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Educação e as Identidades Étnico-Culturais Moçambicanas: Um Dialogo entre as

Diferenças

Cláudio João Sindique1

CEPDH- Centro de Educação para Paz e Direitos Humanos-Moçambique

sydneyjoaosindique@gmail.com

GT-1

Resumo
O presente trabalho, pretende trazer uma reflexão sobeje acerca da tessitura da Escola e as
identidades Étnico-Culturais em Moçambique, bem como suas implicações no diálogo com
as diferenças. O trabalho sobre as Identidades étnico-Culturais se dá a cada instante, e exige
que a escola alimente uma “Cultura da Paz”, baseada na tolerância, no respeito as
diferenças étnicas e na noção de cidadania compartilhada por todos os moçambicanos. Na
escola, o aprendizado não ocorrerá por discursos, e sim num cotidiano em que uns não
sejam “mais diferentes” do que os outros, ou seja, no ambiente de caracter relacional com o
diferente. O artigo tem por objectivo, compreender a sincronia entre a educação e as
identidades étnicos culturais moçambicanos, seu carater relacional com as diferenças, de
maneira específica, procuramos discutir sobre as fronteiras étnico-culturais e o tribalismo
em Moçambique e o lugar das identidades étnicas na escola. Tomamos como referencias
teóricas para o nosso debate, os livros de Guilherme Basílio, (2010), José de Sousa Miguel
Lopes, (2010) e a obra de Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff Fenart, (1998). A afirmação
da diversidade é traço fundamental na construção de uma identidade nacional que se põe e
repõe permanentemente, tendo a Ética como elemento definidor das relações sociais e
interpessoais.

Palavras-chaves: Educação, Identidades Étnico-Culturais, Diferenças e Tribalismo

1
Professor, Activista Social, Escritor e Investigador. Licenciado em Ensino de Filosofia e História pela
Universidade Pedagógica de Maputo; Certificação em Desenvolvimento de Negócios Sociais e Liderança
Cívica pela University of South Africa (UNISA-SBL), School of Business Leadership, África do Sul-
Johanesburg. Certificação como Instrutor de Sistemas e Mecanismos Africanos de Direitos Humanos com
foco na Liberdade de Associação, pelo Centro Africano de Estudos sobre Democracia e Direitos Humanos da
Gambia, Banjul. Mestrando em Cooperação e Desenvolvimento na Universidade Eduardo Mondlhane.
Introdução

A temática das identidades étnicas moçambicanas diz respeito ao conhecimento e a


valorização de características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais que coabitam
no território moçambicano. E a escola serve por sua vez, para oferecer ao estudante a
possibilidade de conhecer Moçambique como um país de fronteiras étnicos culturais, um
país complexo, multifacetado e pouco mais paradoxal.

Propositadamente, este diálogo ou debate sobre as identidades ou moçambicanidade como


estatuto axiológico na construção do sistema nacional da educação avancei na apresentação
na minha licenciatura2, quando afirmava que as identidades ou moçambicanidade devem
ser vista como uma construção social ligada ao sonho de pertencermos a uma pátria, a uma
nação. A sociedade moçambicana, constituída a partir da diversidade sociocultural, político,
étnico e linguístico, conserva a história nacional que reconhece que no seio da diversidade
nasce e se desenvolveu um projecto político voltado para a moçambicanidade pós-colonial,
na qual a escola é uma das principais instituições na sua consolidação.

Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar os grupos


diferentes e culturais que a constituem. Moçambique é um país multilinguístico,
multicultural e com diferentes etnias, como também por emigrantes de diferentes países. A
convivência entre esses grupos culturais bastantes diversos é marcada pelo preconceito e
pela discriminação entre Macua, Macondes, Maxangana3, etc.

