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CURITIBA
2023
THIAGO ANDRADE FERREIRA
CURITIBA
2023
RESUMO
The present work aims to introduce and analyze the work of anime director Megumi
Ishitani, going through her whole career as a director, from her short films made while she
was still in college, to her recent work at Toei Animation, like Dragon Ball Super and One
Piece. Megumi has a recent career, but a notable one, and has rapidly gained a lot of fans all
over the world thanks to her creativity, her storyboards and her filmic approach to animation.
The analysis is centered on the short film Scutes on My Mind and in episode 1015 of the One
Piece anime, using the concept of poetic analysis, present in the article “Analysis of Film -
concepts and methodology” from Manuela Penafria, as methodology of analysis. This work
also brings a historic context for japanese animation, starting with the revolution caused by
Osamu Tezuka, going through the global rise of popularity of anime and ending with the
changes caused by the development of new technologies, using authors such as Jonathan
Clements, Stephen Cavalier and Monica Faria as basis.
INTRODUÇÃO:........................................................................................................................6
1 A ANIMAÇÃO JAPONESA:............................................................................................... 8
1.1 A INFLUÊNCIA DE TEZUKA:.................................................................................... 8
1.2 A CHEGADA DAS NOVAS TECNOLOGIAS........................................................... 12
2 MEGUMI ISHITANI...........................................................................................................19
3 ANÁLISE DAS OBRAS...................................................................................................... 25
3.1 SCUTES ON MY MIND:.............................................................................................25
3.2 ONE PIECE (EPISÓDIO 1015)................................................................................... 25
CONCLUSÕES E PRÓXIMOS PASSOS.............................................................................30
REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 31
6
INTRODUÇÃO:
Em meados de 2021, uma nova diretora surgiu no anime de One Piece, no episódio
957, e me chamou a atenção muito rapidamente. Era a Megumi Ishitani e seu episódio era
diferente dos exibidos até então, pois era possível ver um storyboard mais elaborado e um
carinho maior em sua produção. Desde então, aguardei ansiosamente por cada novo episódio
dirigido por ela. Ainda no mesmo ano ela dirigiu outro ótimo episódio, o 982, mas foi em
2022, com a exibição do episódio 1015, que me apaixonei profundamente por seu trabalho.
Paixão essa, que se tornou tão grande, que agora necessito falar sobre a Megumi em toda
ocasião possível.
Por isso, meu objetivo principal com este trabalho é introduzir a Megumi Ishitani e
seu trabalho a mais pessoas, além de fazer uma análise fílmica de duas de suas obras, sendo
elas Scutes on my Mind e o episódio 1015 de One Piece. Busco apresentar a trajetória da
realizadora e todas as suas obras, passando pelos curtas feitos na graduação, seus trabalhos na
Toei Animation para o animê de Dragon Ball Super, até chegar em seus trabalhos mais
recentes para One Piece. Por conta de sua carreira recente e da barreira linguística não
encontrei trabalhos acadêmicos sobre a diretora, então fiz o que pude com o que encontrei no
site da Ishitani e em artigos de opinião ou jornalísticos espalhados pela internet.
Para a análise de suas obras utilizo como metodologia base o conceito de análise
poética desenvolvido no artigo da Manuela Penafria (2009), que busca identificar os
sentimentos e sensações que uma obra é capaz de produzir e, a partir disso, traçar a estratégia
utilizada para gerar essas sensações. Com isso, analisarei características de sua direção, como
por exemplo a composição de suas cenas, o uso das cores e como ela consegue trazer uma
grande camada de autoralidade mesmo dirigindo a adaptação de um mangá.
Trago também um contexto histórico das animações japonesas desde a revolução
causada por Osamu Tezuka na década de 1960. Falo sobre como os animes chegaram a essa
estética e modo de produção ao longo dos anos, sobre as características da animação limitada,
técnica utilizada até hoje, e sobre os diferentes gêneros existentes como shounen ou shoujo.
Além disso, é muito importante ir além dos nomes mais conhecidos e comuns no
mundo das animações, como Hayao Miyazaki ou Satoshi Kon, e falar sobre diferentes
diretores de anime que não têm o reconhecimento que merecem ou que ainda não são muito
conhecidos fora da bolha das animações. Especialmente quando se trata de uma mulher
7
dirigindo episódios importantes de uma das maiores obras japonesas, seja em tamanho ou em
público.
