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MOLHANDO A PALAVRA 

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Marguerite Duras: Não existe história


de amor
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Eles se reencontram no lugar onde se amaram… para assinar o divórcio. Têm à frente uma última noite
face a face. Em tradução recém-lançada no Brasil, duas peças exploram o teatro como um campo de
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contágio do desejo… no limiar do crime
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TEATRO (HTTPS://OUTRASPALAVRAS.NET/MAURICIOAYER/CATEGORY/TEATRO/)
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por Maurício Ayer Publicado 24/10/2022 às 16:54 - Atualizado 23/12/2022 às 19:18
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Este texto foi publicado originalmente no Blog da Temporal Editora com o título: Uma
dramaturgia para cruzar o limiar do desejo (https://temporaleditora.com.br/blog/historia-
do-teatro/uma-dramaturgia-para-cruzar-o-limiar-do-desejo).

O desejo, em Marguerite Duras, é um lugar que se habita. A autora raramente fala de um “relacionamento”
– mas sim de um amor, indistinguível do próprio desejo, como um estado totalizante para aqueles que o
vivem, e que estará inexoravelmente ligado ao lugar (físico, geográfico) onde foi/é vivido: uma casa, uma
cidade, um país. Os personagens durassianos estão (ou entram) no desejo – assim como no amor, na
loucura. Duras escreve, por exemplo, que os amantes de La Musica segunda (Duras, 2022 [1985])
“permanecem nessa juventude do primeiro amor”, e que voltam “àquele estado integral do amor
desesperado” (grifos meus). 
O amor é um estado, uma qualidade específica do tempo-espaço, no qual entramos. Mas não como um
território, estranho ou familiar, que possa ser visitado, testemunhado. Só habitamos o desejo à medida
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que ele nos habita, e que a distinção entre o sujeito e o objeto, a figura e o fundo, deixa de ter sentido;
quando os seres e o lugar se tornam porosos entre si e clamam por desfigurar-se em uma espécie de êxtase

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entrópico. 

É o canto das Sereias, diria Maurice Blanchot, que desperta, nos que adentram seu campo, quer o “prazer
extremo de cair”, quer “um desespero muito próximo do deslumbramento”. Mas este canto ouvido não
como o fez Ulisses, na segurança de estar amarrado ao mastro, para viver “aquele gozo covarde, medíocre,
tranquilo e comedido (…) aquela covardia feliz e segura, aliás fundada em um privilégio que o coloca fora
da condição comum” (Blanchot, 2005 [1959], p. 5). E sim como os que não se protegeram, e descobriram
que “havia algo de maravilhoso naquele canto real, canto comum, secreto, canto simples e cotidiano, que
os fazia reconhecer de repente, cantado irrealmente por potências estranhas e, por assim dizer,
imaginárias, o canto do abismo que, uma vez ouvido, abria em cada fala uma voragem e convidava
harer.php? fortemente
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Essa ideia atravessa toda a obra de Marguerite Duras, e é mesmo
yer/marguerite- possível ler seus romances, peças e filmes identificando o modo como o
yer/marguerite- desejo se transforma, os tratamentos que recebe, os espaços que ocupa
na escritura, seja como assunto, seja como um dado constitutivo da
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concepção teatral que permeia a dramaturgia. Para conhecer essa
trajetória do desejo em Duras, penso que La Musica e La Musica
segunda são textos especialmente reveladores. E a edição de ambos em
um mesmo volume, pela Temporal Editora (2022)
(https://temporaleditora.com.br/livros/la-musica-e-la-musica-
segunda), em tradução de Angela Leite Lopes, convida a refletir sobre
isso que Duras escolheu explicitar nos dois atos de La Musica
segunda: como um mesmo tema pode receber dois tratamentos muito
distintos em uma mesma peça dramatúrgica – e o que essa diferença
diz da trajetória da autora. 

