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Uma leitura sobre o fantástico e a cidade como armadilha em “A cidade”, de

Murilo Rubião, e em Desista! E outras histórias de Franz Kafka, de Peter Kuper.

Fernando Guilherme S. Ayres1

RESUMO: Este artigo pretende analisar a aproximação de alguns elementos do conto


fantástico “A cidade” (1976), de Murilo Rubião, e da Graphic Novel, do artista
estadunidense Peter Kuper, Desista! E outras histórias de Franz Kafka (2008), que
adapta contos do escritor Tcheco ao universo da arte sequencial dos quadrinhos. Tais
gêneros, contos e histórias em quadrinhos, ressaltadas suas diferenças, utilizam recursos
narrativos do fantástico e do absurdo, presentes em Rubião e Kafka, e na ação/tensão
comunicativa entre texto e imagem, típica dos quadrinhos, em Kuper, possibilitando
interpretações e reflexões críticas acerca da alienação e desumanização do indivíduo em
meio à sociedade contemporânea, denunciadas por estes artistas.

Palavras-chave: Literatura fantástica; História em quadrinhos; Murilo Rubião; Franz


Kafka; Peter Kuper

A literatura é sempre uma


transformação/deformação da realidade. Enquanto o
jornalista se agarra ao fato real, sem afastar-se da sua
essência, o escritor procede de maneira inversa,
porque ele aprende nas coisas um sentido que escapa
aos outros. (RUBIÃO, 1976, p. 4)

O universo literário de Murilo Rubião desenvolve-se em torno de um conjunto


de características sui-generis na literatura brasileira: o apego recorrente às epígrafes
bíblicas; o uso do fantástico; a constante reformulação de seus textos, em uma exigente
busca de aprimoramento estilístico — apenas para exemplificar esta constante busca de
refinar seu conteúdo literário, sempre que reeditava suas obras, citamos conto “O ex-
mágico da Taberna Minhota”, que teve 5 versões publicadas, mas que mantêm,
entretanto, o tema central da narrativa apesar de suas pequenas diferenças (GOULART,
2010, p. 2). Estão também presentes, em sua narrativa, o significativo clima de
desnorteamento e opressão; a submissão ao absurdo e ao incomum, como algo
“normal”; e a completa impotência (ou apatia) de seus personagens, como elementos
centrais.
Evidentemente outros autores brasileiros também utilizam um ou outro desses
recursos em suas obras, todavia, no escritor mineiro, esses elementos tornam-se fatores
significativos e constantes de sua “transformação/deformação” do real. O mundo de
1
Doutor em Estudos Literários pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade
Federal de Alagoas. Professor lotado no Departamento de Filosofia do Instituto de Ciências Humanas,
Comunicação e Artes da Universidade Federal de Alagoas.
Murilo Rubião é construído em meio a referências simbólicas que apresentam o real
como que coberto por um véu de absurdo e fantasia surreal, com coelhinhos falantes,
dragões, edifícios inacabáveis que seguem ao infinito e aprisionam seus habitantes, por
exemplo, e que o aproximam de Borges, Kafka e Hoffman e seus universos fantásticos.
Franz Kafka, em especial, representa em seus textos o ser humano isolado,
alienado e impotente em meio ao universo que o cerca, com uma narrativa singular,
onde elementos fantásticos e situações absurdas também estão presentes. Em seus
romances e contos existem transformações inexplicáveis; submissão a um poder
opressivo, onipresente e ilógico; um clima de desesperança mística profunda; de
animais narradores; de lugares oníricos; entre outros elementos singulares. Sua obra, de
reconhecida importância no cânone literário do século XX, geraram diversas versões,
adaptações e influenciam, ainda hoje, peças teatrais, filmes, livros, histórias em
quadrinhos, músicas, animações gráficas e referências artísticas das mais diversas.
Entre tais versões, podemos apontar a adaptação, para a arte sequencial das
histórias em quadrinhos, do artista norte-americano Peter Kuper, que traduz, em
impactantes construções visuais, de influência expressionista, os aspectos fantásticos e
sombrios do universo kafikiano sob uma ótica engajada politicamente, característica do
artista (GOIDANISH, 2011, p. 264), em Graphic Novels como Desista! E outras obras
de Franz Kafka (2008) e A Metamorfose (2004), editadas no Brasil pela Editora Conrad
(Imagem 1).

IMAGEM 1

Capa e primeira página da adaptação quadrinística da obra A Metamorfose de Franz Kafka, por
Peter Kuper. A personagem Gregor Samsa acorda inexplicavelmente transformada em um
inseto e é, gradativamente, apartada do mundo humano em direção a um trágico fim. FONTE
DA IMAGEM: http://literatortura.com/2015/07/literatura-e-hq-part-ii-a-metamorfose-e-o-
processo/

