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UNIRIO

2017.1

LITERATURA E OUTROS CÓDIGOS

PROFESSORA ANA CAROLINA COELHO

ALUNA BIANCA MARQUES PÓVOA

Texto crítico sobre “A máquina performática – a literatura no campo experimental”, de


Gonzalo Aguilar e Mario Cámara.

No livro, Gonzalo Aguilar e Mario Cámara nos apresentam três conceitos


diferentes do que vem a ser praticamente a mesma coisa – e isto é absolutamente
positivo! - quando ele diz que a “cultura” pode ser vista como a forma de distribuir os
espaços; ele remonta ao passado político e artístico do Brasil e de alguma forma do
mundo também. São os três conceitos: Henri Lefebvre criou o conceito de l’espace
vécu, Michel Foucault o de heterotopia e Edward Soja o de terceiro espaço. Segundo
Foucault, “a heterotopia é capaz de sobrepor em um único lugar real diversos espaços,
diversos locais que são em si mesmos incompatíveis”.

Eu conheço espaços heterotópicos e por isso sei dos desdobramentos


negativos que isso eles também podem gerar, digo os da área dos manicômios,
nessa linha da segregação impositiva.

Desta maneira, vou tentar expor a seguir alguns apontamentos que me chamaram a
atenção sobre o livro “A máquina performática”.

Soja, o do “terceiro espaço/thirdspace”, vai em uma direção semelhante com seu


conceito de terceiro espaço, inspirado nos trabalhos de Lefebvre: ele acredita que todas
as possibilidades são oferecidas no terceiro espaço, pois pensa binariamente:
“subjetividade e objetividade, o abstrato e o concreto, o real e o imaginado, o
conhecimento e o inimaginável, o repetitivo e o diferencial, a estrutura e o
agenciamento, a mente e o corpo, a consciência e o inconsciente, o disciplinado e a
transdisciplinaridade, a vida de cada dia e a história sem fim”.
Soja foi ousado mas levemente tolo: ele criou uma síntese acerca da tese e da
antítese, que ao meu ver, nção precisa de síntese para nada, temos aí hoje em dia (há
décadas) a escola da Desconstrução.

Mais tarde volto a Soja, e explico o motivo de tê-lo impregnado. Agora sigo para
outro “espaço”.

Ultimamente temos visto no Brasil inúmeras ocupações, a maioria delas em


espaços públicos, como Universidades. Ocupar, ao meu ver, não é apenas estar lá, mas
sim, de acordo com os autores, dotar o espaço ocupado de uma nova substância (que
eles chamam de “potência”) simbólica e material.

Muito me chamou a atenção pela forma finamente detida e elegante dos autores
sobre a performance exercida pelo autor, querendo ele ou não, quando se trata de
máscara e pose.

Particularmente, prefiro aos escritores que invalidam o trâmite sensacionalista de


suas obras ao se negarem a participar de feiras, lobbies, canapés e pró seco. Temos
Dalton Trevisan como um grande exemplo brasileiro – citado pelos autores, inclusive.

Evoco Roland Barthes para me clarificar um pouco nas assertivas acima: ele, ao
iniciar seu texto “A morte do autor” evocando Balzac e sua novela “Sarrasine”, nos
interroga de quem é a voz do texto, para depois afirmar que é impossível saber, pois “a
escritura é a destruição de toda voz”. Com essa afirmativa, podemos entender que ao
criar um texto – entende-se aqui por “texto” qualquer obra, tanto escrita quanto
audiovisual – perde-se a identidade de seu criador, ao mesmo tempo em que se é criada
uma nova identidade a partir de quem está “lendo” tal obra. Hoje me lembrei da grande
partida contracultural – por vezes - que aprendemos ao longo do curso de Letras: deve-
se separar autor de obra. Inclusive penso que Luiz Ruffato escreveria melhor sem seus
óculos coloridos que o deixam tão datado. Já a performance de Torquato, como vampiro
tropicalista que circula por todos os movimentos de reinvenção artística de sua época
nos fornecendo toda a gama que habita sua órbita de artista, é de fato algo louvável.
Dalton e Torquato vão ao encontro do que propõem os autores de “A máquina
performática”, cada um na sua via.
Quanto à literatura, o Estado faz com que os escritores vivam de lobby e
“tapinhas nas costas”, jantares e mesas redondas. Torquato foi um artista além de sua
literatura, além da corja midiática, ao contrário, aproveitou-se muito bem dela para
driblá-la. Já no campo performático, da performance do corpo, aí sim concordo com a
máscara e a pose. Mas reitero que no campo puramente literário isto é bem difícil de se
fazer. Juliana Frank, escritora há mais de 10 anos, conhecida por muitos Brasil afora, foi
um fiasco completo na FLIP do ano passado. Ela levou sua performance literária para
uma das mesas, incorporou suas diversas personagens femininas e a mídia, que não
entendeu lhufas do conceito de arte dela, a detonou. Ela perdeu emprego por causa disto
e diz que nunca mais escreve um livro. A pergunta, após ler o texto dos autores, que me
ficou é: Foi uma estratégia de Frank ou um desenfreamento? Conhecendo Frank, creio
que foi uma estratégia de desenfreamento, uma vez que a mídia literária e todo
burburinho em volta da cena, aqui no Brasil, está parado na idade média. Estou falando
dos escritores. Mais adiante retomo minha posição para reiterá-la ou modifica-la,
porque arte e texto crítico é assim mesmo, uma eterno vir-a-ser.

