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Número 23 • Ano 13 / 2006

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Leite B"
Angola e

Cannen Lúcia Tindó Ribeiro Secco

Moçambique José Luís Mendonça

Mário César Lugarinho

Luis Carlos Patraquim

Luciana Stegagno Picchio

Márcia Glenadel

Simone Caputo Gomes

Guiherrne Sauerbronn
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Número 23

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Ano 2006 I Angola p Mncnmhimip


e Moçambique
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Presidente da República
Lua Inácio Lula da Silva

Ministro da Cultura
Gilberto Gil Moreira

FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL

Presidente
Muniz Sooré

Diretora Executiva
Célia Portella

Coordenação Geral de Pesquisa e


Editoração
Oscar M. C. Gonçalves

Coordenação Geral do Livro e da Leitura


Elmer C. Corrêa Barbosa

EDITORIAL

Poesia Sempre Conselho Editorial


Revista trimestral de poesia Alberto Pucheu
AntOnio Carlos Secchin
Editor Armando Freitas Filho
Marco Lucchesi Arthur Nestrovski
DeonIsio da Silva
Editor Adjunto Geraldo Holanda Cavalcanti
Ruy Espinheira Filho )osé Mindlin
Letícia Malard
Coordenação Editorial Luciana Stegagno Picchio
Fernanda Tripolu Mário Chamie
VerOnica Lessa Ricardo Aleixo
Walnice Nogueira Galvào
Revisão
Francisco Madureira
Mínica Auler
Valéria Pinto

Projeto Gráfico Original


Victor Burton

Projeto Gráfico Adaptado


Adriana Moreno
MINISTÉRIO I, A CULTURA
Diagramação «JjJj Fundação BIBLIOTECA NACIONAL

Adriana Moreno

Fotografia
Cláudio de Carvalho Xavier GOVERNO FEDERAL

Na pagina 2, Geba: Sizál de dois anos e meio. na Província de Moçambique -


Moçambique (foto: José dos Santos Rufino,
em Álbum fotográfico e descritivo da Colônia de Moçambique, 1929. Acervo BN)

"muchopes"
Ao lado, Mulheres com as tatuagens características, na Província de Inhambane - Moçambique
(foto: José
dos Santos Rufino, em Álbum
fotográfico e descritivo da Colônia de Moçambique, 1929. Acervo BN)
Sumária

Palavras iniciais Critérios antológicos


Marco Lucchesi I 9 Ana Mafalda e Luis Carlos

Patraquim I 33

Partes (VÁfrica

Ana Mafalda Leite I 11 Poesia angolana:


percursos

(des) contínuos
Antônio O/e e Jorge Cambe: Ana Mafalda Leite I 35
a incessante
de raízes
procura
Carmen Lúcia Tindó Ribeiro Secco I 13
ANGOLA

A voz da memória I 51
"Carlos
Drummond continua

a Aires de Almeida Santos


fascinar-me"

Entrevista Agostinho Neto


de José Luís Mendonça I 17
Antônio Jacinto

Viriato da Cruz
História, magia e desejo:
Alda Lara
a de Melo
poesia João
Mário Antônio
Mário César Lugarinho I 21
Costa Andrade

Jorge Macedo

João Maria Vilanova


A dos anos 1980
partir \ 63 MOÇAMBIQUE

Ar lindo Barbeitos A voz da memória 1143

Ruy Duarte de Carvalho


José Craveirinha
David Mestre
Beinaldo Ferreira
Paula Tavares
Glória de Sant'Anna
José Luís Mendonça
Noémia de Sousa
João Maimona
Fonseca Amaral
João Melo
Virgílio de Lemos
E. Bonavena
Bui Nogar
Adriano Botelho de Vasconcelos
Bui Knopfli
Maria Alexandre Dáskalos
Mutimati Barnabé João
Rui Augusto
Jorge Bebelo
Trajano Nankhova Trajano

Frederico Ningi

A dos anos 19S0 I


João Tala partir

Carlos Ferreira
Sebastião Alba
Luís Kandjinibo
Fleliodoro Baptista
José Eduardo Agualusa
Leite de Vasconcelos
Ana de Santana
Júlio Carrilho
Antônio Gonçalves
Calane da Silva
Amélia Dalomba
Manuela Sousa Lobo
Fernando Kafukeno
Albino Magaia
Conceição Cristóvão
Jorge Viegas
J.A.S. Lopito Feijóo K.
Juvenal Bucuane
Antônio Panguilla
Gulamo Khan
Sapyruca
Julius Kazembe
Antônio Pompílio
Afonso Santos
Carla
Queiroz Mia Couto
Ondjaki
Almeida Culo

Filimone Meigos

Poesia moçambicana: Armando Artur

ecletismo de Eduardo Vhite


tendências

Ana Mafalda e Luis Guita Júnior


Carlos

Patraquim I 139 Momed Kadir

Nelson Saúte

Amin Nordine

Adelino Timóteo

Sônia Sultuane
Chagas Levene
Rui Knopfli e a Ilha de
Rogério Manjate
Moçambique

Celso Manguana
Márcia Glenadel I 251
Dinis Muhai

Jorge Matinê
A em Cabo Verde:
poesia
Ruy Ligeiro
um trajeto identitário
Songare Okapi
Simone Caputo Gomes I 263

Imagens de Bertina Lopes


Danças negras na estética
Luciana Stegagno Picchio I 225
nacionalista:

música
para piano
Entre sonhos e memórias: Guiherme Sauerbronn I 275
trilhas da
poesia moçamhicana

Carmen Lúcia Tindó Ribeiro Secco I 229


EnlminiÁ immais.

Na história da revista Poesia Sempre O coração da revista reside na bela e


houve apenas um número monográfico, instigante antologia realizada
por Ana
voltado a
para poesia de Carlos Mafalda Leite e Luís Carlos Patraquim,
Drummond de Andrade. Fato se e ensaístas de marca,
que poetas cuja escolha
impunha com toda a naturalidade é bem o índice de uma visão
para ampla e
a comemoração do nascimento de um abrangente do cultural.
processo
de nossos maiores Linha-de- Não foi -
poetas. possível por circunstâncias
força e
presença identitária. de tempo e espaço — incluir
a das
poesia
O número ora se apresenta
que é o ilhas, bem como a de Guiné Bissau.
segundo instante em a Revista Delineamos, no entanto,
que um
panorama
abraça uma temática exclusiva e da de Cabo Verde
poesia e esperamos
continental: a
poesia de Angola e recuperar nos números
próximos não
Moçambique - as
partes de África, apenas a da língua
que geolírica portuguesa
dizem e explicam substancialmente a da África, mas unificar
partes outras,
relação entre nossos
países, feita de como a desejada e breve
parte oriental
modo direto ou transversal, aberto e de Timor.

solidário, no contexto sul-sul, dentro de Consignamos aqui os nossos


categorias culturais e arquetípicas. agradecimentos a Raquel Martins Rêgo,
Como disse Alberto da Costa e Silva, Morgana Maselli, Laura Minervini,
há considerar o Atlântico
que como um Bertina Lopes

rio. E aqui
pensamos também no Mama B), Alberto da
(a Costa e Silva,
Índico. Atravessá-los implica retomar os Eduardo Portella, Carmen Lúcia Tindó
laços de uma compreensão mútua, sem Ribeiro Secco, Mônica Carneiro e a
a deixamos de avançar
qual em nossa todos colaboraram direta
que ou

própria identidade. indiretamente nesta edição.

Os ensaios aqui confirmam E


presentes sobretudo a Ana Mafalda Leite e
semelhante como
perspectiva, os Luís Carlos Patraquim, sem cujo
que
tratam da música negra, ou das obras entusiasmo esta edição não
passaria de
de Jorge Gumbe e Bertina Lopes, no um sonho.

campo das artes visuais, ou na Um diálogo de muito


poesia que se
de Rui Knopfli e José Luís Mendonça. orgulham os editores da Revisla Poesia

Sempre.

Marco Lucchesi
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Naturalidade

(uma carta a Rui Knopfli)

Eu, meu caro Rui Knopfli, eu caso-me à agrura de versos


pátria ó Rui, a tua mafalala
das micaias e das rosas, ao roxo das noites entumescida a tua sensual
josé, arquitectura a
lentas e às luas dos dois hemisférios. Do sul ao oriente, Eduardo, ó príncipe dos poetas, o teu
norte em espiral me move o coração em Índico rumo silencioso e manso Artur, a. escultura
interior, a intensa lentidão dos sentidos maconde da tua voz magoada Noémia, teu
estremecidos essas
por aves estranhas que me rendilhar de azul
pemba Glória, a monção
povoam os sentidos de asas bem reais. elegíaca e trágica, dolorosa dos teus blues,
Chamem-me européia ou africana, fazer
que Patraquim, teu mar ao norte em ilhas utópicas
senão calar? Meus versos livres, livres Virgílio, e em arca de noé, essa fábula grotesca
xingombelas, livres pomos, voam sem chão, de Grabato arrebatando os pontos cardeais num
neste chão trago
que por dentro da casa móvel chão desgarrado a Filimones, mas em nós
que me atravessa o sonho. Muito dentro de
por crescido até à palma
todas as acorda
paisagens aí esse teu, este meu, de todos os sons.
primeira
quebranto dolente, luz que as tardes em brasa Acredita, a terra-mar que em nossas línguas
levantam na alma acordada em seu abrupto caminha é naturalidade obscena, pátria dividida
amanhecer. É provável e é certo ser este meu em crônicas da nascimento incestuoso
peste, de
corpo entrançado de liana e liamba uma múltiplas mães, em nós úbere o som da
trepadeira de nuvens em o arco íris
que morde a xipalapala,
cauda de muitos céus em desvario, a
porque lancinado eco do fim das tardes, misterioso
alma sem sossego acasala seres bifrontes, som, morro de muchém crescido da terra,
monstros de um Hermes apátrida. desventrando asas em voluta, lento voo em
que pátria a de um poeta senão uma sombra acesa, pátria minha, passaporte,
língua bífida e em fogo, senão um veneno naturalidade, só uma, a poesia.
redentor de mamba, enrascada dor nesse corpo
babel em chama anunciado?
Ana Mafalda Leite
há no entanto uma terra e uma em
pátria
que eu pouso devagar, me reconheço e
desconheço, escriba acocorado enrubescendo a
língua de amorosos sabores, de vibrados ritmos,
é a tua
Santos Rufino, em Album fotogrifico e descrltivo

da Coldnia de Mozambique, 1929. Acervo BN.) t*i '


Antônio
Ole e Jorge

Gumbe:

a incessante
das raízes
procura

Carmen Lúcia Tindó Ribeiro Secco

presença do ar. da água, do movimento em direção às


permanente

fogo, da terra e de mitos da origens. Segundo José Antônio de

"um
A tradição angolana se faz Oliveira, tecido espiralístico,
quase
observar na convulsivo,
pintura de Antônio Ole e agita todo o espaço

Jorge Gumbe, nomes representativos das obras do


pictórico"' pintor.
das artes contemporâneas 0 cinetismo, além de expressar
plásticas de a recusa

Angola. "angolanidade"
As obras desses artistas do lugar comum da

revelam uma representada exoticamente


preocupação crítica tanto
pela pintura
em relação à realidade anterior, revela uin exercício de
presente, busca

quanto às religiosidades do imaginário constante não só dos aspectos

ancestral africano. Há em suas telas identitários de uma Angola


os (T1
elementos da natureza multicultural, mas da
primordiais própria
retrabalhados segundo o estilo de cada linguagem do artista.
plástica

um. Em Gumbe, os signos e símbolos Na de Gumbe, surgem


pintura

da água são freqüentes, trazendo o mar multidões solitárias, cuja dispersão

e as míticas figuras aquáticas como, evidencia a dos elos originários.


perda

por exemplo, a Kianda, deusa angolana Ao mesmo tempo essa dissolução é


que

do mar. Em Antônio Ole, há o fogo e o denunciada, se repete o terna do ventre

ar, este metonimizado recorrentes materno, do ovo inicial, apontando


por

imagens de Nas obras desses a urgência da recuperação das


pássaros. para

pintores, múltiplos traços da identidade tradições. Assim, são convocados o


para

angolana ser depreendidos, centro dessa os elementos


podem pintura

poréin não se encontram fixos, nem


' "A
OLIVEIRA, José Antônio de. Pintura
acabados, mas, sim, em incessante
Recente de Jorge Gumbe". In: Jorge Gumbe:

procura das raízes.


próprias catálogo da exposição montada
por Tirso do
Nas telas de Jorge Gumbe, Amaral. Luanda: Edições Asa; Secretaria de

freqüentes espirais configuram um Estado da Cultura; UNAP, 1989. 8.


p.
Aspecto de uma propriedade agrícola, em Quelimane - Moçambique

(Foto: José dos Santos Rufino, em Álbum fotográfico e descritivo da Colônia de Moçambique, 1929. Acervo BN.)

cósmicos: o sol, fonte de energia ígnea, idéia das maternais águas marítimas de

o chão telúrico, as águas míticas de Kianda, tudo reinventado em cores,

Kianda, o metafórico ar da imaginação movimentos e míticas imagens


que

criadora em se em trazem ressemantizada a tradição.


que projetam

espiralado movimento as formas De acordo com Adriano Mixinge, cada



humanas. Há forte de tela de Jorge Gumbe resultado de
presença

elementos da etno-filosofia africana, instâncias lineares cromáticas e


'olho
recriada, ser depreendida, cosmogônicas
que, pode peneiradas pelo

por exemplo: em Homenagem aos concêntrico' da maturidade e do estudo

jingongos (acrílico sobre tela), profundo"2. Ruy Duarte de Carv alho é


"o
referência aos míticos da outro crítico ressalta vertiginoso
gêmeos que

tradição, espécie de andrógino movimento das imagens e


pintadas

primordial, símbolo da criação; no espaço abstraizante das


própria projetadas

em Apoteose a Kianda sobre telas de Jorge Gumbe"3, como se as


para (óleo

tela) e Oferendas Kianda figuras estivessem a captar o


para (acrílico

sobre tela), homenagens à deusa

angolana do mar, responsável MIXINGE, "JORGE


pelo Adriano. GUMBE: A
equilíbrio marítimo, fartura de Natureza como Mãe".
pela In: Exposição Colectiva

peixes; em A mística do imbondeiro de Pintura: Antônio Ole, Jorge Gumbe,

sobre tela), alusão à árvore Massongi Afonso Van


(acrílico (Afó), (Catálogo).
Luanda: Centro Cultural Português de Angola
sagrada da Kianda; em Um combate
e Instituto Camões, 1999. 11.
p.
(óleo sobre tela), onde aparecem as
CARVALHO.
Ruy Duarte de. Jorge Gumbe-,
serpentes cósmicas, constituem um
que catálogo da exposição montada
por Tirso do
totem fundacional da cultura angolana. Amaral. Luanda: Edições Asa; Secretaria de

Nos de Gumbe, é obsessiva a Estado da Cultura; UNAP, 1989.


quadros p.6.
movimento cósmico do universo. recupera aspectos representativos das
\ertigem e espirais "Uma
assinalam a raízes angolanas, é Antônio Ole.

presença de uma espécie de luta tremenda se verificar nos


pode
barroquismo
pictural nos do estilos do o
quadros pintor: pós-realismo, a arte
artista, barroquismo esse nada tem o surrealismo. A argila,
que pop, madeira,
a ver com o barroco religioso europeu, vídeos, ferro em suas instalações

mas se aproxima
que do neobarroco revelam o seu a escultura,
pendor para
assim designado e conceituado
por a arquitetura"6 e, a
portanto, para
Severo Sarduy: interdisciplinaridade. Nos trabalhos do

artista,
Barroco em sua ação de em
pesar,
sua (...) os elementos ativos da
queda, em sua linguagem

afetada, composição ora surpreendem


às vezes estridente, multicor porque

e caótica, a sua inequívoca atualidade zumbe


que metaforiza a

impugnação no espaço de sedimentadas


da entidade logocêntrica

até memórias, ora são amostras


que então nos estruturava em porque

sua distância da codificação do


e autoridade; barroco passado

recusa instaladas num remete às


que toda instauração, fundo que
que
metaforiza mais recentes aquisições da via
a ordem discutida, o

deus plástica. Daí coexistem as


julgado, a lei transgredida. que

Barroco máscaras de e as de noção de


da Revolução.4 gás

antepassado
(,..)7
Esse neobarroquismo representa
Os e o ar, na obra de
subversão, discordância pássaros
em relação ao
Antônio Ole, aparecem como
centro, ao Logus absoluto, à razão
metáforas da imaginação criadora:
imposta Europa
pela aos continentes
"Os
pássaros têm a ver com minha
periféricos, como a América Latina e a
sensiblidade: a liberdade."8 - explica
África. "sempre
Por essa razão, esteve
o
relacionado próprio pintor.
à literatura e à cultura dos

países saídos do colonialismo"5. O


jogo ^
OLE, Antônio. In: PEDRO, Francisco.
barroco, assim, se afirma como instrumento "O
Corpo da Pintura". Jornal de Angola. Ano
de rebeldia, onde a emoção
predomina, 24. N°. 7889. Vida & Cultura: Suplemento de
rompendo com o equilíbrio clássico. Artes, Letras e Idéias do Jornal de Angola.

Outro importante angolano Lisboa, 20 de junho de 1999.


pintor p. II.
'
contemporâneo, CARVALHO, Ruy Duarte. In: Antônio Ole:
cuja obra também
Retrospectiva 1967-1997 da
(Catálogo
Exposição). Luanda: Centro Cultural
^ u0
SARDUY, Severo. Barroco e o Português de Angola e Instituto Camões, 1997.
Neobarroco'. In: MORENO, César Fernández. 12.
p.
América latina em sua ® "O
literatura. SP: Ed. PEDRO, Francisco. Corpo da Pintura".
Perspectiva, 1979. 178. Jornal de Angola.
p. Ano 24. N°. 7889. Vida &
^
VASCONCELOS, José Manuel de. Cultura: Suplemento de Artes, Letras e Idéias
Apresentação de Severo Sarduy. In: SARDUY, do Jornal de Angola. Lisboa, 20 de junho de
Severo. Barroco. Lisboa: Ed. Vega, 1989. 1999. III.
p.7. p.
A estética de valores e areias deste seu solo
pesquisa púrpuras

traços identitários da cultura angolana luandino, o aliás,


que pintor,

é recorrente nas composições de mistura, numa técnica à maneira

Antônio Ole. Como Jorge Gumbe, o surrealista, criar superfícies de


para

artista foge das estereotipadas formas diferentes leituras. As aves, com

de expressar aspectos da multifacetada forma trazem consigo


quase grífica,

identidade angolana. Busca os o vento e o trovão, enfrentam a

universais da arte, conjugando 10


técnicas serpente mítica.

modernas e contemporâneas ao lúdico e

lúcido exercício de recuperação das Concluindo, observamos, tanto em

tradições surgem ressemantizadas relação a Antônio Ole, como a


que Jorge

em sua obra. Gumbe, suas obras, apreendendo,


que

como matéria de criação substratos


Consciente das lógicas e das
culturais do em confronto com
passado
retóricas fundamentais de seu
contradições do tecem um
presente,
tempo, deste tempo, Ole situa-se
multifacetado das mentalidades
painel
como transfigurador de ingredientes
angolanas. Ressaltamos ainda, em
naturais-fósseis, mítico-bíblicos,
relação a esses o crítico
pintores, papel
humano-tecnológicos e narrativos-
e transgressor de sua arte,
que,
simbólicos. Mas, belas essas
que
recriando o real, efetua
poeticamente
transfigurações são, em
primeiro
uma denúncia dos sociais, ao
problemas
lugar, não só uma interrogação e/ou
mesmo tempo se oferece como
que
reflexão a da dinâmica
propósito
caminho de resistência à dos
perda
expansiva da arte, senão e também
laços com as tradições ancestrais.
uma forte incitação à

interdisciplinaridade, nela o
já que

artista conjuga a fotografia, a

escultura, a o vídeo e a
pintura,
9
arquitectura.

Em algumas obras de Antônio Ole, a

presença dos elementos da


primordiais

natureza também se faz notar:

(...) com elementos


profundamente

angolanos. As águas retratam o mar

plácido da Ilha do Mussulo, as terras

reconstituem os e as
pigmentos

^ "Antônio
MIXINGE, Adriano. Ole e a "O
SOUSA, Conceição Barreira de. Estado
Travessia dos Anéis Etnocêntricos". Jornal de das Coisas". In: Antônio Ole: Retrospectiva

Angola. Ano 24. N°. 7735. Vida & Cultura: 1967-1997 da Exposição).
(Catálogo Luanda:
Suplemento de Artes, Letras e Idéias do Jornal Centro Cultural Português de Angola e Instituto

de Angola. Lisboa, 17 de
janeiro de 1999. p. III. Camões, 1997. p. 22.
"Carlos

Drummond

continua a
fascinar-me"

Entrevista de José Luís Mendonça «Sn

Poesia Sempre: Em momento a PS: Como você definiria as etapas de


que

poesia aconteceu? E se sua indagação


fosse possível poética?
apontar uma razão, havia de ser?
qual

JLM: 0 foi o do ciclo


primeiro período

José Luís Mendonça Lembro-me fechado livro Gíria de Cacimbo e


que pelo
ai volta dos nove anos, no iniciou com Chuva Novembrina:
por parava que

meio de um largo de terra ciclo da experimental.


grande poesia

batida havia então no meu bairro, 0 segundo começa com Respirar as


que

e me angustiava o dilema do Mãos na Pedra e vai até 1995,


perante quando

significado e da imagem do meu sai Acordar a Alva: ciclo do


Quero

proprio nada, dizer, do seria lagarto.


quer que
eu se não fosse aquela daquele O terceiro vai de Eogaríntimos
pessoa período

instante. Comecei a escrever os da Alma até Ngoma do Negro Metal:

melhores na folha azul do céu e ciclo da ascensão à raiz.


poemas

hoje vou buscando as reminiscências. A antologia Cal & Grafia encerra esses

Escrevo aquilo só existe na face três ciclos. Surge, a de Gramática


que partir

oculta de cada coisa, de cada ser, de do Amor Contemporâneo um


(2002),

cada de cada som. ainda não sei


pensamento, quarto período que

Sobretudo a solidão da Terra, eu caracterizar, espera ainda o


que porque

interiorizei de tal forma me tornei subsídio das obras, uma das


que próximas

na órbita do recebendo no
própria planeta, quais já prelo.

todas as impressões e aprendendo todas

as expressões de cada ser. 0 me


que

inspirou e me inspira é o
precisamente

ambiente da escuta, da aprendizagem

de cada lugar nunca é o mesmo a


que

cada manhã, embora vivido anos a fio.


"Subpoesia
PS: Penso em seu escondem este aspecto, não o discutem
famoso

Você realiza uma obra onde a nos dentros dos


questão parlamentos, partidos
social e a - assim
questão poética por políticos, apenas os religiosos se

dizer - se entrelaçam de modo insurgem, como a Igreja Católica aqui

definitivo, sem reduções de a em Angola. Depois de tantas décadas de


parte

parte. Uma luminosa e independência no Continente, temos de


poesia

incisiva... fim a estas humilhações aqui


pôr na

terra sagrada dos nossos antepassados.

JLM: O engajamento na é Temos de ser modernos. Respeitar a


poesia

natural, nada é ele vida. Se não o conseguirmos, teremos


premeditado,

também lírico, é a expressão de sempre o neo-colonialismo dentro de


porque

um sentimento de revolta é um Esta está


popular, portas. preocupação

engajamento "Subpoesia".
com a vida, tem a ver com sintetizada no meu
poema

a marcha corajosa o mundo de


para

todos os homens de falava


que

Agostinho Neto. Devido ao caráter PS: A História. O Mito. A Utopia.

belicista e de confrontação Assim, em maiúsculas. Nessa tão


permanente vasta

da vida em Angola nos últimos 100 onde melhor reconhece o


paisagem,

anos, a do último século rosto?


poesia próprio

necessariamente reflete com acentuada

ênfase, a aspiração do angolano à JLM: Tal como o nosso antepassado


povo

vida. Veja a África com a recolhia bagas silvestres nas


que que, grandes
escravatura, deu ao mundo florestas sobreviver na
primeiro para pensando
toda a riqueza ele hoje ostenta, comunidade, também eu ando
que pelos
ainda não conseguiu experimentar as mesmos espaços neste tempo mais
que
benesses do técnico-científico recolhendo enseadas
progresso primitivo para
e industrial na sua reconstruir os da alma de cada
plenitude. portos

pessoa vem a mim. Vinte anos da


que
* E esta angústia a minha minha
que poesia criação literária, em lapidei
que
reflete. Mas a maior angústia é a de ver o verso orientado sempre fio
pelo
o homem africano baixado à categoria condutor da energia telúrica, da

de coisa sem valor homem angolanidade ao meu ser


pelo próprio que preside e

africano, o negro a ser trucidado, a ser estar no mundo. Toda a minha


poesia é

massacrado irmão negro, o resultado desse amor à terra. No


pelo próprio

não o colono branco. Isto dói se momento em escrevi esses


já que que poemas,
farta, dói como uma faca espetada no Angola e a África estavam, como ainda

meu coração. Não eu não entenda a estão, em crise. E a angústia


que profunda

raiz das coisas. O eu não entendo é do homem africano reflete-se nos


que versos

porque não se com este estado de de Cal & Grafia.


pára

coisas, a morte barata nos invade


que

todos os dias. Porque é não se fala * Os versos foram acontecendo,


que

disto, é os amadurecendo na copa da árvore


porque que políticos e um
dia foram caindo, caindo, e eu apanhei anos de universal e se nutre
poesia que
os mais belos frutos, de uma cor rosada do secreto cantar da alma do nosso
como os cajus de dezembro, outros A contemporânea, eu
povo. poesia
amarelos como as mangas de entendo-a assim: como um vaivém
janeiro, que
outros ainda vermelhos como as cruza o espaço sideral. Se não tiver a

jinguenga, outros houve me o saber e a ciência


que potência,
escaparam na noite, caíram terra e acumulados durante milênios, nunca
por
apodreceram,
o ficou da safra foi o será contemporânea. Por outro
que poesia

que dei ao mundo, frutos


preenchidos lado, a contemporânea angolana
poesia
de doçura e acidez, de ternura e tem de ser angolana e obviamente

amargura, de saudade e reencontro, de africana. Ou será só contemporânea.

tudo e de nada. Daí eu ter assumido a


para poesia que

escrevo uma linha se


programática que
Entre o nascimento e a morte, há entranha da mensagem de Agostinho
•mensos espaços "A
em branco, como o Neto, contida no seu Voz
poema
espaço em branco daquele escravo Igual": reencontrar a África. Este é o
que
nunca foi à escola e nem sequer fio condutor da minha
que produção
chegou ao Brasil, foi atirado ao artística. Transportei os meus
para
Atlântico,
enquanto os versos a inspiração do movimento
grandes poetas de
liam em "Vamos
público as suas belas fins da década de 40, Descobrir
poesias
contra a escravatura nas capitais da Angola", iniciado Viriato da Cruz e
por
Europa. 0 meu silêncio é a escrita a no militarain como Antônio
qual poetas
escorrer
pelo mar adentro toda uma Jacinto e Agostinho Neto, aproveitando
vida
parada no elevador das mortes a idéia da recuperação
que principalmente
o morre
poeta em busca da vida. O da dentro de um discurso
palavra
silêncio é talvez o melhor momento da angolano autêntico e de intervenção
expressão, "O
daí aquele feitiço Eu recuperei a linha de força
poema política.
da boca' a fechar a minha antologia do discurso vincadamente angolano e
Cal & Grafia, insere o acrescentei-lhe a de Agostinho
que provérbio proposta
Umbundo: "Umbanda "A
womela okuha" Neto, extraí do voz
que poema

(0 feitiço da boca é o silêncio). 0 leitor- igual . Alcançada a independência,

poeta reescreve esse silêncio e capta-lhe seria um equívoco, e alguns


poetas
os sinais vitais. incorrem nele, considerar

extemporâneas as correntes e
grandes

movimentos dos
político-literários
PS: A
poesia hoje em Angola. Como se escritores nos antecederam na era
que
mostra? Como se desvela? colonial. A reconstrução de Angola

passa pela reconstrução cultural.

JLM: A verdadeira angolana é


poesia

pouca e é somente aquela sabe


que
escutar com olhos de falar e boca de

ouvir o acumular de mais de três mil


PS: As suas relações com o Brasil PS: os seus interesses artísticos
Quais

literário, corno se realizam, onde atuais, livro está


por que preparando?

convergem e se afastam?
passam,

* Tenho uma obra a ser manuscrita

JLM: As minhas relações com a ainda não lhe dei o


paulatinamente,

literatura do Brasil realizam-se mais título e não sei terminar, dadas


quando

através de leituras dos livros a as ocupações sociais. Estou a estudar


poucos

temos acesso aqui em Angola e de Direito na Universidade Católica, à


que

pequenas obras um ou outro noite, depois do trabalho e tenho lido


que poeta

contemporâneo me envia. Há alguns e história.


poesia, prosa

anos descobri o Manoel de Barros


que

considero um inovador bucólico, de

tempera e sensibilidade. Mas PS: 0 como e


grande já futuro, promessa

tinha lido na o Jorge construção. Como Como


juventude grande princípio.

Amado. O Carlos Drummond continua esperança. nome terá o futuro em


Que

a fascinar-me. Mas o me chega Angola,


que preparado pelos poetas?

mais às mãos tem sido a os


prosa,

belíssimos contos de João Ubaldo JLM: Não sei. Angola é um onde


país

Bibeiro, exemplo. Mas não chego a ainda não existe uma crítica literária
por

ter contato com o realmente seria audaz e regular. 0 Buy Duarte


que poeta

de desejar. diz mesmo não há crítica literária


que

em Angola e isso não separar o


permite

trigo do Os críticos brasileiros


joio.

PS: Ngoma do negro metal é um livro aplaudem tudo o se aqui e


que produz

expressivo e inovador. Qual o lugar dele lhes chega às mãos. Ora, o


próprio

em sua obra? o escritor em também


poeta, geral,

precisa se lhe diga em aspectos


que que

JLM: Este livro fecha o ciclo melhorar a sua obra, não se


que pode pode
"ascensão
intitulei de à raiz". Exacerba criticar sem criticar. No
geral,

o estilo conseguido através de um o sistema econômico


preocupa-me que

intenso exercício de aprendizagem se está a implantar em Angola, sem

poética com as artes divinatórias do e se vai


preocupação pelos pobres, que

vento e a textura terrena do sol. Traz à refletir obviamente na literatura.

tona a metalurgia do a escrita 0 futuro terá de


poema, preparado pelos poetas

sólida e o seu tempo evanescente do ser melhor, e isso


qualitativamente

verso e, no fundo, fala da resistência do muito estudo e trabalho.


pressupõe

homem negro em todos os tempos e em

todos os lugares.
História, magia

e desejo: de
a
poesia

João Melo

Mário César Lugarinho

o novo, na modernidade, foi impotente contra a função

é anular o invocando- cosmogônica da memória. É flagrante


passado,

Criar
o como antagonista do futuro. neste seja inserida a
que quadro

Na obra literária emergência de. novas literaturas


moderna, o
presente,
o e o futuro nacionais, oriundas das nações afro-
passado se
podem
encontrar simultaneamente, asiáticas se tornaram
não que

deixam de estar independentes ao longo do último


em
permanente
tensão. Já é farta século. Para tanto, criava-se uma
a bibliografia crítica

que aponta a obra de Mareei Proust Memória coletiva como estratégia de

como um nacionalismo, artifício da criação


paradigma desse
processo,
instituindo de uma nacionalidade.
o tempo como uma

categoria literária submetida A literatura dos africanos de


à países

subjetividade. No entanto, a relação língua oficial não foi


portuguesa

entre tempo, subjetividade exceção. Transitar entre o vetor da


e obra

literária nacionalidade - fundava a nação


da de que e
prescinde permanência
certos a consciência nacional - e o vetor de
procedimentos estéticos
que
recorrem uma nova subjetividade - se
à historicidade da obra e, que
por
conseguinte, a sua contextualização impunha desde a formação de um

permanente. O mais sujeito negro-africano ou simplesmente


procedimento
comum encontrado é a africano, consciente de sua herança

instrumentalização da memória, tradicional e de seu lugar num mundo

através da o sujeito consegue hostil com uma


qual permanente

estabelecer alguma forma de mediação da memória, foi o

organização de sentido. Com isso, mais comum encontrado


procedimento

pode-se verificar a Literatura do essas literaturas. Talvez, este fosse


que por

século XX, criada a partir dos o desafio mais da de


premente geração

movimentos da vanguarda histórica, angolanos iniciam a sua


poetas que
ao longo dos anos 1980. O recente lançou
publicação produção que questões

primeiro vetor dominou a impedem uma fácil revisão de seu


produção que

literária, ficcional e/ou desde estético e


poética, projeto político.

as décadas anteriores à independência. Em Angola, a Literatura assumiu

Após 1975, o trânsito características singulares


quando que

apontado se torna mais evidente, entre subvertem a ordem em o Ocidente


que

os nacionalistas, inseriu o e sua obra. A dupla


procedimentos que já poeta

se convertiam em uma autêntica função é delegada ao e ao


que poeta,

tradição literária, e o refluxo uma escritor,


para preconiza questões já

subjetividade, encontra-se aquela institucionalmente resolvidas


pelos

Luandino Vieira, citado ocidentais - ao historiador


geração que cabe

Francisco Soares, denominou de investigar o e reescrevê-lo


por passado para
"geração
das incertezas"1. a compreensão de seu ao
presente,

A obra de João Melo, se começou em Angola, o


que passo que, poeta

a em 1985, é, certamente, convertido em cronista da história


publicar

uma das mais representativas desse recompõe o o


passado para justificar

de transição: compromete-se, e seu futuro.


período presente planejar

radicalmente, rasurando os limites A ausência de um discurso

entre a Literatura e a História, historiográfico durante o


por período

submissão ao vetor da nacionalidade, e colonial, capaz de oferecer o manancial

tomar, muitas vezes, o lugar do de memória nacional, o lugar


por justifica

cronista e do historiador, como na singular a Literatura ocupou


que para

de Agostinho Neto. No a compreensão da cultura angolana


geração

entanto, é com a experiência de sua nos anos anteriores à independência.

lírica amorosa e com a sua mais A nesta via só ser


persistência pode

compreendida tal
porque procedimento
' se conservou como inerente à
SOARES, Francisco (org.). Antologia da

nova poesia angolana (1985-2000). Lisboa:

INCM,2001.
Aspecto parcial da Baía
de Lourenço Marques -

Moçambique (foto: José


dos Santos Rufino, em

Álbum fotográfico e

descritivo da Colônia de

Moçambique, 1929.

Acervo BN)

^
IT n
Cenas do cotidiano
(ilustração L. S. Hans Erni, em Esquisses Africaines. Acervo BN)

Literatura de Angola. Mesmo herança milenar e a sua

tentativas anteriores de construção de contemporaneidade. Tradições

uma literatura fundada numa milenares são recuperadas a fim de


que
subjetividade individualizada não se resgatar a fronteira apagada
possa
conseguiram
gerar força colonizador entre África e Europa,
paradigmática pelo
até o aparecimento da de Ana mas, ao mesmo tempo, são
poesia
Paula Tavares, em 1985, com Ritos de reinscrever a
problematizadas para

passagem. João Melo, em Definição, mesma tradição num mundo cujas

investiu ainda no vetor da fronteiras culturais vão se apagando

nacionalidade,
contando a história
paulatinamente.
recente.
Poemas angolanos é uma antologia

É com Poemas angolanos 1970- 19S5


que abrange anos de
quinze produção

(1989) que, apesar de ainda trabalhar e de História angolana.


poética
a memória nacional como dívida com o Antologia como um roteiro de viagem

passado, será decodificada a transição através do tempo, em companhia,

da memória nacional e coletiva a novamente, do anjo da História, se


para
experiência individual e, recorrermos a Walter Benjamin,
portanto, que
lírica, terá
que continuidade com a acompanha o em sua trajetória.
poeta

publicação, também em 1989, de E dividida em seções em se


que
Tanto Amor. uma organização temática
percebe que
Da recorrência à memória nacional, ordena a seqüência de
poemas.
Melo a composição Nesta obra, a memória
parte para é a

individual do sujeito inscrito companheira e de Melo. É seu


poético, guia por
numa modernidade em o discurso intermédio
que que sua revela a sua
poética
lírico o inscrição
permite questionamento da nas tradições e a sua

condição do homem angolano frente a reinscrição na subjetividade,

um mundo em constante mutação. propiciada pela experiência individual

Impossibilitado de cristalizar do choque. Vale determo-nos na sua

comportamentos "Quatro
advindos da tradição, abertura, a seção intitulada

que no da literatura diretores dos


paradigma prolegômenos", poemas
angolana determina as direções do conceitos
poéticos, políticos, míticos e

futuro, da utopia, o conjuga humanísticos


poeta a do
poeta.
"O
Em aprendiz de kimbanda" ação do dom do
pela própria

(p. 11), Melo uma sobreposição kimbanda de o futuro. A


promove prever poesia,

dos caminhos onde sua assim como a capacidade mágica,


por poesia

seguirá. A é um ato encontra-se a serviço da utopia:


poesia político que

ocorre intermédio de uma ação A de se fabrica as


por percepção que

mágica. 0 a mercê de si e reconhecer o sentido


poeta põe-se palavras permite

de seu social. 0 campo mítico, industrial da moderna. Mesmo


grupo poesia

fortemente atravessado este mito, o


por poema, possuído pelo poeta percebe

define o alvo utópico do futuro inserido sua função dentro das forças

em sua obra. Poesia é magia, língua e da sociedade angolana.


produtoras

utopia - mito, estética Aqui Fabricar


e política. e não são criar,
produzir

é encontrado o conteúdo remetem necessariamente à existência


programático

balizará a apresentada de uma matéria-prima se


que produção que

Poemas angolanos: a ser


por permitem

transformadas/transmudadas em

Reza após reza, i.é, Lançar mão de homens


poesia. pedras

verso após verso ervas animais, os elementos naturais

eu da magia excelência, é convertê-los


por

insisto em elementos 0 está


poéticos. poeta

pronto para lançar-se em direção de

E trabalho de noite seu destino e e


gritar, para possuir

que é dominar, em sua voz, os espantos


quando

a concentração logra medonhos: medo sangue raiva morte.

um misticismo mais Ou seja, deixá-los fluírem além de


profundo para

sua interioridade a fim de


própria que

E utilizo de tudo converter-se, num esconjuro,


possam

fabricar as não apenas na matéria mas,


para palavras: poética,

como se vê no seguinte, em
poema

homens ervas animais ação efetiva: a tensão entre a tradição


pedras

e a sua contemporaneidade. Escrevo

Depois saio, afivelando com fogo e com terra / Escrevo sempre

a minha horrenda máscara como se comesse / com as mãos/


funje

de mak ixe mesmo utilizo/garfo e faca


quando

e os meus 72", 12). No último


gritando ("Arte poética p.
"0
espantos medonhos: deve", inscreve
prolegômeno, poeta

como uma lei os versos encerram o


que

medo sangue raiva morte vetor de sua obra o

mundo/está/sempre/em andamento
("0 aprendiz de Kimbanda", p.n)

(p. 15). A consciência da mudança e

Se cada reza é um verso, ser do movimento do mundo,


pode por

antevista uma identidade especular definição, são elementos de tensão

entre mito e Literatura, se reverte colocados de frente à tradição.


que quando
encontram-se difusos entre as imagens

pacíficas que os denotam. Se


poemas

há o sol, há a imagem recorrente da

lâmpada e a do sol
pintado,

representações iludem os
que que

vivem dentro da caverna de Platão.

Há, aqui a intenção clara de


P,#41 portanto,

se a discussão, tio interior do


promover

sobre o
poema, próprio presente. Melo
"Memória
concebe a da casa de vidro"

como a forma de reivindicar a


para

o estatuto de historiografia na
poesia

medida em seu discurso lança mão


que

da Memória reinstalar,
para

nitidamente, os mitos no interior da

perspectiva revolucionária. Se, naquele

momento, no discurso do colonizador,


Caçadores indígenas
(Foto: José dos Santos Rufino, em o
progresso e a modernidade eram
Álbum
fotográfico e descritivo da Colônia de
Moçambique, elementos recorrentes, Melo contrapõe
1929. Acervo BN.)

o discurso da tradição, do se
qual
Sua
perspectiva poética, então, é a torna arauto. 0 reconhece o
poeta
promoção consciente de uma síntese. imenso
poder que utiliza fabricar
para
A seção seguinte de Poemas seu e inserir, radical e
poema
angolanos, "A
cidade de adobe" conscientemente, a no real
poesia
assenta-se
sobre a memória, objeto e angolano 7).
("Prefácio", p. Por isso, a
nao meio "Crônica
de sua Para ser supostamente ecológica"
poética.
angolano
ferozmente é necessário 39): Aqui havia naturais
que, (p. grandes
em seu discurso, as tradições milenares espaços / com árvores e amigas
fartas
de sua terra estejam bem marcadas.
que / tinham pássaros nos ramos. Mas
Por isso é visível um afastamento da os espaços não existem mais, foram

produção de inundados arranha-céus.


poética gerações pelos
anteriores. "cidade
Agostinho Neto, A de adobe" foi transposta
por
exemplo,
propunha em seu antológico o da Memória e há
para passado
Sábado nos musseques" a saudade de apenas um se
presente, que quer
tempos "casa
não vividos de liberdade, eterno. A de vidro"
passa a
inscrevendo
na memória coletiva representar, com sua imponência e,
angolana a nação como destino. Melo, também, fragilidade, a imagem do

por sua vez, institui a leitura colonizador e de sua cultura. Àqueles

palimpsêstica do salta em convivem com a casa de vidro


passado, que que
seu na
presente percepção dos sentidos. resta, então, segundo Melo, arranjar
"A
Em cidade de adobe", o hábitos de impeçam a
presente pedra que
da dominação e o
passado de liberdade corrupção cultural o contato com o
que
colonizador impõe, mas o dominador, entretanto, antes de repeti-
poeta

compreende esta vã atitude: la, reveste-a com o seu discurso


próprio

o é supostamente ecológico induzindo o tom do enunciado


poema por jocoso

não celebrar unicamente o e a se nos três últimos


passado que presentifica

saudade do tempo originário; o versos: Dizem: demos novos mundos / ao


poeta

percebe os hábitos de são mundo Con- / cluem: / Deus autorizou-


que pedra

tuna nova forma de assimilação do nos a / vos chupemos / até / ao osso.


que

histórico Angola A ironia é estratégia a ruína da


processo que para

atravessava. O se impõe e, casa de vidro. Possuir o discurso do


progresso

mesmo seja expulso, dominador e devolvê-lo contra ele


que permanecerá

indissociável da sociedade angolana. mesmo é forma eficaz de arruinar sua

Quando o cimento armado tomou o crença em si mesmo. Este


própria

adobe trás, até os batuques mesmo recurso encontra-se em


por
"Humor'
desapareceram ("Na do adobe", 43) em apesar de
queda (p. que,
"Crônica
P.A. 40); em continuação à saber-se como boçal e tendo um lombo
p.

supostamente ecológica", até o imemorial e / reconhece


flexível, que

elemento mítico foi silenciado sobre si o dominador construiu casa,


quando

os campos foram tomados carro e a mulherzinha.


pelos querida

arranha-céus e as árvores foram deixadas O retoma o seu sobre a


poeta poder

pelos E, assim, sem o alento servir-se do humor e de suas


pássaros. palavra:

do instrumento dá voz à tradição, categorias é mais


que provocar,

é impossível chorar. intensamente, uma crítica feroz ao

"O
O lamento, a dor, a tristeza não estabelecido. Se se retoma aprendiz

ser mais cuidados com o mero de kimbanda"


podem pode-se perceber

alento do O inteiro claramente Melo concebe o


passado. povo que

recorre à sombra da árvore milenar, à discurso como forma de luta


plural

sombra do totem maior, ícone da nação contra o momento histórico


que

para então, se chorar: estabiliza o do lado do


que, possa poder

À sombra da milenar mulembeira / um colonizador. Por isso lança mão de sua

inteiro / morre / e esse vasto magia/poesia a fim de


povo poder

sentimento /faz / chorar concentrar sua estratégia de luta no


("Uma

infinita tristeza", 41). interior daquilo o colonizador


p. que
"Memória
A da casa de vidro" se conserva como maior bem e

estabelece através da rememoração do instrumento de dominação: a língua, o

discurso o colonizador impôs. discurso. Por isso, é encontrar


que possível
"Da
Discurso se apresenta na o noite o dia" 47)
que poema para (p.

arquitetura, nos hábitos, na relação com em se representa, de forma


que

a terra. Discurso surge, também, espetacular, o momento em a casa


que que

enquanto fala efetiva, enquanto ação de vidro rui: A Memória, uma no


ferida

lingüística. Quando Melo enuncia meio / A revoada de flechas / como um


"Lógica"
(p. 42) toma o seu solto de / contra o
para prêmio pássaros

discurso de oprimido a fala do seu vidro das casas.


