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FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO

FAAP Pós-Graduação

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

18ª Turma do Curso de Pós-graduação Lato Sensu em


História da Arte

VAN GOGH - DO AMARELO AO ROXO -


MISSÃO E ARTE

Antonio Sidney Francisco

Coordenadora do curso e orientadora de metodologia:


Profa. Maria Carolina Duprat Ruggeri

São Paulo
2010
Antonio Sidney Francisco

VAN GOGH - DO AMARELO AO ROXO -


MISSÃO E ARTE

Monografia apresentada ao Curso de Pós-


graduação Lato Sensu em História da Arte da
Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP,
como parte dos requisitos para a aprovação no
curso.

Coordenadora do curso e orientadora de metodologia:


Profa. Maria Carolina Duprat Ruggeri

São Paulo
2010
Francisco, A. S.

Van Gogh – do Amarelo ao Roxo – Missão e Arte / Antonio Sidney Francisco.


São Paulo, 2010. 128 p. Monografia (pós-graduação) – Fundação Armando Alvares
Penteado. FAAP Pós-Graduação.

Orientadora: Profa. Maria Carolina Duprat Ruggeri

1. Vincent Van Gogh. 2. Arte. 3. Arte e Psicologia. 4. Processo de Criação.


Antonio Sidney Francisco

VAN GOGH - DO AMARELO AO ROXO -


MISSÃO E ARTE

Data de aprovação: ___/___/___

Nota: _____________________

Banca examinadora:

______________________________________

______________________________________

______________________________________
Agradeço à professora Caru, por ter acolhido a
minha ideia, também pelo carinho, traquilidade e a
maneira sutil e tão valiosa de ajudar-me a
aprofundar este trabalho.
“Procure entender a fundo o que dizem os grandes
artistas, os verdadeiros artistas, em suas obras
primas, e encontrará Deus nelas. Um o terá dito ou
escrito num livro, outro, num quadro.” (VAN GOGH,
2002, p.51)
RESUMO

Este trabalho tem como objetivo mostrar um panorama da vida do pintor


holandês Vincent Villem Van Gogh, incluindo fatores familiares, sociais, artísticos e
psicológicos. A proposta basicamente se originou através da leitura do livro Cartas a
Theo, que contém uma seleção de cartas escritas pelo pintor ao seu irmão Theo Van
Gogh, no período de julho de 1883 a julho de 1890. A correspondência se originou
após um encontro dos irmãos em agosto de 1872, perto de Helvoirt, pequena aldeia
onde o pai fora nomeado pastor. As cartas revelam seu pensamento a respeito da
arte sua produção artística, impulsos da sua criatividade, da sociedade em que vivia
e da doença que o acometeu no final da vida. Na concepção do trabalho procurou-
se enfatizar o aspecto que foi mais decisivo e que gerou esta pesquisa -
pensamento lúcido, coerente e equilibrado do pintor ao fazer julgamentos de si
próprio, dos outros e das circunstâncias às quais esteve exposto em vida -. Sua obra
muito admirada revela um ser humano dotado de uma sensibilidade especial e um
pensamento sóbrio, ordenador e crítico que por si só merece ser ressaltado em
contraposição aos atos que remetem à sua loucura.

Palavras-chave: Vincent Van Gogh. Arte. Arte e Psicologia. Processo de


Criação.
ABSTRACT

This work intends to present the Dutch painter Vincent Willem Van Gogh’s
life scenario, encompassing family, social, artistic and psychological aspects. This
project originated basically from reading the book ‘Letters to Theo’, comprising a
selection of letters written by the painter to his brother Theo van Gogh, from July
1883 to July 1890. The correspondence between the two started after they met in
August 1872, near Helvoirt, a small village where his father had been appointed
pastor. The letters reveal his thoughts on art, his artistic production, the impulses of
his creativity, the society in which he lived and the illness that struck him at the end of
his life. This work endeavours to emphasize the most decisive aspect that generated
this investigation: the painter’s clear, coherent and balanced thinking, when emitting
judgments on himself, on others and on the circumstances to which he was exposed
during his lifetime. His widely admired works reveal a human being with a special
sensibility and a restrained, organizing and critical thinking that in itself deserves to
be highlighted as opposed to the acts that refer to his madness.

