culturais. Viver

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de acordo com a natureza é uma dádiva, mas viver de acordo com a cultura, essa
é obra exclusiva dos humanos.
Portanto, a cultura, por envolver maneiras de fazer, de agir, de se manifestar e,
até certo ponto, de pensar, torna os seus fazedores singulares dos mais distintos
grupos sociais. Estas manifestações completam a dimensão social do homem, em
que a linguagem é, não obstante, o meio socializador mais relevante. Os meios
culturais, ao serem diferentes na sua maneira de se manifestar, não só fazem um
povo ser distinto do outro, mas também constituem o seu DNA cultural, ou
melhor, a sua identidade. Identidade é algo que identifica e caracteriza alguém ou
um determinado povo.
Portanto, o termo identidade deriva da raiz latina idem, que significa igualdade
ou continuidade. Tal como o conceito de cultura, a palavra identidade tem uma
longa história filosófica que examina a permanência em meio à mudança e a
unidade em meio à diversidade. No período moderno, o termo está estreitamente
ligado à ascensão do ?individualismo?, e admite-se que sua análise tem início com
os textos de John Locke e David Hume. Porém, é só no século XX que o termo
entra em uso popular, reforçado especialmente desde os anos 1950, na América
do Norte (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996).
Os autores mencionam que, nas ciências sociais, as discussões sobre identidade
assumem duas formas mais importantes: a psicodinâmica e a sociológica. A forma
psicodinâmica surge com a teoria de Sigmund Freud sobre a identificação através
da qual a criança vem a assimilar pessoas ou objetos externos. Geralmente, os
fundamentos de Freud cingem-se nos conhecidos conceitos de ego e superego. A
teoria psicodinâmica enfatiza o cerne de uma estrutura psíquica como tendo uma
identidade contínua.
Nessa perspectiva, Menezes (2007) ressalta que a etimologia da palavra
identidade ( identitas) nos remete à ?repetição do mesmo?, tornando possível
a construção de um inconsciente coletivo que intervêm nas ações individuais.
E quanto mais difícil o reconhecimento da identidade do outro, mais tensas e
defensivas são as relações entre os grupos sociais:
Assim como a identidade pessoal é importante, dela faz parte a identidade grupal.
Nos grupos inseridos em outras culturas, percebe-se a ênfase nas diferenças mínimas
que são ressaltadas para evitar a confusão com o outro grupo. A essência do conflito
começa a se psicologizar dessa maneira, independente da sua natureza política ou
econômica. A etnicidade é uma forma coletiva de se buscar a identidade (MENEZES,
2007, p. 127).

Por seu turno, a tradição sociológica da teoria da identidade está ligada ao


interacionismo simbólico e surge a partir da teoria pragmática do eu, discutida
por William James (1892) e George Herbert Mead (1934). Especialmente
James sustenta que a identidade se revela quando podemos dizer: ?este é o
verdadeiro eu?. No entanto, ?eu? é uma capacidade caracteristicamente humana
que permite às pessoas ponderarem de forma reflexiva sobre sua natureza e sobre
o mundo social que as circunda através da comunicação e da linguagem. No
final da Segunda Guerra Mundial, o psicohistoriador Erik Erikson desenvolveu
a expressão ?crise de identidade? para se referir aos pacientes que haviam perdido
o sentido de igualdade pessoal e de continuidade histórica (PLUMMER, 1996).
O termo identidade vem instigando parte significativa de estudiosos, inclusive
os do mundo extra-ocidental. Serverino Ngoenha, autor de matriz africana e

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Óscar Morais Fernando Namuholopa[2], et al. Identidade ou Identidades? Que análise se pode fazer da pluralidade cultural de Moçambique?[1]