Objectivamente, pretendemos com este trabalho trazer uma reflexão ainda que inacabável,
sobre a escola e as identidades étnicas culturais moçambicanas num dialogo entre as suas
diferenças. O tema propõe uma concepção que busca explicitar as identidades étnicas
culturais que compõe a sociedade moçambicana, compreender suas relações históricas,
marcas das desigualdades e apontar transformações necessárias, oferecendo elementos para
a compreensão de que valorizar as diferenças étnicas e culturais não significa aderir aos
valores do outro, mas respeita-los como expressão da diversidade, tal diversidade que é

2
SINDIQUE Cláudio João, Pensamento Educacional em Severino Ngoenha: A Moçambicanidade como
Substracto Axiológico na Construção do Sistema Nacional da Educação Moçambicana, Universidade
Pedagógica de Maputo, 2017.
3
São três grupos étnicos bantu Moçambicanos, os macondes situados no sudoeste de Tanzânia e no Nordeste
de Moçambique. Os Maxanganas, designados por Tsongas estão situados no sul de Moçambique. Os Macus
também situados no norte de Moçambique, como maior grupo étnico.
traço fundamental na construção da identidade nacional. No final, o grande desafio
colocado a escola, é de reconhecer a diferença como parte inseparável da identidade
nacional e dar a conhecer a riqueza representada por essa diferença etnocultural que
compõe o património sociocultural moçambicano.

Tomamos como questões cruciais: como criar uma identidade nacional que se sobreponha
as identidades étnicas existentes e seja capaz de contê-las e canalizá-las no sentido de
favorecer a unidade e a formação da consciência na escola? Em outras palavras, como criar
uma identidade nacional sem prejudicar as fronteiras das identidades étnicas e regionais que
são fonte da diferença/diversidade, e portanto riqueza cultural? Qual papel da educação
neste diálogo entre as diferenças?

1.Fronteiras Étnico-Culturais e o Tribalismo em Moçambique

Ao tratar esta temática, é importante distinguir etnia, etnicidade, cultura, a que o tema se
refere, de tribalismo. As culturas são produzidas pelos grupos sociais ao longo das suas
histórias, na construção de suas formas de subsistência, na organização da vida social e
política, nas relações com o meio e os outros grupos, na produção de conhecimento. A
diferença da cultura é fruto dessa singularidade.

A tribo e etnia são dois termos quase equivalentes. Para P. Mercier citado por Chichava,
uma etnia é um grupo fechado, descendendo de um mesmo antepassado ou, mais
geralmente, tendo a mesma origem, possuindo uma cultura homogénea e falando uma
língua comum. Por seu lado, Honigmann afirma que “em geral, os antropólogos estão de
acordo sobre os critérios através dos quais uma tribo (como sistema de organização social)
pode ser descrita: um território comum, uma tradição de descendência comum, uma
linguagem comum, uma cultura comum e um nome comum, todos estes critérios formando
a base da união de grupos mais pequenos tais como povoações, bandos, distritos, linhagens,
(MERCIER apud CHICHAVA, 2008,p.2).

Por seu turno, Catherine Coquery‐Vidrovitch, afirma que o conceito de etnia teria aparecido
pela primeira vez no vocabulário científico por volta de 1787. Nessa altura, tinha uma
conotação religiosa, significando “pagão”, em oposição ao cristão ou ao judeus. Com a
emergência do imperialismo colonial nos finais do século XIX, o conceito vai mudar de
sentido, passando a designar os povos ou sociedades consideradas “primitivas” ou pré‐
industriais, em oposição às sociedades ocidentais ou evoluídas. A partir dessa altura, a tribo
ou etnia, em oposição à nação fenómeno então tido como tipicamente ocidental, foi
considerada como um fenómeno africano, onde os respectivos povos não teriam
consciência da sua unidade nem vontade de viver em conjunto, (Cf. CATHERINE
COQUERY‐VIDROVITCH, apud CHICHAVA, 2008,p.2).

Por derivação das definições acima, etnicidade ou “sentimento étnico” é um “feito de


consciência” « fait de conscience », porque ela não é nada mais que a consciência de
pertencer a um grupo humano diferente dos outros e de reivindicar essa diferença. A
etnicidade seria pois, a expressão da identidade étnica, da diferença, (idem). Enquanto
autores como Poitignat e Fernart (1998,p.160), considera-se que ao grupos étnicos (como as
castas), distinguindo-se de outros grupos organizados (como os grupos religiosos ou as
classes sociais) por seu modo de recrutamento que se realiza sob o princípio de nascimento.
Em geral, estes autores definem os grupos étnicos, como sendo aqueles que perpetua-se
biologicamente de modo amplo; compartilha valores culturais fundamentais, realizados em
parente unidade ou formas culturais; Constitui um campo de comunicação e de interação;
possui grupo de membros que se identifica e é identificado por outra como se constituísse
uma categoria diferencial de outras categorias do mesmo tipo, (POITIGNAT e
FERNART,1998,p.191).