Em seus quadrinhos, Kuper consegue captar o clima fantástico e absurdo do


universo literário kafkiano ao (re)construir uma representação angustiante do indivíduo,
perdido em meio a uma sociedade que, semelhante a descrita por Murilo Rubião, em “A
Cidade”, aparece como armadilha e pesadelo irreal. Este recurso estético, da história em
quadrinhos e da adaptação literária, fornece também elementos críticos capazes de
pensar a posição de ser humano em meio à complexidade da sociedade contemporânea.
Importante ressaltar que os quadrinhos (ou histórias em quadrinhos) “possuindo
uma linguagem que interage com variadas expressões comunicativas específicas do
século XX, inclusive a literatura” (AYRES, 2015, p. 238), permitem revisar e
reconstruir (não apenas “adaptar” obras ao grande público) temas complexos da
realidade artística, política e social da modernidade. Em meio a uma maturidade
artística própria, que consegue impor artisticamente uma seriedade estética, enquanto
arte autônoma, reconhecida cada vez mais nos meios acadêmicos, este gênero
possibilita aproximações e análises críticas pertinentes sobre autores e obras literárias
diversas, através da arte dos quadrinhos, que une, na maioria das vezes, a imagem e o
texto em interação comunicativa própria e expressiva.
A leitura e aproximação entre os universos literários de Murilo Rubião e de
Franz Kafka, que procuramos fazer a seguir, será mediada pela pena de Peter Kuper e
sua adaptação para a arte sequencial dos quadrinhos do universo fantástico deste último
autor, tendo como base a angústia vivenciada pelos protagonistas de ambos os autores,
como podemos observar nesse fragmento abaixo:
II
Só um pensamento me oprime: que acontecimentos o destino reservará a um
morto se os vivos respiram uma vida agonizante? E a minha angústia cresce
ao sentir, na sua plenitude, que a minha capacidade de amar, discernir as
coisas, é bem superior à dos seres que por mim passam assustados.
(RUBIÃO, 1976, p. 19)

Interessante notar que apesar da extrema aproximação de estilo e tema entre


Rubião e Kafka (ressaltada as devidas diferenças), Rubião confessa, em entrevista, que
só conheceu a obra do escritor Tcheco bem depois de escrever seus primeiros contos
publicados em seu livro O Ex-mágico, de 1947. Para explicar sua semelhança com o
escritor Tcheco, Murilo Rubião remete a sua influência similar, advinda do fascínio com
o Velho Testamento e com a Mitologia Grega (RUBIÃO, 1976, p. 4).
Na verdade, ao situar Murilo Rubião no universo literário, é possível apontar o
elemento fantástico como o grande fator referencial de seu trabalho artístico:

Quanto ao fantástico, é preciso dizer que Murilo Rubião é o iniciador do


gênero como fundamento estruturante da narrativa de ficção na literatura
brasileira. Esclareça-se que não estou dizendo que ele inaugura o gênero.
Afinal, bem antes, escritores consagrados como Álvares de Azevedo,
Machado de Assis, Afonso Arinos, Monteiro Lobato e uns poucos outros já
haviam feito incursões no terreno do surreal. Mas nenhum deles adotou o
fantástico como um sistema que patrocinasse a leitura da realidade, com o
claro objetivo de chamar a atenção para esta realidade, pondo-a em xeque, tal
como fez Murilo Rubião. (GOULART, 2010, p. 1).

De maneira geral, o fantástico literário (inclusive nos quadrinhos), ao rearranjar


o real através do insólito, serve para desvendar um universo que esmaga o ser humano e
o transforma em um ser sem referência diante do impossível, do absurdo, que passa a
ser parte do cotidiano das personagens. Neste universo absurdo e aparentemente
desprovido de sentido, também o leitor se desconcerta, podendo perceber-se e tornar-se
possível crítico desta realidade que também é a sua.
[...] Na verdade, o texto hipertrofiado pela perspectiva do fantástico, exibindo
cenas angustiantes como o da obra de Rubião tem uma importância
fundamental na formação do chamado leitor crítico, justamente porque,
redimensionando o real numa outra perspectiva, o que se consegue é fazer
com que as pessoas enxerguem melhor o mundo que está a sua volta e saibam
vê-lo com o senso crítico que pode colaborar para a mudança desse mundo. É
o que disse, em outros termos, o poeta colombiano Germán Pablo García,
num de seus poemas, em versos concisos e precisos: ‘he llegado a ese límite
en que el mundo se agranda más y más y necesito de otros ojos inmensos
para ver le’. (GOULART, 2010, p. 6)

O insólito encontra-se junto ao caos, ao aparente sem-sentido das coisas do


mundo, mas no universo de Murilo Rubião, não há coincidência, não há o fortuito. As
situações absurdas envolvem os seus apáticos personagens, que, como em Kafka, não se
espantam ou reagem ao insólito. Existe nos seus contos uma sincronia deste clima
absurdo que se sucede e envolve cada um em sua armadilha ou seu destino. Tanto na
literatura fantástica quanto nos quadrinhos que reproduzem o fantástico, muitas vezes
situações sem sentido ou ilógicas podem se suceder, despertando as mais diversas
reações em suas tramas e, entre estas, inclusive, indiferença e apatia diante de situações
incomuns.
Assim, em “Teleco, o coelhinho” (RUBIÃO, 1976, p.21), a personagem de um
polimorfo coelhinho (Fig2), simpático e falante, cativa o narrador que inicia com ele
uma amizade que se estende até a morte do coelho, em seus braços, incapaz de controlar
suas próprias metamorfoses, sofrendo a dor imensurável de um amor partido, ao fim do
conto. Como em outras narrativas de Murilo Rubião, o absurdo impera:

- Moço, me dá um cigarro?
A voz era sumida, quase um sussurro. Permaneci na mesma posição em que
me encontrava, frente ao mar, absorvido com ridículas lembranças.
O importuno pedinte insistia:
[...]
Exasperou-me a insolência de quem assim me tratava e virei-me, disposto a
escorraçá-lo com um pontapé. Fui desarmado, entretanto. Diante de mim
estava um coelhinho cinzento, a me interpelar delicadamente:
- Você não dá é porque não tem, não é, moço?
[...]
Ao fim da tarde, indaguei onde ele morava. Disse não ter morada certa. A rua
era o seu pouso habitual. Foi nesse momento que reparei nos seus olhos.
Olhos mansos e tristes. Deles me apiedei e convidei-o a residir comigo. A
casa era grande e morava sozinho - acrescentei.
A explicação não o convenceu. Exigiu-me que revelasse minhas reais
intenções:
- Por acaso, o senhor gosta de carne de coelho?
Não esperou pela resposta:
- Se gosta, pode procurar outro, porque a versatilidade é o meu fraco.
Dizendo isto, transformou-se numa girafa.
- À noite - prosseguiu - serei cobra ou pombo. Não lhe importará a
companhia de alguém tão instável?
Respondi que não e fomos morar juntos.

Chamava-se Teleco. (RUBIÃO, 1979, p. 21- 22).

IMAGEM 2
Embora desconheçamos qualquer adaptação em quadrinhos da obra de Rubião, existem várias ilustrações
que representam personagens de seus contos. Ilustração do artista plástico paulista Helton Souto para o
conto Teleco, o coelhinho, de Murilo Rubião, representando as diversas metamorfoses da personagem. In
Fanzine Tertúlia: cinema, literatura, música. FONTE DA IMAGEM:
http://www.tertuliaonline.com.br/postagem/ver/272

Surpreende, também, a “naturalidade” kafkiana — a personagem Gregor Samsa


em A Metamorfose, por exemplo, em momento algum questiona o motivo de ter se
transformado em um inseto, mas apenas como fará agora para trabalhar. Em
comparação, o narrador de Rubião inicia a conversa com o coelho falante como algo
comum, inclusive mais aceitável do que suportar um possível pedinte que ele pensa em
escorraçar. Esta indiferença, banalização e falta de sentido são mostradas como
fenômenos “normais”, tanto em Kafka quanto em Rubião, e servem para ressaltar o
vazio existencial e metafísico — um topoi de frustração e impotência — que se
aprofunda e enreda cada personagem em um tipo de armadilha, e que direciona o lugar
destes em um mundo caótico, irreal, mas também, paradoxalmente reconhecível e
familiar ao leitor. Tanto Rubião, quanto Kafka e Kuper, desvelam a realidade cotidiana
do leitor, como imersa nas mesmas armadilhas metafísicas e sociais que representam em
seus cosmos artísticos.
III
Ai, Ai, o mundo fica menor a cada dia.
No inicio era tão grande que eu sentia medo, vivia correndo e correndo, e
fiquei contente quando enfim avistei, a distância, as paredes à direita e à
esquerda,
mas essas grandes paredes se estreitaram tão depressa que eu já cheguei ao
último aposento, e ali no canto está a ratoeira para a qual devo correr.
“Você só precisa mudar de direção”, disse o gato, e o devorou.
(Franz Kafka, In KUPER, 2008, p. 11- 16)