Em La Musica, cuja primeira versão Duras escreveu em 1965 para a televisão britânica, o tema do desejo
aparece, primeiramente, através de uma crítica ao casamento. Sim, estamos nos anos 1960, às portas de
1968, e Paris fará de muitas instituições sociais as suas novas Bastilhas. Duras já havia feito essa
aproximação crítica em seus romances dos anos 1950, especialmente em O marinheiro de Gibraltar
(1952) e Os cavalinhos de Tarquinia (1953), mas é importante ressaltar que não se tratava ali de propor
retratos de relacionamentos fracassados, nem de questionar as causas desse fracasso; tratava-se,
outrossim, de observar que o amor naufraga no tédio e no sufocamento do contrato matrimonial e como,
ao emergir desse aprisionamento, o sujeito redescobre a respiração e o desejo. Em Moderato Cantabile
(1958), contudo, opera-se uma alteração. O fracasso do casamento está presente, mas agora Duras o
observa concomitantemente ao surgimento do desejo nas margens desse contrato, como um meio no qual
se penetra, um estado, vivido no limite do perigo, em que o crime espreita como possibilidade iminente,
polo de atração e de ameaça extremas. 

Creio, no entanto, que seja no roteiro de Hiroshima meu amor (1959, filme dirigido por Alain Resnais)
que Duras dá uma formulação explícita a essa questão, referindo-se imediatamente à loucura, embora
com direta associação ao desejo. A personagem nomeada “Ela” – a atriz francesa que está em Hiroshima
para gravar um filme e ali vive um amor fugaz com um arquiteto japonês – recorda que, por um tempo,
ainda bem jovem, habitou a loucura – e foi por ela habitada. Logo após a morte de seu amante (um oficial
alemão, um inimigo da França, morto nos momentos finais da Segunda Guerra Mundial por um tiro
anônimo) diante dela, a menina o abraça, e ele morrerá colado a seu corpo. Após o acontecimento, a
personagem passa meses em um porão, até o dia em que retorna à “inteligência”. “Sabe, a loucura”, diz ela,
“é como a inteligência. Não dá para explicar. Exatamente como a inteligência. Ela se apodera de você, te
preenche, e então você a entende. Mas quando ela te deixa, aí não pode mais entendê-la, absolutamente”
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(Duras, 1960, p. 58, tradução minha). Note que a “inteligência” e a loucura equivalem-se – tampouco é
possível explicar esse estado de inteligência que consideramos como “normal”. A loucura é uma diferença

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que se instala no corpo, como uma mudança de intensidade ao mesmo tempo absoluta, que torna o antes e
o depois incomunicáveis e altera radicalmente a própria cognição, a intelecção do mundo e a percepção de
si. 

Nos anos que se seguem, Duras escreverá alguns de seus mais famosos mergulhos no desejo, na dor e na
loucura, como Dez horas e meia da noite no verão (1960), O arrebatamento de Lol. V. Stein (1964)
(também traduzido como O deslumbramento) e O vice-cônsul (1965), no mesmo período em que escreveu
a primeira versão de La Musica. Importante assinalar que foi a partir dessa peça, concebida inicialmente
como teledramaturgia, que Duras realizou seu primeiro filme como diretora, em parceria com Paul Seban,
lançado em 1967. E sua entrada no cinema representará também um período de ampla exploração dessa
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oayer/marguerite- inescrutável do desejo. Ela o fará em dezenove filmes, durante toda a década de 1970 e até 1984, com
Les Enfants, codirigido pela autora, seu filho Jean Mascolo e Jean-Marc
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montagem – e da escrita – de La Musica segunda. 
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yer/marguerite- Assim, quando Duras retoma a peça para reescrevê-la, ela o faz depois de atravessar a experiência do
cinema e de realizar filmes de puro mergulho no desejo, como India Song (1975) e Son Nom de Venise
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dans Calcutta désert (1976), para citar apenas dois. É com essa experiência que vai reconstruir sua poética
teatral. Duras havia escrito, montado e publicado Agatha, por exemplo, em 1981, e feito desse texto um
filme (Agatha ou les lectures illimités, 1981). Ao mesmo tempo, La Musica segunda preserva o primeiro
ato, e mantém assim a possibilidade de observar – e vivenciar – essa transformação da própria poética
teatral de Duras.  

E o que acontece?