de inúmeras obras de reflexão humana e filosófica, reconhece a ambiguidade da


palavra identidade. ?Ela [a palavra identidade] pode significar o conjunto de
características específicas de um ser, que fundamenta a sua personalidade e a
torna irredutível a outro? (NGOENHA, 1992, p. 28). Assim sendo, cada homem
possui um sentido, uma existência jurídica materializada pelo documento de
identidade onde estão escritos o seu nome, apelido, lugar de nascimento, sexo,
etc. Neste sentido, cada ser é um único, uma essência individual.
Ngoenha sublinha existir outra identidade que, segundo ele, é unificadora. É
o conjunto de traços que fazem com que dois seres se pareçam. Enquanto no
primeiro sentido a identidade significa singularidade, individualidade, neste, ela
é sinônimo de semelhança. No entanto, este é o tipo de identidade que interessa
ao saber histórico.
Por sua vez, Goffman (1988) distingue entre aos atributos que constituem
identidade social, a identidade social virtual e a identidade social real.A primeira
envolve todas as categorias de caracterização que imputamos ao indivíduo, uma
caracterização feita por um retrospecto. A segunda diz respeito às categorias
e atributos que, na realidade, o indivíduo prova possuir. As características da
identidade virtual constituem estereótipos que atribuímos ao indivíduo e, às
vezes, constituem estigmas.
Ocorre que, em determinadas circunstâncias, há uma discrepância das
características entre a identidade social virtual e identidade social real e, em
decorrência disso, se realizam também esforços característicos para manipular
a situação. A esse fato, Goffman (1988) chama de manipulação do estigma e
igualmente da identidade. Este fator leva à formulação de um conceito adicional,
o de identidade pessoal que, como informou Goffman (1988), também se
diz identidade legal ou jural. A identidade pessoal é aquela que nos confere
a prerrogativa de sermos conhecidos como uma pessoa única, constituída de
características particulares, que só a nós pertencem ou oferecem semelhança de
nós.
O autor, ao empregar o conceito de ?identidade pessoal? refere-se, sobretudo,
às marcas positivas de identidade e a combinação única de itens da história da vida
que são incorporados ao indivíduo para a sua identidade. A identificação positiva
é feita mediante o conjunto das marcas, como atributos biológicos imutáveis, a
caligrafia ou aparência fotográfica, documentos pessoais e a atribuição de número
único de identidade e de outros recursos possíveis com o avanço da tecnologia.
Estes são os elementos de apoio à identidade. Portanto, a identidade pessoal
de Goffman é similar à primeira identidade descrita por Ngoenha, aquela que
oferece uma existência jurídica ao indivíduo. Enquanto a identificação pessoal
é feita mediante documentos e características individuais, já a identificação que
ocorre por outras razões, como por motivos étnicos, considera-se identificação
social[4], como mencionou Goffman (1988).
A outra análise que o autor faz é sobre a identidade grupal. A identidade
grupal é referente ao conjunto de categorias do grupo onde indivíduos situados
em uma posição semelhante pertencem na estrutura social. Esse é o grupo
real do indivíduo e pode ser formado mediante circunstâncias sociais diversas
(GOFFMAN, 1988). Mas o que importa em nossa análise do momento é
aquela identidade grupal que podemos designar como identidade coletiva[5],
constituída de indivíduos por herança social, onde a cultura é, de fato, fator

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determinante. Portanto, os indivíduos nascidos neste grupo social partilham as


mesmas características capazes de serem identificáveis pelas suas manifestações.
Estas características servem para identificar tribos, etnias e até nações inteiras.
Porém, sabemos que, muitas vezes, a cultura e a identidade têm sido articuladas
pelas autoridades detentoras do poder, que determinam as características e
informações com as quais gostariam de ver a sua sociedade e deixar para as
gerações esperadas como futuras. No entanto, são as instituições de ensino
que se encarregam por essa difusão. Portanto, as temáticas a serem assimiladas
são previamente selecionadas e censuradas pelas autoridades para que chegue
ao seu último destinatário apenas o essencial, que se julga que possui valores
educativos para o conhecimento da sociedade. Assim, de acordo com Bourdieu
(2009), as escolas monopolizam a herança cultural, pois pela sua própria lógica de
funcionamento, a escola modifica ou define o conteúdo e o espírito da cultura que
transmite. Este ato corresponde à manipulação da cultura e identidade e deforma
o espírito do capital social[6]. A princípio, a seleção dos conteúdos a ensinar
deveria respeitar as especificidades culturais de cada uma das comunidades, para
que a cultura ensinada nesses centros difusores não seja apenas aquela referente
à classe dominante ou de um povo que se sobrepõe ao outro. Isso poderia evitar
o que podemos chamar de ?colonialidade cultural?, que entendemos como uma
imposição da cultura alheia sem reunir consensos. Este foi um dos critérios usados
que levou à morte algumas manifestações culturais das diversas sociedades.