O conto “A Cidade”, também publicado no livro O Pirotécnico Zacarias, de


1976, segue as características do insólito da obra do escritor. Sua epígrafe bíblica,
retirada do Eclesiastes (X, 15), faz antever o destino do personagem principal: “O
trabalho dos insensatos afligirá aqueles que não sabem ir à cidade”. Importante lembrar
que as epígrafes na obra de Murilo Rubião representam, como aponta Schwartz (apud
ALEIXO, 2008), a “própria essência semântica” de seus contos, como uma espécie de
uma antevisão (algumas vezes enigmáticas) do desenrolar da narrativa.
Como no universo kafkiano de O Processo, novela escrita em 1914 e publicada
postumamente, a personagem principal de “A cidade” é culpada — não apenas
“tornada” culpada, ou seja, vítima de um incidente qualquer, distinção que acentua o
absurdo metafísico que fortalece o fantástico da situação — por um acaso que se torna,
passo a passo, uma teia de acontecimentos onde ele se desidentifica com a razão e
mergulha no sentido extremo de um sem sentido.
Enredado em uma trama surreal (onde é, como K. em O Processo, culpado a
priori) Cariba se perde de sua própria certeza e termina por aceitar, apaticamente, o
destino que lhe é reservado. Sua curiosidade questionadora, aparentemente inocente,
que o marca como culpado por ser o único que “faz perguntas” em uma terra de
silêncio, pode ser metaforicamente associada ao regime político que imperava no Brasil
na época em que o conto foi publicado pela primeira vez (1976).
Tradicionalmente se costuma associar o conto “A Cidade” a uma referência
explícita ao regime militar brasileiro e ao Estado Novo, embora, a meu ver esta
possibilidade crítica tenha um significado mais amplo, atingindo o autoritarismo e o
absurdo do poder em um sentido ôntico, e possa ser associada também ao universo de
Kafka e outros autores fantásticos. Assim, a interação do conto fantástico em Rubião e
em outros autores latino-americanos, com a crítica política de seu tempo, busca retirar
desse gênero a alcunha de literatura “alienada e escapista”, dada por uma crítica
“militante” de certo período (TEIXEIRA, 2010).
Personagem principal do conto “A Cidade”, Cariba, assume uma situação de
apatia como consequência “natural” de sua própria entrega a um destino que o arrasta.
Todavia, sua apatia surge como algo anti-estóico (não a apatia enquanto ausência de
sentimentos, fonte de sofrimento, que conforta) - não é o resultado de uma reflexão
diante do mundo ou de escolha filosófica, mas sim uma entrega “esgotada”, de má-
consciência nietzscheana, a uma realidade que é uma armadilha.
Cariba, como outros personagens de Rubião (e também Kafka), rende-se a um
universo exterior que o oprime, movido por seu próprio desejo (em seu caso, a
necessidade de “belas mulheres” que o leva, em primeiro, à cidade que não é e é,
paradoxalmente, a que ele buscava). Cai inapelavelmente na armadilha que lhe é
preparada de antemão, na sincronia de um acaso aparente e que apenas ressalta seu
caráter absurdo.
Destinava-se a uma cidade maior, mas o trem permaneceu indefinidamente
na antepenúltima estação. [...] Não recebeu uma resposta direta do
empregado da estrada que se limitou a apontar o morro, onde se dispunham,
sem simetria, dezenas de casinhas brancas.
- Belas mulheres? – indagou o viajante.
- Casas vazias. (RUBIÃO, 1976, p. 48)
A cidade que prende o personagem é um lugar de sonho e de pesadelo – chama
que atrai (através do desejo representado nas “belas mulheres” vislumbradas por Cariba
a partir das casinhas brancas, lúgubres e vazias) e armadilha feita para capturar.
Símbolo da cidade e do poder moderno, esta encanta, submete e destrói. É como uma
planta carnívora que brilha em singela beleza e aroma, mas que é lugar-armadilha no
insólito e no indizível, onde só o silêncio constrangido pode imperar. Silêncio que se
traduz em uma instável segurança – a segurança do se omitir, tão cara aos ditadores de
todas as épocas e lugares.
Uma vaga tristeza rodeava o lugarejo. As janelas e portas das casas estavam
fechadas, mas os jardins pareciam ter sido regados na véspera. [...] Caminhou
um pouco mais e, do topo da montanha, avistou a cidade, tão grande quanto a
que buscava. Vinte mil habitantes, soube depois.
- Que cidade é esta? – perguntou, esforçando para dar às palavras o máximo
de cordialidade.
Nem chegou a indagar pelas mulheres, conforme pretendia. Pegaram-no com
violência pelos braços e o foram levando, aos trancos, para a delegacia de
polícia:
É o homem procurado – disseram ao delegado, um sargento espaúdo e rude.
[...]
- Então é você mesmo. Como é possível uma pessoa ir a uma cidade
desconhecida sem nenhum objetivo? A menos que seja um turista.
- Não sou turista e quero saber onde estou. - Isso não lhe podemos revelar
agora. Poderia prejudicar as investigações.
- E por que as casas do morro estavam fechadas? - atalhou o desconhecido,
agastado com a falta de polidez com que o tratavam.
- Se não tomássemos essa precaução você não desceria.
Cariba compreendeu tardiamente que a sedução das casinhas brancas fora um
ardil para atraí-lo ao vale. (RUBIÃO, 1976, p. 49)

A burocracia e a truculência, que selam o destino de Cariba, desconhecem o


indivíduo: apontam apenas sua culpa. O personagem, fantoche, da cidade sem nome,
como os descritos por Kuper (2008), termina por se deixar vencer pela “certeza” de uma
acusação obscura (“confirmada” no testemunho da bela prostituta que o seduz com sua
imagem) que envolve o próprio acusado em sua irracionalidade insólita e o transforma
em nulidade.

Duas horas se passaram até que chegasse a mulher. Entrou desembaraçada,


os lábios ligeiramente pintados e um sorriso que deixou Cariba enamorado.
[...]
O policial, porém, não se contentou com o que ouvira:
- E reconhece este homem como sendo o que a abraçou na rua? – Não me
lembro do seu rosto, mas um e outro são a mesma pessoa. [...] À exceção de
Viegas, permaneceram todos em silêncio. Ela, fixando os olhos maliciosos no
desconhecido, confirmou:
- Sim, é ele.
- Nada disso faz sentido. Não podem me prender. Com base no que acabo de
ouvir. Cheguei aqui há poucas horas e as testemunhas afirmam que me viram,
pela primeira vez, na semana passada!
O delegado impediu que prosseguisse: O comunicado do setor de segurança
é claro e diz textualmente: “O homem chegará dia 15, isto é, hoje, e pode ser
reconhecido pela sua exagerada curiosidade.”
[...] porém, não desejava precipitar-se. Aguardaria o aparecimento de alguém
que reunisse contra si indícios de maior culpabilidade e eximisse Cariba das
acusações que lhe pesavam.
- Quer dizer que permanecerei preso este tempo todo?
A resposta do delegado desanimou-o: ficaria encarcerado até a captura do
verdadeiro criminoso.
E se o criminoso não existisse? (RUBIÃO, 1976, p. 50)