Chichava (2008) afirma ainda, que o tribalismo, que à semelhança de todos os “ismos” tem
uma conotação ou carga negativa, seria a exclusão dos que não pertencem à nossa tribo ou
etnia, marginalizando‐os ou excluindo‐os. O tribalismo seria a instrumentalização ou a
manipulação das identidades étnicas com vista a tirar certos benefícios. Mas o tribalismo
não pode ser visto apenas do lado negativo, ele pode também constituir o veículo de
reivindicações populares e, frequentemente provocar paixões colectivas.

Fazendo uma pesquisa paralela, encontramos Lopes José no seu Livro Educação e Cultura
Africanas e Afro-brasileiras: Cruzando Oceanos (2010) onde procura trazer uma reflexão
ateada, afirmando que o Tribalismo em particular para Moçambique, nasce desde os
campos da luta armada (1965-1974) e na pós-independência (1975). Certamente este
tribalismo nasce porque as mais de vinte etnias, com suas culturas e suas línguas, foram
sistematicamente ignorados em nome do discurso da unidade nacional, (LOPES,
2010,p.71). Por um lado, estava o receio da FRELIMO 4 quanto a possibilidade de se vir a
fracionar o país, constituindo-se comunidades étnicas totalmente desvinculadas do poder
central, levando a reforçar o discurso face ao fenómeno de tribalismo, por outro lado, tal
comunidade étnica que se poderia vir a constituir seria sempre apenas uma comunidade
imaginária, sem maior legitimidade que a da comunidade nacional, (Ibid,p.72).

Ora no pós-independência a criação da identidade tornou-se necessária em Moçambique


porque no fundo, ainda que de forma inconsciente, ela procurou facultar os indivíduos, uma
redução da complexidade e da instabilidade social. Entretanto, houve perigos que advieram
de concepções de identidades e que acabaram fortalecer a rigidez das fronteiras étnico-
culturais, que os distinguem e dificultam cada vez mais o encontro e o diálogo com o outro.

Dessas afirmações, e avaliando o cotidiano das fronteiras étnico-culturais em Moçambique,


nota-se claramente que toda afirmação cultural, étnica racial ou nacional envereda então
por um recolhimento em si, um fechamento, e ameaça a desviar-se para a exclusão da
autoridade, desembocando no projecto de purificação étnica, na xenofobia, no racismo e na
violência.

Samora Machel5 citado por Lopes (2010) abordou pela primeira vez de forma sistemática e
através de vários ângulos o fenómeno de tribalismo, como grande inimigo da unidade
nacional, um problema que espalhado no tecido social moçambicano, podia levar a morte o
projecto da construção da Nação. Nas afirmações de Samora, o fenómeno ainda existia,
criando assim as fronteiras étnico-culturais entre moçambicanos, tal como se pode perceber
neste discurso: “Fomos suaves, não mexemos suficientemente o fundo dos problemas e, por
isso, de novo hoje toma forma”, (SAMORA apud LOPES, 2010,p.78). É evidente que até o
período da independência as fronteiras étnicas já estavam instaladas em moçambique,
nascidos nas rivalidades culturais existente nessas etnias. Samora recorre o exemplo do
período da luta armada, para revelar que quando, a partir da província de Cabo delgado, se
pretendeu levar a guerra do Rovuma ao Lúrio, para fazer avançar a luta libertadora para a
província de Nampula, a missão fracassou, porque o tribalismo não permitiu. O tribalismo
assume aqui essa exclusão e negação entre os povos, aliás Samora e a FRELIMO
4
Frente de Libertação de Moçambique
5
Primeiro Presidente da República Popular de Moçambique
caracterizavam o tribalismo como uma doença que enfraquece os povos africanos. Ele foi
mais contundente ao caraterizar o tribalismo como um “primitivo num estado precário de
subdesenvolvimento cultural, social e económico”, (Ibid,p.79).