Há uma Identidade genuinamente Moçambicana?

Existirá alguma manifestação cultural que sirva de identidade do povo


moçambicano como um todo? Tem identidade ou identidades em Moçambique?
Estas e outras questões serão discutidas nos parágrafos que se seguem, em virtude
de em Moçambique existirem muitas etnias, cada uma com as suas peculiaridades.
Com relação a isso, Ngoenha indagou:
Em Moçambique, a afirmação de uma identidade cultural e a tomada de consciência
de nós como identidade, depende de uma introspecção que permita de ver
objectivamente [sic] os factos como são. A nível nacional, podemos interrogar-nos
se existem princípios culturais que podemos chamar propriamente moçambicanos;
e se existem, como esses elementos tipicamente moçambicanos se manifestam
(NGOENHA, 1992, p. 28).

Estas questões tornam-se pertinentes ao se constatar que a identidade de


um indivíduo é uma função à identidade do seu povo. ?Portanto, a resposta à
pergunta sobre o tipo de homem que eu sou, depende da resposta à pergunta,
sobre o tipo de povo que é o meu povo? (NGOENHA, 1992, p. 29). O tipo de
um povo define-se a partir das suas manifestações suscetíveis de serem observadas
através das condutas comportamentais, isto é, da sua forma de se relacionar com
os outros, de encarar as circunstâncias da vida, de conceber o universo das coisas,
enfim, da sua cultura.
De acordo com Ngoenha (1992), Cheikh Anta Diop avançou na discussão
sobre a identidade cultural de uma personalidade coletiva e a identificou como
sendo constituída por três fatores, designadamente:
1. Fator histórico: base cultural que une os elementos dispersos de um
povo, a partir de um sentimento de continuidade histórico, vivido por toda a

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coletividade. O sentimento da consciência histórica cria a coesão social e reforça


a segurança cultural;
2. Fator linguístico: como é de nosso domínio, a língua é um veículo
fundamental do traço da identidade cultural comum;
3. Fator psicológico: engloba a forma de pensar e prescrições valorativas das
comunidades. É uma das armas fundamentais para a preservação da cultura e
progresso social.
Olhando pelos pressupostos apresentados por Diop, que análise se pode
fazer da pluralidade cultural de Moçambique? Em Moçambique, onde coabita
uma miscigenação de mais de vinte etnias, o que corresponde a igual número
de grupos linguísticos, era presumível, em rigorosa observância dos postulados
aqui apresentados, que cada um dos grupos representasse uma unidade
territorial, política e cultural independente. Porém, o colonizador, ao definir
as suas fronteiras, não respeitou estes princípios, orientando-se nos acidentes
naturais (rios e montanhas) e, noutros casos, em linhas imaginárias contorcidas
arbitrariamente. Assim, é frequente encontrar o mesmo povo dividido, um
de um lado e outro de outro lado da fronteira. Por outro lado, devido à sua
localização junto da costa índica, permitiu a confluência no território que
corresponde à Moçambique de hoje, de comerciantes chineses, árabes e indianos
que implicitamente lançaram sementes para aculturação[7] do território.
Diante deste dado, Ngoenha (1992) argumenta que somos mistura de duas
historicidades: colonial e étnica. A primeira é a historicidade europeia, fonte das
nossas instituições estatais e guia da sociedade política institucional. A segunda,
uma herança cultural autóctone, atrofiada pelo choque de civilizações de que foi
vítima e que caracteriza a consciência coletiva dos moçambicanos.
Assim, havendo falta de uma observância rigorosa dos pressupostos lançados
por Diop como condição da afirmação da identidade, no caso específico de
Moçambique, para acomodar o primeiro pressuposto (fator histórico) recorreu-
se ao colonialismo e à opressão imperial como sendo o fator que une o povo
todo do atual território moçambicano. Assim, de acordo Gómez (1999), as
autoridades, para justificarem a unicidade territorial, recorreram às evidências
coloniais explicando, por exemplo, que a resistência dos Makonde e Mataka no
norte, dos Bárue no centro e Ngungunhana no sul do país eram contra o mesmo
inimigo, o colonialismo. Desta forma, foi possível criar um sentimento comum,
de pertencimento e de irmandade (embora duvidemos até quando isso durou).
Quanto ao segundo fator, havendo dificuldade de encontrar uma, entre mais
de vinte línguas nacionais, a mais representativa, as autoridades encontraram
saída em adotar o Português, idioma introduzido no território pelo respectivo
colonizador. O idioma, embora não representativo em termos dos seus falantes,
pelo menos já era falado em todo o território e hoje é a língua nacional, razão
pela qual passou a ser incorporada como parte da cultura nacional e fator de
identidade deste povo. Mas isso não é tudo para criar uma nação unificada,
pois ?é claro que entre os elementos culturais que representam a base positiva
mais importante para a formação do sentimento nacional em toda a parte, um
idioma comum é o mais destacado. Mesmo o idioma comum não é totalmente
indispensável nem suficiente em si mesmo?. Conquanto, ?[...] os valores culturais
comuns podem constituir um elo unificador nacional. Mas [...] não devemos
pensar na ?nação? como uma ?comunidade cultural?? (WEBER, 2008, p. 124).