Cariba se rende ao fantástico sem sentido da burocracia, que transforma erro em


verdade, e se deixa levar na esperança da vinda de outro “culpado”, bode expiatório
como ele mesmo, que assuma, um dia, seu lugar:

Cinco meses após sua detenção, ele não espera mais sair da cadeia. Das suas
grades observa os homens que passam na rua. Mal o encaram, amedrontados,
apressam o passo.
Pressente, ás vezes, que irão perguntar qualquer coisa aos companheiros e
fica à espreita, ansioso que isso aconteça. Logo se desengana. Abrem a boca,
arrependem-se, e se afastam rapidamente.
As mulheres, alheias ao medo, costumam ir à Delegacia para levar-lhe
cigarros. São as mais belas, exatamente as que esperava encontrar no distante
povoado. Meigas e silenciosas, notam no olhar dele o desespero por não
poder abraça-las, sentir-lhe o hálito quente.
Só resta esperar pela Viegas que, sensual e perfumada, vem vê-lo ao final da
tarde. Sorri, e diz com uma invariabilidade que o enternece: - É você.
Quando ela se despede – o corpo tenso, o suor porejando na testa, Cariba
sente o imenso poder daquela prisão.
Caminha dentro da noite, de um lado para outro. E, ao avistar o guarda,
cumprindo sua ronda noturna, a examinar se as celas estão em ordem, corre
para as grades internas, impelido por uma débil esperança:
- Alguém fez hoje alguma pergunta?
- Não. Ainda é você a única pessoa que faz perguntas nesta cidade.
(RUBIÃO, 1976, p. 51)

A cidade cumpre seu papel de armadilha e representa o universo absurdo em que


o indivíduo se perde e se defronta com uma realidade de sonho ou pesadelo, também
retratado por Kafka, a que, quem sabe ironia de Rubião, “não conhecia” ao iniciar seu
labor literário.

IV
Nunca me preocupei em dar um final aos meus contos. Usando a
ambiguidade como meio ficcional, procuro fragmentar minhas histórias ao
máximo, para dar ao leitor a certeza de que elas prosseguirão
indefinidamente, numa indestrutível repetição cíclica. (RUBIÃO, 1976, p. 4)

Neste sentido próximo do absurdo e desespero sem fim, que Rubião insere em
seus contos, encontramos semelhante universo em Kafka, enfatizado pelas ilustrações
de Peter Kuper. A constante representação da cidade como armadilha, como labirinto
que atrai e aprisiona em um poder sem sentido e insondável (como em “A cidade”, de
Murilo Rubião), torna-se presente no espaço ilustrado nos nove pequenos contos da
obra Desista! E outras histórias de Franz Kafka e seu clima asfixiante (Imagem3).

Imagem 3

Capa da Graphic Novel de Peter Kuper Desista! E outras história de Franz Kafka. Retirada da página
final do conto “Desista!” representa o individuo desorientado diante de uma cidade-labirinto e uma
autoridade que apenas reforça a impotência e desnorteamento do indivíduo. FONTE DA IMAGEM:
http://blogdoclydes.blogspot.com.br/2012/05/v-behaviorurldefaultvmlo.html
Angustiante e claustrofóbico, este cenário retratado em Desista! E outras
histórias de Kafka, Peter Kuper ilustra cenas em que estão presentes a situação de
constrangimento do indivíduo diante de uma autoridade obscura e insondável,
labirintos, circos, ruas, navios, que tornam-se prisões e lugares de desconforto. Nessa
Graphic Novel o desenhista reproduz, em texto integral, os seguintes contos de Kafka,
publicados por Max Brod após sua morte: “Uma pequena fábula” (de 1920); “A ponte”
(de 1917); “Desista!” (de 1922); “O timoneiro” (de 1920); “O pião” (de 1920) e “O
abutre” (de 1920), bem como o conto “As árvores” (de 1903-4), publicado pelo autor
em 1913. Os contos “Um artista da fome” (de 1922, publicado pelo autor 1924) e “Um
fratricídio” (de 1917, e publicado pelo autor em 1919), são quadrinizados pelo artista
em texto abreviado.
Nas imagens do artista gráfico a figura do poder é sempre gigantesca em meio à
cidade-labirinto: o gato que devora o rato narrador, ao lhe dar uma alternativa á ratoeira
que lhe ameaça, em “Uma pequena fábula” (Imagem 4 e 5); o policial truculento em
“Desista!” e de “As árvores” (Imagem 3). O indivíduo está confuso, perdido ou
oprimido, em situações de fragilidade e de vertigem, onde não consegue tomar uma
atitude que o liberte das garras do poder que o oprime.
Imagem 4
A personagem de “Uma pequena fábula” em meio ao labirinto que o leva a uma armadilha dupla: uma
ratoeira e um gato. FONTE DA IMAGEM:http://blogdoclydes.blogspot.com.br/2012/05/v-
behaviorurldefaultvmlo.html

IMAGEM 5

FONTE DA IMAGEM: http://parnasus-blog.blogspot.com.br/2012/07/desista-e-outras-historias-


de-franz.html

Marcado pelo relógio, apressado, longe de encontrar referência que o guie, o


indivíduo contemporâneo sem esperança de um sentido que o possa ajudar a se
encontrar diante do labirinto urbano, experimenta a concretização de seu isolamento
existencial (Imagem6).

