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Copyright © 2006 Rita Chaves e Tania Macêdo

Índice
Edição: Joana Monteleone
Capa: Clarissa Boraschi Maria
Copydesk: Carlos Villarruel Apresentação 9
Revisão: Sylmara Belerti
Rita Chaves
Projeto gráfico e diagramação: Djinani S. de Lima
1ània Macêdo

PARTE I
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do livro, SP, Brasil)
Contemporaneidade em África

Literatura e o conceito de africanidade 17


Encontro de Professores de Literaturas Africanas de Língua Portu- Luis Bernardo Honwana
guesa (2.:2003: São Paulo)
Marcas da diferença: as literaturas africanas de língua portu-
PARTE H
guesa/organizadoras Rita Chaves e Tania Macêdo. - São Paulo:
Alameda, 2006.
Questões lingüísticas e estratégias literdrias

Vários autores. A(s) língua (s) portuguesa (s) 29


ISBN: 85-98325-33-3
Aldónio Gomes
1. Encontro de Professores de Literaturas Africanas de Língua
Portuguesa (2.: 2003: São Paulo) 2. Literatura africana (Português) Reflexões sobre a situação linguística de Moçambique 35
_ História e crítica I. Chaves, Rita. 11. Macêdo, Tania. m. Título Armando Jorge Lopes

Os vocábulos em "des" nas


06-0468 CDD-869.09
escritas de Édouard Glissant e Mia Couto 47
índices para catálogo sistemático: Enilce Albergaria Rocha
1. Literarura africana em português: História e crítica 869.09

Mia Couto: palavra oral de sabor


quotidiano/palavra escrita de saber literário 57
Fernanda Cavacas

[2006]
'Ibdos os direitos desta edição reservados à
PARTE IH
Poesia eficção: escritas da diversidade
ALAMEDA CASA EDITORIAL
Rua Ministro Ferreira Alves, 108 - Perdizes
Niketche, uma história de poligamia:
CEP 05009-060 - São Paulo - SP
TeI. (11) 3862-0850 a moçambicanidade revisitada 77
www.alamedaedicoriaI.com.br A/miro Lobo
Panorama histórico da
literatura angolana
Betgamin Abdala Júnior