Em ambas as peças, Duras faz com que Anne-Marie Roche e Michel Nollet retornem ao lugar de seu amor,
um amor que os empurra à insanidade, ao limiar do assassinato ou do suicídio. Não se mataram, mas se
rechaçaram, ambos fugiram dessa cidade, a comuna de Évreux, reconstruíram suas vidas e agora voltam
ali para oficializar a ruptura. No dia da assinatura do divórcio, aí estão os dois, no local onde viveram o
desejo, o casamento, o inferno. Voltam, aliás, ao mesmo hotel onde moraram nos primeiros anos do amor,
enquanto ele, arquiteto, construía a casa para onde se mudariam, como todo mundo, para viver a
catástrofe. 

La Musica tem como fundamento, portanto, um princípio épico: os fatos críticos, dramáticos,
aconteceram anos antes, e os personagens se encontram em cena para rememorá-los – em alta voz. Em
especial, lembram-se dos momentos em que estiveram a ponto de matar(-se): quando Anne-Marie foi a
Paris para encontrar um amante e Michel a aguardou na estação de trem com uma arma para matá-la,
mas desistiu ao vê-la “porque sentiu que já não a amava” e, portanto, não valia a pena; e o dia em que ela
tentou suicídio, sem sucesso, depois que ele pediu o divórcio. O encontro acontece em uma situação na
qual já não faz sentido esconder nada, então cria-se uma espécie de jogo da verdade entre os personagens.
Há dramaticidade relacionada ao que poderá acontecer até o fim desta noite: um derradeiro reencontro
erótico/amoroso? Vão reviver o desejo e, finalmente, levá-lo de volta ao limite – e talvez consumar as
mortes frustradas do passado? Ou a separação, definitiva? O anúncio é de que Anne-Marie se mudará com
seu novo companheiro, irá para um outro continente – e isso faz nascer em Michel a semente do
desespero, fruto da impossibilidade absoluta de um reencontro entre ambos, mesmo que por acaso. 

La Musica segunda, que retoma e reescreve este texto vinte anos depois, levará tal estado mais adiante.
Retoma na sua integridade e com poucas alterações o primeiro texto, mas a ele acrescenta um segundo
ato. É como se Duras entendesse que La Musica termina no ponto em que ela desejou chegar, no lugar do
desejo, mas ao invés de encontrar nisso um fim, a autora vai tratar de fazer a atriz e o ator, e nós
leitores/expectadores com eles, (re)viverem o desejo e prolongá-lo – como pura intensidade. 
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A epicidade está presente também aqui – mas certamente com um sentido radicalmente distinto do que
encontramos, por exemplo, em Brecht. Como na poética brechtiana, aqui também a quebra dos

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mecanismos do realismo cênico destrói a ilusão ficcional, só que Duras não pretende provocar uma
reflexão distanciada da estrutura ideológica das relações sociais; quer, isso sim, capturar o espectador no
acontecimento do desejo, sem substituir o desejo por uma ilusão, mas, muito mais terrível, oferecendo-
lhe, ao despertar o imaginário pela fagulha da palavra, a própria experiência do desejo, que se propaga por
contágio. Por isso Marguerite Duras afirma em Travaillez avec Duras (de Marie-Pierre Fernandes) que o
trabalho de direção e escrita (que para ela são um mesmo processo) colocaram-na diante do desejo, não
mais de Anne-Marie e Michel, mas dos atores em cena, Miou Miou e Sami Frey. Não se trata de Brecht,
portanto, mas, de algum modo, de Artaud, um teatro que se dissemina como a peste no coração do desejo
e da loucura – porém, se em Artaud a palavra está em constante processo de autodestruição, é quase um
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oayer/marguerite- para o acontecimento de um fluxo vital que se dá nas vozes e nos corpos em cena, em Duras esse
processo ocorre como que do outro lado do espelho, no entretecimento
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palavra na plenitude de sua potência.    
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yer/marguerite- Na passagem do primeiro para o segundo ato, um interlúdio faz soar uma composição de Duke Ellington,
interpretada por sua orquestra: “Black and Tan Fantasy (https://www.youtube.com/watch?
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v=OfRGceCg6LE)”, que combina uma primeira parte em blues e uma segunda cuja estrutura é a de um
standard de jazz. Duras é rigorosa e indica com precisão, dentre as várias gravações realizadas por
Ellington para este seu famoso tema, aquela que deve ser tocada. Trata-se da gravação de 1945, por vezes
ignorada, cujo arranjo e orquestração da parte blues remetem, inelutavelmente, às procissões fúnebres de
New Orleans. Uma música que aprofunda raízes no jazz das origens, e que transita, com solos de trompete
plangentes como o vagido de luto por um amor recém-perdido para sempre, em um território de dor e
sensualidade, com uma paradoxal sofisticação extraída de um gesto sonoro instrumental marcadamente
rude.  