Mas a de
poesia Melo não se Percebe-se, assim, apesar
que, do
conforma apenas 27
na revisão da história esgarçamento da
perspectiva política e
recente de Angola, das formas de luta e histórica da memória, há uma
resistência,
das tensões ampliação e um aprofundamento
promovidas das

pela guerra e dos momentos anteriores anteriores. Não


propostas há como
a independência.
Se nesse momento negar a composição discursiva traçada
sua -
poética submetia-se à História, e nesta obra cruzam-se diversos
aos
procedimentos usuais das discursos da tradição da lírica amorosa
gerações
anteriores de escritores, é a do ocidental, ressignificada sua
partir pela
livro seguinte, Tanto amor. sua atualização angolana. É dizer,
que possível
obra demonstra uma no sem titubeios, Melo angolaniza a
guinada que
interior da literatura angolana. tradição da lírica amorosa. Se não,
I ublicado "Amor"
em 1989, na seqüência de vejamos: o
poema (p. 19-20)
Poemas
angolanos, Tanto amor a do
pode principia partir questionamento
ser compreendido como uma ruptura do seja o objeto-título. Suas
que
no interior da série literária interrogações recaem num diálogo
pós-
independência.
Em seu direto com Camões, ressurge neste
prefácio, que
Manuel Rui reconhecia a novidade e o através do
poema questionamento
meditismo da obra
que tinha diante de sobre o do amor: 0 amor é um
jogo
si-, "aconteceu
porque pouca coisa no
jogo? / E cada jogador / - é o seu
qual
domínio da
poesia de amor". Tem regras, o amor?
prêmio?
O discurso amoroso
que João Melo

enuncia é forma de
problematização
das relações -
com o outro tema mais

do exaurido -,
que na literatura mas o

que importa é esta obra instalou-se


que
como singular 4*1
dentro da
produção

poética angolana daqueles anos, ainda

devedores dos influxos de sentido

provenientes da Independência. h
(vu^uv

Eqns Burchelli, uma bonita


zebra (Foto: José
dos Santos Rufino, em Álbum fotográfico e
a 9 m M f
descritivo da Colônia de Moçambique,
1929.
Acervo If tarn
BN.)

z£fl[Mwwil 11
I *J l\i%^f j]r^5iE
#
11 Tm II |\\\wll

ISwisS^
o
"Amor
Em diálogo direto com o soneto o objeto amado e sofre não
possuir por
28 -
» ,,
e togo arde sem se ver , de Joga um consigo
que possuí-lo. jogo

Camões, impõe uma nova discussão da a fim de experimentar o


próprio

tradição amorosa herdada, daí da tradição, do desejo ou


poética quanto

as interrogações e a indefinição literária, ainda há em si:

sobre a amorosa.
propositada prática
Eu sou um homem moderno,
0 amor existe, e só.
li uns livros
Mas a direção tomada por este
assimilei umas teorias
discurso amoroso define-se sob a
e acho as
pré-histórico privar
ordem da falência. Não importam as
mulheres
teses o
propostas pelo poeta, que
da sua liberdade
própria
importa são as situações representadas
em nome do amor.
em sua obra demonstram uma
que

falência amorosa e a imposição


Mas hei-de sofrer muito
que
constante de recuperar o objeto
hei-de
amoroso Aqui está a
perdido.
se tiver de à
pôr prova
contemporaneidade inquestionável de
essas teorias
Melo. A emergência de seu sujeito

amoroso, marcadamente masculino e ("Teoria", p. 25)

sob o signo da falência, transmite a

recusa de sua forma tradicional Se foi necessário submergir na


que,

apesar de requisitada como modelo em tradição edificar a revolução,


para

alguns momentos apenas agora da individualidade,


pelo poeta, prescinde já

sublinha o caráter falido de suas que a experiência amorosa ofertada

investidas amorosas. Em vários pelo passado não tem mais lugar na

momentos, recorre às imagens viris do sociedade se constrói. Papéis


que

caçador ou do no entanto, sociais foram subvertidos e, agora, é


guerreiro,

são sempre eclipsadas força do exigido em sua lírica amorosa a


pela que

objeto amoroso recusa a condição tradição seja de lado em


que posta

de ou oponente. Por isso, detrimento de uma outra razão.


presa

encontra-se em Tanto amor a sensação 0 falha continua a se


poeta porque

de angústia envolve o sujeitar na do


permanente que prática jogo que quisera

sujeito amoroso - ele, há apenas o recusar, admitindo: 0 amor não é um


para

império da incerteza da / de cartas marcadas


jogo

correspondência. Possui as mulheres ("0 jogador", 27). A mesma


p.
"Canto
deseja, mas não sabe se as estratégia repete-se em elementar"
que possui

em sua integridade; como objeto, a (T.A. 28). Aqui os recursos mágicos


p.

mulher detém o fatal dom de iludir, são convocados e, novamente, a

suas são apenas críveis na tradição falha diante da conquista


juras

medida em mente amor amorosa: mas não te


que por pude prender.

de amor", 24). Em vista 0 amor não é eterno, disseste-me


("Juras p.

disso, o acredita não simplesmente.


poeta que pode
O rompimento com a tradição da carne" certeiras dos seus Poemas

determina 29
um afastamento direto do angolanos.

passado em relação às A lírica amorosa de Melo revela-se,


práticas
amorosas. "Novo
Em amor" 31), o então, como o choque da tradição
(p.

poeta submete-se ao objeto de desejo frente ao homem, incrustado na vida

entregando-se
a ele desmedida moderna. As contradições são expostas
por

paixão que só a história e, muitas vezes, incapazes de


poderia

produzir. De sujeito do amor, Melo alguma síntese. No


promoverem

passa a objeto, necessitando, no âmbito dos sociais, a tradição


qual papéis
amor cortês", do
passe da dama: Já não é refúgio senão aqueles
para que
senti antes esse tremor imperceptível / recusarem mudanças nas
quaisquer

que escondes em teu ventre / sazonado máscaras Para


sociais. a tradição, os

/ Permite
/ eu o colha. lugares a serem ocupados socialmente
que
0 encontra-se
poeta em total são definidos e não
já previamente
disponibilidade
para o objeto amoroso. ser mudados de forma alguma
podem
Ele a espera, -
em sua entrada doce nas nesse não há síntese
ponto possível,
asas da música, mas se encontra ilhado apenas a sua recusa como saída aos

num apartamento. Não há mais o impasses Se há dúvidas


que gera2.
caçador heróico, há, somente, o às a seguir e escolher,
quanto postiiras
homem ao sabor dos acontecimentos, é não há mais sentido no se
porque que
do devir amoroso
("Ilha", p. 37). impõe como tradição. Se o
poeta
0 seguimento "Tambores",
segunda recusa o de dominar o objeto
poder

parte de Tanto amor, reserva ao leitor amado, e esse, também, se recusa a ser
variações
do mesmo tema: o amor dominado, é os discursos não
porque
novamente
contado encontram mais suportes se
pelo poeta. para
A diferença reside nos tambores efetivarem. Mas se há a
que permanência
evocam o ritmo terrestre sagrado e da culpa após a total entrega ao
gozo,
inflamam
a em verdadeira o da tradição ainda mantém seu
paixão poder
descontinuidade
erótica. Os tambores caráter repressor ou, o não
pior, poder
encontram-se
no sangue dos homens sofreu modificação alguma. A lírica

fazendo-os
vibrar, se tomados / de amorosa de Melo apresenta um

repente
/ uma / selvagem discurso subliminar traduz a
por paixão que

( Esses tambores", 53), contudo, ineficiência de uma


p. ideologia

Tambores" dominante,
é finalizado na falência, incapaz de firmar novas

na solidão, no esperma despejado na mentalidades e apenas suficiente


para
"Soneto
pia, em da 64). sepultar as utopias: 0
procura" (p. que quero é

Se Tanto amor revela uma busca de saber/se depois emudeciam os


que
identidade
entre a tradição e a tambores / eu saía simplesmente /

modernidade,
a dúvida se instaura
que ^
Remeto, como exemplo, à situação da
fica longe -
de se resolver o
poeta mulher em sociedades em
que as leis islâmicas
realiza uma lírica amorosa no caminho tradicionais são também os Códigos Civil e
da incerteza, "Lições
tão distante das Penal.
levando de novo tudo o trouxera
que

(p. 64).

Canção do nosso tempo, de 1991,

ainda se submete à vertente da

nacionalidade, como se via em Poemas

angolanos e Definição. Mas alguns

poemas trazem o signo da dúvida, mas

não só como se via em Tanto amor,

mas apontado o fazer


já para próprio

: /
poético para q / serves poesia? // eu

olho o tempo leio os sonho / e


jornais

não sei Coleção de taças


porque canto nem o /
quê:

apenas épreciso cantar


que ("Canção

do nosso tempo", 48), fazendo eco como indica o título, há uma


p. série de

no livro seguinte de O caçador experimentações


poesia, poéticas, àquela

de nuvens de 1993. altura, bastante inéditas


(1988-1989% para o

Agora, Melo retoma a forma de da literatura


panorama angolana.
"O
aprendiz de kimbanda", mas o Em 2004, ainda no
gênero lírico,

revê, ao dizer: Todos os materiais Melo A luz mínima


publicou (1989),
servem ao
poeta (...) /A vida deposita, com
prefácio de Laura Cavalcante

diariamente, / no altar da Padilha. Como se trata de


profano material

poesia, / a sua dúvida / datado de anos


generosa: poético quase quinze
estrelas e detritos // E tudo ao antes da sua
poema publicação, a
produção
sacrifica 13). Se a dúvida agora de Melo
(p. poética parece conformar-se

serve ao traz à baila, como naqueles anos a volta de 1990.


poema, que Mesmo

para encontrar trilhas oito assim lidos, localizando-os


perdidas, que na série

nomes de escritores homenageia: temporal, Melo aprofundava


que já a sua

Arnaldo Santos, Benjamin Moloise, capacidade de dúvida diante de

Bertold Brecht, Eugênio de Andrade, ainda, naquela


questões altura,

João Cabral de Melo Neto, José incontornáveis o fazer literário


para em

Augustin Goytisolo, Maiakovsky e Angola, como se vê no


poema
"identidade'
Pablo Neruda. Há ainda, uma seção 48):
(p. o me define/é
que
"Assim
intitulada te amo" em o a minha idade / vasta
que como o olhar, ou
"verdade"
tom de dúvida em no
que predominara poema (p. 51): verdade

Tanto amor é substituído uma são várias venlades / dizem / mas


por se

relação mais com o objeto cada um / não escolher a


pacífica sua verdade /

amoroso agora, é redescoberto: as — como se


que, reconhecerá no espelho?

minhas mãos, cegas, erram teu Não se negar


pelo pode Melo investiu,
que
corpo. / 0
que buscam? / - a após contornar os meandros da tradição,
pele

profunda/ do teu espírito corpo e numa recomposição do discurso lírico


("Do

do espírito", 42). Vale assinalar a em Angola,


p. que só encontraria eco em
"Poesia
seção experimental" em como Ana Paula
que, poetas Tavares ou de
uma
geração seguinte efetivamente
que Obras de João Melo
< omeçou
a e a a sua
produzir publicar MELO, João. Definição. Luanda: União
poesia a dos anos de 1980
partir dos Escritores Angolanos, 1985.
(Bonavena, Carlos Ferreira, Lopito MELO, João. Poemas angolanos. Porto,
1'eijóo, Maria Alexandre Dáskalos, ASA, 1989.
Koderick
Nehone ou Zé Coimbra). MELO, João. Tanto amor. Luanda:
Se a
publicação recente de sua dos Escritores
poesia União Angolanos, 1989.
e o acerto
de contas com seu
primeiro MELO, João. Canção do nosso tempo

público, João Melo, nos últimos anos,


(1988). Luanda: União dos Escritores
v em
publicando incursões no 1989.
gênero Angolanos,
narrativo
que (êm se demonstrado MELO, João. Jornalismo e
política.
mais do
que uma mera aventura de Luanda: União dos Escritores de

poeta. Em 1999,
publicou, pela Angola, 1991.

prestigiosa Editorial Caminho MELO, João. O caçador de nuvens.


(I ortugal),
o livro de contos Imitação Luanda: União dos Escritores
Surtre & Simorie de Beauvoir, com Angolanos, 1993.

prefácio de Pires Laranjeira se


que MELO, João. Limites & redundâncias
lançou
para além das fronteiras Luanda:
(1991). Instituto Nacional do
"acionais.
Em 2004. também
pela Livro e do Disco, 1997.
Caminho,
publicou The serial killer e o MELO, Imitação
João. de Sartre &
outros
contos risíveis ou talvez não. As Simone de Beauvoir. Lisboa: Caminho,
narrativas
maduras, com traços fortes 1999.
da crônica
jornalística de costumes, MELO, Filhos
João. da Luanda:
pátria.
trazem
uma aguçada crítica ao Nzila, 2001.
cotidiano
angolano. MELO, João. A luz mínima. Luanda:

União dos Escritores Angolanos, 2004.

MELO, João. The serial killer e outros

contos risíveis ou talvez não. Lisboa:

Caminho, 2004.
'¦ ' *
.*• St. ,¦
Critérios antológicos

seleção de duas antologias de inédita, os vincule, enquanto criadores,

uma relativa a Angola* fundamentalmente à escrita poética e


poesia,

A e outra a Moçambique, tenham iniciado a a


que publicação

obedeceu a uma da década de oitenta, ou no final


limitação, a partir
primeira
do espaço de da década de setenta.
uma revista, e não de um

livro, o Os e autores selecionados


que implicou a tentativa de poemas

equilibrar ordem cronológica,


o, escasso, número de (sempre por

páginas a de cada um dos tomando a data de nascimento como


para poesia

países. critério seqüencial) testemunham

Os autores desta seleção algumas das tendências temáticas e


procuraram
ter um mesmo formais da angolana e da
critério os dois poesia
para
conjuntos antológicos: moçambicana, nos últimos
numa produzida
primeira

parte, designada A voz da memória, trinta anos. A escolha de maior ou

desejam marcar menor número de textos cada um


a de algumas para
presença
das vozes fundadoras da dos autores deve-se ao reconhecimento
destes
poesia

países, ainda durante o da sua obra, e, naturalmente,


período público

colonial, com Tem ao dos antologiadores.


um autor. gosto pessoal
poema por
este Conscientes de estas antologias
gesto por intenção revelar algumas que

das matrizes, muito são um espaço de limitação,


vezes porque
por
heterodoxas, na do também de iniciação e,
que estão
gênese
desenvolvimento da atual simultaneamente, de divulgação,
poesia
angolana e moçambicana. esperamos despertar o
que possam

Na segunda das antologias, e o interesse um maior


parte prazer por

constituída um número de conhecimento do importante contributo


por poemas

mais significativo, desejamos dar a em língua das


poético, portuguesa,

conhecer a dos autores do literaturas africanas de Angola e de


poesia pós-
independência, cuja obra ou Moçambique.
publicada,

Ana Mafalda Leite e


Agradecemos a colaboração e o apoio de Ana

Paula Luís Carlos Patraquim


Tavares e de Luís Kandjimbo para a

parte angolana.
Aspectos de uma propriedade. em Lourenfo Marques - Motambique
(Foto: lose dos Santos Rufino, em Album
fotografico e descritivo da Coldnia de Mofambique, 1929. Acervo BN.) ^

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Poesia
angolana:

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percursos
(contínuos)

Ana Mafalda Leite *.M

77
Poesia de Mensagem e Cultura
-
décadas de 1950/1960

moderna angolana teve o como centro aglutinador do


poesia grupo,

seu momento de arranque com denominado Movimento dos Novos

A a da Mensagem,1 de Intelectuais de Angola, tendo iniciado


geração
fIue se destacam, entre outros, a em 1950 a sua atividade. A publicação

participação de Maurício Gomes, da revista Mensagem, em 1951, é a

Humberto da manifestação, escrito, dos


Sylvan, Agostinho Neto, por
Viriato da de nova
Cruz, Antônio Jacinto, propósitos uma de
geração
Antero Abreu, intelectuais, cujo foi iniciado
Mário Antônio, Alda caminho

Lara, Mário Viriato da Cruz no final da


Pinto de Andrade. por década

0 departamento de 1940.3
cultural da Associação

dos Naturais de Angola2 funcionou

angolano" ("Memória de Luanda (1949-1953):

A lenta "Vamos
formação de elites literárias em Angola Descobrir Angola!", in Luso Brasilian

esteve entregue
à Igreja até aos primeiros Review, Madison, 1981. p. 18)

decênios deste 3
século, designadamente através No mesmo artigo citado na nota anterior,

do Seminário-Liceu "A
de Luanda; e recebe novo Mário Antônio afirma: charneira da metade

'mpulso com
a criação de do século é o tempo em que se
do Liceu Nacional passam os
Salvador Correia,
de onde emergem alguns dos acontecimentos relevantes: entre 1948 e 1952,

autores da Mensagem. surgiu e logrou sua primeira expressão o

Segundo Mário Antônio: "Associação


movimento literário
dos que representou o

Naturais de
Angola, decrépita instituição da primeiro assomo de uma consciência nacional

pequena burguesia africana, de em Angola, em relação ao


que até aos jovens qual, como até

chegara
quase só o eco dos bailes dos anos trinta, agora, o lugar primeiro foi entregue a Viriato

passa a ser freqüentada da Cruz,


por alguns rapazes saídos por circunstâncias várias, longe dos

do liceu, aspirantes
em quadros públicos (...) centros onde se elaboraram os principais

Nessa Associação,
tiveram lugar muitos dos fatos documentos que lhe deram expressão."

que marcam a história do Segundo o autor, Viriato da Cruz, atingido por


protonacionalismo
Estava-se no fim da segunda brasileiro, nomeadamente da
guerra poesia de

mundial, e ex-alunos do liceu, Jorge de Lima, Ribeiro Couto e Manuel


jovens,

procuravam descobrir Angola através Bandeira e da novelística de Jorge

dos seus traços regionais-nacionais Amado, Lins do Rego e Graciliano

próprios, o mundo angolano os Ramos. Mário Antônio, um dos


que poetas
rodeava e sobre o tão lhes da da Mensagem, refere
qual pouco geração essa

tinha sido ensinado, "Quer


bem como influência nos seguintes termos:

aspiravam à criação de uma literatura na escolha dos temas, na forma,


quer é

que expressasse a maneira de sentir e evidente a influência dos modernos

pensar dos angolanos. A revista brasileiros. Nas freqüentes evocações da

Mensagem no seu número faz infância, no no elogio da


primeiro protesto,

o anúncio de um concurso literário e terra-mãe, e em tantos outros motivos,

vai reunir colaboração de um conjunto com uma linguagem capaz de se colorir

de talentosos espalhados com o recurso de localismos de raiz


jovens por

Luanda, e centros universitários crioula, da onomatopéia, da síncope, da


pelos

de Lisboa e de Coimbra. Na sua aliteração, sente-se aprendida a lição

segunda em 1952, de brasileiros."4. O exemplo


publicação, que poética

reuniu os números 2, 3 e 4, destes escritores ajudou a caracterizar


publicaria a

os Alvo de repressão nova e ficção angolanas,


premiados. policial poesia mas é

o Movimento dos Novos intelectuais de certamente num fenômeno de

Angola foi impedido de continuar a convergência cultural


que poderemos
da revista. encontrar as razões das afinidades.
publicação

Nesta fase a escrita dos 0 modernismo brasileiro evidencia


poética, a

autores revela a marca nítida da leitura da de modelos


preocupação procura

e conhecimento do modernismo e da necessidade de


próprios

nacionalizar a literatura. Nesta linha de

tuberculose no Liceu S. Correia, retirou-se cio idéias, destaque-se, a título exemplar, a

convívio dos colegas. No isolamento da doença, colaboração de Maurício Gomes


(poema
"Exortação"),
escreveu todos os exemplares de poemas se em as referências
que que

lhe conhecem e, entretanto, conheceu Filinto explícitas corroboram os


propósitos:
'Ribeiro
Elísio de Meneses, funcionário da Fazenda, Couto e Manuel Bandeira, /

que trazia de Cabo Verde contato com a


poetas do Brasil,/ do Brasil, nosso

Claridade. Este, numa conferência da irmão, / disseram: É criar a


preciso

Sociedade Cultural de Angola, em Luanda, brasileira, / de versos


poesia quentes,

promoveu uma conferência, onde leu poemas fortes, como o Brasil, / sem macaquear

de Maurício Gomes e principalmente Viriato a literatura lusíada . / Angola


grita pela
da Cruz, anunciando minha
que a poesia angolana voz/
pedindo a seus filhos nova

acabava de nascer. Essa conferência foi poesia!".

publicada numa Separata e editada em 1949. Poesia nova especificar


que procura

Viriato da Cruz foi depois o Liceu do a identidade da terra, com


para poetizando-a

Lubango e quando voltou a Luanda


já estava

publicado o segundo número da Mensagem. ANTÔNIO, Mário, ibidem.


A maioria dos na
poemas publicados

revista Mensagem são veladamente

nacionalistas, e inscreve-se neles uma


dimensão de social e
protesto

anticolonialista. Chame-se a atenção

o texto de Antônio Jacinto, Carta


para

de um Contratado, ou os
para poemas

de Alda Lara, em favor da harmonia

racial. A contribuição de Mário Pinto de

Andrade com um ensaio etnolingüístico

sobre o revela ainda a


quimbundo

de uma autenticidade cultural,


procura

e a recuperação de uma tradição

iniciada no século autores


passado por

como Cordeiro da Matta.

Em simultâneo, os ecos da
primeiros

negritude e do afro-americanismo

chegavam via CEI - Casa dos


Máscara de cerimônia
tradicional Estudantes do Império5, e através da

do Primeiro Caderno de
publicação
imagens
da flora e fauna características, Poesia Negra de Expressão Portuguesa,

reclamando
a sua e filiação em Lisboa, Mário Pinto de Andrade
posse por

(Mãe/ Minha terra) também em termos e Francisco José Tenreiro, contribuindo

globais, ou singularizada nos temas da também evidenciar na


para produção
invocação, dos
saudosismo, infância, amor, autores da mensageira6 um
geração

que se materializam na construção cunho social, humanista e

telúrica e
plena de um chão
próprio,
lemas 0
outros evidenciam o ambiente Os estudantes angolanos, a partir de 1940,

luandense, completado o ensino secundário, começaram a


antes da europeização

rápida da a afluir em número crescente em Lisboa


cidade, no com para
pós-guerra,
chegada de colonos e estudarem na Universidade. Aí fundaram a
progressiva
crescente modernização. Casa dos Estudantes de Angola, onde

Nos textos de dois nomes da estreitavam laços de convívio e afinidades


grandes

poesia angolana, Viriato da Cruz numa terra que lhes era estranha. Os poemas
(como

por exemplo, Makézu, Namoro, Sô de Alexandre Dáskalos são dessa altura,

Santo) e Mário Antônio da contemporâneos dos mensageiros,


(Rua portanto,

Maianga, Linha Noites de apesar da sua obra em livro só ter sido


Quatro,

Luar no Morro da Maianga), publicada em 1961. Vide ERVEDOSA,

encontramos alguns dos melhores Carlos. Roteiro da Literatura Angolana,

paradigmas da descrição evocativa Luanda, UEA,


p.94.

desse modus vivendi com suas TRIGO, Salvato. A Poética da Geração da

personagens, rituais e ambientes. Mensagem, Porto, Brasília Editora, s/d., p.95.


reivindicatório, onde se ritmo mais curto, mas em
plasmam que

temáticas como a escravatura, a raça, a continuam a dramatização de


presentes
"negro
solidariedade do de todo o vozes e a invocação localista.

mundo" e de toda a África. Temas A década de 1960 é marcada


que pela

encontramos fundidos ou entrelaçados, da CEI dos Estudantes


produção (Casa

a maioria das vezes, com outros mais do Império) em Lisboa, através da

vincadamente regionais. revista Mensagem iniciara a sua


que

Muitos de Agostinho Neto, em 1949, mas apenas nesta


poemas publicação

bem como alguns de outros autores, década desenvolve um maior trabalho

como, exemplo, Viriato da Cruz, de dinamização e divulgação de


por

Mário Antônio, Alexandre Dáskalos, autores, a maioria com em


publicação

Antônio Jacinto e Manuel dos Santos revistas angolanas, como Mensagem e

Lima, captam de forma mais ou menos Cultura. Além da revista, a CEI

evidente tais motivos. duas antologias de


publicou poetas

Em 1957, a Sociedade Cultural de angolanos, Antologia dos Novos Poetas

Angola reinicia a do seu de Angola, em 1950, e Poetas


publicação

Cultura, recuperando o Angolanos, em 1962, bem como uma


jornal que

caminho iniciado mensageiros, se Coleção de Autores Ultramarinos entre


pelos

torna herdeira e continuadora daqueles. 1960/62. Aí foram editados livros de

Até 1961, treze números, Mário Antônio Arnaldo Santos


publicaram-se (Amor),

que divulgaram novos escritores locais. Viriato da Cruz


(Fuga), (Poemas),

Aqui colaboraram também autores Antônio Cardoso de


(Poemas

mensageiros, e se estrearam novos Circunstância), Manuel Lima

poetas, como Costa Andrade, Luandino Costa Andrade de


(Kissange), (Terra

Vieira, Antônio Cardoso, Arnaldo Acácias Rubras), Agostinho Neto

Santos, Henrique Abranches, João Abel, Antônio Jacinto


(Poemas), (Poemas),

Tomás Jorge e dois de Benguela, Alexandre Dáskalos


poetas (Poemas).

Aires de Almeida Santos e Ernesto Lara Na mensageira e um


poesia pouco

Filho (irmão de Alda Lara). em toda a até à


poesia produzida

Agudizam-se os temas de denúncia década de 1970 verifica-se a


presença

colonial e de visíveis na de traços narrativos aliados ao modo


protesto, poesia

discursiva de Antônio Cardoso e Costa lírico, ou conjugados com o dramático,

Andrade, em o tom é tornam contar as histórias


que predominante que possível

a intervenção, a linguagem angolanas, conservando os textos,


protestatária

social. 0 localismo benguelense, voluntariamente, uma radicação na

narrativizado e tipificado em figuras oralidade7. As estruturas narrativas,

populares, contadores de estórias, flora ampliadas intromissão de falas,


pela

e fauna específicas, traços únicos


ganha

na '
evocativa de Aires de Almeida MARGARIDO, Alfredo. Estudos sobre
poesia

Santos e Ernesto Lara Filho. A Literaturas das Nações Africanas de Língua


poesia

de João Abel e Arnaldo Santos apontam Portuguesa. Lisboa: A Regra do Jogo, 1980,

já um decantamento do verso, de
para p.124.
pela criação de espelham e brasileira, em
personagens, portuguesa os
que
nestes
poemas características vindas experimentalismos diversos renovaram

direta ou indiretamente da tradição oral o


panorama poético.
africana, funcionando como marca de Entretanto o advento da

autenticidade
literária e nacional e independência sucede
(1975), que
servindo, em simultâneo, uma intenção no dealbar da escrita de
praticamente
didática. Pedagogia e crítica se todos eles, bem como a da
que passagem
traduzem
num apelo implícito aos colonial à civil, é sem
guerra guerra
homens angolanos a necessidade dúvida um fator imprime diferentes
para que
em renomear a terra em anseios e temáticas, e obriga a
país, procuras
denunciando
o colonial, repensar os rumos da angolana.
quotidiano poesia
descrevendo
a terra, o amor mãe- Se na década de 1950 e no da
pela princípio
'erra, as tradições crioulizadas das de 1960 se começou a desenvolver em

antigas cidades. A língua é Angola uma literatura, em os


portuguesa que
entrecortada
e ritmada um léxico sociais eram claramente
por problemas
nco e variado, oriundo das línguas expressos, a denúncia do colonialismo e

nacionais,
em especial do das suas conseqüências sociais e
quimbundo.

- durante a de
psicológicas que, guerra

libertação, evolui a literatura


para
' inovação
da da engajada, de intenções didáticas e
poesia plena
década
de 1970 cantalutantes, como exemplo a
por

de - esses temas e as
poesia guerrilha
A década de 1970 trouxe as formas não satisfazem
prevalecentes já

primeiras de três os escritores. Entra-se num novo


publicações poetas,

que assinalam de forma inequívoca de uma análise mais reflexiva e


período
uma mudança formal na escrita e uma crítica, em se faz a investigação da
que

procura de novidade estético-temática. realidade cultural angolana,

São eles David Mestre, Ruy Duarte de abordando-a de diversos meios e com

Carvalho
e Arlindo Barbeitos e sobre a técnicas variadas de escrita.

sua
poesia iremos discorrer mais E, na senda deste caminho, seria

longamente,
uma vez é a novidade injusto não invocar alguns nomes
que que,
imprimida
estes autores será de certo modo, deixam antever e
por que
uma das fontes de inspiração a mudanças nos
para prever paradigmas

geração seguinte, na década de 1980, da angolana, como é o


poéticos poesia
em
que, também, da sua caso do escritor Arnaldo Santos e de
grande parte
°bra vai ser e conhecida. Manuel Rui Monteiro, cuja atividade
publicada

A de 1970 faz a com a fundamental como ficcionistas,


poética ponte os não

geraçao anterior, um rigor e liberta do fundador de abrir


propondo papel
experimentalismo
formais, aliados a brechas no ritmo angolano.
poético
novas configurações temáticas. A esta Manuel Rui, em 1973, deixava ler na

niudança
não é alheia a modernidade sua a desconstrução visa a
poesia que
os ''Poema
fue anos 1960 trouxeram à de novas formas:
poesia procura que
se faz e nunca / feito / Calumba". Dessa mesma altura, os
poema para

amar e nunca /amado / Em cada temas obsessivos do silêncio, a


que

de saber há um / o censura impõe, em Canção do Exílio-.


passo poema que
"encerrar-te-ia
de antes foi outro / e o agora se na / amor /
já palavra

ultr- / // Sempre depois / a escrever-te-ia um / hora / dir-te-


passa poema

do inacabada." ia a dor dói / cá // escrever-te-ia


pátria poema/ que

Referência ainda à um / não / o vento vai entre o


produção poética poema

de Jofre Rocha com medo e o verde / noite / dir-te-ia África


que, juntamente

Jorge Macedo, Costa Andrade e dir-te-ia uma rosa / medo".

Antônio Cardoso, são cultores de uma As inovações introduzidas


pelo

poética do enraizamento, na esteira discurso de David Mestre


poético

dos mensageiros, e cujo ritmo é ainda terão continuidade nos seus livros

predominantemente discursivo nas seguintes no


já publicados período

suas temáticas orientadas ideologicamente. 0 do autor


pós-independência. papel

David Mestre, seu turno, como crítico, e leitor atento de


por poesia,

desenvolve a dessa mesma época revelam também a formação de um


partir

um discurso rarefeito, em o verso e culto, em os intertextos da


que poeta que

o ritmo são experimentados de vários universal se cruzam com a


poesia

modos, revelando um apuramento realidade cultural do novo


país.

estético, aliado a temas em o Desenvolveram também atividade


que

circunstancial se conjuga crítica e reflexiva sobre o ofício


quotidiano poético
numa linguagem erótica, à margem da Arlindo Rarbeitos e Ruy Duarte de

moral, e onde se detecta a marca Carvalho, nomeadamente em


prefácios,

surrealizante. A referência social, conferências, entrevistas, bem como na

sempre interferindo, faz oscilar a sua e David Mestre,


própria poesia,

contenção do verso entre o sentido mais conseqüentemente, através da sua

exposto e a sensualidade subjacente. como em diversas


profissão, jornalista,

Refira-se ainda a desconstração da Jornal de Angola,


publicações, Jornal

sintaxe, a formação de novas de Letras Artes e Idéias, Colóquio /


palavras

por justaposição, o uso de léxico Letras, tendo reunido em livro alguns

proibido, invadem os dos seus ensaios Nem Tudo é


que poemas principais

como num desejo de captar a Poesia


que (1987).

essencialidade dos sentidos. Ou ainda o Esta crítica voluntária é


postura

aproveitamento dos espaços em branco reveladora de diferentes concepções da

na a ausência de as e da escrita, encarada, agora,


página, pontuação, poesia

quebras no ritmo do verso. São de 1972 como objeto, matéria, sobre a o


qual
"Calumba
os versos seguintes: morrer- sujeito reflete e equaciona o sentido, os

me no regaço Calumba / linda temas, tendem a ser mais


que

céunoitediamante dentro da / mediatizados, mais sugeridos do


por que
música sibemolmenor nos declarados. A dimensão narrativizada

lábiosmarimba do nosso acto / vem da antecedente,


poética

calumba mukonda di Kuuaba / tendencialmente épica e histórica,


resultante
de uma urgência de denúncia manifestar em relação aos seus
da situação colonial, é substituída antecessores.
pela
dimensão
simbólica e mítica, a Um dos aspectos mais
que porventura
fragmentação
e o experimentalismo do frutuosos da escrita destes autores tem a
discurso
manifestam. David Mestre ver concretamente com essa necessidade
iefere,
justamente, a este reflexiva todos sentem em relação à
propósito, que que
Arlindo Barheitos, Jorge Macedo, sua arte a reflexão sobre o
poética,
Manuel Rui e Rui Duarte de Carvalho reajustarnento entre o ético e o estético,

(••¦) perseguem linguagens sendo referida Mestre. E no


que, por interior dos
autônomas
entre si, diversificadas e Barbeitos desenvolve
poemas,

plurais, apelam a uma leitura múltipla tal meditação,


poeticamente que
e dialética 8.
E em relação ao dinamiza e estrutura o
grupo, próprio processo
< m (lue o autor está inserido, de escrita. Por outro lado, são variados
próprio os
apesar de não se autonomear, David textos da universal reivindicados
poesia
Mestre aponta ainda as derivações sua ação formadora de
para pelo poeta, pela
estilísticas
desta afirmando ritmos e compatibilidades. A
geração, poesia
"'tal
que derivação aponta um reajuste exemplo, dada a sua
japonesa, por
constante
das relações entre o ético e o brevidade e concisão e, ao mesmo tempo,
estético
que pressupõe a a atenção à natureza, de especial
permanente goza
pesquisa de novos estima do autor.
padrões
expressivos"". "a
Este reajustarnento é Arlindo Barbeitos afirma
que
referido
e na obra de só é se sugere, só tem
problematizado poesia poesia

quase todos eles. expressão, só tem força, só é arte em

Arlindo Barbeitos no
prefácio ao seu forma de se simultaneamente
palavra,

primeiro livro Angola Angolê Angolema retém e transcende a Existe


palavra.
(1975), ocupa várias todo um mundo transcende a
que páginas, que
expõe
as suas idéias sobre a criação Por conseguinte, a não
palavra. poesia
Poética e os novos caminhos reduzir-se à língua ou
que pode
"O
procura trilhar. Aí ele diz: leu linguagem."(ibidem, 4) E o autor
poeta p.
muitos
poetas africanos e achou exemplifica com um de Angola
que poema
estava "o
correto, sentia os mesmos Angolê Angolema: silêncio
grande /
anseios
que eles, mas afastou-se dos onde toda a tempestade / começa e
habituais
sendeiros da africana acaba / não ouve / mas dança / em
poesia
de expressão
portuguesa"(p. 2). Esta palavras / feitas / num saracotear
gesto
tomada
de é reveladora do de vento / do teu corpo de de
posição pássaro
distanciamento V)
crítico a nova agua .
que

geração, ele representa, vai Segundo o na sua o


que poeta, poesia

mais importante é o não está


que
8~" ua
mestre, "é
David.
poesia angolana nos escrito; o silêncio o sumo de muita
últimos dez anos", in Colóquio-Letras, n° 89, coisa. Então o traduz"(ibidem,
poeta
Jan.1986,
p.69. 2). Refere ainda Barbeitos a
p.
^
Ibidem. "elaborar
necessidade de a sua voz", ou
42

Estatuetas simbólicas

seja, de reencontrar-se com aquilo outras // histórias das histórias da


que
"ele
pensa ser a sua Angola e isso história / e inda outras / famílias das
por

recorrer a formas tradicionais, canções famílias da família / e inda outras / se

antigas africanas" 2). Hefere emaranhando / em um novelo / /


(ibidem, p. que

a nos seus textos de repetições cresce cresce cresce / em casinhas


presença

à maneira de canções africanas Nzoji).


que pequenas (in

pressupõem um conhecimento de Etnólogo e sociólogo, o autor tem,


"Meter-se
formas tradicionais e afirma: no entanto, consciência é necessário
que

por Angola adentro não é só meter-se adaptar os ritmos antigos aos tempos
"Na
pela é meter-se homens novos: minha há todo um
paisagem, pelos poesia

adentro não vivem contra a desejo de construção do novo. A


que

natureza; isso esta é também História vamos fazendo é a história


por poesia que

um fazer a natureza falar assim o da do de emancipação,


(...) guerra, processo

poeta não fala de si só, ele enriquece a história nos A nossa


que pertence.

deixando os outros falar, falar boca história foi-nos roubada e nós temos de
pela

de\e."(ibidem. 2) reconquistá-la.""(Angola Angolê


p.

A rítmica dos de Arlindo Angolerna. 6) Arlindo Barbeitos situa


poemas p.

Barbeitos capta essa memória oral, ao e redimensiona a cultural, e


questão

mesmo tempo redefine o implicitamente, a do escritor


que poema produção
"casinha
como a capaz de na sociedade angolana
pequena", pós-
"no
albergar o de transmissão independência: talvez a
processo passado

contínuo, e em cadeia, das falas do cultura antiga tenha bastado uma


para

passado para o Conseguir a vida aceitável, agora não basta.


presente. já

forma adequada, a casa e fazer Temos de ir mais adiante. Temos de


poética,

dela a medida certa a habitação inventar. E inventar é também sonhar,


para

dos temas, falam as histórias, a no entanto, sonhar sem ilusões e sonhar


que

História, as famílias, as culturas: lutando sonhar dizer ainda


(...) quer
"Casinhas
pequenas / abrigando / o futuro temos de construir.
pensar que

histórias das histórias da história / se A luta está inserida na revolução e da

'amada
fazendo / e inda outras // casinhas revolução é difícil falar: /

pequenas / abrigando / famílias das minha amada / a revolução / não é um

famílias da família / se fazendo / e inda conto / e / uma borboleta / não é um


elefante
// como agarrá-lo // insuspeitado, desvenda as claridades do
devagarinho 4
/ o menino ia comendo o seu formosas coisas
peito, produz com

peixe frito / assim como toca


quem os seus dedos, a reordenar os
põe-se
gaita-de-beiço' 13). horizontes, atinge mortalmente
(ibidem, p. as

As
preocupações estéticas e formais formas com o olhar, nas
progride
são conscientemente
referidas como tarefas de conquista e chama a si as
elementos
inseparáveis do tratamento referências do lugar Um
(...) homem
temático.
Nesse sentido, o autor afirma: vem fundir
geografias, polarizar as
«r
11 nao
quero ser forma só, reduzir-me forças da manhã deserta, vem fecundar
à linguagem"(ibidem,
p. 5). A as latitudes nuas um homem
guerra (...) que
civil é um dos temas fundamentais da alterou conjugações de estrelas, é uma

Poesia de Barbeitos, com a sua noção de espaço conquistado e em


componente
destrutiva do espaço se transmuta renovado"
quotidiano
dos camponeses, como fato resultante,
(A Decisão da Idade,
p. 49-51).
ainda, da situação colonial. Mas Ruy Duarte foi
porque progressivamente
a sua "religiosa
poesia é no sentido deslocando a sua atividade
profissional
mais
profundo do termo, no sentido em no sentido de a aprofundar:

que o ser humano aspira sempre a uma inicialmente regente agrícola, dedica-se

melhoração,
pois quando deixa de mais tarde ao cinema e à antropologia,
aspirar
não tem razão existir. campos onde tem desenvolvido trabalho
para
Religiosa
também desejo de um importante, e
pelo que, paralelamente,
retorno
à imanência. A minha entram em consonância com as
(...)

Poesia não é uma de exortação. experiências criativas do autor, uma


poesia vez
Não, eu não exorto, acho as usar novos recursos
porque que que permitem

pessoas sofreram a situação expressivos, emprestados de outras


que
colonial
estão conscientes de devem artes e complementares à escrita
que
lutar, não
precisam de ser exortadas." 0 seu trabalho de campo
poética.

(¦ibidem, 5) um conhecimento
p. permitiu-lhe cultural

Um similar tipo de e do sul angolano,


pesquisa dos
povos pastores,
uidagação
temático-formal anima a o retrabalhou na sua
que poeta poesia,
Poesia de Ruy Duarte de Carvalho, em captar temas, ritmos,
procurando

lue observamos a errância técnico- tradições, dando lugar na sua obra a


compositiva
e a improvisação de novas uma descentralização temática da área
formas.
Em todos os seus livros existe e ao revivescer do
quimbundo,
uma reflexão
poetizada dos trajetos em ruralismo.

que se demarca a escrita. A Em Sinais misteriosos... se vê...



Preocupação de uma total surge a fotografia
quase (1979), que parece
renovação,
reordenação, da linguagem,

dos temas, está na escrita do


patente
autor: "Um
homem chega e assume a

personagem. Ilustra-se de faces,

decompõe
a fé, de um vigor
possui-se
ajustar-se, enquanto criativo, à textos recriados) fragmentadas nos
processo

Verificamos a introdução registos orais, escolhidos. Também em


palavra. que

da imagem, oscila entre fotografia e Hábito da terra retoma, mais


que (1988)

desenho, em montagem uma vez, as referências ao sul e faz uso


permanente,

permite acentuar o distanciamento do ainda de citações,


provérbios,

sujeito em relação ao objeto A recombinando, reconstruindo. 0 uso do


poético.

raiz de espetáculo a iconografia da do espaço


que potencial gráfico página,

comporta ao branco, em os textos disseminados


permite processualmente que

poeta aproximar-se, dialogam, e os itálicos criam linhas de


pelo

desdobramento compositivo da sua diferentes leituras Memória


possíveis.

intencionalidade recriativa do mundo de tanta Guerra uma das suas


(1992),

da tradição oral mumuíla, centro das antologias, seu turno, revela,


por pelo

preocupações de Sinais Misteriosos. Ou título e textos, o tema da


pelos que

seja, a disseminação dos meios, o os seus sentidos


guerra patenteia

experimentalismo, o leva a atuar trágicos no dos angolanos.


que presente

em simultâneo com a fotografia, o E esta memória da a


guerra que

desenho e a são a dimensão de 1980 vai viver intensamente


palavra, geração

plural necessária enquadrar, a no seu Passada a euforia da


para quotidiano.

realização oral e o investimento técnico independência, vieram anos árduos de

no âmbito de uma obra combate todo o Se as


poética por país.

moderna. sementes fundamentais a


para

Assim, o cultural, histórico, revolução na linguagem


gestus poética

da oratura dos do sul de Angola, angolana, a modernização do


povos para

é captado, encenado através dos ícones. discurso, se radicam na escrita dos

Este tipo de trabalho citacional citados, os na década


poetas jovens que,

uma segunda mão, dividida de 1980, começam a


pressupõe publicar,

entre a câmara, a caligrafia e o traço, aprendem com eles, e acompanham

ritualiza na literatura moderna o estes mestres, assim como,


que

legado tradicional, retraballiando-o e simultaneamente, reivindicam,

moldando-o num novo corpus recuperando-a, a mensageira.


poético. geração

Ondula Savana Branca A dimensão social, o registo


(1982) persiste

no de aproximação entre a ideológico, inscrevein-se, de forma mais


percurso

palavra poética e o legado oral africano. nos seus textos, a do desejo


patente, par

Assistimos de novo à busca de de conhecer, intertextualizando e

entrosamento entre o sujeito e o espaço acrescentando, as obras dos


poetas, que
telúrico-cultural, representado os anos 1950 deram a conhecer. O novo
pela

oratura. O ato entremeia-se torna-se, deste modo, na da


poético poesia

entre a traição à tradução e a década de 1980, a tentativa sábia de


produtiva

recriação de um texto onde a tradição reordenar o mais antigo com o recente.

se intertextualiza. Uma obra Uma forma ainda de receber e de criar


que quase

prefere esquecer o seu sujeito individual uma tradição.

assumir as vozes anônimas


para (os
d
geração de década de 1980 do deram origem a uma revista,
grupo

Aspiração, de saíram três números,


que
O historiai da bem como a um caderno de
emergência de novos textos

poetas na década de 1980. também O caminho das estrelas.

designada
Luís Kandjimbo, Em 1984, um de
pelo poeta grupo jovens
corno a
geração das incertezas'°, fraciona-se da Brigada e cria o

enquadra-se "Coletivo
no contexto histórico do de trabalhos literários"

pos-independência, com a fundação, denominado Ohandanji,


que publicou

pelo MPLA, da República Popular um manifesto no Jornal de Angola.


de

Angola,
a repercussão dos Entretanto, uma tertúlia
pequena
acontecimentos "O
de maio de 1977 e a literária Canteiro" tinha surgido em

mobilização
a dos 1979 em círculo fechado, visando
para guerra jovens,
na conseqüência
da civil. Tem, refletir sobre temas de literatura, crítica
guerra
inicialmente,
a ver com o surgimento de e divulgação de técnicas e de leituras

grupos literários de individuais. Este veio a


produtores grupo produzir

Publicações, bem como com a edição em 1986 a da revista


publicação
individual
de autores se destacaram Archote, tendo como um dos seus
que

P(>la atribuição de literários animadores, e fundador da


prêmios de principais
revelação,
ou reunirem material de revista, E. Bonavena. Este último
por

Qualidade sujeito a edição individual. critica o caráter institucional das

autores desta nova Brigadas, cujo nome aliás denuncia uin


geração
nasceram
entre 1952 e 1963. certo arregimentar dos criadores em

A criação da torno de um mais do


Brigada Jovem de programa político,
Literatura
teve lugar em Luanda na uma opção verdadeiramente
que
União
dos Escritores Angolanos em literária, e a forma como estes
grupos

julho de 1980. Segundo um dos seus estavam ligados ao


poder,
animadores,
Lopito F eijóo K., foi a nomeadamente fazerem
por parte
maneira integrante da
os encontraram, Juventude do Partido.
que jovens
naquela
altura, de se organizarem Apesar das diferenças, o do
para grupo
traçarem
linhas comuns e partirem Archote manteve relações de colaboração
para
uma carreira literária, ao mesmo tempo literária com o Ohandanji e defenderam

"T11^ também, uma homenagem ao comuns, lutando contra a


pontos

Poeta Agostinho Neto. A Brigada mediocridade brigadista. O Archote, no

desenvolveu-se
outras cidades do Editorial do seu número 5, explica alguns
por
"A
País e, em 1981, surgiu a Brigada dos seus nossa descoberta,
propósitos:
Jovem da a razão
Literatura na Huíla. Em eis da nossa demanda
primeira
1982,
surgiu outra no Huambo, e um literária. E nesta afirmamos identificação

pouco todo o As com o movimento de 1948, a


por país. publicações porém,

desses obrigam-nos,
justeza postulados
KANDJIMBO, "Breve
Luís. cerca de 40 anos volvidos, a um esforço
panorâmica
s°bre
a
geração literária do pós-independência" de atualização. A Archote inaugural, há
m Angola
30 Anos, Luanda, 2005, um ano atrás, falava das ânsias de
p.267.
'geração
criação de uma de delírio Maimona, José Luís Mendonça, João

azul'.(...) os do Melo, Lopito Feijóo K. e, último, a


pressupostos gerais por

movimento se conformam em trabalhar a voz feminina de Ana Paula Tavares,

sensibilidade angolana com critérios de um elo chave de transição entre a

modernidade. Assim, sem catequizar da década de 1970 e a de 1980.


poesia

sobre o assunto, As tendências de todos estes


primeiramente quase

obrigamo-nos a não rejeitar e, até, a autores marcam-se de um


pela procura

buscar todos os empréstimos achados rigor formal, aliado em maior ou menor


'grandes' 'pequenas'
convenientes das e a pesquisas temáticas, etno-
grau

(a literatura em verdade admite esta antropológicas, lingüístico-regionais e

dicotomia?) literaturas do universo. Em ético-ideológicas. Oscilações entre a

segundo lugar, se a angolanidade se equilibrada de um nativismo


procura

pretende uma funcionalização da universalizante, ou o encontro da casa

sensibilidade existente, tende a aparecer aberta ao mundo. Procurando


própria

no nosso labor como de em simultâneo uma des(continuidade)


ponto partida.''