O autor cita Lucio Agra, e ele foi meu professor num passado distante. Lucio
Agra raramente enveredou-se pelo campo unicamente literário, ele é um artista da
performance, da máquina fora do corpo e pelo e através do corpo. Isto posto, já entro eu
no devir de ressignificar tudo o que disse acima, mas sem apagar nada. Tudo
permanece, eu concordo com tudo o que escrevi, entretanto, eu escrevi sobre a palavra
escrita e não o modus operandi de um autor performático. Pois bem, lá vou eu continuar
meu humilde texto crítico:

Quando Cairo Assis Trindade desenhou uma bandeira com a sigla PUTA,
Partido Universal dos Trabalhadores Anarquistas e se criaram poemas, desenhos,
manifestos, ensaios e, sobretudo, leituras sempre referentes ao ato sexual a partir deste
trabalho, engendrou de maneira mais eficaz o assunto da máquina performática no
Brasil quando se trata de política. Os modernistas eram da elite, seu Manifesto
Antropofágico embora louvado e laureado, não chegou no “povão”. Cairo Assis foi para
as ruas. Essa é a grande diferença de uma maquinaria performática funcional na vida
das pessoas e não os grandes salões e museus. Todavia não posso ser tão ingênua e
acreditar que foi só no século 20 que a arte brasileira performou dignamente: “A
primeira missa no Brasil”, de 1861, de Victor Meirelles nos mostra a eloquência da
performance, sem estar de corpo físico presente nela. O quadro hierarquiza, estratifica e
assevera o que um povo conseguiu fazer com outro, portugueses e índios, através de
rituais performáticos, de “performativos”.

Certa feita João Cabral declarou que “duas atitudes, uma objetiva e outra
subjetiva” norteiam os poetas modernos: “a necessidade de captar mais completamente
os matizes sutis, cambiantes, inefáveis de sua expressão pessoal” e “o desejo de
apreender melhor as ressonâncias das múltiplas e complexas aparências da vida
moderna”. Esses poetas modernos, em pleno 2017, estão nas ruas. E quase ninguém faz
que vê.

Mais adiante é citado o aclamado músico semiótico Arnaldo Antunes. Gosto


muito de seu trabalho, já apreciei bastante mesmo, mas não rizomatizou como no início.
Arnaldo criou sua marca, e chama seus artistas-fãs de diluidores. Muito estranho, ainda
mais ele sabendo o que é uma interpretação ativa. Parece que a perda da aura magoa
muitos artistas.

Segundo os autores, “máscara e pose são dispositivos da modernidade literária,


pautados por uma tensão entre a vida pública, a instituição, o escritor e o mercado” Isso
é de uma perda homérica para a literatura, pois o que há de curadoria entreguista e
vendida no mundo e principalmente no Brasil não é brincadeira. O escritor é feito de
palhaço. E se fosse para performar “palhaço” iria para um circo.

A crítica vai para a própria crítica:

“Máscara e pose constituem núcleos de sentido conflitantes, dos quais


participam a instituição literária (críticos, prêmios, feiras, conferências, universidades
etc.), o mercado (editoras, livrarias, contratos, publicidade, acordos com a instituição
literária, sem dúvida), o próprio escritor e sua obra ficcional e poética, que as
modificam, ao mesmo tempo que são modificados. ” (Gonzalo Aguilar e Mario
Cámara).

Um Leminski ou uma Clarice Lispector fazer de suas literaturas um efetivo


rizomático máscara e pose profundo de sentido fora de si é uma coisa. Depender de
mercado, editora, contratos, livrarias, é de muita estrela para pouca constelação sonora.

As táticas de ocupação estão nas ruas. Sem o binarismo de Soja e Lefebvre. Sem
labels. Por enquanto.

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