Configurar hoje a história da literatura angolana é vê-la como um processo


de ruptura político-cultural contra a dependência colonial e de afirmação, sol)/'(:
as particularidades regionais, de um horizonte mais amplo. Significa observar os
textos literários produzidos no país, privilegiando os cortes operados na relação
com os modelos externos, ato que possibilita a compreensão daqueles fenômenos
que indicam como, por essas fendas do convencional, penetrar a maneira de ser e
de sentir a nação, dentro de uma dinâmica em que a memória cultural, em suas
últimas instâncias, interage com um espaço prospectivo, em que a nacionalidade:
é (re) imaginada.
A leitura desse processo revela-nos que um primeiro momento de fratura do
imaginário materializou-se pela presença político-cultural de uma burguesia afri-
cana, fato que se dá basicamente nos últimos 20 anos do século XIX - um perío-
do liberal associado à Regeneração portuguesa -, favorecendo o início de uma
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intensa atividade jornalística na então colônia. A imprensa desponta, desse modo,
como a força responsável pelo surgimento de um primeiro reduto capaz de rom-
per o silêncio imposto pela estrutura colonial. A partir desse período, sucedem-se
dezenas de títulos de publicações, cujos caminhos vão desde um jornalismo pole-
mico até a concretização de opções voltadas, preferencialmente, aos interesses
angolanos.
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Muitos dos nomes mais significativos na história das idéias em Angola estão rito: "Vamos descobrir Angola!". Por meio de atividades marcadamente colectivas,
ligados a esse período de fundação e consolidação da imprensa. No campo da procura-se reatar o combativismo dos escritores do século XIX, com uma diferen-
literatura, destacam-se dois escritores que atestam a importância desse espaço: ça: a busca da cultura popular com o olhar centrado na própria maneira de ser de
Alfredo Trony, autor da novela Ngd Muturi, e o poeta Joaquim Cordeiro da Mana, Angola, afastando-se, enfim, do padrão eurocêntrico.
com sua antologia denominada Delírios. O momento exigia novas estratégias: confluem para a literatura formas discursivas
Aproximando-se bastante do que tinha ocorrido no Brasil, no processo de da antropologia, da sociologia, da política, do jornalismo etc. Espaço de conver-
formação do sentimento nacional que havia envolvido a elite intelectual, logo gência, a literatura (re)descobre o país para (re)imaginá-lo. São atores dessa etapa
após a Independência, define-se, na afirmação do projeto liberal da burguesia (ou histórica: Agostinho Neto, António Jacinto e Viriato da Cruz, entre outros que
pequeno-burguesia) angolana, um sentimento de identificação com a terra. Ele- viriam inscrever o seu nome na história das letras e da república angolanas.
mento importante no jogo das transformações que a realidade apontava, tal sen- A essa altura, emergem no panorama cultural dois fatos que se ligam c
timento já havia tido expressão literária antes, na obra Espontaneidades da minha redimensionam a trajetória dessa literatura: a fundação da Casa dos Estudantes
alma - às senhoras africanas, de José da Silva Maia Ferreira, possivelmente o pri- do Império (CEI), em Portugal, e a eclosão do movimento dos "Novos Intelectu-
meiro volume de poesias publicado no conjunto dos países africanos de língua ais de Angola".
oficial portuguesa, e no qual despontam os sintomas daquele sentimento nacio- Espaço político de notável importância, a CEI fortalecia a luta pela libcrdade:
nalista que pontuava o romantismo nos vários quadrantes do mundo. nos vários países africanos. Por ela passaram líderes como Amílcar Cabral, Alda
Esse traço romântico, centrado na incorporação da atmosfera cultural da ter- do Espírito Santo, Marcelino dos Santos, além de Agostinho Neto, todos pl"Ol.a·
ra, ultrapassaria o século XIX para se constituir numa das linhas de força dessa gonistas de momentos essenciais na história da Independência africana. No plano
literatura. O romance O segredo da morta, de Assis Júnior, publicado a partir de cultural, cabe destacar, entre os feitos dessa casa, a antologia Poesia negra de ex-
1929 no jornal A Vanguarda, compõe, no plano da prosa de ficção, um outro pressãoportuguesa, organizada por Mario Pinto de Andrade e por Francisco Tenreiro,
registro da maneira de ser daquela burguesia progressista que entraria em deca- e a publicação da colecção "Autores Ultramarinos", sob a direcção de Costa Andradc
dência nesse século. e Carlos Ervedosa. A ligação entre literatura e resistência ia se fortalecendo, o que
A presença colonial em Angola acentua-se no século XX e, com ela, a transfe- se faria sentir, inclusive, na edição de seu boletim cultural, intitulado Mensagem,
rência do poder para os colonos metropolitanos. Se, para os angolanos, a situação o mesmo nome de uma publicação que nos anos 1950 mudaria os rumos da
atingia níveis de extrema dificuldade no advento da República Portuguesa (1910), literatura em Angola.
ela rornar-se-ia particularmente complicada com a ascensão do fascismo em 1926. As atividades da CEI venciam a distância física e ecoavam no território ango-
Começaria, pois, a mudar o caráter da luta contra o colonialismo. A resistên- lano, contribuindo para consolidar o movimento dos "Novos Intelectuais de
cia a essa situação de exploração esteve sempre na pauta da história angolana; em Angolà'. Na seqüência daquele movimento aglutinado em torno da frase "Vamos
princípio, uma resistência que se fazia na perspectiva política do poder tradicio- descobrir Angola!", no ano de 1948, criam-se as condições para a emergência de
nal; depois, com muitas contradições, sob o ponto de vista da burguesia identificada uma atividade literária mais enraizada.
com a terra. Definia-se, portanto, até aí, o caráter nacional africano como força Retomando a estratégia dos periódicos veículo - adequado à necessidade de
motriz do processo. No século XX, associa-se a esse carácter o princípio da liber- ampla divulgação das idéias e ao carácter coletivo do movimento -, os "Novos
tação social, o que se dá sobretudo a partir dos anos 1940, quando o mundo, na Intelectuais", pelo departamento cultural da Associação dos Naturais de Angola,
seqüência da Segunda Guerra Mundial, enfrentava a chamada Guerra Fria. Ten- iniciam, em 1951, a publicação da revista Mensagem - a voz dos naturais de