Conforme vimos, não há distinção assinalável entre o desejo e o amor para Duras. O desejo é apenas o
modo como o amor se faz sensível, é a sua própria substância. O amor se apresenta como um lugar de
máxima porosidade entre aqueles que o vivem, ao ponto de perderem-se no abismo um do outro. E não há
nenhum sentido além desse estado que se habita, que atravessa o corpo como a água encharca uma
esponja. Não há transcendência, o amor é a própria imanência, exaltada, o puro desejo, o seu
acontecimento. Ao desvelar isso, Duras talvez tenha descoberto que também não é possível falar de amor.
Não há história de amor – ou se ama e se está no desejo, ou ele simplesmente, absolutamente, não existe,
não faz sentido, o que quer que se diga será um revolver as cinzas de um fogo passado, nonsense, por mais
razoável que pareça. E o segundo ato vai falar disso, dessa impossibilidade. 
 Ela Eu esqueci nossa história. 
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(Silêncio) 

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A dor eu esqueci. 
(Silêncio) 

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Não sei mais por quê. 
(Silêncio) 
Sofrer assim… a esse ponto… e depois não saber mais por quê… quais motivos… 
(Um tempo) 
Vamos amar menos agora. As outras pessoas. Menos. 
Ele Sim. 
(Eles não se olham. Doçura extrema) 
Estamos menos fortes agora, perdemos um pouco da nossa força. Nos aproximamos do fim da
nossa vida. 
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oayer/marguerite- Ela Sim. 

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A história se esvaiu, a dor e o amor entraram no esquecimento, tornaram-se estranhos. E isso significa que
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eles serão menos capazes de amar, que perderam força, não amarão nunca mais como amaram uma vez. A
yer/marguerite- concordância, expressa na palavra “sim”, repetida como uma espécie de pontuação, vem justamente
eliminar o
et/mauricioayer/marguerite- elemento dramático, o conflito. Nesse momento, eles falam no interior do amor, de sua loucura,
estão afinados nessa música silenciosa, que pode nos capturar. E vão raciocinar, não por uma lógica, um
diálogo ou uma dialética, mas proferindo as sentenças que dizem, da maneira mais direta e precisa
possível, as coisas que sentem e vivem, os sentidos daquilo que vivem. A comunicação é por contágio ou
bloqueio, por simpatia ou repulsa.  

Ele Acho que a gente não se lembra do amor. 


(Silêncio)
Ela Talvez a gente não se lembre da dor quando ela não faz mais sofrer. 
(Silêncio) 
Ele Do desejo há um esquecimento total ou uma memória total… nenhuma sombra… 
(Silêncio. Resposta lenta por vir) 
Ela Acredito no que você diz sobre o desejo. 
Ele O quê? 
Ela Que é uma memória nua. Um esquecimento assim. Sem passagem entre as duas coisas. 

Um “esquecimento total ou uma memória total… nenhuma sombra” – ouvimos o eco da passagem citada
de Hiroshima meu amor, transitando por todo este movimento entre as palavras “amor”, “dor” e “desejo”
como se fossem sinônimos (ou quase). O que não significa que este lugar não possa ser reativado,
ressurreto, como se o desejo se mantivesse à espreita, pronto a ocupar o espaço.  