Imagem 6
O indivíduo perdido em meio à cidade de “Desista!”. Ruas como labirintos onde não é possível conseguir
ajuda para fugir de seu espaço desnorteador. FONTE DA IMAGEM:
http://blogdoclydes.blogspot.com.br/2012/05/v-behaviorurldefaultvmlo.html

O indivíduo, em meio a este universo fantástico, é arrastado pelos


acontecimentos, em Kafka (Gregor Samsa, K) e em Murilo Rubião (Cariba), e procura
tomar a aparente fixidez da cidade como algo que lhe dá segurança, todavia descobre
que esta certeza é vã. Não há razão ou sentido em seu mundo que não possa ser traído
ou mostrado como apenas aparente e sujeito aos desmandos do poder e da sorte.
A cidade em Kafka e em Rubião é acidade ilustrada por Kuper, lugares do
pesadelo, da solidão e da desesperança. Perdido ou aprisionado em ruas, jaulas,
botequins, em labirintos de tijolos e torres de concreto, termina por reconhecer que não
há raiz que fixe ou proteja o indivíduo. Conforme diz Kafka em seu conto “As árvores”,
ilustrada por Kuper (Imagem7), tudo é aparência, é engodo que gera a incerteza:
Pois somos como troncos de árvores na neve. Aparentemente eles
jazem soltos e um pequeno impulso deveria ser suficiente para fazê-
los. Não, isso não é possível, porque estão firmemente atados ao chão.
Mas veja, até isso é apenas aparência. (KUPER, 2008, p. 53 – 58).

Imagem 7
Ilustração de Peter Kuper para o conto “As árvores”. A cidade como lugar de solidão e de desespero.
FONTE DA IMAGEM: https://br.pinterest.com/paolarech/peter-kuper/

A cidade de Murilo Rubião e de Kuper é a cidade moderna transformada em


lugar de opressão e não mais um lugar de proteção e acolhimento como já pretendeu ser
um dia (MUMFORD, 1982). É o local do pesadelo burocrático, que tenta ordenar o
mundo em torno de sua própria “certeza”, lógica ou não, que apenas reafirma a
desumanização e alienação do indivíduo. É um local de “desaparecimento” do humano,
da solidão absoluta, em que o indivíduo passa a ser apenas servo ou vítima de uma lei
que não compreende. É o lugar do absurdo e do fantástico, símbolo de uma sociedade
onde a própria existência como Ser é “relativa”, submetida ao acaso e ao fantástico.
III

Eu estava rígido e frio, era uma ponte, estendido sobre um precipício. Com os
dedos dos pés de um lado e os das mãos agarrados ao outro, fixei-me com
firmeza ao solo instável. As fraldas do casaco tremulavam dos dois lados do
meu corpo. Lá embaixo, rugia a gélida correnteza do riacho de trutas.
Nenhum turista se arriscava naquelas alturas intransitável, a ponte ainda não
aparecia em nenhum mapa. De modo que me estendi e esperei; era só o que
podia fazer. A não ser que vá abaixo, uma vez erigida, uma ponte nunca
deixa de ser ponte.
Foi num entardecer – seria o primeiro, seria o milésimo? Não sei dizer -,
meus pensamentos, sempre confusos, moviam-se em um círculo perpétuo.
Foi num entardecer de verão, o rugido da correnteza tornara-se mais intenso,
que ouvi o som de passos humanos! Vinham em até mim, até mim. Endireite-
se, ponte, prepara-te, viga sem corrimão, para sustentar o passante a você
confiado. Caso seus passos sejam vacilantes, torne-os firmes sem que ele
note; se bater os pés com força, mostre do que é capaz, como um deus da
montanha, conduza-o a terra firme.
Ele veio; me cutucou com a ponta metálica de sua bengala, cravou-a na
minha cabeleira espessa e a deixou lá por um longo tempo, provavelmente
enquanto olhava enlouquecido ao redor. Mas então – enquanto eu
acompanhava em pensamento pela montanha e pelo vale - ele pulou com os
dois pés bem no meio do meu corpo. Estremeci com uma dor esmagadora
sem saber o que acontecia. Quem era? Uma criança? Um sonho? Um
andarilho? Um suicida? Uma provação? Um demolidor?
E me virei para vê-lo. Uma ponte se virando! Ainda não tinha me virado por
completo quando comecei a cair. Eu caí e em um instante fui perfurado e
dilacerado pelas pedras afiadas que sempre me contemplaram pacificamente
das águas revoltas. (KUPER, 2008, p. 17 – 22)