Apresentado as características, Lopes (2010) mostra algumas manifestações do Tribalismo,


aplicando exemplo a velhas rivalidades existentes entre os Macondes e os Macuas. Os
macondes consideravam os macuas como aliados dos colonialistas porque tiveram fraca
participação na luta de libertação nacional, os macuas por sua vez qualificavam os
macondes de sulamulas, isto é, provocadores de desordem contra os portugueses,
afirmando que gostavam de usar objectos que feriam, que eram violentos. Ora, essas
diferenças étnicas, ainda hoje se torna difícil a ocorrência de um casamento entre membros
das duas etnias. A grande causa desse tribalismo, a Frelimo apontava sua origem ao
colonialismo ou ao desconhecimento e ignorância ou a conflitos, sobretudo psicológicos. A
origem do tribalismo segundo Lopes pode ser descrita de seguinte modo:

Como amar aquilo que não se conhece? Como admirar aquilo que não
conhecemos? Então, odiamo-nos porque não nos conhecemos (…) mas nem todos
podem nascer na mesma província ou no mesmo distrito, (LOPES,2010,p.88).

De facto, Samora já afirmava que muitos eram tribalistas sem saberem, porque não
conheciam outras pessoas e imaginavam que só eles é que existiam. Quando não se
conhece a cultura dos outros, suas danças, suas cancões, sua música, pensa-se sempre que
sua própria dança e música são as melhores.

1.1. Fronteiras dos Grupos Étnicos Moçambicano

Desta perspectiva, a nossa atenção concentra-se nas fronteiras que integram os grupos
étnicos moçambicanos, tornando-se a fronteira étnica que define o grupo e não matéria
cultural que ela abrange. A fronteira étnica canaliza a vida social, acarretando de um modo
frequente de organização muito complexa das relações sociais.

Segundo Boaventura de Sousa (1994,p.134) a cultura de fronteira é aquela zona hibrida,


babélica, onde os contactos se pulverizam e se ordenam segundo as micro-hierarquias
pouco susceptíveis de globalização. Em tal zona, são imensas as possibilidades de
identificação e de criação cultural, todas igualmente superficiais e igualmente subvertíeis.
Recapitulando as abordagens de Poitignat e Fernart (1998,p.155), eles sustentam que as
fronteiras étnicas são mais estáveis, e no decorrer do tempo, elas podem manter-se,
reforçar-se apagar-se, ou desaparecer. Elas podem tornar-se mais flexíveis ou mais rígidas.
Tal afirmação não é indiferente aos grupos étnicos moçambicanos. Até nos finais do século
XX, os grupos étnicos estavam quase incomunicáveis entre si devido ao sistema colonial.
Com o nascimento do nacionalismo politicamente consciente pautado na reivindicação de
autonomia política, do direito acoplados naquilo que se pode considerar de identidade
moçambicana, elas foram se tornando mais ou menos estáveis, foram manipuláveis pelos
outros autores. Esta manutenção baseou-se no reconhecimento e na validação das distinções
étnicas no decurso das interações sociais. Como sustenta Basílio, (2010,p.209), que ao
longo do tempo os grupos étnicos moçambicanos foram se solidarizando com a questão
nacional reforçando a identidade política. De um lado, cada grupo procura legitimar o seu
modo de ser, seus costumes, suas línguas, seus sistemas de administração, sua educação
tradicional, de outro, luta pela manutenção de traços identitários nacionais, como:
solidariedade e hospitalidade.

Em suma, pode se dizer que as fronteiras dos grupos étnicos moçambicanos, como qualquer
grupo étnico, não representam barreiras, elas nunca são exclusivas, e sim, mais ou menos
fluidas, moventes e permeáveis. Argumento reforçado por Mazula (2008) citado pelo
Basílio, que as identidades étnicas moçambicanas são constituídas como modelo de vida
das pessoas nas suas relações diárias, e no decorrer do tempo esses grupos vão se
costurando porque elas são incompletas, estão sempre em processo, sempre se formando,
por exemplo, os makwas, os shanganas, os rongas, os nyungues, como identidades étnicas
locais estão em processo de formação e de transformação, nenhuma delas constitui-se de
forma acabada, (MAZULA, apud BASILIO, 2010,p.211). É claro, como sublinha Cabaco
(2008) que o moçambicano no geral tem a sua maneira de lidar com os outros que é
característico de cada cultura. Os modos de relacionamentos com as pessoas, de expressar
as preocupações variam de cultura para cultura e caracterizam os núcleos étnicos. Só para
destacar, Cabaço cita o exemplo dos makwas, os macondes, os mashanganas, os bitongas,
os masenas, os ndaus que cultivam e conservam um modo específico de ser, de viver e de
se relacionar sem entrar em conflito com os outros grupos.
2.2.A Escola como Lugar da Diferença das Identidades Étnicos Culturais