Key words: Vincent Van Gogh. Art. Art and Psychology. Process of Creation.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Artista: Jacob van Ruysdael. Obra: Vista de Haarlem. Ano: Cerca de 1650-1682.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 43x38 cm. Acervo: Rijksmuseum/Amsterdã. .................... 18
Figura 2: Artista: Van Gogh. Obra: Natureza Morta com Bíblia. Ano: 1885. Técnica:
óleo s/tela. Dimensões: 67x78 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã. ............................ 21
Figura 3: Artista: Van Gogh. Obra: Gordina de Groot, Cabeça. Ano: 1885. Acervo:
Museu Van Gogh/ Amsterdã. ................................................................................................ 22
Figura 4: Artista: Van Gogh. Obra: Homem com Arado, Mulher Abaixada e uma Pequena
Casa de Fazenda com Montes de Turfa. Ano: 1883. Acervo: Museu Van Gogh/
Amsterdã. .............................................................................................................................. 23
Figura 5: Artista: Van Gogh. Obra: Tecelã Voltada para a Esquerda. Ano: 1884.
Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã. .................................................................................... 23
Figura 6: Artista: Van Gogh. Obra: Os Comedores de Batatas. Ano: 1885. Técnica:
óleo s/tela. Dimensões: 82x114 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã. .......................... 24
Figura 7: Artista: Van Gogh. Obra: Os Comedores de Batatas. Ano: 1885. Técnica:
Desenho. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã..................................................................... 24
Figura 8: Artista: Van Gogh. Obra: Infelicidade. Ano: 1882. Acervo: Coleção Garman
Ryan. ..................................................................................................................................... 26
Figura 9: Artista: Van Gogh. Obra: Sien, com um charuto, sentada perto do fogão.
Ano: 1882. Acervo: Kroller-Muller Museum/Otterlo. .............................................................. 26
Figura 10: Artista: Anton Rudolf Mauve. Obra: Mulher com Cabrito em Laren.
Técnica: óleo s/tela - Dimensões: 50x75 cm. Acervo: Gemeentemuseum - Den Haag........ 29
Figura 11: Artista: Anton Rudolf Mauve. Obra: Cavalgando sobre a Neve no Bosque do
Hague. Ano: 1879. Técnica: aquarela e tinta opaca branca sobre papel. Dimensões:
44 × 27 cm. Acervo: Rijksmuseum/Amsterdã........................................................................ 30
Figura 12: Artista: Van Gogh. Obra: Pai Tanguy. Ano: 1887-1888. Técnica: lápis de
grafite. Dimensões: 21,5 x 13,5 cm. Acervo: Rijksmuseum/Amsterdã. ................................. 32
Figura 13: Artista: Van Gogh. Obra: Pai Tanguy. Ano: 1887-1888. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 60 x 51 cm. Acervo: Coleção Stavros S. Niarchos. ........................................... 32
Figura 14: Artista: Van Gogh. Obra: Retrato de Joseph Roulin. Ano: 1889. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 64 x 54,5 cm. Acervo: The Museum of Modern Art/New York. ............... 33
Figura 15: Artista: Van Gogh. Obra: A Canção de Ninar (Augustine Roulin). Ano: 1889.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 93 x 74 cm. Acervo: The Metropolitan Museum of
Art/New York.......................................................................................................................... 33
Figura 16: Artista: Van Gogh. Obra: Auto-Retrato. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 60,3 x 49,4 cm. Acervo: The Fogg Art Museum Harvard University/
Cambridge. ............................................................................................................................ 35
Figura 17: Artista: Van Gogh. Obra: Amendoeiras em Flor (segundo Hiroshige).
Ano: 1887. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 55 x 46 cm. Acervo: Museu Van
Gogh/Amsterdã...................................................................................................................... 37
Figura 18: Artista: Hiroshige Utagawa. Obra: Cerejeira em Flor no Jardim Kameido.
Ano: 1878. ............................................................................................................................. 37
Figura 19: Artista: Van Gogh. Obra: Ponte sob a Chuva (segundo Hiroshige). Ano: 1887.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 73 x 54 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã............. 38
Figura 20: Artista: Hiroshige Utagawa. Obra: A Ponte Ohashi sob a Chuva. Ano: 1857.
Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã. .................................................................................... 38
Figura 21: Artista: Van Gogh. Obra: As três cigarras. Ano: 1889. Acervo: Museu Van
Gogh/ Amsterdã..................................................................................................................... 39
Figura 22: Obra: Pormenor de um Manual de Pintura Japonês. Ano: 1878.......................... 39
Figura 23: Artista: Van Gogh. Obra: Café Noturno. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 70 x 89 cm. Acervo: Yale University Art Gallery/New Haven. ........................... 40
Figura 24: Artista: Van Gogh. Obra: Horta e Casa com Telhado Laranja. Ano: 1888.
Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã. .................................................................................... 42
Figura 25: Artista: Van Gogh. Obra: Pomar Rosa. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 64,5 x 80,5. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã. ............................................ 42
Figura 26: Artista: Van Gogh. Obra: Ciprestes. Ano: 1889. Técnica: óleo s/tela. Acervo:
Museu Van Gogh/Amsterdã. ................................................................................................. 43
Figura 27: Artista: Van Gogh. Obra: Ciprestes. Ano: 1889. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 93,4 x 74 cm. Acervo: Metropolitan Museum of Art /Nova York. ....................... 43
Figura 28: Artista: Van Gogh. Obra: Semeador com Sol Poente. Ano: 1888. Técnica:
óleo s/tela. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã................................................................... 44
Figura 29: Artista: Van Gogh. Obra: O Semeador. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 32 x 40 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.............................................. 44
Figura 30: Artista: Van Gogh. Obra: La Crau com Pessegueiros em Flor. Ano: 1889.
Técnica: óleo s/tela. Acervo: Coleção Particular. .................................................................. 45
Figura 31: Artista: Van Gogh. Obra: Colheita em La Crau, Montmajour ao Fundo. Ano:
1888. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 73 x 92 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã... 45
Figura 32: Artista: Van Gogh. Obra: Campo de Trigo sob Céu Nublado. Ano: 1890.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 50 x 100,5 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã........ 46
Figura 33: Artista: Jean-Francois Millet. Obra: A Sesta. Ano: 1866. Técnica: pastel e
crayon preto. Dimensões: 29 x 42 cm. Acervo: Museum of Fine Arts/Boston....................... 49
Figura 34: Artista: Van Gogh. Obra: A Sesta, Ano: 1890. Técnica: óleo s/tela. Dimensões:
73 x 91 cm. Acervo: Musée d’Orsay/Paris............................................................................. 49
Figura 35: Artista: Jean-François Millet. Obra: O Ângelus. Ano: 1857-1859. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 55,5 x 66 cm. Acervo: Musée d'Orsay/Paris. .......................................... 50
Figura 36: Artista: Van Gogh. Obra: O Ângelus. Ano: 1882. Técnica: Desenho a lápis e
giz vermelho. Bruxelas. Acervo: Kroller-Muller Museum/Otterlo. .......................................... 50
Figura 37: Artista: Van Gogh. Obra: Pietà (segundo Delacroix). Ano: 1889. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 73 x 60,5 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã. ............................... 51
Figura 38: Artista: Ferdinand-Victor-Eugéne Delacroix. Obra: Pietà. Ano: 1850. Técnica:
óleo s/tela. Acervo: Olga's Gallery.Nasjonalgalleriet/Oslo..................................................... 52
Figura 39: Artista: Rembrandt. Obra: Os Síndicos da Guilda dos Tecelões. Ano: 1662.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 191,5 x 279 cm. Acervo: Rijksmuseum/Amsterdam. ........ 53
Figura 40: Artista: Rembrandt. Obra: A Noiva Judia. Ano: 1665-1669. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 121,5 x 166,5 cm. Acervo: Rijksmuseum/Amsterdã. .............................. 53
Figura 41: Artista: Rubens. Obra: A Descida da Cruz. Ano: 1611-1614. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 4:20 x 3:10 cm. Acervo: Catedral da Antuérpia/Antuérpia. ..................... 55
Figura 42: Artista: Jean-Baptiste-Camille Corot. Obra: A Ponte de Narni. Ano: 1826.
Técnica: Óleo s/papel, montado s/tela. Dimensões: 34 x 48 cm. Acervo: Musée Du
Louvre/Paris........................................................................................................................... 56
Figura 43: Artista: Jean-Baptiste-Camille Corot. Obra: A Igreja de Marissel. Ano: 1867.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 55 x 43 cm. Acervo: Musée du Louvre/Paris. ................... 56
Figura 44: Artista: Adolphe Monticelli. Obra: Os Carvalhos em Saint-Zacharie. Ano: 1824-
1886. Técnica: óleo s/madeira de mogno. Dimensões: 33,5x53 cm.Acervo: Musée des
Beaux-Arts/Marseille.............................................................................................................. 57
Figura 45: Artista: Adolphe Monticelli. Obra: Passeio em um Parque, ao Crepúsculo.
Ano: 1824-1886. Técnica: óleo s/madeira. Acervo: Musée d'Orsay/Paris............................. 58
Figura 46: Artista: Jacob van Ruysdael. Obra: Paisagem (detalhe). Ano: 1646. Técnica:
óleo s/tela. Dimensões: 62,5 x 89 cm. Acervo: Museum Boijmans Van Beuningen/
Rotterdam. ............................................................................................................................. 59
Figura 47: Artista: Jacob van Ruysdael. Obra: Vista de Deventer a Partir do Noroeste.
Ano: 1657. Técnica: óleo s/carvalho. Dimensões: 52 x 76 cm. Acervo: The National
Gallery/Londres. .................................................................................................................... 59
Figura 48: Artista: Jozef Israels. Obra: Sozinha no Mundo. Ano: 1878. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 90 x 139 cm. Acervo: Rijskmuseum/Amsterdã. ................................................. 60
Figura 49: Artista: Van Gogh. Obra: Cesta com Maçãs. Ano: 1885. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 33 x 43,5 cm. Acervo: Rijksmuseum/Amsterdã. ................................................ 63
Figura 50: Artista: Van Gogh. Obra: A Vinha Encarnada. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 75 x 93 cm. Acervo: Museu Pushkin/Moscou.................................................... 65
Figura 51: Artista: Van Gogh. Obra: A Casa Amarela. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 72 x 91,5 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã........................................... 67
Figura 52: Artista: Van Gogh. Obra: A Cadeira de Gauguin. Ano: 1888. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 90,5 x 72, 5 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã. ........................... 70
Figura 53: Artista: Van Gogh. Obra: A Cadeira de Van Gogh. Ano: 1888. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 93 x 73,5cm. Acervo: Tate Gallery/Londres............................................ 71
Figura 54: Artista: Van Gogh. Obra: O Pátio de Exercícios. Ano: 1890. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 80 x 64 cm. Acervo: Museu Pushkin/Moscou. ........................................ 75
Figura 55: Artista: Van Gogh. Obra: O Escolar (O Filho do Carteiro – Garoto de Boné).
Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 63 x 54 cm. Acervo: Museu de Arte de São
Paulo/São Paulo. ................................................................................................................... 79
Figura 56: Artista: Van Gogh. Obra: No Limiar da Eternidade. Ano: 1890. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 80 x 64 cm. Acervo: Rijksmuseum/Amsterdã. ........................................ 79
Figura 57: Artista: Van Gogh. Obra: Três Pares de Sapatos. Ano: 1886. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 49 x 72 cm. Acervo: The Fogg Art Museum Harvard
University/Cambridge. ........................................................................................................... 80
Figura 58: Artista: Van Gogh. Obra: Quatro Girassóis Colhidos. Ano: 1887. Técnica:
óleo s/tela. Dimensões: 60 x 100 cm. Acervo: Kroller-Muller Museum/Otterlo...................... 81
Figura 59: Artista: Van Gogh. Obra: Vista do Mar em Scheveningen. Ano: 1882.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 34.5 x 51 cm. Acervo: Stedelijk Museum/Amsterdã. ........ 83
Figura 60: Artista: Van Gogh. Obra: Pequenas Casas. Ano: 1883. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 35 x 55.5 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã........................................... 84
Figura 61: Artista: Van Gogh. Obra: Paisagem de Outono com Quatro Árvores. Ano:1885.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 64 x 89 cm. Acervo: Kroller-Muller Museum/Otterlo. ........ 84
Figura 62: Artista: Van Gogh. Obra: O Moinho de La Galette. Ano: 1887.
Técnica: óleo s/tela. dimensões: 46 x 38 cm. Acervo: Carnegie Museum of Art/
Pittsburgh............................................................................................................................... 85
Figura 63: Artista: Van Gogh. Obra: Campo com Papoulas. Ano: 1889.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 71 x 91 cm. Acervo: Kunsthalle Bremen/Bremen. .... 85
Figura 64: Artista: Van Gogh. Obra: O Jardim de Daubigny (estudo). Ano: 1890.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 50.7 x 50.7 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdam.... 86
Figura 65: Artista: Van Gogh. Obra: Moça de Branco no Bosque. Ano: 1882.
Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã. .................................................................................. 88
Figura 66: Artista: Van Gogh. Obra: Moça de Branco no Bosque. Ano: 1882.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 39 x 49 cm. Acervo: Kroller-Muller Museum/Otterlo. 88
Figura 67: Artista: Van Gogh. Obra: Quarto de Van Gogh em Arles. Ano: 1888.
Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã. .................................................................................... 91
Figura 68: Artista: Van Gogh. Obra: Quarto de Van Gogh em Arles. Ano: 1889.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 57,5 x 74 cm. Acervo: Musée d’Orsay/Paris.................... 91
Figura 69: Artista: Van Gogh. Obra: Caminho com Cipreste e Estrela. Ano: 1890.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 92.0 x 73.0. Acervo: Kroller-Muller Museum/Otterlo. ........ 92
Figura 70: Artista: Van Gogh. Obra: Terraço do Café à Noite. Ano: 1888. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 81 x 65,5 cm. Acervo: Kroller-Muller Museum/Otterlo. ........................... 93
Figura 71: Casa típica da cidade. ........................................................................................ 102
Figura 72: Vista de um canal da cidade. ............................................................................. 102
Figura 73: Hospital psiquiátrico. .......................................................................................... 103
Figura 74: Artista: Van Gogh. Obra: Pinheiros e Figuras à frente do Hospice Saint Paul.
Ano: 1889. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 58 x 45 cm. Acervo: Musée d’Orsay/
Paris..................................................................................................................................... 103
Figura 75: Pátio interno do hospital. .................................................................................... 104
Figura 76: Artista: Van Gogh. Obra: O Pátio do Hospital em Arles. Ano: 1889. Técnica:
óleo s/tela. Dimensões: 73 x 92 cm. Acervo: Coleção Oskar Reinhart/Wintherthur............ 104
Figura 77: Jardim das Oliveiras. .......................................................................................... 105
Figura 78: Artista: Van Gogh. Obra: Olive Grove: Orange Sky. Ano: 1889. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 74 x 93 cm. Acervo: Goteborgs Konstmuseum/Goteborg..................... 105
Figura 79: Quarto do pintor.................................................................................................. 106
Figura 80: Entrada da casa Dr. Gachet. .............................................................................. 106
Figura 81: Casa do Dr. Gachet............................................................................................ 107
Figura 82: Artista: Van Gogh. Obra: Rua em Auvers. Ano: 1890. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 73 x 92. Acervo: Ateneumin Taidemuseo/Helsinki. ......................................... 107
Figura 83: Rua de Auvers.................................................................................................... 108
Figura 84: Artista: Van Gogh. Obra: Ruas de Vilarejo com Degraus em Auvers, com
Figures. Ano: 1890. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 49,8 x 70,1 cm. Acervo: Saint
Louis Art Museum/St. Louis................................................................................................. 108
Figura 85: Igreja de Auvers. ................................................................................................ 109
Figura 86: Artista: Van Gogh. Obra: A Igreja de Auvers. Ano: 1890.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 94 x 74 cm. Acervo: Musée d’Orsay/Paris...................... 109
Figura 87: Campo de trigo. .................................................................................................. 110
Figura 88: Artista: Van Gogh. Obra: Campo de Trigo com Cotovia. Ano: 1887.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 34 x 65,5 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã........ 110
Figura 89: Campo de Trigo.................................................................................................. 111
Figura 90: Artista: Van Gogh. Obra: Campo de Trigo com Flores. Ano: 1890.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 60 x 81 cm. Acervo: Fondation Beyeler – Riehen/
Basel/Switzerland. ............................................................................................................... 111
Figura 91: Cemitério de Auvers, onde estão enterrados Van Gogh e seu irmão Theo....... 112
Figura 92: Artista: Van Gogh. Obra: Jardim de Daubigny com Gato Preto.
Ano: 1890. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã................................................................. 123
Figura 93: Artista: Van Gogh. Obra: Jardim de Daubigny. Ano: 1890. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 50 x 101,5 cm. Acervo: Collection R. Staechelin/Basel. ....................... 124
Figura 94: Artista: Van Gogh. Obra: Campo de Trigo com Corvos. Ano: 1890.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 50,5 x 103 cm. Acervo: Museu Van Gogh/
Amsterdã. ............................................................................................................................ 124
Figura 95: Artista: Van Gogh. Obra: Raízes de Árvores. Ano: 1890.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 50 x 100 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã......... 125
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................14
1 O ENCONTRO ....................................................................................................................17
2 RELAÇÕES FAMILIARES, SOCIAIS E AFETIVAS – UM CHARME TODO ESPECIAL ..19
2.1 O Pai.................................................................................................................................20
2.2 O Missionário....................................................................................................................21
2.3 O Pintor de Camponeses .................................................................................................22
2.4 Clasina Maria Hoornik ......................................................................................................25
3 FORMAÇÃO ARTÍSTICA ...................................................................................................28
3.1 Sobre Retratos..................................................................................................................31
3.2 Autorretrato.......................................................................................................................34
3.3 Japonismo ........................................................................................................................35
3.4 Paisagens .........................................................................................................................40
4 SOBRE ARTISTAS E OBRAS COMENTADAS - INFLUÊNCIAS .....................................47
4.1 Jean-Francois Millet (1814-1875) .....................................................................................48
4.2 Ferdinand-Victor-Eugène Delacroix (1798-1840) .............................................................51
4.3 Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669) ..............................................................52
4.4 Peter Paul Rubens (1577-1640) .......................................................................................54
4.5 Jean-Baptiste-Camille Corot (1796-1875) ........................................................................55
4.6 Adolphe Monticelli (1824-1886) ........................................................................................57
4.7 Jacob van Ruysdael (1628?-1682)...................................................................................58
4.8 Jozef Israels (1824-1911) .................................................................................................60
5 PENSAMENTO ESTÉTICO ................................................................................................61
5.1 A Cor.................................................................................................................................61
6 NO SUL DA FRANÇA - A CASA AMARELA, O ARTISTA E A UNIÃO DE CLASSE ......66
6.1 A Presença de Gauguin....................................................................................................67
7 ESTADO FÍSICO E EMOCIONAL ......................................................................................72
8 VELAS ACESAS NA ABA DO CHAPÉU ...........................................................................77
9 CONSTRUINDO O MOSAICO ............................................................................................98
9.1 Saint-Rémy-de-Provence ...............................................................................................101
9.2 Auvers-sur-Oise..............................................................................................................105
10 DUAS CARTAS A MAIS .................................................................................................113
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................119
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................127
14

INTRODUÇÃO

Acaso...

Ao ler o livro Cartas a Theo, no início de 2006, o autor deste trabalho se


surpreendeu principalmente por dois aspectos, um deles o apurado conhecimento
de Van Gogh sobre arte, suas formulações sobre a materialidade pictórica, e o outro
aspecto, o lado humano do pintor. Na realidade, naquele momento estava formando
uma opinião sobre ele e o cerne desta pesquisa.

O livro Cartas a Theo reúne 200 cartas selecionadas, trocadas entre o pintor
e seu irmão, quando o pintor tinha 20 anos, até sua morte com 37 anos de idade.
Guardadas por Jô Van Gogh-Bonger, esposa do irmão, trata-se de um importante
retrato biográfico do pintor, da sociedade e do seu tempo. Nelas estão descritos o
seu processo criativo, a sua prática, o seu apurado pensamento estético, as suas
preferências, influências artísticas e reflexões pessoais. Apresenta um
desenvolvimento cronológico, uma linguagem livre e espontânea, mostrando uma
dimensão ampla da vida do pintor, com descrições de obras, esboços e comentários
sobre vários assuntos de seu interesse.