tando responder criativamente a esse novo momento, organiza-se, a partir de Angola. Tendo se reduzido a apenas dois números, essa revista pode ser encarada
Luanda, o movimento que ficaria conhecido pela frase que sintetizava o seu espí- como um marco no itinerário da literatura angolana, pois, em suas páginas, reú-
ncm-sc obras e nomes altamente representativos da produção quc, a bcm dizer, tro $orol11cllho, cst:riWI' que começara a produzir na década de 1940. Sugestiva-
inaugura a modernidade da poesia angolana. Sendo essencialmente de poetas, mente, uma de suas últimas narrativas intitula-se Viragem (1957), sinto matizando
cssa geração se notabilizou, sobretudo, pela ênfase que investe na constituição de uma mudança não apenas no registo da radicalização ultracolonial do governo fas-
uma dicção verdadeiramente angolana. Desromantizando o nacionalismo, os es- cista, mas também um sinal de emergência do poder simbólico da angolanidade.
critores rejeitam aquela associação mecanicista entre pátria e natureza, conferin- A intensificação da violência colonial não deixava dúvidas: era preciso in-
do, aos elementos naturais, que selecionam para expressão de suas verdades uma tervir, de modo mais direto, na História. A deflagração da luta armada aparece
moldura claramente social. como uma das respostas a esse conjunto de problemas que ia levando ao paroxis-
O aspecto organizativo que norteava esse movimento será percebido pela mo o grau de dificuldade da vida em Angola. É, portanto, nesse contexto que
matriz, e as estruturas coloniais logo lançariam mão de instrumentos voltados ocorre o famoso ataque às prisões de Luanda, em 4 de fevereiro de 1961. A ousa-
para sua extinção, utilizando-se mesmo da repressão policial. Com o segundo dia seria cobrada com altos juros: a repressão alcançaria níveis insuspeitados, com
número, encerra-se a revista e o grupo se dispersa. Ao contrário, porém, do que a morte de milhares de angolanos, e o fechamento de várias entidades culturais
p,'ctcndia o colonialismo, a repressão acentuaria o aspecto político do movimen- como a Associação dos Naturais de Angola, a Sociedade Cultural de Angola e o
lO e imporia novas dificuldades na relação com o fascismo português. Alguns Cine-Clube de Luanda, agremiações que haviam se destacado na organização de
anos depois, vários nomes dessa geração voltariam a se reunir dentro de uma pessoas e no fortalecimento do sentimento nacionalista.
organização mais ampla e aglutinada em torno de uma proposta política mais Sobre o universo literário, a punição viria pela prisão e por diversas formas de
consistente: o Movimento Popular para a Libertação de Angola, o MPLA, fun- perseguição que se impuseram aos escritores. Impossibilitada de se desenvolver
dado em 1956. pelas vias normais de circulação, a literal confinou-se aos presídios, espraiou-se
O ano de 1957 marca o ressurgimento do jornal Cultura. Denunciando em seu pelos campos da guerrilha ou se ocultou nas margens da clandestinidade. A qua-
editorial a ausência de um "órgão cultural" em Angola, esse veículo já deixava se totalidade dessa produção, que só teria fio definitiva, em livro impresso, após a
transparecer a amplitude de seu foco ao referir-se à "agudização de certos problemas Independência, em 1975, revelaria a elaboração de suas formas discursivas, opção
cujo processo vem de lá de trás". Em seus 12 números, editados ao longo de dois por procedimentos que teriam exercício da memória e na incorporação atmos-
anos, vemos surgir, ao lado da moderna poesia fundada por Mensagem, uma prosa fera da chamada tradição oral, estratégia adequada à construção da vi utopia,
revigorada no contato com a sociedade angolana. Na forma de ficção e de ensaio, sempre revigorada.
scus autores também percorriam as vias da angolanidade. A partir desse instante, Nesse sentido, aquelas formas vão surgir maturadas no contato de uma prosa
ganham espaço nomes como Arnaldo Santos, Costa Andrade, Ernesto Lara Filho, matizada pelas notas do canto urbano, como ocorre com as estórias de José
H.enrique Abranches, Henrique Guerra, João Abel, José Luandino Vieira, Manuel Luandino Vieira. Os traços desse registro, que converte o narrador numa espécie
Lima e Mario Guerra, entre outros. Sem que se apague a força do poema, a narra- de griot urbano, também estariam na base do trabalho de escritores como
tiva começa a empreender passos mais seguros nesse mapa literário. Boaventura Cardoso, Jofre Rocha e Uanhenga Xitu.
Era natural que toda essa efervescência cultural se revelasse bastante perigosa Associando a estratégia da memória com a urgência de registrar um presente
aos olhos da metrópole, e a resposta colonial teria assim a previsibilidade de sempre: que será passado, talo ritmo das transformações, o escritor Pepetela vai
a prisão dessa intelectualidade militante. E os escritores, como atores da angolanidade, redimensionar caminhos do chamado romance histórico. A crença no potencial
foram para a cadeia da polícia política. Muitos, inclusive, não puderam escapar ao literário de um universo sacudido por inequívocas pressões históricas certamente
campo de concentração do Tarrafal, no arquipélago de Cabo Verde. constitui uma das motivações na composição de Mayombe.
Já nesses duros anos 1960, é possível destacar uma linha de continuidade na Contrariando as expectativas de setores da crítica, ainda comprometidos com
prosa de ficção produzida no país, notadamente após os trabalhos literários de Cas- uma visão colonialista, a literatura de Angola vai, no diálogo da História com a
216 Marcas da diferença: as literaturas africanas de língua portuguesa

sociedade angolana, abrindo sempre novos e diferentes caminhos. Desse modo,


pode-se, por exemplo, explicar a vitalidade da poesia angolana que, ao lado de
escritores consagrados, permanece inscrevendo novos nomes que procuram, com
a verdade de experiência poética, preencher o solo de onde emerge a força de seu
trabalho. Assinalando a atividade plena de poetas reconhecidos, como Arlindo
Barbeiros, Davi Mestre, Jorge Macedo e Ruy Duarte de Carvalho, podemos re-
gistrar nomes como os de Ana de Sant'Ana, E. Bonavena, Lopito Feijóo, João
Maimona, João Melo, José Luiz Mendonça e Paula Tavares, para citar apenas
alguns desses jovens escritores que vêm imprimindo novos sinais às malhas desse
sistema literário.

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