Um outro elemento de referência com as anteriores, verifica-se


gerações

importante foi a publicação em 1988 de uma tentativa de balanço e

uma Antologia de compreensão da angolanidade na sua


jovens poetas

angolanos, organizada e seleccionada componente social e cultural, ao mesmo


por

Lopito Feijóo K., No Caminho Doloroso tempo se tenta o desprendimento


que

das Coisas, agrupa um conjunto de dos liames óbvios de sentido.


que

dezenove 0 autor do volume Raramente estes textos se


poetas.

apresenta nos seguintes termos os desprendem completamente do


poetas:
"São
mas dentre eles há envolvimento ideológico, mas fazem-no
jovens, poetas

são artistas e trabalharam nos seus de forma sutilizada, crítica,


que

versos como os carpinteiros nas tábuas. fragmentária e alusiva. Também o

Tiveram verso sobre verso como compromisso telúrico e a marcação da


que pôr

quem constrói um muro. Analisaram se diferença cultural está normalmente

estava bem e tiraram sempre não ecoando rítmica,


que presente, pela procura

estivesse, sentados na esteira de Pessoa, experiência etno-lingüística,


pela pelo

Quando a única casa artística é a terra entrosamento de uma lógica discursiva

toda / Que varia e está sempre bem e é numa outra anti-discursiva. Todavia

sempre a mesma. Jovens subscritores de cada um destes uns mais


poetas,

uma auto-explicação metalingüística em outros, tem as suas


profundamente que

a ruptura formal não é tudo." características individualizadas.


que

(p. 13) Começaremos referir João


por

Destacamos nesta apresentação, Maimona, autor de um livro


primeiro

entre os autores da década de 1980, Trajetória obliterada


(1985, prêmio

com edição individual, e Sagrada Esperança 1984). Uma escrita


pela procura

afirmação de uma escrita e insidiosa e fascinante, experiente e


própria
"Não
individualizada, apenas a obra de obsessiva: me atirem
palavras

alguns nomeadamente de João sórdidas / velhas / inventarei


poetas, palavras
as minhas / e serei um de Um trajeto
pedaço diferente de escrita, tende
que
palavra" 18). Com alguns
(70, p. a contenção do verso, embora este
para
poemas excepcionalmente localizados seja, vezes discursivo e 0
por prosaico.
eui termos temáticos, a de livro traz
poesia primeiro que a herança titular
Maimona
tende uma evasão da de Ruy Duarte
para poesia de Carvalho
semântica,
em o sentido caminha a apela uma sensualidade
que para telúrica

par da escrita, "Corria


procurando-se numa muito evidente: a lua sedenta de

geometria indecifrável. São


palavras horizontais. / Eu não a via mas
quimeras
residuais,
que germinam e florescem na a luz me molhava / de frio alumínio /
que
poesia de Maimona,
palavras verdes, inundava bem longe os dorsos das
novas:
Eu inspiração imensa / reais.
quero palancas /As árvores repousavam
(Iue traga as do caminho / diretamente / para o infinito
pétalas / e não sei
versos "(TO,
de cor verde 32).
p. Um sonhos na seiva deslizavam. / Era a
que
percurso textual, em
que o discurso lua sedenta das marés / escorrendo das
como
que volatiliza os sentidos, e os vaginas / enquanto
perfumadas o mundo
harmoniza,
numa espécie de solidária rodava / transportando o vento, a noite, o
' ""junção
das forças naturais, tempo."("Corria a lua sedenta", in
que, por CN,
s"a vez, se complementam em metáfora 37).
P-
•ncadeada.
Há um sentido último, Os textos do autor oscilam entre a
misterioso
e enigmático, em estado de tentação bucólica e sazonal e a
neblina
intemporal, um sonho, dentro inevitável ocupação da cidade e do
de sonhos,
que as tempo cronológico. Socializada,
palavras procuram
V erso
a verso, e anima
que esta ritmando com os acontecimentos de
poesia
(oin
um fulgor estranho. Fortemente Angola e de África, subscrevendo-os,
marcadu
pelo uso da metáfora como, exemplo, os títulos de
por
surrealizante, "61
e intertextos assimilados como em Ndalatando",
poemas,
('a "Na
Poesia francesa, e Ilha agrilhoada - às vítimas
portuguesa do
brasileira, "Nelson "Na
a modernidade da escrita de apartheid", Mandela",
*
1M amiona
centra-se em especial na linha da frente aos combatentes
exploração " -
do tema da escrita, angolanos surgem em
que livros
Coriferindo-lhe
contudo a novidade de seguintes. Observa-se, no entanto, a
"ma reflexão intuitiva e mágica, aliada maioria das vezes, uma depuração ou
a "ma força elemental vitalizante. filtragem intimizada do caráter
público
^inestésica,
discursivamente musical, a e noticioso destes temas. O autor
SUa
Poesia realiza uma escrita esvaziada explica num dos seus textos o
que
e (luase
amnésica de temas e sentidos caracteriza a sua
poética, modo
plenos, alimentada, "Eis
isso mesmo, de de escrever: burilo a
por próprio que
melancolia
e desliza na sua suavidade invenção da rente
pátria/ à metáfora do
cantante,
refrânica e corpo" (in Respirar
germinativa. as Mãos na Pedra,
José Luís Mendonça inicia a sua 34). Há, com efeito, na escrita de
p.
Publicação com Chuva Novembrina Mendonça, o desejo de incorporação do
(1 ^82, Sagrada
prêmio Esperança 1981). corpo na matéria descrita, como se,
num de autotatuagem do tipo ode, bem como
processo poema, pela

sensualizado, o ao escrever tentação do experimentalismo, de caráter


poeta

deixasse de si Por outro visual e concreto. Nos últimos livros,


parte gravado.

lado, nota-se também o sujeito se observa-se a conquista obsessiva


que gradual

desfigura num de mutação de dessa voz oscila entre o oral e o


processo que

formas, tentando centrar-se na escrito, de caráter recitativo. Do

essencialidade dos objetos, ritmos e conjunto da obra deste autor, saliento

situações residualmente, lembrem sua componente lírica Tanto Amor,


que, pela

esta incorporação. Reflexiva, tensa, livro excessivo e exuberante


pela

burilada, a de Mendonça reivindicação do amor carnal,


poesia que

sensualiza tenazmente as aquisições dionisiacamente com


quebra qualquer

surrealizantes, e metamorfoseia o corpo tipo de moral ou regra, e se assume na

em o tema em oficina. sua total despudorada.


palavra, plenitude

João Melo, desde o seu livro, Questionação e afirmação do amor


primeiro

Definição (1985) marca os eixos provocatória, desmedida. Um livro em

definidores da a o erotismo se desnuda na sua


poética que persegue: que
"Um
dimensão social e a amorosa, ambas evidência mais límpida: tambor

conquistadas com a força expansiva de inesperado / rebenta a flor da carne /


"A
um verso declarativo: minha é tocada dedos / Uma luz
poesia quando pelos

angolana ferozmente / Escrevo com violenta / explode em tuas órbitas / E um

medo e com raiva/ e força e ritmo e magnífico de / sacode o ar


grito pássaro

alegria / Escrevo com fogo e com terra/ do / atingido / o antigo e


quarto quando

Escrevo como se comesse / funji com as profundo / epicentro do mundo."

mãos: sobretudo utilizo / e ( TA, 57).


quando garfo p.
"(D,
faca 21). Poesia Lopito Feijóo K. o livro
p. que procura publicou

seguir um ritmo narrativo dos MeDitando em 1987. A escrita do


próximo

da Mensagem, mas ao mesmo autor, de vocação experimental, incide


poetas que

tempo assimila as conquistas da na discursiva e de significação.


paródia

modernidade. Nunca mas na 0 humor e a desconstrutividade, ou


gratuita,

fase muito envolvida no ludismo, dos signos, rimam a e


primeira par,

criticando-o ou deixam o leitor mais ou menos


quotidiano político, perplexo

elogiando-o. Enquanto há perante o resultado inequívoco do riso


poetas que

organizam o seu discurso na contenção, ou da caricatura. Todos os temas,

outros há, como João Melo, ideológicos, líricos, são submetidos a


que preferem

a afirmação correndo vezes o este de filtragem


plena, por processo

risco do lugar comum. 0 a decompositiva das A


que posterior palavras. poesia

do desmente. Há, de Lopito Feijóo vale sua


produção poeta pela

todavia, um lado dionisíaco de irreverência e seu


plena pelo gosto
"verdade"
assunção da seja ela de as fronteiras
que provocatório, quebrando

natureza for: amorosa, carnal, ideológica. de moral e


qualquer jogando

Em outros livros, o autor afirma a sua intertextualmente com a herança dos

vocação oratória do longo malditos e com a tradição da


pelo gosto poetas
lronia, "O
do escárnio e mal dizer: Na sua esteira, a de
que poesia. poesia
dirás se/não -
que um animal sublime Frederico Ningi, surgida na década

'gual aos -
deuses cantava na de 1990, continua este
planície processo
os Cantos de um tal Pound teu irmão desconstrutivo, aliado à da
prática poesia
por quanto tomavam de seiva lambida visual e da
pintura-escrita.
nas raízes astrais. Sóbria a honra como Outro trilho aberto é o discurso
flue te
pariste dos estranhos abismos da feminino, encontra
que particularidades
nobreza
jubilosa. Postura dos contornos de linguagem e de sentidos sugeridos. O

poetizáveis, agora e na hora da minha caso de Paula Tavares merece especial

morte, amor. Lutando. Logrando a atenção apresentar uma


por grande
reencarnação
dos mal ditos!" solidez na sua
(Cartas proposta poética,
de Amor,
p. 31). Os títulos dos inaugurada com o livro Ritos de
poemas
de Lopito ilustram de forma Passagem e confirmada
(1985) pelos
S1gnificativa
esta intencionalidade vários títulos posteriormente publicados.
'rreverente, "Mal "o
como exemplo, / Segundo a autora título do livro -
por
dito Soneto "Paixão — tem
de Amor", I lepática", Ritos de Passagem a ver com a

Virgem "Conjugações
Maria", sociedade onde se fazem os rituais de

Revelações
Inquietações & Não Só". iniciação, rituais de na vida
passagem,
Tal como os das mulheres e dos homens consoante
colegas de
geração,

Procura criar um universo eles dumas idades outras,


poético passam para

Próprio, em situa, no entanto, a e outro lado com o meu


que por próprio
lmagem
do como atópica, sem ritual de iniciação no caminho da
poeta

pátria, sem sem ideologia A da infância da Huíla


preconceitos, poesia"11. partir
e sem
moral, fazendo da escrita lugar a autora tenta recuperar material de

de reconstrução
do sentido, tende e memória oral e visual
que pesquisa
ao despiste e à teatralização, ao mesmo sons, corais, canções) com
(cheiros, que
tempo
em a dimensão universalizante trabalha a sua escrita. Paula Tavares
que

proposta se anela ao faz menção de dois angolanos


particularismo poetas
lingüístico: "É
sem fronteiras a Pátria importantes na sua formação, Arlindo

do
poeta / minha Pátria é a nossa casa. Barbeitos, contenção e economia
pela
^ ~ É a minha campa dizer), m'bila e Ruy Duarte de Carvalho,
(é poéticas,
lami!
// chamar-se-ia Lucrécia, Mundo sua obra vocacionada o sul,
pela para
! °u Poesia, não fosse eu um onde a nasceu e foi criada. Em
poeta
apátrida!"(G4,
38). Usa recursos relação a este último faz também
p.
como
quebra de com barras, referência às lhe deu
palavras, pistas que para
hifens,
parênteses, ou de versos, recorrer à antropologia e à etnografia.
quebra
homofonias
e dialogai, entre A harmoniosamente, estabelece
pontuação poetisa,

prosa e verso, o afirma-se assim uma ligação entre a herança da


poema pela
reflexão
impertinente, achado dos de 1970 e a sua escrita.
pelo geração
trocadilhos
de ou
palavras, pela quase
ausência ''
de sentido, LABAN, Michel. Entrevistas com autores
procurando
salientar
o caráter verbal e lúdico da angolanos, Porto, F. Almeida, 1991. 850.
p.
Lma sensualidade muito intensa revestem de
plurilingüismo textual,

percorre esta escrita recurso ao fundamentação histórica, telurismo,


pelo

telúrico, à lenta sugestão. Os ruralismo, nacionalismo,


primeiros e muitas das

poemas aliam os frutos às sensações e vertentes da angolana


poesia anterior,

às fases da vida feminina como se com o seu histórico


pode peso específico,
"A
ilustrar com o Anona", em contribuindo a
poema para abertura de uma
"Tem
Ritos de Passagem: mil e sensibilidade
global, planetária e

quarenta e cinco / caroços / cada um universalizante.

com uma circunferência / à volta / A linguagem


poética da de
geração
agrupam-se todos / no oitenta, bem como
(arrumadinha)/ de muitos outros

pequeno útero verde / da casca"(p. 11). iniciam a sua


poetas, que publicação já
As fases ou ritos de das na década de 1990,
passagem prima, a maioria

mulheres do sul são também abordadas das vezes, escassez


pela discursiva,

em vários em o adotando
poemas, que pormenor poéticas menos vigiadas

e o verso curto aliam a sabedoria da e trabalha


politicamente, na
produção
atenção erotizada e da sugestão. dos materiais sonoros, lexicais,
gráficos,
Inovadora, a escrita de Paula Tavares sintáticos e rítmicos. A dimensão lúdica

doseia o tempo, medindo-o na sua do manuseio operativo dos

lentidão e circunscrevendo-o na sua significantes, e a conseqüente riqueza

concretude. Daí o tom, vezes de ambigüidade resultante,


por apontam

aforístico, o trabalho de burilação do uma


para poética que recusa as normas

verso se espalha em ou o direcionismo e revela


que pela página uma

medidas certas. A delicadeza cruza-se exploração dos mapas de sentido, em

com a descritiva, o olhar e


precisão que processo, procura de significação.

capta e cenariza biográfica e Uma linguagem também fortemente


"Cresce
oniricamente: comigo o boi crítica, dando conta das transformações

com me vão trocar / Amarraram- acontecidas


que políticas nos últimos anos.

me às costas, à tabua Eylekessa / Podemos concluir


já que a
poesia
Filha de Teinbo / organizo o milho / angolana contemporânea manifesta um

Trago nas as / simultâneo


pernas pulseiras pesadas processo de

Dos dias / Sou do clã des(continuidade)


que passaram... em relação à
poesia
do boi - / Dos meus ancestrais ficou-me da Mensagem e do Cultura e, também,

a / 0 sono do à da década de
paciência profundo poesia 1970, uma vez

deserto, / a falta de limite.,.(...)Filha de uma


que partilha mesma vontade de

Huco / Com a sua esposa / radicação etno-regional,


primeira um

Uma vaca sagrada,/concedeu-me / o envolvimento de significação ideológica,

favor das suas tetas liberes.n(RP, 27). ao mesmo tempo


p. que procura a

Constata-se a nova de inovação formal, a receptividade


que geração

poetas, de apenas referimos alguns, intertextual, o experimentalismo


que

tem lutado afirmação da sua desconstrutivo do


pela verso, formas

modernidade através de formas inequívocas da abertura ao mundo dos

temáticas da angolanidade, se sentidos, e ao


que sentido do mundo.
Angola
Aires de Almeida Santos

Meu amor da rua Onze

Tantas nós trocámos, Nossa maneira de amar


juras

Tantas fizemos, Era tão doida, tão louca


promessas

Tantos beijos nos roubámos me a boca


Qu'inda queimam

Tantos abraços nós demos. Os beijos nos roubámos.


que

Meu amor da Rua Onze, Tanta loucura e doidice

Meu amor da Rua Onze, Tinha o nosso amor desfeito

Já não ainda sinto no


quero Que peito

Mais mentir. Os abraços nós demos.


que

Meu amor da Rua Onze, E agora

Meu amor da Rua Onze, Tudo acabou

Já não Terminou
quero

Mais fingir. Nosso romance

Era tão e tão belo te vejo


grande Quando passar

Nosso romance de amor Com teu andar

Que ainda sinto o calor Senhoril,

Das nós trocámos Sinto nascer


juras que

E crescer

Era tão bela, tão doce Uma saudade infinita

Nossa maneira de amar Do teu corpo


gentil

Que ainda no ar De escultura


pairam

As fizemos. Cor de bronze,


promessas que

Meu amor da Rua Onze

In Meu amor da Rua Onze

Aires de Almeida Santos nasceu na Vila do Chinguar, Rié, em 1921?


(fl992).
Publicou Meu amor da Rua Onze A Casa
(1987), (1987).
Agostinho
Neto

Caminho
das estrelas

Seguindo
Mas concreto

o caminho das estrelas vestido do verde

pela curva ágil do da do cheiro novo das florestas depois da


pescoço gazela
sobre a onda sobre a nuvem chuva

com as asas da amizade da seiva do raio do trovão


primaveris

as mãos amparando a do
germinação
Simples
nota musical riso

mdispensável
átomo da harmonia sobre os campos de esperança

Partícula

germe A liberdade nos olhos

cor
o som nos ouvidos,

na combinação múltipla do humano das mãos ávidas sobre a do


pele

tambor

Preciso
e inevitável num acelerado e claro ritmo

como o inevitável escravo de Zaires Calaáris montanhas luz


passado
através
das consciências vermelha de fogueiras infinitas nos

como o
presente capinzais

violentados

^<ão abstracto harmonia espiritual de vozes tam-tam

incolor
num ritmo claro de África

entre ideais sem cor

sem ritmo Assim

entre as arritmias do irreal o caminho das estrelas

inodoro
curva ágil do da
pela pescoço gazela
entre as selvas desaromatizadas a harmonia do mundo.
para

de troncos sem raiz

In Sagrada Esperança

Agostinho
Neto nasceu em Catete em 1922 1979). Publicou Poemas
(f (1961),
Sagrada
Esperança Renúncia Impossível
(1974), (1987).
.

Antônio Jacinto

Monangamba

Naquela roça não tem chuva faz o milho crescer


grande Quem

é o suor do meu rosto rega as e os laranjais florescer


que

Quem?
plantações;

Quem dá dinheiro o
para patrão
Naquela roça tem café maduro comprar
grande

e aquele vermelho-cereja máquinas, carros, senhoras

são do meu sangue feitas seiva. e cabeças de


gotas pretos para os

0 café vai ser torrado motores?

pisado, torturado,

vai ficar negro, negro da cor do faz o branco


Quem prosperar,
contratado. ter barriga -
grande ter

dinheiro?

Negro da cor do contratado! Quem?

Perguntem às aves cantam, E as aves cantam,


que que

aos regatos de alegre serpentear os regatos de alegre serpentear

e ao vento forte do sertão: e o vento forte do sertão

responderão:

Quem se levanta cedo? vai


quem

à tonga "Monangambééé..."

Quem traz estrada longa Ah! Deixem-me ao menos subir


pela

a tipóia ou o cacho de dendém? às


palmeiras

Quem capina e em recebe Deixem-me beber marufo,


paga

desdém marufo

fuba e esquecer diluído nas


podre, peixe podre, minhas

panos ruins, cinqüenta bebedeiras

angolares

"porrada,
se refilares"? "Monangambééé..."

In Poemas
Quem?

Antônio Jacinto nasceu em Luanda em 1924 Publicou em


(fl991). poesia
Poemas
(1961).
Viriato
da Cruz

Namoro

Mandei-lhe
uma carta em Mandei-lhe um recado Zefa do
papel pela

perfumado Sete

E com letra bonita eu disse ela tinha rogando de no chão


pedindo-lhe joelhos
Um sorrir luminoso tão e Senhora do Cabo, Santa
quente gaiato pela pela
('0|no
o sol de Novembro brincando de Ifigênia,

artista nas acácias floridas me desse a ventura do seu namoro...

espalhando
diamantes na fúnbria do E ela disse não
que
mar

e dando
calor ao sumo das mangas. Levei à avó Chica, de fama,
quimbanda
Sua -
pele macia era sumaúma... A areia de marca o seu deixou
que pé
Sua
pele macia, da cor do Para fizesse um feitiço forte e
jambo, que
cheirando
a rosas seguro

Sua
pele macia as doçuras do nela nascesse um amor como o
guardava Que
corpo rijo meu...

Tão rijo -
e tão doce como o E o feitiço falhou

uiaboque...

Seus seios, -
laranjas laranjas do Loje Esperei-a de tarde, à da fábrica,
porta
Seus dentes... - marfim... Ofertei-lhe um colar e um anel e um

Mandei-lhe
essa carta broche,

E ela disse não. Paguei-lhe doces na calçada da Missão,


que

Ficámos num banco do largo da

Mandei-lhe
um cartão Estátua,

Que o amigo maninho tipografou: Afaguei-lhe as mãos...

P°r ti sofre o meu coração" Falei-lhe de amor... e ela disse não.


que
Num -
canto SIM - noutro canto - NÃO

E ela o canto do NÃO dobrou Andei barbado, sujo e descalço,

Corno um mona-ngamba.

Procuraram mim
por

Não viu... (ai, não viu...?) não viu

Benjamim?"

E me deram no morro da
perdido

Samba.
r

56

Para me distrair

Levarain-me ao baile do só Januário

Mas ela lá estava num canto a rir

Contando o meu caso às moças mais

lindas do Bairro Operário

Tocaram uma rumba - dancei com ela

E num maluco voámos na sala


passo

Qual uma estrela riscando o céu!


"Aí,
E a malta Benjamim!"
gritou:

Olhei-a nos olhos — sorriu


mim
para

Pedi-lhe um beijo — e ela disse


que sim.

In Poemas

Viriato da Cruz nasceu em Porto Amboim em 1928


(fl973).
Publicou Poemas
(1961).
Alda
Lara

Regresso

Quando eu voltar, Sim! Eu hei-de voltar,


fíue se alongue, sobre o mar, tenho de voltar,
0 meu
canto ao Criador! não há nada
que mo impeça.
Porque
me deu vida e amor, Com
para que prazer
voltar...
hei-de esquecer

toda esta luta insana...


Voltar...
em frente está a terra angolana,
que
^er de novo baloiçar a
prometer o mundo
a bonde
majestosa das a regressa...
palmeiras quem
lue as derradeiras horas do dia Ah! eu voltar...
quando
circundam
de magia... Hão-de as acácias rubras,
Regressar...
a sangrar
Poder
de novo respirar, numa verbena sem fim,

(°h!... minha terra!...) florir só mim!...


para
acptele
odor escaldante E o sol esplendoroso e
quente,
1Ue o húmus vivificante o sol ardente,
do teu solo encerra! há-de na
gritar apoteose do
poente,
Embriagar
o meu sem lei...
prazer
uma vez mais o olhar, A minha alegria enorme de
poder
numa
alegria selvagem, enfim dizer:
C°m
o tom da tua o sol, Voltei!...
paisagem, que
a dardejar
calor,

transforma In Poemas
num inferno de cor...

(...)

Alda
Lara nasceu em Benguela em 1930 Poemas é uma
(fl962). (1966)
Publicação
póstuma.
Mário Antônio

Rua da Maianga

Rua da Maianga foi levado Hospital


(Néné pró

traz o nome de um meus olhos encontraram Néné morto


que qualquer

missionário meu companheiro de infância de olhos

mas nós somente vivos


para

a rua da Maianga. seu corpo morto numa fria!)


pedra

Rua da Maianga às duas da tarde Rua da Maianga a hora do dia


qualquer

lembrança das minhas idas a as mesmas caras nos muros


para

escola caras da minha infância


(As

e depois o liceu nos muros inapagados!)


para

Rua da Maianga dos meus surdos as moças nas fingindo costurar


janelas

rancores a velha faladeira


gorda

sentiste nos meus alterados e a moeda na mão do menino


que passos pequena

e os ardores da minha mocidade e a chamando dos cestos


goiaba

e a ânsia dos meus choros desabalados! à das casas!


porta

(Tão parecido comigo esse menino!)

Rua da Maianga às seis e meia

apito do comboio estremecendo os Rua da Maianga a hora


qualquer

muros o liso alcatrão e as suas casas

Rua antiga da incerta as eternas moças de muro


pedra

feriu meus de criança Rua da Maianga me lembrando


que pezitos

e onde depois o alcatrão veio lembrar meu inutilmente belo


passado

velocidade aos carros inutilmente cheio de saudade!

e foi luto na minha infância


passada!
In 100 Poemas

Mário Antônio nasceu em Maquela do Zombo em 1934


(f 1989). Publicou em

Poesias (1956), Amor Poemas & canto miúdo Chingufo-


poesia (1960), (1961),

poemas angolanos (1962), 100poemas (1963), Era tempo de Poesia Rosto


(1966),

de Europa Coração transplantado Afonso, o Africano e


(1968), (1970), (1980)

50 anos, 50
poemas (1988).
Costa
Andrade

Emboscada

0 dia estranhamente frio


0 tempo
estranhamente lento
a vegetação
estranhamente densa
a estrada
estranhamente clara
todos
estranhamente mudos

placados e estranhamente à espera.

Um tiro

e as rajadas uns
segundos

até
que estranhamente duro
0 silêncio
comandou de novo os
'Movimentos.

Talvez
fossem homens bons os
que
caíram

t^as cumpriam
estranhamente o crime
C'e assassinar
a alheia
pátria que
pisavam.

n Poesia
com Armas

Costa
Andrade nasceu no Huambo em 1936. Publicou em Terra das
poesia,
acácias
rubras Tempo angolano em Itália Um ramo de miósotis
(1960), (1962),
(1970), Armas com e uma certeza Poesia com armas e O regresso do
poesia (1973),
°anto
(1975), O caderno dos heróis Os sentidos da Limos de
(1977), pedra (1989),
lume
(1989), Memória depúrpura Lwini Luancla e Terra
(1990), (1991), (1997)
Sretada
(2000).
Jorge Macedo

Amanhecemos

Dos capins seco-verdosos dos ventos areai


pitanga

Todos cantos

Nossos cantos os das manhãs ngolas


gaios

ao
povoação povo

cântico novo

kuku kukuééé

mumu mumuééé Kuakiééé

amanhecemos

***

a festa reverdece menino o luto das


queimadas

as tetembua
pirilampeando

outro clarear

kimenemene
gargalhos

sangas e fontes se beijam

no kuakiár os voados
pássaros

In Clima do Povo

Jorge Macedo nasceu em Malange em 1941. Publicou em Itetembu


poesia (1966),

As Mulheres Pai Ramos Irmã Humanidade Clima do Povo


(1970), (1971), (1973),

(1977), Voz de Tambarino Página do Prado(1989), O Livro das Batalhas


(1977),
'cidades'
(1993), Ternura de Olhos Verbais Luanda detrás das suas
(2004), (2004)
João
Maria Vilanova

Canção
das chuvas
primeiras

Ela chegou hoje, N'Zambi


Os cabelos crespos

Sob a noite

Inundando
o ventre da terra.

Ela chegou hoje, N'Zambi

E descalça
percorreu nossas lavras
Massambala
e inilho

Crescendo
lado a lado.

Ela chegou hoje, N'zambi


Nossos
filhos brincarain-Ihe os
joelhos
Tal como antigamente.

Ela chegou hoje.

Obrigado
ó deus obrigado.

1° Vinte canções Ximinha


para
A mão do vento na savana

Que voz
perpassa

Em teu dorso
quando

A noite

Passos-de-onça

Se aproxima?

Memória de areais

Negras falésias?

Se te escutando

Paciente é o trabalhar

De onda.

Eflúvios frêmito

Um deus muíla subisse


que

Monandengue

Só da raiz do sangue.

- Ah inteiro é teu dorso ó ngana

inteiro é teu dorso

meus sentidos.
para

In Caderno dum
guerrilheiro

João Maria Vilanova, de autor desconhecido. Publicou Vinte canções


pseudônimo

Ximinha (1971), Caderno dum Mar da minha terra &


para guerrilheiro (1974),

outros (2004).
poemas
Angola

A dos
partir

anos 1980

Arlindo Barbeitos

Ruy Duarte de Carvalho

David Mestre

Paula Tavares

José Luís Mendonça

João Maimona

João Melo

E. Bonavena

Adriano Botelho de Vasconcelos

Maria Alexandre Dáskalos

Rui Augusto

T R A J A N O N A\K H O VA T R A J A N O

Frederico Ningi

João Tala

Carlos! Ferreira

Luís Kandjimbo

José Eduardo Agualusa

Ana de Santana

Antônio Gonçalves

Amélia Dalomba

Fernando Kafukeno

Conceição Cristóvão

J.A.S. Lopito Feijóo K.

Antônio Panguila

Sapyruca

Antônio Pompílio

Carla Queiroz

Ondjaki
Ar lindo Barbeitos

amada tardes de Outubro


por

minha amada o tempo

a revolução é

não é um conto rola estonteada

e
perdendo-se

uma borboleta em lavras de milho

não é um elefante

como agarrá-lo

catatos

devagarinho em haste verde

o menino ia comendo o frito


peixe

assim como toca baloiçando


quem gaita-de-beiço

In Angola Angolê Angolema

cacos de arco-íris

em tarde chuva

In Nzoji
segura
a sombra incauto baloiçando de muletas

ao tambor das bombas

pela lua
passearam intrusos
0 sol
vende-se a retalho a sul do sonho

a norte da esperança

In Fiapos de Sonho

a felici<jac]e
é um carrinho de menino
sem rodas

aP°drecendo
num monturo

Segura
a sombra incauto

amada

leus
°lhos são mirangolos

que

eu comeria

não
me custasse

o
pavor da cegueira

a alrna

amada

0 amor

um canibal assustado

a sul
do sonho

d norte
da esperança

a minha
pátria
® um
órfão
borboletas de luz

esvoaçando

de cadáver em cadáver

colhem

o fedor dos mortos

em vão

pelos buracos da renda

dos dias

passam álacres

do mundo do esquecimento

ao da indiferença
país

levando consigo

o fatal
pólen

das flores da
guerra

borboletas de luz

In Na Leveza do Luar Crescente

Arlindo Barbeitos nasceu em Icolo e Bengo em 1940. Publicou em


poesia
Angola Angolê Angolema Nzoji
(1975), (Sonho, 1979), Fiapos de Sonho
(1990)
e Na Leveza do Luar Crescente
(1998).
Ruy
Duarte de Carvalho

Aprendizagem
do dizer
festivo

i.

Atento,
desde sempre, às falas lugar,
do
nada sei dos sinais
Se os não confirmo no encontro da
memória
com a matriz,

guando a carência impõe esforços de


equilíbri0
não entre o
c°rpo
e as formas
que o sustem mas
Cntre
as margens de uma

Paragem breve. Registo acasos


que
desmentem
datas e só as
1130
confundem
porque é mesmo assim;
regularmente
e a con-
irmar
a história.
Que se constrói, a
Vlda'
um texto? Em busca
das coordenadas
recorro diligente à

Pauta de um compasso

Para saber no texto em me inscrevo


que
0
9ue se sabe do
que
av'a
já, as leis alguma angústia
que
desvendasse,
o legado

argúcia,
a vocação da
pausa.
Provérbios

Omili iwa ili in'ongubu


yange

Omupika wange muwa

k'oilongo.

A minha bengala,

metida em espinheiras,

Dentro do cercado

Está longe de casa o

meu melhor escravo

Kwanyama

Está escravo da casa o meu melhor

longe, sou escravo da casa dentro do

cercado, cerquei-me de casas. Longe de

espinheiras eu sou a bengala cercada de

escravos. Sou escravo do longe


que

cerquei de casas dentro de espinheiras.

Estou dentro de casa, longe do cercado,

cercado de longe em casa de escravo.

Estou longe do longe há no meu


que

cercado.

Para Paula Tavares

E as raparigas, verdes, incriadas,

vinham furtivas

hesitantes escusas

exibir os frutos:
a frágil e expansiva floração do Misturava humores

peito de vida e ruína

antes o tempo a destinasse confundia o sangue


que
ao leite
lunar das barrigas

e as ancas magras a veloz bacia ao sangue das feridas

antes o coito sagrasse a cuspidas fogo


que pelo
uiatriz.
do aço importado.

Era onde o vento escorria

desfraldava A confirmava as rotas


panos guerra, perto,

recentes e limpos A apontavam


que

alisava adornos decisões alheias.

poupados ao uso

e a aragem fria das manhãs de

Junho

rinha em espiral assinalar

umbigos

nos ventres lisos


propícios

ao tacto manso de dedos

nubentes.

A
guerra, ao longe, os noive
putrescia

A
guerra, ao lado,

ultrajava os
pastos

aviltava o
gado

humilhava a rama

sã do mantimento.
No mais alto das ramas não se

consente a ausência

Aonde houver fogueiras, mais fogueiras Guarda a cigarra seu canto a


perante

Ekumbi zelará seus rebanhos. voz dos tambores.


pelos

*
Sujeito-me a vestir as velhas

peles

Não é o recorda e olho à volta


que

nem o um rei do recorda atento ao se


que pensa que que passa.

mas o Eu sei há luz e sombra


que pensa que

enfim nuvens e chuva...

quando recorda.

Mas chegará a minha voz aos vossos

À face de um rei convém o é noite.


que pés

Como aos da onça o canto da capota?


*
(...)

A bem dizer sabíamos In Hábito da terra

tu não sentado.
que poderias perdurar

0 teu decreto, assim, era a

resposta:

justeza do teu desvelo.

Ruy Duarte de Carvalho nasceu em Santarém em 1941. Publicou em


poesia

Chão de Oferta A Decisão da Idade Exercícios de Crueldade


(1973), (1976),

(1978), Sinais Misteriosos... Já se vê Ondula, Savana Branca


(1979), (1982),

Lavra Paralela Hábito da Terra Observação Directa


(1987). (1988), (2000),

Lavra Reiterada e Lavra. Poesia reunida 1970-2000


(2000) (2005).
David
Mestre

Blues

Tua voz desliza como um


pássaro
aberto
na lâmina do dia
'lha
que se levanta e voa a do Sol
partir
lamento
gritado da floresta sua
por
"azela
perdida
choro
grande do vento nas montanhas
ao nascimento
de um escravo mais na
história
do vale

Tua voz vem de dentro da cidade

todas as ruas bairros e leitos da


cidade
onde houver

Urn calor de
pernas
contar
o silêncio das horas a
guardadas
s°co
no sarilho

dos ventres
c°m
urn
jazzman a assobiar na
escuridão
dos
pares
a Memória
ácida do chicote
n°s
portões do Mundo
Do canto à idade

Do canto à idade

a voz

a base e os materiais da lágrima

ouvida nos olhos

até ao sangue. Do canto

à idade a morte.
pouca palavra

Ouve-a

é o sinal na doca dos teus dedos


que

leveda.

Do canto à

idade cai a boca

medida: meu amor.


A noz

A noz da tua boca


parto-
ao íntimo vinco

('a manhã: ou ter-te

em círculo
dobrada.

m°rdes
(de joelhos) a água.
Estrita escrita
poesia

Estrita escrita
poesia

com os dedos enlameados

da vida

vivida

de costas

Poesia escrita estrita

e única mente
para

bólica

como um e
grito

móvel

Escrita estrita
poesia

aos círculos fazem


que

as
pedras

ao mergulharem

para sempre
Lacônico
da rua da Maianga

^ssei
na Rua

da Maianga

a ver
se

a via:

havia
não.
Pássaros ao
passarem

O muro branco de Octavio Paz

súbito, no descampado ausente

refulge, coralínea

arquitectura ancorada

em cruz

Raros iluminam
pássaros

as asas, aos dígitos rasurados

onde segredam outros

pássaros ao
passarem


por
Rapariga
de bicicleta em

cantão
ao rio
junto

Passa
por mim
' edala
e sorri

^ma
fita de louça
Nos cabelos
bolina

Mariposa
lilás
Serpentina
feliz

In Subscrito
a Giz

)üvid
Mestre nasceu em Portugal em 1948. Publicou em Crônica do Ghetto
poesia

])0 (Janto à Idade Nas Barbas do Bando Obra Cega


(1977), (1985),
(1991)
e Subscrito a Giz - 1972-1994 (1996).
Paula Tavares

A abóbora menina

Tão de distante, tão macia aos


gentil

olhos

vacuda,
gordinha,

de segredos bem escondidos

estende-se à distância

procurando ser terra

sabe
quem possa

acontecer o milagre:

folhinhas verdes

flor

amarela

ventre

redondo

depois é só esperar

nela desaguarem todos os

rapazes.

In Ritos de
passagem
Ex-voto

rr,eu altar de
pedra
arde
um fogo antigo
estâo
dispostas
por ordem
as oferendas

"esTe
altar sagrado
0
^ue disponho

não ® vinho
nem
pão
nem
fores raras do deserto
neste
altar o
que está exposto
meu corpo de rapariga tatuado

neste
altar de
paus e de
pedras
(lUe
aqui vês
Víl'e
c°nio
oferenda
meu
Corpo de tacula
111611
Melhor
penteado de missangas.

'n ® togo
da lua
Esperei-te do nascer ao do sol
pôr

e não vinhas, amado.

Mudaram de cor as tranças do meu

cabelo

e não vinhas, amado.

Limpei a casa o cercado

fui enchendo de milho o silo maior do

terreiro

balancei ao vento a cabaça da manteiga

e não vinhas amado.

Chamei os bois nome


pelo

todos me responderam, amado.

Só tua voz se amado


perdeu,

lá da curva do rio
para

depois da montanha sagrada

entre os lagos.

In Dizes-me coisas amargas corno


frutos
antepassados
usam o espelho os do clã da hiena
Todas
as noites o riso e a
palavra

pi .
Olha
a aldeia dos nossos Era o dos dez dias da lua nova
primeiro
Repassados

^ Verdadeira
aldeia sombreada de

Palmeiras

Que nos obrigaram a abandonar


Eh!
Os antepassados

^h!
Os nossos antepassados
^ais
as aldeias nos obrigaram a
que
^andonar

Odeias sombreadas de
palmeiras
Eh.
O conjunto tão bonito das nossas
Odeias

Eli I A
A aldeia tão bonita dos nossos

Repassados

QUe nos obrigaram a abandonar

antepassados
usam o espelho todas
as noites

0 ancião
elevou a criança oriente:
para

«todos os teus

Pais»

e com
vagar ocidente:
para

«todas as tuas
ttiães»

s
clã da figueira brava
r°uxeram
o leite e os figos
O viajante

Parou traçar as sandálias


para

E olhar a terra arrepiada

A dar à luz

Luas de
prata.

In Ex- Votos

Paula Tavares nasceu na Huíla em 1952. Publicou em Ritos de


poesia passagem

(1985), O lago da lua Dizes-me coisas amargas


(1999), como
frutos (2001),
Ex-votos
(2003).
«3
José
Luís Mendonça

Os
mortos não dormem

Os mortos não dormem são


quissanjes
de
profundos teclados em repouso
Atravessam
levemente o rio
*'a
eternidade
e a sua voz levita e é o
maximbombo

de um certo munhungo extraterrestre


discam
os signos da noite
nas
grandes mansões em que sonhamos
Os
mortos não dormem caminham
c°nnosco
vivendo a vida
que
esquecemos.
Chuva de setembro

A da noite electriza os teus


pantera

dedos

e um maiombola se levanta,
povo

minha mãe

sobre a terra muito ardida dos teus

dedos.

Um de mármore a
povo que

nitroglicerina

esculpiu dentro dos novos nomes do

mito

enquanto a chuva indígena do teu

coração

lavava o olhar surdo de Lenine, minha

mãe

nas subterrâneas cabeças da


praça.

A da noite electriza os teus


pantera

dedos,

e a raiz do tempo sangra, minha mãe

sobre a lua muito ardida dos teus

dedos.
O incêndio
dos caminhos

A tempestade
arrancou os ventos do

peito.
A
pele de leão do meu coração faísca
nos subúrbios
da noite. De são
quem
estes
sonhos

Perfilados no mural dos meus


testículos?

Quem relincha
pela boca dos
amotinados

esPelhos
quebrados na mansão do
tempo

1Uando ° mundo ergue os ossos


na 'lora
de beber o incêndio dos
caminhos?
Casas velhas da cidade de Luanda

Casas velhas da cidade de Luanda

sentadas nos alpendres de mim mesmo

bocas de branco e mãos de


preto

com os batendo no
joelhos queixo

cabelos de ventre
jibóia pelo

à hora da sesta e dos vencidos linótipos

Casas velhas da cidade de Luanda

sentadas na roída de um
página país.

In Quero Acordar a Alva


Despertas
o
fogo

terra de ancas largas


°nde
a luz
poisa
a wão
de seda. Tu sorris

e a niulemba
alta do teu sorriso cresce

Para a sombra metafísica dos


pombos
('e
pé sobre o ovo da manhã.

Terra
negra de sol no coração
e vinho
lunar

entre
as axilas

Espertas
na ciência

meus dedos o fogo

Primordial
do universo.

Logaríntimos
da Alma
Anoitece

Anoitece. Sou um caminho

Sentado sobre o sentir-me

Pedra, oiro e sangue.

Os dias regressam à sombra

Do meu verso afiado.

Velhas de riscados
panos

Esquecem tabaco na esteira

Branca do meu coração.

Anoitece sobre o sentir-me

Pedra, oiro e sangue.

In Ngoma do Negro Metal

José Luís Mendonça nasceu em Golungo-Alto, Kwanza-Norte, em 1955. Publicou

Chuva iXovembrina Gíria de Cacimbo


(1981), (1986), Respirar as Mãos na Pedra

(1988), Quero Acordar a Alva Se a Água Falasse


(1997), (1997), Logaríntimos da
Alma - Poemas de Amor Ngoma de Negro Metal
(1998), (2000), Um Canto
para
Mussuemba 2002), Gramática do
(Antologia, Amor Contemporâneo Cal &
(2002),
Grafia - Antologia
(2004) e Nua Maresia
(2005).
João
Maimona

Félix
culpa

i.

NSo falarei
das
gotas.
em *'a chuva
prometida.
*^ão falarei —

Ainda
que as nasçam
palavras
do incêndio
da boca.

Não
cantarei
os braços.
N>>e'tl
os corpos distraídos.
~
Não cantarei -

nda
que a voz atravesse
Ninhos
de crianças arruinadas.

rostos
estremecidos se apagam
que
'Cercados
de cruz crepitam no
que
CamP°
ardente -

CSSes>
esses florescerão, sempre
s°litários

ntre
0s meus lábios doloridos.

Nas
minhas
palavras residuais.

17.

Es
Ssas
nuvens não serão
já minhas,

minhas
serão as nutridas de
paredes
janelas.

ntre
as adormecidas
paredes
laÇarei
as árvores sonoras e
Aranhas,

silêncio
caminhará
pelas paredes,
casas
amargas irão aterrar na
história.
Os meus dedos irão novas
palpar

paisagens

e as minhas nuvens falarão com voz

indiferente.

Essas nuvens não serão minhas:


serei o relevo da do amor,


geografia

serei a folha do mato


público

que se solta indo beijar as nuvens da

alegria.

In Trajectória Obliterada
VII

atirem
para o meu
peito
Palavras sórdidas
palavras velhas

Para o meu
peito não atirem

Palavras velhas
palavras sórdidas

'iventarei
as minhas

piso da cidade
n° chão
do campo
na escuridão
da solidão.

ara 0 meu caminho não atirem

Palavras
velhas sórdidas
palavras
re> à busca
da
palavra
nde os homens desconhecem o
grito
're'
a busca
da
palavra
n^e
os homens cultivam no
peito
aS
Palavras hão-de
que ser ditas:
^tas
à
janela da cidade
lrei
a busca
da
palavra
rei 0
que se diz entre as
paredes
Para
que da nasça a luz.
palavra

ln
Traço
de União
As abelhas do dia

teus insectos sustentaram

pedras

nas arcas onde


poisam

as do sonho.
paredes

nos rios d'árvore da noite

ardem as Lundas

ardem as Lundas

nas línguas de sombra.

como um desespero imediato

nos dentes da esperança

ignoro-me nas do
pupilas planeta.

e as flores do dia

derrubam

as abelhas do dia.
A neblina

floria
urna neblina
n°s
pés
dos
meus avôs
<íUe
descem
os dos séculos
pés
(íUe
se despedem
da neblina
primeira
neblina
que sombreava
n°s
pés
dos
meus avôs.

ruv'es.savarn
as do dia.
pontes
P 'iam
a madeira das
pontes.
c°rdavam
a areia dos séculos.

6 das
pontes do dia
0uvia-se

a v°z
do destino da noite.

hAs
Abelhas
do Dia

João *
iviç>
'"'mona
nasceu em Kibokolo, Huíge em 1955. Publicou Trajectória
q,
^°ses Per(l"es de Cunene Traço de União
(1985), (1987),
l-v TaCl<l ^eS
e^as
do Dia se Ouvir o Sino das Sementes
(1988), Quando (1993), Idade das
p
Ql'ras
(1996), No Útero da Noite Festa da Monarquia e Lugar e
(2001), (2001)
q ngem
da Beleza
(2003).
João Melo

Instante

Um tambor inesperado

rebenta à flor da carne

quando tocada dedos


pelos

Uma luz violenta

explode em tuas órbitas

E um magnífico de
grito pássaro

sacode o ar do
quarto

quando atingido

o antigo e
profundo

epicentro do mundo

In Tanto Amor
{ i

k!v

® soldado
na trincheira

Pensa na
paz

P nso. a
paz ronda os meus canhões melhor ainda: a paz depende da
1110 unia
ameaça, ou: a
paz convicção dos meus dedos
nspira
dentro do meu duro coração. libertando a espoleta da da
prisão
0u então:
ambigüidade.

Paz rebenta
nas minhas unhas aqui: a ser inútil mas
guerra pode é
rri(| fungos
apodrecidos, dizer: necessária, digo:
quer
dorme
os fariseus resolvam esse
que paradoxo
0 outro
lado da minha pele camuflada, eu erguer-me sobre estes
pois: preciso
daí
corpos caídos
generosos
{^Ue'
Preciso estar alerta: a é
paz não esquecê-los um só minuto até
traiçoeira.
conquistar a há-de resgatá-los.
paz que

Pensando bem: a é a minha


paz In Canção do Nosso Tempo
raÇão
de combate,

luiserdes: trocai o ç pelo z. em suma:


Paz alimenta
os meus sonhos
tensa
escuridão das trincheiras, por
isso:

ereÇo
o meu sangue
por ela &
0 meu
ódio

0 e complacente
como um obus.

Melo nasceu em Luanda em 1955. Publicou em Definição


p poesia (1985),
tilema
rpe (1986), Poemas Angolanos Tanto Amor Canção
(1989), (1989), do Nosso
"lPo(
1991),
0 Caçador de Nuvens Limites & Redundâncias
(1993), (1997) e
Uz Mínima
(2004).
E. Bonavena

0
futuro (in)certo

tenho
palha,

barro seco e

um chão de milho

lavrar!
por

tenho uma trouxa,

um fogareiro de lata,

duas uma caneca sem asa,


panelas,

e minha negra metade,


pela

amputada de uma
perna,

carregada com filho às costas!

tenho duas vacas,

perdidas no mato,

e uma sanji sobra!


que

tenho sede

das da minha terra


paisagens

e do bucólico dos rios

as serpenteiam,
que

tenho febre
palustre,

esta felicidade intermitente,

de um sonho e um
país

refazer!
por

tenho esperança

no futuro se escreve
que

incerto!
97

Guernica
outra vez

se 0S
meus olhos

fossem
08 °lhos
de Picasso

estariam
transbordantes
f|<-
azu]

mas não - não são;


Cm teriam
percebido
c°mo
a menina do Huambo
tern
a
perna

nia's
linda do mundo
(,Ue
a outra
se foi

P°r um dólar

0 Castanho-luz
do seu olhar

ao lado do azul
(^0s
°lhos da
princesa de Delfos
que se fecharam

Para sempre com Diane


°U simplesmente

'
O D'le ,
sairia da boca dos cavalos
Guemica,

lalvezj

In
Limites
da Luz

°navena.
pseudônimo de Nelson Pestana, nasceu em Luanda em 1955.
'er"
poesia Ulcerado de Míngua Lua (1987) e Os Limites da Luz (2003).
Adriano Botelho de Vasconcelos

Não os heróis a Vejo muros onde o horizonte ser


quero que pátria deveria

me oferece depois de mostrar-vos os toda a coroa

anjos a limparem iluminada. A arte da se


palavra que
as minhas fístulas. As mulheres com às subtilezas
presta

lenços de domingo dos


generais que seduzem as
geografias.
conseguem aumentar o silêncio e só os Como uma estátua
pode fazer durar

sacrifícios fazem uma


paixão

a velocidade das imagens e apresentam só Deus receber


que pode como uma

parte do coração
porta

ferido adolescência. Em fila os sobre todas


pela as trevas. Só onde reside o

rostos apenas espectáculo

desconhecem a manhã e ali mesmo todo o


já jornal pode fazer durar a

podia-se esquecer e os
procissão poetas
as mãos nos são suspeitas. Depois o
que podem perder desafio das luas

de todas as derrotas desce


quando

não me escolhas. Pude ver os um ventre


peçam para marcar a figura,

homens a riscarem da Lua.

os seus discursos e a incendiarem as

suas verdades. o macaco memoriza o lugar do espelho

Pude ver os loucos vieram de uma até


que perder-lhe a materialidade das

utopia não teve imagens


que

a mão de um trocada tarefa e os homens da sanzala


poeta, pela partem os

dos vermes, as latas espelhos

onde imaginam os segredos flutuantes das águas


guardar que onde tudo

farão está
perfeito.

os homens chorar. É uma imagem nova

aberta em cal.
In Tábua

Adriano Botelho de Vasconcelos nasceu em Malange em 1955. Publicou Voz da

Terra Iidas de Só Revoltar Células da


(1974), (1975), Ilusão Armada,
(1983),
Anamnese{\9?>A), Emoções Abismos do Silêncio
(1988), (1992) e Tábua
(2005).
Maria
Alexandre Dáskalos

fujas ao desejo
não
procures na contenção
a filigrana

c°lhe
agora as flores de
jasmim
a"lc^a
que seja
perene
a fragância.

® Jardim
das Delícias
A noiva costurava com de
pontos

alquimia

o seu vestido branco.

Chegou a e morto
guerra jaz

o noivo.

Ela não lavar


pode

com o seu vestido feito de fumos e

água.

Vieram os soldados e levaram-na.

Para lá onde cada


palavra

é um silêncio

e cada silêncio

um túnel

como um olho cego.

In Do Tempo Suspenso
k!^

' rria
guinda de laranjas sobre a mesa.
ílKaças
passam a o chão treme
galope,
e ressoa
como batuque.

elefantes
tão bebem água.
perto

6 rePente
rolam as laranjas ao chão.
Silêncio -
quedaram as árvores
s°litárias,

na
Paisagem, entretanto, nua.

11 lágrimas
e Laranjas

JVI ,
ar,a
Alexandre Dáskalos nasceu em
no Huambo 1957. Publicou 0 Jardim das
e^ícias
(1991), Do Tempo Suspenso e Lágrimas e Laranjas
(1998) (2001).
Rui Augusto

De
joelhos

Se arrasta a arte de
joelhos

tal
pedinte

menos do talento
quando que

o escriba necessita apenas

de um alvará.

I
Segundo

flash

Sa°
mortais

guando marcham

as botas

,'0s
(IUf' trazem
í,rr°gâncias

escoltadas

de armas.
Inflação

Trazem sorrisos

de inflação

as laranjas

se entregam
que

verdes

nos mercados

da vida.

E a nudez

prematura

das árvores

violadas

cobre-se

de frágeis

panos

de indecisão.
Tempestade

copa agitada
das árvores
^
e a crina
do vento

C'Ue
vara a cidade

lés a lés,

C°m
seu
galope de água.

In O Amor
Civil

ftlli
U| Augusto
nasceu em Cainabatela, Kwanza-Norte, em 1958. Publicou/4 Lenda
Chá
(1987), 0 Amor Civil e Colar de Maldições
(1991) (1994).
Trajano Nankhova Trajano

décima oitava 2.