Sustentado financeiramente pelo irmão, as cartas têm o propósito de prestar


contas, além de apontar dificuldades e acertos no seu trabalho. Ele é sucinto quando
comenta sobre os seus sentimentos frente a situações traumáticas como:
internações, dificuldades no relacionamento familiar, social, afetivo e crises
depressivas, porém é prolixo quando aborda o seu processo criativo.
15

No seu isolamento, mantinha uma estreita relação com os artistas e com as


questões sociais do seu tempo, dialogava com o irmão, lia muito, fazia visitas a
exposições e museus, encontrando nesses contatos significados e ecos em seu
mundo interior.

As Cartas a Theo revelam indicadores para que se olhe o processo criativo


de Van Gogh de forma mais abrangente, contrariando o estereótipo fixado que
aborda uma criatividade como resultado de um psiquismo patológico.

Sua obra tem o poder de atrair o olhar dos leitores e interessados pelas
qualidades expressivas das imagens e pelo apuro técnico que apresenta. Se ela
fosse determinada apenas por distúrbios psíquicos, não apresentaria qualidades tão
marcantes como: enquadramento, harmonia, equilíbrio, proporcionalidade,
profundidade, riqueza de tonalidades e pertinência de temas, características estas
que muitas vezes mostram-se comprometidas nos trabalhos de pacientes com
problemas psíquicos.

Esta monografia se propõe a apontar para outros fatores como


determinantes para se compreender a obra de Van Gogh. Estes fatores estão
descritos pelo próprio artista e se referem a um senso crítico muito bem
fundamentado em conhecimentos de arte, alta exigência pessoal como resultado de
uma educação religiosa muito rígida e sensibilidade tanto nata quanto adquirida, à
custa de muita introspecção e isolamento social.

Por causa dessa mescla de vida trágica com muita beleza visual, Van Gogh
se constitui num bom modelo para se fazer uma conexão entre arte e psicologia.
Criador e criatura conversam entre si.

O autor desta pesquisa acredita que esta poderá oferecer subsídios


importantes para profissionais que atuam com a arte, quer de forma terapêutica ou
não. Por muitas vezes prescindir do relato verbal, componente mais priorizado na
educação, a linguagem visual se torna um enigma do tipo - decifra-me ou devoro-te -
e as leituras ao invés de se ampliarem, se restringem.
16

Para facilitar esta análise e a melhor compreensão do texto, os assuntos


estão separados por categorias, que em conjunto tecem uma rede de informações
com as quais o artista dialoga e mostra o seu perfil. São elas: relações familiares,
sociais e afetivas; formação artística; artistas e obras comentadas; o artista e a união
da classe; pensamento estético; estado físico e emocional.

Ao iniciar a leitura do livro, para o autor deste trabalho, as referências sobre


Van Gogh se concentravam na beleza da sua obra e na sua vida marcada por
episódios dramáticos. À medida que foi lendo, envolveu-se com o texto e começou a
formar uma ideia que integrava novos conhecimentos. Descobriu a disposição de
Van Gogh para a experiência, sua persistência na busca do perfeito, sua formação
cultural e reflexões sobre a sociedade em que vivia. Sabe-se que as informações
disponíveis sobre ele enfatizam a excentricidade, deixando de lado a essência da
sua genialidade, só reconhecida após a sua morte. E, naquele momento, surgiu a
ideia de registrar suas impressões e de alguma forma divulgá-las.

Hoje, ao se perguntar por que foi tão fortemente tocado pela leitura, o autor
percebe que sensibilizou-se pela seguinte questão: Como compreender um homem
rotulado de louco e que apresentava um pensamento tão organizado e lúcido?
E assim foi profundamente tocado pela questão do preconceito social do qual Van
Gogh foi alvo, também pelo sentimento de incompreensão que permeou toda a sua
vida.

O objetivo deste trabalho é contribuir para que, ao se conhecer outros


ângulos da vida do pintor, sua obra seja observada através de uma perspectiva
menos estereotipada. Já são conhecidos: o uso excessivo das cores quentes, o
predomínio do amarelo, as linhas quebradiças e sinuosas, a instabilidade, que o
associam a uma personalidade desequilibrada. Quanto a estas questões este
trabalho se propõe a revelar qualidades que vão além desses traços e salientam sua
personalidade lúcida.
17

1 O ENCONTRO

Num bosque perfumado1

Numa manhã de agosto de 1872, sob um céu acinzentado cobrindo um azul


esmaecido, como um quadro de Ruysdael (figura 1), os dois irmãos dão um passeio
até o moinho de Rijswijk. Theo tem 15 anos, mas seu espírito é aberto e
precocemente formado. A partir desse encontro solene juram amizade absoluta e
incondicional. Foi testemunha do juramento uma paisagem de relva brilhante,
umedecida pelo orvalho que ainda se prendia às folhas. Com a sua volta, Van Gogh
começa a escrever-lhe e é então que inicia esta correspondência que irá durar até
sua morte.

- Theo meu irmão, sinto uma labareda dentro de mim que me leva
incontrolavelmente para todos os lados.

- E para onde te leva Vincent?

- Para um lugar muito distante daqui, como o céu de Ruysdael. Para


paisagens tão tranquilas que me inquietam e me arrebatam
profundamente.

− E para onde mais você vai Vincent?

1
O texto desta introdução, denominado “Num Bosque Perfumado” é de autoria do autor deste
trabalho, inspirado no texto em que Van Gogh descreve o encontro com o irmão e sela a amizade
eterna entre os dois.
18

- Para dentro dos olhos de um Rembrandt que expurgam todos os meus


desejos.

- E o que você sente?

- Sinto-me acompanhado por fantasmas e um sofrimento que purifica a


minha alma.

- E para onde mais você vai?

- Para uma cena que me assusta, mas finaliza um drama, como nos
quadros de Rubens.

− Segue Vincent que eu te acompanho rumo à beleza, introspecção e


drama.

Figura 1: Artista: Jacob van Ruysdael. Obra: Vista de Haarlem. Ano: Cerca de 1650-1682. Técnica:
óleo s/tela. Dimensões: 43x38 cm. Acervo: Rijksmuseum/Amsterdã.
19

2 RELAÇÕES FAMILIARES, SOCIAIS E AFETIVAS – UM CHARME


TODO ESPECIAL

Van Gogh nasceu numa família ligada às artes. Seu pai, Theodore Van
Gogh, foi pastor protestante e sua mãe, Anna-Cornelia Carbentus, era filha de um
encadernador da corte. Há registros de membros da família exercendo a função de
comerciantes de quadros.

Olhando para a vida de Van Gogh percebe-se muita turbulência,


contrastando com os devaneios nos seus encontros com a arte. Essa turbulência já
se inicia ao receber o mesmo nome de um irmão falecido antes do seu nascimento.
Isto o colocou desde pequeno próximo da morte, desenvolvendo uma consciência
vívida sobre ela. O pai pastor, muito austero e de humor instável, foi criado sob
rígidos padrões morais e religiosos, desaprovava o seu comportamento aventureiro
e rebelde.

Van Gogh formou um modelo de paternidade através da relação com duas


figuras masculinas contrastantes: a do pai e do irmão Theo. Teve uma educação
formal dos oito aos dezesseis anos. Nos dois últimos anos frequentou um internato
onde aprendeu os idiomas: francês, inglês e alemão. Suas cartas são muito bem
escritas, demonstrando objetividade, senso de humor, crítica, sensibilidade e uma
capacidade incomum de expressão dos seus sentimentos.

Antes de se dedicar integralmente à pintura realizou outras atividades. Com


16 anos foi indicado por um tio aposentado ao diretor da Casa Goupil, em Haia, para
trabalhar como negociante de arte, profissão realizada por outros membros da
família no passado. De Haia foi transferido para as filiais em Bruxelas, Londres e,
finalmente, Paris. De um empregado exemplar que se aperfeiçoava a cada dia,
20

passou a apresentar problemas de absentismo, distração e desinteresse, o que


causou sua demissão. Sabe-se que neste período Van Gogh viveu sua primeira
decepção amorosa ao se apaixonar e não ser correspondido.

2.1 O Pai

As relações entre Van Gogh e seu pai nunca foram boas, apesar de o pintor
ter exercido a função de pastor, o que denota uma afinidade vocacional entre
ambos. Era motivo de preocupação a insegurança profissional, a relação com as
mulheres e seu estilo de vida aventureiro. O fato da família não reconhecer seu
trabalho como pintor sempre o desagradou muito. Seu desejo frenético pelo trabalho
pode ter sido uma válvula de escape para as pressões internas diante de tantas
desaprovações. Apesar das reprovações, seu pai, à sua maneira, dedicou-lhe
atenção, procurando ajudá-lo a se empregar como pastor.

O quadro Natureza Morta com Bíblia (figura 2) sintetiza os antagonismos


existentes entre eles, colocando lado a lado os elementos representativos de cada
um. O quadro mostra uma Bíblia aberta, um castiçal com vela apagada e o livro
fechado de Émile Zola, Joie de Vivre, objeto de tantas discussões com o pai porque
lhe desagradava o fato de Vincent gostar de literatura francesa. O quadro tem uma
tonalidade escura e uma ambientação noturna, apenas realçada pelas bordas
brancas das páginas dos livros. Duas naturezas distintas que divergiam, por um lado
uma vida valorizada pelo sacrifício e devoção a Deus, por outro pela coragem e
força do homem.
21

Figura 2: Artista: Van Gogh. Obra: Natureza Morta com Bíblia. Ano: 1885. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 67x78 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.

2.2 O Missionário

O ano de 1857 foi muito difícil para Vincent. Extremamente depressivo, sofre
seguidas crises nervosas, longos períodos de mutismo e solidão, impulsionando-o
para uma violenta religiosidade, levando-o a desejar seguir a carreira de pastor.
Sentindo grande admiração pelo trabalho do pai e um desejo de ser útil às pessoas,
atuou inicialmente como professor e posteriormente pregador religioso. Durante o
trabalho como professor escrevia para a família dizendo que se sentia perseguido.
Em 1878 foi para o Seminário Teológico da Universidade de Amsterdam.
Reprovado, participou em Bruxelas de um curso trimestral na Escola Evangélica,
conseguindo, a pedido do pai, o lugar de pregador missionário nas minas de carvão
de Borinage, na Bélgica. Como pregador, apresentava dificuldades com a oratória e
em ser aceito pela comunidade e superiores. Era visto como um excêntrico ao se
descuidar da aparência e da moradia. Em uma tentativa de se aproximar dos
mineiros, começou a trabalhar nas minas, onde acabou adoecendo. Voltou, então,
convalescente para casa, concluindo não ser esta a sua vocação.
22

2.3 O Pintor de Camponeses

O interesse em retratar pessoas simples acontece ao mesmo tempo em que


atua como missionário religioso. Essa tendência se prolonga mesmo quando se
transfere para a França. Nesse período, surge o desejo de desenhar, e nos
intervalos do trabalho como missionário desenhava paisagens e figuras humanas,
levado por uma forte necessidade de registrar as expressões e a vida dos
camponeses no trabalho e no convívio familiar (figuras 3, 4 e 5).

Quando digo que sou um pintor de camponeses, isto é bem real e você verá
adiante que é aí que eu me sinto em meu ambiente. Não foi por nada que
durante tantas noites meditei junto ao fogo, entre os mineiros, os turfeiros e
os tecelões, salvo quando o trabalho não me deixava tempo para reflexão.
Eu me envolvi tão intimamente com a vida dos camponeses de tanto vê-la
continuamente e todos os dias que realmente não me sinto atraído por
outras idéias. (VAN GOGH, 2002, p.147)
Um camponês é mais belo entre os campos em suas roupas de fustão, do
que aos domingos quando vai à igreja ridiculamente vestido como um
senhor. E da mesma forma, seria um erro, na minha opinião, dar a uma
pintura de camponeses um certo polimento convencional. Se uma pintura
de camponeses cheira a toucinho, a comida, a batatas, perfeito! Isso não é
nocivo; se um estábulo cheira a esterco, bom! É por isto mesmo que é um
estábulo; se os campos têm um cheiro de trigo maduro ou de batatas, ou de
guano e de esterco, é justamente aí que está a saúde, especialmente para
as pessoas da cidade. (VAN GOGH, 2002, p.155)

Figura 3: Artista: Van Gogh. Obra: Gordina de Groot, Cabeça. Ano: 1885. Acervo: Museu Van Gogh/
Amsterdã.
23

Figura 4: Artista: Van Gogh. Obra: Homem com Arado, Mulher Abaixada e uma Pequena Casa de
Fazenda com Montes de Turfa. Ano: 1883. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.

Figura 5: Artista: Van Gogh. Obra: Tecelã Voltada para a Esquerda. Ano: 1884. Acervo: Museu Van
Gogh/Amsterdã.