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Em relação ao terceiro fator, o psicológico, é difícil indicar um único elemento


que represente a forma de pensar e de fazer do povo moçambicano como um
todo, tendo em conta a diversidade étnica e compreendendo que cada etnia tem
os seus princípios psicológicos. No entanto, os princípios psicológicos que sejam
representativos de Moçambique estão em um processo de descoberta.
Figura 1 ? Grupos étnicos de Moçambique

Figura 1
Grupos étnicos de Moçambique
Moçambique para todos.

No meio de toda esta situação aqui colocada, que mecanismos usar para
acomodar o pluralismo cultural em Moçambique? O recurso será encontrar
outro discurso capaz de reunir consenso dessa pertença coletiva, o que se pode
considerar de ?consciência possível?, para usar a terminologia de Goldman
(1972). Ora, Max Weber, na sua obra Ensaios de Sociologia(2008), destaca a
solidariedade nacional como um dos mecanismos para esse efeito. Conquanto,
o autor realça que a solidariedade nacional não reside necessariamente nos
falantes da mesma língua: ela pode estar ligada a diferenças nos outros valores
culturais das massas, como um credo religioso. Não obstante, ?[...] a solidariedade

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nacional pode estar ligada às memórias de um destino político comum com outras
nações [...] a ideia de nação pode incluir as nações de descendência comum e de
uma homogeneidade essencial, embora frequentemente indefinida? (WEBER,
p. 120). O autor, continuamente, explica uma possibilidade de coabitação
das nações, pois ?a nação tem essas nações em comum com o sentimento de
solidariedade das comunidades étnicas [...]? (p. 120).
Portanto, solidariedade é promover a tolerância; tolerância é valorizar as
diferenças; valorizar diferenças é aceitar o outro tal como ele é; e isto é só possível
através da compreensão mútua. Para essa compreensão, é necessário conhecer
o que há de diferente entre eu e o outro e encontrar um meio termo para a
inclusão social e convivência na diversidade. Até que a diversidade nos faz de
tão únicos e unos. Portanto, só observando estes princípios de solidariedade
nacional é possível acomodar o pluralismo étnico e cultural de que Moçambique
é característico e, por conseguinte, evitar conflitos de legitimidade étnico-
territorial.
Recuando na história, os anos que se seguiram à segunda República (1990)
caracterizam-se pela explosão de movimentos étnicos, fruto das liberdades
garantidas pela nova Constituição. A exemplo disso, citamos os casos da
SOTEMAZA, cujo acrônimo se refere às províncias de Sofala, Tete, Manica
e Zambézia; Movimento Cívico de Solidariedade e Apoio à Zambézia
(MOCIZA); Associação para o Desenvolvimento de Nampula (ASSANA)
e; a Ngiana [8]- Associação dos nativos e amigos de Maputo. Inicialmente
reivindicavam a exaltação das minorias étnico-regionais e alguns, adicionalmente,
foram mais longe ao exigirem a redistribuição justa e equitativa dos bens
nacionais e dos cargos públicos de administração política e econômica do
Estado que, segundo os seus representantes, encontravam-se nas mãos de uma
minoria do sul e de alguns que não sendo desta região, foram cooptados pelo
regime (CHICHAVA, 2008). Desde então, os grupos locais que buscam a
autoafirmação começaram a se proliferar e a se manifestar publicamente. A
consciência de pertença ganhou forma e passou a ser recorrente em quase todo
o território nacional.
Portanto, acomodar os interesses dos diferentes grupos étnicos de um
território formado nas circunstâncias históricas como as de Moçambique não só
é importante, mas imperioso, para a construção da referida unidade nacional.
O princípio de integração social e a comunicação intercultural podem garantir
a unidade na diversidade. Para explicar o dilema ?como é que podemos viver
juntos com as nossas diferenças?, Touraine (2003) explica que a melhor solução
é recorrer a um princípio de mediação no qual a ação de cada indivíduo tome
um protagonismo para combinar suas ações às pertenças culturais. Portanto,
uma sociedade pode possibilitar a comunicação intercultural se reconhecer o
esforço de cada indivíduo para se constituir em sujeito e encorajar cada pessoa a
reconhecer e apreciar o esforço dos outros. Assim, o que nos permite viver juntos ?
[...] é o parentesco dos nossos esforços para juntar os dois domínios da nossa
experiência, para descobrir e defender uma unidade que não é a de um ego, mas
de um eu,de um sujeito? (TOURAINE, 2003, p. 169).