A revisita ao lugar físico é uma parte fortemente catalisadora do reacender do desejo. A lógica é a da
peregrinação ao templo. É Lol V. Stein que revisita o baile de S. Thala (O arrebatamento de Lol V. Stein); é
o vice-cônsul que faz da Índia o lugar do amor e do crime (O vice-cônsul, India Song). Para falar de teatro,
de uma peça que tem muito em comum com La Musica segunda, são os dois irmãos em Agatha, que
voltam à casa onde viveram o amor – proibido, pois incestuoso – para se verem uma última vez, antes que
ela, também, atravesse o Atlântico para desaparecer em um continente (infinitamente) distante. São, por
fim, Michel e Anne-Marie que retornam ao hotel no qual viveram os momentos mais ardentes de seu
amor, antes de se mudarem para uma casa como a de qualquer outro casal, uma casa habitada por todo
tipo de humor assassino/suicida.  
Como um pathos partilhado, um afeto pânico, que se abate sobre as personagens ao mesmo tempo. A
coragem aqui nada tem a ver com resistir a este pathos, mas, justamente, entregar-se à verdade do amor
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desejo.  MOLHANDO A PALAVRA


até o limite – em última instância, o drama ou o crime. Morrer e matar de amor são corolários do próprio

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É neste lugar que Duras reencontra o trágico. Haverá sempre quem cumpra o papel do coro nas tragédias
gregas, o de enunciar a voz da sensatez, da razoabilidade, da manutenção da normalidade em nome de
alguma coisa. No entanto, os heróis e heroínas de Marguerite Duras são aqueles que se entregam ao amor
até o ponto da sacralidade, quando, como os deuses, é possível matar ou morrer em razão do amor. 

Duras admirava Racine, dele retomou e reescreveu (como ela mesma referiu em entrevista a Dominique
Noguez, registrada em La Couleur des Mots, 2001), com extrema concisão, Bérénice – a tragédia da
rainha judia que se deixa escravizar e levar, quase como um prêmio consentido, por amor pelo imperador
Tito, para depois ser recusada e rechaçada pelo Senado romano. Um amor morto “por razões de Estado”,
Duras enuncia em Césarée (1979), filme que reduz a tragédia de Bérénice à sua dimensão mais essencial. A
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heroína, que a leva às lágrimas, é Bérénice ou Césarée, aquela que assume a imensurabilidade de seu
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destino, que tem coragem de abandonar toda mundanidade de um reinado para uma entrega integral ao
yer/marguerite- amor. Em contraposição direta está Tito, que acata a ordem do Senado e se vê reduzido à pequenez de
yer/marguerite- imperador de Roma, sem a grandeza de deixar o trono em nome do desejo.

O título italiano
et/mauricioayer/marguerite- de La Musica certamente evoca o universo da ópera, hiperbólico em essência, onde o
amor e a morte (l’amour, la mort, a diferença em francês é apenas a abertura de uma vogal) convivem
como polaridades necessárias para dar-se sentido mutuamente. Mas uma ópera interna – como os “gritos
internos” que Marguerite Duras incorporará à sua dramaturgia a partir de Détruire dit-elle (Destruir,
disse ela, 1969): as rubricas da peça/roteiro dizem explicitamente que a personagem “grita”, mas com a
advertência de que esse grito é “interno”, nunca literal. A complexidade artística de seus textos, como um
espetáculo operístico, é forjada, entretanto, a partir da brutalidade rudimentar do grito – que é emulado,
também, pelos trompetes com surdina e seus efeitos de /wa/ que se aproximam da voz rouca de um cantor
de blues na gravação de Duke Ellington e que deve permanecer como latência na voz de atrizes e atores: a
energia potencial elevada ao paroxismo, quase sempre sem se dispersar no ato mesmo do grito. 

Há uma ópera subjacente, um Puccini silencioso que poderá ser ouvido no branco da página entre as
palavras escritas por Duras. 

Isso não significa que, no amor, possa-se dizer não importa o quê; ao contrário, há uma poética da
presença, do desejo, e uma antipoética feita da evitação do amor. A história de amor – como no
casamento que toma a forma de todo casamento – pode ser um modo dessa evitação, uma tentativa de
torná-lo inteligível, de dissipá-lo, perdê-lo em palavras ou instituições. 