O quadro Os Comedores de Batatas (figura 6) revela o interesse do pintor


pela vida dos camponeses e tecelões da pequena cidade holandesa de Nuenen,
onde morava sua família. Vincent estava fascinado pelo cotidiano dessa gente.

O ambiente e o clima onde viviam tornou-se o retrato ideal para expressar o


seu sentimento solidário e fraternal. O escuro favoreceu o uso do contraste entre luz
24

e sombra e claro e escuro, uma tendência dos seus primeiros trabalhos. Para chegar
ao quadro final, visitou a casa da família retratada várias vezes, explorando
exaustivamente através de desenhos todas as possibilidades formais e tonais da
cena (figura 7). Consta que ele pintou cerca de 40 cabeças humanas como estudo
para a pintura do quadro.

Nos meus novos desenhos começo as figuras pelo tronco e parece-me que
elas adquirem assim maior amplitude e largura. No caso de não bastarem
cinqüenta, desenharei cem, e se isto ainda não for o suficiente farei ainda
mais, até chegar exatamente onde quero, ou seja, até que tudo seja
redondo e que na forma não haja de modo algum nem fim nem começo,
mas que se forme um conjunto harmonioso de vida. (VAN GOGH, 2002,
p.157)

Figura 6: Artista: Van Gogh. Obra: Os Comedores de Batatas. Ano: 1885. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 82x114 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.

Figura 7: Artista: Van Gogh. Obra: Os Comedores de Batatas. Ano: 1885. Técnica: Desenho. Acervo:
Museu Van Gogh/Amsterdã.
25

Van Gogh tece vários comentários a respeito do quadro Os Comedores de


Batatas (figura 6). Identifica-se com o estilo de vida dos retratados e critica aqueles
que desvalorizam essa pintura. Para ele, pintar a vida dos camponeses era tão sério
quanto pintar qualquer outro tema apreciado pela burguesia. Sabendo não encontrar
espaço para esse tema, reafirmava seu valor, induzindo as pessoas a refletirem
sobre as condições de vida dessa gente. Assim sendo, sugere ao irmão que coloque
no quadro uma moldura dourada para contrastar com os tons amarelados e
sobressair o esfumaçado do ambiente. Sobre o quadro ele diz:

Apliquei-me conscientemente em dar a idéia de que estas pessoas que, sob


o candeeiro, comem suas batatas com as mãos, que levam ao prato,
também lavraram a terra, e que meu quadro exalta, portanto o trabalho
manual e o alimento que eles próprios ganharam tão honestamente. (VAN
GOGH, 2002, p.154)
Desenhei até cinco vezes um camponês com uma enxada, um lavrador, em
todos os tipos de atitudes, duas vezes um semeador, duas vezes uma
menina com uma vassoura. A seguir, uma mulher com uma touca branca,
descascando batatas, e um pastor apoiado em seu bastão, enfim um velho
camponês doente, sentado numa cadeira perto do fogão, a cabeça entre as
mãos e os cotovelos sobre os joelhos. Evidentemente não ficarei nisto; uma
vez que o primeiro carneiro passou pela ponte, o resto da tropa o seguirá.
Será preciso que eu desenhe diversos lavradores, semeadores,
trabalhadores, homens e mulheres. Que eu examine e estude tudo que faz
parte da vida do campo. Como muitos outros o fizeram e ainda o fazem.
Frente à natureza, não me sinto mais impotente como outrora. (VAN GOGH,
2002, p.65)

2.4 Clasina Maria Hoornik

De todos os relacionamentos afetivos de Van Gogh, o mais duradouro e


estável durou aproximadamente 18 meses, com a prostituta Clasina Maria Hoornik,
de 32 anos, chamada por ele de Sien, que lhe serviu de modelo para alguns
desenhos de atmosfera melancólica (figuras 8 e 9). Clasina estava grávida e tinha
uma filha de cinco anos. Sentindo necessidade de constituir uma família, Van Gogh
não viu obstáculos em trazê-la para morar consigo. Sentiu por ela amor e
compaixão, mas a união causou muito escândalo, gerando o rompimento com o seu
primo Mauve, que na ocasião o abrigava, também gerou críticas severas da sua
26

família, principalmente seu pai que era pastor protestante e não podia aceitar seu
filho vivendo em concubinato com uma prostituta.

Para abrigar os dois filhos de Sien e realizar o desejo de conviver em família,


precisou alugar uma moradia espaçosa. Esta nova situação trouxe dinamismo à vida
do pintor, embora a difícil relação entre os dois devido ao complexo caráter de
ambos.

Figura 8: Artista: Van Gogh. Obra: Infelicidade. Ano: 1882. Acervo: Coleção Garman Ryan.

Figura 9: Artista: Van Gogh. Obra: Sien, com um charuto, sentada perto do fogão. Ano: 1882. Acervo:
Kroller-Muller Museum/Otterlo.
27

Pouco a pouco e lentamente nasceu entre ela e eu alguma coisa diferente:


uma necessidade manifesta de um pelo outro, tanto que ela e eu não
podemos mais nos separar, e nos insinuamos cada vez mais em nossas
vidas recíprocas, e então foi o amor. O que existe entre Sien e eu é real,
não é um sonho, é a realidade! (VAN GOGH, 2002, p.83)
28

3 FORMAÇÃO ARTÍSTICA

A maior parte da formação artística de Van Gogh ocorreu por autodidatismo.


Adquiriu os primeiros conhecimentos de obras de arte e de artistas quando
empregado da sucursal da Galeria Goupil, na cidade de Den Haag, Holanda, cujo
acervo era predominantemente formado por obras da Escola de Barbizon2. Esse
contato com obras desta Escola fez reconhecer dentro de si o interesse pelas
pessoas que viviam no campo, suas atividades rotineiras, a natureza circundante,
aspectos que acompanharam sua criatividade por toda sua trajetória artística.

Pense em Barbizon, esta história é sublime. Quando lá chegaram os


primeiros que ali se iniciaram, eles estavam longe de revelar o que no fundo
realmente eram. A região os formou; eles só tinham uma certeza, suponho:
não se pode fazer nada de bom na cidade, é preciso ir ao campo,
pensavam; é preciso que eu aprenda a trabalhar, que eu me torne
totalmente diferente do que eu sou no momento, sim, algo oposto ao que
sou. Diziam a si mesmos: o que eu faço não vale nada, vou me renovar na
natureza. (VAN GOGH, 2002, p.114)

Transferido para a sucursal de Londres, se interessa pela pintura de John


Constable e de Joseph Maloord William Taylor, e pela literatura de George Eliot e
Charles Dickens. Quando em Paris, visita galerias e museus, dedicando-se a
aprender desenho, seguindo os livros de Charles Bargue e copiando gravuras de
Jean-Francois Millet.

2
Escola de Barbizon: Aproximadamente a partir de 1830, forma-se e desenvolve-se na França a
Escola Paisagista dita de Barbizon, nome de uma aldeia na orla da floresta de Fontaineblau, para
onde alguns jovens pintores, tendo à frente Théodore Rousseau, haviam se retirado com o intuito de
renovar a pintura de paisagens, abandonado todas as convenções e regras, vivendo no campo,
estudando assiduamente os aspectos mutáveis da natureza. Os principais componentes do grupo
são: Dias de La Peña (1808-76), Charles Daubigny (1817-78), Jules Dupré (1811-89), Constant
Troyon (1810-65). (ARGAN, 2002, p.60)
29

Na Holanda, fez contatos com pintores, críticos de arte e marchands


consagrados, dentre eles: van Rappard, Tersteeg, e Anton Mauve, resultando em
conversas sobre pintura, apreciação crítica a respeito do seu trabalho, aprendizado
de desenho e pintura em ateliers e ao ar livre. Estudou a teoria das cores e as obras
de crítica cultural dos irmãos Edmond e Jules Goncourt. Anton Rudolf Mauve, pintor
consagrado de paisagens e cenas do cotidiano (figuras 10 e 11) reconheceu em Van
Gogh o potencial de um grande artista. Ofereceu a ele aulas de pintura e moradia.

Vou tratar de conseguir na escola de veterinária reproduções anatômicas,


por exemplo, de cavalos, de vacas, de carneiros e desenhá-las como a
anatomia do homem. Existem leis de proporção, de luz e de sombra, de
perspectiva, que devemos conhecer para poder desenhar; se não tivermos
este conhecimento, sempre estaremos numa luta estéril e jamais
conseguiremos parir. (VAN GOGH, 2002, p.61-62)

Figura 10: Artista: Anton Rudolf Mauve. Obra: Mulher com Cabrito em Laren. Técnica: óleo s/tela -
Dimensões: 50x75 cm. Acervo: Gemeentemuseum - Den Haag.
30

Figura 11: Artista: Anton Rudolf Mauve. Obra: Cavalgando sobre a Neve no Bosque do Hague. Ano:
1879. Técnica: aquarela e tinta opaca branca sobre papel. Dimensões: 44 × 27 cm. Acervo:
Rijksmuseum/Amsterdã.

Ao assumir de fato a vocação de pintor, manifestou desejo de retomar seus


estudos de arte, inscrevendo-se na Escola de Belas Artes de Antuérpia, onde
conseguiu ser admitido na condição de aluno principiante. Mesmo não concordando
com o ensino acadêmico da Escola, participou de exames para admissão em cursos
avançados. Quando já estava em Paris, recebeu a informação de que fora
reprovado.

Em Paris, envolve-se muito com a arte por influência do seu irmão. Mantém
relacionamento com vários pintores do movimento Impressionista, dentre eles:
Gauguin, Toulouse Lautrec, Monet, Pissarro, Sisley, Renoir, Degas e Signac. Assiste
às aulas no estúdio de Fernad Cormon e o seu trabalho muda consideravelmente de
uma tonalidade sombria para tonalidades mais vibrantes.

Tenho a intenção de aprender seriamente a teoria; não considero isto de


forma alguma inútil, e acredito que freqüentemente o que sentimos ou o que
pressentimos instintivamente torna-se claro e certo quando somos guiados
por alguns textos que tenham um real sentido prático. (VAN GOGH, 2002,
p.137)
31

3.1 Sobre Retratos

Van Gogh mostrava uma constante busca de aperfeiçoamento técnico no


seu trabalho. O maior desafio foi com o desenho de Retratos. Era meticuloso nesse
trabalho.

Antes de realizar uma obra definitiva, costumava fazer vários esboços, que
lhe serviam para estudar o tema e resolver aspectos da composição e enquadre.
Percebe-se no seu trabalho um cuidado no detalhamento dos elementos que
ornamentavam a figura, na disposição e escolha das cores. Através desses ensaios
se formava a imagem, integrada à personalidade do retratado. E assim, captava
fielmente não só os traços físicos da pessoa, mas também seu caráter. Esse
interesse pela figura humana tem uma relação direta com sua vocação humanística,
valorizando o ser humano pela sua riqueza de expressão, seus mistérios, encanto e
beleza interior.

Pressionado por uma corrente realista na pintura, tinha opinião própria sobre
o retrato na pintura. Sobre isso ele diz: “[...] não renuncio à idéia que tenho sobre o
retrato, pois é uma boa coisa lutar por isso, e mostrar às pessoas que existe nelas
algo além do que um fotógrafo com sua máquina pode revelar.” (VAN GOGH, 2002,
p.193)

Julien-Francois Tanguy era proprietário de uma loja de artigos de pintura, na


qual costumavam se reunir alguns pintores impressionistas e pós-impressionistas.
Consciente das limitações econômicas desses pintores, aceitava que lhe pagassem
os materiais com suas obras. Graças a isso conseguiu reunir uma importante
coleção de quadros impressionistas em sua loja. Por seu intermédio, Van Gogh
conheceu vários pintores em Paris. Foi retratado pelo pintor três vezes. As figuras 12
e 13 o representam em esboço e pintura, respectivamente.
32

Não há caminho melhor e mais curto para melhorar o trabalho que o de


fazer figuras. Ademais, sempre me sinto confiante ao fazer retratos,
sabendo ser este trabalho bem mais sério – talvez não seja esta a palavra
correta – mas é o que mais me permite cultivar o que tenho de melhor e de
mais sério. (VAN GOGH, 2002, p.266)

Figura 12: Artista: Van Gogh. Obra: Pai Tanguy. Ano: 1887-1888. Técnica: lápis de grafite.
Dimensões: 21,5 x 13,5 cm. Acervo: Rijksmuseum/Amsterdã.