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A importância da cultura e o domínio da consciência: exemplos


práticos na história moçambicana

Quando é para falar sobre o papel da cultura, torna difícil por onde começar,
não pela exiguidade de evidências, mas pela sua abundância. De acordo com Hall
(1996), em ciência social pode se destacar dois papéis fundamentais que a cultura
cumpre na vida social. Em primeiro lugar, a cultura proporciona significados,
tal como foi durante a maior parte da história humana, por meio da religião
organizada. Em segundo lugar, a cultura fornece regras de ação social sem as
quais seria difícil para os seres humanos, dentro de uma sociedade, chegar a
compreender uns aos outros. Por outro lado, é importante observar que as
religiões do mundo são, natural e inevitavelmente, em grande parte, compêndios
de regras para lidar com a vida no dia a dia. Em uma breve reflexão em torno
dos estudos de Max Weber (2004) sobre as religiões do mundo, identificamos
a tentativa de explicação da origem, o conteúdo, a difusão e a manutenção de
sistemas de crença, assim como a análise dos modos pelos quais elas (religiões)
influenciam a ordem social das respectivas comunidades de que fazem parte.
Por outro lado, ninguém ignora que a cultura é o fator determinante das nossas
identidades. As nossas manifestações culturais, a nossa forma de fazer, de ser
e estar depende como esses valores foram-nos transmitidos, ou seja, o que nós
somos não é exclusivamente nossa obra, mas sim e, sobretudo, o que nos foi
determinado pela cultura. Assim, a cultura é parte fundamental de manutenção e
multiplicação do capital social. Bourdieu (2014) lembra que o volume do capital
social que um determinado agente individual possui depende da extensão da rede
de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume do capital cultural
ou simbólico daqueles com quem está ligado. A nossa personalidade, como seres
sociais, depende do meio em que vivemos e de quem convivemos e partilhamos
as nossas emoções.
Entretanto, quando uma determinada manifestação cultural cobre a totalidade
de um país, Hall (1997) chama de cultura nacional. Para ele, as culturas
nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes da
identidade cultural. As manifestações culturais permitem-nos distinguir um
inglês de um estado-unidense, um francês do alemão, e assim por diante.
Portanto, as culturas nacionais são uma forma distintivamente moderna. A
formação de uma cultura nacional contribuiu para a criação de padrões de
alfabetização universais, generalizou a única língua vernácula como dominante
para a comunicação em toda a nação e criou uma cultura nacional homogênea.
Além disso, permitiu manter as instituições culturais nacionais, como o caso do
sistema único educacional em toda nação.
As culturas nacionais não são apenas constituídas de instituições culturais,
mas também de símbolos e representações. No entanto, as culturas nacionais, ao
produzirem sentidos sobre a nação, dos quais podemos nos identificar, constroem
identidades. Tal como disse Gellner, citado por Hall:
... a cultura é agora um meio partilhado necessário, o sangue vital, ou talvez, antes,
a atmosfera partilhada mínima, apenas no interior da qual os membros de uma
sociedade podem respeitar e sobreviver e produzir. Para uma dada sociedade, ela tem
que ser uma atmosfera na qual podem todos respeitar e falar e produzir; ela tem que
ser, assim, a mesma cultura (GELLNER, 1983 apud HALL, 1997, p. 63).