ENUNCIAÇÃO cultivam rastros e mastros rostos e

as como um País astros


pesam-me pálpebras

sobre os ombros na desnuda do na desnuda do ngoma como uma


pele pele

ngoma colecção invariável de signos

conquistada ao silêncio das casas

i. fúnebres

começo as manhãs olhando as árvores aceito a intensidade da rosa

as como um País no do reino


pesam-me pálpebras percurso

sobre os ombros místico numa azul-claro


paisagem

no as flores se ausentam do suor há um cáhce de rosa branca


qual

enternece a vida alguém lê velhas crônicas de Zian

entre a luz e a sombra dos múltiplos nas linhas de sonho de um rosto

caminhos muito há um universo aberto


perto

em mim o ensaio do riso nas águas das exiladas deste


permanece páginas

após o longitudinal e o vislumbre livro


gesto

do ouro

em outro noivado entre a Pátria e o sol

na regência angular do verso

vasto em cada rio atravessa a alma


que

da cidade

escolhido furtivo olhar dos


pelo

candelabros

onde empenho minha alma fluvial


3.
escolhido furtivo olhar dos
pelo
0TOeço
as manhãs olhando as árvores candelabros muito há um
perto
Ativam
rastros e mastros rostos e universo aberto
astros
onde empenho minha alma fluvial nas
Pesam-me
as como um País águas das exiladas deste livro
pálpebras páginas
°bre
os ombros na desnuda do
pele
ngoma
In Fisionomia do Limite

qual as flores se ausentam do suor
°mo
Uma colecção invariável de signos
nternece
a vida conquistada ao silêncio
as casas fúnebres

ntre
a luz e a sombra dos múltiplos

^nhos
aceito a intensidade da rosa
Permanece
em mim o ensaio do riso no
Percurso
do reino

0
gesto longitudinal e o vislumbre
(]P°s
°Uro
místico numa azul-
paisagem
j

°utro
noivado entre a Pátria e o sol
, f
a Urri
cálice de rosa
branca
regencia
angular do verso alguém lê
Ve]L °
as crônicas
de zian

em cada rio atravessa a alma


que
^ Clflade
nas linhas de sonho de um
rosto

*
Tr aJano
Nankhova Trajano nasceu em Luanda em 1958. Publicou A Morte do Pão

^r°nte*ra Lágrima Terra Nova


(1995), (2000), Pedestal de Argila
(20^'
1), Melodia da Água(2003), Caminhos da Mente e Fisionomia do Limite
(2004)
U005).
Frederico Ningi

Poente Calisto

IV

Vem esparzinho apodar os indiscretos

do molho das

manifestações apenas reflectem


que

extrema cobardia

destes corruptos tempos dos diamantes

às amantes do

petróleo e as maças de Durban as

mansões de

Portugal e de Cô

te d'Azur implantação da bela


pela

nação rasguemos os véus dos


gostos

pequenos (deles

os contra todas as misérias


predadores)

das -
guerras

de cupidinho e vendado
(des)gracioso

VII

Contra as mortes em massa iguais

acontecidas na

Fenda da Tundavala nos das


quintais

nossas ruas e nos

falsos campos de batalha - in/

felizmente a morte só

não existe - como as da


palavras

imediata fulgurância

dos ditos dísticos militares


políticos

igual às amon-

toadas deslocadas misérias


A MINHA MÃO

SEM GUERRA E

MUITA GARRA

A MINHA TERRA

SEM GUERRA COM

GUERRA

A MINHA MÃO

A MINHA TERRA

COM GUERRA

NA MINHA MÃO

TINHA UM PÃO

A MINHA MÃO

É O ROSTO DA MINHA

TERRA

A MINHA MÃO

É O ROSTO DA

MINHA

GUERRA

Títulos
de Areia

nasceu em Benguela em 1959. Publicou Os Ci'mbalos


dos Mudos
Ningi
'• Infindos
Infindn x nas
nns Onrlnc o TW»«/^<» rlr> A /OnnQ\
Ondas
(1998) e Títulos de Areia (2003).
João Tala

Notas do Meus Gatafunhos


povo.

Demasiado o verso fulcral em bocas de

traumatizados

são lágrimas devotas o diálogo sem


pão;

volto aos a língua do


problemas, puxo

oprimido e

com a caneta verbal o debate repousa

nos seus enormes olhos tempestuosos,

achados na

de meus - A
política geral gatafunhos.

das bocas
gíria

em rebelião.
Muitas
palavras

As
mesmas
palavras largadas ao chão
cheias
de

Caminhos.

mesmas
palavras esquecidas
^gadas
nos

Caminhos.

alavras
boçais repletas de
tempestades.

pa]
Vras insatisfeitas repetidas nos
c°rnícios
1 .
£ ris
Palavras convulsivas
palavras
Co«iplicadas

Palavras
vazias destemperadas
mcertezas;

tedio
das muitas
palavras palavras!
as essas
palavras como nos
ofuscaram

't-uém
mais se lembra. Esquecemo-
lfls
nos

tc°mícios.

N UtlCa
mais lhes daremos o valor da
Palavra

humana

rri
nossas
vidas lidas nos comícios.
Aunca
mais.
O meu
poeta

É uma ortografia tangível memória

habitável

os seus de líricas;
passos

é de assim assino o
palavras que

homem;

enche o tempo e os cadernos do tempo;

de alma em barro confecciona


pequenos

dias

de longas líricas, o meu


poeta.

Quem o escuta?

Cabe na minha ortografia como a

saudade da

[palavra;

é um deus de coisas líricas.


pequeno

De assim o homem explode a


palavras

ortográfica tangível - alma da


roda

gente;

ou como entendia a notícia de mãos

textuais

no corpo da palavra.

In Lugar Assim

João Tala nasceu em Malange em 1959. Publicou em


poesia A Forma dos Desejos

0 Gasto da Semente (2000), A Forma dos Desejos


(1997), II e Lugar Assim
(2003)

(2004).
Carlos Ferreira

Desço à cidade de fininho Aqui

como experimenta caminhar o


quem pela poeta

primeira vez vende-se a


pouco pouco

criança a descobrir... rasga as amarguras

destila o fel em tibas diárias

Estão as mãos ensaio coragem fingida


geladas

sussurrando uma melodia Aqui

de infância - o frère morreu


jacques talvez a potência

sobrevive a sublime filha da


putice

0 coro é o vento mais a chuva de estarmos todos à venda


quase

molhando as idéias

clamando este irrequieto tremor In Exílio


Quase

do ártico a subir minhas


pelas

entranhas

Aqui

mistério
profano

havia um sonho e um
punho

sem esmolas ocidentais

(nós, os anti-imperialistas !)

Aqui

sagrado coração de maria

o o
poder para povo

era em areia movediça


Carlos Ferreira nasceu em Luanda em 1960. Publicou Projecto Comum (1982),


Projecto Comum II O Homem dos 4 Andamentos Começar
(1983), (1985), de Novo

(1988), Voz à Solta Namoro o Mar Ressaca A Angústia do


(1991), (1996). (2000),

Um e Exílio
(2001) Quase (2003).
Luis Kandjimbo

Na rota do
poente

Em 1853 fui o a caminho Nas colinas, rios e savanas


para poente, planuras,

de Moçambique. demandei terras.

Com a minha comitiva, armei as Já tinha atravessado rios como o

últimas cipundas Liambeje e o Kuvango.


perto

de Ngalangi. 0 comércio era o nosso Depois encontrei o Rovuma. Quando

horizonte. Em cheguei no
povo

Kakonda a casa do meu chamado Va-Lungwana, me


procurei

tetravô. Depois em disseram.que era ali onde

Cikomba, na aldeia onde, no viviam também osVi-Ndjungu.


passei

lugar do meu pai,

reinar em Kandingi, herdando


podia

algum de
poder

outro tetravô. Falei-lhes sobre minha

angústia de

invenção: ler na natureza a cartografia

e os caminhos.

Todos disseram seguir os rios,


para

compreender as

árvores, a vegetação e os animais.

Acatei me
quando

disseram: mais importante são as

encontras
pessoas que

no caminho, levar-te-ão sempre aos


que

mandam e vão

te a travessia. Se
pedir portagem para

não pagares,

terás intermináveis azares no caminho,

os homens da

tua comitiva morrerão, certamente de

doenças

estranhas. Mas, ouve, importante

mesmo são os animais

e os caminhos indicam sempre o


que

rumo de longe.
A chave e a
porta

Sou eucalipto. Sou chave desta Diz a porta:

fechadura. Se fores meu amado

Na e verdejante Durmo com a porta ti


estação húmida para

Demando do mistério 0 corpo do meu amado


a
porta

Todas noites ímpares são estações E como eucalipto


as

húmidas

Sou eucalipto. E vem a do Diz-me a porta:


porta

mistério Hoje trouxeste

Um molho de lenha o
Doa fronte do tesouro para fogo

As minhas entranhas estremecem

És a do tesouro. Sou chave


porta

mistério In De Vagares a Vestígios


Acolho as do
profundezas

E ousas novos aprendizados

Diz a
porta:

A chave não é Vou tossir


pequena.

A chave não é Afasta-se a


pequena.

porta

Corno a de boi raspa porta

Luis nasceu em Benguela em 1960. Publicou em A Estrada da


Kandjimbo poesia

Secura e De Vagares a Vestígios (2000).


(1998)
José Eduardo Agualusa

Correm mabecos

Correm mabecos

Por desertos de vento e de bruma

Correm cobertos de espuma

Os olhos abertos

Nos dentes o sôfrego latido

Correm num correr


perdido

Cobertos de espanto e de espuma.


Neto bisneto de Jagas

Neto bisneto de Jagas

Tenho no sangue o lume do sangue

Das noites longuíssimas de espanto e

temporais

Das noites eriçadas de


presságios

E
punhais

Tenho no sangue a morte

Neste sangue

Onde dormitam calados

Os chacais.

In Coração dos Bosques

José Eduardo Agualusa nasceu no Huambo em 1960. Publicou em Coração


poesia

dos Bosques
(1991).
Ana de Santana

Égua-mãe

há uma deusa nos meus mares

cavalo de sonhos
(égua?)

crocheteio a cada dia


que

no seu dorso
para

o desejo,
pousar

com tanto mar entre os corpos

tanto longe rente aos olhos

a deusa ensina-me a oferecer

uma concha de mãos com água

às bocas de dos deuses


pedra

o sol em cada dia


germinando

a alma aprisionada
procurando

em cada teia nós tecida,


por

o espírito adormecido

em cada esquina do labirinto

nossos ombros talhado


por

mesmo na cavalgada do sonho

depois da cor dos lábios

colhida em cada rosa plantada

da voz sempre reinventada

em cada canção

o faço
que

é os seus olhos.
procurar

Ana de Santana nasceu em 1960. Publicou Odores, Sabores & Sonhos


(1985).
Antônio Gonçalves

Redacção

No meu País

não há carteiros.

Há carteiras sempre cheias...

...vazias latas

de NIDO/ carteiras...

Quando os carteiros

regressarem ao meu País

a minha carteira vazia

às crianças de rua)
(monumento

falará todos os idiomas.

Veremos o as CARTEIRAS CHEIAS


que

vão depositar no balaio

de CARTAS mal baralhadas

Não vá haver BANDEIRA!!!

In Adobe Vermelho da Terra

em 1960. Publicou Gemido de Pedra


Antônio Gonçalves nasceu em Luanda

Vermelho da Terra e Buscando o


Versos Libertinos Adobe (1996)
(1994), (1995),

Homem (2000).
Amélia Dalomba

Corpos de algodao

Bailam

nas ruas da terra

secas
plantas

na estiagem, enquanto

charcos inundam os bairros

canos rotos da indiferença


pelos

Larvas

larvas inundam as noites

insónias bailado em cada

passo

Mulher equilibrista

da fome

uma bacia de tudo o vende


que

e não come

Bailado dos cabides

na Asa Branca

ao Roque

a cobrir nossa

nudez de linho

seda

e corpos de algodão
peles
Voar

Kwiti-kwiti

como invejo

tua liberdade

Será engano

teu ar sereno e feliz

Que sabes do outro

lado do mar

Manco do

caminho entre as
pedras

dilaceradas calcanhar
pelo

Enquanto meu espírito

voa longe nas asas

nas madrugadas

do teu
perguntar

Kwiti-kwiti

lev a-me contigo

quero voar

In Espigas do Scihel

Amélia Dalomba nasceu em Cabinda em 1961. Publicou Ânsia


(1995),

Sacrossanto Refúgio e Espigas do Sahel


(1996) (2004).
Fernando Kafukeno

Manhã de
peixes

os visitam
peixes

as sem de prata
praias jeeps

e a boca da alga devolve

a semente da súplica
ao tempo

os tomam forma
peixes

no sangue dos oceanos


humana

do mar criam
e os crocodilos

os visitam as
rios peixes

em de prata
praias jeeps
A doçura dos teus lábios

hoje vou enviar-te

um brisa
poema pela

hás-de recebê-lo

na número 69
porta

da rua
jota

o cantará
poema

o sol dos teus olhos

e falará aos pássaros

a doçura do bairro operário

e mais nos teus lábios a

candura da tua voz será o


poema

hoje vou enviar-te

um brisa
poema pela

In Sobre o Grafite da Cera

André Domingos, nasceu em


Fernando Kafukeno, de Fernando
pseudônimo

Bê-Ó Ala Máscara do Litoral (1997),


Luanda em 1962. Publicou Boneca do (1993),

da Cera e Missangas! kituta (2000).


Sobre o Grafite (2000)
Conceição Cristóvão

Repressão e memória das coisas

Conheces os mil braços da noite?

Movem-se traiçoeiros. Iminentes.

... e a noite só. Sem luar.


geme

Irritantemente lentos

Queimam desejos. Fazem apressados

funerais.

Resta a memória das coisas.

In A Voz dos Passos Silenciosos


Ritos

a cobra descobre

se

ao deslocar

se

deixa rasto.

a cabra cobra

se

no óbito

há choro de mutudi.

¦ •.rasgar a noite negra?

se

e só se no

se lê:

-
o riso da morte

é único

e redondo.

como um final.
ponto

In Amores Elípticos

Conceição Cristóvão nasceu em Malange em 1962. Publicou A Foz dos Passos


Silenciosos Amores Elípticos
(1990), (1996), Idade Digital do Verso
(2002) e Pela
Porta da Palavra
(2003).
J.A.S. Lopito Feijóo K.

É tão maduro

o veludo da
pele parceira

surpreendente

cristal fino e
puro

independente

acontece sempre
quase

feito mar aguado

corpo despido

vermelho e teso

beijo de tanto concentrado!


prazer
Rosa cor de rosa

Jura

Liberta

De tanto ardor

Pura coberta

De tanto amor

Tanto. Tanto mar

Mais teu ser fluorescnte!


Mal /dito soneto de amor

Trepadeiras Mortos e feridos


pragas.

cortinas semelhantes

como em templos
jazidos

misteriosamente, evaporam-se os

cantantes

a olho cru são bem visíveis

os desastres da
guerra

tormento/sofrimento, tudo
quase já

emperra.

- Inquietações de
quem espera

mudanças
possíveis

leitores de curtem só estâncias


poesia

matando assim incríveis distâncias

entre e
povo governantes.

Entre tanto, crepúsculos


prometeram

e como d'antes

cintilantes

categoricamente aprimoram: -

Minúsculos!

In Cartas de Amor

J.A.S. Lopito Feijóo K. nasceu no Lombe, Malange, em 1963. Publicou em


poesia
Doutrina Rosa Cor de Rosa, Corpo-a-Corpo Cartas de Amor
(1987), (1987), (1990)
e O Brilho do Bronze-Haikais
(2005).
Antônio Panguila

CABEÇA AO CULTO DA

FECUNDUIDADE

cabeça ao culto da fecundidade, ó

muxima tatá

afoga o nzumbi ia ngongo agora o


que

ngoma

beija a caridade celestial da tua

salvação

BRAÇO abraça a neblina do


profeta

que no flui

do condimenta a coreografia
geográfica

do teu verbo

MÀO remexe as tetas da tua sanga

agora a mocidade das


que

pálpebras procura o calórico

zumbido da
pulsação

PERNA a sensação de beleza nos


que

desperta

entre o da dicanza
gastroritmo

PÉ PALANGANA
QUE

INDAGAÇÃO!!!
130

Mukonda dia uanga


Coro

cuspiu o suspirado
na noite enrugada

viveiro a suspirar

o dia está a sangrar

Coro
o dia está a sangrar

o dia está a sangrar.


o dia está a sangrar

o dia está a sangrar

o dia está In No Caminho Doloroso


a sangrar das Coisas

mukonda dia nguzu

do
parte parto

encanta a kizomba

Coro

o dia está a sangrar

o dia está a sangrar

o dia está a sangrar

mukonda dia umba

xinguila a kissangua

Antônio Panguila nasceu em Luanda em 1963. Publicou 0 Vento do Parto


(1993)
e Amor Mendigo Está representado na
(1997). antologia No Caminho Doloroso das
Coisas
(1988).
Sapyruca

Aritmética
elementar

Ânsia + açaimo =
x desidratação

Eclipsol

E o resto?

Beber a náusea no cálice da esperança.

In
Quando o Sol Nascer Comum
Sobre a velhice da idade da
pedra

Caçadores de azagaias em mística

procissão

Sentam-se à volta da chama da noite

Arrastam recordações ocultas no útero

estéril do
passado

E contam histórias do futuro violado

eutanásia
pela

E ao som do deserto menstrua


que

Eles cantam a menopausa do fogo da

noite

Aqui e além estão imersos em

naufrágios

Mas cantam e cantam. Oh! Eles (en)-

can-tam

E marcham vitoriosos sobre a velhice

da idade da
pedra.

In Erosão do Fogo

Sapyruca, de Antônio João Manuel dos Santos, nasceu em Luanda


pseudônimo em

1963. Publicou o Sol Nascer Comum e Erosão do Fogo


Quando (1995) (2002).
Antônio Pompílio

Kuanza

a lágrima do kuanza

na dança da mágoa

os tocadores de dicanza

a voz do canto

na foz do kuanza

ao ritmo da água

na lágrima do kuanza.

In 0 Sal dos Olhos do Mar


1
L

134

A sina da
pátria

Sob a luta e o luto. 0 acordar do

silêncio. A alva obscura

na metrópole dos sentidos. Mar

absorvido na retina do

sonho. Sempre esta flor. Qual rosa

escarlate coloriu de

sangue na fronteira da mão a sina da

Pátria?
555

555 cães
guardam 555 bois: não há

pasto, os
pastores
recolhem o leite nas vacas desnutridas.

a manada está

silenciosa, a matilha ouve 555


gemidos
de silêncio, e

°s criam ninhos nas


pássaros 555

estradas da metáfora

do número.

in Simetrias

Antônio Pompílio nasceu no Lobito em 1964. Publicou em 0 Sal dos Olhos


poesia

(1997) e Simetrias (2003).


Carla
Queiroz

Declaração

Nasci

No ventre desencantado da serpente

No leito das sementes


guarnecido

Cresci

Nos trapos sujos do desespero da rocha

Encaracolada e desfeita
pelo projecto

do cão

Multipliquei-me

Na corrente do desequilíbrio cívico dos

sinistrados

Como uma espécie de insecto


que

pernoita no zumbido

Da argola e do conto

Morri sem uma bela insígnia

distinguindo minhas intimidades

Sem uma coroa bonita ao redor do meu

sonho

In Os Botões Pequenos Sonham com o

Mel

Carla Queiroz nasceu no Kwanza-Sul em 1968. Publicou Os Botões Pequenos

Sonham com o Mel (2001).


Ondjaki

que o amor é rosa e cacto

e espinho,

e eu sou
prosa e pranto

e vinho.

do canto e do verso
quero
a curva anunciada.

do manto e do inverso,
peço
a lareira inapagada.

e feliz, não morto um triz


por

quero luz apalpar.


para

que o amor é onda e asa

e frio,

e o vento fez-me aterrar.

In Ac tu Sanguíneu
Para
por paz

libélulas avoam danças

aranhas cospem tranças;

morcegos ralham noites

ursos linguam
potes;

rapozas agalinliam-se

ondas engolfinham-se;

carochinha avoa voa

dorme à toa:
preguiça

toupeiras entunam-se

grilos estrelam-se;

noites adescaem

estrelas agrilam-se

eu libelulizo-me.

Ondjaki, de Ndalu de Almeida, nasceu em Luanda em 1977. Publicou


pseudônimo

em Ac tu Sanguíneu e Há Prendisajens com o Xão


poesia (2000) (2002).
Poesia moçambicana,

ecletismo cie tendências

Ana Mafalda Leite

Memória
fundacional

excetuarmos o caso isolado da Msaho, número único, e


poesia, gráfica

de Rui de Noronha nos esteticamente inovadora, dinamizada


poesia

Se anos trinta do XX, é de Virgílio de Lemos. A nota de


século pelo poeta

fato na década de 1940 começam a apresentação dessa folha revela a


que
despertar as vozes de heterogeneidade característica dos
primeiras poéticas poetas

Moçambique. nela colaboraram, e que números


que

E, se olharmos o não contrariar,


retrospectivamente posteriores puderam

literário a folha foi de imediato censurada.


panorama daquela ex-colônia porque

portuguesa, isso acontece com a Definem-se na nota de apresentação

publicação da revista Itinerário desta folha os dois eixos fundamentais

(mensário de letras, arte, ciência e da moçambicana, que


poesia

crítica), se regularmente continuarão a revelar-se nas décadas


que publicou

de 1941 a 1955, tendo aí colaborado seguintes. Por um lado, uma de


poética

entre outros, Duarte Galvão, cariz social, ligada à realidade


José

Craveirinha, Kalungano, Noémia de moçambicana e às correntes neo-

Sousa, Orlando Mendes, Ruy Guerra, realistas; outro lado, uma


por poética

Rui Knopfli, Rui Nogar, Fonseca de feição mais universalizante e

Amaral e Glória de Sant'Anna. relacionada com o movimento

Aí se faz uma amostragem reveladora Convém assinalar neste


presencista.

do ânimo começa a despontar nos domínio a atividade do Reinaldo


que poeta

de Moçambique. A corroborar Ferreira1, foi colaborador de


poetas que

esta manifestação, saliente-se a edição Msaho, assim como Alberto Lacerda,

em 1951 de Poesia em Moçambique,


1
Recorde-se a ligação de Reinaldo Ferreira à
separata editada Mensagem, via
pela
poética presencista, que foi evidenciada quer
Casa dos Estudantes do Império.
pelo próprio José Régio quer por Eugênio
Em 1952, um ano depois, surge em Lisboa, ambos reconhecendo a
grande
Moçambique uma importante folha de literária daquele autor.
qualidade
Duarte Galvão (heterônimo de Virgílio amadureceria ao longo da década de

de Lemos) e Noémia de Sousa, 1950. A ela ou estiveram


para pertenceram,

citar alguns dos mais representativos. ligados de uma forma ou de outra, José

Reinaldo Ferreira (admirador do Craveirinha, Noémia de Sousa, Rui

trabalho da Noémia de Sousa) Nogar, o autor destas linhas, o


poetisa pintor

viria a marcar, até os nossos dias, uma Antônio Bronze e o cineasta Ruy Guerra,
"cinema
rica tradição estetizante na celebrizado novo
poesia pelo

moçambicana, a destaca, brasileiro".2


que

exemplarmente, de outros Pelo depoimento crítico de Rui


países

africanos de língua Knopfli, e diversas declarações de


portuguesa. por

Mantendo-se na época uma certa alguns dos autores, se inferir


pode que

heterogeneidade na os vários marcados suas


produção poética poetas, pelas

moçambicana, destaca-se a diferencialidades estéticas específicas,


poesia

vibrante, embora um breve, mantinham entre si uma relativa


por período

de Noémia de Sousa, apontava, no convivência troca e tertúlia, a


que que, por

final da década de 1940, uma todos terá sido benéfica.


para

da africanidade, com intuitos Mas se aqueles dois Orlando


poesia poetas,

vincadamente sociais. Mendes e Fonseca Amaral,

Também entre 1955 e 57 o representaram na cena literária

suplemento de O Brado Africano, bem moçambicana um de relevo,


papel

como a da revista Paralelo enquanto elementos capazes de


publicação

20 ou ainda o suplemento proceder à aglutinação de tendências,


(1957-1961),

do Notícias constituíram tal como se confirmou opinião


jornal (58-59) pela

espaço de muitos dos citada, virão a ser, no entanto, os


publicação para poetas

moçambicanos dessa época. No José Craveirinha e Rui Knopfli, os mais


poetas

entanto, dois Orlando Mendes e significativos fundadores da


poetas, poesia

Fonseca Amaral, contemporâneos de moçambicana, e intérpretes da

Noémia de Sousa, terão desempenhado moçambicanidade, enquanto confluência

na década de 1950, de acordo com a de temáticas sociais, esteticamente

orientadas
opinião crítica de Rui Knopfli, um por uma dinâmica intertextual,

importante aglutinador na simultaneamente endógena e exógena.


papel poética

moçambicana. Lê-se no artigo de Rui A modernidade e a consciência do fazer

"A literário
Knopfli: importância da sua obra revelam-se na criação de um

Mendes) e sobretudo as novo literário, diverso do


(Orlando paradigma

ela sugeria seriam metropolitano, estes dois


propostas que que poetas

devidamente assinaladas e em concretizam, e os torna duas


postas que

evidência ação o figuras incontornáveis a


pela que jovem poeta para

Fonseca Amaral desenvolveria - um caracterização da moçambicana.


pé poesia

colocado na Polana aristocrática, outro

mergulhado nas areias suburbanas do ~ "Breve


KNOPFLI, Rui. Relance sobre a

Alto Maé - como elemento dinamizador Actividade Literária", in Facho Sonap, n.° 30,

e aglutinante da intelectual Lourenço Marques,1974, 6-8.


geração que p.
A Voz de Moçambique e a revista função das especificidades formais e
Caliban,
publicadas na década de temáticas das suas escritas.

1970, em vésperas da independência O José Craveirinha,


primeiro,

política, animadas Eugênio Lisboa, mostra-nos como a sua


por poética assimila

por Rui Knopfli e Antônio e retransforina, exemplarmente,


por Quadros o
-
insólita figura da criatividade conhecimento da língua e da literatura

heteronímica na -
poesia moçambicana caldeando-os nas raízes da
portuguesa,
assinala um
período de confluência da literatura oral moçambicana.

poesia moçambicana com a modernidade O segundo, Rui Knopfli, convoca uma

da em língua
poesia portuguesa e dimensão dramática a sua escrita,
para
estrangeira, num tempo em a simultaneamente devedora de uma
que
censura
política se tinha agudizado. herança intertextual múltipla do

Com efeito, a consciência do fazer ocidente e de um enraizamento obtuso

literário, encenada na textualidade no telurismo local.

dramatizada, do
par Craveirinha &

Knopfli simboliza também tal Décadas de 1980 e 1990

confluência; estes os dois sobre


pilares
os assenta a
quais poética moçambicana, Os anos de independência
primeiros

que se revela a da década de trouxeram a da


partir publicação poesia
' 980, representada, entre outros, histórica da Poesia de
pela guerrilha,
obra de diferentes autores como Combate, tendo-se feito a sua
publicação
Heliodoro Baptista, Sebastião Alba, em três volumes (1977, 78, 80), bem

Luís Carlos Patraquim ou Eduardo no decorrer da


como década de 1980, a

white, apenas referir alguns dos edição das obras dos


para poetas Sérgio

nomes mais significativos. e de Marcelino dos


Vieira Santos.

As obras de Craveirinha e de A dos anos 1980 a edição da


partir
Knopfli são responsáveis coleção Autores Moçambicanos,
pelo por
estabelecimento de uma Instituto
tradição iniciativa do Nacional do Livro

fundadora da modernidade na e do Disco (INLD) de Moçambique, em

literatura moçambicana, enquanto conjunto com as Edições 70 de Lisboa,

garantem o referencial de continuidade vieram trazer uma diferente,


poesia que
e sistematicidade3. Nas suas múltiplas vertentes mais intimistas
procura e uma

vertentes, os autores africanizaram consciência da matéria


e séria verbal e da

reequacionaram essa modernidade, dívida intertextual,


em com a
publicação

de obras de Luís Carlos Patraquim,


3 u
"
Rui Knopfli vai, fazer da plêiade Sebastião Alba, Jorge Viegas e Albino
pois, parte
de escritores responsáveis
pelo estabelecimento Magaia.
de uma tradição verdadeiramente fundadora
Entre estes merece destaque
poetas,
da literatura moçambicana, enquanto garante
especial Luís Carlos Patraquim, uma
o referencial de continuidade e sistemacidade.''

NOA, das vozes mais inovadoras da atual


Francisco. Literatura Moçambicana:

Memória e Conflito, Maputo, moçambicana, inaugura


Imprensa poética que
Universitária UEM, 1997, revisitações à história literária
p. 117.
moçambicana, recuperando e aglutinando escrita de Grabato Dias, manifesta-se na

tendências de escrita, reiventando crítica e de Filimone


poesia paródica

tópicos, como a indicidade e os roteiros Meigos.

das ilhas do norte, reconfigurando uma Já no final da década de 1980, em

língua herdeira da metáfora Inhambane, outro de no


grupo jovens,

craveirinhica e do cosmopolitismo se destacam os Guita


qual poetas Júnior

knopfliano, num ritmo elegíaco com o e Momed Kadir, faz editar um caderno

(desen)canto da civil. literário, Xiphefo se mantém


guerra (1987), que
Por outro lado, a sua animação do em irregular. A sua
publicação poesia
"Gazeta
de Artes e Letras" da revista discursiva é fortemente marcada
pelos
Tempo, mais tarde assumida Nelson temas da violência da e
por guerra pelo
Saúte e por Gilberto Matusse, descrédito dos sentidos humanos.

desempenhou nessa» época um Fátima Mendonça, em colaboração


papel

importante na revelação e encorajamento com Nelson Saúte, faz a


publicar

de novas vozes moçambicanas. Antologia da Nova Poesia Moçambicana


poéticas

Marco importante o em 1993, este reeditará,


para publicação que

aparecimento de novos autores foi com o título Nunca Mais é Sábado,

também a criação, em 1982, da AEMO, acrescentada e reformulada, em 2004.

edição de várias coleções de Com um trajeto singular, a de


que promove poesia

livros (aí publicam, entre outros, ao longo Nelson Saúte revela uma herança do

da década de 1980, Calane da Silva, memorial intertextualizado das diferentes

Heliodoro Baptista, Juvenal Bucuane, estéticas da escrita moçambicana.

Filimone Meigos, Júlio Carrilho, Leite de A década de 1990 veio trazer a


paz

Vasconcelos, Gulamo Khan) e dois anos a um de mais de uma década


período

depois um de escritores cria de civil, bem como o fim do


grupo jovens guerra

a revista Charrua virá marxista. Com exceção da


(1984-1986) que projeto

a revelar os nomes dos importantes poetas publicação irregular de Lua Nova

Armando Artur e Eduardo White, (AEMO, 1994), e do êxito da revista da


que

enveredam uma lírica telúrico- internet MaderaZinco, dinamizada


por por

amorosa e erótica, recuperando, este Rogério Manjate - ator de teatro,

último, a vertente indica da contista e — os


poesia poeta projetos de novas

moçambicana e a vocação de um oriente revistas literárias como Aro Juvenil ou

imaginário, convocado suas marcas Oásis não tiveram continuidade, mas


pela

de historicidade e hibridação no trouxeram o empenho de novos autores,


país.

Oscilando entre o verso e a ecleticamente divididos entre a a


prosa poética, prosa,

a escrita de Eduardo White flutua entre o e as artes Entre outros,


poesia plásticas.

arroubo visionário, com vertentes fazem dessa crítica de


parte geração

místico-dramáticas, a ousadia rebelde de desencanto os Chagas Levene,


poetas

um ícaro desencantado e a dádiva Celso Manguana e Dinis Muhai,


que

inocente de um estremoso de aguardam em livro, e Jorge


guardador publicação

sonhos. Outra tendência, mais Matinê e Ruy Ligeiro, recentemente

descontrutivista, irrevente e herdeira da publicados.


A voz da memoria

José Craveirinha

Reinaldo Ferreira

Glória de SantAyna

NoEmi \ de Sot s\

Fonseca Amaral

*
Virgílio de Lemos , •
A
jV f !
JW
Hei Nogar

Rui Knopfli

Mutimati Bar.nabé João (Antônio Quadros)

Jorge Rebelo

l . •'#!

jpPlilimXI

kV,

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A rua Consiglieri Pedroso, o "chiado"
de Lourenço Marques - Moçambique

(Foto: losé dos Santos Rufino, em


Álbum fotográfico e descritivo da

Colônia de Moçambique, 1929.


Acervo BN.)
José Craveirinha

Hino a minha terra

0 sangue dos nomes Oh, as belas terras do meu áfrico País

é o sangue cios homens. e os belos animais astutos

Suga-o também se és ágeis e fortes dos matos do meu País

capaz e os belos rios e os belos lagos e os belos

tu não os amas
que peixes

e as belas aves dos céus do meu País

Amanhece e todos os nomes eu amo belos na


que

sobre as cidades do futuro. língua ronga,

E uma saudade cresce no nome das macua, suaíli, changana,

coisas xítsua e bitonga

e digo Metengobalame e Macomia dos negros de Camunguine, Zavala,

e é Metengobalame a cálida Meponda, Chissibuca,


palavra

os negros inventaram Zongoene, Ribáue e Mossuril.


que

e não outra coisa Macomia. Quissimajulo! -


Quissimajulo!

E Inhamússua, Mutamba, Gritamos


grito

Massanguloü! nossas bocas autenticadas no hausto da

E torno a Inhamússua, Mutamba, terra.


gritar
Aruângua! -
Massangulo!!! Responde a voz dos

E outros nomes da minha terra ventos na cúpula das micaias.

Afluem doces e altivos na memória filial

e na exacta desnudo-lhes a E o luar de cabelos de marfim nas


pronúncia

beleza. noites de Murrupula

Chulamáti! Manhoca! Chinhambanine! e nas verdes campinas das terras de

Morrumbala, Namaponda e Namarroi Sofala a nostalgia sinto

e o vento a agitar sensualmente as das cidades inconstruídas de Quissico

folhas dos canhoeiros dos chindjiguiritanas no chilro tropical

eu Angoche, Marrupa, de Mapulanguene


grito

Michafutene e Zóbue das árvores de Namacurra, Muxilipo,

e apanho as sementes do cutlho e a raiz Massinga,

da txumbula das inexistentes ruas largas de

e mergulho as mãos na terra fresca de

Zitundo.
Pindangonga a xidana-kata nas redes dos
pescadores

e das casas de Chinhanguanine, da Inhaca

Mugazine e Bala-Bala a maresia no remanso idílico de Bilene

nunca vistas nem sonhadas ainda. Macia


jamais ,

Oh! O côncavo seio azul-marinho da o veneno da mamba no capim das

baia de Pemba terras do regulo Santaca

e as correntes dos rios Nhacuaze, a música da timbila e do xipendana

Incomáti, Matola, Púnguè o ácido sabor da nhantsuma doce

e o espasmo das águas do o sumo da mampsincha madura


potente

Limpopo. o amarelo da mavúngua


quente

Ah! E um cacho das vinhas de espuma o da cuácua na boca


gosto

do Zambeze coalha ao sol e o feitiço misterioso de Nengué-ua-

e os bagos amadurecem fartos um Suna.


por

um

amuletos bantos no esplendor da mais Meus nomes dos tempos


puros

bela vindima. de livre troncos de chafuta umbila e

E o bailar do chango e da rnucarala


pungente

impala livres estradas de água

o meio olhar negro do xipene livres tumefactos de sêmen


pomos

o trote nervoso do assustado livres xingobelas de mulheres e crianças


egocero

a fuga desvairada do inhacoso bravo no e xigubos de homens completamente

Funhalouro livres!

o espírito de Mahazul nos da


poentes

Munhuana

o voar das sécuas na Gorongosa

o rugir do leão na Zambézia

o salto do leopardo em Manjacaze


Grito Nhazilo, Eráti, Macequece

e o eco das micaias responde:

Amaramba, Murrupula,

e nos nomes virgens eu renovo, o seu

mosto em Muanacamba

e sem medo um negro as cinzas


queima

e as de corvos de
penas

agoiro

não corvos sim manguavavas

no esconjuro milenário do nosso

invencível Xicuembo!

E som da xipalapala exprime

os caninos amarelos das


quizumbas

ainda

mordendo agudas intumescidas


glandes

de África

antes da circuncisão ébria dos tambores

incandescentes

da nossa maior Lua Nova.

In Chigubo

José Craveirinha nasceu em Lourenço Marques


(Maputo) em 1922
(f2003).
Publicou Chigubo(19(A), Karingana Ha Karirigana
(1974), Celal Maria
(1980),

(1988), Babalaze das Hienas Maria


(1997), (1988). Edições Poemas da
póstumas:
Prisão e Poemas Eróticos
(2003) (2004).
Reinaldo Ferreira

Eu, Rosie, eu se falasse, eu dir-te-ia

Que partout, everywhere, em toda a

parte.

A vida égale, idêntica, the same,

E sempre um esforço inútil,

Um voo cego a nada.

Mas dancemos; dancemos

Já temos
que

A valsa começada

E o Nada

Deve acabar-se também,

Como todas as coisas.

Tu
pensas

Nas vantagens imensas

Dum
par

Que paga sem falar;

Eu, nauseado e
grogue,

Eu vê lá bem,
penso,

Em Aries e na orelha de Van Gogh ...

E assim entre o eu e o tu
que penso que

sentes

A nos une - é estar ausentes.


ponte que
O
ponto

Mínimo sou, mas ao nada


quando

empresto

A minha elementar realidade,

O Nada é só o resto.

In Poemas

Reinaldo Ferreira nasceu em Barcelona em 1922 (fl959). Edição de


póstuma

Poemas (1960).
Glória de Sant'Anna

Poema do mar

0 vem do mar. o sol for manso


pescador Quando

Traz rosto de frio sal madrugada,


pela

e olhos de longa mágoa. voltará à água,

voltará à água.

(Ai, que rede tão larga

rede tão larga.) rede tecida


que (Ai,

de esperança e cuidado...)

Seu corpo é vestido

de búzios e algas, In Poenlas do Tempo Agreste

e deixa na areia

um rasto de
prata.

(A rede o segue
que

ai, como se arrasta.)

0 vem do mar
pescador

e não trouxe nada.

Irá caminhando

pela madrugada.

Glória de SanfAnna nasceu em Lisboa em 1925. Publicou Distância (1951),

Música Ausente Livro de Água Poemas do Tempo Agreste


(1954), (1961), (1964),

Um Denso Silêncio Azul Desde o Mundo e 32 Poemas de Intervalo


(1965), que

(1972), Amaranto e Solampo (2000).


(1988)
Noémia de Sousa

Se me conhecer
quiseres

Se me conhecer, Se compreender-me
quiseres quiseres

estuda com os olhos bem de ver vem debruçar-te sobre minha alma de

esse de África,
pedaço pau preto

que um desconhecido irmão maconde nos dos negros


gemidos no cais

de mãos inspiradas nos batuques frenéticos dos muchopes

talhou e trabalhou na rebeldia dos machanganas

em terras distantes lá do Norte. na estranha melancolia se evolando

duma canção nativa, noite dentro. . .

Ah, essa sou eu:

órbitas vazias no desespero de a E nada mais


possuir me
perguntes,
vida, se é me
que queres conhecer. . .

boca rasgada em feridas de angústia, não sou


Que mais um búzio de
que
mãos enormes, espalmadas, carne,

erguendo-se em de implora e onde a revolta de África


jeito quem congelou

ameaça, seu inchado de


grito esperança.

corpo tatuado de feridas visíveis e

invisíveis 1949

pelos chicotes da escravatura. . .

Torturada e magnífica, In Sangue Negro

altiva e mística,

África da cabeça aos


pés,
-ah, essa sou eu:

Noémia de Sousa nasceu na Catembe, Maputo, em 1926


(|2002). Publicação da

sua obra em Sangue Negro


(2001).
Fonseca
Amaral 151

Karamchand

0 Guru, a hora de, teu discorrer,


de olhos tão antigos, Chega-se por
tem seu alguns de nós,
miúdo comércio se escancararem, para
numa loja corredores, arcadas e
de imprevistos
penumbras
Sorri
portões.
e as mãos, tornam-se, a daí,
magros insectos amestrados, Karamchand partir
tudo apertam coisas tão imponderáveis,
num retrós de todas as
perfeição.

sagradas, abissais,
germinando
ke a um sob o resfolegar asmático do
curto petromax!
gesto
a um milimétrico acto

impõe sacralidade, mundo maya é ilusão,


O

°s lábios insistes madrugada


escravos, esses, petrificado,
salrnorliam adentro,
o cântico da compra-e-

venda: rasgando-te a boca o cinzel verbal do

(Buíça Mali! Teka bassela! Buíça! Lankavatara.

Teka!) Mas Karamchand, Mestre, desperta,

"
rio murmuro sua barca te deu o sol no rosto.
que já
tem, solarmente, de
percorrer.

Passa a mão e uma púcara


de água

Escurece. Fecha esses olhos tão antigos,


a Mestre. por
porta,
Enquista-te, aranha, no canto mais volta aos agulhas e linhas
panos,

obscuro. - tua habitação diurna -

Não te torças, detrás do sórdido balcão.


por

sicomoro batido de vento.

Não te espreguices, Será mesmo de sombras o mundo

felino de olhos maya,


acendidos.

Mas tu, Mestre, lança essa teia, ó meu iludido,


guru

saliva irisada de sombrio baneane de raízes ao vento,


palavras,
agita os braços, distende os músculos, lingam murcho, frio,

à espera de bala ou ou eco... sem amoroso a demandar?


pedra já porto

In Caliban

Fonseca Amaral nasceu em Viseu em 1928 Edição de Poemas


(f1992). póstuma

(1999).
Virgílio de Lemos

Insólito, um espanto espantado

de si mesmo

1 Bolsa minha
a mãe

Quando eu nasci a vinte e nove, olhos azuis e loura


que tangava e sabia

espanto meu nadar

Breton inquiria sobre o Amor no e o craque fez valsar Chicago Londres

mundo. Frankfurt

A minha mãe lhe mandasse e libra-ouro rainha


pedi que fez rir meus tios

recado José e Cisco

que ele não tempo com fez tremer os


perdesse cofres do tesouro, lbo não

desencantos, mais foi capital.

que fizesse amor sem nem Salvo no


gramáticas meu coração. Pobre João

sutras. Baptista santo e fortaleza.

Minha mãe riu. Um inquérito ela


para

toda de ironias 3

é uma forma de medir dos outros o eu


Quando nasci em vinte e nove

saber e o sentir. tesoureiro dos CFM

E todos sabem o Amor é a meu


que pai João jogava xadrez com o

espiritualidade irriga Mário do Rui


que pai

o corpo e a Arte. Desde sempre. Desejo.

Desde o Amor. da Lara,


[e

todos Pereiras, Lemos, Mendes, Sérgios

2 da ruptura,
judeus

Quando eu nasci em vinte e nove, como Leiris e Pessoa


grito atentos aos botões

de revolta da camisa,

a meio do mar, eu vela eu balão ao chapéu de feltro e ao Panamá

iboisado saudei o mundo camisa de seda alpacas

o dadaísmo Kafka Dostoiévski Tchekov triangulações


[inglesas Lisboa-Haia-

Camões e Eça, Assis, Veneza, lbo-Goa-Rio

[Graciliano e todos universalistas, bem mediterrânica

Pau-Brasil de Andrade. melancolia no olhar.

Os velhos me falaram do Rio capital de

Moçambique, 4

pimenta ouro e escravatura início dos eu nasci em


Quando vinte e nove

Oitocentos. temporalidade sem tempo

Quando eu nasci surpresa rebentei a sem antes nem depois kimwane-persa


Salomé meio cega

falava na Babilônia Constantinopla

Sevilha, barrocos, sedas

e talvez isso em mim este ar


por guarde

de espanto

espantado de si mesmo, borgiano como

se adivinhasse as coisas

ávido de liberdade, interior solto, -


corpo

sereno face à morte

seio, exuberância, em mim dos


gozo

deslimites.

In Eroticus Moçambicanus

Virgílio de Lemos nasceu em Lourenço Marques (Maputo) em 1929. Publicou

Poemas do Tempo Presente Objet à Trouver (1988), UObscène Pensée


(1960),

d'Alice Ilha de Moçambique: A Língua é o Exílio do Sonhas


(1990), que (1999),

Negra Azul Eroticus Moçambicanus (1999), Lisboa, Oculto Amor e


(1999), (2000)

Para Fazer um Mar (2001).


Rui Nogar

Guarda com transistor


prisional

(no fundo do corredor)

um farrapo de música nos basta

para remendar

esta longa

longa solidão

lenta
que

e a
passo passo

nos arrasta

para os becos fraternais

duma nova nação

um farrapo de música apenas

Cadeia Central Machava, 1966

In Silêncio Escancarado

Rui Nogar, de Francisco Rui Moniz Barreto,


pseudônimo nasceu em Lourenço

Marques em 1932
(Maputo) (f 1993). Publicou Silêncio Escancarado
(1982).
Rui Knopfli

Pátria

Um caminho de areia cristal súbito de uma um


solta conduzindo o gargalhada,
a
parte soluço

nenhuma. As árvores indizível, a lasciva surdina de corpos


chamavam-se

casuarina,
enlaçados.

eucalipto, chanfuta. tambores de simulando


Plácidos os rios Os paz guerra.

também Esta

tinham nomes não se terá feito anunciar tal forma


por que era costume por

designá-los.

Tal como as aves remota e convencional. Mas o sangue


sobrevoavam
que
rente o matagal adubou

a terra, estremeceu o coração das

e a floresta rumo verde árvores


ao azul ou ao

mais denso e, meus irmãos, meus inimigos

e misterioso, habitado deuses e morriam. Uma


por
duendes só e várias línguas eram faladas e a

de uma mitologia não vem nos isso,


que
tomos e tratados estranho também
por que pareça,

que a tais coisas é costume consagrar- chamávamos pátria.

se. Depois,

com vaiados, elevações e e De restam as


planuras, quatro paredes pedras.

mais rios Com as folhas

de zinco e a madeira ferida dos

entrecortando a savana, e árvores e travejamentos

caminhos, uma casa. Partes de um


perfaziam

aldeias, vilas e cidades com homens corpo

dentro, desmembrado, dispersas ao acaso,

a estendia-se a de vista vento e silêncio


paisagem perder
até ao capricho de uma linha se atravessam e nelas não dura a

imaginária. A isso memória

chamávamos Por vezes, de


pátria.

algum recesso em mim, residual, subsiste. Sobre


que

escombros deveria,

obscuro, erguia-se um canto bárbaro e talvez, chorar e infância, os


pátria

dolente, mortos
que
lhe a morte, o e o Ladeado de sombras e árvores,
precederam primeiro o

derradeiro caminho de areia,

amor. Quatro tombadas ao se dizia conduzir a alguma,


paredes que parte
acaso e isso bastou abria

para no era só mundo, todo o


que, que

mundo entrasse o mundo. A experiência reduz,


para

porém,

e o polígono demarcado, conservando a segunda à das asserções:


primeira
embora mundo
pelo

a original configuração, fosse se alcança nenhuma;


percorrido parte se restringe

por ficção

um arrepio estrangeiro, uma e ao exíguo


paisagem mas essencial:

premonição de legado
gelos

e Inverno. Algo lhe alterara de é só


palavras, pátria a língua em que
imperceptivelmente me digo.

o minado secreta,
perfil, por pertinaz

enfermidade. In O Escriba Acocorado

Semelhante a outro, o lugar


qualquer

volvia meta

e de conceitos como
ponto partida, que,

a linha imaginária,

circunscrevem, mas de todo eludem, o

essencial.

Rui Knopfli nasceu em Inhambane em 1932 Publicou O País dos


(fl997). Outros

(1959), Reino Submarino Máquina de Areia Mangas Verdes com


(1962), (1964),

Sal (1969), A Ilha de Próspero O Escriba Acocorado Memória


(1972), (1978),

Consentida-20 Anos de Poesia O Corpo de Atena e Monhé das


(1982), (1984)

Cobras (1997). Edição de Obra Poética


póstuma (2003).
Mutimati Barnabé João Quadros)
(Antônio

Para sul

Na noite em Senti o musgo e os bichos crescerem nas


que passámos o Rio

Rovuma minhas costas

Apontei Sul com o nariz, com o Podia vê-los crescer nas tuas costas
para
coração, com os camarada da frente
pés
Fiquei completamente Também com esta terrível doença da
orientado
para
Sul impaciência nas costas

Com esta terrível doença da febre da só nos deixa, camaradas, livres de


Que

coragem ir para Sul

Que só nos deixa, camaradas, fugir 0 nariz, o coração e os pés apontando.

para Sul.

Levo a arma atravessada na bandoleira

Na noite em o Rio e vou Sul.


que passámos para

Rovuma A Razão nos leva Sul,


que para

Fiquei completamente a camaradas


torcido para
frente E é a nossa arina melhor
que

Com a minha vida como um trilho engatilhada apontando

direito Para todos os lados ao mesmo tempo.

Com esta terrível doença da alegria da

garganta In Eu, o Povo

Que só nos deixa, camaradas, cantar

para Sul.

Na noite em o Rio
que passámos

Rovuma

0 Sul estava sempre na minha frente

teimoso

E como uma árvore de messassa que

fosse andando

Mutimati Barnabé João é um dos heterônimos do Antônio Nasceu


pintor Quadros.

em Viseu em 1933 Publicou Eu, o Povo


(f1994). (1975).
Jorge Rebelo

Nunca aceitámos

Nunca aceitámos.

Éramos como árvores altas

Que se curvam o vento é forte


quando

Mas sabem

Que a submissão é temporária

Acumulámos ódio nos corações

Destreza nas nossas mãos

Balas nas nossas casas

Os nossos filhos mediam o seu tamanho

Pelo tamanho das espingardas

A angústia da espera
pesava-nos

Como uma esperança sem termo

(...)