Por fim, é evidente que a animação, especialmente a animação japonesa, é
constantemente ignorada no meio acadêmico ou tratada como algo inferior aos principais
meios audiovisuais como cinema ou séries. Portanto, faz-se necessário analisar objetivamente
essas animações, pois elas possuem tanto valor quanto qualquer outra obra audiovisual.
8
1 A ANIMAÇÃO JAPONESA:
A princípio, Osamu Tezuka não era um animador, mas sim um desenhista e mangaka.
Graças à influência ocidental no Japão após a Segunda Guerra, o autor mesclava a estética
característica dos mangás com técnicas de enquadramento cinematográficas, influenciado por
artistas como Max Fleischer1 e Walt Disney. Assim, em 1947 ele publicou seu primeiro
mangá, chamado Shin Takarajima2, e ao longo dos anos produziu grandes obras como “Astro
Boy” e “Kimba o Leão Branco”. Mas foi somente no fim dos anos 50, quando ele já havia se
consagrado como desenhista, que ele teve uma chance na animação (Faria, 2008).
1
Animador e diretor, pioneiro no desenvolvimento dos desenhos animados e levou grandes personagens como
Superman e Betty Boop para as telas.
2
A Nova Ilha do Tesouro (Tezuka, 1947)
9
3
Fundado em 1948, é um dos principais estúdios de animação do Japão e existe até os dias de hoje, responsável
por obras como One Piece, Dragon Ball e Cavaleiros do Zodíaco. Contou com a presença de grandes nomes da
indústria ao longo dos anos, sendo alguns deles Osamu Tezuka e Hayao Miyazaki.
10
possui episódios muito curtos e teve uma exibição irregular, fazendo com que a obra de
Tezuka seja considerada por muitos como o primeiro animê para a TV. Segundo Mônica Faria
(2008):
Assim, fica claro que Astro Boy trouxe e popularizou os animes para TV como vemos
até hoje no Japão, sendo o primeiro grande anime de sucesso no país e no mundo. Mas não foi
só isso, o animê de Tezuka também popularizou os personagens desenhados com olhos
grandes, antes mais comum somente nos mangás, além de marcar uma nova forma de
produção conhecida como animação limitada.
Apesar de terem ficado mais populares nos animes a partir da década de 60, os
desenhos de personagens com os olhos grandes, característicos da arte oriental, existem há
muito anos. Tudo começou com a origem dos mangás, que pode ser traçada até o século XI,
com os chouju-giga4, que eram basicamente caricaturas de animais desenhadas em rolos que
contavam uma história (Moliné, 2004). Anos depois, no período Edo, uma técnica chamada
ukiyo-e5 surgiu. Essa técnica permitia que uma única imagem pudesse ser reproduzida
diversas vezes. Katsura Hokusai, um dos artistas que utilizaram essa técnica, publicou o livro
Hokusai Manga em 1814, sendo a primeira vez que o nome “mangá” foi utilizado (Gonzaga,
2022). Porém, Hokusai não foi o criador dos mangás como conhecemos:
Os desenhos com olhos grandes e linhas simples, então, surgiram para facilitar a
interpretação dos leitores, pois maioria da população japonesa era analfabeta no kanji6 -
ideograma originário da China - e esse tipo de desenho transmite com mais facilidade os
sentimentos dos personagens, sem precisar do uso do texto (Faria, 2004). Tezuka adotou essa
4
Caricaturas de Animais, na tradução para PT-BR
5
Estilo de xilogravura e pintura japonesa, o termo significa “Pinturas do Mundo Flutuante”
6
Um dos três alfabetos utilizados no Japão
11
forma de desenhar em seus mangás e mudou não só a estética deles como também das
animações. De acordo com Quise Brito e Yuri Gushiken:
Além disso, Tezuka trouxe aos mangás as onomatopeias e fez seus desenhos terem a
impressão de velocidade com o uso de linhas e traços fortes. Por conta de todas essas
características, de acordo com Cavalier (2011, p. 190, tradução minha): “foi Astro Boy que
demonstrou ao mundo o estilo particular de desenho que mais tarde seria conhecido como
anime”.