Em meio as situações absurdas nas narrativas de Rubião e de Kafka, elementos


comuns dos contos em que o elemento fantástico está presente na trama, é possível
lembrar de O Tenente Quetange (2002), de Tynianov, pequeno romance no qual, por
engano, um militar é considerado morto, sofrendo todas as consequências de seu
suposto falecimento, enquanto uma figura inexistente é alçada ao status de ser real,
chegando a ter carreira, esposa e funeral de herói quando de seu “falecimento”, tudo por
um erro burocrático de um copista do rei. De maneira kafkiana, tanto em Tynianov
quanto em Rubião, diversas vidas são afetadas por um motor insensível e onipotente do
deus exmachina da modernidade: a autoridade inquestionável e inapelável, mesmo em
seus mais óbvios erros. Este é também o universo burocrático e autoritário da distopia
de Orwell (AYRES, 2015), tornado cotidiano e presente na leitura onde o fantástico
serve como metáfora reveladora de um real distorcido, doentio e sombrio, como nas
imagens de Peter Kuper (Imagem 8).

Imagem 8
O policial de “Desista!” como uma autoridade opressiva e absurda em meio a um universo fantástico da
cidade vazia e labiríntica. FONTE DA IMAGEM: https://teiablog.wordpress.com/2013/03/19/desista-
franz-kafka-ilustrado/

Jean Delumeau (1989) aponta as portas da cidade como a passagem para o limite
de algo que protege seus cidadãos dos perigos externos, mas que também proíbe e
aprisiona, criando novos perigos e novas fontes de medo, inclusive metafísicos. Surge a
imagem dos atuais reinos “feudais”, dos condomínios fechados e resorts, que vendem
uma sensação tênue de segurança, mas que, na prática, como as muralhas das antigas
cidades, pouco protegem das invasões bárbaras e dos demônios que se inserem, dentro
de seus muros, junto com os condenados em sua solidão e silêncio.

IMAGEM 10
A ponte humanizada não resiste ao peso de seu transeunte e desaba rumo ao abismo. Metáfora do ser
humano transformado em objeto ou em animal kafkiano, ilustrado por Kuper. FONTE DA IMAGEM:
http://manussouza.blogspot.com.br/2011/10/ponte-de-franz-kafka.html

Assim, a cidade fantástica em Rubião e em Kafka é como um labirinto, ou ainda


a ponte humana de “A ponte” (imagem 10), instável, que desconcerta e confunde. É um
lugar de vertigem e de insanidade, diferente do labirinto de Borges, que surge com o fim
de sugerir e estimular soluções, de fortalecer a razão desveladora e que oferece
esperanças de vencer os mistérios e as incertezas.

- Quizá el fin del labirinto – si es que el laberinto tiene um fin -, sea el


de estimular nuestra inteligência, el de hacermos pensar em el
misterio, y no em la solución. Es muy raro entender la solución,
somos seres humanos, nada más. Pero buscar esa solución y saber que
no la encontraremos es algo mermoso, desde luego. Quiza, los
enigmas sean más importantes que las soluciones [...]. ( BORGES,
1985, p. 25)

Os labirintos e as ruas de Kuper e as montanhas que cercam a cidade de Rubião


são bastiões deste vazio que se reproduz no silêncio e no medo. O desejo do
personagem o condena mais do que sua curiosidade. A descida de Cariba em direção à
cidade é como um caminhar mítico em direção a uma bruma que rompe os limites da
razão, prendendo os insensatos em suas muralhas. Os cidadãos da cidade temem o
estranho e vagamente o acusam, mas apenas Viegas, a bela prostituta, o acusa mesmo
sabendo que não é este o homem que a atacou. O condena ao cárcere, também ela
marginal e símbolo maior de seu desejo, com seu enfático “é você”, fechando a trama
do sem sentido que cai sobre este personagem, que representa a humanidade apática e
perdida, apenas na esperança de que algo indefinido venha redimir seu destino ou
concretizar sua desgraça final, como lembra, tragicamente, o conto “O abutre”, de
Kafka, ilustrado por Kuper, que finaliza sua Graphic Novel (Imagem 9):

Um abutre bicava meus pés. Já havia reduzido botas e meias a frangalhos, e


agora bicava os pés propriamente ditos. Investia contra eles com insistência,
voava inquieto ao meu redor e depois retomava a tarefa. Um senhor que
passava por ali observou a cena por um instante e me perguntou por que eu
me sujeitava ao abutre. Não tenho como me defender. Quando ele veio e
começou a me atacar, é claro tentei rechaça-lo, até mesmo estrangulá-lo, mas
esses animais são muito fortes. Ia me atacar o rosto, mas preferi sacrificar os
pés. Já estão quase dilacerados.
“Imagine só deixar-se torturar dessa maneira!”, exclamou o homem. Basta
um tiro para dar cabo desse abutre. É mesmo? E o senhor faria isso? Com
prazer. Só preciso ir até minha casa. Consegue esperar mais meia hora?
Ao que respondi. Não tenho muita certeza, e me levantei por um momento,
rígido de dor. Tente mesmo assim, por favor. Muito bem, irei o mais depressa
possível. Durante a conversa, o abutre se mantivera tranquilo, ouvindo cada
palavra, olhando alternadamente para mim e para o homem. Naquele
momento percebi que ele compreendera tudo.
Ele levantou voo, arqueou-se para ganhar impulso, e então, como um
lançador de dardos, enfiou-me o bico boca adentro, ATÉ O FUNDO DO
MEU SER.
Ao cair para trás, fiquei aliviado ao sentir que o abutre se afogava
irremediavelmente em meu sangue, que preenchia cada profundeza e
inundava cada margem. (KUPER, 2008, p. 65-70)