Mas a espera não ser eterna.


podia

Somos como árvores altas

Que não ser domadas.


podem

(1969)

In Mensagens

Jorge Rebelo nasceu em Lourenço Marques em 1936. Publicou


(Maputo)

Mensagens
(2004).
MOÇAMBIQUE

dos anos 1980


partir

Sebastião Alba

Heliodoro Baptista

Leite de Vasconcelos

Júlio Carrilho

Calane da Silva

Manuela Sousa Lobo

Albino Magaia

Jorge Viegas

Juvenal Bucuane

Gulamo Khan

Julius Kazembe

Afonso Santos

Mia Couto

Almeida Culo

Filimone Meigos

Ahmando Artur

Eduardo White

Guita Júnior

Momed Kadir

Nelson Saúte

Amin Nordiní

Adelino Timóteo

Sônia Sultuane

Chagas Levene

Rogério Manjate

Celso Manguana

Dinis Muhai

Jorge Matinê

Ruy Ligeiro

SONGARE OKAPI
Sebastião Alba

0 ritmo do
presságio

A tinta das canetas

reflui de antipatia

e impregnadas, assíduas

cambam as borrachas

Não há fita de máquina

o uso não esmague


que

o vaivém não ameace

de dessorar os textos

Mas a nada diz


grafia

de na cabeça
pausas

Vozes inarticuladas

Adensam, durante elas

uma tempestade

recôndita

E nubladas carregam-se

as suspensões

encandeando em nós

o ritmo do
presságio.
Subúrbio

Onde há casas menores com portas


abertas

por sobre os espaços a luz orna


que
entre as
palmeiras

e vultos amanhecem envoltos


que

em lençóis de a noite suja escorreu


que

a manhã
pousa

nos das mulheres se elevam


pulsos que
com ela

e meninos negros alteiam-se

no flanco das mães

de olhos a esperança estria


que já

Os comerciantes assoam-se

de varanda varanda
para

retribuem devagar a amizade

Que os meninos trazem fora


para

Das tarefas diárias

As luas carcomidas no sítio das

fogueiras

Enfiadas murmuramente em seus

colares.

In O Ritmo do Presságio

Sebastião Alba nasceu em Braga em 1940 Publicou O Ritmo do Presságio


(f2001).

e A Noite Dividida Edição de Uma Pedra ao Lado da


(1974,) (1982). póstuma

Evidência
(2001).
I 1

Heliodoro Baptista

Thandi

escrevemos na
pele:

a morte não existe

porque já dormimos sobre ela;

se se alguma coisa? não, meu


passa

amor;

ou seja, absolutamente tudo!


passa-se

e o tudo é o
pão

que nunca houve neste nada;

(mas o nada será o de tudo,


princípio

estas longas servidões humanas);


esquino, te reescrevo, Thandi; e se

tenho
palavras

é imito o canto
porque

de uma ave fecundada adulta;

(claro que o lirismo não se ou


prende
rotula:

aceita-se tarde ou se nega e muito

cedo);

mas o tem boca:


poeta

as metáforas o seu ardil,

para que outros leiam

o ele nunca disse.


que

Maio de 1983 das versões)


(uma
Malangatana Ngwenha:

onde o teu Guernica?

réplica e desenhos oferecidos em 1991)


(Uma aos quadros
quatro

Dizias, «Sim, Mas não te iludas, irmão do Zé e do


no mim: às
poema para

minkulungwanas Nogar,

com a sintaxe dos novos oráculos.


que anunciam o fim do sangue

transformado

em Descolonizámos o me digam,
verde sangue, cheio do húmus do quê,

futuro...» se o tempo desprende-sé-nos

Hoje, da dos dedos?Já não interessa


perscruto a luz do mundo que ponta

vibra saber matou o Cão Tinhoso


quem

e se e porque Malidza é uma pedra preciosa


apaga a línguas bifurcadas.
junto

Agora, se os nhamessoros vivem no fundo dos


escrever dizendo fui
podemos

nascido rios.

e tu estavas à minha trás. Isso dói tanto?

Porque todo o liberta


grito

um fogo adormecido. E dormimos 3

Esgrime, na defesa e no ataque, os


muito,

essa lua da luz emudeceu tantos. pincéis

Isso do teu e na tua aringa


não dói? gênio junta, já

cercada,

Chichorro, Samate, Idasse, Pádua,


2

o mapa das verdades tem de ser outro; Malangatana,

sobrevivemos Eugênio de Lemos, Mankeu, Antônio

de um extenso dicionário tradicional de Quadros,

Dunduro, Sitoe, Shikani e ainda Ciro e


mentiras.

Já a bandeira do lobolo, Naguib,


queimaram

os silêncio do [todos os outros


xiricos decidiram-se pelo

canto. a festa
para

A fisga há no fogo imortal dos acrílicos.


e o carrinho de lata que

são Riscar o nome de Chissano, seus


raras de museu.
peças

Isso dói mais? poemas

Sabe -se na madeira, não é crime?


um a gramática,
pouco

a E isso também não dói?


praxe das
palavras.
4
Desligue-se a arte do compromisso
Sofre, bebe, droga-te, anda de cócoras, imprudente,

mostra o falo às turistas tagarelas,


preencha-se, no sangue, a água limpa
na insistência dos na
jeovás, perfídia da sabedoria.

do deus da igreja universal. Explica, nas línguas


que sabes, o
que
A é como a morte:
paciência malabarismo

cola-se-nos às calças, à declinação vai entretendo os circos. A dignidade


bantu, só existiu como língua.
que cultiva-se

Pede ao Rangel revelar os filmes


para sem estender, estranhamente, a mão à
da nossa tolerância ante o é
que rosa-dos-ventos.

infiável.
I orque, com Picasso em Guernica,
Quem visita a campa de João Dias, há a sua reincarnação nos tantos, mil
Fonseca Amaral,
Rwandas e
do Reinaldo, Fani Ffumo, Matateu, do Burundis.

Rui de Noronha?
E assim dói menos,

E isso ainda dói, de um doer súplice?

quando não dói?

In Nos Joelhos do Silêncio


5

Tu sabes ser o animismo,


que

a cabala os incrédulos oficiantes


para

deste fracturado, expondo


país o osso

da miséria,

faz-nos regressar às origens,


pela magia

dos símbolos,

mas de bem firmes 110 centro


pés da

respiração.

Heliodoro Baptista nasceu em Gonhane, em


Quelimane, 1944. Publicou Por cirna
de Toda a Folha A
(1987), Filha de Thandi e Nos Joelhos
(1991) do Silêncio
(2005).
Leite de Vasconcelos

Ser

nada é só o resto.
(o

Reinaldo Ferreira)

Ferreira mínimo Reinaldo

empaludado de crepúsculos

corrigia o Marx capital

contra todos os cálculos

num do café habitual


guardanapo

Cadeias e nada são o resto

que se tem a na tempestade


perder

mas esqueceram-se Marx e o Manifesto

do mínimo tomado à humanidade

que Reinaldo encontrou no


guardanapo
Partidos

Espera-se destes cefalópodes

façam esconjuros
que

e salvem o no fim da missa


país

Preferiram na Suiça
pô-lo

a render
juros

In Resumos, Insumos e Dores

Emergentes

Leite de Vasconcelos nasceu em Arcos de Valdevez em 1944 Publicou em


(f1997).

Irmão do Universo e Resumos, Insumos e Dores Emergentes


poesia (1994) (1997).
Júlio Carrilho

Flamingo

0 dobrou-se sobre
pescoço

o corpo róseo

uma encolhida descansa noutra


pata

transformada em estaca

o flamingo adormece em si o horizonte

como flor espetada no pântano

In Dentro de Mim Outra Ilha


(TAMBORES)

São os tambores da noite

distantes

são as folhas das bêbedas


palmeiras

constantes

são as das brisas


pinceladas

sibilantes

são os lussúnguis finos

a o apetite discreto
panejar

dos amantes

(SÓ BRILHOS)

No ibericamente mulato,
preto

na negra branca
goesmente

ficou uma mensagem de saudade.

Triste saudade de conchas

cheia dos lampejos da maré vazante!

Só brilhos e lembranças

do medo me acompanhava na
que

machila.

Será foi o medo me


que que

transfigurou o
gosto?

ou foi um simples sortilégio sulista

de timbila?

In Nónumar

Júlio Carrilho nasceu em Pemba em 1946. Publicou Dentro de Mim Outra Ilha

(1995) e Nónumar
(2001).
Calane da Silva

Pontuário nocturno

No cabaret

Afogamos os subúrbios

Espetados nos nossos olhos

Vendo Mundinho

Libertar o dedos nas teclas

Do órgão electrónico.

Lá fora, agressivo

O néon risca arabescos

No alcatrão da rua

Multinacional dos passos.

Aqui

Confessadamente
prisioneiros

Explodimos no álcool

Poemas clandestinos

Certos

Do Dia há-de vir!


que

In Dos Meninos da Malanga


Dos serões da ilha
poéticos

De oitocentos os serões da Ilha recordo E nas mesquitas, capelas, templos de


nos salões
xiva e
pagodes
a os dramas, a música, a arte
poesia, Aculturavam-se em harmonia outras
companheira
vozes e acordes

pelo poeta as frágeis donzelas sentidas


pulsando preces de Muhipiti, canções
os corações
libertadas.

versos da moçambicana voz de Campos

de Oliveira.
In Lírica do Imponderável

As noites corriam céleres e


quentes

encantavam

com o e a citara vibrando as


piano

vozes tropicais

pelas portas e reposteiros muthianas

espreitavam

esses senhores e senhoras dedilhando

seus ais.

Lá fora na sem Camões e


praia

Gonzaga na memória

macuas de Cristo e Mahomed cantavam

outra história

de xeques, noites de djinis e escravas

revoltadas.

Calane da Silva nasceu em Lourenço Marques em 1945.


(Maputo) Publicou em

poesia Dos Meninos da Malanga


(1982) e Lírica do Imponderável
(2004).
_

Manuela Sousa Lobo

nos dias em eu de mar desenrolei o teu turbante


que gosto

desenrolo à minha volta um e a trança caiu-te costas


pelas

pensamento húmido

e faço versos como faz colares o brilho de um rubi de vidro


quem

aquece o lento
gesto

a luz arredonda-se na tarde dos dedos do teu


não há estrutura na sintaxe es macio


profunda

da doce
pele

e dedilho ziguezagues

na das frases e
persiana proclamo

descomplico-me Calcutá

displicente a capital do mundo

morna

(inéditos)

ponta dos dedos/teclas

mamilos são acentos

no verso alexandrino

do corpo

Samarcanda desperta

mais cedo do as outras


que

telhados

antenas

cúpulas

Manuela Sousa Lobo nasceu em Lourenço Marques (Maputo) em 1946.


Albino Magaia

Descolonizámos o Land-Rover

Já não é carro cobrador de impostos E hoje é militante mecânico

Nós descolonizámo-lo. Um desviado reeducado

Já não é terror entra na Uma


quando prostituta reconvertida em nossa

povoação companheira.

Já não é Land-Rover do induna e do Descolonizámo-la e com ela casámos

sipaio. E não haverá divórcio.

É vellio e conhece todas as De Iete


picadas que a Cabo Delgado

pisa. Do Niassa a Gaza

É experiente este carro britânico Da sede ao círculo


provincial
Seguro aliado do chicote explorador. Este
jeep saúda
quando passa
Mas nós descolonizámo-lo. 0 Caterpillar, seu irmão

No matope e no areai Outro descolonizado fazedor de


Sua tracção às rodas estradas
quatro

Garante chegada às machambas mais E cruza-se com o Berliet atarefado


distantes Ex-pisador de minas

Às cooperativas dos camponeses. Eles aprenderam com a G3

Entra na aldeia e no centro


piloto

Ruge militante nas mãos seguras do Menina vanguardista na mudança de

condutor rumo

Obedece fiel a todas as manobras A


primeira a saber e a
gostar
Mesmo incompleto falta de A diferença
por peças. antagônica
- Descolonizámos
o Land-Rover Entre a carícia libertadora das nossas

Com nossos mãos


produtos

Comprámos o combustível consome E o aperto sufocante


que e opressor do

Com nossa inteligência inimigo servia.


que
Consertámos avarias surgem As mãos dos
que operários o fabricam
que
Com nossa luta São iguais às mãos dos operários da
Transformámos em amigo este inimigo. nossa terra.
O

Nós, descolonizadores, Essas mãos inglesas o criam


que
Libertámos o Land-Rover Um dia saberão
que ajudaram a fazer a

Porque também ficou independente, revolução

afinal E vão levantar o fechado da


punho
Transformaram-se os objectivos sohdariedade.
que
servia. Ruge este militante nas da
picadas
Zarnbézia

Galga as difíceis estradas de Sofala

Passa de iManica
pelos pomares
Pelo milho de Gaza

Pelas de Iiihambane
palmeiras

Na cidade de Maputo descansa.

Transporta os olhos dos


pelo país

estrangeiros amigos

Que conhecer de a nossa


querem perto

Revolução

-
Descolonizámos uma arma do inimigo

descolonizámos o Land-Rover!

Aquelas rodas de um motor


quatro

potente

Aquela cabine dos mecanismos de

comando

Aquelas linhas de carroçaria irmanadas

ao medo

Já não afugentam o
povo:

Homens, Mulheres e Crianças do campo

Fazendo sinal ao condutor, pedem

boleia.

Nós descolonizámos o Land-Rover

Por isso o não foge.


povo já

ín Assim no Tempo Derrubado


ki4)

Minhas mãos

Cactos fuzilando desespero!

Estas são minhas mãos

desenhando malangatanas escultores

pintando chissanos cubistas

no ritmo certo da viola erótica~

de todos os zeburanes

poetas~dedilhando marrabentas fálicas

Estas são as minhas mãos

bebendo o néctar do Planalto

na mais surrealista escultura shetane

com xitukulumucumba unipé e

monocular

usando arma de
pólvora

Estas são as minhas mãos

cúmplices desta boca de cajú

murmurando ditados de tinhlolo

numa esteira debaixo da mafurreira

Carícias
gêmeas

minhas mãos de timbila

Aiuêê!!!

In Trilogia do Amor

Albino Magaia nasceu em Lourenço Marques em 1947. Publicou


(Maputo) em

poesia Assim no Tempo Derrubado e Trilogia do Amor


(1982) (1999).
Jorge Viegas

Do meu
país

Do meu as aves se ausentaram


país

e com elas se foi a vida, a alegria.

E os nos versos cantaram,


poetas, que

foram de morte e de
pássaros

melancolia.
Subversão

O subverte a paisagem.
pintor

0 subverte os da
poeta planos

linguagem.

O subverte os homens
guerrilheiro

mensagem.

Subverte. Subvertemos.

Subvertidos fomos.

A subversão devemos

A estatura do somos.
que
Canção de Bagarila

Em Bagarila, com os deuses da noite,

Sei de lado sopram os ventos em


que

África,

E a alma das corcovada,


pedras,

estática,

Ensina a caso o inimigo se


permanecer,

afoite.

Vila Cabral, a 32
quilômetros.

Planalto de Lichinga.

Uma cidade armada,

Arame-farpada

Até aos dentes.

0 inimigo, e nós,

Sabemos entrementes,
que,

As Kalashs cantam,

Estremece Inhaminga.

O inimigo move-se no arco dos

azimutes.

Célere é a impulsão dos bidons de

gasolina.

Ao longo da negra vertigem do asfalto.


c? o

Baionetas caladas

Perfuram a noite.

Permaneço de
pedra.

Transmudado em basalto.

In 0 Núcleo Tenaz

Viegas nasceu em em 1947. Publicou Os Milagres (1966),


Jorge Queliinane

0 Núcleo Tenaz e Novelo de Chamas (1989).


(1982)
Juvenal Bucuane

A raiz e o canto

Minha voz, raiz deste chão,

sopro fiel

e canto deste esfalfado


peito

neste instante exacto

aprestado a sacrifícios...

Voz às obrigações
presa

do
quotidiano premente

que a
percutem

como ao nervo crispado,

mas canto solto

para a lucidez

dos a terra cavam


que

não enterrar a vida


para

mas desenterrá-la:
para

as alturas sulcam

não com naves destruir


para

mas com andaimes construir.


para

In A Raiz e o Canto
Aquela branca
pomba

Tal como a concebeu Picasso


que

no seu lúcido simbolismo,

era linda

aquela branca
pomba

era de
paz!

Sem vacilar

quilhava com o seu forte


peito

o negrume da noite;

nas suas alvas


plumas

levava a miniatura dum enorme


país

feito de homens

no amor e na fraternidade;

levava a miniatura de um mundo novo

feito de homens

na solidariedade universal!

e... de repente,

suas se tisnaram de vermelho.


plumas

Picasso não havia imaginado isso

Na concepção da sua branca


pomba

A sua obsessão era a Paz!

In Requiem com os Olhos Secos

nasceu no Xai-Xai em 1951. Publicou em A Raiz e o


Juvenal Bucuane poesia

com os Olhos Secos Segredos da Alma e


Canto (1985), Requiem (1987), (1989)

Limbo Verde
(1992).
Culamo Khan

é um xirico um beija-flor

uma andorinha um vaga-lume

é xituvana

MOÇAMBICANTO I

Céleres as águas

Zambezeiam memória
pela

Das almadias do silêncio

Nem o zumbido da cigarra

me entontece

nem o troar do tambor

me ensurdece

os sulcos são
que

sulcos das nossas esperanças

Oh
pátria

moçambiquero-te

neste alumbramento

e amar-te

devo-o à carne e ao nervo

deglutidos em revolta.

In Moçambicanto

Culamo Khan nasceu em Lourenço Marques


(Maputo) em 1952 e faleceu em 1986,
no acidente aereo
que também a morte
provocou de Samora Machel. Edição
póstuma de Moçambicanto
(1990).
Julius Kazembe

Changara

Engoliram luas as crianças de Changara.

Os olhos delas são tristes sem


pássaros

vôo

que no desespero da fome acumulada

comem estrelas como se fossem de


grãos

milho.

as sementes secaram nos


Quando

campos

e o sangue secou nas veias dos rios

e a seiva secou nas veias das plantas

e o sol secou os celeiros da aldeia

serpentes famintas silvam em volta

do cindido. Uma toupeira chora


peito

ao frêmito dos imbondeiros. Grave,

arde sobre a erva amarga a dor:

Das luas engolidas crianças


pelas

quantas tardará a ecoar nos jornais?


Adiemos os brindes mais tarde
para

quisera ter as mãos tem a água


que

para quando vertido sobre ti

te até ao último favo


permear

contigo traçar um cesto de vime

decantam-nos as estereofonias

nos decibéis se evadidos da


própria

nudez como um alambique


gotejamos

na dádiva da resina final

crês o tropel antigo dos fuzis


que

cessará nesse instante de espantar

os fulvos da nossa infância?


pássaros

crês mesmo amor reencontraremos


que

intacta a da tia sumbí?


palhota

oh!adiemos os brindes mais tarde!


para

In Gazeta de Artes e Letras da revista

Tempo

Julius Kazembe, de Fernando


pseudônimo Júlio de Sousa Júnior, nasceu na Beira
em 1955.
Afonso Santos

Coleccionador de
quimeras

Quando as minhas angústias

Começam a morder-me

Ponho-lhes a trela

Saio à rua a
passeá-las

E deixo-as ladrar

Ao tédio transeunte

Depois asas
ponho-lhes

E deixo-as voar

como
pássaros

em busca de
primaveras

imprevisíveis.

In Coleccionador de Quimeras

Afonso Santos nasceu em Lisboa em 1954. Publicou Coleccionador de Quimeras

(2000).
Mia Couto

(escre)ver-me

nunca escrevi

SOU

apenas um tradutor de silêncios

a vida

tatuou-me nos olhos

janelas

em me transcrevo e apago
que

SOU

um soldado

se apaixona
que

inimigo vai matar


pelo que

Fevereiro 1985
Sotaque da terra

Estas
pedras

sonham ser casa

sei

porque falo

a língua do chão

nascida

na véspera de mim

minha voz

ficou cativa do mundo,

nas areias do Índico


pegada

agora,

ouço em mim

o sotaque da terra

e choro

com as
pedras

a demora de subirem ao sol

Junho 1986

In Raiz de Orvalho e Outros Poemas

na Beira em 1955. Publicou em Raiz de Orvalho (1986) e


Mia Couto nasceu poesia

Raiz de Orvalho e Outros Poemas (1999).


Almeida Culo

A rola canta

tru-cru-tru

tru-cru-tru

Canta algures

nos olhos cansados

e ausentes de sono

E não sei

se é a rola canta
que

Ou se é a memória dela

que ressoa

Deitado

E a rola canta
que

nos olhos fechados sem sono

dentro de mim

In As Metamorfoses da Alma

Almeida Culo nasceu em Lourenço Marques


(Maputo) em 1955. Publicou
As Metamorfoses da Alma
(1998) e No Rosto dos Símbolos
(2003).
Filimone Meigos

Intertextualidade

-Em
caixa alta, aos de Maio; tindozolé e um tambor
poetas

encanto de amor natural.-

uma citação de Gorbatchov)


(Acrescente-se

Já somos todos tambores, somos somos cidadãos dum existe


já país que já

tambores só oneroso o custo de da


que produção

mas erra definição? paz


quem por

Errare humanum est nossa nosso


paz, poder

o amor não está não. o poder real nós


porque gasto, porque para

Está latente, cheio de e é eu dizer-te assim:


próteses

ser-te útil agorinha mesmo, irmão


proteínas posso

como em todas as coisas amputadas com toda a carga significante

meu amor daí resultante, sem contra-senso.

e depois karingana wa karingana, E eu dizer-te aquilo que sou


poder

alôpwana! e não aquilo tenho


que

Regulo Zixaxa está vivo exercício de espírito


muito mesmo, ele e nós; Macombe e ou maneira de estar, consuetudinários,

Farelay ou seja costumeiros, não somos


porque

Changamire e Xitende, Tchaka e filhos do rei

Mandela. mas ser netos: Pus


porque queremos

uma pedra

Mampsincha? Mampsincha é nossa no edifício da sociedade, mereço

de sempre o meu de caramba!


perdição pedaço pão,

e em lado. Convoca xipalala


qualquer

meu soluço

as tanjarinas não comemos, sim, as II


que

de Inhambane 0 é é saber ser-se, amor


que preciso,

e as de Chimoio. E milho de Mucodza as inocentes da rua Araújo hoje


porque

também. Major Bagamoyo), também são


(rua

espécies melhoradas

da civilização de Sidades e
genética

E caju de Angoche, sim tambor: dizer- Ovnis. Miscigenada

te como, se és? é esta geração a minha, de berços e


É a vida se a razão mora esteiras abraçados


pá,

ainda na dum fuzil...


ponta
livros e tomate soltos aos cifrões,
para SIA-VUMA!

quem puder regatear:

ai a actividade animal! Eurídice negra:


que tal ficasses duma

vez todas às riscas?


por
SIA-VUMA!
Ai a animal...
passividade

In Poema & Kalach in Love


III

«Oh esperance

féconde ambition

de ceux croient
qui

changer le monde»

se a minha mãe uma


plantou árvore,

essa árvore

é muita e até sempre, e se deleita a

bambolear-se belecando-nos

numa errepeemidade sui


generis que
seus frutos têm o sabor destas

gentes que somos nós

obreiros naives da nossa


própria
existência.

Pensar o vermelho dá a
que mesma

sensação a todos?

Há os usam cores não


que

convencionais'

e no universo do seu belo

(no belo do seu universo)

fazem tons amarelados com dós e

bimóis

lás sustenidos de azul clarinho

acastanhados tam tams de mi

e a lua acasala-se a um solo em sol:


Só começar com a seca, apresento- Como?
para
-
te as minhas
(de)limitações:
Vai as raízes (radix), verás que

o Inglês e o Índico. tradição significa passar/transmitir

mensagem

O Inglês faz-me igual a mim mesmo, o tipo ADN tem contexto. Meiose,
que

outro. O Índico faz-me mitose, amiba se reproduz


que

diferente, sou dos está do lado de tipo espécie melhorada, isto é,


que

cá, do ultramar: overseas. Sou integrada no espaço.

o mesmo outro, este, neste tempo e

neste espaço. Sem neve: never. In Globatinol-(antídoto) ou o

Garimpeiro do Tempo

Recomecemos assim: se temos o mar,

então, a nossa nação inclue a

dos outros e isso é amar. Cada um


por

de nós é a súmula de nós

próprios e dos vieram auto-


que pela

estrada marinha: tradição e

modernidade, diferença e sobriedade:

sedimento, musgo, alga,


polvo,

molusco, areia, barco, vela, vento,

corrente, torrente, chuva,

esmeralda e tubarão: o mar e vai e vem,

daí as marés e as tradições.

Filimone Meigos nasceu na Beira em 1960. Publicou Poema & Kalach In Love

Globatinol-(antídoto) ou o Garimpeiro do Tempo (2002).


(1994),
Armando Artur

da Costa do Sol)
(Praia

Aqui a manhã

chega-me inteira

redonda e
geométrica

salgada como o perfume

de sândalo.

é uma manhã de lembranças

maravilhada é a imaginação

da luz, alucinada,

no azul coração do mar.

com ela - o ventre da vida,

os rumores do vento

e os arautos
primeiros

da maturação do amor.

aqui a manhã

chega-me
pura

com as suas asas lisas

como as de Setembro.
gaivotas

(nela a fluorescência da memória

e a incandescência da esperança.)

In O Hábito das Manhãs


(Redimensão)

Os astrofísicos

acreditam

na curvatura do universo.

E eu, carapuça!.
qual quê, qual

Acredito na redoma de água

Que são os teus olhos

Onde inteiro me dissolvo.

Acredito no néctar e no pólen

Que são o feitiço dos teus beiços

Onde secretamente
pouso,

E depois me inebrio

E me ignoro.

Acredito no bosque e na
gruta

Que são a magia do teu delta

Onde, impassível, aguardo pela

Próxima estação.
192

Aqui os homens a barca


perderam

Aqui a terra arde, os rios transbordam

e as marés chegam e
partem.

Aqui o homem é antípoda do homem

e o disfarce cúmplice da vergonha e do

medo.

Aqui tudo se funde da fúria e do

murmúrio

como o relento se confunde com a relva.

Aqui os homens a barca.


perderam

Aqui até a brisa e o lume matinais

Entoam o cântico do descontentamento.

Aqui o rasto e o rosto alegre de


"Harley"

São miragem das rãs do fundo da

pupila.

Aqui nada se espera, nada acontece...

Apenas a espessura dos dias em riste.

In Os Dias em Riste
Rosto de ébano

Retenha a neblina em teu rosto de

ébano

Como resgata a fúria dos


quem

espelhos.

Lúgubres são os olhos amanhecem


que

Na da espuma e da areia
quietude

morna.

Tacteia na da chuva os contornos


pele

Do chão e das vozes que

obstinadamente

Insistem em calar a noite e dobrar o

verso.

Ébrias são as mãos nos lembram a


que

dor

Na aura matinal do amor

desconsentido.

Escuta agora os sussurros vindos das

estepes

Longínquas novas viagens e


para que

novos

Caminhos em teu rosto reprincipiem.


Ao Guita Júnior

Macio é o azul das mãos

Na das aves.
quietude

Suave é a música do lume

Nas crinas de Eros.

Maleável é a curva da lua

No halo do beijo adiado.

Sereno é o olhar da
pedra

Na marcha fúnebre dos amores.

(Mas duro é este ofício de ninguém


que

Nos incumbiu.)

In A Quintessência do Ser

Armando Artur nasceu em Alto-Molocué em 1962. Publicou Espelho dos Dias

fl986), O Hábito das Manhãs Estrangeiros de Nós


(1990), Próprios
(1996),
Os Dias em Riste e A do Ser
(2002) Quintessência (2004).
Eduardo White

Uma relampeja na casa da escrita traz as luzes desde as vísceras,


mão

Faísca. o sangue a ferver nas vias tubulantes,

Troveja. traz a natureza estimulante das

Procura um claro instante a paisagens


para

temos dentro.
aparição. que

*
Pode-se vê-la correr dorso do
pelo

papel,

deitada lado ou do seu modo Não faz mal.


do seu

rastejante,

o ruminante Voar é uma dádiva da poesia.


pode-se vê-la provando
Um verso arde na brancura aérea do
delírio das
palavras,

a sua rasante arrumação, papel,

mão em cada toma balanço,


e leva vozes aquela

não resiste.
delicada
passagem,

rítmica, latejante

ou um nervo animal faz lembrar Solta-se-lhe


que

o animal alado.
a textura do papel.
pedestre
Voa sobre as casas,
Mas a mão voa, explosiva,

no espaço sobre as ruas,


e não cai nem agoniza

sobre os homens que passam,


vibrante onde se comunica.

um pássaro
procura

recolhimento. acasalar.
Voar é um ferveroso para

E no é a medida elementar
que quase
Sílaba a sílaba
do esquecimento

0 verso voa.
A escrita navega

Num estuário de silêncio.

antiga, E se o Que não se


Escrever é uma droga procurarmos?

com desespere, nunca o iremos


uma bebedeira que queima pois

encontrar. Algum sentimento o terá


lentidão

deixado com ele. Estará


a cabeça, pousar, partido

o verso connosco? Provavelmente

apenas a nos coube.


parte que
Aquietemo-nos. Amainemos esse desejo

de o
prendermos.

Não é um
justo pássaro

onde ele não voar.


pode

In Poemas da Ciência de Voar e da

Engenharia de Ser Ave


Sou ao Norte a minha Ilha, os sinais e monge birmanês, clandestino no tempo,

as sedas sobre
que

ali se trocaram e nessa beleza nós se sente e Amo-te sem


que pense.

busco-te e recusas e o
para

mim algum alguma meu amor é esta fortaleza, esta Ilha


percurso,

linguagem submarina encantada,

e busco-te entre as estas memórias sobre as e


pulsional, por paredes

negras enro- ninguém sabe

ladas em suas capulanas arrepiadas, deste a Norte e na Ilha traz


pangaio que

altas, magras, um amânte

frágeis como as missangas e inconfortado. Em tudo habita ainda a


e belas

vejo-te tua imagem,


pelos

seus azuis. viagens o m'siro da tua beleza e das


absurdos olhos Que purificado

eu viajo, tuas

meu amor, tocar-te esses búzios, sedes, a rosa dos ventos, o sextante dos
para

essas tempos,
peixes

vulneráveis são as tuas mãos e em tudo acordas de repente como se


que

também como ardesses

me turbantes e filigranas e naus, águas, ouros,


sonho de garças, pratas,

uma navalha vagas, escravos

não mata, e minhas ausentes, tudo o esta Ilha sou


que arredondada já que que

oferendas ao Norte,

de incensos e nos lembrar. Deito-me, assim,


Java ouros e frutos pode

volúpia. sobre o Sol

tua diáfano como com a funda em meu


Quero chegar à praia praia

um deus, pensamento.

com a música rude e nua do como de

uma In Os Materiais do Amor


palave,

um séquito ajawa, um curandeiro

macua, uma

mulher dance uma índia tão


que

distante, e um
Tenho uma amarela virada
janela para

Oriente. Docemente e sem assombro.

Todos os dias me sento defronte dela

para a olhar. E o vento a bate faz-


que

me um incêndio escrever, desce


para

devagar a rampa onde a vou saltar.


por

Minha e sem fim esta natureza fresca

dos seus vidros, a luz ela é uma


que por

magia tão Tenho a


puríssima. janela

num amo, unido como o


quarto que

sangue verde do vale dela eu vejo,


que

dos livros fechados em seus destinos,

dos aos montes e sem notícias.


jornais

O ar deste está de sorrisos e de


quarto

surpresas, de desgostos irão viver,


que

cheio de lugares ainda não sou.


que

Oiço músicas dentro dele, caladas e

brancas de repente, oiço cores

incessantes e um
poeta que pressinto

esteja a morrer. Leio as o


palavras que

são. Frias. Concretas. Óbvias e desertas.

E a morte é um murmúrio detrás


por

de tudo o sem dizer.


que gritam

In Janela o Oriente
para

Eduardo White nasceu em em 1963.


Quelimane Publicou em
poesia Amar sobre o
Índico 0 País de Mim Poemas
(1984), (1989), da Ciência de Voar e da Engenharia
de Ser Ave Os Materiais do Amor seguido
(1992), de 0 Desafio à Tristeza
(1996),
Janela o Oriente Dormir com Deus e um
para (1999), Navio na Língua
(2001),
O Homem A Sombra e A Flor e Algumas Cartas do Interior Manual
(2004), das
Mãos e Até Amanhã Coração
(2004) (2005).
Guita Júnior

Mãos sobre
farrapo

mas vamos reconstruindo o aos


país

impostos

uns menos outros mais ilícitos


puros

outros antes aos encontrões com


porém

mulalas

a verterem-nos da carne o

hematozoário

mais emergente o donativo mais


que

escasso

fazemos sauna nós mesmos sem idades

em busca da metamorfose
purpúrea

legal

mas é verdade há ainda


que

motobombas

comprometidas com o dever de

necessitar

é verdade

e discursam-se mais dogmas e mitos

as alturas e a vontade submissa

agora estou cinqüenta


pedir

o farrapo e a esmola
para perpetuar

e para evitar falar de bares e copos

vai uma coroa de flores os heróis


para

sempre nos satisfaz mais uma gorjeta

desarraigar as vontades
para

abdominais.
Diário de esperança

(1 de Outubro de 1991)

para este diário de


guerra
há lacunas onde a insónia transborda

mas meço

palmo a
palmo

poro a
poro
cada retalho de carne
que besunta o

aço da alma

uma espingarda um homem

a kalash viva o homem morto

há um homem aqui a meu lado

este homem tem a mulher violada

para sossegar
gatilhos

e baionetas coronhadas na nuca e no

dorso

e filhos órfãos
quase

e é feliz o sol rompe a


quando

madrugada

este homem estabelece recordes de vigília

e não tem uma enterrar


pá para

cadáveres

tem uma baioneta e a


paciência grela
ao anoitecer

erra sob o luar e apela os espíritos como

pode

e mata

a arma mata

este homem mata

e chora

este homem ainda chora

In 0 Agora e O Depois das Coisas


um vinte e dois

esta é a canção dos mares sussurrada faltam-te as essências antigas os aromas

ao relento essenciais

lenta a lua a esvoaçar a negra um enxoval de recordações uma noite


paisagem

obscura morna de luar

haverá sempre um nas trevas e aquela ilha deserta te


grito quase para

depois o silêncio completar o sonho

o negrume tinge dentro a ânsia de


por

todos os medos ainda as noites de equinócio?


guardo

A verdade cardeal com o


que perco

os soldados voltarão? norte?

o voltará deles?
que

não te retenho a mínima feição sequer o

na trincheira fétida a coragem hálito

combalida de terror ocorre-me a sombra do teu a luz


perfil

o asco saturado moribunda a intenção cega-me

de matar ou se apaga miragem a ânsia


qual que

a vítima indecisa de morrer um acende

estilhaço na alma depois volto-me o beru de dentro


para

o teu retrato algures de mim


gangrena presente

camuflado a tempestade é imensa saber onde


quero

estou
vinte e nove

esta minha cidade bela e ancorada ao

tempo

carcomida até ao âmago e

resignadamente

presa ao seu desterro sorri não


para

chorar

tem o céu aberto até à alma e uma

vontade

recalcada: a morte seja órfã de si


que

mesma

choram os homens?

é o caminho
penoso

há no ar ainda os morcegos da última

noite

o medo — sombra negra — assombra


o

presente

desta mudam-se os tempos -


gente

apenas os tempos

In Os Aromas Essenciais

Guita Júnior nasceu em Inhambane em 1964. Publicou 0 Agora e O Depois das


Coisas Da Vontade de Partir Rescaldo
(1997), (2000), e Os Aromas
(2001)
Essenciais
(2006).
Momed Kadir

amor dizer agora meu amor


que

violamos a nudez das dos acesos crepúsculos mortificantes


palavras

e tentamos agasalhá-las das felinas catanas desvairadas

com aquilo não temos das cintilações futuras


que

da inocente natureza ensangüentada

* mistério deste ancestral xicuembo


do

tremulas mãos em recentes ruínas até a morte no cio


quando

estendem um de escorrendo entre os dedos


pedaço papel por

ao solitário feixe de luz de nossas mãos

também se escapa enraivecido irmãos


que

nestes lugares não há espaço In Impaciências & Desencantos


já para

sonhos

não sonham as nossas crianças

morrem todas noites longe de seus

corpos

nunca mais amanhecerem


para

diáfanos

por entre os muros da cidade protegida

a solidão do asfalto

regista de alvenaria
passos

vão delineando novas construções


que

Momed Kadir nasceu em Inhambane em 1965. Publicou Impaciências &

Desencantos
(1997).
Nelson Saúte

Pr o-arqueologia

i.

Da Mafalala um
poeta esconjura

as do mito. 0 Jacrau
quizumbas

lubrico da Polana exilado

já não o cio no andar


jugula

crepuscular das mulheres da Baixa.

Deglutindo o ócio leio-os

devagar entardecer,
pelo

escrevo-me de suas sombras

no desespero de adiar a morte

So a ilusão me concede o desejo

de me aos deuses
parecer

na vocação das imagens


perene

que os homens cultuam.


Ultima noite

A manhã entra espelhos


pelos

com as folhas da neblina.

Deitamo-nos sobre a ilusória

felicidade dos objectos

sem vigília.

A noite nos amou

até às franjas do desespero.

Mas nada sublima a nossa solidão

In A Pátria Dividida
Os amantes não têm ocasião

Com o corpo fulminas a noite.

Desnudas a ausência da luz.

Teus cabelos cintilam no


quarto.

Os teus olhos confundem.


pirilampos

Para o amor todas as estações são

imprevistas.

Por isso ao abandonares a madrugada

o acaso contigo desce à rua ao meu

encontro.

A lua rasga a despida e cinde-se.


janela

0 chão ainda cheira a sândalo. Nele os

estilhaços

de uma estrela incendeiam os teus seios.

Lá fora há uma cidade


possuída pelo

silêncio.

Não a oiço. Dela apenas me lembro na

tua ausência.
Carta

Dorme. Sonha com pássaros.

Eles saem do meu coração.

In A Viagem Profana

Lourenço Marques em 1967. Publicou em


Nelson Saúte nasceu em (Maputo) poesia

A Cidade Lúbrica e A Viagem Profana (2003).


A Pátria Dividida (1993), (1998)
Amin Nordine

Os colibris

Que vão colorir

Ninharias no arco-íris

In Duas Quadras para Rosa Xicuachula


Nosso lar da Mafalala

Nosso íntimo lar da mafalala, Zé

Meio despedaço de zinco tonto ao cubo

Numa banga de tontonto.

Petiscos sons delirando

Nosso íntimo lar da Mafalala, Zé

Nossa a lua macua!

Desmascarada com carícias de m'siro

Nosso íntimo lar da mafalala, Zé

Por morada

Nossa eterna namorada!


Ziarat no Itifaque

Largas vestimentas de túnicas

compridas

Chávena de leite de kir

Para adocicar o ambiente de ziarat no

itifaque

Turíbulo de incenso atazanado Satã

Ao coro de vozes no ritmo da recita

corânica

Raça de crente de Ala

Na missa de livrar o morto da


geena!

In Do Lado da Ala-B

Amin Nordine nasceu em Lourenço Marques


(Maputo) em 1969. Publicou
Vagabundo Desgraçado
(1996J, Duas Quadras para Rosa Xicuachula
(1998) e
Do Lado da Ala-B
(2004).
Adelino Timóteo

observarmos o
É tão lindo e contagiante

país

a do alto, onde nos encontramos


partir

de momento.

ousada, ao tocar na
Fico com impressão

tua boca,

em relação a
vivemos equilibrados
que

O amor não faz


outras nações do globo.

a regra,

de facto. Foi com ritmo o


que

imprimimos

ao iniciá-lo. Confesso foi através


que

desse

dinamismo transpus a angústia,


que

vivi e

emersas desta
reinventei as paisagens

pátria

martirizada destroços de guerra.


por

curar a nossa dor e


0 tempo ajudará a

a ferida

foi a nossa renitente sobrevivência


que

de fogo. É cima
sobre o espelho por

desta prova

ensino o vale
evidente te quanto
que

amar

de triste viver e ser


nesta dialéctica

pássaro,

dentro de uma tênue esperança.

In Os Segredos da Arte de Amar

em 1970. Publicou Os Segredos da Arte de Amar


nasceu na Beira
Adelino Timóteo

através da Ilha de Moçambique (2002).


e Viagem à Grécia
(1998)

..

Sônia Sultuane

o importa se te vais,
que

se ficarás sempre dentro de mim,

o importa se este oceano é a


que que

vida seja longo,

se mais longo consegue ser o meu amor

ti,
por

o importa se esse oceano um dia te


que

tenha roubado,

se um dia uma em mim tenha


gota

deixado,

a minha sede tenha matado,

bebi algo e belo,


puro

importa se esse oceano me haja


que

abandonado,

e a minha houvesse levado,


gota

mas se esse em mim tenha ficado


gosto

cravado.

Voltar a tocar-te

Será sentir-me viva, completa,

Tornara a encontrar-me e a
perder-me,

Neste desejo dói,


que

Voltar a tocar-te será tocar-me

profundamente,

Perder-me e novamente encontrar-me.

In Sonhos

Sônia Sultuane nasceu em Lourenço Marques em 1971. Publicou Sonhos


(Maputo) (2001).
Chagas Levene

Som de sungura abafado

O tipo ao lado não acredita Troca flores


com o latir de cães vadios O som

de vinho
amordaçado por garrafas

sonha com estrelas abandonadas


folguedo Da sexta feira à noite
pelo
Retira-se discretamente
Flores de acácias atirando-se

abraça a noite Com seu andar


Aos esburacados
passeios
caranguejo
Deslembradas

o seu andar Até uma esquina casa


as há-de Com
Aguardam a lua cheia Que
aí torna-se anônimo deste tempo
E
dourar envolvendo

Respira-se do melhor há na
que
Vinte horas

24 de Julho e Julius Nyerere


sussurros
seus corpos de mulheres Sem
Respira-se
música

em os baratos
de batôn a escrever perfumes

não ver a roupa Chawingan da


Finjo
lábios

moda
lamentos de um tipo embriagado

Desapareço no abraço absurdo


de tontonto Na barraca lá
terceira
pela
De mim mesmo
de fundo

com a noite teço projectos


militares Junto
Em só bebem
que
Procuro não segredos
cheios de taco Bebem da guardar
À civil
polícias
a última das estrelas Que sei me
Com
grande

Na barraca da miúda luxo Que também pertencer

Neste momento
vende mbangue

0 som de sungura abafado

um Sony (inédito)
por

transportando reggae sul-africano

Soweto soweto soweto

às três de madrugada A cerveja

nacional acaba

Ataca-se a Lion com o Metical

1971 em Angoche, na de Nampula.


Chagas Levene nasceu em província
Rogério Manjate

Vestido de homem

Estou vestido de homem:

poeira e estrada

fim e luz:

estou inutilmente

diante do espelho

que bebeu o sol todo

e explica ao silêncio

na minha face baldia

que serei apenas sombra.

1998
A-poca-elipse

Contanto viva de
que

abertas
janelas

me avive a luz
para que

e de livros abertos

aconteça o amor
para que

lá aparece deus

esquecido,
pequenino,

frio e diáfano

embrulhado nas palavras

mas bassopa:

ele não ouse


que

o da poesia
queimar papel

se aquecer.
para
2001

(inédito)

Maputo em 1972. Publicou Casa em Flor (2004).


Rogério Manjate nasceu em
Celso Manguana

À memória de Samora Machel

e Carlos Cardoso

Aqui
Meninos regressámos

jaz
a Nachingweya
a
pátria
não temos armas
no último vôo de liberdade
procuramos a
pátria

Paga-se um
preço Pátria
quero
por tudo mãe
Só uma

A morte

Quanto custa
A nenhuma cidadania
quanto custa mesmo
pertenço
amar a liberdade?
conheço

três lugares de exílio


Sangue
o amor
muito sangue
a memória
estrume talvez
a loucura

para regar as causas

só as causas
justas memória
percorrida

loucura visitada
Que dizer da vida
e amores
quantos
quando mesmas armas

Libertam
vou norte
para
e também
sempre morte
para
Matam -minha
pátria-

Mas sonhámos

talvez sonhámos

só a meia-haste
caminho

sozinho

caminho

urino

não

despeço

peço

lume

charro

aceso

prossigo

para

norte

obviamente

para

morte

-minha
pátria

(inédito)

1974 em INampula.
Celso Manguana nasceu em
*
L

Dinis Muhai

Manifesto da
formapoéticamentria

alfa(b) ética

"b"
Um de brutalidade: Como último acto

Genocídios em massa, refugiados ousemos manter

chacinados
presa a crença

Nos campos, envio de o Afro -


próprios jazz de

assistência médica aos campos de filosofias com

Refugiados anulados, alimentos


positivismos à

com destino aos mesmos desviados, luz dos factos.

ONU de soldados Ousemos


prostitutos, povos tomar

de olhar vazio, sabotagem de


prudente reter

Aviões internacionais, a convicção,


governos que o mapiko de

vendem equipamento bélico tonalidades interventivas

Às escondidas, violência Ousemos, ousemos dar


penas
reinstalada no norte, sul, este, leste... de rouxinóis ao makwaia, ao

Fraudes, violações... muthimba, xigubos de exibição,

danças raps de lá das outras

Áfricas, sambas magistrais dos

guetos da baía, virtuais

giros da valsa, exactos

movimentos dum ballet

clássico lá de
perto
doutro mundo, e
para
a nonção
percentuavel

dos factos, nos fadados

rituais de rio logremos

contemplar-lhe a corrente : sua

força, sua velocidade, tamanho

altura, cor, seu seus


perfume,

músculos, espasmos, bramidos

para mesmo mero errar


por
"b"
não o supormos no sistema

In Oásis

Dinis Muhai nasceu em 1974 em Maputo.


Jorge Matinê

Quererei alienar

Vazar os espaços da língua

ainda restam contar


Que para

Sobre bruptas noites

Em contemplarei a renascência
que

Dos corpos simétricos

De suor

Catalogarei em vida

Os espectros umbigos

Atravessados de lugumes e preços

No estudante do pão
partidário

Do baleado sinaleiro
peão pelo

Quererei buscar

Na memória

O cidadão híbrido

Do tempo

Que ninguém semeia.

In Abutres do Amor
Perguntaram
Perguntaram

E eu respondi
Escutei-lhes

Que tu existes, vives aqui és


perto Com silêncio do mar falei
sombra do vento
De ti

Perguntaram
Analua

E disse-lhes

Das tuas culto


(in)verdades de homens
(inédito)

Falei-lhes da ausência

Tua

Viagem ao oriente

A terra das micaias

Perguntaram

Contei-lhes

Que perscrutei o coração

Medi sua densidade moldei o tamanho

Arranjei-lhes
pergaminhos de

Caminhos

Jorge Matinê nasceu em Maputo em 1976. Publicou Abutres do Amor


(1999).
Ruy Ligeiro

Pauta
quotidiana

Cardoso Chongo recitar


para

Este Pois,
poema
0 também é
E ser vendido poeta
para
Filho de Deus
Numa banca do Mercado Central

Tem rendas de casa


Como se vende

Tomate Energias

Contas domiciliárias
Cenoura

Impostos
Ou cebola

E algumas mordomias

ser vendido a pagar


É
para

Pronto

xavani va mamaria
Sem bassela

xavani...

Pois,

lindo ... barato


0 também tem poema poeminha
poeta
o poeta também é
Filhos criar
por

Uma mulher gente

A dá de comer e vestir
quem
com um igual
quotidiano

ao vosso
Pois,

mendiga o óbolo
0 também tem
poeta
e não sabe outra coisa fazer
Caprichos e despesas

xavani...
Dum cidadão comum

um só verso ... versinho barato.

Não
pensem
Este poema
este é de mahala
Que poema
É ser vendido
para

Seja num dumba nengue

Sem impostos
pagar

Fugindo do fisco

Às vezes e encarcerado
preso

Num calabouço
Não interessa

O só lucrar
poeta quer

Tenham dó... tenham dó

O tem
poeta

Filhos na escola

Come

Dorme

Comprem-lhe este
poema

Sem
graça

Que é desgraça da sua vida

Poema lindo

Poeminha Barato

Mesmo seja um só verso


que

Para sustentar a sua vida

In O País do Medo

Ruy Ligeiro nasceu em Maputo em 1976. Publicou 0 País do Medo


(2003).
Songare Okapi

Barcos

Com o mar

chegam os barcos

Perto

com eles teu corpo

Porto

para todos os
portos

do verso
poema

a verso

oh a brisa

que agora o sol abrasa

no meu coração faz aperto

e sinto-te inteira

toda e nua

cintura abaixo desaguar

(inédito)

()77
Songare de Cardoso Lindo Chongo, nasceu em 1 em
Okapi, pseudônimo

Maputo. Publicou Inventário de Angústias (2005).