Por esse motivo Tezuka teve que adotar a animação limitada e ao fazer isso ele
conseguiu diminuir o orçamento esperado de 60 milhões de ienes7 para apenas 2,5 milhões8
por episódio, através de uma série de medidas drásticas. A equipe de Tezuka passou a tratar a
animação limitada como um estilo que nasceu do corte de gastos e visto como o oposto do
estilo “realista” adotado pela Toei Douga (Clements, 2013). Dentre as características da
animação limitada pode se destacar: san-koma tori ou shooting on threes - usar apenas oito
imagens para cada segundo de animação, diferente das 12 utilizadas numa animação
“normal”; tome[-e] - usar um único frame ímovel para sequências em que animação não é
necessária; Kurikaeshi - usar um único loop de animação em conjunto de um background
“deslizando” para cenas de caminhada; e Bubun - a face ou corpo permanece imóvel enquanto
só a parte essencial, como uma perna chutando, é animada.
Utilizando essas medidas, Tezuka conseguiu cumprir o cronograma semanal de Astro
Boy, no entanto, é importante destacar que o diretor não foi o inventor dessas medidas:
Com isso, fica evidente a influência de Tezuka e sua equipe na Mushi Pro sob os
animês até os dias de hoje. As técnicas usadas por eles, a estética de suas obras e a forma de
enredo utilizada viraram um padrão que é seguido até os dias de hoje nos animes (Soares,
2019). O foco das produtoras e dos estúdios ainda é a televisão, principalmente para as
adaptações de mangá, além da manutenção do uso da estética dos olhos grandes e linhas
simples. Contudo, as mudanças na indústria não ficaram somente a cargo do diretor. Com a
chegada da animação digital e a globalização, os animês passaram por mais uma
transformação em seu modo de produção, transformação essa que, acompanhada da animação
limitada, foi suficiente para que teóricos como o Clements passassem a considerar os anime
como um gênero próprio, com suas próprias regras e tradições.
7
Aproximadamente 2 milhões de reais na cotação atual (Setembro de 2023)
8
Aproximadamente 85 mil reais
13
9
Fatia de vida em tradução literal. É um gênero focado no dia a dia das personagens, geralmente adolescentes,
onde vemos elas realizarem atividades escolares como o festival de verão, os jogos internos, etc.
10
Gênero onde o personagem principal “morre” e reencarna em um mundo alternativo, muitas vezes medieval e
fantasioso. O personagem mantém os conhecimentos de sua vida passada, além de ganhar poderes místicos.
15
era melhor encerrar a série durante esse período e a substituir por algo similar (Clements,
2013). Por isso, é muito comum ver obras sendo tratadas como “anime da temporada de
outono” ou “anime da temporada de outubro”. No entanto, não são todos os animes que
seguem esse modelo. One Piece, por exemplo, não utiliza o sistema por temporada e seus
episódios são exibidos semanalmente sem pausas durante todo o ano, sendo uma das poucas
produções a resistir à mudança.
Além disso, uma grande mudança que a animação digital trouxe foi a possibilidade de
terceirizar a produção de episódios para outros países. A terceirização é uma prática muito
comum das produtoras para conseguirem entregar todos os episódios no prazo, até mesmo
Osamu Tezuka terceirizou episódios de Astro Boy para a Onishi Pro. Mas a primeira vez que
um episódio foi terceirizado para um país estrangeiro foi, segundo Jonathan Clements (2013),
em 1966 no anime Ogon Bat11, que teve partes de seu processo realizadas na Coréia do Sul. A
prática ganhou ainda mais força nos dias de hoje com a ajuda das redes sociais. Um dos
principais exemplos é a Toei Animation, que contrata vários animadores autônomos de outros
países para ajudar na produção de One Piece, sendo alguns deles Vincent Chansard12 e Henry
Thurlow13, esse último inclusive se tornou a primeira pessoa estrangeira a dirigir um episódio
do anime, com o episódio #1.066, e é tido pela staff como o primeiro estrangeiro a dirigir um
episódio de uma série de TV na história da Toei Animation (Mateo, 2023).
A indústria chegou nesse ponto, onde até mesmo estrangeiros estão dirigindo animes,
graças a grande popularidade que algumas de suas obras alcançaram aqui no Ocidente. Os
animes chegaram às TVs no Ocidente com “As Novas Aventuras de Pinóquio”, série feita no
Japão para clientes americanos em 1961 (Clements, McCarthy, 2015). Depois, foi a vez de
Astro Boy, que ainda em 1963 foi vendido para a emissora americana NBC Enterprises. Com
isso, a popularidade das animações japonesas só aumentou ao longo dos anos, chegando a
diversas regiões ao redor do mundo, como a América Latina, durante a década de 1970:
11
Fantomas - O Guerreiro da Justiça
12
Jovem animador francês conhecido por seu trabalho em Mob Psycho 100, One Piece e um vídeo promocional
para o jogo League of Legends.