Mas… 

Há uma palavra que devolve o ser ao centro de sua intensidade, do desejo. Esta é a palavra de Marguerite
Duras. 

_____________

Referências

ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. Tradução de Teixeira Coelho; revisão de tradução de Monica
Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 1999 [1964]. 

BLANCHOT, Maurice. O livro por vir. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes,
2005 [1959]. 

DURAS, Marguerite. Le Marin de Gibraltar. Paris: Gallimard, 1952. 

_______. Les Petits chevaux de Tarquinia. Paris: Gallimard, 1953.


_______. Moderato Cantabile. Paris: Les Éditions de Minuit, 1958. 
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_______. Hiroshima mon amour. Scénario et dialogue. Réalisation de Alain Resnais [1959]. Paris:

MOLHANDO A PALAVRA
Gallimard, 1960.  

(HTTPS://OUTRASPALAVRAS.NET/MAURIC
_______. Le Ravissement de Lol. V. Stein. Paris: Gallimard, 1964.  

_______. La Musica e La Musica segunda. Tradução de Angela Leite Lopes. São Paulo: Temporal, 2022
[1965, 1985]. 

_______. Le Vice-Consul. Paris: Gallimard, 1966. 

_______. Détruire dit-elle. Paris: Les Éditions du Minuit, 1969. 

_______. India Song. Film. Suivi de La Couleur des mots, entretiens avec Dominique Noguez,
réalisation Jérôme Beaujour et Jean Mascolo. Paris: Benoît Jacob, 2005 [1974, 1984]. 

harer.php? _______.
oayer/marguerite- Son Nom de Venise dans Calcutta désert. Film, 1976. 
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_______. Césarée; Les Mains négatives; Aurélia Steiner (Melbourne) (Vancouver). Quatre films écrits
yer/marguerite- et réalisés par Marguerite Duras, suivis de La Caverne Noire, entretiens avec Dominique Noguez,
yer/marguerite- réalisation Jérôme Beaujour et Jean Mascolo. Paris: Benoît Jacob, 2007 [1979, 1984]. 

_______.
et/mauricioayer/marguerite- Agatha. Paris: Les Éditions de Minuit, 1981. 

_______. Agatha ou les lectures illimitées. Suivis de Duras filme, produit et réalisé par Jean Mascolo et
Jérôme Beaujour. Paris: Benoît Jacob, 2009 [1981, 1981]. 

_______. La Couleur des mots. Entretiens avec Dominique Noguez autour de huit films. Édition critique.
Paris: Benoît Jacob, 2001. 

FERNANDES, Marie-Pierre. Travailler avec Duras: La Musica Deuxième. Paris: Gallimard, 1986.

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Joyce, que há um século escandalizou o Pitágoras revolucionário e feminista. E flui papéis para príncipe e princesa
mundo ao desconstruir o casamento não segundo um enredo, mas por meio de
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monogâmico – e escancarar os caminhos ritos que fazem do teatro um templo
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transgressores de sua sexualidade partilhado. Será encenada em SP, este fim
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TEATRO
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do-brasil/) regional/) cachaca/)

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do-brasil/) regional/) cachaca/)
Mário de Andrade e a Modernismo em Dirley Fernandes, o
concepção democrática do Pernambuco e as máscaras jornalista que decifrou a
Brasil do regional cachaça
Em livro, sociólogos reconstroem papel do No centenário da Semana de 1922, uma O jornalismo e os alambiques se despedem
intelectual paulista, ao analisar sua obra e pluralidade de modernismos emerge. No de um bamba, falecido no último dia 15.
vasta correspondência. Pensou a cultura à Recife, o regionalismo dá o tom de um Para brindar à sua trajetória, servimos uma
frente de seu tempo, contra a visão debate persistente em torno da produção fantástica crônica que ele preparou,
autoritária do Estado Novo. E articulou artística, com ressonâncias até hoje. Em misturando o aventureiro inglês que
ampla rede de jovens poetas e artistas em entrevista, o sociólogo Eduardo Dimitrov traduziu o Kama Sutra, o memorialista
todo o país fala de contextos, trajetórias e obras mineiro e, claro, a branquinha
apresentadas em seu novo livro
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