1 1 , pintura rupestre (foto de F. Chasseloup laubat, em Art rupestre Au Hoggar, Haut Mertoutek. Acervo BNy

'
r? •* / ?C t c "
">*- * •. • ' 'v * .
aJ'ir * i ' •; l4IJ rlfi «J £ * ^ -7 | . *§#4 X %. . .•
Imagens de

Bertina Lopes

Luciana Stegagno Picchio

Tradução de ANDRÉIA GUERINI

avenidas às cubatas dos negros na


Lisboa Roma. Para

bidonville dos deserdados, ter


o parecem
Bertina Lopes primeiro
si marcado homens e
existencial. por paisagens.
triângulo
Maputo é o

Mas em 1975, com a


A raiz africana, o reconhecimento quando

independência de Moçambique,
e europeu, a extensão e a
português
Lourenço Marques torna-se
irradiação italiana. E necessário partir
africanamente Maputo, Bertina está

daqui entender Bertina, para
para

Para distante.
no seu mundo de sinais.
penetrar
Os anos de adolescência em Lisboa,
sentir o murmurar da história na

em seu segundo o reconquistado


concha do seu fazer artístico. porto,

atlântico de sua formação


Um triângulo de águas. Vagas do porto

européia, deram-lhe consciência da sua


Oceano Índico, fluxos do Atlântico,

identidade variada. Da sua riqueza.


ondas do Mediterrâneo. Um triângulo

Da sua diversidade solar.


de Bertina nasce em prorrompente
portos. Quando
E finalmente desembarca em
Maputo, o a mãe quando
pai português,
Roma, em seu terceiro o
se chama porto, porto
africana, a cidade ainda

mediterrâneo de sua identidade


Lourenço Marques e é a capital da

definitiva, desenha-se o novo triângulo


colônia de Moçambique: um
portuguesa
Nigra sed formosa, sussurram
no extremo sul do na poético,
grande porto país,
os italianos, lembrando o Cântico
rota dos navios em navegação a gentis
para
dos Cânticos, do apóstrofe à Bárbara,
índia, uma cidade cosmopolita da

escrava do Camões,
África, onde todas as raças, culturas, poeta português

dos versículos à escura do


religiões, e dialetos, pastora
línguas

napolitano Gianbattista Marino.


monumentos e edifícios, da do
porta
Os italianos a adotaram e
forte do século XVI à que que
português padaria
agora a emprestam ao mundo com o
Saipal do século XX em formas hberty,

orgulho e a obsessão da aquisição


das mansões burguesas alinhadas nas
2 2 6

'^vir *¦ •'¦' ^'L'.v; Ji-.'¦ *


I .•'?« ff vt* ,iy

Criação de Bertina Lopes

preciosa, sabem Bertina é européia redes, cobras, com o


que garrafas gargalo
na língua, na cultura, na alongado, a artista européia e
precoce que para

adesão artística aos modelos de africana conjugam a arte oleira bantu à

vanguarda supranacional ela estilização de um Modigliani,


por parisiense

imediatamente assumidos como Occhi bianchi di di miglio como


farina

paradigmas, a começar Picasso das ritual negro de morte, lúcidos olhos


pelo

Demoiselles d'Avignon e de Guernica. negros te escrutam com realismo


que

Mas também sabem Bertina é de adolescente como nas telas do amigo


que

profunda e intrinsecamente africana na de Boma, Cario Levi. E depois círculos,

recuperação de uma ancestralidade da e retângulos thonga e ainda


quadrados

qual se sente triângulos, triângulos.


portadora privilegiada.

Se, de fato, Picasso e os cubistas de A do figurativo da


passagem

hora, na invenção de uma sua fase ao informal abstrato de


primeira primeira

inédita realidade artística, inspiravam- um Magnelli e de todos os dos


pintores
se e alcançavam claramente o anos sessenta e setenta acontece
quase

primitivismo exótico da escultura negra, naturalmente sem renegar, mas

Bertina havia encontrado em si, acentuando o componente africano,


já que
desde cedo, a sua herança africana, a alguns críticos, às vezes,
pareceu
traduzindo-a e exibindo-a sobrepor-se vitoriosamente à sabedoria
quase

metonimicamente, com orgulho de européia. Não é necessário estilizar,

nascimento, em marcas e símbolos. como nas


primeiras telas
"revolucionárias",
Símbolos recorrentes nas culturas figuras de negros,

bantu, máscaras e totens zoomorfos, mãos levantadas em de


grito protesto
linhas denticuladas fecham em em direção ao céu onde voa uma
que pomba
círculo o individual e coletivo dos da confirmar a
grito paz, para própria

oprimidos, temas de tatuagens identidade e a ideologia. Para


própria

triangulares, introdução de materiais, a ser Bertina, basta o revoar de cores


que
folha, a corda e a sóis e luas o derrama nas telas com
palha, gesto

míticas em céus antigos e espacialmente e ritual, conhecedora


jocosidade primitiva

futuristas, esteiras entrelaçadas, nós, de Pollock como da África negra.


Da sua exposição
primeira 227

individual em Lourenço Marques, em

1958, às individuais milanesas e

romanas em 2002, esta amiga

de mais de trinta anos, esta


quotidiana

artista sobre a há mais de trinta


qual

a testemunhar em
anos eu sou chamada

nome de nossa especialíssima

conivência de língua e de cultura, esta

e sempre imprevisível Bertina,


querida

foi de aproximadamente
protagonista

mostras. De Maputo a Lisboa,


quarenta

de Roma a Bagdad, de Cabo Verde à

Árabia Saudita, Ásia e América.

Sempre surpreendentemente diferente,

renovada, nunca repetitiva. Pintora,

mas também escultora de rara potência,

sabe conjugar o
com a imaginação que

concreto das figuras de Benin à extrema

estilização em coincidem a etrusca


que

Ombra delia sera e as figuras alongadas

até o espasmo do surrealista Alberto

Giacometti.

anos, cada visita à


Há mais de trinta

casa inventada Franco e Bertina


por

nos lares de Roma, com o manifestar-se

da cidade, na Praça
admirado no centro

S. Bernardo, é para mim uma surpresa

e revigorante. Cada saída


conturbadora

de Bertina é uma erupção


pública

um lava-cor se
vulcânica, com que

derrama nas telas sempre maiores,

"públicasna fiel e
sempre mais sua
'
ao bem de
desinteressada devolução

Moçambique".

Ad muitos annos, grandiosa,

sensibilíssima Bertina.

Projeções da cultura africana


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I I I
J
e
Entre sonhos

da
trilhas
memórias:

moçambicana

poesia

Ribeiro Secco
Carmen Lúcia Tindó

da literatura de
Estudiosos
o conjunto da
observarmos
entre os Fátima
Moçambique, quais
moçambicana
poesia Mafalda Leite,
Mendonça, Ana
-
Ao contemporânea, verificamos
Rosário, Mátteo Angius,
Lourenço
em essa produção
que, grande parte, Noa, são
Matusse, Francisco
Gilberto
vinte anos, opera,
dos últimos
poética apontar duas vertentes
unânimes em
resíduos de sonhos,
tematicamente, com
do sistema
estéticas caracterizadoras
e
desejos, sentimentos, paisagens
as se
moçambicano, quais,
às t poético
memórias resistiram guerras
que de Bosi antes
tomamos a classificação
sociais e
resistem, hoje, a novas pressões
mencionada, notamos que
das lutas
Se durante os tempos pela
políticas. respectivamente, ao
correspondem, que
dos
libertação, uma significativa parcela "poesia
brasileiro denominou
o crítico
se fez arma ideológica
poemas produzidos lirismo subjetivo" e
de afetos, do
colonialismo, atualmente
de combate ao
"poesia do epos
da utopia,
os discursos se revelam sob
poéticos
revolucionário :
apresentando outras
formas diversas,

Segundo o crítico
maneiras de resistir. "uma,
exprime um lirismo
"a t< m que
Alfredo Bosi resistência
brasileiro
se faz espaço de
individual, que
do
muitas faces. Ora propõe a recuperação
da eximindo-se de
afirmação poesia,
mítica,
sentido comunitário perdido (poesia
ou
comprometimentos políticos
a melodia dos
da natureza); ora
poesia exprimindo, mesmo
ideológicos,
subjetivo);
afetos em plena defensiva (lirismo
de forma oblíqua, mas não
assim
da desordem
ora a crítica direta ou velada
menos profunda, preocupações
da sátira, da paródia,
estabelecida (vertente
existenciais nos mais variados níveis.
da utopia)
do epos revolucionário,
Aqui, a figura emblemática é,

inquestionavelmente, Rui Knopfli;


da poesia.
1
BOSI, Alfredo. 0 ser e o tempo

142 e p. 145.
São Paulo: Cultrix, 1983. p.
a outra, inserida num e ideológicas. Não deixar de
projecto podemos

num desiderato mais amplo de referir, entretanto, nesse


que, período,

afirmação colectiva, em se devido à euforia Independência


que pela

reivindicam raízes culturais negro- recém-conquistada, ainda havia

africanas, instituindo uma condições a uma


poesia propícias produção

e datada de e literária celebratória dos heróis


programática protesto

denúncia, em se observa uma nacionais e da liberta. Data dessa


que pátria

crescente contaminação época a edição da Poesia de Combate,


político-

ideológica." 2 cujo volume 3, Frelimo


publicado pela

em 1980, reunia versavam


poemas que

Iniciando nossa reflexão acerca da sobre essa temática social, à não se


qual

lírica moçambicana contemporânea a mantiveram totalmente imparciais até

da dos livros Monção alguns dos novos Essa adesão


partir publicação poetas.

de Luís Carlos Patraquim, e coletiva era, na altura,


(1980), perfeitamente

Raiz de Orvalho de Mia Couto, tendo em vista não só o


(1983), justificável,

cuja maior dos substituiu clima da vitória e da liberdade a


parte poemas que

o tom engajado da de combate todos contagiava, como o teor dos


poética

um lirismo intimista, constatamos, faziam a catarse das


por poemas que

desde esse momento, feridas ainda recentes da história. Mas,


principalmente

uma a superação da a dessa ambiência épica,


predisposição para par

de conteúdo revolucionário, começavam a se esboçar outras


poesia

centrada em utopias político- tendências estéticas. No campo cultural,

surgiram realizações - a edição da


-
NOA, Francisco. A Escrita infinita. Maputo:

Eduardo Mondlane, coleção Autores Moçambicanos do


Livraria Universitária

1998. INLD, a fundação em 1982 da


p. 39.

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"Bazar",
Aspecto do interior do em Lourenço Marques - Moçambique (foto: josé dos Santos Rufino, em Álbum

fotográfico e descritivo da Colônia de Moçambique, 1929. Acervo BN)


interiores, mas com as origens, com as
Associação de Escritores

de do e do outrora, com
Moçambicanos, a criação páginas paisagens presente

suplemento o fazer Bebelando-se


literárias, entre as o próprio poético.
quais,

Noticias, a contra literários articulados


Literatura e Artes do paradigmas
jornal
ethos revolucionário, evidenciaram
Artes e Letras do semanário pelo
página

do como, em razão destes, muitos dos


Domingo, a Gazeta de Artes e Letras

do cidadãos moçambicanos se
semanário Tempo, a Diálogo
página

Beira, encontravam despojados de suas


Diário de Moçambique, da
jornal
- singularidades. Defensores de uma
coordenada Heliodoro Baptista
por

vida dicção subjetiva, fizeram ponte


uma mudança na poética
que propiciaram
entre o antigo lirismo e o de Charrua
literária do Principiava a se
país.
despontaria em 1984),
formar uma consciência em relação aos (que
"a
comprovando lírica
danos causados o Mia que poesia
pela guerra, que
'4.
sempre arriscou em Moçambique
Couto denunciava em poemas

Mia Couto, através da metáfora da
escritos nos anos 1970, nos quais
"raiz - "gota
"os de orvalho" trêmula, raiz
alertava o fato de quartéis
para
- o cerne de sua
terem adoecido e a ter a exposta" , corporizou
poesia perdido
tributária, em alguns aspectos,
medida", apontando a poiesis,
própria para

do de vivenciado com
urgência de serem reinventados os quotidiano poesia

o o poeta Fernando Couto, cujo


sonhos e desejos interditados longo pai,
pelo
- como o de Fonseca Amaral,
tempo de opressão: lirismo

Bui Knopfli. Glória de Sant'Anna,

Virgílio de Lemos, Reinaldo Ferreira e


me recolho ferido
(...)
- havia, anteriormente,
outros mais
exausto dos combates

ultrapassado, também, os ângulos


o tempo em vivo
(...) porque que

redutores e limitados do
morre de ser ontem panfletarismo

inventar literário.
e é urgente

Relembrando fragmentos da
outra maneira de navegar

infância. Mia Couto homenagem


outro rumo, outro presta
pulsar
3
ao cuja sensibilidade
dar esperanças aos portos progenitor-poeta,
para
"úmidos
captava os silêncios da lua" e

e os transformava, linguagem, em
Buscando outros ritmos, pela
pulsações

e matéria de
novos ventos literários, Mia Couto poesia:

Patraquim reativaram, na cena literária

1980, ali ficava dentro da noite


moçambicana do inicio dos anos (...) por

havia não sei diálogo


uma de cariz existencial, que
poiesis
entre ele e o silêncio húmido da Lua
não só com as emoções
preocupada
Depois
3 ''Confidencia". Poema escrito
COUTO, Mia. entrava no
quarto
em 1979. In: SAÚTE, Nelson e MENDONÇA,

COUTO, Mia. In: WHITE, Eduardo. Poema


Fátima. Antologia da nova poesia

AEMO, 1993. 312 e da ciência de voar e da engenharia de ser ave.


moçambicana. Maputo: p.

Lisboa: Caminho, 1992, p. 9.


p. 313.
"monção"
os olhos cobertos de Embora anuncie a e a
prata
"morte
e dizia-nos com sua voz ausente: do Adamastor", metáforas da
"a
chuva está suspensa na luz11 Independência e do fim dos tempos

falava de nevoeiro3 coloniais, o convocando versos


poema,

de Craveirinha e Drummond,
procura
A de Luís Carlos
poesia
exorcizar o medo há séculos instalado
Patraquim também dialoga com a de
em Moçambique. Consciente das
representantes do antigo lirismo
mutilações físicas e mentais sofridas
por
moçambicano. No
poema
do o sujeito lírico
"Metamorfose", grande parte povo,
é visível a
adverte - como também observamos em
intertextualidade tecida com
de Mia Couto - a
poemas para
conhecidos versos de José
de se restaurarem as
premência
Craveirinha, conforme assinalaram

emoções individuais bloqueadas
pelos
vários estudiosos da sua
poesia:
anos de arbítrio exacerbado, exaltando,

o medo lustro à então, a importância de cantar o amor,


quando puxava

cidade o desejo, os sonhos, a imaginação.

eu era Desde o livro Monção até os


pequeno primeiro

vê lá nem casaco tinha mais recentes, Patraquim envereda


que por

nem sentimento do mundo um fundado no exercício da


grave percurso

ou lido Carlos Drummond de metapoesia e no transgressor da


jogo

Andrade linguagem.

"Sonhando
(...) um Moçambique mais

mas agora morto Adamastor verdadeiro a realidade,


que porque

tu viste-lhe o escorbuto e cantaste a inventado intensidade do sonho"7,


pela

madrugada a de Patraquim, em estilo


poiesis

fragmentado, retrata o de forma


(...) país

falemos da madrugada e ao alegórica, fazendo denúncias


por

entardecer intermédio de imagens dissonantes


que

a monção chegou desautomatizam os habituais sentidos.


porque

e o último insone a noite de onírico se oferece, assim, como


povoa

caminho de busca da identidade


pensamentos grávidos

num silêncio de rãs a tisana do esfacelada. Também o oceano faz


parte

desejo6 dessa trajetória do eu-lírico ao encalço

u das origens. Através de uma viagem


COUTO, Mia. Poema para meu pai".
surreal, acorda fantasmas
Datado de 1971, Beira, publicado no Jornal que

Notícias, Ano XLVIII, nD 15899, Lourenço vagueiam Indico e se cruzam, no


pelo

Marques, 19-9-1973, p. 7. Apud: ANCIUS, chão bantu, com as heranças árabes,

Fernanda e ANGIUS, Matteo. O Desanoitecer


indianas e das etnias negras do
da palavra. Praia; Mindelo: Embaixada de
LISBOA,
Portugal e Centro Cultural Português, 1998. Eugênio. Prefácio. In:

p. 22. PATRAQUIM, Luís Carlos, LEITE, Ana


6PATRAQUIM,
Luís Carlos. Monção. Lisboa: Mafalda e CIIICHORRO, Roberto. Mariscando

Edições 70, 1980. p. 27. Luas. Lisboa: Vega, 1992. p.5.


recorrentes. 0 Amor, a Mulher, as

aéreas, marítimas, insulares


paisagens

a habitar seus o que,


passam poemas,

não é uma novidade, temas e


aliás, pois

como esses também ser


cenários podem

detectados não só na de Mia


poesia

mas na de vários mais


Couto, poetas

- Virgílio de Lemos; José


antigos

"muchopes", na Província de com seus belíssimos poemas


Um casal de velhos Craveirinha,

Inhambane - Moçambique Rufino,


(foto: losé dos Santos Glória de Sant'Anna; Rui
à Maria;
em Álbum fotográfico e descritivo da Colônia de -
Fernando Couto, entre outros
Knopfli;
Moçambique, 1929. Acervo BN)

e 11a das contemporâneas,


aguda e crítica gerações
continente. Sob a pena
mostraremos adiante.
conforme
dos versos, traina e destrama a rede

Evidente é, a importância
facetas da portanto,
textual, desvelando múltiplas
efetuada de
de da transição pelas poéticas
história de Moçambique. A poiesis
"Quer
Patraquim e Mia Couto.
Patraquiin é carnívora, de
prenhe
zonas sagradas o sistema
refazendo que
metáforas insólitas deixam sangrar
que
mito, o rito, o sonho, a
à tona profanou (o
a memória. Seus trazem
poemas
Eros), desfazendo o
Indico infância, quer
nódoas aviltaram o oceano
que
do em nome de uma
de sentido presente
comércio árabe e tráfico
pelo pelo
futura"8, o lirismo no
liberação praticado
escravos feito mas
por portugueses,
dos anos 1980 abriu espaço
o início
resgatam, também, sinestesicamente,
às tendências estéticas
o favorável
de temperos fortes, como
paladar —
revista Charrua
seu apresentadas pela
caril e o açafrão, os deixaram
quais
Juvenal Bucuane, Hélder
criada, por
sabor impresso na cultural
pele
Pedro Chissano a
de Muteia, qual
moçambicana, além da sensualidade
outros adeptos, entre os
conquistou quais
tufos e alcatifas cuja maciez
persas,
White, cuja obra é, atualmente,
Eduardo
desejos amortalhados na
despertou
reconhecida não so em Moçambique,
terra descaracterizada pelo
mas em meios literários estrangeiros.
entrecruzamento de diferentes culturas.

Uma da de Charrua se
das parte poesia
Os ventos índicos o sopro
portam "lirismo
caracterizou um de
"mil desse por
e uma noites vencendo,
afetos", cujo discurso literariamente
acordar da
modo, a morte social pelo
elaborado funcionou conio antídoto aos
imaginação fraturada miséria, pela
pela
slogans dos tempos
intermédio <lo poéticos
fome e Por
pela guerra.

constante, o guerrilheiros.
recurso à metalinguagm
A revolução deixou, assim, de ser tema
discurso se erotiza; a plasticidade
e passou a se manifestar no campo
e a se
verbal se intensifica poesia
"escrutínio formal da construção dos
próprios
transforma em em
paixão,
tecidos em linguagem de apuro
de um sexo fundo com palavras , no poemas,

o mar <' O ser e o tempo da poesia.


O vento, BOSI, Alfredo.
dizer do poeta.
próprio
São Paulo: Cultrix, 1983. p. 146.
e os sonhos tornam-se semas
e esmero estético. Esses foram, em Há nessa o desejo de reencontrar
procura

linhas os vetores da a face e a do O sujeito


gerais, principais própria país.

revista, a entretanto, em seus oito lírico, em viagem interior, almeja


qual,

números entre 1984 e 1986, reescrever a sua história e a


publicados poeticamente

apresentou um certo ecletismo, tendo de Moçambique. Uma história escrita


por

em vista não ter chegado a definir um um amor diversificado: amada,


pela pela

projeto único, abrigando terra, e visa a


perspectivas pela própria poesia, que

várias e coincidentes, apenas, apagar as marcas da A


plurais, guerra. procura

quanto à opção um intenso labor de Eros, o eu-poético elege como


por ponto

metafórico dos versos, à recusa de uma de a Ilha de Moçambique, lugar


partida

poética engajada e à afirmação de uma matricial, onde, antes de Vasco da Gama

lírica voltada os meandros subjetivos lá ter aportado em 1498, os árabes


para

da alma humana. Segundo Rita Chaves, também haviam estado desde o século

VII, tendo levado do continente a


para
com o distanciamento os anos
que
ilha negros de etnia macua, cujas
trazem, observar a,
já podemos que
tradições e língua também ficaram
ruptura efetuada em certos
planos
inscritas no imaginário insular. Sob a
corresponde à consolidação de
sugestão erotizante do Indico, a voz lírica
algumas definidas em
propostas -
evoca a insularidade como
primeira
tempos anteriores.(...) 0
grande
fizeram antes dele outros como,
poetas
objetivo de Charrua (...) não era a
exemplo, Patraquim -
por , captando as
negação do se fazia, mas
que
múltiplas raízes culturais no
presentes
remexer o terreno a ser cultivado.
tecido social moçambicano, cuja
0 nome charrua aponta essa
para
identidade, no decorrer dos séculos, se fez
vinculação com a terra a ser
mestiça.
revolvida se aumente a sua
para que
Os temas do mar, das ilhas, das
fertilidade.

- praias são também freqüentes em


Tratava-se o repertório

- vários do entre os
de inserir-se poetas passado,
produzido
Virgílio Lemos, Glória de
dialeticamente na tradição, negando- quais:

Sant'Anna, Rui Knopfli:


lhe alguns aspectos reforçar-lhe
para

de maneira vertical outros traços e

Mas retomo devagarinho as tuas ruas


concepções.®

vagarosas,

Na de Eduardo White - uma


poesia caminhos sempre abertos o mar,
para
das referências obrigatórias
para quem brancos e amarelos filigranados

estuda a Charrua - está


geração de tempo e sal, uma lentura

a com as origens.
presente preocupação brâmane ou muçulmana?
( )
'' "Eduardo durando no ar...10
CHAVES, Rita. White: o Sal da

Rebeldia sob Ventos do Oriente na Poesia

Moçambicana". 10
In: SEPÚLVEDA, M. C. e KNOPFLI, Rui. In: SAÚTE, Nelson e

SALGADO, M. T. África & Brasil: Letras em SOPA, Antônio. A Ilha de Moçambique pela

laços. Rio: Ed. Atlântica, 2000. 137. voz dos poetas. Lisboa: Edições 70. 1992.
pp. p. 35.
assinala na vários representantes de Charrua.
Nesses versos, Knopfli

ilha cnjas Erotismo visceral, ternura e


a do Oriente,
presença
"os
marcas, existem musicalidade foram materiais de
contudo, não somente

ali, mas em outras regiões amor" usados pelos poetas,

Eduardo White, o
moçambicanas, tema explorado por principalmente por

livro tece sua refletindo


Eduardo White em seu último qual poética,

também sobre a necessidade de o


Janela Oriente Outros povo
para (1999).

moçambicano recuperar a dignidade de


louvaram a Ilha de iVloçambique,
poetas
"Felizes
uma vida mais humana: os
chamada inicialmente Muipíti, cujas

homens / cantam o amor. / A eles a


e monumentos, como que
paisagens
"lugares do inexplicável / e a forma
da memória", vontade
guardam

dúbia dos oceanos".13 Nesses versos, a


diferentes heranças culturais impressas

metáfora marinha assinala a dubiedade


nas fortalezas e nas naves
portuguesas

moiras. lembra de uma identidade problemática,


Orlando Mendes que
"Por engendrada na encruzilhada de
ali estiveram Camões das porque

dois oceanos: o Índico, banha o


amarguras itinerantes / e Gonzaga da que

litoral do e serviu à rota oriental


Inconfidência no desterro em lado país

dos mercadores árabes, e o Atlântico


oposto"." Virgílio de Lemos, no poema
"A embora distante, a ocidente,
fortaleza e o mar", avivou a que,

trouxe as caravelas e o imaginário


lembrança desse local e, pela
"os Eduardo White, apesar de
meditação, buscou esconjurar lusitano.

"'de não esquece as


da história cantar o amor, questões
fantasmas e
paradoxos"
sociais, mostrando o luto sufoca
cobiça" ultrajaram o chão insular: que
que
Maputo, depois de tantos anos de

0 tempo invade "Amor!


quebrado combates e lutas: / Os nossos

o canonizado lugar e o Amor


mortos estão apodrecendo ruas / e
pelas
deixa-se viver, Eros, talvez mar
há uma tristeza ornada entre as
que
desta reflexiva via, meditação.
mãos leva um álamo.'"4 Tentando

(...) expurgar essa história de sangue e

Os mesmos fantasmas se
violência, sua busca reencontrar
poesia
cruzam "as
raízes do afecto"15 e o mistério da

nos paradoxos
pela praia, vida. Antes de White, outros
própria
repetidos
conforme referimos,
poetas, já
entre a cobiça e o cego desejo.'-
assumiram esse viés lírico-amoroso,

fazendo dos sentimentos uma forma de


Vem, de longe, esse viés erótico-
pois,
da realidade, como
de questionamento
amoroso pela poesia
que perpassa
evidenciam os versos de Heliodoro

11 KNOPFLI. Nelson e
Rui. In: SAÚTE,
WI IITE, Eduardo . In: SAÚTE, Nelson.
SOPA, Antônio. A Ilha de Moçambique pela

Antologia da nova poesia moçambicana.


voz dos poetas. Lisboa: Ed. 70, 1992. p.39.
12 SAÚTE, Maputo: AEMO. 1993.
Nelson e SOPA, Antônio. A Ilha de p.88.

Lisboa: Ed. idem, ibidem. p.88.


Moçambique pela voz dos poetas.

idem, ibidem. p. 76.


70, 1992. p.76.
"Impugnados
Baptista: somos, / mas de é decepcionante. Por isso, transforma sua
"ciência
ternura subversiva"16. em de voar".
poesia
"fascínio
O motivo onírico foi também O das asas" é outro tema
que
recorrente em vários outros momentos da vem do antigo lirismo, com como,
poetas
lírica moçambicana. Virgílio de Lemos,
por exemplo, Virgílio de Lemos e

nos anos 1950, adotou em seus versos Fernando Couto, entre outros, e passa

imagens surreais; Patraquim, bem depois, mais Em Heliodoro


pelas gerações jovens.

retomou essa vertente, numa dicção mais Baptista, cujo se iniciou


percurso poético

agressiva e contundente. Mia Couto associou nos anos 1970 - antes, de


portanto,
"semente
o sonho - a engravidar o tempo7'- Eduardo White -, também estão
presentes

ao de reação do ser humano. Ana metáforas aladas, assim como o discurso


poder

Mafalda Leite referiu lhe amoroso e a metalinguagem, tendências


pesadelos que

ficaram na memória de Moçambique: existentes em ligados à Charnia e


poetas
"Venho
de um de sonho /de uma em alguns surgiram à
país que paralelamente

verdade tão / até mete medo. revista ou depois de ela se ter extinguido.
pura que

Seguindo viés semelhante, alguns dos Lm outro de Charrua


poeta que

poetas de Charrua defenderam um fazer também trabalha artesanalmente o verso,

literário de novo facultasse o direito na linha de Knopfli, Heliodoro Baptista e


que

aos sonhos, compreendidos estes como White, é Armando Artur. Adepto do viés

estratégias de resistência cultural, como das emoções, canta os sonhos, as asas, a

elementos da imaginação Mulher e os desejos, no seu


propulsores principalmente

criadora e dos desejos reprimidos. Em livro, Espelho dos dias


primeiro (1986).

entrevista a Michel Laban, Eduardo No segundo, O hábito das manhãs (1990),


"Eu
White afirma: acho os nossos se volta mais as paisagens interiores,
que para

países, hoje, são os cacos e os buscando a memória das origens e a


grandes

pequenos cacos dos sonhos eles cosmicidade dos elementos da natureza: o


que

partiram ontem. Sonhos ir-re-cons- ti-tu- sol, as águas, a luz, a terra, a maresia. Em

í-veis, durante muitos, muitos anos".18 No seu terceiro título, Estrangeiros de nós

entanto, o próprio White declara, a seguir, embora continue


próprios (1996),
"hábito
sonhar consiste em reagir a tudo insistindo em captar o das
que que

manhãs" e o flutuar das nuvens,


'f)
BAPTISTA, Heliodoro. In: SAÚTE, Nelson.
percebemos nele uma desterritorialização
Antologia da nova
poesia moçambicana. Maputo:
"com
dos antigos sonhos. Melancólico, o
AEMO, 1993. p. 176. Heliodoro Baptisla
azul absurdo deste dia", escreve versos a
coordenou várias
páginas literárias em jornais
w,
desde os anos 1970. Escreveu Por cima de toda Bui Nogar cuja
poesia,

folha, em 1987, livro que venceu o Prêmio

Gazeta de Poesia do semanário '''


Tempo em 1988. Rui Nogar
publicou Silêncio escancarado
17
CHICHORRO, PATRAQUIM E LEITE, em 1882. E um dos representantes - ao lado

opus cit. 1992, 65. de Orlando Mendes, com Lume na


p. florindo
WHITE, Eduardo. In: LABAN, Michel. 1980, e Jorge Viegas, com O Núcleo
forja,
Encontro com escritores: Moçambique. Porto: tenaz, 1981 - de uma ainda voltada
poética
Fundação Eng. Antônio de Almeida, 1998, o coletivo e para os ideais advindos dos
para
v. III, p. 1192-1193. tempos da luta
pela libertação de Moçambique.
marcadamente utópica, sonhara com Hélder Muteia, um dos idealizadores

um mundo diferente. Em exílio no seu de Charrua, segue também essa via da

tempo e espaço, o eu-lírico, artesania não deixa, no


próprio poética;
"acocorado
como um escriba", faz entanto, de acusar as mentiras e as

opção uma assumida falsidades do seu tempo, denunciando a


por

intertextualidade com Rui Knopfli: fome a Revolução não resolveu.


que

Afirma o sentido humano da existência

Pelo Dever e a metalinguagem dos versos,


"o
De resistir e caminhar reclamando dentro destes
para
"Hoje
Pelos destroços da nossa utopia, esperma" do verbo criador:

Eis-nos aqui de novo, acocorados, também se exige os sejam


que poetas

Aqui onde o tempo homens? fecundem e


pára Que pão pólvora
22
E as coisas mudam.20 no orvalho das Outro poeta
palavras."

fundador de Charrua, Juvenal Bucuane,

"medo
Fátima Mendonça, referindo-se a embora ciente do ainda presente

esse elogia-lhe nos rostos dos homens", não revela


poeta, a
qualidade

a se caracteriza tanta desesperança em sua poesia.


poética, qual pela
"raiz
dialética entre um constante inovar do Transforma esta em e canto",

voltando-se o chão de suas raízes e


e uma nítida continuidade em para
presente

relação ao literário: a melodia de seus poemas que


passado para

imagina, ainda, com dias melhores:

"Criemos /
Artur uma canção, homens Que
(...) a de Armando
poesia

com nos eleve do torpor! / O minuto que


não surgiu isolada e constituiu,

vem? Deve ser de esperança e certeza /


a era inegavelmente
promessa que já

minuto de firmeza / cantaremos sobre o


Amar sobre o Indico, de Eduardo

do medo / do minuto vem!"23


White (1984), uma amostra que

Essa de sonhos e artefato


potencial estético da geração pós- poesia

furtava a verbal marca a de vários


independência, não se que produção
que
de Charrua laços com a
uma herança literária poetas guarda

e de Virgílio de Lemos, um dos criadores,


rica e variada,
particularmente

da em 1952, de Msaho, teve o


circulava então em torno que papel
que
vanguardista de inserir a lírica
Associação de Escritores

moçambicana numa outra respiração,


Moçambicanos e da Revista

a libertação dos cânones


Charrua.2' propondo

coloniais regiam a literatura da


que

época. Embora com as


preocupado

22 "Homília
MUTEIA, Hélder. em Versos". In:

20 ARTUR, de nós SAÚTE, Nelson. Antologia da nova poesia


Armando. Estrangeiros

1996. moçambicana. Maputo: AEMO,1993. p.154.


próprios. Maputo: AEMO, p.53.
"O
21 MENDONÇA, Prefácio. In: KADIR, BUCUANE, Juvenal. Minuto Vem".
Fátima. que

Momed. Impaciências & desencantos. Maputo: In: SAÚTE, Nelson. Antologia da nova poesia

AEMO, I. moçambicana. Maputo: AEMO, 1993.


1997. p. p.257.
238

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"príncipe" "indunas",
Um de Sabié com seus em trajes guerreiros, em Lourenço Marques - Moçambique

(foto: José dos Santos Rufino, em Álbum fotográfico e descritivo da Colônia de Moçambique, 1929. Acervo BN)

"personifica
injustiças étnicas e sociais, o lirismo de o lirismo mais

Virgílio nunca se restringiu à denúncia inconformista, mais irreligioso, e mais

social. Buscou sempre os horizontes da iconoclasta desta literária, em


geração

liberdade, dando livre expressão aos desafio aos


permanente poderes
"2Í
desejos e às dúvidas existenciais. instituídos. A veia sarcástica de sua

Sintética e fragmentária, sua escritura lírica encontra fundamento, não

o indizível. Com obstante, em vozes anteriores


poética perseguiu poéticas

versos curtos, incisivos, com uma se caracterizaram uma crítica


que por

escrita automática, libertadora do corrosiva e ácida, entre as


quais:

subconsciente, com metáforas Grabato Dias, Rui Knopfli, Craveirinha,

imprevistas, imagens surreais, os Luís Carlos Patraquim. A de


poesia

virgilianos flagrar as Meigos não foge, entretanto, ao


poemas procuram

fulgurações do Eros os subjetivismo. Só opera em outra


primordial, que

labirintos eróticos do fazer direção, dando a temas como o Amor


poético.

Mas, Charrua não apresentou apenas um tratamento carnavalizador. No


"'Poemakalachinilove",
esse tipo de lirismo. Conforme
já poema por

comentamos, foi uma um tanto exemplo, a irônica alusão à


geração

eclética. Encontramos nela, além dos kalashnikoff, arma soviética dos tempos

vetores de recuperação dos da alegoricamente faz uma


poéticos guerra,

sentidos humanos, subjetivos, o da denúncia à ortodoxia marxista-leninista

crítica direta ou velada se


que

manifesta através da sátira e da 94


NOA, Francisco. A Escrita infinita.
Filiinone Meigos é um dos
paródia. Maputo: Livraria Universitária Eduardo
representantes desse viés. Sua escrita Mondlane, 1998. 48.
p.
que reprimia as emoções individuais trágica de um tempo onde a violência

dos cidadãos em da valorização continua a oprimir e no não mais


prol qual

dos sentimentos Através cabem as messiânicas certezas. Noa


patrióticos.
"humor
desse amaro", nos lembra também aponta nos de
que poemas

o do brasileiro Carlos Drummond Filimone - chamando atenção o


poeta para
"0 "leitor
de Andrade, canta Homem, fato de ser este um
quando poeta

bicho da Terra", o eu-lírico não deixa, a confesso de Mangas verdes com sal" -

par da ironia utilizada, de reverenciar uma clara intertextualidade com Knopfli

existencialmente o ser humano, ou seja, em termos de ceticismo e iconoclastia.


"BICHO
o HOMEM": Fica evidente, desse modo, o lirismo
que

de José Craveirinha e o de Rui Knopfli

Nós somos nada mais senão a nunca deixaram de estar na


presentes

exacta medida Homens das os sucederam.


poesia gerações que

dizer feitos sine non Com longa trajetória, iniciada nos


quer qua

mistela de emoções anos 1950 e vinda até hoje, no caso de

monções na hipófise controlam Craveirinha, e até 1997, no de Knopfli,


que
"Mestres"
todas as funções a desses integra
poesia

de ANA e METABOLISMO também, a nosso ver, o atual da


painel

Somos PESSOA lírica moçambicana. Não havendo


pessoas, pessoas que

tinha muitas e imensuráveis condições de aqui abordarmos toda a

Adoçadas com mel e impregnadas obra desses decidimos fazer


poetas,

de fel. referência apenas aos seus últimos

Nós somos homens: BICHO livros. Em O monhé das cobras (1997),

HOMEM.25 Knopfli traça a cartografia da memória

fragmentada, depois do prolongado

Francisco Noa26, em A escrita exílio dentro e fora do onde


país

infinita, evidencia o intertextual nasceu. Revisita os lugares de infância,


jogo

efetuado, a do viés da distopia, a africana e a história de


partir geografia

de Filimone Meigos em Moçambique. Como afirmou Francisco


pela poesia

relação à de Craveirinha e à de José Viegas no a esse livro,


prefácio

Patraquim. Com uma acidez neste estão as questões


presentes
"a
semelhante à do das centrais da de Knopfli:
paladar poética
"Saborosas
Tanjarinas dlnhambane" e extraterritorialidade, o não a
pertencer

uma agressividade alegórica na linha da uma a colisão obrigatória e


pátria,

Elegia carnívora, de Patraquim, a inevitável com uma linguagem


pura,

de Meigos encena a consciência rectificada, censurada. Moçambique é a


poética

dor e o deleite transportado nessa


25 MEIGOS, "Mitose".
Filimone. In: SAÚTE,
bagagem de exilado. Exilado dentro
por
Nelson. Antologia da nova poesia
e fora".27 Concordamos com a
por
moçambicana. Maputo: AEMO, 1993. p.130.
26 NOA, ^ "Prefácio".
Francisco. A Escrita infinita. Maputo: VIEGAS, Francisco José. In:

Livraria Universitária Eduardo Mondlane, KNOPFLI, Rui. 0 Monhé das cobras. Lisboa:

1998. 63-73 e p. 88. Ed. Caminho, 1997. p. 16.


pp.
"criou das cobras não
opinião de sua um Apesar de 0 monhé
que poesia
240
uma e uma apresentar a intensa artesania poética
território, geografia

orografia da linguagem caracterizadora dos


ortografia uma
próprios,

Conquanto demais livros de Knopfli, traz a


sentimental e afectuosa."28

desenraizado e memória do e, intermédio


tenha sido acusado de passado por
"arestas
Knopfli é um das cortantes da ironia",
apátrida, vemos que

Na opinião de também uma lúcida crítica em relação


de muitas pátrias.
poeta

Noa, 0 rnonhé das cobras ao outrora vivido em Moçambique:


Francisco

talvez seja uma forma de Rui mostrar

"que Pelo trajecto sangrento das acácias,


tem e teve sempre uma pátria
- "Os
Nomes e Da Mafalala às areias da Polana,
Dividida em três partes
"As maré morta da Catembe,
os Lugares", Estátuas" e Ou à (...)

"0 ainda resiste, na memória, uma


obra faz um
Desterro"- , essa

inventário não só das e das cidade.


paisagens

do autor, mas no deserto da memória vai


lembranças biográficas (...)

da trajetória literária do morrendo.


poeta:

Dele, em tempo, só será o sal

a Teimoso a algum verso,


(...) primeira parte, que,

evocativa de um Há-de emprestar o travo amargo


essencialmente

remoto, tem inequivocamente E o no rigor afectuoso do seu


passado que,

a ver com o ciclo africano do traço,


poeta,

obras 0 País dos Da insensível ferida oculta,


identificado pelas

Reino Submarino É, obstinadamente, a visível


Outros( 1959),

Máquina de Areia cicatriz.31


(1962), (1964),

Mangas Verdes com Sal A


(1967),

a É, como artefato, cicatriz e


Ilha de Próspero (1972); (...) pois,

momento de memória a de Rui Knopfli


2, (...) o que poesia
parte

um novo ciclo inspirando outras


transição permanece, gerações
para

o começo se rendem à beleza de seus versos.


existencial e (...) que
poético,

da do exílio ficará
jornada que
Outra figura emblemática, cultuada
marcado obra 0 Escriba
pela
"0 até entre os novíssimos da
poetas
Acocorado Desterro
(1977).
década de 1990, é José Craveirinha.
corresponde à última de
parte
cuja obra - condecorada ein 1991 com
0 Monhé das Cobras. Trata-se, no

Camões - diversas
o Prêmio , atravessa
essencial, da reprise de 0 Corpo de

apresentando várias fases: a


Poesia dolorosa de gerações,
Atena (1984).
30 neo-realista, a da negritude e da
se encontra jogado (...)
quem "moçambicanidade",
a anticolonial, a

Idem, ibidem, p. 17. do lirismo amoroso nos célebres poemas


29 Francisco. A Escrita infinita. Maputo:
NOA, a dos tempos distópicos. Como
à Maria,
Livraria Universitária Eduardo Mondlane,
31 Rui. O Monhé das cobras.
KNOPFLI,
1998. p. 92.
93-94. Lisboa: Ed. Caminho, 1997. p. 50.
Idem, ibidem, pp.
todos Esse dramático clima de desencanto,
explicamos, não focalizaremos

— Chigubo acentuado entre 1982 e
os seus livros (1964), particularmente

encenado -
Cântico a uri dio de catrarne 1994, é também por poetas
(1966),

Cela 1 alguns dos surgidos


Karingana ua karingana (1974), quais

das à revista Charrua;


(1980), Maria Babalaze paralelamente
(1988),
antes ou depois -
hienas mas, apenas, o último, outros, um pouco ,
(1997)
"falam" desenvolvem
cujos de um tempo de que projetos poéticos
poemas
individuais, como é o caso de Nelson
sangue e horror, alertando, ceticamente,

Saúte, Afonso dos Santos34, Gulamo


a morte ameaça os
para que
Khan35, Júlio Kazembe36, Eduardo
moçambicanos, a com ironia, o
quem,
"moçambicanicidas"": Pitta37, entre muitos outros.
eu-lírico chama

"Das Em virtude de. neste artigo, não


incursões bem sucedidas aos

haver espaço suficiente um


/ Sobressaem na para
povoados? paisagem(...)
completo de todos os
/ Tabuadas e uns onze / - ou talves só inventário poetas

escreveram após a Independência,


dez - / cadernos e um giz
/ espólio das que

nem uma análise mais profunda


escolas destruídas ./ Sobrevivos para

de suas obras, optamos mencionar


moçambiquicidas / Imolam-se mesclados por

alguns dos operam, recorrentemente,


no infuturo.32 Um dos traços mais que

- as temáticas do sonho e da
representativos de sua a com
poesia
memória. Entre estes estão vários, cuja
narratividade encontra-se também em

decepção falência do projeto


Babalaze das hienas, onde, como em pela

os levou à consciência da
Karingana ua karingana, há a revolucionário
presença
"pátria usada
dividida", metáfora por
de um Só em
poeta-narrador. que,

Nelson Saúte definir o


Babalaze, o não conta mais para
poeta-griot
dilaceramento do Este
as antigas lendas da terra, os país. poeta,
porém,

como outros contemporâneos dele,


tristes casos assolam o país destruído
que
buscou dar vazão aos sentimentos,
iniciadas após a
pelas guerrilhas
desafivelando os sonhos, mesmo que
Independência. Em linguagem disfórica,
"drapejassem
ainda no coração do
irônica, expressionista, narra o medo

instalado na cidade de Maputo,


34 Este escreveu durante certo tempo
poeta
enfocando, as classes
principalmente,
com o heterônimo de Antônio Tome, tendo
sociais mais atingidas violência:
pela vez em Charrua, em
publicado pela primeira
"Gente
a trouxe-mouxe da má sorte?
1984, mas cujo primeiro livro, Colecionador

Calcorreia a asilando-se onde/ não de só em 1998 foi editado pela Ed.


pátria Quimeras,

cheire a bafo/ de bazucadas/ Gente Ndjira.


(...)
35 Autor do livro Moçambicanto. Morre em
dessendentando martírios/ nos charcos /

1986, no mesmo acidente do Presidente


se chover. / ... / ou a pé descalço dançando,
Samora Machel.
/ A castiça folia, / Das minas."3'
3° dispersa na imprensa.
Colaboração
37 a sílaba Um Cão
Autor de Sílaba (1974),

32 CRAVEIRINHA,
José. Babalaze das hienas. de angústia progride (1979), A Linguagem da

desordem (1983). Vive em Portugal desde


Maputo: AEMO, 1997. p.52.
33 Idem, novembro de 1975.
ibidem, p. 11.
1

luto", sonhar, em decorrência do canta a mítica Ilha de Moçambique:


pois
"única "mulher
longo de lutas, era a de m'siro feitiço do Oriente",
período
"adormece
hipótese de viajar. Era como se o sonho no coração dos
que

fizesse a substituição, a sublimação Encharca-se também do mar


poetas"40.
"orgasmo
desta viagem impossível, uma vez Índico, alegorizado das
que pelo

as estradas tinham sido mortas".38 ondas", recuperar as do


para pulsões

O sonho, de desejo no corpo da Em


propulsor percursos própria poesia.

imaginários, era, desse modo, uma das seus há nítida intertextualidade


poemas

vias conduzia ao outrora, onde se com anteriores: Rui Knopfli,


que poetas

encontravam esgarçados alguns traços Sebastião Alba, Luís Carlos Patraquim.

culturais resistentes à dominação Pires Laranjeira41 interpreta o título

colonial e às O onírico, A dividida como uma clara


guerras. pátria

esses nada tinha alusão a A noite dividida, de Sebastião


portanto, para poetas,

de evasão, sendo, ao contrário, uma Alba42, outra voz


paradigmática que

força do despertar também lírica mais


geradora político. perpassa pela

Agindo no sentido de retirar Eros dos a esta o estético


jovem, passando prazer
"Onde
escombros e ruínas, buscava exorcizar, de metáforas originais:
perseguir

poeticamente, a violência uma faz esquina, / enveredo


que palavra

transformara a morte em algo negativo, outras"43. Em direção semelhante,


por
"escrita
na medida em impedira os rituais Saúte opta uma
que por

dos óbitos e deixara os cadáveres hieroglífica", ou seja, aquela


que

apodrecerem nas ruas ou serem desvela inquietação e o ante


gozo
"O
enterrados em covas coletivas: fazer acerado
próprio poético: gume

das fere-me a dos


palavras/ polpa
Na ignomínia noticiada dedos/ na solidão do ofício"44. Em um
pelos jornais

esta consentida memória dos mortos "A


de seus secreta angústia", é
poemas,

sempre insepultos
para

não existe vala comum ''''


porque Saúte, Nelson. A Pátria dividida. Lisboa:
os da mulher Vega, 1993,
para gritos p. 63.

rasgada à baioneta Idem, ibidem, 54.


p.

numa manhã inocente.39 LARANJEIRA. Pires. Literaturas africanas

de expressão Lisboa: Universidade


portuguesa.
"sonhos Aberta, 1995.
Com a consciência de os p. 324.
que AC\
Outra voz emblemática do lirismo
foram mutilados", o lirismo
proposto
subjetivo, assinalado
pelo constante artefato
Nelson Saúte recria elementos
por verbal, é Sebastião Alba. Publicou: O Ritmo do
matriciais da cultura ultrajada. Como
presságio (1974); A Noite dividida ( 1981); A

Knopfli, Virgílio de Lemos, Patraquim e Noite dividida Completa). Lisboa:


(Obra

White, entre outros, Saúte também Assírio & Alvim, 1996.

ALBA, Sebastião. In: SALTE, Nelson.


38 Antologia da nova poesia
Couto, Mia. In: LABAN, Michel. Encontro moçambicana.

com Escritores: Moçambique. Porto: Fundação Maputo: AEMO, 1993. p.393.

Eng. Antônio de Almeida, 1998, v. III, p. SAÚTE, Nelson. A Pátria dividida. Lisboa:

1036. Vega, p. 16.


243

.
e auxiliares da missão padres seculares
A banda da Missão Portuguesa de São José de fhanguene, com o superior
1929. Acervo BN
da Colônia de Moçambique,
(foto: José dos Santos Rufino, em Álbum fotográfico e descritivo

a condição de Moçambique
recorrente o uso da metalinguagem; denuncia

como sombra da Europa.


imagem da introspecção, continuar
nesse texto, a

fugindo à violência do real,


verbo José Pastor,
expressa visualmente pelo
"descoberta "o em altitudes
"curvar" busca vôo de pássaros
e sintagma
pelo
causa do azul".47 Julius Kazembe
de mim", traduz a solidão do eu-lírico por
"teia os
"um acusa a impura" traiu
escriba / a distância que
curvado como

ideais da libertação e não saciou a fome


acocorado",45 em intencional diálogo
"Ós
do desventurados da
com Rui Knopfli. Seguindo a linhagem povo:

conjuntura / sem luz, sem


de apuro do verso, a de Nelson pirilampos
poesia
- / retidos na teia cor-de-tonga
Saúte assume o como outros prevenção
pacto
— de impura / a mão vos furtou
fizeram atualizar porque para
também o
poetas
a boca o pão!"44 Tomando o sonho
unia das vertentes mais significativas

como antídoto à distopia social, em


do sistema moçambicano.
poético
ressonância com o lirismo de Eduardo
Domina a cena literária dos anos

White, Afonso dos Santos é outra das


1980 a insatisfação com o contexto

vozes resistir ao desalento,


do Leite de que procura
político-social país.
"A 46,
Vasconcelos, no espera
poema 47 PASTOR,
José. In: SAÚTE, Nelson.