13
Animador americano, trabalhou em animes como Pokémon e Naruto, além de ter sido diretor técnico e
animador-chave no clipe de “Snowchild” do The Weeknd
16
Porém, foi somente na década de 1990 que os animes explodiram ao redor do mundo,
graças ao grande sucesso de obras como Dragon Ball e Cavaleiros do Zodíaco (Brito,
Gushiken, 2011). Só que, apesar dessas obras terem sido muito importantes, o catalisador
dessa explosão foi o anime de Pokémon e a exibição do episódio #38 da série, no dia 16 de
Dezembro de 1997. O episódio, marcado pela presença do pokémon chamado Porygon,
contava com uma sequência rápida de luzes piscando e em menos de uma hora depois da
exibição, 618 crianças foram levadas para o hospital com sintomas como convulsões e dor de
cabeça (Radford, 2001). De acordo com Jonathan Clements (2013, p.177, tradução minha):
“Na verdade, a breve publicidade adversa assegurou que essa encarnação mais recente de
marketing entre mídias virasse uma marca de reconhecimento global. Em retrospecto,
podemos considerar isso como evento central da popularidade dos animes mundo afora [...]”.
17
Por fim, as mudanças geradas pelo desenvolvimento das tecnologias são as mais
óbvias. A animação em célula foi substituída pela animação digital, o 3D passou a ser
utilizado e várias etapas do processo ficaram mais rápidas. Ghost in the Shell (Mamoru Oshii,
1995), por exemplo, usou computadores como ferramentas para recriar efeitos de filmes
live-action como mudanças de foco e lens flare. Ainda, Oshii escaneou as imagens
diretamente no computador, o que permitiu integração dos efeitos e fez com que o 2D fosse
tão fácil de manipular quanto elementos 3D (Clements; McCarthy, 2015). O visual do filme,
18
então, se tornou uma interpretação sofisticada do tradicional 2D estilo anime, notável pelos
experimentos misturando computação gráfica com os desenhos 2D (Cavalier, 2011).
Técnicas novas surgiram, como o Toon Shading, que era utilizado para fazer com que
a animação 3D ficasse mais parecida com a animação tradicional em célula e um hibridismo
entre 2D e 3D passou a ser mais utilizado:
14
Jovem diretor de animes, recentemente ficou conhecido por seu trabalho nas adaptações animadas de Bocchi
the Rock e de Frieren: Beyond Journey’s End.
19
2 MEGUMI ISHITANI
15
Link para o “The Art Education”: https://vimeo.com/87092925
16
Link para o “Oh Dear”: https://www.youtube.com/watch?v=vtYA6rUZcKs
17
Link para o “Scutes on my Mind”: https://www.youtube.com/watch?v=F9Ncp0dD73A&t=375s
20
Megumi concluiu a faculdade ainda em 2015 e foi para a Toei Animation, um dos
maiores conglomerados de animação do Japão, conhecida por animes como Dragon Ball,
Sailor Moon e One Piece. Na Toei ela rapidamente se destacou e foi diretora assistente de 52
episódios de Dragon Ball Super, continuação da clássica história de Akira Toriyama. Além
disso, Megumi ficou responsável pela direção e storyboard dos encerramentos 5 e 7, também
de Dragon Ball Super, e chegou a ser diretora do episódio 107, porém escolheu não ser
creditada por ele. Por conta desse histórico, o trabalho dela chamou a atenção dos diretores
gerais do anime, Tatsuya Nagamine e Ryota Nakamura, o que fez com que Ishitani ganhasse a
oportunidade de dirigir e produzir o storyboard do episódio final da série, o episódio 131. E
essa decisão se provou correta, pois o episódio é um dos melhores de toda a série, com ritmo e
composição de cenas superiores a de vários outros anteriores. Segundo Kevin Cirugeda:
Após isso, a Toei decidiu criar um projeto para que os diretores mais novos da empresa
pudessem realizar seus curtas originais e a Megumi foi incluída entre esses diretores. Ela
chegou a produzir uma prévia de um minuto do curta intitulado Jurassic!19 (2019), mas
infelizmente o projeto foi cancelado pouco tempo depois e a Toei decidiu continuar com seu
18
While #107 was already quite a strong episode despite the limited animation, #131 in particular raised the bar
much higher than Super had ever reached before. Her storyboards were tremendously evocative for the show’s
standards, and that adaptability she would need to survive in a foreign environment proved to be there already, as
she threaded together a more satisfying action setpiece than most Dragon Ball veterans (CIRUGEDA, 2022, não
paginado)
19
Link para o “Jurassic”: https://www.youtube.com/watch?v=COZ5fwIavo0
21
foco em adaptações de mangás. Uma pena, já que esse projeto tinha potencial de ser muito
relevante e dar a vários diretores uma chance não só de mostrar toda sua criatividade, como
também de ter seu espaço sob o holofote. Jurassic! podia ter sido a primeira obra original de
Ishitani desde Scutes on my Mind, uma obra que pelo que foi mostrado no teaser engloba
várias características do seu trabalho, como cores vibrantes, uso de lens flare em alguns
momentos e, é claro, a presença de dinossauros.