Figura 13: Artista: Van Gogh. Obra: Pai Tanguy. Ano: 1887-1888. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 60
x 51 cm. Acervo: Coleção Stavros S. Niarchos.
33

A falta de uma família em Arles fez com que Van Gogh estreitasse os laços
de amizade com o carteiro Joseph Roulin. Conviveu com a família e a retratou várias
vezes, ressaltando a dignidade do casal. Nele, o olhar corajoso e enfático (figura
14), nela a postura austera e majestosa de uma dama (figura 15). Ambos têm ao
fundo o mesmo papel de parede, ornamentado por flores, quebrando a formalidade
dos quadros.

Figura 14: Artista: Van Gogh. Obra: Retrato de Joseph Roulin. Ano: 1889. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 64 x 54,5 cm. Acervo: The Museum of Modern Art/New York.

Figura 15: Artista: Van Gogh. Obra: A Canção de Ninar (Augustine Roulin). Ano: 1889. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 93 x 74 cm. Acervo: The Metropolitan Museum of Art/New York.
34

Na última semana fiz não só um, mas dois retratos do meu carteiro, um de
meio corpo com as mãos, e uma cabeça em tamanho natural. O
homenzinho, não aceitando dinheiro, me saiu mais caro comendo e
bebendo comigo, além do que eu lhe dei a Lanterna de Rochefort. Enfim,
este é um mal menor e sem importância, levando em conta que ele posou
muito bem, e que eu conto pintar também seu recém-nascido dentro em
pouco, pois sua mulher acaba de dar à luz [...]. (VAN GOGH, 2002, p.266)

3.2 Autorretrato

Van Gogh pintou muitos retratos em Paris, trocando as cores sombrias da


Holanda por uma palheta colorida e luminosa, sob a influência dos amigos recém-
conhecidos impressionistas. Seu trabalho se caracterizava por uma concepção
profunda que reunia sentimentos, imaginação livre e uma maneira particular de usar
a cor.

Ao longo de sua carreira artística, Van Gogh realizou cerca de trinta


autorretratos, que constituem uma importante documentação, não só da evolução
técnica do pintor, como também a respeito da visão que tinha si. Observando os
diferentes autorretratos, seguindo uma ordem cronológica, observam-se as
modificações experimentadas no físico do pintor, que em poucos anos variou
sensivelmente de aspecto. Neles, estabelece um diálogo consigo mesmo como uma
forma de enfrentamento e busca de respostas para a sua existência. Através deles o
pintor concretiza uma energia sutil que pairava sobre o seu corpo, identificando os
momentos mais marcantes da sua vida, como o da automutilação.

Os autorretratos de Van Gogh se caracterizam por um olhar inteligente,


circunspecto, determinado, concentrado, autoexigente, inquieto e inquiridor. Os
olhos sempre atraem mais a atenção do observador. A expressão é sóbria sem
desperdício de atenção. Tenso, mostra-se sempre elegante. Em geral com a cabeça
ornamentada por chapéus ou cabelos de halo luminoso como o sol. Seu olhar
parece expressar que na vida não há tréguas, nem tempo a perder.
35

O autorretrato apresentado pela Figura 16 foi dedicado a Paul Gauguin.


Sobre um fundo liso de um dominante azul turquesa, representa sua figura com uma
expressão circunspecta e a cabeça raspada dando a impressão de um asceta.

Figura 16: Artista: Van Gogh. Obra: Auto-Retrato. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 60,3 x
49,4 cm. Acervo: The Fogg Art Museum Harvard University/Cambridge.

Um dia você também verá meu auto-retrato, que enviei a Gauguin (Auto-
retrato dedicado a Gauguin, Arles, 1888, Cambridge, Fogg Art Museum,
Harvard University), pois espero que ele o conserve consigo. É todo
cinzento contra um Véronèse pálido (sem amarelo). A roupa é aquele
casaco castanho bordado em azul, mas no qual eu exagerei o castanho até
chegar no púrpura e o tamanho dos bordados azuis. A cabeça foi modelada
em plena pasta clara contra um fundo claro quase sem sombras. Apenas fiz
os olhos um pouco oblíquos, à japonesa. (VAN GOGH, 2002, p.312)

3.3 Japonismo

Com o novo acesso às importações do Japão, os artistas europeus


desenvolveram um verdadeiro culto ao País, introduzindo novos conceitos, técnicas
e procedimentos artísticos na arte ocidental.
36

Van Gogh fala várias vezes nas suas cartas a respeito da arte japonesa de
forma elogiosa. Essa arte, com seus temas bucólicos e românticos, fora muito bem
recebida pelos artistas europeus, principalmente os impressionistas, que buscavam
novas propostas para seus trabalhos.

Esse novo movimento quebrava alguns paradigmas vigentes na arte


ocidental, introduzindo outras formas de representação, tais como: a colocação da
cor sobre uma superfície plana; a representação da profundidade pela fragmentação
sistemática, ao invés da tradicional perspectiva; a adoção de uma visão parcial,
ascendente e descendente; a suspensão de figuras no vácuo; a diagonalidade da
composição; a valorização do decorativo, ao invés do imitativo; a adoção de
formatos diferentes de se organizar a pintura, como os rolos (kakemono), típicos da
pintura oriental.

Nos textos, o pintor demonstra uma simpatia até certo ponto ingênua,
baseada numa fantasia de que na terra do sol nascente tudo era superior ao
ocidente. Dá para se imaginar o impacto que as imagens de lá causavam nos
europeus em termos de vestimentas, costumes, valores, paisagens, tipo físico,
religião e alimentação, dentre outras. Quando morreu, foram encontradas
aproximadamente 400 gravuras de origem japonesa em seu poder.

Ao estudarmos a arte japonesa, veremos então um homem


incontestavelmente sábio, filósofo e inteligente, que passa seu tempo
como? Estudando a distância da Terra à Lua? Não. Estudando a política de
Bismarck? Não. Apenas estudando um talo de capim [...].
Ora, não é quase uma verdadeira religião o que nos ensinam estes
japoneses tão simples que vivem na natureza como se eles próprios fossem
flores. (VAN GOGH, 2002, p.305-306)

A precisão técnica do pintor pode ser percebida nas releituras (figuras 17, 19
e 21) de gravuras japonesas (figuras 18, 20 e 22).
37

Figura 17: Artista: Van Gogh. Obra: Amendoeiras em Flor (segundo Hiroshige). Ano: 1887. Técnica:
óleo s/tela. Dimensões: 55 x 46 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.

Figura 18: Artista: Hiroshige Utagawa. Obra: Cerejeira em Flor no Jardim Kameido. Ano: 1878.

“O que permite aos japoneses enfiarem suas obras de arte em gavetas e


armários deve ser o fato de que os kakemonos podem ser enrolados, o que não
podemos fazer com nossos estudos pintados, pois eles acabariam por rachar.” (VAN
GOGH, 2002, p.261)
38

Figura 19: Artista: Van Gogh. Obra: Ponte sob a Chuva (segundo Hiroshige). Ano: 1887. Técnica:
óleo s/tela. Dimensões: 73 x 54 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.

Figura 20: Artista: Hiroshige Utagawa. Obra: A Ponte Ohashi sob a Chuva. Ano: 1857. Acervo: Museu
Van Gogh/Amsterdã.

Invejo aos japoneses a extrema nitidez que têm todas suas coisas. Elas
nunca são aborrecidas e nunca parecem ter sido feitas às pressas. Seu
trabalho é tão simples quanto respirar e fazem uma figura com alguns
traços firmes com a mesma facilidade com que abotoam uma camisa. (VAN
GOGH, 2002, p.306)
39

Figura 21: Artista: Van Gogh. Obra: As três cigarras. Ano: 1889. Acervo: Museu Van Gogh/ Amsterdã.

Figura 22: Obra: Pormenor de um Manual de Pintura Japonês. Ano: 1878.

“Os japoneses desenham rápido, muito rápido, como um relâmpago; é que


seus nervos são mais delicados, sua sensibilidade mais simples.” (VAN GOGH,
2002, p.245)

O quadro Café Noturno (figura 23) obedece à nova estética japonesa,


chamando a atenção para o enquadramento da cena. O olhar é dirigido para o
centro da tela onde está localizada a mesa de bilhar, sob um ponto de vista
descendente. O clima é pesado pelo contraste das cores, conforme era o desejo do
pintor.
40

Figura 23: Artista: Van Gogh. Obra: Café Noturno. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 70 x
89 cm. Acervo: Yale University Art Gallery/New Haven.

Procurei exprimir com o vermelho e o verde as terríveis paixões humanas. A


sala é vermelho-sangue e amarelo-surdo, um bilhar verde ao meio, quatro
lâmpadas amarelo-limão com brilho laranja e verde. Em todos os lugares
um combate e uma antítese entre os mais diversos verdes e vermelhos, nos
personagens dos pequenos vadios dormindo; na sala vazia e triste, o violeta
e o azul. O vermelho-sangue e o verde-amarelo do bilhar, por exemplo,
contrastam com o verdinho tênue Luís XV do balcão, onde há um ramalhete
rosa. (VAN GOGH, 2002, p.290-291)

3.4 Paisagens

No livro, as paisagens são descritas com entusiasmo. Antecipava


mentalmente a disposição dos elementos na tela, as cores predominantes e as
misturas necessárias para se chegar ao tom desejado. Com segurança, mostrava
certeza de que o resultado seria bom e se na prática não atingisse o ponto desejado,
raspava a tela para recomeçar tudo de novo. Era persistente na busca de soluções
para os obstáculos que encontrava.

“[...] acho muito provável que mais de uma pessoa tenha ficado assustada
com as tentativas que é preciso fazer no início e que, naturalmente, não dão certo
logo ao primeiro dia em que se começa a utilizá-los.” (VAN GOGH, 2002, p.136)
41

Van Gogh tinha predileção pela pintura ao ar livre. Era na natureza que ele
captava uma enorme gama de tonalidades dentro de uma mesma cor. Considerava
pobre a luminosidade dos quadros pintados nos ateliers. Neles, os pintores só
enxergavam a luz do meio dia e ficavam cegos à profusão de tonalidades
decorrentes da trajetória do sol.

No sul da França, a relação de Van Gogh com a natureza foi muito intensa,
estimulando sua criatividade. Nos quadros em Arles, o pintor já suprimia o uso do
desenho na tela. Isto porque fazia muitos desenhos das cenas e figuras antes de
colocá-las nas telas (sequência de figuras de 24 a 31). Esse domínio técnico lhe
possibilitava focar toda a sua criatividade na escolha das cores e na relação entre
elas.

Pintava pomares de pessegueiros, ameixeiras e pereiras em flor, plantações


de oliveiras realçadas pelo sol luminoso e ventos característicos da região. Com a
saúde debilitada, produziu muitas telas rapidamente. Falava em pintar “num só
golpe”, talvez pressentindo já seu curto tempo de vida.

Não sei o que farei e o que o futuro me reserva, mas espero não esquecer
as lições que assim aprendi nestes últimos tempos. Colocar seu tema
nitidamente de um só golpe, mas com um esforço absolutamente
impregnado com todo seu espírito e com toda sua atenção. Atualmente,
nada me agrada mais que o trabalho com pincel – até para desenhar – em
vez de fazer o esboço a carvão. Quando penso em como os antigos
holandeses preparavam seus quadros, constato que há relativamente pouco
desenho propriamente dito. E, contudo, eles desenham de uma maneira
impressionante. (VAN GOGH, 2002, p.181)
42

Figura 24: Artista: Van Gogh. Obra: Horta e Casa com Telhado Laranja. Ano: 1888. Acervo: Museu
Van Gogh/Amsterdã.

Figura 25: Artista: Van Gogh. Obra: Pomar Rosa. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 64,5 x
80,5. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.

Estou de novo em pleno trabalho, sempre pomares em flor. O ar daqui


decididamente me faz bem, recomendo-lhe de viva voz; um dos seus efeitos
é bem engraçado: aqui um único copinho de conhaque me sobe à cabeça,
portanto, não podendo recorrer a estimulantes para fazer meu sangue
circular, ao menos minha constituição se estragará menos. (VAN GOGH,
2002, p.217)
43

Figura 26: Artista: Van Gogh. Obra: Ciprestes. Ano: 1889. Técnica: óleo s/tela. Acervo: Museu Van
Gogh/Amsterdã.

Figura 27: Artista: Van Gogh. Obra: Ciprestes. Ano: 1889. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 93,4 x 74
cm. Acervo: Metropolitan Museum of Art /Nova York.