"*5 Antologia da nova poesia moçambicana.


Idem, Ibidem, 15.
p.
" In: Maputo: AEMO, 1993.
46 Leite. A Espera" p.238.
VASCONCELOS,
48 KAZEMBE, "
nora poesia Julius. A Teia". In: SAÚTE,
SAÚTE, Nelson. Antologia da

AEMO, 199.3. 276- Nelson. Antologia da nova poesia


moçambicana. Maputo: p.

foi escrito em 1981. moçambicana. Maputo: AEMO, 1993. p.244.


277. O referido poema
através das da deliberada
quimeras própria poesia, no solilóquio
"tempo
pois percebe que no de agora / erótico/amoroso a
que a
poesia
em agonia engolimos / a
palavra moçambicana nos habituou, do

equívoca / a o
penumbra gesto mais recente Eduardo White a Luís

esquivo"4".
Carlos Patraquim, Heliodoro

Em 1987, um ano após a extinção de Baptista ou Sebastião Alba e

Charrua, Momed Kadir e Adriano Eduardo Pitta até aos fundadores

Alcântara criaram, em Inhambane, os Craveirinha


José e Rui Knopfli.
(...)
Cadernos Literários Xiphefo, Os
palavra poemas que constituem a Parte II
"DESENCANTOS"
que significa candeeiro, metáfora de
(1992 /1997)

uma luz resiste e não deixa a também


que poesia insistem no reconhecimento

se apagar. Outros nomes integram esse de uma


genealogia e não será
por

grupo: Francisco Munoz, Danilo acaso o


que tom dado
pelo primeiro
Parbato, Artur Minzo, Francisco Quita "Calcanhares
poema deste conjunto:

Jr.°° Fátima Mendonça, em dilacerados


palestra puxam lustro ao rosto

na Faculdade de Letras da "quando


proferida citadino" vai a o
juntar-se
UFRJ em 1998, definiu o lirismo de medo
puxava lustro à cidade/ eu era

Xiphefo como regionalista e, ao mesmo


pequeno(...)" ( Luís Carlos

tempo, universalista, com forte Patraquim) não sendo ler os


possível
comprometimento com o real, com a dois sem os religar à fonte
precursora
denúncia da fome e da distopia. "(...)enquanto
que é José Craveirinha

Observou alguns desses no dia lúgubre


que poetas de sol/ os
jacarandás
trilham a via erótico-amorosa fundada ao menos ainda choram flores/mas

por poetas anteriores, em especial de o medo/


joelhos puxa lustro à
"guru"
Eduardo White, aliás desses cidade". A integração de alguns dos

poetas de Inhambane. Poesia da elementos mais marcantes da estética

dissonância, do contradiscurso, do tom da Mafalala como a ou


parataxe

provocatório e do desalento, na linha ausência de determinantes,

do lirismo de Al Berto, conduzem


poeta português definitivamente estes
"tributária
contemporâneo, é também
poemas para um deliberado de
plano
de líricos de acordo intertextualidade
gestos passados", de se alimenta
que
com a referida estudiosa no ao toda a
prefácio poesia moderna.5'

livro Impaciências & Desencantos, de

Momed Kadir: Momed está


para publicar um novo
"IMPACIÊNCIAS"
Na Parte I livro,
(In)Diferenças, cujos se
poemas

(1987 / 1994) há uma entrada tecem na mesma clave da desesperança,

"algo
expressando ceticismo: se
SANTOS, Afonso dos. Colecionador de
estagnou sobre a noite do tempo /
quimeras. Maputo: Ndjira, 1996.
p.55.
repousa na bruma dos mapas
GUITA JR., atualmente, é o presidente

dessa Associação, tendo recebido o Prêmio de °'


MENDONÇA, Fátima. Prefácio. In: KADIR,
Poesia Revelação/2000 com o livro O agora e Momed. Impaciências & desencantos. Maputo:
o depois das coisas AEMO, 1997. III.
(1997). p.
em sobressalto sem Desiludido até com a profissão
proclamados/ própria

denuncia de fé de manter o acurado artefato da


bandeira"52. Agressivamente,

"verbo Knopfli, se
o vazio dos anos 90 e o linguagem ensinado por
"valerá
hipócrita do opressor". Mas sua ainda a razão eterna
poder questiona:

crítica faz versos de elaborado de existir acocorado/ a


se por prevalecerá
"giram castrados / ou o
labor estético: no certeza dos fantasmas
girassóis

doce ardor de ter ter uma morte


vácuo do sonho cima de toda que
por

tristeza / de mãos dadas até às raízes / incerta?"35

de tantas noites ao relento / e Essa é uma geração perpassada pelo


garras

Morte, fome, crepúsculo são


lâminas / suportadas como vento".53 desconsolo.

recorrentes nessa cuja


Outras representativas vozes de semas poesia,

- angústia nada consola, embora,


Xiphefo são as de Francisco Guita Jr.

desesperados, osse agarrem ao


com um livro lançado, referido na poetas

"sílaba
Amor, a sílaba,
nota 55, e outro sair intitulado procurando-o,
para
- - ardor das as
Rescaldo e Francisco Muhoz com no exíguo palavras

encontram ainda vinculadas a


nos Cadernos se
poemas publicados quais

anteriores, conforme se
Literários do e com o livro vozes poéticas
grupo
intertextualidade com
E noite na alma à espera de breve depreende pela

Eduardo Pitta.
edição.

Munoz, também de
Guita também desvela, como Francisco
Jr.

Xiphefo, a da desesperança
Momed, o clima de corrupção e o par

demonstra crer ainda 110


sentimento de decepção envolvem o crescente,
que
da indignação, manifestando
Seu lirismo é cortante em suas poder
país.
liricamente sua revolta:
acusações e agudo no tecer de
"o
metáforas dissonantes. Revendo

Matamos o tempo em nossas mãos


antes e o depois" da assinada em
paz

uma escarlates
1992, o sujeito lírico confessa

E desce agora a hora da vingança


terrível descrença nos homens, nas
"de hora da cólera e dos
todos: (...) é a
emoções e nos anseios de que

afogados
nos serve falar de amor / quando
a hora dos corpos sem rosto sem
apenas nos submetemos / ou a um

a uma nome
mundo turvo e desleal / ou
54
r veias na rua
religiosa digestão de perdida
preconceitos
lâminas e sangue

um enquanto o
52 KADIR, Poema do livro ainda político perdido
Momed.

inédito fornecido a Rogério


(In)Diferenças,
^ Francisco. Poema do livro ainda
GUITA Jr.,
Manjate nos repassou.
que
53 KADIR, Momed. Poema do livro ainda inédito Rescaldo, fornecido a Rogério Manjate

nos repassou.
inédito fornecido a Rogério que também
(In)Diferenças,
56 Francisco. Poema cedido a
MUNOZ,
Manjate nos repassou.
que
54 GUITA Francisco. O Agora e o depois Rogério Manjate que nos repassou. Há uma
Jr.,

Maputo: AEMO,1997. clara alusão ao livro de Eduardo Pitta


das coisas (1990-1992).
intitulado Sílaba a sílaba.
p.27.
matam a dentada Independência58. A temática dessa

uma sem o nome de versava, sobre a


pátria perdida poesia geralmente,

realidade a miséria e a fome.


pátria'57. presente,

Esses reivindicavam um
jovens

No final dos anos 1980 e linguajar das ruas dentro de seus


princípio para

dos anos 1990, outros surgiram rejeitando Charrua. a


grupos poemas, por

- entre eles, a revista Forja considerarem com linguagem muito


(1987),

ligada à Brigada João Dias e editada lusitana e ter sido criada com apoio
por

Associação de Escritores oficial e do Partido.


pela patrocínio

Moçambicanos, sob coordenação de Optavam rebeldia e rejeitavam a


pela

Firmino -, mas de Eduardo Wliite


Castigo Zita e Antônio poesia por julgarem-
"bem
tiveram existência fugaz, como ocorreu na comportada". De Charrua só

com a revista Eco e com o Sarau reconheciam o mérito de ter

Cultural Msaho. Conforme advertem os ultrapassado a de combate, cujo


poética

versos de Guita Jr. anteriormente citados, único enalteciam era Jorge


poeta que

todos se acham nos Rebelo, talvez tom agressivo dos


quase perdidos pelo

campos social, e cultural do versos. Elogiavam o viés satírico do


político

contexto moçambicano atual, lirismo anterior, representado


por

as novíssimas gerações Knopfli, Grabato Dias, Jorge Viegas,


principalmente

de abortadas, na maioria dos Patraqüim e, naturalmente, José


poetas,
"velho
casos, enquanto coletivas, Craveirinha, o Cravo", como o
propostas

antes mesmo de terem vingado. designavam, elegendo-o como o


"grande "antena
Na década de 1990, Chagas Levene, Mestre", a da raça",

Celso Manguana, Rui Jorge Cardoso, expressão, segundo eles


próprios,

Bruno Macame - estudantes com idade retirada de Ezra Pound.

anos - Esses da chamada Geração 70


entre dezessete e vinte e poucos poetas

idealizaram fundar a Bazar chegaram a delinear o número 00 de


geração

Cabaret, com a um no seriam expostos


qual procuravam periódico, qual

definir uma nova literária. No os de sua mas


proposta pressupostos poética,

entanto, esse não se concretizou. também esse intento se viu frustrado


projeto

Logo o mudou de nome, falta de verba um melhor


grupo por para

denominando-se Geração 70, os acabamento Alguns dos


porque gráfico.

ali reunidos haviam nascido nos remanescentes do


poetas grupo participaram,

anos 1970. Estes se assumiam como então, da Associação Aro Juvenil que

herdeiros das ruínas de um tempo funcionou nas dependências da

conturbado, recém-saído da Associação de Escritores Moçambicanos


guerra

extinta em 1992. Declaravam-se e com o objetivo de expandir a


que,

democratas e a cultura moçambicana, teve uma revista


primeira geração

urbana surgida após a


poética

LABAN, Michel. Encontro com Escritores:

MUNOZ, Francisco. Poema cedido a Moçambique. Porto: Fundação Eng. Antônio

Rogério Manjate nos repassou. de Almeida, 1998, v. III, pp. 1209-1230.


que
"LE
- com o como, exemplo, I MY
editada Bruno Macame, por
por
- PEOPLE GO!", de Noêmia de Souza,
título também de Aro Juvenil , da

números. referido em:


chegaram a sair alguns parodicamente
qual

Estiveram ligados também à revista

a das LET MY BODY GO


Oásis, cuja duração foi, como

não essa religião


demais, com apenas dois (...) professo
passageira,

exemplares editados, nos religião feminista


quais

deixe o meu corpo


colaboraram, além deles, Luís passar

aqui a instituição foi


Nhachote, Domi Chirongo e Magdalena pessoa

Izabel Monteiro, entre outros. esquecida

há muito não tem vida


O lirismo dessa nova safra literária, que

ainda à procura de reconhecimento, se (...)

a se neste beat cardíaco


apresenta irreverente e continua

ocupar de temas bem atuais. Celso quidi, quidi, quidi, quididi

deixe o meu corpo


Manguana, exemplo, critica a apenas passar
por

econômica neoliberal, acusando (...r


política
"príncipes
o dos austrais no
poder
Ao tecermos o perfil da poesia
Banco de um Mercedes"59, enquanto o

moçambicana contemporânea,
morre de fome e são assassinados,
povo
detectamos uma ausência quase
no muitos dos defendem a
país, que
"Aqui de mulheres-poetas. Ecoam
a / No completa
liberdade: jaz pátria
ainda vozes antigas: algumas
último suspiro de sobrevivência //

em determinados
Interessa a vida/ as mesmas questionadas,
Quando
-
como a de Noêmia de Souza
/ também aspectos,
armas libertaram
que
conforme observamos no poema
matam?"60
- e outras reverenciadas, entre
anterior
Grande dos poetas que
parte
a de Glória de Sant'Anna, cuja
Geração 70 e as quais
da chamada
participaram
tutelar Eduardo White, em
seguindo o viés irônico presença
da revista Oásis,
— o entrevista a Michel Laban, reconhece
iniciado Craveirinha e Knopfli
por
sua obra. Clotilde Silva, com o livro
dizer em
entretanto, não quer que
que,
Testamento 1 editado pela
maturidade (1985),
tenha alcançado uma
-, AEMO e no
Mestres poemas publicados jornal
comparável à desses
poética
Lua Nova, conquanto tenha recebido o
não rompeu totalmente com o passado.
segundo Prêmio de Poesia no concurso
recusa explícita a
Mesmo há a
quando
literário Rui de Noronha em 1964, é
certas líricas precedentes,
propostas
conhecida fora de Moçambique.
esta é expressa através de jogos pouco

Concluímos, assim, de modo


emblemáticos que, geral,
intertextuais com poemas
na lírica da
produção pós-independência,

não há, enquanto, como se


por já
59 MANGUANA, Poema fornecido a
Celso.

Rogério Manjate nos repassou.


que
61 Domi. Poema cedido
60 MANGUANA, fornecido a CHIRONGO, pelo
Celso. Poema

nos repassou. poeta


a Rogério Manjate que nos repassou.
Rogério Manjate que
delineia com visibilidade na ficção, com Charrua foram efêmeras - com exceção
248
Paulina Chiziane, Lília Momplé e Lina dos Cadernos Literários Xiphefo no

"no -
Magaia, uma significativa dicção 16" ou 17" número ou então tiveram

feminino". uma irregular, como o


periodicidade

Optando urn lirismo subjetivo, Lua Nova - fundado em 1994 e


por jornal

Magdalena Izabel Monteiro é outra das dirigido inicialmente Leite de


por

vozes embora tenha Vasconcelos e, a de 1997,


jovens, que, partir por

colaborado em Ocí«s, acaba se Marcelo Panguana - embora não


por que,

distanciar dessa tendo seja um espaço de exercício apenas de


geração,

também, em Lua Nova: contempla vários


publicado, poesia, pois gêneros

(contos, ensaios, teatro, tendo


poemas,

Leite de
(...) segredos são segredos publicado Craveirinha,

como os amantes Vasconcelos, Mia Couto, Suleiman

são eclipses Cassamo, Ba Ka Khosa, Lília Monplé,

não terem citar apenas alguns dos


por para

o sexo apunhalado colaboradores), vem-se mantendo e

de nexo conseguiu editar, em de 2001,


janeiro

nem fazerem amor seu 6a número.


por

ao som do No contexto dos anos 2000/2001,


jazz

na solidão dos relógios.62 existem também com


jovens poetas

produção individual como Rogério

Esses versos de Magdalena Monteiro Manjate, cuja a da


poesia, par

abordam a da solidão consciência dos desenganos e das


questão
"a
contemporânea, dos relógios" atuais, mentiras de seu tempo, nutre ainda o

envolvem os moçambicanos num desejo de voar e acordar os


que poetas:
"adensa-se
tempo distópico. Essa atmosfera se a ferrugem / na minha

reflete nos novos a maioria sem vontade de / suspende-se o


poetas, pássaro

conseguir, até o momento, definir um meio dia no / falta virgindade


girassol

conjunto. No milênio ao silêncio / a noite foi à luz / amanhã


projeto poético

se inicia, o novíssimo lirismo a cárie ataca o sol / e o era sonho


que que

moçambicano vive uma vira mentira, //acordei os e as


grande poetas!/

dispersão. Várias e ecléticas são as aves, maria, / cheias de


graça

tendências, algumas das espreguiçam-se no céu".63 O fascínio


quais

repetindo das asas e a necessidade de reinventar


procedimentos poéticos

anteriores, sem, entretanto, atingirem os sonhos o fazem — como vários dos

ainda uma maturação literária da de Xiphefo - um dos muitos


poetas

linguagem e do verso. A maioria das admiradores e seguidores de Eduardo

de surgidos após White, cujo lirismo se impõe como


publicações grupos já

às futuras:
paradigma gerações

62
MONTEIRO, Magdalena Izabel. Poema
63
fornecido pela autora a Rogério Manjate, MANJATE, Rogério. Poema fornecido pelo
que

nos cedeu. próprio poeta.


Poeta Geração 70, embora não tenham
249
Eduardo White) logrado seus livros, não param
(ao publicar

invento o mar de escrever. E Em nossa


por quê?

invento a asa opinião, apesar de se terem


porque

reinvento o sonho declarado do real, da denúncia


poetas

e a ocupa direta da fome, identificando-se como


paisagem

o seu lugar de vôo." herdeiros de distopias e não


guerras,

abandonaram a utopia do fazer literário


Após essa breve incursão lírica
pela
e sabem, no íntimo, ainda precisam
que
moçambicana contemporânea,
aprimorar seus versos. Notamos o
que
averiguamos o desenvolvimento
que
descontentamento frente ao contexto
"não
desta se fez de
propriamente
econômico, social, e cultural do
político
rupturas, mas de movimentos
é refletindo-se no
país grande, quadro
espiralares de avanços e recuos"65, de
- alguns
atual da Vários
poesia. poetas
conquistas e retomadas, tanto até
que
à Charrua e outros
que pertenceram
os mais não abriram mão
jovens poetas -
surgiram ou depois
que paralelamente
da intertextualidade com reconhecidas
revelam, em seus últimos uma
poemas,
vozes os antecederam.
poéticas que de
cética lucidez em relação à realidade
Detectamos as vertentes estéticas
que no
Moçambique, mas prosseguem
apontadas inicialmente neste artigo "paisagens
encalço das da memória" e
"poesia "poesia
(a da de afetos" e a da "subterrâneos
dos dos sonhos", pois
paródica") atravessam, em alternância,
crêem, no fundo, estes, segundo
que
todo sistema de
praticamente poético White e Alfredo
de Eduardo
palavras
Moçambique, estando nas
presentes como forças
Bosi, se configuram

produções mais recentes. Outra "os


interiores capazes de manterem
conclusão a chegamos é a de
que que
homens vivos".
alguns dos egressos da
poetas

MANJATE, Rogério. Poema fornecido pelo

próprio poeta.

MATA, Inocência. Opinião emitida em

conversa informal no Rio de


que tivemos

Janeiro em fevereiro de 2001.

"Quinta
Produtos da da Boa

Sorte": milho, algodão, tabaco,

amendoim, feijão, Fava, batata,

mandioca, uva, mangas, romãs,

etc. (foto: José dos Santos

Rufino, em Álbum fotográfico e

descritivo da Colônia de

Moçambique, 1929. Acervo BN)


'pregos
Exemplares de

de cabelo', expressão

de arte popular

angolana (imagem de
Tracy Carise, em África:

trajes e costumes, 1991.

Acervo BN)
e a Ilha
Rui Knopfli

de Moçambique

Márcia Glenadel

do império português
desmantelamento
longo do tempo,
se anuncia.
A Tempestade, <le Shakespeare; que
A ilha de Próspero
Curiosamente,
Ao tem suscitado duas grandes
de Sena, um
é dedicada a Jorge
no campo da ideologia: seria
questões de língua
ilustre da literatura
exilado
esta cúmplice da empreitada
peça os
tendo como epígrafe
representante do discurso portuguesa,
colonial,
"Em
Creta, com o
versos de
europeu etnocêntrico, ou um exemplo
Sena em
Minotauro", eternizados por
de anticolonialismo? É evidente que "Eu
loca infecta: sou
Peregrinatio ad
está aberto a
este texto shakespeariano
A /
eu mesmo a minha pátria. pátria
ambas e a
possibilidades que
é a língua em que por
de escrevo
é reforçada que
ambigüidade ele gerada
por •
/ nasci. [...]
acaso de gerações
local de onde o leitor lê/fala.
pelo ainda, a
esquecer, que
Não podemos
de enunciação, destarte, é
O lugar
da
shakespeariana que
a escolha do personagem
fundamental para
de Rui Knopfli era
nome ao livro
"ângulo" será
do esta peça
qual o
um exilado e que próprio
também
focalizada.
tornaria um, três anos
Knopfli se
o título do livro de Rui
De início,
de A ilha de
após a publicação
Knopfli, A ilha de Próspero (1972),
Próspero.
causa estranheza. Entretanto, podemos
a ilha representa
Lembramos que
corno um ato de
interpretar tal título
mítico, e é
um espaço primordial que
uma vez os
ironia e subversão, que
um tema recorrente na literatura
de Próspero darão
de A ilha
poemas de Rui Knopfli, a
moçambicana. Alem
"Outros" um
voz aos e mostrarão
Ilha de Moçambique foi decantada por
seja da Ilha
de decadência,
panorama de Lacerda,
outros escritores: Alberto
seja da filosofia
de Moçambique,
Glória de Sant'Anna, Orlando Mendes,
a ilha do Próspero
colonial. Logo,
Virgílio de Lemos, Júlio Carrilho, Luís
é o retrato do
colonizador
Carlos Patraquim e Eduardo White1, cá chegaste,
quando

exemplo. Nesse sentido são Acariciavas-me e muito me


por

elucidativas as de Ana apreciavas; dar-me


palavras quiseste

Mafalda Leite: Água com e ensinaste-me a


ginjas

Nomear a e a luz
pequena grande

Região de brilham dia e noite. E então


geográfica Que

eleição na escrita dos a estimar-te,


poetas, passei

a Ilha de Moçambique é E mostrei-te todas as riquezas desta

caracterizada como lugar de ilha,

encruzilhada de distintos As fontes frescas, as salinas, as

valores estéticos e de terras áridas e as férteis.

esplendor diversos Amaldiçoado seja eu ter feito


pelos por

registos culturais orientais, isso!


[...]

africanos e europeus, lugar de


[...]

uma Memória múltipla e Porque sou tudo o tens,


que

entrançada, em a História antes disso eu era meu


que Quando

e a Origem se dão a conhecer, rei!3


próprio

a lembrar e a estruturar.2 Tempestade, ato I, cena 2)


(A

"Muipíti"
Parada de mercadores e de em significa ilha, em
ponto (que

interseção entre diversas culturas e macua), o sujeito knopfliano


poético

etnias: banto, hindu, árabe e apresenta-nos a sua Ilha de

a Ilha de Moçambique Moçambique. Primeiramente o


portuguesa, poeta
encarna o espaço colonizado introduz Muipíti aos leitores como um
por

excelência. A ilha de Próspero é, então, local de recordações, memória:

um livro congrega um misto de


que

desencanto, em virtude da condição Ilha, velha ilha, metal remanchado,

colonial, e o fascínio característico do minha adolescente,


paixão

espaço das vivências da doloridas lembranças do tempo


primeiras, que

infância.

Tal como Caliban reivindica de


"This
island's mine, by Sycorax my mother, /
Próspero sua ilha:
Wluch thou tak'st from me. When thou cam'st

first, / Thou strok'st me, and made much of


Esta ilha é minha, Sycorax
por me; wouldst
give me / Water with berries in't;
minha mãe,
and teach me how / To name the bigger light,

E tu a roubaste de mim. No início and how the less, / That burn by day and

night. And then I loved thee, / And showed

thee ali the o th isle, / The fresh


qualities
'
Cf. LEITE, Ana Mafalda. Literaturas springs, brine-pits, barren place and fertile. /

africanas e formulações pós-coloriiais. Maputo: Cursed be I that did so! / / For I am


[...] [...]
Universidade Eduardo Mondlane, 2003. ali the subjects that
you have, / Which first

pp. 131 e 134. was mine own kingl [...] (The Tempest, act I,
~
Idem, p. 131. scene 2) Tradução nossa.
.

253
I/IU.I

den charten vori


Charte von África nach astronomischen Beobachtungen, auch alten und rreuen Nachrichten, ingleichen

Sayer, Rennel, Arrowsmit u.a.m. neu entworfen.(Mapa da África, de GUssefeld, F. L. Acervo BN)

em e a condição de subserviência
que, do alto do minarete,

- - são embarcações, usadas na


Alah o sacana! sorria (pangaios
grande

índia e na África Oriental, traziam


aos tímidos versos bem comportados que

imigrantes indianos a Ilha de


eu te fazia. para
que

Moçambique, e Katiavar é o nome de

o uma região na índia):


Para em seguida, revitalizando

conflito Caliban e Próspero, assumir

De teu, cultivam-te a vénia e a


um tom denunciatório dos efeitos da

colonização, como a dilaceração submissão

solícitas, trazidas nos


cultural dos elementos orientais e pangaios

lá do distante Katiavar,
africanos m'siro é um branco,
(o pó

como expondo-te apenas no tens de vil


de utilizado que
proveniente plantas,

máscara bantos):
pelos povos
A ilha evocada é o lugar
pelo poeta

em das confluências, onde as fronteiras se


Eis-te, cartaz, convertida puta

diluem entre Ocidente e Oriente:


histórica,

minha pseudo-oriental
pachacha
Mas retomo devagarinho as tuas
[...]

de espesso m'siro ruas vagarosas,


maquilhada

caminhos sempre abertos o


e a mimar, [...] para

trejeitos torpes de cortesã decrépita. mar,


brancos e amarelos filigranados Assumindo a voz de um trovador

de tempo e sal, uma lentura ciente do contexto histórico o cerca,


que

brâmane muçulmana?) durando o sujeito outorga-se a


(ou poético

no ar, habilidade de cantar e contar os fatos

no sangue de sua terra, aqui representada


[...] pela

("Muipíti" IP, 334 e 335) dama. O bardo o confronto


p. proclama

de interesses dos instituídos e


poderes
"os
Interessante observar dos baseados em relações de
que públicos,

caminhos sempre abertos o mar" conveniência:


para

podem tanto remeter à disposição

geográfica das ruas de uma ilha (que Vários foram os elaborados


que, por

irão sempre desembocar no oceano), contratos ou vantajosas

o mar, veículo trouxe o conveniências


quanto para que

colonizador e suas caravelas. de família, te desposaram em uniões

Finalmente, na última estrofe de burocraticamente consumadas e te


"Muipíti",
vislumbrar através expuseram
pode-se

da imagem da máscara, simbologia de a seu lado na solene


pompa

ocultamento de um euro-afro- dos cerimoniais os três Estados.


perfil para

asiático, um espírito de resistência.

"subtil
A voz descobre e Resgatando o de intervenção
poética poder

cúmplice, / a dura linha do teu do elemento subalterno, em sentido


que

autêntico [Muipíti] / te vai, aos estreito o e no lato o colonizado,


perfil jogral

fissurando a máscara", isto é, o trovador o arbítrio e o


poucos, pondera que
"pachacha "senhor
apesar de do feudal"
pseudo-oriental poder (o

maquilhada de espesso m'siro exibindo dominador) está em xeque:

trejeitos de cortesã decrépita", Muipíti

"máscara"
rompe com a a ela imposta. Ensina-o uma velha sabedoria:
[...]
"Muipíti"
Nota-se em através da enquanto dorme o castelão,
que, penetra

desconstrução as identidades o humilde na alcova da


poética, jogral

múltiplas metonimizadas Ilha


pela princesa.

emergem.

"A
Em dama e o Percebe-se neste a
jogral" (IP, poema
"auto-ironia"
336) deparamos a do apropriação de uma tradição literária
p.

sujeito no se refere à sua européia medieval, o trovadorismo,


poético que

condição de como se sente) em anunciar a


(ou para possibilidade de queda
"europeu",
relação à de um império o
pátria: português.

A hibridização, fruto do forte

Proscrito na saborosa ironia!, entrecruzamento étnico-cultural em


pátria,

a mim coube o destino de cantar-te Moçambique, começa a delinear-se em


"Terraço
na toada monótona deste áspero da misericórdia" 339):
(IP, p.

bordão.
"marginalização"
As sombras salmodiam tristemente conseqüente de tudo

versículos do Corão. Adejam aquilo se refere ao dominador.


que

brancas Provas disso são as segunda e terceira

túnicas na moleza da brisa morna. estrofes. Os versos finais também são

A velha Misericórdia cuida da indício de hibridização cultural: o

"verdadeiro
alvenaria nome" ser tanto de
pode

origem árabe, indiana ou


portuguesa,

retocada de in'siro alvíssimo sem uma dessas culturas


que

e, entre vielas e sobreponha-se a outra.


por pracetas,

finge ignorar ao longe o verde moço Em outro exemplo de cruzamento

da Mesquita. Pai Nosso, Ave-Maria, entre culturas, o sujeito poético

knopfliano dá voz e destaque ao

do rosário, talhado mãos mundo islâmico. Desde o início de


por
"Mesquita
macuas, caem as contas negras. 341),
grande" (//J, p.

Os lábios ressequidos do velho a supervalorização do


percebe-se

Oriente em detrimento do Ocidente


patiah

respondem ciciando mediúnicos o . começar título):


(a pelo

Gayatri:

Neste raso Olimpo argamassado em

[...] febre

e coral, o Deus maior sou eu. Por

Coração amassado na mais


perplexo,

argila as os muros e as
que pedras,

do tempo, o teu nome afirmem


qual palavras

verdadeiro: outra coisa, mais me


por que

abram o corpo

Gafar, Govinde, ou Gonzaga? em forma de cruz e me submetam

a árida

Apesar do título,
que

aparentemente levaria o leitor o voz às doces inflexões do cantochão


para

universo cristão, e também neste caso latino,

europeu e o se vê é a [...]
português, que
"Outros": sangue impele
valorização dos do [...] o que estas

hinduísmo, islamismo e de elementos veias

africanos. Assim a voz


procedendo,

desloca a cultura e o discurso é o meu. [...]


poética

do colonizador uma
para posição

E clara no a 0 Olimpo, metonímia de um dos


periférica. poema

inversão de valores culturais, aqui berços da cultura ocidental, a Grécia

representados manifestação Antiga, é à margem, em uma


pela posto

religiosa e relevo conferido a uma clara afirmação de identidade do


pelo
"Outro".
das etnias de Moçambique, e a 0 mesmo acontece com
signos ligados à cristandade: a às tradições e de convicções
presos

imagem da cruz e o cântico arraigadas, tendo dificuldade em


gregoriano

(típico da Igreja Católica do aceitar o Novo (haja vista os exemplos

Ocidente). Estabelece-se, então, uma contidos nos relatos bíblicos); e a

"outra",
voz em antagônica e encarregada de copiar
posição pessoa

de resistência à voz e opulência manuscritos, extensão, escritor.


por

colonizadoras: Uma vez mais, acreditar em


podemos

uma apropriação, de
por parte

Pórticos, frontarias, o metal Knopfli, de um discurso hegemônico,


[...]
"cristão",
das armas e o Poder exibem na tua criticar a intolerância,
para

sigla ou, ainda, no entendimento deste

a arrogância do conquistador. de cada escritor apreende e


poeta que

Porém o mel registra a História a seu modo.

de tâmaras modula o Hinduísmo, islamismo e


que gesto

destas cristianismo são lado a lado,


gentes, postos
"A
o cinzel lhes aguça a madeira novamente, em capela"
que [IP, p.
"Terraço
dos 345). De forma semelhante a
perfis,

da misericórdia", o título poderia

a lenta chama lhes devora os remeter o leitor à exaltação da Europa


que

magros rostos, cristã, se


principalmente pelo poema
"A
meus são. iniciar com a descrição de capela":
[...]

Até a figura de Cristo (metonímia Paredes travam a luz


grossíssimas

da religião imperial) é islamizada: e a se esgueira frinchas


que por

e altíssimos aqui chega


postigos,

Dolorido e exangue o difusa e diluída fantasiando


[...] próprio

Cristo é mouro da Cabaceira e tem a livores de madrugada.

esgalgada

magreza de um velho cojá asceta. A cor é fria, o branco cinza


quase

e as do retábulo simulam
púrpuras

0 finaliza reafirmando valores fogos morrentes onde crepita


poeta

muçulmanos e em tom de desafio aos o fulgor mais vivo de uma ou outra

dominadores: rara chama. África ficou

ao umbral das no calor


portas,

Raça de escribas, mandai, da aqui


julgai, praça; principia

a Europa.
prendei: [...]

Só Alah é e Maomé o seu


grande

No entanto, o se observa é a
profeta. que

confluência de elementos distintos,

"cadinho
0 uso da escribas desperta constituindo o cultural
palavra

outras interpretações os moçambicano". Enquanto a descrição


possíveis:
"fria"
homens doutos em leis do Ocidente é e distante, o
(religiosas),
O

"colorido", a água, a ração mínima,


apresenta-se Salobra
Oriente
(.(. • W a alguns mais felizes?) leva-os
vivo : (os

a febre e a disenteria, engole-os

o verde sombrio do oceano sem


Porém, da parede
[...]

lateral, sob um baldaquino hindu fundo.

e num desvario de cores e santos

Enrolados na nossa magreza


hieráticos,

e em roupa breve, jazemos


salta o oitavado e é o
púlpito
na aspereza escaldante do
Oriente

com seus monstros. tombadilho


chega
que
as horas e as braças
enquanto

"cadinho o seu moroso suplício.


A fusão contida neste gotejam

cultural" é observada como algo

Um dia, avoluma
exótico, diferente, escapa ao olhar quando
que
insuportável
comum:

a sede e decresce a pouca

um rosto esperança,
Do silêncio fita-nos

chegamos, enfim.
trifonte

Ilha de Moçambique]
e nós estamos na encruzilhada [ã

cismática desse olhar se


que
barata e de qualidade
Mão-de-obra
prolonga,
os de Diu eram
nos examina e considera. (visto que pedreiros

habilidosos, responsáveis pela


artistas

de muitas das edificações


ser este o construção
0 levaria a crer
que "pedreiros"
"examina dirigem-se a
e da Ilha), os
olhar do colonizador, que
também coletivo,
em um um interlocutor,
considera" algo se situa
que
Apesar da relação
cultural iinperialista.
cruzamento ("encruzilhada')
entre dominadores e
de seu desigual
e se encontra separado
que "pedreiros"
"encruzilhada os ousam
é subjugados,
de vista (a
ponto
"cismática", falar:
entendendo-se por
"cisma" "separação").
neste caso,
invés dos Senhores, somos
ao Ao
Dando a diretamente
palavra
vezes mais escuros até)
"Outro" escuros (por
e relatando as péssimas
como o da costa fronteira.
e de trabalho dos gentio
condições de viagem

Somos os de Diu,
Ilha de Moçambique, pedreiros
imig rados a
para
engenhosos, capazes
a voz coletiva de prestáveis,
Rui Knopfli assumirá
de todo sacrifício, uma mão-de-
"Os 346):
de Diu (IP, P-
pedreiros
obra

após dia, barata e


mar e céu. dia generosa,
Céu e mar,
desconhece a exaustão e os
deleite a lenta que
sem outro que
horários.
metamorfose das nuvens, [...]

[...]
"castigo",
Assumindo si a fala dos Estéfano o seu
para para por
"Outros",
o sujeito admite, da exemplo, ele se apresenta dócil,
poético

mesma forma, a destreza da Arte incapaz de se insurgir.

"Canção
deles. Afinal, foram esses mestres-de- Assim sendo, na de Ariel"

obras através do engenho de seu contemplamos os habitantes da Ilha


que,

trabalho e sacrifício erigiram de Moçambique impassíveis ao se


pessoal, que
"honra"
monumentos a do ao seu redor, de modo especial
para passa

império aos acontecimentos do continente, de


português:

Moçambique:

Templos, moradias, fortins

e baluartes, nós os gizámos Esquálidos vultos aracnídeos,

e concebemos. escorre-lhes a condoída mágoa

ao longo dos magros ombros.

Por nossa, Assim imóveis e mudos, cravados


glória

em louvor da vossa Glória. nos muros, nas na


pedras,

paisagem,

Em uma alusão mais direta a dão costas à Terra Firme,

A tempestade, encontramos em A ilha cujo rumor, surdos, ignoram.


"Canção
de Próspero a de Ariel"

(IP, 347). Recordamos no texto Perde-se-lhes no longe do mar,


p. que

shakespeariano Ariel é o outro


[...]

habitante da ilha dominada o melancólico resignado olhar.


por

Próspero. Tão dono da ilha


quanto

Caliban, Ariel serve fielmente a Os habitantes da Ilha, tão

"Terra
Próspero obter sua liberdade; moçambicanos os da
para por quanto

isso esta foi Firme", desconhecem, não têm noção


personagem

interpretada como ou não se interam das de


posteriormente guerras

sendo a imagem do assimilado, do libertação, da luta armada em marcha

traidor ou daquele é incapaz de no estão alheios ao curso da


que país,

reagir. História:

O de semelhança entre o
ponto

Ariel original, o dele foi dito ao O tumulto sobe do continente


que que

longo dos tempos, e o de não os inquieta ou contagia,


poema

Knopfli é a Apesar do em seus rostos não há sinal,


passividade.
"espírito
Ariel shakespeariano ser um centelha ou fulgor do incêndio

etéreo", capaz de feitos mágicos tais que, no horizonte lavra.


próximo,

a tempestade Imóveis e antigos fitam o mar.


quais produzir que

trouxe os desafetos de Próspero à ilha,

"banquete
o dos traidores" e as A voz conclui com uma
poética

canções atraem Ferdinando a indisfarçada rebeldia: Não são estes os


que

Miranda, a comitiva de Antônio ao filhos de Caliban. Significando


que,

banquete e Caliban, Trúnculo e herdeiros muito tempo de uma


por
história de opressão, os filhos da Ilha libertem-me, da ilha. Preciso
pois,

de Moçambique não esboçam de seus sopros, suas artes e seus

resistência, metaforicamente não são encantos sobre minhas velas.

"descendentes"
de Caliban. E agora me falta o feitiço
já que

Apesar da manifesta revisitação de mágico agradá-los, o meu fim é


para

A Tempestade em A ilha de Próspero, o desalento. Só de orações me

também em 0 Corpo de Atena sustento. O um dia vocês


(1984), perdão que

encontramos um estreito eco dessa hão de concedam-me igual.


pedir,

na dicção knopfliana. Deixem-me ir.4


peça

De acordo com dados fornecidos

texto de Shakespeare, sabemos Embora não seja nosso foco


pelo

os símbolos representantes do cumpre dizer alguns


que principal, que

do teatro elizabetano têm


poder de Próspero são o manto, o pesquisadores

cetro os dado especial atenção a este solilóquio,


(ou vara) e,
principalmente,

fornecendo-nos algumas A
livros. Os dois encarnam a pistas.
primeiros

interpretação mais imediata seria a de


realeza, o hierárquico, imperial.
poder

Próspero despedindo-se dos espíritos da


Já a simbologia dos livros é mais sutil.

ilha, estiveram a'seu serviço. Daí


Não desprezar o fato de que
podemos que

depois de libertá-los, Próspero peça


Próspero era um homem da que

bons ventos deixar a ilha, sendo


Renascença, dado aos para
portanto

do liberto, seu turno, do exílio.


estudos. Os livros são metonímia por

Outra interpretação dá conta de


conhecimento enciclopédico e, por

o uma fala metateatral: epílogos e


extensão, de um adquirido:
poder

solilóquios são atores.


saber. pronunciados por

Despindo-se da Próspero, o
A Tempestade encerra com um personagem

"discurso
epílogo, o de Próspero".

Após os o traíram e 4 "Now my charms


perdoar que are ali o'erthrown, / And

reaver seu ducado, Próspero concede a I have's mine own, / Which is


what strengh

liberdade a Ariel e Caliban, abjura da most faint. Now't is true / I must be here

confined by you, / Or sent to Naples. Let me


magia, desfazendo-se de sua vara

not, / Since I have my dukedom got / And


e enterrando-a) e de
(quebrando-a
the deceiver, dwell / In this bare
pardoned
seus livros ao mar), e
(atirando-os
island by your spell; / But release me from my
despede-se da ilha o abrigou
que bands / With the help of your good hands. /

durante o exílio com essas palavras: Gentle breath of yours my sails / Must fill, or

else my project fails, / Which was to please.

não existe, só Now I want / Spirits to enforce, Art to


Meu poder já
enchant; / And my ending is despair, / Unless I
minha força, agora é pequena.
que
be relieved by prayer, / Which pierces so that
Devo ficar aqui confinado com vocês
it assaults / Mercy itself and frees ali faults. /
ou Nápoles. E certo que
partir para As you from crimes would pardoned be, / Let

tenho meu ducado de volta, perdoei


your indulgence set me free." Tradução nossa,

o roubou, mereço ser livre inspirada em adaptação feita


quem pela jornalista e

também. Com a ajuda de suas mãos, escritora Sônia Rodrigues.


"[é]
ator estaria anunciando o fim do 0 corpo de Atena o regresso à

espetáculo, da magia da dimensão minúscula, depois do sonho


palavra

artística e à o imperial."6, é o olhar do exilado


pedindo platéia

consentimento, sob forma de aplausos, contemplando as ruínas do sobrou,


que

deixar o após a do Império. Assim sendo,


para palco. queda
"0
Por ser a última escrita Knopfli nos revela com livro
peça por

William Shakespeare, logo depois se fechado" (CA, 478):


que p.

retirou da vida teatral razões até hoje


por

desconhecidas, especula-se a vara, fechei o livro


que Quebrada

A Tempestade também trata do ofício da e não será incúria ou descuido


por

algumas se reabram
escrita. 0 conhecimento (e conseqüente que páginas

adquirido através dos livros, o e os mesmos fantasmas me visitem.


poder)
"efeito
eneantatório" da palavra e o Fechei o livro, Senhor, fechei-o,

discurso final de Próspero seriam sinais

disso. 0 dramaturgo inglês, meio das


por [...]

de Próspero, estaria saindo, Abjurado, recusei-o e cumpro,


palavras

definitivamente, de cena. [...]

0 último poema de 0 corpo de Ateria

"0
tem um nome significativo: livro
(1984) [...]

fechado". 0 corpo de Atena foi o dia-a-dia de um destino tolerado.


publicado

em Portugal, no exílio de Knopfli.


congregando poemas de antes e depois de Tal Próspero, o sujeito


qual poético

sua saída de Moçambique. Enquanto, em seu solilóquio dirige-se a um

"Senhor".
segundo o autor, A ilha de Próspero: interlocutor: Atente-se a
para

ambigüidade desta evocação, que pode

o único livro deliberei, tanto remeter a alguém em


[foi] que posição
"superior", "senhor
como um a neste caso um
projecto, porque poesia

normalmente é acidental e tem imperial", ou então a um dos


que

se cumprir, eu deliberei tratamentos concedidos a Deus, ente


[...] quando

e comecei a escrever, sob o signo superior. A o sujeito


já quem quer que

de Caliban, da Ilha de Próspero, do esteja se dirigindo, o recurso a


poético

colonizador e do colonizado o um interlocutor é um que


[...] pretexto para

se desenhou no meu espírito é ele expresse seu de vista.


que ponto

mim, A ilha de 0 se vislumbrar também


que [...] para que pode
"0
Próspero é a negação é o em livro fechado" é o anúncio do
[...]

lamurioso ou lamuriento desfazer do fim da mágica do e a


palavra poeta

Império. E o encerramento do amargura do exílio vivido. A ameaça de


[...]

ciclo épico do Império, silêncio e o desajuste pelo


[,..]5 promovido

exílio tornam-se iminentes:

° Michel. Moçambique: encontro


Cf. LABAN,

com escritores. Porto: Fundação Engenheiro

Antônio de Almeida, 1998. v.2. p. 546. Idem


treze anos mais tarde, em um ato final,

com 0 monhé das cobras (1997).

Neste livro, ocorre algo similar a 0

corpo de Atena: ao finalizar 0 monhé ...,

"Cair
Knopfli apresenta-nos o poema

do (MCB, 487), em a voz


pano" p. que

o fim da
poética proclama performance

do encantador de cobras. 0 tal


poeta,

como o monhé, é um ilusionista e

encantador de ou
(só que pelas
"espetáculo"
Ele encerra seu
palavras).
"sai "Cair
e de cena" ao do pano".
"Cair
Uma análise mais detida de do

encontra-se no capítulo
pano" primeiro

deste trabalho.

Jogos interpretativos à
parte,

encerramos esta acreditando


Mobiliário africano pesquisa

Rui Knopfli teve de se ver tanto no


que

Na raça de estranhos em me espelho de Próspero, no espelho


que quanto

mudei, de Caliban e, através deste confronto,

E entre estranhos da mesma raça buscar seu verdadeiro rosto em algum

dissimulado e obediente, o lugar entre ambos. Seu discurso situa-


Que,

sofro. se em território não demarcado, é um

discurso de e na fronteira, oscilando

entre as celebrizadas de
[...] personagens

me tornei do horizonte A Tempestade.


[...]

severo e restrito não me


que

pertence,

lavrador vergado sobre solo alheio BIBLIOGRAFIA

KNOPFLI, Rui. Memória consentida -

onde não cai, nem viga, 20 anos de poesia 1959/1979. Lisboa:

desmobilizada, INCM, 1982.

a sombra elíptica do . Obra


guerreiro. poética.

Fechei o livro, calei todas as vozes, dos de língua


[Escritores países

Contas de longe cobradas em nada. n° 31]. Lisboa: INCM,


portuguesa,

Fale, somente, o silêncio lhes 2003.


que

sucede. . O Monhé das cobras.

Lisboa: Caminho, 1997.

"discurso
Ainda se utilize do de
que

Próspero", Knopfli nada tão-


pede,

somente anuncia o seu desencanto e

"retira-se
de cena", a ela retornar
para
A de Cabo Verde:

poesia

um trajeto identitário

Simone Caputo Gomes

A carta de identidade de urna nação

é, antes de mais, a sua cultura.

(Manuel Veiga)

à resistência organizada que


texto se a
propõe
desencadeou as lutas de libertação
funcionar como base para

da nacional2.
reflexões
Nosso sobre o
papel
meio a esse e malgrado
e da Em processo
na expressão da cultura
poesia
somente o
as marcas profundas que
identidade crioulas, destacando alguns

continuado trabalho de gerações poderá


de seus momentos mais importantes.

o homem cabo-verdiano situa-


dominação apagar,
Apesar do de uma
peso
se, tanto no contexto africano quanto
cultural durou cinco séculos, o
que
universal, como socio-
no personalidade
cabo-verdiano cedo começou a resistir,

cultural autônoma, singular, como


reivindicando a sua identidade. Essa

enfatizam Manuel Ferreira (A aventura


resistência expressava-se através da fala

crioula) e Gabriel Mariano (Cultura


cabo-verdiana crioulo), das vozes
(o
caboverdeana: ensaios). Para Mariano,
entoando mornas, das cantigas de

o aculturativo em Cabo Verde


trabalho, dos repiques do batuque, da processo

desabrochou no florescimento de
euforia do funaná dançado, dos poemas
"di expressões novas de cultura, mestiças
engajados, dos contos bóka di

desde as suas origens mais remotas.


tardi" às manifestações
que, junto

coletivas como a tabanca', se somavam

1 e Maio, principalmente
Nas ilhas de Santiago
cabo-verdiano. As cores, as canções alegres, o
na primeira, as Tabancas constituem as

aos ritmo a firmeza do batuque, o rufar


manifestações mais típicas associadas quente,

dos tambores marcando compasso ao som dos


a 3 de maio,
Santos populares (Santa Cruz,

Santo Antônio, a 13 de junho, São João búzios são imagens que destacam o cortejo da

a 29 de Tabanca das demais manifestações de rua.