Até que, ainda em 2019, Tatsuya e Ryota assumiram a direção da adaptação em anime
do mangá de One Piece (Eiichiro Oda, 1997) e, graças a confiança deles no trabalho de
Ishitani, a animadora foi chamada para o projeto e zarpou para a série, onde boa parte dos
seus trabalhos como diretora foram realizados (Cirugeda, 2022)
Assim, Megumi garantiu seu espaço em uma obra de grande porte e grande orçamento
já que, com o fim de Dragon Ball, o foco da Toei passou a ser as aventuras do “piratinha que
estica”, como é carinhosamente chamado aqui no Brasil. A primeira direção da animadora em
One Piece só ocorreu em 2021, com o episódio 957, um dos episódios mais importantes da
temporada, tamanha era a confiança de Tatsuya e Ryota no trabalho dela. O episódio,
intitulado “Manchete! O Incidente dos Shichibukais Atacados”, marca um importante ponto
de virada no mundo da obra, em que toda a política mundial é alterada da noite pro dia após
um incidente no Reverie, basicamente uma reunião entre os principais monarcas daquele
universo. É imediatamente perceptível a diferença deste episódio para os demais, a animação
fluída e com ênfase nos movimentos das personagens está presente, mas o que surpreende é a
dinamicidade da primeira cena20, com personagens indo de um lado para o outro, trabalho de
20
Link para a cena: https://www.youtube.com/watch?v=cmKLlBf0x_g
22
No mesmo ano, depois de seis meses de espera, Ishitani voltou para dirigir mais um
capítulo da série, o episódio #982. E nesse episódio ela se destacou mais uma vez, com uma
animação tão boa quanto a do #957, com momentos cheios de criatividade e cenas carregadas
de emoção, Megumi se consagrou entre os fãs de One Piece como uma das melhores pessoas
a trabalhar na obra. A diretora usa, por exemplo, de seu amor por dinossauros para fazer um
videoclipe no meio do episódio, substituindo um trecho que no material original eram só mais
algumas páginas de texto expositivo. O clipe21 é estrelado por Queen, um braquiossauro DJ,
que anuncia os diferentes tipos de inimigos para o público presente na festa. É um clipe que
quebra totalmente a estética de Japão feudal do país em que o episódio se passa, com luzes
piscando e tecnologias modernas como um microfone, uma câmera e uma mesa de DJ. Além
disso, o clipe é uma mistura de som e movimento que tira vantagem não só da história, como
também do meio da animação em si (Dockery, 2021). E a criatividade de Ishitani não acaba
por aí, pois ela utiliza a abundância de cores do trecho para transformar uma simples bebida
derramada na intenção sanguinária de um dos personagens22 (CIRUGEDA, 2022).
Porém, foi só em 2022 que Megumi alcançou seu ápice até então, com a exibição do
episódio 1015. Falarei mais sobre o episódio na análise, mas é evidente a qualidade do
capítulo, uma manifestação de todo o amadurecimento e desenvolvimento da diretora durante
21
Link da cena: https://www.youtube.com/watch?v=-CXFWes1xCA
22
Como pode ser visto neste trecho do episódio:
https://blog.sakugabooru.com/wp-content/uploads/2022/04/ever-see-a-director-so-brilliant-it-makes-you-mad.mp
4
24
esses anos. 1015 é um marco, um dos melhores episódios de anime de todo o ano de 2022 e
algo que vai ficar marcado na memória dos fãs de One Piece.