Como em “A cidade”, de Rubião, a vítima submete-se ao poder arbitrário e é


silenciada ou devorada pela voracidade deste mesmo poder, como em “Uma pequena
fábula” ou “O Abutre” (imagem 9). Todavia, neste último conto, acrescenta-se também
a “satisfação” insensata de arrastar seu algoz para a morte, na transformação de si
mesmo em uma espécie de força da natureza, vingadora e fantástica, despertada pelo ato
final de violência de seu opressor. O sangue transborda com todos os limites em uma
apoteose fatídica, que sufoca a besta que o devora. Talvez, no universo kafkiano, a
única e triste possibilidade de vingança do oprimido contra as forças que o submetem.

Imagem 9
Em “O abutre” o algoz que devora sua vítima impotente, símbolo do poder em Kafka, termina afogado
por sua própria voracidade. Ilustração de Peter Kuper. FONTE DA IMAGEM:
http://blogdoclydes.blogspot.com.br/2012/05/v-behaviorurldefaultvmlo.html

Considerações finais

Em Murilo Rubião e em Kafka, a cidade é uma armadilha que envolve o


indivíduo na incerteza e no fantástico e que o dirige para um fim do qual não há
escapatória. A cidade de Rubião condena ao mutismo e a impotência que são cada vez
mais símbolo desta atualidade da cidade-armadilha, deste lugar “não-lugar” sem nome,
que aponta e acusa e que parece ser, cada vez mais, origem e fim de cada jornada de
nossa desesperança cotidiana. Também em Kafka existe o mutismo e ou a palavra
tornada vã, cassada ou oprimida, diante da autoridade despótica, que Peter Kuper
consegue ilustrar, utilizando a linguagem contemporânea da arte gráfica da histórica em
quadrinhos, popularizada na mídia e na cultura de massa, representando a cidade como
este lugar de desassossego, de alienação, denunciado por Kafka e Rubião.
A imagem do fantástico nestes autores e artista é sempre carregada de absurdo e
solidão, porém carregam forte carga irônica e crítica que permitem também transcender
o próprio desespero em busca de soluções e desafios: o grito zombeteiro, de “Desista!
Desista! Desista!”, dado pelo policial, (em Kafka) e a imposição ao silencio (em Murilo
Rubião), podem, paradoxalmente, tornar-se um chamado ao despertar e ao engajamento,
contra um sistema alienador e castrador, como o quer Peter Kuper, em seu convocar a
reflexão política ilustrada por seu interpretar/adaptar do fantástico kafkiano.

REFERÊNCIAS

ALEIXO, Sandra Elis. O Universo Fantástico de Murilo Rubião. Revista Trama,


Volume 4, Número 8, 2º Semestre de 2008. Disponível no site:
e-revista.unioeste.br/index.php/trama/article/download/2398/1813Acessado em
12/11/2015.

AYRES, Fernando Guilherme S. Distopias futurísticas: aproximações e distanciamentos


entre 1984 de George Orwell, e V de Vingança, de Alan Moore e David Loyd. In Os
retornos da utopia: histórias, imagens, experiências. CORDIVIOLA, Alfredo;
CAVALCANTI, Ildney (org.). Maceió: EDUFAL, 2015.

BORGES, Jorge Luis (org.). Literatura Fantástica. Madrid: Ediciones Siruela, 1985.

DELUMEAU, Jean. A História do medo no ocidente 1300-1800: uma cidade sitiada.


Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
GOULART, Aldemaro Taranto.A corrosão do real em Murilo Rubião. Disponível no
site:www.ich.pucminas.br/.../Murilo%20Rubiao%20-20A%20corrosao%20do
%20real.pdfAcessado em 12/10/2015.

KUPER, Peter. Desista! E outras histórias de Franz Kafka. Trad. Alexandre Boide.
São Paulo : Conrad Editora do Brasil, 2008.

MUMFORD, Lewis. A cidade na História: suas origens, transformações e


perspectivas. 2 ed. Trad. Neil R. da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 1982.

RUBIÃO, Murilo. O pirotécnico Zacarias. 3 ed. São Paulo: Ática, 1976.

TEIXEIRA, Adriana dos Santos. Murilo Rubião e a renovação artística na


Literatura Brasileira. Disponível no site:
www.dla.ufv.br/glauks/01/cap06.pdfAcessado em 14/12/2015.

TYNIÁNOV, I. N.. O Tenente Quetange. Trad. Aurora Bernardini. São Paulo: Cosac
& Naify, 2002.

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