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Óscar Morais Fernando Namuholopa[2], et al. Identidade ou Identidades? Que análise se pode fazer da pluralidade cultural de Moçambique?[1]

Assim, independentemente das diferenças e natureza entre os componentes


de uma comunidade qualquer, a cultura nacional aparece para redimir essas
particularidades e criar uma unidade entre os seus membros. Ela promove a
identidade e estimula unidade entre os seus fazedores. Mas observamos que essa
medida deve ser um ato consensual.
Portanto, a ideia avançada por Hall de criar uma cultura nacional para
evitar assimetrias nos sistemas de educação, por exemplo, se aplicado de forma
coercitiva, pode criar repulsa, contrariando os seus propósitos. Tal como
constatou a nossa pesquisa junto do povo yaawo[9], uma iniciativa igual dos
padres católicos que pretendiam substituir a prática dos ritos de iniciação pela
fé cristã, teria sido frustrada. Portanto, os missionários católicos, após terem se
introduzido no território da província de Niassa e implantado o catolicismo,
interditaram a prática dos ritos de iniciação pelos seus crentes, práticas que
consideravam pagãs. O crente que fosse descoberto a praticar os ritos de iniciação
era excomungado, fato que deixou as igrejas vazias na sequência do abandono de
seus crentes. A igreja, após um estudo minucioso, concluiu que a sua prática não
lesava a moral cristã, tendo os readmitido.
Outro insucesso foi do governo do pós-independência. De fato, o governo
recém-instalado, de orientação socialista, querendo pôr em prática o seu
projeto de formação do ?Homem Novo?[10], tentou combater as manifestações
culturais, a que chamou de práticas tradicionais e obscurantistas e, em seu
lugar, pretendia promover o domínio da arte, da técnica e da ciência. Diante da
transgressão do estabelecido pelas autoridades, as medidas eram severas, levando,
às vezes, ao isolamento da comunidade nuclear. Ao par disso, era expressamente
proibido o uso dos idiomas nacionais nos recintos escolares, permitindo-se
apenas a língua portuguesa (NAMUHOLOPA, 2017).
Ao proibir a prática dos ritos de iniciação, por exemplo, o governo entendia que
o lugar das crianças era na escola, onde seriam transmitidos todos os valores de
que a iniciação se encarregara inicialmente. Portanto, a tentativa de eliminação de
práticas culturais seculares e introdução de elementos que não dialogassem com
as realidades que constituem identidades dessas comunidades não teve aceitação
de ânimo leve. As resistências foram recorrentes e, à semelhança do que aconteceu
com a igreja, as escolas da comunidade estudada, tal como ontem, hoje continuam
registrando evasões (apesar da relativa melhoria nos últimos tempos), isto porque
os pais preferem submeter seus filhos nos ritos de iniciação do que ter filhos
que tendo assimilado realidades da escola moderna, não valham para as suas
comunidades. O problema é a falta de diálogo entre as duas modalidades de
educação.
Após a sua proibição, os ritos de iniciação e demais manifestações costumeiras
foi readmitida a sua prática e reconhecido o seu valor como parte da cultura
dos povos, embora perdurem acusações de interferir na educação moderna. As
duas instituições (igreja e governo) reconciliaram-se com a prática, para alargar
os seus campos de influência, que cada vez mais perdiam o seu apoio. Note-se
que o insucesso destas novas medidas deveu-se em parte à falta de consciência. O
povo tinha sido pego de surpresa, sem que estivesse preparado para tais mudanças
a serem operadas no seio cultural. Para as mudanças desta natureza que se
pretendiam, é imprescindível, direta ou indiretamente, o domínio da consciência.
Portanto, para quaisquer contornos da cultura, a questão da consciência é

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fundamental e isso pode adiar a marginalização cultural. O trecho serve também


para demostrar que a importância da cultura é relativa. O que parece ser valor para
um determinado grupo social, pode não ser para o outro, assim sucessivamente.