Ainda, poucos meses depois da exibição do episódio, One Piece recebeu um filme
para os cinemas, intitulado One Piece: Film Red (Goro Taniguchi, 2022). O filme é sobre a
Uta, uma cantora que quer encantar o mundo com sua música e, por conta disso, parte do
material de divulgação do filme foram videoclipes das músicas utilizadas no filme. Megumi
dirigiu o clipe para a música “風のゆくえ” ou “Para Onde o Vento Vai” em português e aqui é
possível ver um estilo mais parecido com os primeiros trabalhos dela, um estilo narrativo
mais poético e desenhos mais simples. No entanto, o mais impressionante do clipe é que ele
teve apenas uma animadora chave: Keisuke Mori, que também foi a designer de personagens.
Ishitani também dirigiu alguns spots23 especiais para o filme, sendo eles o de halloween e o de
Natal, o que prova a versatilidade e importância de Megumi para a Toei Animation nesse
último ano.
Por fim, a diretora não produziu mais nada desde esses materiais para o filme, porém,
há a expectativa de que ela vai dirigir mais um episódio do anime ainda este ano, um episódio
que está sendo produzido há bastante tempo e que adaptará um capítulo muito importante da
obra.
23
Pequenas propagandas especiais
25
Esta análise, da autoria de Wilson Gomes (2004), entende o filme como uma
programação/criação de efeitos. Este tipo de análise pressupõe a seguinte
metodologia: 1) enumerar os efeitos da experiência fílmica, ou seja, identificar as
sensações, sentimentos e sentidos que um filme é capaz de produzir no momento em
que é visionado; 2) a partir dos efeitos chegar à estratégia, ou seja, fazer o percurso
inverso da criação de determinada obra dando conta do modo como esse efeito foi
construído. Se considerarmos que um filme é composto por um conjunto de meios
(visuais e sonoros, por exemplo, a profundidade de campo e a banda sonora/musical)
há que identificar como é que esses meios foram estrategicamente
agenciados/organizados de modo a produzirem determinado(s) efeito(s). [...] Ainda
que este tipo de análise se aplique a filmes convém notar que pode ser aplicada à
contemplação de qualquer outra obra de arte. (Penafria, 2009, p. 6-7)
24
Link para o episódio: https://drive.google.com/file/d/10Xp1aKGI4z7fZ4476lluys8prbwHyNgB/view
26
da obra. O episódio nos mostra a evolução da obra da Megumi depois desses anos como
diretora e storyboarder, fazendo com que eu o considere o melhor trabalho da diretora até
então. Infelizmente, os storyboards desse episódio não estão disponíveis para o público, pois
adoraria analisá-los, mas ainda é possível analisar aspectos chave como trabalho de câmera e
composição das cenas.
Por ser um episódio de aproximadamente 24 minutos vou separá-lo em 3 trechos
principais que usarei para a análise, eu os intitulei como “O Sonho de Luffy” (05:23-07:51),
“A Liberdade de Yamato” (11:00-13:50) e “A Chegada de Luffy” (17:35-20:52). Essas cenas
encapsulam toda a qualidade do trabalho de Ishitani e várias de suas características.
O trecho “O Sonho de Luffy” começa com os personagens Ace e Yamato conversando
em frente à fogueira. Nesse primeiro trecho não usarei tanto da análise poética, pois a maior
força da cena são os aspectos formais utilizados. Rapidamente é possível perceber o cuidado
de Megumi ao trabalhar luz e sombra, além de como ela gosta de trabalhar ângulos sem
mostrar o rosto dos personagens, ou mostrá-los de lado, de perfil. O enquadramento da cena
também é interessante, Yamato está a esquerda da fogueira, mas no lado direito do plano,
enquanto Ace está a direita da fogueira, mas no lado esquerdo do plano, ambos com um
grande espaço vazio atrás deles. Essa decisão preserva a distância dos personagens entre os
planos e, por ela manter a escala, o tamanho dos personagens também influencia em como os
vemos. Isso gera um resultado interessante, com Yamato tendo seu rosto cortado pelo plano,
conforme a FIGURA 12.