Os ciprestes sempre me preocupam, gostaria de fazer com eles algo como


as telas dos girassóis, pois me espanta que ainda não os tenha feito como
eu os vejo. Como linha e como proporção, é tão belo quanto um obelisco
egípcio. E o verde é de uma qualidade tão distinta. É a mancha negra de
uma paisagem ensolarada, mas é um tom negro dos mais interessantes,
dos mais difíceis de fazer corretamente, que eu possa imaginar. (VAN
GOGH, 2002, p.401-402)
44

Figura 28: Artista: Van Gogh. Obra: Semeador com Sol Poente. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela.
Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.

Figura 29: Artista: Van Gogh. Obra: O Semeador. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 32 x
40 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.
45

Figura 30: Artista: Van Gogh. Obra: La Crau com Pessegueiros em Flor. Ano: 1889. Técnica: óleo
s/tela. Acervo: Coleção Particular.

Figura 31: Artista: Van Gogh. Obra: Colheita em La Crau, Montmajour ao Fundo. Ano: 1888. Técnica:
óleo s/tela. Dimensões: 73 x 92 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.

Shapiro (2002, p.336), ao comentar sobre a pintura que sucedeu ao


Impressionismo, afirma que Van Gogh pintava paisagens não apenas pela beleza da
natureza em si, mas também por atribuir-lhe um valor divino.

E me faz bem fazer coisas difíceis. O que não impede que eu tenha uma
terrível necessidade de – direi a palavra – religião, então á noite saio fora
para pintar as estrelas, e sempre sonho com um quadro assim, com um
grupo de figuras vivas dos amigos [...] (VAN GOGH, 2002. p.307)
46

Assim como a sua vida, suas paisagens são cenários dramáticos,


carregados de emoção. Um dos seus últimos quadros, chamado Campo de Trigo
sob Céu Nublado (figura 32), é um exemplo.

Figura 32: Artista: Van Gogh. Obra: Campo de Trigo sob Céu Nublado. Ano: 1890. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 50 x 100,5 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.

“Sim, para mim, o drama da tempestade na natureza, o drama da dor na


vida, são certamente os mais perfeitos.” (VAN GOGH, 2002, p.319)
47

4 SOBRE ARTISTAS E OBRAS COMENTADAS - INFLUÊNCIAS

A formação artística de Van Gogh foi muito influenciada por artistas


admirados por ele através da observação em museus, consulta em bibliotecas,
coleção de gravuras e leituras. Seu aprendizado foi em grande parte desenvolvido a
partir dessas observações, cópias e muita leitura. Não fazia objeção ao ato de copiar
porque considerava um passo importante para seu aprendizado. Durante o
recolhimento no manicômio de Saint-Rémy, Van Gogh, inspirando-se em Jean-
Francois Millet, Eugène Delacroix e Rembrandt, reinterpretou obras de temas
religiosos, pois ali estava propenso à introspecção.

Veja, nesses tempos de hoje existe tanta gente que não se sente feita para
o público, mas que sustenta e reforça o que fazem os outros. Os tradutores
de livros por exemplo. Os gravadores, os litógrafos [...]. Isto para lhe dizer,
portanto, que não hesito em fazer cópias. (VAN GOGH, 2002, p.409)

Dentre todos os artistas mencionados, para este trabalho foram


selecionados aqueles que mais o instigaram a tecer comentários sobre a vida,
interesses, temas e técnicas de trabalho. Despertava sua atenção os quadros com
temáticas religiosas, épicas, paisagens, retratos, e cenas com trabalhadores. Nas
viagens que fazia ao campo, identificava na natureza a atmosfera captada pelos
artistas, e valorizava sua capacidade de captar a essência do homem recriando
outra realidade. Fala desse processo como “anomalias e incorreções”, para que ao
se ao tornarem “mentiras”, fossem mais reais.

Considerou-se importante esse recorte do livro para esta pesquisa por


possibilitar uma melhor compreensão do processo criativo de Van Gogh e dos seus
procedimentos artísticos. Sua crítica, às vezes favorável, outras desfavorável, era
48

direta e sempre à luz da sua experiência. Por ter desenvolvido um trabalho


independente, à margem do mercado de arte, era imparcial, verdadeiro e
espontâneo em suas observações.

É interessante o processo de associação que ele faz entre os pintores e


escritores, abordando com profundidade tanto uma imagem retratada quanto uma
página de livro.

A seguir, uma síntese do perfil de alguns artistas admirado por Van Gogh e
algumas citações do pintor, priorizando os aspectos mais relacionados à sua obra.

4.1 Jean-Francois Millet (1814-1875)

Millet é um dos artistas mais mencionados no livro. Foi um pai espiritual e


um mestre para Van Gogh. Quando descobriu a biografia de Millet escrita por Alfred
Sensier, já copiava há algum tempo os trabalhos do pintor de Barbizon.

Quando se lê o livro de Sensier sobre Millet, fica-se encorajado [...]. Numa


carta de Millet, eu sempre encontro uma enumeração das dificuldades, mas
também ‘mesmo assim eu fiz isto e aquilo’, e a seguir a perspectiva de outra
coisa que ele absolutamente quer fazer, e que aliás ele executa. (VAN
GOGH, 2002, p.93)

Admirava não só o artista, mas também a orientação espiritual desse mestre


francês, descobrindo nele uma ética e sensibilidade que acreditava existirem dentro
dele. No aspecto artístico, ambos tiveram predileção por assuntos camponeses. Nas
cenas dos campos, exprimem a dimensão religiosa da natureza e daqueles que
vivem nela e para ela. Nas releituras de Vincent, o tema se mantém, mas percebe-
se na sua pintura uma linguagem mais realista e menos espiritualizada (figuras de
33 a 36). Por detrás da sua pintura existia uma crítica social a respeito do trabalho
árduo e sofrido dos camponeses.
49

“Pergunto-lhe, você conhece na velha escola holandesa um único lavrador,


um único semeador??? Alguma vez eles tentaram fazer um ‘trabalhador’? [...]. Pois
bem! Millet o fez.” (VAN GOGH, 2002, p.160)

Figura 33: Artista: Jean-Francois Millet. Obra: A Sesta. Ano: 1866. Técnica: pastel e crayon preto.
Dimensões: 29 x 42 cm. Acervo: Museum of Fine Arts/Boston.

Figura 34: Artista: Van Gogh. Obra: A Sesta, Ano: 1890. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 73 x 91 cm.
Acervo: Musée d’Orsay/Paris.
50

O que você diz da cópia a partir de Millet, a Vigília, me deu grande prazer.
Quanto mais eu penso, mais acho que reproduzir coisas de Millet que ele
não teve tempo de pintar a óleo tem sua razão de ser. Trabalhar seja em
seus desenhos, seja suas gravuras sobre madeira, não é portanto pura e
simplesmente copiar. É antes traduzir para uma outra língua – a das cores –
as impressões de claro-escuro em branco e preto. (VAN GOGH, 2002,
p.408-409)

Figura 35: Artista: Jean-François Millet. Obra: O Ângelus. Ano: 1857-1859. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 55,5 x 66 cm. Acervo: Musée d'Orsay/Paris.

Figura 36: Artista: Van Gogh. Obra: O Ângelus. Ano: 1882. Técnica: Desenho a lápis e giz vermelho.
Bruxelas. Acervo: Kroller-Muller Museum/Otterlo.
51

4.2 Ferdinand-Victor-Eugène Delacroix (1798-1840)

Delacroix é admirado por Van Gogh porque, assim como ele, sua obra se
destaca pelo movimento, exuberância da cor e emoção exaltada. São muito visíveis
nessa analogia os aspectos comuns entre ambos, além da força dramática e de um
desenho tortuado.

A figura 37 representa uma releitura da obra Pietà (figura 38), de Delacroix.


Nela, Jesus se destaca pela luminosidade e apresentar traços físicos do pintor.

Figura 37: Artista: Van Gogh. Obra: Pietà (segundo Delacroix). Ano: 1889. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 73 x 60,5 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.
52

Figura 38: Artista: Ferdinand-Victor-Eugéne Delacroix. Obra: Pietà. Ano: 1850. Técnica: óleo s/tela.
Acervo: Olga's Gallery.Nasjonalgalleriet/Oslo.

Mas como é belo o que nos conta Sylvestre sobre Delacroix, ao dizer que
ele pegava um tom ao acaso em sua palheta. ‘um matiz violáceo
inominável’, que atirava este tom em algum canto, tanto para representar a
maior luminosidade quanto para a sombra mais profunda, e que com esta
lama ele conseguia trabalhar de tal forma que ela resplandecia como a luz
ou ficava muda como uma sombra profunda. (VAN GOGH, 2002, p.171)

4.3 Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669)

O principal aspecto reconhecido por Van Gogh na obra de Rembrandt é a


união de dois elementos muito fortes, por um lado uma técnica brilhante e por outro
uma capacidade ímpar em transmitir sentimento elevado aos seus personagens.
Ambos revelaram muita determinação para a arte, independente de fatos que
comprometessem a motivação. As obras Os Síndicos da Guilda dos Tecelões e A
Noiva Judia (figuras 39 e 40) são comentadas com admiração pelo pintor.
53

Assim como Van Gogh, Rembrandt se retratou várias vezes durante sua
longa existência, mesmo nos momentos mais difíceis. Sua pintura é revestida de
uma espiritualidade que a torna solene tocando o sentimento. Também é
caracterizada por efeitos dramáticos, luz e sombras.

Figura 39: Artista: Rembrandt. Obra: Os Síndicos da Guilda dos Tecelões. Ano: 1662. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 191,5 x 279 cm. Acervo: Rijksmuseum/Amsterdam.

Os Síndicos são perfeitos, é o mais belo Rembrandt; mas A Noiva Judia –


considerada à parte -, que quadro íntimo, infinitamente simpático, pintado ‘com mão
de fogo’ (VAN GOGH, 2002, p.164)

Figura 40: Artista: Rembrandt. Obra: A Noiva Judia. Ano: 1665-1669. Técnica: óleo s/tela. Dimensões:
121,5 x 166,5 cm. Acervo: Rijksmuseum/Amsterdã.
54

As melhores pinturas, e justamente as mais perfeitas do ponto de vista


técnico, ao olharmos de perto, são feitas com uma cor ao lado da outra e
produzem seu efeito a uma certa distância. Rembrandt não largou a presa
apesar de todos os sofrimentos que isto lhe valeu. (VAN GOGH, 2002,
p.165/179)

4.4 Peter Paul Rubens (1577-1640)

Embora sem formação acadêmica, Van Gogh fazia uma leitura pontual,
focalizando os diferenciais de cada artista. Essa capacidade em fazer esse
reconhecimento vem de uma intimidade do pintor com a arte.

Em Rubens, ele se refere ao sensualismo e ao dinamismo como símbolo da


sua obra. A pincelada leve e espontânea, que tendia a ressaltar a suavidade da cor
e não o contorno, também é salientado por ele, assim como o jogo de diagonais
presentes na cena por ele comentada. Refere-se a Rubens como o pintor das
mulheres nuas e ressalta a teatralidade e a penetração psicológica das suas figuras.
Van Gogh comenta sobre a obra A Descida da Cruz (figura 41) impressionado pela
composição e o elemento cor.

[...] mas a meu ver mais belo, é o encanto da Descida da Cruz, em que a
mancha branca é relembrada pelos cabelos loiros, pelo rosto e pelo
pescoço branco das figuras de mulher, enquanto que o ambiente escuro é
impressionantemente rico pelas diferentes massas de vermelho, de verde
escuro, de preto, de cinza, de violeta, tratadas em menor e aproximadas
das outras pelo tom. (VAN GOGH, 2002, p.199)
55

Figura 41: Artista: Rubens. Obra: A Descida da Cruz. Ano: 1611-1614. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 4:20 x 3:10 cm. Acervo: Catedral da Antuérpia/Antuérpia.

