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Visualidades do

insólito no
conto “Verão”, de
Julio Cortázar

Programa de Pós-Graduação em Letras


Estudos LIterários, UEL

Gabriel Camilo
Eugène Delacroix, Cavalo assustado por uma tempestade, 1825-29 Ligia Fogagnollo

O que iremos
discutir
Sumário
1 Itinerário daquilo que não se vê com os olhos

2 Aspectos teóricos em Cortázar: o neofantástico

3 Visualidades do insólito: a imensidão azul


3.1 Vendo além do que se vê: o roxo
3.1.1 O Monstro Branco

4 CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

Cavalo (1886) de Vincent van Gogh


"Zulma tinha razão, a menina abrira a porta mas o cavalo não entrara em casa. A menos que sim, pensou acendendo o primeiro cigarro e
olhando para o gume azul das colinas, a menos que também nisso Zulma tivesse razão e o cavalo houvesse entrado em casa, mas como
saber se não o tinham ouvido, se tudo estava em ordem, se o relógio continuaria medindo a manhã […]". (CORTÁZAR, 1986, p. 64).

“Mais um mês de repetições previsíveis, como que ensaiadas [...] como agora que Mariano oferecia outro drinque e Zulma aceitava com
os olhos perdidos nas colinas mais distantes, já tingidas de um roxo profundo”. (CORTÁZAR, 1986, p. 57).

“No janelão chicoteou uma enorme mancha branca, Zulma sufocou um grito, Mariano de costas voltou-se tarde demais, o vidro refletia só
os quadros e os móveis da sala”. (CORTÁZAR, 1986, p. 59).

"As crinas, os beiços como que sangrando, uma enorme cabeça branca roçava o janelão, o cavalo apenas olhou para eles, a mancha
branca apagou-se para a direita, ouviram outra vez os cascos, um brusco silêncio do lado da escada de pedra, o relincho, a corrida".
(CORTÁZAR, 1986, p. 59).

"No janelão, a cabeça do cavalo esfregou-se contra o grande vidro, sem muita força, a mancha branca parecia transparente na
escuridão; sentiram que o cavalo olhava para dentro como que procurando alguma coisa, mas já não podia vê-los e entretanto
continuava ali, relinchando e resfolegando, com sacudidelas repentinas de um lado para outro". (CORTÁZAR, 1986, p. 60).
A primeira grande
sistematização da literatura
fantástica é feita por Tzvetan
Todorov. Ele a define como
um gênero literário, entre o
estranho e o maravilhoso.
Características desse
gênero: ambiguidade,
hesitação, incerteza.

O Impossível, 1945.
Bronze, 79,5 x 80 x 43,5 cm.
Acervo Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro
“Se decidir que as leis da realidade
ficam intactas e permitem
explicar os fenômenos descritos,
dizemos que a obra pertence a
outro gênero, o estranho. Se, pelo
contrário, decide que é
necessário admitir novas leis da
natureza mediante as quais o
fenômeno pode ser explicado,
entramos no gênero do maravilhoso.
(TODOROV, 1975, p.26)”.

O caminho; a sombra; longos demais, estreitos demais.


1946.
Bronze e madeira, 143,5x179,5x959,5 cm (Detalhe)
Acervo The Museum of Modern Art, NY.
Henry Fuseli, O Pesadelo, 178
Hesitação:
Ambiguidade da experiência comum

Em um mundo que é o nosso, que conhecemos, sem diabos, sílfides, nem vampiros se
produz um acontecimento impossível de explicar pelas leis desse mesmo mundo familiar.
Quem percebe o acontecimento deve optar por uma das duas soluções possíveis: ou se
trata de uma ilusão dos sentidos, de um produto de imaginação, e as leis do mundo
seguem sendo o que são, ou o acontecimento se produziu realmente, é parte integrante
da realidade, e então esta realidade está regida por leis que desconhecemos. Ou o
diabo é uma ilusão, um ser imaginário, ou existe realmente, como outros seres, com a
diferença de que rara vez o encontra. O fantástico ocupa o tempo desta incerteza.
(TODOROV, 1975, p.15)
Irene Bessière (1974) realiza a segunda grande
sistematização dos estudos que discordavam
da noção de gênero como definição suficiente
para o fantástico. Para Bessière o fantástico
seria um modo narrativo que abrange diversos
outros tipos de discursos.
Características desse modo: contradição,
caráter subversivo e crítico da realidade.

A partir dos estudos de Bessière a concepção


da literatura fantástica como gênero se
enfraquece a vai assumindo a definição de
“modo”.

Prometheus II, 1948 (Detalhe)


Bronze, 105 x 75 x 96 cm.
Coleção Airton Queiroz, Fortaleza.
Modo Narrativo
Discursos: contradição, subversão e crítica

Segundo o período histórico, a narração fantástica pode


ser lida como a outra face do discurso teológico,
iluminista, espiritualista ou psicopatológico e existe
somente graças àqueles discursos que ela desconstrói de
dentro. Assim como aparece na lenda, em que a vida do
santo e a fábula diabólica são aparentadas e ao mesmo
tempo contrapostas, a narração fantástica se apresenta
como o meio simétrico negativo do conto de milagres e
de iniciação, do conto de desejo e de loucura.

(BESSIÈRE, 1974, p. 10).