De acordo com Basílio (2010,p.205), as identidades étnicas assentam na busca de novos


sistemas de solidariedade entre as pessoas da mesma etnia, de etnias diferentes e na
construção da moçambicanidade enraizados tanto na modernidade quanto na tradição das
populações. É certo de que os valores das comunidades moçambicanas estão enraizados nas
tradições locais, mas se comunicam com os valores nacionais, africanos e universais
construídos dentro do paradigma moderno a partir do qual as crianças são educadas para
saber estar e conviver com as diferenças dos outros. Possivelmente a escola constitua o
lugar de excelência para a diferença. A contribuição da escola na construção da democracia
é a de promover os princípios éticos de liberdade, dignidade, respeito mútuo, justiça e
equidade, solidariedade, diálogo no cotidiano; é a de encontrar formas de cumprir o
princípio constitucional de igualdade, o que exige sensibilidade para a questão da
diversidade cultural e ações decididas em relação aos problemas gerados pela injustiça
social.
A sociedade moçambicana é constituída por uma diversidade étnica, linguística, racial e
religiosa. Nela, recriam-se identidades diferenciadas, mas que não constituem conflitos na
construção da moçambicanidade. A escola segundo Basílio (2010) desempenha um papel
importante na consolidação das diferenças étnicas, não só de unir as diversas etnias rumo
ao sentimento nacional, mas também e, sobretudo, de resgata-las para o currículo visando
organizar uma história nacional. O resgate, a convergência das identidades diferentes na
escola enfatiza o diálogo entre o tradicional e o moderno, demostrando que a escola
inscreve-se nas realidades socioeconómicas, políticas, religiosas e culturais, (Ibid,p.206).

Quando a escola busca os valores de todos os grupos e reorganiza-os em valores e normas


nacionais, faz com que todo o projecto educacional se inscreva na realidade cultural, seja
local ou nacional visando criar valores nacionais. A escola Moçambicana para Basílio
(2010) constrói a identidade nacional partindo da fusão das identidades étnicas internas
diversificadas.

Em moçambique, existem cerca de 20 núcleos étnicos com seus respectivos sub grupos que
se identificam de modo diferente, mas que em sua unidade formam a moçambicanidade
político-cultural. Cada um dos núcleos étnicos possui características peculiares, sua cultura
e tradição bem diferenciada, portanto sua própria identidade. Entretanto, Basílio afirma que
nenhum desses núcleos constitui ameaça para identidade política nacional, antes pelo
contrário
estão em
relação
dialógica. É
nessa
relação
dialógica
onde se
extrai
aspectos
comuns que são
ensinados nas
escolas
rumo a

moçambicanidade político-cultural, (Ibid,p.207). São grupos e subgrupos étnicos


moçambicanos: Maconde, yao, Makwa, Koti, Lonwé, Nyanja, Sena, Chuabo, Lló, Podzo,
Chewa, Zimba, Nguni, Nsenga, tawara, Nyungwe, Thonga, Bargwe, Manyika, Tewe,
Shona, Ndau, Danda, Hlenguwe, Shangana, Tswa, Gwambe, Chopi, lenge e Ronga6.

Mapa: Grupos étnicos em Moçambique.

6
O trabalho não faz uma pesquisa aprofundada sobre esses grupos étnicos, mas sim procura mostrar e trazer
uma contribuição sobre o papel da escola na convivência com as diferenças étnicas.
Fonte: Guilherme Basílio, (2010,p.208)

Mesmo antes da educação tradicional autóctone, as regiões rurais baseadas nos ritos de
iniciação articulavam-se com a educação formal, servindo-se de fonte de transmissão e
consolidação dos valores identitários de cada grupo. A escola ganha sua relevância, por
reorganizar e sistematizar os valores da educação tradicional rumo ao desenvolvimento da
população. Aliás, Lopes já dizia que para a Frelimo a educação constituiu-se no elemento
fundamental capaz de resgatar a dignidade do povo moçambicano, sua cultura e, ao mesmo
tempo, para dar sustentação ao projecto socioeconómico, (Lopes, 2010). Em outras
palavras, Lopes diz nos que a educação tem o papel de tornar possível um projecto de
unidade nacional, de construção da nação moçambicana e consolidação das identidades
étnicas.