Mas, no entanto, Rubens me mergulha na exaltação, pois é justamente ele


quem busca exprimir e representar realmente – ainda que suas figuras às
vezes sejam vazias–uma atmosfera de alegria, de serenidade, de dor, pela
combinação das cores. (VAN GOGH, 2002, p.199)

4.5 Jean-Baptiste-Camille Corot (1796-1875)

Provavelmente, o que despertou a atenção de Van Gogh foi a atmosfera de


sonho nos quadros de Corot: um céu pálido e prateado anunciava as primeiras
horas da manhã. Corot fez parte da Escola de Barbizon e foi considerado um dos
pintores responsáveis pela transição do classicismo ao impressionismo pela
maestria na gradação tonal de luzes e sombras, pincelada solta e formas delicadas.
Essa atmosfera pode ser vista nos quadros A Ponte de Narni e A Igreja de Marissel
(figuras 42 e 43)
56

“[...], pois eu o ouvi dizer um dia que, certos quadros de Corot, nos céus
vespertinos, por exemplo, havia tons que eram muito luminosos no quadro e que,
considerados em si mesmos, eram tons cinzentos relativamente escuros.” (VAN
GOGH, 2002, p.134)

Figura 42: Artista: Jean-Baptiste-Camille Corot. Obra: A Ponte de Narni. Ano: 1826. Técnica: Óleo
s/papel, montado s/tela. Dimensões: 34 x 48 cm. Acervo: Musée Du Louvre/Paris.

Figura 43: Artista: Jean-Baptiste-Camille Corot. Obra: A Igreja de Marissel. Ano: 1867. Técnica: óleo
s/tela. Dimensões: 55 x 43 cm. Acervo: Musée du Louvre/Paris.
57

Quando começou a clarear um pouco e os galos começaram a cantar em


torno das choupanas dispersas pela charneca: as poucas casinhas frente às
quais passávamos, cercadas por choupos despojados de onde ouvíamos
caírem as folhinhas amarelas; - uma velha torre mutilada num pequeno
cemitério limitado por um monte de terra e um trigal; - tudo, tudo, tudo
tornou-se exatamente igual aos mais belos Corot. Uma calma, um mistério,
uma paz, como só ele pintou. (VAN GOGH, 2002, p.125)

4.6 Adolphe Monticelli (1824-1886)

A pintura de Monticelli foi umas das primeiras descobertas artísticas de Van


Gogh em Paris, e contribuiu para a sua decisão de morar no sul da França em busca
da luz do meio dia. Nos comentários demonstra uma compreensão da sua pintura
que se caracteriza por uma técnica livre e materialidade das tintas (figuras 44 e 45).
Mais do que essa compreensão, a correspondência evidencia uma empatia que se
reconhece na sua pintura, naquilo que lhe é mais familiar: evidência da sensação e
emoção, gosto pela matéria e temas, como: paisagens, flores, natureza morta e
retratos.

“E muitas vezes penso neste excelente pintor [...], que diziam ser tão
beberrão e demente, quando me vejo eu mesmo voltando do trabalho mental para
equilibrar as seis cores essenciais: vermelho, azul, amarelo, laranja, lilás e verde.”
(VAN GOGH, 2002, p.255)

Figura 44: Artista: Adolphe Monticelli. Obra: Os Carvalhos em Saint-Zacharie. Ano: 1824-1886.
Técnica: óleo s/madeira de mogno. Dimensões: 33,5x53 cm.Acervo: Musée des Beaux-Arts/Marseille.
58

Figura 45: Artista: Adolphe Monticelli. Obra: Passeio em um Parque, ao Crepúsculo. Ano: 1824-1886.
Técnica: óleo s/madeira. Acervo: Musée d'Orsay/Paris.

Monticelli, colorista lógico, capaz de realizar os mais ramificados e


subdivididos cálculos relativos às gamas de tons que ele equilibrava,
certamente sobrecarregava seu cérebro com este trabalho, assim como
Delacroix e Richard Wagner. (VAN GOGH, 2002, p.256)

4.7 Jacob van Ruysdael (1628?-1682)

Ruysdael, mestre da pintura paisagística holandesa, com frequência pintou


planícies e aldeias, revelando uma visão melancólica, com seus moinhos de água,
canais que se sobressaem entre as árvores e os céus nublados.

A representação das massas escuras de folhagem faz com que o verde


escuro apareça predominantemente em muitas de suas telas (figura 46). Essas
paisagens estáticas, calmas, sóbrias retratavam lugares onde Van Gogh viveu e
evocavam sentimentos e emoções muito fortes como cenário para sua infância e
adolescência. Sua pintura se destaca por uma intensidade expressiva que vai dos
tons mais claros aos mais sombrios (figura 47)
59

Figura 46: Artista: Jacob van Ruysdael. Obra: Paisagem (detalhe). Ano: 1646. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 62,5 x 89 cm. Acervo: Museum Boijmans Van Beuningen/Rotterdam.

Figura 47: Artista: Jacob van Ruysdael. Obra: Vista de Deventer a Partir do Noroeste. Ano: 1657.
Técnica: óleo s/carvalho. Dimensões: 52 x 76 cm. Acervo: The National Gallery/Londres.

“Este charco na lama com seus troncos apodrecidos era tão absolutamente
melancólico e dramático como Ruysdael [...].” (VAN GOGH, 2002, p.119)
60

4.8 Jozef Israels (1824-1911)

A expressão intensa de uma simpatia pela vida dos pobres e humildes,


temática muito próxima de Millet, deve ter sido o elemento principal que atraiu o
olhar de Van Gogh para as obras de Israels.

Nas cartas, expressa uma comoção diante da vida frágil destas pessoas.
Pelos quadros, que expressam uma nota penetrante de tristeza, obcuridade e
aflição, libera toda a sua sensibilidade humanística (conforme se pode observar na
figura 48).

Figura 48: Artista: Jozef Israels. Obra: Sozinha no Mundo. Ano: 1878. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 90 x 139 cm. Acervo: Rijskmuseum/Amsterdã.

Vi dois quadros de Israels em Amsterdã, especialmente O Pescador de


Zandvoort e um dos seus últimos: uma velha mulher encarquilhada como
um pacote de trapos, junto ao leito de morte de seu homem. Achei as duas
obras maravilhosas. Recitem o que quiserem sobre a técnica, com palavras
de fariseus, vazias e hipócritas, o verdadeiro pintor deixa-se guiar por esta
consciência que chamamos sentimento. Sua alma, seu espírito, não estão a
serviço de seu pincel, mas seu pincel é que está a serviço de seu espírito.
Assim também a tela é que tem medo do bom pintor e não o pintor da tela.
(VAN GOGH, 2002, p.165)
61

5 PENSAMENTO ESTÉTICO

Para desenvolver este capítulo, foram selecionados alguns aspectos que


comprovam a capacidade artística de Van Gogh. A matéria-prima do seu trabalho
era composta de inspiração, sacrifício pessoal, sensibilidade, práticas, conhecimento
dos materiais e suportes, uma especial habilidade na utilização das cores e muita
determinação.

Espero meu velho, que trabalhando muito eu faça algum dia algo de bom.
Eu ainda não cheguei lá, mas não desisto, estou me esforçando para
consegui-lo, gostaria de realizar algo sério, algo vigoroso, que tenha alma!
Em frente, em frente (VAN GOGH, 2002, p.106)

“Sinto em mim a força de produzir, tenho consciência de que chegará um


tempo em que poderei, por assim dizer, cotidianamente fazer uma ou outra coisa
boa, e isto regularmente.” (VAN GOGH, 2002, p.97)

5.1 A Cor

Van Gogh, ao estar convicto da sua vocação artística, intuía o que agregar
aos seus conhecimentos. Sua autocrítica o conduzia a um aperfeiçoamento
voluntário, recorrendo aos manuais de pintura e desenho, com programação de
exercícios básicos e avançados, frequentando ateliers, experimentando cor e
fazendo muito desenho de observação e memória.
62

“Quero dizer com isto que, mais que as pessoas, existem regras, princípios
ou verdades fundamentais, tanto para o desenho, quanto para a cor, aos quais é
preciso recorrer quando se encontra algo de verdadeiro.” (VAN GOGH, 2002, p.152)

As cartas que compreendem o período de 1883 a 1885, em Nuenen, na


Holanda, contêm grande parte de informações a respeito do seu conhecimento e
experiências com a cor. Falava ao seu irmão sobre as suas leituras, estudos do
desenho e da pintura e do que observava nos museus. No capítulo 4 pode-se
observar como Van Gogh sabia reconhecer as qualidades principais de cada artista,
destacando aqueles que sabiam utilizar a cor com maior familiaridade.

“Muitas vezes ainda quebro a cabeça para começar, mas assim mesmo as
cores se sucedem como que sozinhas, e ao tomar uma cor como ponto de partida,
me vem claramente à cabeça o que deduzir e como chegar a dar-lhe vida.” (VAN
GOGH, 2002, p.173)

Van Gogh sabia que o emprego adequado das tintas sobre a tela era
imprescindível para se obter bons resultados. Essa monumental quantidade de tons,
sobretons, nuances e justaposições de cores, presentes nos seus quadros, não é
obra do acaso, mas sim resultado de muito estudo e experimentação.

Meus estudos não têm para mim nenhuma razão de ser além de uma
espécie de ginástica para subir e descer nos tons; assim, não se esqueça
que pintei meu musgo branco ou cinza com uma cor de barro e que apesar
de tudo, no estudo, ele fica claro. (VAN GOGH, 2002, p.172)

Apresenta um verdadeiro manual de experimentação para mostrar todas as


possibilidades e arranjos das cores e seus efeitos. Fala de justaposições em
quantidades iguais que se destroem, produzindo uma tonalidade cinza incolor. Fala
também de complementares justapostas em quantidades desiguais que se destroem
parcialmente, produzindo um tom quebrado. Cores semelhantes com graus diversos
de energia produzindo outro efeito e cores semelhantes, uma pura e outra quebrada,
63

produzindo ainda outro tipo de contraste. Este exercício tonal pode ser observado na
figura 49.

Figura 49: Artista: Van Gogh. Obra: Cesta com Maçãs. Ano: 1885. Técnica: óleo s/tela. Dimensões:
33 x 43,5 cm. Acervo: Rijksmuseum/Amsterdã.

O que você me escreve a respeito de um certo estudo de um cesto de maçã


foi bem observado [...]. Dizer-lhe como eu pintei este estudo é muito
simples: o verde e o vermelho são complementares. Desta forma há nas
maçãs um certo vermelho por si mesmo muito ‘canalha’, e mais além, ao
lado destas, outras puxam para o verde. Há ainda uma ou duas maçãs de
outra cor que tomam o conjunto de um certo rosa, muito bom. Esse rosa é a
cor quebrada resultante da mistura do vermelho e do verde acima citados.
(VAN GOGH, 2002, p.167-168)

“Vemos, portanto, que existem vários meios, diferentes entre si, mas
igualmente infalíveis de fortalecer, sustentar, atenuar ou neutralizar o efeito de uma
cor, e isto trabalhando com o que a cerca, sem mexer propriamente nela.” (VAN
GOGH, 2002, p.151)

A familiaridade era tanta que as cores se multiplicavam em sua palheta.


Dizia que as cores possuíam a qualidade de agir sob o olhar de forma independente,
isoladas da composição e que para ser um bom colorista era necessário explorar
bem este atributo da cor. Imprimia uma personalidade a elas como se tivessem vida
própria, possibilitando distinguir numa cor misturada a sua composição.
64

“Estou a tal ponto lambuzado de cores que há cores até nesta carta [...].
Gostaria muito que ela desse certo, mas o grande problema é manter o desenho por
uma profundidade de tom, e a luminosidade é extremamente difícil.” (VAN GOGH,
2002, p.97)

É interessante observar a liberdade e intimidade com que ele nomeava as


cores: verdes azuis, azuis quebrados, vermelho profundo, vermelho canalha,
vermelho-castanho, borra de vinho, verde violento, laranja pronunciado, havana
sombrio, branco no sol, azul pálido, castanho esverdeado betuminoso, verde
avermelhado, vermelho esverdeado, rosa esverdeado, dentre outras.

Ocupei-me ontem à tarde com um terreno arborizado um pouco em declive


coberto de folhas de faia carcomidas e secas. O solo era de um vermelho-
castanho ora mais claro, ora mais escuro, ainda mais por causa das
sombras projetadas pelas árvores que lançavam linhas, ora mais fracas, ora
mais fortes, meio apagadas. (VAN GOGH, 2002, p.94)

Ao libertar a cor, Van Gogh antecipou o que seria uma das marcas do
modernismo: sobreposição do sutil sobre o escultórico na pintura. Segundo ele, “A
pintura, no estado em que se encontra, promete tornar-se mais sutil – mais música e
menos escultura -, enfim, promete a cor.” (2002, p.286)

O elemento cor, em toda a sua exuberância, só pode estar presente na sua


obra, após o contato com os pintores impressionistas em Paris. Na fase holandesa,
sua pintura era sóbria e escura. Reconhecia a diferença entre o desenho da
academia, sempre correto, anatomicamente proporcional, e o desenho observado in
loco. Dizia que os verdadeiros artistas eram aqueles que saiam dos ateliers e tinham
como foco principal o material humano e não apenas a técnica apreendida.