Girafa em Chamas. Salvador Dalí, 1937


“(...) não fiquei satisfeito com o imenso esforço
que Todorov fez em L’introduction au
fanstastique. O livro pode até ser útil como
instrumento de trabalho, mas, terminada a
leitura, o meu sentimento do fantástico não
havia sido explicado, o autor não encontra uma
solução.” (CORTÁZAR, 2002 p.36)

O oitavo véu, 1949.


Bronze, 104 x 132 x 94 cm.
Coleção Particular, Rio de Janeiro.
Jaime Alazraki:
Obras literárias após a Primeira Guerra Mundial pertencem a uma
época de cultura e pensamentos diferentes dos períodos que a
antecederam, influenciadas por importantes movimentos artísticos:
a arte de vanguarda, a psicanálise de Freud, o surrealismo e o
existencialismo.
Necessidade de novas caracterizações, mais alinhadas às
inquietações contemporâneas.

A soma de nossos dias, 1954-55.


Concreto sermalite sobre metal, 340 x 181 x 83 cm.
Acervo Museu de Arte Contemporânea, São Paulo
Características do neofantástico
. visão;
. metáfora;
. modus operandi.

No conto “Verão” essas características podem ser


identificadas pelo cenário campestre, bucólico, roxo e
azulado (visão); pelas ações mecânicas das personagens
escondendo a distância entre eles (metáfora) e pela
instauração da atmosfera insólita desde as primeiras linhas
do texto (modus operandi).

Nú Barreto. Barreto Desequilibre. | Foto: Thierry Caron/Paris.


Recorremos à teoria da
Stimmung, de Gumbrecht para
análise da literatura
contemporânea, como recurso
explicativo ampliado Gumbrecht
explica a Stimmung como uma
experiência da cumplicidade do
leitor com o texto.
Os componentes textuais criam
as ambiências e atmosferas que
conduzem à experiência
presente.

Beco e vegetação, 2007


Série “Meu mundo Teu”. Alexandre Sequeira
As férias de Hegel (René Magritte, 1958)
experiência momentânea
o Efêmero e a concretude

A formulação literária das atmosferas e dos climas, cuja estrutura nem precisamos
reconhecer, possibilita sermos transportados, pela imaginação, até situações em que a
sensação física se torna inseparável da constituição psíquica. (GUMBRECHT, 2014 p. 98)
Os textos afetam os “estados de espírito” da mesma maneira que o clima atmosférico e a música. (p. 14)
A tragédia, de Pablo Picasso. 1903
cor e insólito

O azul é a cor da constância, da transcendência, do desejo infinito, das profundezas


obscuras, simbolizadas pelo céu e o mar. Para alguns povos, é o mal e a mentira, a ilusão e o
sonho. No Alcorão, o azul simboliza o mal por identificar os criminosos. O azul representa o
onírico, o surreal, instando em adornos de deuses, em roupas de santos católicos e até mesmo
recobrindo Krishna, que tem a pele interessantemente azul. O azul é a cor da imaterialidade,
é a cor do surrealismo. (PAULA JÚNIOR, 2011, p. 134).
Referências
ALAZRAKI, J. ¿Qué es lo neofantástico? In: ROAS, David (Org.) Teorías de lo fantástico. Madrid: Arco/Libros, 2001.

BERMEJO, E. G. Conversas com Cortázar. Tradução de Luiz Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

BESSIÈRE. I. Le récit fantastique: la poétique de l´incertain. Paris: Larousse, 1974.

CORTÁZAR, J. Verão. In: CORTÁZAR, J. Octaedro. Trad: Glória Rodríguez. 3° ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986.

CORTÁZAR, J. Valise de Cronópio. 2ª ed. Tradução de Davi Arriguci Jr. e João Alexandre Barbosa: Org. Haroldo de Campos e Davi
Arriguci Jr. São Paulo: Perspectiva, 2004.

ERNER, G.Sociologia das tendências. Trad. Julia da Rosa Simões. São Paulo: Gustavo Gili, 2015.

GADEA, O. P. A fascinação das palavras: Julio Cortázar. Tradução: Ari Roitman e Paulina Wacht. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2014.
Referências
GUMBRECHT, H. U. Atmosfera, ambiência, Stimmung. Sobre um potencial oculto da literatura. 1ª ed. Tradução de Ana Isabel Soares. Rio
de Janeiro: Contraponto: Editora PUC Rio, 2014.

KOHLER, C. História do vestuário. Trad. Jefferson Luís Camargo. São Paulo: Martins Fontes,1993.

LAVER, J. A roupa e a moda: uma história concisa. Capítulo final (por) Christina Probert. Trad. Glória Maria de Mello Carvalho. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989.

NAZARIO, L. Da natureza dos monstros. São Paulo: Arte e Ciência, 2003.


PAULA JÚNIOR, F. V. A semântica das cores na Literatura Fantástica. Entrepalavras, Fortaleza - ano 1, v.1, n.1, p. 129-138, ago/dez 2011.

PROBERT, C. “A era do individualismo”. In: LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. Trad. Glória Maria de Mello Carvalho.
São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

SOUZA, G. M. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

TODOROV, T. Introdução à Literatura Fantástica. 3ª ed. Tradução de Maria Clara Correa Castello. São Paulo: Perspectiva, 2004.

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