Esse tema necessita, portanto, que a escola, como instituição voltada para a constituição de
sujeitos sociais e ao afirmar um compromisso com a cidadania, coloque em análise suas
relações, suas práticas, às informações e os valores que veicula.
Pela educação pode-se combater, no plano das atitudes, a discriminação manifestada em
gestos, comportamentos e palavras, que afasta e estigmatiza grupos sociais. Contudo, ao
mesmo tempo que não se aceita que permaneça a atual situação, da qual a escola é
cúmplice ainda que só por omissão, não se pode esquecer que esses problemas não são
essencialmente do âmbito comportamental, individual, mas das relações sociais, e que
como elas têm história e permanência. O que se coloca para a escola é o desafio de criar
outras formas de relação social e interpessoal, por meio da interação o trabalho educativo
escolar e as questões sociais, posicionando-se crítica e responsavelmente diante delas.
Trata-se de oferecer ao aluno, e construir junto com ele, um ambiente de respeito, pela
aceitação; de interesse, pelo apoio à sua expressão; de valorização, pela incorporação das
contribuições que venha a trazer. Trata-se, também, de garantir espaço para situações
específicas vividas pelo aluno em seu cotidiano fora da escola, como a situação do aluno
trabalhador, seja no campo, seja na cidade. Poder expressar o que sentiu diante da
discriminação significa a oportunidade de ser resgatado da humilhação, e de partilhar seus
sentimentos com colegas. Ou seja, trata-se de ensinar a dialogar sobre o respeito mútuo
num gesto que pode transformar o significado do sofrimento, ao fazer do ocorrido ocasião
de aprendizagem.

2.2. Dialogo Relacional entre as Diferenças na Escola

A coexistência de diferentes comunidades culturais coloca desafios muito particulares e