Considerações finais

Estando dito o que até aqui ficou, cumpre assinalar que, ao longo do trabalho, ora
em desenlace, discutimos os conceitos de cultura e de identidade. Nesse âmbito,
constatamos que a cultura é um conjunto de manifestações sociais que podem ser
conhecimentos, crenças religiosas, máximas da moral, costumes, hábitos, entre
outras habilidades que o homem conquista como herança e construção social.
Por seu turno, essas particularidades da cultura, por não serem uniformes em
toda a extensão humana, criando assim distinções entre um povo do outro, dão
lugar à identidade. A cultura é usada para se referir aos padrões de vida de uma
dada comunidade e a identidade, o que distingue um do outro. Portanto, a
extraordinária diversidade social entre os humanos cumpre o papel de potenciar
a afirmação da identidade.
A cultura não é somente algo adquirido por membros de um grupo como uma
herança secular, como é também uma construção fruto da interação social. É o
caso da cultura de solidariedade: o grau de coesão de um grupo mede-se pelo
nível de solidariedade entre os membros e esta é que garante a estabilidade da
identidade.
No tocante à questão moçambicana, constatamos que é limitador identificar
uma única característica que represente a identidade dos moçambicanos como
uma nação, em virtude da multiplicidade de etnias e tendo em conta que cada
etnia possui o seu legado histórico à parte, a sua língua e um princípio psicológico,
pressupostos básicos para a afirmação de uma nação. Por isso, difícil é encontrar
uma cultura nacional uniforme em todo o território e que sirva de identidade
dos moçambicanos. Por essa razão, afirmamos que em Moçambique não temos
identidade, mas identidades. Mas isso não significa uma impossibilidade de
afirmação da nação. Portanto, entendemos que, para acomodar o pluralismo
cultural e promover o nacionalismo, é preciso que haja uma solidariedade
nacional, a tolerância, a valorização das diferenças, a compreensão mútua e a
inclusão social. Se faltar a observação destes elementos, a unidade nacional será
literal.
Quanto à sua importância, ninguém duvida que se não fosse a cultura,
unicamente desenvolvida pelos humanos, não haveria distinção rigorosa entre
estes e outras espécies animais e entre um grupo social, do outro. Assim sendo, a
cultura serve para localizar os povos e potencializar seu capital social e humano.

Referências

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Notas
[1]Inicialmente apresentado no II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia Centro-Oeste
e Seminário das linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade

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Federal de Goiás, realizado em Goiânia em 2016, cujas contribuições culminaram com a sua
ampliação e melhoramento.

[2]Mestre e doutorando em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da


Universidade Federal de Goiás. E-mail: oscarnamuholopa@gmail.com.

[3]Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas, docente e pesquisadora da


Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade
Federal de Goiás. E-mail: andreavettorassi@yahoo.com.br.

[4]A identidade pessoal e a identidade social, ambas são o que se pode chamar da identidade
do ?eu?, que o indivíduo vem adquirindo como resultado das suas múltiplas experiências sociais
(GOFFMAN, 1988; ELIAS, 1994b).

[5]Ao usarmos este conceito, estamos longe do sentido aplicado por alguns autores que usam
o conceito de ?identidade coletiva? para se referirem às tendências de grupos socialmente
construídos para enfrentamentos (ver GOHN, 2002). Aplicamo-lo para nos referir à identidade
comum, que permite identificar membros de um mesmo grupo.

[6]Capital social é o conjunto de recursos potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável
de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento vinculadas a um grupo,
como um conjunto de agentes unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 2014).

[7]Geralmente, refere-se ao encontro de duas culturas diferentes, através do qual se operam


mudanças nos modelos culturais originais (BOURDON et al, 1990).

[8]Ou Nygana, o que significa ?coroa? em português.

[9]A pesquisa com a finalidade de conclusão do mestrado foi realizada na cidade de Lichinga,
capital da província de Niassa em Moçambique, e visava aferir o papel dos ritos de iniciação na
comunidade yaawo, dada a importância atribuída e prática contínua, envolvendo crianças na fase
inicial da adolescência (NAMUHOLOPA, 2017).

[10]Na concepção da política da FRELIMO (movimento de libertação de Moçambique)


o ?Homem Novo? seria um homem moderno, livre do obscurantismo, da superstição e da
mentalidade burguesa e colonial. Seria, portanto, um homem que assume os valores da sociedade
socialista (GÓMEZ, 1999).

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