A cena constrói uma inquietação no Yamato ao ouvir Ace falar sobre o sonho de seu
irmão e Megumi utiliza do rosto fora do plano e, depois, um plano detalhe nas mãos trêmulas
de Yamato segurando o diário para construir esse sentimento na personagem. Após isso, a
cena volta para o presente, mas o rosto de Yamato permanece fora de quadro enquanto ela fala
27
que nunca viu nada além de seu país. É interessante notar que, no presente, as posições foram
invertidas, Yamato agora fica à direita das personagens e não à esquerda. Até que, Yamato
fala que finalmente viu algo naquele dia conversando com o Ace e seu rosto volta a entrar em
quadro, com um close, conforme FIGURA 14.
Eva Heller (2013, p. 169) (Não vou usar mais essa autora como referência, por
indicação da banca, penso em usar o “Da Cor à Cor Inexistente” do Israel Pedrosa e/ou o
“Color in Art” do John Gage) em seu livro Psicologia das Cores diz que Amarelo, Laranja e
Vermelho formam um acorde típico do prazer, da alegria e da energia. Porém, aqui, essas
cores são utilizadas para representar o velho, a antiga era de piratas guiada por Roger,
enquanto o azul e o verde foram utilizados para representar o novo, a nova era de piratas
guiada por Luffy. Isso é evidenciado quando Luffy aparece nesse mundo e todas essas cores
começam a se misturar como vemos na FIGURA 20.
Yamato então percebe que o sonho de Luffy e o sonho de Roger evidenciado no diário
são os mesmos. Isso faz com que ela perceba que uma nova geração de piratas está por vir e
essa realização faz com que todas as cores se mesclem como podemos ver na FIGURA 22.
29
Assim, é possível ver como Megumi está disposta a trabalhar diversas cores em suas
obras e utilizar o meio da animação a seu favor. Segundo Nick Creamer:
REFERÊNCIAS
AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. A Análise do Filme. Lisboa: Edições Texto & Grafia,
2009
BARROS, Miriam; HORA, Rodrigo. Studio Ghibli: A consolidação do animê como produto
de consumo. XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste. Mossoró:
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2013.
BECKMAN, Karen. Animating Film Theory. Durham, Londres: Duke University Press,
2014.
CIRUGEDA, Kevin. “The Meteoric Ascent of Megumi Ishitani, Toei Animation’s New Heir”.
Disponível em:
<https://blog.sakugabooru.com/2022/04/30/the-meteoric-ascent-of-megumi-ishitani-toei-anim
ations-new-heir/>. Acesso em 28 Novembro 2022. Sakuga Blog, 30 de Abril de 2022.
CREAMER, Nick. “The Soul of One Piece - Megumi Ishitani’s Wano Episodes”. Disponível
em:
<https://www.crunchyroll.com/news/features/2022/5/16/feature-the-soul-of-one-piece-megum
i-ishitanis-wano-episodes>. Acesso em 05 Agosto 2023. Crunchyroll, 16 de Maio de 2022.
DOCKERY, Daniel. “With One Piece, We’re Watching The Rise Of An Incredible Anime
Director”. Disponível em:
<https://www.crunchyroll.com/news/features/2021/7/12/feature-with-one-piece-were-watchin
g-the-rise-of-an-incredible-anime-director>. Acesso em 29 Julho 2023. Crunchyroll, 12 de
Julho de 2021.
FARIA, Mônica. História e Narrativa das Animações Nipônicas: Algumas Características dos
Animês. Actas de Diseño, Buenos Aires, v. 5, p. 150-156, jul./ago., 2008
32
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Cultura Japonesa Além da Terra do Sol Nascente. Curitiba: Unicuritiba, 2022. Monografia de
conclusão de curso (Bacharelado em Relações Internacionais). Curso de Relações
Internacionais, Centro Universitário Curitiba, 2022.
HELLER, Eva. A Psicologia das Cores: como as cores afetam a emoção e a razão. São
Paulo: Gustavo Gili, 2013
MATEO, Alex. “American Animator Henry Thurlow Is 1st Non-Japanese Episode Director
for One Piece Anime”. Disponível em:
<https://www.animenewsnetwork.com/news/2023-06-09/american-animator-henry-thurlow-is
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0Animator%20Henry%20Thurlow%20Is%201st%20Non-Japanese,Director%20for%20One
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