interessantes à democracia, que têm sido articulados genericamente sob a designação de
multiculturalismo. A negociação das diferentes identidades (culturais, de género, de
orientação sexual, etc.) é, segundo Benhabib, o principal problema político que as
democracias enfrentam actualmente numa escala global (Benhabib, 1996).
Três questões particularmente relevantes para a democracia suscitadas pelas diferenças são
colocadas pela autora Benhabib (1996): a democracia depende de modelos identitários
homogeneizadores? Pode o ideal de cidadania universal acomodar a diferença? “Quanta”
diferença é compatível com o ideal do Estado de Direito, justiça e igualdade?
Os quadros culturais dos diferentes grupos implicam a partilha de valores, padrões de
comportamento, atitudes, etc, sendo estes assumidos pelos seus membros como normais.
“Todavia, todas as sociedades e todas as culturas, tendencialmente, apresentam como
universais esses valores, padrões de atitudes e acervo de conhecimentos. O ‘normal’ torna-
se normativo ao disponibilizar-se como base dos juízos éticos, estéticos, políticos e
epistemológicos descontextualizados” (Stoer e Magalhães, 2005, p. 130), isto é, quando
aplicado às diferenças. Se a consciência crítica do carácter contextual do normal e do
normativo tem vindo a ser relembrado pelo relativismo e anti-anti-relativismo, os autores
lembram que o enquadramento cultural do conhecimento não faz com que este seja
necessariamente relativo dando o exemplo de que todos os seres humanos de todas as
culturas reconhecerão o perigo de vida resultante da perfuração profunda do ventre com
uma faca.
Um dos trabalhos desenvolvidos pelo estadista Samora Machel para fazer convergir este
diálogo relacional entre as etnias, foi de adoptar uma política nacional e não tribal, regional
ou racista, de colocar numa mesma província indivíduos originários de diferentes
províncias, independentemente de sua raça. Uma colocação polémica avançada por Samora
junto com a Frelimo, dizia respeito ao tratamento da diversidade. Afirmava ele que a
existência de tribos como valores, como cultura e como ciência compromete a mensagem
da igualdade que trouxe a Frelimo, (SAMORA, apud LOPES, 2010, p.84).
Lopes (2010) fundamenta este diálogo, acrescentando ainda, que estabelecer diferença entre
o combate ao tribo e o reconhecimento das etnias e sua variada riqueza cultural, longe de
ser um elemento de divisão, a diversidade cultural pode ser entendida como um factor de
equilíbrio e de unidade. Portanto, a instauração de um diálogo fecundante entre as
diferentes culturas e a participação activa das diversas comunidades na vida cultural da
nação favorecem a integração e a unidade nacional.
O facto de as diferenças serem lidas enquanto partes de uma relação, em que nenhuma
constitui o centro de referência (mormente a cultura maioritária) a partir da qual as outras
são enquadradas e consequentemente menorizadas, multiplica as possibilidades de
pensamento sobre as diferenças e, acima de tudo, abre-as ao imprevisto, na medida em que
permite a agência das várias diferenças. A relação não pode por isso ser determinada a
priori, uma vez que depende de todas as alteridades “em jogo”. Mas o carácter relacional da
diferença permite ainda que “nós”, todos os “nós”, possam afirmar a sua alteridade, o que
também inclui a cultura maioritária. Segundo (Stoer e Magalhães, 2005, p. 133), A
diferença somos nós deixa por isso (propositadamente?) em aberto as soluções para os
problemas de relacionamento com as diferenças. A haver soluções, estas terão de ser
encontradas exactamente no mesmo espaço onde os problemas se constroem, isto é, entre
“a minha cultura” e “a tua cultura”. Os encontros e desencontros entre culturas são desta
forma recolocados nas relações concretas entre estas.
Talvez o grande caracter relacional entre o diferente na escola, seja o de Partilhar um
cotidiano em que o simples “olhar-se” permite a constatação de que todos alunos,
professores e demais auxiliares do trabalho escolar são provenientes de diferentes famílias,
diferentes origens e possuem, cada qual, diferentes histórias, permite desenvolver uma
experiência de interação “entre diferentes”, na qual cada um aprende e cada um ensina.
Traz a consciência de que cada pessoa é única e, por essa singularidade, insubstituível.
Trata-se de oferecer ao aluno, e construir junto com ele, um ambiente de respeito, pela
aceitação; de interesse, pelo apoio à sua expressão; de valorização, pela incorporação das
contribuições que venha a trazer. Trata-se, também, de garantir espaço para situações
específicas vividas pelo aluno em seu cotidiano fora da escola, como a situação do aluno
trabalhador, seja no campo, seja na cidade. Esse tipo de atuação exige do professor a
consciência de que estará aprendendo, numa área em que a prática do acobertamento é
muito mais frequente que a do desvelamento.
Considerações Finais
Chegado o fim deste artigo e, como forma de terminar, gostaríamos de tecer algumas
considerações finais deste trabalho. Durante o percurso deste artigo, o debate centrou-se em
volta da Escola e as identidades Étnico-culturais Moçambicanas para um diálogo entre as
diferenças. Procurou-se defender a tese de que a escola serve também como um lugar que
oferece aos alunos possibilidades de conhecer Moçambique como um país de fronteiras
étnicas culturais, um país complexo, multifacetado e um pouco mais paradoxal. Esta tese
foi o princípio de uma tentativa não acabada de mostrar os pressupostos das identidades
étnico culturais voltada para a construção da moçambicanidade, e que a moçambicanidade
é um projeto em construção que vai se consolidando a partir da unidade política, cultural e
económica.
As identidades étnicas culturais moçambicanas, neste mundo em constante mutação,
permite o indivíduo nomear-se e nomear os outros, fabricar uma ideia do que é e do que são
os outros, determinar seu próprio lugar e o do outro no mundo e na sociedade. Hoje mais de
que nunca, a sociedade moçambicana precisa produzir uma nova rede de relações sociais e
redescobrir o significado da educação formal, seu valor prático, para todos os grupos
sociais e não apenas para alguns privilegiados. É igualmente importante tentar devolver à
educação seu valor como uma agência mediadora, para que através dela revalorizem as
várias culturas étnicas, para que o povo possa ser na realidade um agente activo de
mudança.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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