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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

Resenha do ensaio “Fernando Pessoa: o desconhecido de si mesmo”


de Octavio Paz

Maria Helena Lage Martins (8976615)


LP III - Profª Drª Marlise Vaz Bridi

SÃO PAULO
2020
A propósito do instigante ensaio crítico “O desconhecido de si mesmo”, em que o
escritor Octavio Paz tece reflexões acerca do fenômeno heteronímico na obra de Fernando
Pessoa, são colocados em perspectiva aspectos historiográficos do período de produção das
obras de seus heterônimos na busca de compreender quais circunstâncias engendraram uma
obra tão ímpar deste autor tão plural em relação aos pontos de vista, ainda que tais
circunstâncias não deem conta de iluminá-la. A voz do poeta, afinal, é sempre a voz dele
mesmo ou, quando fala, é também outro? Falam outras vozes através do poeta? Por quê?
Uma primeira consideração a respeito do nome “Pessoa” prenuncia o desenvolvimento
do texto, enfatizando a qualidade de criador de personas deste autor de muitas paixões
imaginárias que transita entre a “irrealidade de sua vida cotidiana e a realidade de suas
ficções”. Nesse sentido, para Paz, faz-se necessário pensar a obra como biografia do poeta;
em outras palavras, a obra de Pessoa é aquilo que nos resta, quando sua vida de fato é
somente a face oculta. Ao revisitar alguns eventos catalisadores na vida de Fernando Pessoa
carne-e-osso, é possível reconhecer a forte negação de si mesmo que parece importante para
se pensar seu ímpeto de criação.
Trata-se de um autor que esteve inserido em seu tempo, capaz de tensionar as questões
ligadas à arte, à filosofia e à estética que eram vividas e experimentadas através de intensos
períodos de elucubração. Muito se fala das vozes de Pessoa e se, acaso, tratar-se-ia de
possessão ou evocação de espíritos. A esta altura, somos levados a atentar ao fato de que
imputar à sua obra o caráter de uma mistificação (e nada mais) é tomá-la por mentira,
quando, na realidade, as pessoas do poeta são criações poéticas. Ficção da mais bem
elaborada, tendo em vista que muitos se esquecem de que nem Alberto Caeiro, nem Ricardo
Reis, nem Álvaro de Campos têm existência física no mundo. E é por se tratar de artifício e
jogo ficcional que a obra deste poeta nos diz tanto ainda hoje. Fosse resultado de ​delirium
tremens​, de possessão ou intervenção divina, não falaria com tanta lucidez sobre as questões
de seu tempo sob diferentes olhares e perspectivas - até mesmo paradoxais, ao estilo dos
oxímoros dialéticos tão característicos de Pessoa.
Parece crucial para Octavio Paz inscrever Pessoa dentro do panorama da literatura
moderna para tentar resolver essa questão das vozes. Com a modernidade, instaurada pela
introdução do elemento subjetivo como tema do poema, o eu encontra-se cindido pela
consciência de si. "O eu é um obstáculo", como nos adverte Paz. Não podendo dizer algo
sendo ele mesmo, empresta seu corpo a outro, compondo uma individualidade coletiva, de
confronto entre a diversidade e a unidade.
Sendo assim, aquele que procura conhecer a obra do poeta Fernando Pessoa, acaba por
encontrar ​obras-de-poetas ​ficcionais que travam um constante diálogo referente à
modernidade e às visões de mundo passíveis de dar conta de um ​eu culturalmente cindido,
encontrando suas formas e exprimindo seus conteúdos através do processo literário
conhecido por heteronímia em Pessoa. A fortuna crítica dedicada a Pessoa buscou, durante
um certo tempo, chegar ao núcleo originário desta qualidade na vida do autor, numa
perspectiva biografista, que pudesse explicar tal capacidade de mistificação e de criação,
bastante particular na história da literatura portuguesa. O autor, no entanto, a partir de uma
visão moderna e crítica do fazer poético, nos leva a crer, à medida que mergulhamos em seu
universo, que sua escritura nada mais é do que criação literária - da mais radicalmente ligada
à sua própria feitura do que às circunstâncias extra literárias.

(Este último parágrafo, elaborado pela graduanda, foi aproveitado em seu trabalho final como
introdução, pois sintetiza o fenômeno heteronímico em Pessoa.)

Referências Bibliográficas

PAZ, Octavio. Fernando Pessoa: O desconhecido de si mesmo.

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