Baptista, a 24 de junho, e São Pedro,
" fundava-se o PA1GC, Partido
estão Em 1956,
junho). As festividades religiosas

de rua realçam Africano para a Independência de Guiné e


associadas a manifestações que
homem Cabo Verde.
a mestiçagem da cultura criada pelo
"Parece-me
ter havido em Cabo horizontal vertical, todo o
quanto por

Verde um certo desvio naquilo o arquipélago, de expressões de cultura


que

português realizou nas áfricas. Melhor mestiça formadas no


possivelmente

dizendo: um certo desvio na ou funco: a língua crioula, o folclore


posição

situação do homem a musical e novelístico, a


português perante poético,

direcção dos fenômenos foram culinária, a doceria, o folclore das


que

surgindo nas suas vicissitudes de adivinhas, dos os festejos


provérbios,

contacto com os afro-negros. No as superstições, os hábitos e


povos populares,

Brasil, exemplo, nota-se ao esquemas de comportamento.


por que

branco coube sempre uma função de Feitas essas observações

líder, de mestre na evolução da voltemos o nosso olhar


preliminares,

sociedade brasileira. Em Angola, momentos importantes da


para poesia

Moçambique, Guiné ou S. Tome e cabo-verdiana nos


que possibilitam

Príncipe coube ao o poder de fazer uma leitura do seu


português primeira

comandar o fluir e refluir dos trajeto.

acontecimentos locais. Em Cabo Verde Embora tenhamos notícia de cabo-

(...) o mulato adquiriu desde cedo verdianos dedicados às Letras desde o

liberdade de movimentos século XVI, o nome nos


grande (...); primeiro que

ter-se-ia transferido o mulato a ocorre é o de Guilherme Dantas


para (1849-

condição de mestre, de líder na 88), do Almanach de


que participou

estruturação da sociedade Lembranças Luso-Brasileiro. 0


grande

caboverdeana (...). Teria sido o funco, e nome do final do século XIX, no

não o sobrado, o laboratório exacto entanto, é Eugênio Tavares (1867-

onde se a síntese de culturas 1930), com sua crioula cantada


processou poética

e a apropriação negro e até hoje nas mornas. Junto a ele


pelo pelo

mulato de elementos e expressões destacamos José Lopes


(1872-1962),

civilizacionais A cultura com vasta obra Pedro Cardoso


portugueses. poética;

fez-se de baixo cima."3 bilíngüe


para (1883-1942), poeta que

reivindicava o uso do
preponderante
Assim, com o contínuo alargamento
crioulo (hoje tomado como bandeira do
da área de do mulato,
jurisdição nacionalismo literário); Leite
Januário
tornou-se significativo o fato de, numa
(1867-1930); e Guilherme Ernesto
civilização de brancos, criada
por Lopes da Silva, 1889-1967).
(Félix
brancos, desabrochar uma cultura
Neste início do caminho literário, a
mestiça, onde brancos, negros e
aproximação do cabo-verdiano de seu
mulatos se realizam mesmas vias.
pelas

O mestiço cabo-verdiano revelou-se

como elemento catalisador e

estabilizador, mas também inovador e

plástico, com o alastramento tanto

°q
MARIANO, Gabriel. Cultura caboverdeana.

Lisboa, Veja, 1991.


universo interno começa espaço Pedro Cardoso, ao lado da
pelo pátria

ilha). A fusão homem-terra imperial ressalta sua pátria


(insula, (Portugal),
"o
constitui iniciático do crioula:
percurso

Homem no encontro com a sua

Identidade, através da introspecção e A minha é uma montanha


pátria

do conhecimento real do espaço e dos Olímpica,

agentes físicos e humanos o tamanha! (...)


que
- chama-se
rodeiam. Descobre-se a terra, como Na verdade, escutai!

cognitivo do homem."4 Fogo!


processo próprio

Desde os textos dos chamados 57-8)


pré- (.Hespéridas, p.

claridosos, a do dilema entre a


par

crioula Nasci na Ilha do Fogo,


lusitana e a mãe terra
pátria

constatamos a incorporação Sou, caboverdeano.


(mátria), pois,

míticos, E disso tanto me ufano


de uma série de conteúdos,

nada dera tal.


sociais e ideológicos diferenciam e Que por
que

Se filho de Cabo Verde,


afastam a cultura do arquipélago da

- -
Assevero fronte erguida
portuguesa.
me é honra a mais subida
Em sua instabilidade filial, José Que

com Ser neto de Portugal.


Lopes e Pedro Cardoso apresentam

da e corais, 5)
insistência em seus o topos [Algas p.
poemas

se reparte: na transpátria
pátria que
citados, colaboradores do
lusitana, colonial se exclusiva, Os poetas
que quer
"a de lembranças Luso-
e numa alternativa, terra onde Almanach
pátria
importante cultural
nascemos", toma Ilha Brasileiro (de papel
que (nativa) por

Brasil, em Angola. Moçambique e S.


Arquipélago. no
"teatro
Tome), destacam-se naquele de
José Lopes aceita a ancestralidade

ensaios literários, Hélicon hospitaleiro


camoniana:

das nossas Musas hesperitanas."5

Aqui um topos
Mas somos filhos, nós, de outros pontuamos

interessante do de busca de
percurso
gigantes
"por identidade crioula: o recurso ao mito
mares nunca de antes
Que,
arsinário ou hesperitano como Origem
navegados"

à idéia de As obras
Nossas Ilhas tiraram do mistério (associada pátria).

de José Lopes e de Pedro Cardoso,


29). já
(Hesperitanas. p.
nos seus títulos 1928, e
(Hesperitanas,

"ilhas Hespérides, 1929; Jardim das


Contudo, assume as nossas

25). Hespérides, 1926, e Hespéridas. 1930,


mães" (Hesperitanas, p.
respectivamente) interpretam a origem

4 Rodrigues dos. As máscaras


SANTOS, Elsa
5 Cabo Verde - notícias de seus
e a mundivivencia LOPES, José.
poéticas de Jorge Barbosa

Lisboa, Caminho, 1989. Vida contemporânea. Lisboa, março,


cabo-verdiana. poetas.

84.
1935. p. 497.
p.
como: Ilhas do velho Hespério - das Cardoso. A formulação do mito
pai

Hespéridas - abrigavam remontaria às de José Lopes e


que jardins pesquisas

repletos de de oiro, Pedro Cardoso nos alfarrábios e


pomos guardados

dragão de cem cabeças, morto enciclopédias da biblioteca do Liceu de


pelo por
"ilhas
Hércules. As no meio do S. Nicolau, do foram alunos.
perdidas qual

mar", destacadas Jorge Barbosa em Em seu Arquipélago, importante


por

seu antológico Arquipélago, 1935, obra do início do da cabo-


já percurso

eram identificadas Camões nOs verdianidade, Jorge Barbosa identifica


por

Lusíadas 7,8,9) como Cabo Verde as Ilhas de Cabo Verde com a Ilha da
(C.V,

Arsinário ou Estrabão). Atlântida e, ocasião do lançamento


(Cabo por

Parece-nos o motivo o da Bevista Claridade,1936, houve


que pelo qual

mito relativo a espaços de felicidade foi ao título da mesma:


polêmica quanto

retomado consiste Atlântida de Jaime de


pelos pré-claridosos (sugestão

numa releitura das concepções Figueiredo) ou Claridade (como queria

românticas relativas ao mundo Baltasar Lopes).


pré-

diluviano, muito em voga na virada do Da submersão da Atlântida, depois

século XIX XX. Segundo Manuel dos cataclismos, restaram, o


para para pré-

Ferreira, o investimento na assunção do claridoso José Lopes, as ilhas de Cabo

"é "Das
mito hesperitano debitário da Verde: vastas extensões assim

de construir um universo submersas / Então ficaram estas nossas


preocupação

defensivo: contra a alienação ilhas."


patriótica (Hesperitanas)

e contra o estado extremamente

"Irmãos
carencial do arquipélago de Cabo Pedro Cardoso lembra aos

"pisamos
Verde", funcionando isso como Caboverdeanos": / talvez
por (...)

mecanismo de compensação.6 a mesma terra os Atlantes"


que

A busca da origem no mito do (Hespéridas).

atlantismo7 vai operar também com Portanto, a


geração pré-claridosa já

caráter unificador do social, propõe uma alternativa à


grupo pois pátria

o homem cabo-verdiano se lusitana, voltando-se a terra-mãe.


que para

concebia então como fragmento de uma Mas o recurso ao mito hesperitano

mais antiga, paraíso perdido, ainda a concebe como terra-longe.


pátria
"florescente
império" se estendia Outro mito do terra-longismo
que que

do Mediterrâneo ao Cabo das respaldará, num certo momento, a

Tormentas, como destacava Pedro caboverdiana é o de Pasárgada,


poesia

revisitado da Claridade.
pela geração

6 ou A Bevista Claridade é
FERREIRA, Manuel. 0 mito hesperitano (1936-1960)

a nostalgia do paraíso perdido. In: Les a manifestação intelectual da


primeira
littératures africaines de langue portugaise,
elite crioula, traçando uma divisória
Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1985. p. 245-6.
~ entre a tributária do modelo
poética
Atlântida, ilha utópica cheia de abundância
e o mergulho nas raízes
português
e com uma civilização de alto nível cultural;
locais, leitura do
depois entrou em decadência e, vítima de passando pela

cataclismos, a ilha submergiu. modernismo brasileiro. Jorge Barbosa,


da emigração ou evasão como saídas
Baltasar Lopes Alcântara) e
(Osvaldo

Lopes no essa problemática.


Manuel pontificam grupo, possíveis para

Manuel Bandeira, exemplo, teve


tendo como colaboradores Onésimo por

larga recepção no meio literário cabo-


Silveira, Aguinaldo Fonseca, Arnaldo

sobretudo da
França, Corsino Fortes, Gabriel verdiano, pela perseguição

cujo se cristaliza na
Mariano e outros. felicidade protótipo

de Pasárgada. Considerado um
O Brasil, recém-independente e com imagem

irmão atlântico Jorge Barbosa, que


literatura divulgada em terras lusas, por

relê a sua em inúmeros textos,


a ser um modelo de afirmação poesia
passava

a Bandeira tem outro importante


mestiça no Cabo Verde buscava
qual
o Osvaldo Alcântara
sua identidade. admirador, poeta

Lopes). A imagem de
João Lopes refere, no primeiro (Baltasar

fecunda seus textos, não


número da revista: Pasárgada

doença como nos


mais motivada pela

"dada do brasileiro, mas pela pobreza


a insuficiência de poemas

arquipélago. A nova Pasárgada


materiais de estudo do
que permitam
não se resume a um espaço
refazer a história econômica e social também

mas evasão,
das ilhas, temos as único, propõe-se; pela
que preencher
como transposição de limites:
com ilações tiradas da sempre
lacunas

situação actual e subsidiariamente


Eu vou-me embora,
dos estudos levados a efeito no

não vou ficar mais


Brasil, a explicação do
para
Astral Inferior
avassalado pelo
fenômeno brasileiro." Vicente,
(S.
da Ponta da Praia.
(Rapsódia
março de 1936, 9)
p.
Claridade 5, 13)
p.

No segundo número de Claridade,


Ou ainda como espaço perdido
de Oliveira afirma os
José Osório que em
não como lugar a conquistar,
(e
cabo-verdianos de um
precisavam No seu Itinerário de
Bandeira).
exemplo só a Literatura do Brasil
que Osvaldo Alcântara nos fala
Pasárgada,
lhes dar, as "saudade
poderia justificando da fina de Pasárgada".

afinidades entre Cabo Verde e os

brasileiro. Até o de Pasárgada


estados do Nordeste Se o Itinerário

da revista o Bandeira beira a biografia,


último número (1960), traçado por

Brasil como ou ser uma resposta a


permanece padrão o de Alcântara pode

do folclore, da o criticou
intertexto nos estudos Ovídio Martins (1962). que

e da "evasionista",
língua, das estruturas sociais como rótulo se
que

literária. estendeu aos da Claridade:


produção poetas

como o martírio da terra-


Temas

a seca e a fome são Pedirei


mãe, a aridez,

do olhar cabo-verdiano para Suplicarei


constantes

como os temas da Chorarei


dentro, assim

drama e Não vou Pasárgada


insularidade como geográfico para
Atirar-me-ei ao chão Remanescente da da Nova
geração
e nas mãos convulsas
prenderei Largada, o de Seló 2
grupo (1962,
ervas e de sangue
pedras números), formado Armênio Vieira,
por
Não vou Pasárgada
para Osvaldo Osório e Mário Fonseca, entre

outros, aborda um dos


problemas
Gritarei cruciais do colonialismo, o do

Berrarei contratado, adotando o discurso de

Matarei! revolta, como retratava



Não vou Pasárgada. anteriormente
para Ovídio Martins:

O mito de Pasárgada, ressaltado


por Silêncio Cabo-verdianos!

Bandeira, na memória de
permanece

vários cabo-verdianos, seja


poetas para Choram irmãos nossos

parafraseá-lo ou recusá-lo nas roças de S. Tome

ideologicamente, como é o caso de

Ovídio "Anti-
Martins no citado,
poema E há e ameaças
perigos
evasão".
na noite de
grávida punhais
"Não
Com o vou
grito para

Pasárgada", os do Suplemento
poetas Prepara o braço

Cultural (1958, um número) ou da Serviçal!

Geração da Nova Largada


(Gabriel

Mariano, Ovídio Martins, Onésimo Dos olhos do


poeta
Silveira, Aguinaldo Fonseca, Terêncio rolam lágrimas

Anahory) negam o mito e se a


propõem cor de sangue

resgatar a história, incitando à ação.

Esta de engajamento vinha


postura já Percebemos do
que, percurso
sendo semeada folha acadêmica iniciado — dividida
pela na
pré-claridade
Certeza números), "transpátria "mitopátria
(2 que surgira em entre lusa",

plena Guerra Mundial hesperitana" -


(1944), e terra-mãe até nossos

pautando-se pelo realismo socialista. dias, a


poesia cabo-verdiana vai
Alunos do último ano do Liceu Gil encontrando a sua identidade,

Eanes como Nuno Miranda, José propondo a daí um canto


partir
Spencer, Arnaldo França, Guilherme diferente:

Rocheteau, Filinto Menezes e Tomaz

Martins agrupavam-se em torno do


Quero

periódico. Um canto diferente

O tom continua no Para


protestário cabo Verde

Boletim dos Alunos do Liceu Gil Eanes

(1959), com um só número e a não


Já somos

colaboração de Onésimo Silveira, Os Flagelados do Vento Leste

Corsino Fortes, Felisberto Vieira Lopes Dominamos os ventos

e Rolando Vera-Cruz Martins. Já não somos os contratados


Como animais de carga o Sul música revolucionária (mornas,
para

Conquistámos a dignidade de coladeiras, funanás) são constantes nas


gente

Caboverdeamadamente
produções.

Por isso construção meu amor (de Osvaldo

Vou cantar Osório), Pão & fonema e Árvore &

De forma diferente tambor Corsino Fortes), Terra


(de

Para esta do Meio do Mar Luís Tolentino) e Canto a


pátria gritante (de

Vou esquecer, enterrar Cabo Verde Hopffer Almada)


(David

Os lamentos, as lamúrias constituem textos do período

A tristeza nacionalista. Alguns poetas publicados

De ficar nos Jogos Florais 12 de setembro


quem quer

Com integram esta Vera Duarte,


o destino de ter geração:
que partir

de Deus Lopes da Silva, Vasco


Não vou chorar João

Martins, Jorge Carlos Fonseca, Pedro


A a fraqueza
pobreza,

Gregório, Pedro Delgado e Marino


A seca

A natureza madrasta Verdeano.

A Independência Nacional

a de concursos e
Canto propiciará proliferação

Para literárias, boletins


este Povo páginas

Um canto de mimeografados e novos poetas,


alegria

o futuro como cadeia


Hopffer Almada. Canto a projetando
(David

complexa de a
Cabo Verde.) possibilidades;

de estéticas e ideologias
pluralidade

é a tônica desse A
Irmanados aos de Angola e poéticas quadro.

Novíssima Geração de divide-se


Moçambique, os cabo-verdianos, poetas
poetas
entre as culturais do Voz do
a dos anos 1970, resistem contra páginas
partir

suas a revista Raízes, a folha Sopinha


a opressão colonial, expressando as povo,

de Alfabeto, as revistas Ponto & vírgula,


respectivas marcas identitárias em suas

Fragmentos, Magma, Dja d'Sal, Seiva,


produções literárias.

as folhas Aurora e Podogó.


Sukre d^Sal, Manduka Didite,

A poesia feminina de Paula Martins,


Kwame Kondé e Kaoberdiano Dambará

de Vera Duarte e Lara Araújo será mais


afirmam a crioulidade. No caso

afro- conhecida através desses


Dambará, inserindo-a no mundo periódicos,

assim como os trabalhos de Flávio


negro e utilizando o crioulo como

e Camilo Vicente Lopes), Jorge


instrumento exclusivo (José
poético

e da cultura Tolentino, Jorge Soares, Canabrava,


reivindicativo da história

do Binga, Kaká Barbosa, Mário Lúcio,


das camadas mais oprimidas povo

Tomé Varela, Euricles Bodrigues


cabo-verdiano.

entre a Spínola), Ariki Tuga, Kaliostro


No compreendido (Daniel
período

de Abril em Portugal e Fidalgo, Zé di Sanfy Agu (José Luís


revolução de 25

Nacional, muitos Hopffer Almada), Péricles Africano,


a Independência

revelados, o crioulo e a Naiz dltanta, César Fernandes, Virgínio


são
poetas
de Melo (Teobaldo Virgínio), José Viola a tua tradição

Cabral, Filinto Elísio e Hugo Rodrigues. enterra a tua


paranóia
Também os consagrados Mário marítima secular
(...)
Fonseca, Osvaldo Osório e Corsino E busca

Fortes em alguns novas


publicarão poemas formas

dos citados. novas


periódicos artes

A antologia Mirabilis - De veias ao novos engenhos

sol Caboverdiano do Livro,


(Instituto

1991) reúne a totalidade dos De estabelecer


quase nova aliança com o mar

poetas revelados após o 25 de abril, Rodrigues,


(Euricles 190)
p.
constituindo a mais significativa

amostra da da novíssima O mito de Pasárgada


poesia vai ser

geração. As consideradas como também relido, de acordo


questões com a

tradicionalmente ligadas à crioulidade de universalidade


proposta e

ou cabo-verdianidade são retomadas enfatizando o trabalho sonoro do texto

em outro "Onde
contexto, sob novos ângulos, a Pasárgada
poético: passava
visando a conjugação de aspectos agora o
passa pássaro da
paz"(Filinto
nacionais e universais. Manuel Delgado Elísio de Aguiar Correia e Silva, 218)
p.
assim define tal
postura:

A ironia e o humor, marcas da

Eu venho do mar africana


poesia mais recente, têm lugar

e o meu amplexo de destaque no trabalho de Mito

rodeia a cintura Hamilton


(Fernando Barbosa) e José

do mundo. Vicente Lopes:

(Mirabilis, 347)
p.
"Dia
das mães"

0 novo olhar e a nova fala,

simultaneamente cabo-verdianos e É hoje Édipo


que
universalistas o Prefácio), vai comer
(como quer Jocasta

condensam as tendências da Vicente


poesia (José Lopes, 309)
p.
crioula e mesmo da africana de
poesia
"Menção
língua trágico-heróica"
portuguesa:

os meus versos - verdes


Quero Quem não ouviu falar

Universo em nova Do sucessor de Camões


gestação

Células reproduzem naufragou nvareia


que Que movediça

Nova e nova mentalidade Na tentativa


geração

(Alberto Lopes, ibidem, 34) De salvar um


p. poema

(Mito, p. 392)

A releitura da tradição lusa herdada é

operada através do humor ou da rejeição: O lírico e o erótico, assim como o

humor, vão diversificando a dos


poesia
anos 1980/1990 do tom épico Observemos os textos se
que

revolucionário dos anos 1970: seguem:

Um dia choveu Ai se em outubro chovesse

E fomos os dois à sementeira A terra molhasse

Tu descalça O milho crescesse

Deixaste covas e sulcos E a fome acabasse (...)

Que pareciam crateras lunares

Acordemos camaradas

A de então As chuvas de outubro não existem!


partir

Quando eu O existe
quero que

Ir à lua É o suor cansado dos homens que

Beijo os teus querem


pés

(Mário Lúcio, 376)


p.

O existe
que

Em seu Arquipélago da É a busca constante


paixão,
"novo abundante virá
Vera Duarte assume um corpo Do pão que

erótico:

Homens mulheres e crianças

E meu renascido Na livre libertada


quando corpo pátria

suadamente sobre o teu Pantando mil milharais


repousar

ouvirei Serão a chuva caindo


o som distante

Na nossa terra explorada.


de um batuque original

Duarte. Amanhã amadrugada,


nas batidas do teu coração (Vera

e em teu ventre liso e marinho 99)


p.

abrirei uma clareira luminosa

Diferentemente do tom épico-político


onde dançarei

domina o de Vera Duarte,


nua e voluptuosa que poema

o aspecto humano do
essa dança tão africana que privilegia

mundo crioulo supera a catástrofe


de alegria (que
"Anti-chuva"
da seca), em José Luís
de amor

Hopffer Almada é mais crítico e amargo:


e de júbilo

Os sonhos fedem à chuva


Bó é nhá ómi

e os braços apodrecem
Bó é nhá ómi

ante o frágil tornozelo dos subúrbios


(P- 72-3)

(...)

A novíssima via repensar e


geração

temas considerados Os sonhos fedem


desconstruir os

"tradicionais", no aglomerado acocorado de


como o da chuva.

desânimo

ante a futilidade dos meses


e a inadiável fome

de todos os dias

E eis-nos, de órbitas alagadas,

sem saber o fazer


que

da turva humidade

e do vazio com os sonhos


que

fenecem

(A sombra do sol. 16)


p.

Da chuva à anti-chuva, da

(in) definição de uma identidade desde

os da colonização a um
primórdios

discurso crítico-reflexivo sobre os temas

e de toda uma
processos (jovem)

literatura, move-se o texto em


poético

Cabo Verde, traçando um de


percurso

história e beleza desde os anos


que,

1970, em nossas temos


pesquisas,

tentado acompanhar. Reescrever a

história e reinventar um outro futuro

são metas da Nação e de seus


grandes

Com eles, em coro, finalizamos:


poetas.

Para lá da ilha

Só existe a
poesia

(notre vraie après Itie).


patrie

Salve
poesia.
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Caliban. Lisboa: Plátano, 1975. V. 1.

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Caboverdiano do Livro, 1988.

Consciencialização na literatura
DUARTE, Vera. Amanhã arnadrugada.

do Livro caboverdiana. Lisboa: Casa dos


Praia: Instituto Caboverdiano

Estudantes do Império, 1963.


e do Disco, 1993.

da VEIGA, Manuel. A sementeira. Lisboa:


DUARTE, Vera. O Arquipélago

Artiletra, 2001. ALAC, 1994.


paixão. S. Vicente:

Prefácio de Simone Caputo Gomes.

. Preces e súplicas ou os cânticos

da desesperança. Lisboa: Instituto

Piaget, 2005.
Danças negras na

estética nacionalista:

música
para piano

Guilherme Sauerbronn

monárquica e aristocrática dentro das


busca da identidade cultural

terras americanas.1
nacional impôs-se os artistas
para

A e intelectuais brasileiros no final


N'0 Guarani, de Carlos Gomes,

do XIX como tarefa Uma


premente. baseado na obra
(1839-1896),
relativa independência econômica,
homônima de José de Alencar, o

economia cafeeira,
proporcionada pela nacional estava ainda à
elemento pouco
somada à dos ideais
propagação enfiado como um corpo
vontade,
republicanos, criou as condições básicas
estranho numa ópera italiana2.

para o advento do nacionalismo no Brasil.


"Evolução
ANDRADE, Mário de. Social da
No entanto, não havia de início um
Música 110 Brasil" in Aspectos da Música
claramente estabelecido. No caso
projeto Brasileira, Belo Horizonte: Itatiaia, 1991, p. 22.

específico da música erudita, a inspiração É observar que, até essa época, o


importante

ainda do nacionalismo negro ainda não fora incorporado à temática


provinha
nacionalista. Afinal, numa sociedade
romântico de Brahms, Dvorák, Grieg e

escravocrata como a nossa, seria no mínimo


Liszt. Mário de Andrade descreve a
contraditório exaltar o negro e suas tradições.
situação da seguinte forma:
ao elemento indígena, a situação era
Quanto

outra: dizimado ou empurrado para os confins


Ao nascer da República, a nossa e da região Norte desde os
do Brasil central

música erudita estava nessa situação, tempos da colonização, o índio se


primeiros

formas convertia na imagem idealizada e distante do


era internacionalista em suas
"bom
selvagem". Essa domesticação do índio
cultas e inspiração, e ainda muito
contrasta com o escândalo que os ritos
longínqüa da pátria, apesar dos
fetichistas e as danças lascivas dos negros (a
esforços de Francisco Manuel [da "umbigada")
famosa provocavam nos salões

Silva] e Carlos Gomes. A República


da elite. Com o avanço dos ideais

vinha dar muito maior sentido abolicionistas no final do XIX, a situação

americano e democrático ao Brasil. Já muda e a temática negra na arte nacionalista

se torna cada vez mais comum.


não éramos mais uma excrescência
Os compositores da idéias não está restrita à música:
geração

seguinte, da fazem Leopoldo responsável encaminhamento


qual parte pelo

Miguez Henrique Oswald artístico de escritores, e


(1850-1902), pintores

Alexandre Levy intelectuais, deixou obras dos mais


(1852-1913), (1864-

1892), Francisco Braga e variados romance,


(1868-1945) gêneros, poesia,

Alberto Nepomuceno contos, ensaios sobre música, medicina,


(1864-1920),

também tiveram educação musical nos literatura, artes e folclore.


plásticas

moldes europeus e, embora utilizassem Mário de Andrade estava

ritmos e melodias brasileiras, não o em reconhecer as bases


preocupado

faziam muito à vontade e ainda não sobre as se fundar um


quais poderia

haviam conseguido amadurecer uma estilo nacional no Brasil. Antes de mais,

linguagem nacional. era livrar-se da


O O percebia que preciso

E com o surgimento de novos autores tradição acadêmica, substituindo-a por

no início do século XX se abre uma uma tradição brasileira. Melhor


que

nova a música brasileira. dizendo, era necessário renovar uma


perspectiva para
"grandes fundada
São os nacionalistas", segundo tradição importada da Europa,

expressão de José Maria Neves3: Luciano na imitação de estrangeiros, a


padrões

Gallet Lorenzo Fernandez da síntese com elementos da


(1893-1931), partir

Francisco Mignone cultura nacional. Conhecedor dos


(1897-1948), (1897-

1986) e Mozart Camargo Guarnieri estudos de folclore se realizavam


que

Com eles, os temas mundo afora, Mário voltou-se o


(1907-1993). para

nacionais tratamento mais folclore brasileiro e nele encontrou a


ganham
"alma
adequado, mais de acordo com as desejada fonte da nacional".

características próprias do material utilizado. A tradição acadêmica, intimamente

Marco histórico da reação ao relacionada à estética romântica, era

academicismo nas artes, a Semana de vista modernistas como


pelos

Arte Moderna de 1922 terá deformadora da sensibilidade do


grande

impacto sobre esta Dentre os artista, através do excesso de


geração.
"Prefácio
modernistas destaca-se Mário de sentimentalisrno5. No

Andrade, idealizador do movimento Interessantíssimo", escrito no ano da

com Oswald de Andrade. Semana, e n'A Escrava não é


juntamente que

Segundo Miguel Wisnik, o Isaura, de 1925, Mário apresenta as


José
"deixou
de Mário marcas diretrizes básicas da estética
pensamento
"lirismo
modernista. A fórmula + arte =
de influência às vezes esmagadoras

sobre menos três de apresentada no texto


pelo gerações poesia", primeiro

compositores."4 Mas a força de suas


^ "definir
Segundo Elisabeth Travassos, a

^ Música Contemporânea sensibilidade moderna é colocar-se em


NEVES. José Maria.

Brasileira, São Paulo: Ricordi Brasileira, 1981, oposição ao sentimentalisrno" (TRAVASSOS,

Elisabeth. Os Mandarins Milagrosos - Arte e


p.56.
O Coro dos Contrários Etnomusicologia em Mário de Andrade e Béla
WISNIK, José Miguel.

- a música em torno da semana de 22, São Bartók, Rio de Janeiro: Funarte/Jorge Zahar,

Paulo: Livraria Duas Cidades, 1983, 1997, p.29).


p.105.
maneira os artistas deveriam utilizar o

folclore fundar uma arte nacional?


para

Mário de Andrade não acreditava o


que

simples uso de material folclórico em

obras de inspiração acadêmica

caracterizasse uma música nacional.

A sinceridade, tão importante os


para

modernistas, só coexistir com


poderia

as novas diretrizes se os artistas

cumprissem as etapas necessárias:

Mediante o sacrifício dos impulsos

individuais e a adesão a uma


líricos

tese, o artista moldaria sua própria

interioridade no contato com o

essa se
material popular, para que

tornasse uma adesão de sentimento.


Caricatura de Villa-Lobos (Acervo BN.)

Por fim, a nacionalidade seria

e ampliada conceitualmente no final das


inconsciente. No
(...)
segundo, explicita a tensão entre ao e ao
contas, seria sincero jeito
espontaneidade criativa e a
(lirismo) hábito adquiridos, aculturando-se

técnica caracteriza a visão do exigia,


(arte) que si mesmo num que
processo
autor. O lirismo andradiano difere do
começar, uma renúncia.8
para
sentimentalismo romântico com suas

fórmulas é a expressão "impulsos


desgastadas: aos líricos
Essa renúncia

automática das sensações, o o Mário foi


gesto, individuais" por
proposta
as contrações faciais". A técnica compositor e
grito, dolorosamente vivida pelo

deveria subordinar-se aos interesses do em


Luciano Gallet, que já
pianista
lirismo a fim de uma arte folclórico em
produzir 1921 utilizava material

sincera e espontânea, brotando do A vontade consciente


suas composições.

de forma "brasileira1
inconsciente e organizada música
de escrever

racional7.

0 primitivismo, como chamou-se ®


Ibid, p.203.

essa estética, foi o caminho a


para

descoberta da espontaneidade da

expressão do No fundo, a grande


povo.

se impunha era: de que


questão que

6 op.cit., 39.
TRAVASSOS, p.
^ da técnica era
A supervalorização

identificada modernistas com o


pelos
Parnasianismo, uma fria, afastou-
poesia que

se das fontes vitais da criação p. 37).


(ibid,
chocava-se com sua inspiração natural, doutrina ou rótulo se lhe
que queira

alimentada uma formação musical imputar; seu discurso traz a incoerência


por

eclética, mistura de elementos e as contradições características de

internacionais variados: impressionismo alguém confia, acima de tudo, no


que

de Debussy, cromatismo de Glauco criador. Sua obra encarna


próprio gênio

Velasquez9, de Darius o ideal modernista de síntese erudito-


politonalismo

Milhaudlor além de uma formação e, isso, foi o compositor


popular por

inicial de virtuose. Em 1926 oficial da Semana de 1922.


pianista

Gallet obtém resultados mais

"Turuna
convincentes com a suíte .

Para Mário de Andrade, nessa obra o

compositor atingiu uma verdadeira

intimidade com o espírito nacional e a


"falsificação"
inconsciente não existe

mais. 0 Gallet, no entanto, r


próprio ym
5gHg '•* ¦
gggu
volta a duvidar de si mesmo em 1927:
-i Jpe
f"»>
"Cheguei 'sensação'
ultimamente a uma ^

de incompatibilidade entre música

interior e música brasileira."11 Seu

desaparecimento contribuiu
precoce

ele ficasse, de certo modo,


para que

como realizada.
promessa parcialmente

0 exemplo malogrado de Gallet

contrasta com a naturalidade com que

Villa-Lobos (1887-1959) resolvia, de

forma e intuitiva, os mesmos


pessoal

Sua forte
problemas. personalidade

sobrepõe-se a todo e tipo de


qualquer

9
Glauco Velasquez (1884-1914) foi compositor

extremamente original, grande inovador do

ponto de vista da concepção harmônica, que

tende ao atonalismo.

0 compositor francês Darius Milhaud

(1892-1974) passou uma longa temporada no

Brasil no início do século XX. Secretário do

então ministro Paul Claudel, era fascinado pela

música brasileira de origem popular e, em

especial, por Ernesto Nazareth, cujos temas

utilizou no famoso Le Boeuf sur le Toit.

Milhaud exerceu forte influência sobre Gallet,

incentivando-o a estudar o folclore nacional.


' '
GALLET, Luciano. Estudos de Folclore, Rio

de Janeiro: Carlos Wehrs e Cia, 1934, p.24.


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de Francisco Mignone (1980).


Partitura da música O Batuque,
Mário cie Andrade definiu Villa- incipiente da de Levy e
geração
280
Lobos como um fauve, um artista Nepomuceno, e o
que posterior
"não
ser filiado a nenhuma desenvolvimento dessa corrente
pode pela

orientação determinada."12 Essa de Mignone, Lorenzo


geração

independência só era em Fernandez e Guarnieri.


possível

virtude do seu talento natural e A fim de identificar como se deu

"Sua
espontâneor musicalidade esse amadurecimento da
primeiro

intensíssima característica e estética nacionalista, selecionamos


participa

indissoluvelmente da essência da obras de Alexandre Levy, Lorenzo

música, sem nenhuma ligação Fernandez e Francisco Mignone, todas

intelectual.'"3 Porém, não bastava a elas baseadas em danças e ritmos de

existência de um Villa-Lobos; o projeto origem africana. Como observou Kasadi

modernista ia além da realização \va Mukuna, a música popular

musical de um compositor individual. brasileira o samba)


(em particular

Era formar toda uma apresenta duas células rítmicas


preciso

constelação de artistas a fundamentais, ele reconhece como


para que que

música brasileira erudita se originárias da música bantu14:

consolidasse como autêntica expressão

nacional. m ri

Diante do exposto, podemos

considerar a Semana de Arte Moderna e

"fenômeno" j J j>j J J J J>J.


o Villa-Lobos como

^ "ao
divisores de águas entre o nacionalismo Kasadi esclarece: empregarmos o
'Bantu',
termo estamos fazendo referência ao

"Villa-Lobos", conjunto das tribos que ocupavam o antigo


12
ANDRADE, Mário de.
Reino do Kongo no início das ativ idades
manuscrito ao acervo Mário de
pertencente
escravistas no século XVI. Isto é, as tribos que
Andrade, do Instituto de Estudos Brasileiros,
ocupavam o vale do rio Congo e,
1923 in WISNIK, op.cit, p.l-H.
13 particularmente, a área que definimos como
Ibid. p.143. 'zona
de interação cultural', que se estende

pelos dois lados da fronteira Congo-Angola.

(MUKUNA, Kasadi va. Contribuição Bantu

na Música Popular Brasileira: Perspectivas

Etnomusicológicas, São Paulo: Terceira

Margem, 2000, p.27).


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das Máes Prefas, de Francisco Mignone (1942)


Partitura da música Canção
282

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Francisco Mignone

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f ;^a

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\s"V t
de dos do nacionalismo
Teremos a oportunidade princípios

analisaremos a nascente, com especial enfoque do


constatar, nas
peças que

do caráter melódico (tendência será


seguir, a de variantes que
presença
seguida Nepomuceno e
desses ritmos; o segundo, por por
primeiro
"levada" diversos compositores da
característico da do tamborim geração

não seguinte) e com aproveitamento


no samba, não aparece menos,
(ao

consciente da rítmica afro-brasileira


de forma evidente) nestas obras.

linha terá como principais


Em relação à escrita é (em que
pianística,
seguidores Luciano Gallet e
importante observar o é
que piano
Francisco Mignone).16
instrumento de amplas possibilidades,

reúne, a um só tempo, características


que
Apesar dos esforços de Levy no
melódicas, harmônicas e percussivas.

sentido de construir uma linguagem


"Samba
composicional brasileira, seu
SAMBA'5 de Alexandre Levy

soa muito conservador se comparado

com obras da seguinte.


Um dos do nacionalismo geração
pioneiros
Aficcionado Schumann, Levy segue
musical no Brasil, Alexandre Levy por

basicamente o modelo rapsódico das


mostrava-se consciente da necessidade de

muito em voga no
adaptar ao fantasias para piano,
a técnica composicional

século XIX Thalberg,


material folclórico utilizado em suas obras: (Gottschalk.

Kalkbrenner). A forma é ternária

A superestrutura européia na música o contexto


e o autor traz para
(ABA),
de Levy será absolutamente das salas de concerto
burguês grandes

diferente se trata de obra chula


quando um tema singelo, uma paulista

diretamente nacionalista ou quando tem a ver com o


ou nada
que pouco
se trata de composição livre. o
(...) samba carioca ou baiano1 . É um tema
"Tango "Suite
Brasileiro' e a rural, tímido, meio duro, um
de caráter

exemplos de "Jeca-Tatu l8.


Brasileira" são
tema

tratamento especial de material de

origem brasileira dentro


popular,
16 NEVES, op.cit., 20.
p.
17 Sobre a diferença entre o samba carioca e o
15 "SAMBA: 2.
1. Qualquer bailarico popular. "O
conferir: ANDRADE, Mário de.
Dança de salão, aos pares, com paulista,

Samba Rural Paulista" in Aspectos da Música


em compasso 2/4
acompanhamento de canto,
Brasileira, Belo Horizonte: Villa Rica Editoras
3. Dança de roda. Mozart
e ritmo sincopado.
Reunidas Ltda., 1991. Segundo J. M. Neves, os
de Araújo acredita a palavra tenha
que
temas desta obra foram tirados da chula
derivado de semba, termo africano que
"Se
'significa do eu te amei" e da canção gaúcha
a embigada o dançarino paulista
que
"Balaio",
da roda, esta última já utilizada por Brasílio
centro dá num dos circunstantes para
Itiberê op.cit., 20).
convidá-lo a dançar. Ainda segundo este (1848-1913) (NEVES, p.

do Evocamos aqui a personagem de Monteiro


autor, o samba teria surgido da evolução

Lobato no intuito de acentuar o contraste entre


do batuque e do lundu' (ANDRADE,
jongo,
Belo o background musical europeu de Levy e o
Mário de. Dicionário Musical Brasileiro.
nesta obra.
Horizonte: Editora Itatiaia, 1989, p. 453).
tema que ele utiliza
gracioso g

jf'

g|1

— *~~ lH

^ ^
f

A harmonização convencional O tema é, a pouco,


pobre pouco
"grande
do início da obra alçado às alturas da arte":
(Tônica-Dominante)

reforça o caráter simplório da melodia, a região aguda do piano,


galgando

apresentada sem maiores ornamentos. através de uma de acordes


progressão

Porém, Levy não tem a intenção de sobre um de dominante, o tema é


pedal

manter-se nos limites da realidade reapresentado la Florestan'"9, numa

campesina: filho do flautista escrita coral com contraponto da mão


paulistano,

francês Henri Louis Levy (fundador da esquerda.

famosa Casa Levy), aluno em Paris de

Emile Durand e V. Ferroni, ele quer

trazer o Brasil o e as
para progresso

luzes da civilização.

19
Eusebius e Florestan 9ão as duas principais
"personas"
de Schumann, os heterônimos sob

os quais escrevia boa parte de seus artigos

para a Neue Zeitschrift für Musik, revista de

crítica musical que fundou em Leipzig.

Eusebius encarna o tipo sensível e melancólico,

enquanto Florestan, com seus arroubos

rítmicos, é enérgico e vigoroso.


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™"¦¦

o tema retorna,
orquestrais,
A modulação de mi bemol (tom
a partir do compasso
sol maior confere ainda gradualmente
original) para
como se, após uma longa
ouvem 222. É
brilho ao trecho. Já não se
maior
ou sonho fantastico, nosso
viagem
mais a viola caipira e os instrumentos
"Jeca-Tatu" voltasse a si.
a melodia soa agora
de
percussão:
completo do tema se dá
sobre O retorno
orquestral, lembrando a Fantasia
242; ele não é
no compasso porém,
Brasileiro de
o Hino Nacional
o mesmo, mais confiante
mais parece
Gottschalk. Após essa radical
oitavas na mão direita e seus
com suas
do caráter do tema,
transformação
cheios. A reexposição é quase
do acordes
com ele agudo
Levy pelo
passeia
até o compasso 336, no
literal, qual
cobrindo-o de arpejos que
piano,
inicia-se uma coda resgata
que
a estética impressionista.
prenunciam
elementos oriundos do
intermediária ou
Tem início a seção

105) com desenvolvimento.


desenvolvimento (compasso

modulações: mi bemol
uma série de

lá bemol maior, fá
maior, dó menor,

Após longas variações


maior, dó maior.

improvisatório, nas quais


de caráter

recriar no efeitos
Levy busca piano
CONGADA20 de Francisco

Mignone

Para Mário de Andrade, Mignone

"pelas
era um caso causas
problemático

raciais21 e unilateralidade da
pela

cultura muito o despaisam e


que

descaminham."22 Elemento complicador

era seu talento como e seu


pianista
"gosto
aplauso", ao invés de
pelo que,

ajudarem, faziam com muitas de


que Tiil Il^r álHM ,¦ tu »«¦-*¦

suas obras fossem do


pouco profundas

de vista composicional e artístico.


ponto
k
"a y
Segundo José Maria Neves,
perfeição

técnica de Mignone vinha


justamente

contrabalançar-se com uma certa

carência imaginativa e com sua

facilidade de assimilação de
prodigiosa

tudo o ouvia, Capa da partitura Maracatu do Chico Rei, de


que levando-o
por
Francisco Mignone
caminhos nem sempre muito originais."23
"Congada"
A de 1929 é obra de
são interessantes a compreensão
para
e há verificar se não é
juventude, que
do caráter da homônima
peça para
uma versão a congada do
para
piano:
segundo ato da ópera O Contrcitador

de Diamantes de 1922. Seja como "Congada"


Esta nos revela toda a

for, as observações de José Maria
força do compositor: a
jovem perícia
Neves a respeito dessa última obra
na manipulação do tema tradicional,

colocado em com um
9fl "CONGOS: justaposição
Dança dramática, cortejo real
tema original do compositor, a
que desfila ao som de cantos, originado no
riqueza do ritmo e do colorido
costume africano de entronizar-se o novo rei.
orquestral, tudo isto deixando
O bailado consta de duas o
partes principais:
cortejo real e a embaixada. transparecer uma notável facilidade
(...) (...)
Musicalmente as duas também são e espontaneidade, uma fluidez de
partes
diferentes, sendo que na primeira há maior inspiração será o melhor e o
que
número de cantigas e louvações" (ANDRADE, deste
pior compositor.24
op.cit, 1989, pp.151 e 152).
91
Descendente direto de italianos, seu pai era "Congada"
A reúne dois
para piano
flautista e sua formação foi feita dentro dos
temas contrastantes; o em dó,
primeiro,
moldes daquele país (Cf. NEVES, op.cit,
tem ritmo bem marcado e desenho
p.64).
" "Música cromático no modo lídio:
ANDRADE, Doce Música" in

NEVES, op.cit. p.64.


•23 NEVES, op.cit, Ibid,
p.65. p.63 e 64.
Allegretto danzacte J: 98 *

~
PP *

~~ * ' '

f 11 j~J ] j

jpp^l

1— '
1

1—-—'—¦ 1 1
i—Z

O segundo tema tem sabor ibérico,

"habanera 25
espécie de em lá bemol

maior:

25 "HABANERA: tempo especialmente acentuado, andamento


Canção e dança introduzidas

se tornou lento, em fragmentos de quatro, oito ou


em Cuba, negros africanos, que
pelos
e América dezesseis compassos" (ANDRADE, op.cit,
depois muito na Espanha
popular
2/4, 1989, p. 253).
Latina. Compasso binário, primeiro
A forma ternária (ABA) utilizada Diferentemente de Levy e Mignone,
que
288
,
autor nao reserva estudaram na Europa, a formação
pelo grandes

surpresas, a não ser modulações musical de Lorenzo Fernandez se deu


pelas

sem tons afastados: dó integralmente no Brasil. Inicialmente


preparação para

lídio, lá bemol maior, mi maior, sol influenciado estética


pela

maior, mi menor, dó lídio. impressionista, logo ele encontraria seu

Na seção intermediária caminho dentro do


próprio

(desenvolvimento) tem início no nacionalismo. A de 1922, ano da


que partir

compasso 77, Mignone mistura material Semana de Arte Moderna, Lorenzo

de ambos os temas e explora o Fernandez abraça o nacionalismo

instrumento em de efeito. modernista e dá à luz importantes


passagens

Como era de se esperar, o retorno do obras, inclusive sua mais


peça
"Batuque"
tema inicial 142) acontece conhecida, o da suíte
(compasso
"Beisado
de forma mais brilhante e intensa do do Pastoreio". Em 1938 tem

em sua apresentação no começo da início uma outra fase de maior


que purismo

peça, e o segundo tema, em vez de musical, designada alguns como


por
"nacionalismo
retornar em lá bemol maior, aparece em essencial". Nesta fase, o

oitavas no registro ao mesmo autor não faz uso de


grave, propriamente

tempo em a mão direita mantém temas folclóricos, mas cria temas


que

um ostinato no agudo. 0 final é originais de caráter nacional maneira


marcado um trinado em acordes e de Villa-Lobos). Segundo Maria


por José

um conduz a mão direita Neves, a segunda fase de Lorenzo


glissando que

ao dó superagudo, sustentado um Fernandez música brasileira, na
por qual
acorde da mão esquerda no Mário de Andrade encontra a síntese da
gravíssimo.

estética nacionalista."27 E acrescenta:

JONGO26 de Lorenzo Ferriandez

É difícil determinar das duas


qual
Lorenzo Fernandez é considerado
maneiras composicionais de Lorenzo
muitos um dos maiores
por
Fernandez, se o nacionalismo direto
compositores da estética nacionalista e
do modernista ou se a
período
da música brasileira, ao lado de Villa-
essencialidade nacional do
período
Lobos e Alberto Nepomuceno.
posterior a 1938, é a mais

9 f\ "JONGO: importante a evolução da


Dança de origem negra para
cultivada
música brasileira. Em ambas as
em várias partes do Brasil e descrita (...)
por
alguns autores como uma variedade do samba. maneiras Lorenzo Fernandez mostra
"Era
(...) Luciano Gallet o descreve: a dança a adesão inteligente à escola
que

predileta dos pretos, por causa da grande nacional não impede o

quantidade de pessoas que nela tomavam desenvolvimento de uma linguagem


parte, podendo prolongar-se indefinidamente
pessoal e não funciona como
sem cansaço. Além do mais é uma exibição das
elemento uniformizador.28
qualidades individuais de cada dançarino

esforçando-se cada um por suplantar o outro" NEVES, op.cit, p. 62.


1989, 273). 28
(ANDRADE, p. Ibid, p. 62.
"Jongo"
No examinaremos a
que

seguir, o autor tenta trazer o


para palco

a atmosfera misteriosa e mágica das

festas e danças dos negros. Se,

conforme vimos anterioinente,

Alexandre Levy colocava o caipira sob

os holofotes da civilização, Lorenzo

Fernandez, ao contrário, cria um

espetáculo iluminado tochas e


por

regado a cachaça. Uma curiosidade da

é a completa ausência de
partitura

barras de compasso, vem reforçar o


que

caráter da Na
primitivista peça.

verdade, o compasso real da é 2/8,


peça

agrupado de 3 em 3, um
que, perfaz

3/4 do seguinte tipo:

.urfi.fD

0 tema é composto célula


pela

rítmica
n

e intervalos de 3a iniciando na nota


por

ré, depois no fá sustenido e, fim,


por

na nota lá. Essa de terças


progressão

fá sustenido, lá) forma o ciclo


(ré,

completo do tema.
Allegro Pesante (J»76 » 84)

ftfjf) soturno e misterioso

PIANO '

p cresc^ pooo a poco

cres',x ma semfrt foco a


f

<f

f ^f=

§S=p =i Ppl f* ^ r§ l^| *=


Sp ^ ijl ^ ^ S^Jl
^ ^
89 bassa

Essa estrutura será integralmente contrasta com o desenho


politonal que

repetida uma oitava acima, com da melodia, formado


principalmente

modificações texturais e aumento da intervalos de 3a.


por

intensidade da dinâmica - na verdade, Das três escolhemos, esta


peças que

a inteira é um crescendo, é a única não segue a forma ABA,


peça grande que

vai do inicial ao //// final. ou o faz de maneira dissimulada. Na


que ppp

ao acompanhamento, o metade da após o aparecimento


Quanto peça,

efeito é basicamente O autor de um elemento cromático no


percussivo.

usa o do e evita acompanhamento, o tema original é


gravíssimo piano

relações triádicas, intervalos abandonado temporariamente dar


preferindo para

de 7a, 2a, 4a e trítono. O acabamos lugar a um novo desenho, também


que

de dizer a respeito do acompanhamento formado intervalos de 3a:


por

é válido também a mão direita: a


para

melodia é reforçada intervalos de


por

2a, 4a e 5a, o cria um efeito


que
ttrimdioBO

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iji r
i,l
,' , ' P<rrf. simile

uma Nesse contexto, alguns autores e


Este novo tema será repetido

é obras destacam-se do conjunto da


única vez, após o o tema inicial
que

do de sua época e se tornam


retomado, misturado ao material produção

respeito referência as futuras. Se


segundo tema, tanto no diz para gerações
que

formos capazes de compreender a


à harmonia como do ritmo e da

de harmonia eles alcançaram, a


disposição textural. Com a indicação que

"crescendo síntese fizeram dos variados


e animando sempre", a que
peça

extático, elementos constitutivos de nossa


se encaminha um final
para

do cultura, sabe,
feérico. É interessante observar que, poderemos, quem

lembra construir não apenas uma arte, mas


de vista formal, esta obra
ponto
"Batuque" também uma sociedade menos
o famoso do autor,

estratificada e mais harmoniosa.


anteriormente mencionado.

A análise das três obras nos

constatar não apenas uma


permitiu

diferença de estilo entre os autores

como também uma evolução no sentido

da consolidação de uma linguagem

nacionalista brasileira. Embora, em

alguns momentos, a estilização das

danças africanas soar antinatural,


possa

o esforço de aproximação da música

culta em relação à música e


popular

folclórica é legítimo.
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ISSN 0104-0626

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062006

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