Assim como na cor, nos desenhos também buscou se aperfeiçoar. Fazia


muitos estudos prévios antes de passar para a tela. Preocupações com detalhes,
uma visão global do trabalho, sem perder de vista cada minúcia levam à conclusão
que Van Gogh era um homem sensível, observador e perfeitamente consciente da
65

realidade. Teve um compromisso com a arte baseado nas suas próprias regras,
definindo o que e como pintar. Não tinha como parâmetro o mercado de arte para
desenvolver o seu trabalho. Na realidade, era seu desejo mostrar a beleza que
sentia e queria exprimir. Sobre o sucesso ele fala:

Mais forte que isto é o que diz Carlyle: Conheceis aqueles vagalumes que
no Brasil são tão luminosos, que à noite as damas os fincam com alfinetes
em suas cabeleiras; a glória é muito boa, mas, vede, ela é para o artista o
que o alfinete é para esses insetos [...]. Ora, eu tenho horror ao sucesso,
receio a ressaca de um sucesso dos impressionistas, os dias já difíceis de
hoje nos parecerão mais tarde ter sido ‘os bons tempos’ (VAN GOGH,
2002, p.281)

Em vida, Van Gogh vendeu apenas um quadro, denominado A Vinha


Encarnada (figura 50). A cena que o inspirou é assim descrita:

Ah, se domingo você estivesse conosco! Vimos um vinhedo vermelho, bem


vermelho como um vinho tinto. Ao longe ele se tornava amarelo e a seguir
um céu verde com um sol, terrenos após chuva, violetas e cintilando
amarelos aqui e ali onde se refletia o pôr-do-sol. (VAN GOGH, 2002, p.328)

Figura 50: Artista: Van Gogh. Obra: A Vinha Encarnada. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela. Dimensões:
75 x 93 cm. Acervo: Museu Pushkin/Moscou.
66

6 NO SUL DA FRANÇA - A CASA AMARELA, O ARTISTA E A UNIÃO


DE CLASSE

A Casa Amarela representa o projeto do pintor em estabelecer em Arles uma


comunidade de artistas, que ele queria denominar: o grupo dos artistas do Midi, para
se discutir a arte e resolver os problemas econômicos tão frequentes entre os
pintores.

Mas temos todos as mesmas dificuldades, e exatamente porque todos


aqueles que pintam ou que desenham têm de enfrentá-las e quase
sucumbem a ela, por que não se dão mais as mãos para trabalhar juntos,
como soldados de uma mesma fileira? (VAN GOGH, 2002, p.109)

Tratava-se de um projeto humanitário liderado pelo pintor com o apoio do


seu irmão. Inicialmente contaria com a participação de Paul Gauguin e
posteriormente com Émile Bernard. Não pressentiu que seriam as suas próprias
limitações as responsáveis pela interrupção desse projeto, que demandou tanta
expectativa e energia. Toda essa exaltação do seu íntimo está presente na sua obra,
que retrata um bloco de construções em tons amarelados que salta de um fundo
escuro e sombrio (figura 51).

Você sabe que eu sempre achei idiota os pintores viverem sós etc. Sempre
se perde muito quando se está isolado.
E já seria um começo de associação. Bernard, que também vem para o
Midi, nos encontrará, e saiba que você, eu o vejo sempre na França, à testa
de uma associação de impressionistas. E se eu puder ser útil para uni-los,
de bom grado eu os acharia todos melhores que eu. (VAN GOGH, 2002,
p.237-238)
67

Figura 51: Artista: Van Gogh. Obra: A Casa Amarela. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 72
x 91,5 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.

Para alojar alguém, haverá o mais belo cômodo de cima, que tentarei
arrumar, tanto quanto possível, como um aposento de mulher realmente
artístico. A seguir, meu próprio quarto, que eu quero extremamente simples,
e com móveis quadrados e amplos: a cama, as cadeiras, a mesa, tudo em
madeira branca. Embaixo, o ateliê e um outro cômodo, também ateliê, mas
ao mesmo tempo cozinha. Você verá um dia destes um quadro da casinha
em pleno sol, ou então com a janela iluminada e o céu estrelado. [...] O
quarto no qual você se hospedará, ou que será de Gauguin, se G. vier, terá
nas paredes brancas uma decoração com grandes girassóis amarelos.
(VAN GOGH, 2002, p.291-292)

6.1 A Presença de Gauguin

O encontro de Van Gogh com Gauguin foi importante pela oportunidade de


falarem sobre pintura, trabalharem juntos e iniciarem o tão sonhado projeto de
formar uma comunidade de pintores no sul da França.

“Gauguin e eu conversamos muito sobre Delacroix, Rembrandt etc. A


discussão é de uma eletricidade excessiva, às vezes saímos dela com a cabeça tão
cansada quanto uma bateria elétrica depois da descarga.” (VAN GOGH, 2002,
p.334)
68

Houve entre eles sintonias e dissonâncias a respeito de tudo, e uma


convivência complexa causou a separação. No início concordaram em dividir os
afazeres da casa. Pintaram-na por dentro e por fora. Durante o dia dialogavam,
visitavam museus e trabalhavam. À noite, bebidas e mulheres.

Assim estamos nós, Gauguin me dizia esta manhã, quando lhe perguntei
como se sentia, que ele ‘sentia a sua antiga natureza’, o que me deu muito
prazer. Chegando aqui no inverno passado, cansado e com a cabeça quase
apagada, antes de começar a me recuperar eu também sofri interiormente
um pouco. (VAN GOGH, 2002, p.334)

Com o tempo começaram a ser frequentes as divergências entre os dois por


causa das distintas maneiras de conceber a pintura e pelo difícil caráter de ambos.
Gauguin reclamava da desordem da casa, da indisciplina e do humor instável de
Van Gogh.

Prevendo uma tragédia, Gauguin escreve a Theo pedindo o dinheiro da


venda de seus quadros, comunicando o seu desejo de ir embora por acreditar que
sua presença estava bloqueando a criatividade de Van Gogh. No período de
aproximadamente dois meses em que viveram juntos os desequilíbrios se
acentuaram.

Eu, por mim, acredito que Gauguin tinha se desanimado um pouco com a
boa cidade de Arles, com a casinha amarela onde trabalhamos, e sobretudo
comigo. De fato, tanto para ele quanto para mim, aqui ainda existiriam
sérias dificuldades a vencer. Mas estas dificuldades estão mais dentro de
nós mesmos que em qualquer outra parte. (VAN GOGH, 2002, p.336)

Sobre os detalhes do incidente que desencadeou a ruptura não há


consenso, já que não se pode assegurar. Enquanto Gauguin deixou sua versão
escrita, Van Gogh jamais escreveu sobre o fato, o qual se presta a diferentes
conjeturas até hoje.
69

Na mesma noite fomos ao café. Ele tomou um absinto leve. De repente, ele
me jogou na cara o copo e o seu conteúdo. Aparei o golpe e, pegando-o
forte pelo braço, saí do café, atravessei a Praça Victor Hugo e, alguns
minutos depois, Vincent achava-se em sua cama, onde em alguns
segundos dormiu para se levantar somente na manhã seguinte. Ao
despertar muito calmo, ele me disse: ‘Meu caro Gauguin tenho uma vaga
lembrança de que ontem à noite o ofendi. Eu o perdôo de bom grado e de
todo coração, mas a cena de ontem poderia se repetir, e se eu fosse
atacado poderia perder as estribeiras e estrangulá-lo. Permita-me então
escrever ao seu irmão para anunciar-lhe o meu regresso’. (GAUGUIN,
2000, p.21)

À noite, Van Gogh se encontra com Gauguin na Praça Lamartine e o


ameaça com uma navalha de barbear aberta. Gauguin, ao olhar firmemente, faz
com que Van Gogh abaixe a cabeça e retome o seu caminho. Naquela noite
Gauguin dorme numa pensão. Pela manhã, ao acordar, vê uma grande multidão
perto da Casa Amarela. Remorsos, tristeza pela ausência do amigo ou um ato de
expiação, foram as razões apontadas para o ato do pintor ao cortar a própria orelha.

“Eis o que se passara, Van Gogh voltou para casa e imediatamente cortou
sua orelha exatamente na base da cabeça.” (VAN GOGH, 2002, p.343)

Após a separação, mantém contato por cartas, e no seu livro Gauguin


escreve sobre a última carta recebida do amigo:

Ele me dizia que esperava ficar curado o suficiente para vir me ver na
Bretanha, mas que naquele momento não via perspectiva de uma cura.
‘Caro mestre (a única vez em que pronunciou essa palavra) depois de tê-lo
conhecido e de o deixar aflito, é mais digno morrer em bom estado de
espírito do que em um estado degradante. Deu um tiro de pistola em sua
barriga e foi somente algumas horas depois, deitado no seu leito e fumando
seu cachimbo, que ele morreu, guardando toda a sua lucidez de espírito,
com amor por sua arte e sem ódio dos outros’. (GAUGUIN, 2000, p.24)

O que se sabe é que o estado físico e emocional de Van Gogh piorou depois
que Gauguin partiu. As crises com alucinações visuais e auditivas ocorreram mais
frequentemente associadas a um terrível mal estar físico. Infelizmente, aquilo que
seria para ele um acontecimento esperado com tanta expectativa, a Casa Amarela,
uma associação de artistas, se converteu num traumático drama para ambos.
70

É bastante engraçado talvez, que o resultado deste terrível ataque seja não
haver mais em meu espírito quase nenhum desejo nem esperança bem
claros, e eu me pergunto se é assim que pensamos quando, as paixões já
um pouco extintas, começamos a descer a montanha ao invés de subi-la
(VAN GOGH, 2002, p.391)

Assim como fez com seu pai, Van Gogh presentificou a relação com
Gauguin através da pintura de uma cadeira requintada e com o colorido típico do
amigo (figura 52). A cadeira que o presentifica por sua vez é simples e luminosa
(figura 53).

Gostaria muito que De Haan visse um estudo meu de uma vela acesa e
dois romances (um amarelo e outro rosa) colocados sobre uma cadeira
vazia (justamente a cadeira de Gauguin), tela de 30, em vermelho e verde.
Acabo de trabalhar ainda hoje em seu pendant, minha própria cadeira vazia,
uma cadeira de madeira branca com um cachimbo e uma bolsa de tabaco.
(VAN GOGH, 2002, p.357)

Figura 52: Artista: Van Gogh. Obra: A Cadeira de Gauguin. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 90,5 x 72, 5 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.
71

Figura 53: Artista: Van Gogh. Obra: A Cadeira de Van Gogh. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 93 x 73,5cm. Acervo: Tate Gallery/Londres.
72

7 ESTADO FÍSICO E EMOCIONAL

Na carta de julho de 1880, quando Van Gogh trabalhava como missionário


no Borinage, ele expõe seus conflitos e propósitos mais íntimos. Agradece o
recebimento de dinheiro, fato este que vai se repetir várias vezes, e menciona ter
rejeitado a orientação do pai para trabalhar em outro lugar.

“Como talvez você já saiba, voltei ao Borinage, meu pai me disse que seria
melhor ficar pelas vizinhanças de Etten: eu disse que não e acredito ter agido melhor
assim.” (VAN GOGH, 2002, p.42)

Sentindo-se incompreendido, revela pensamentos de baixa autoestima. Vê-


se como um homem impulsivo, mais guiado pelas paixões do que pelo intelecto.
Sentindo o peso das críticas a respeito da sua aparência e temperamento, decide
romper com a família e revela seu propósito de assumir o seu próprio destino. Para
falar do rompimento com a família, identifica-se com os pássaros na troca de
plumagem, sentindo dor e sofrimento. Um aspecto muito particular de Van Gogh é o
uso da metáfora como artifício para se expressar, demonstrando inteligência,
sensibilidade artística, sagacidade e cultura.

Ressente-se do preconceito familiar considerando hipócrita a sociedade


acadêmica e religiosa. Nesta carta e nas que se sucedem, o tempo parece curto
para abrigar um universo interior tão rico. Desesperado, pede ao irmão que o ajude
a se libertar das amarras que o oprimem, pedindo sua amizade, amor e afeição. O
irmão se compadece e a partir deste momento, julho de 1880, um vínculo definitivo
se estabelece entre ambos
73

As cartas mostram muita instabilidade emocional, em certos momentos ele


fala de fadiga e debilidade e em outros, de um clima que o exalta tão
poderosamente que fortalece a sua saúde e faz com se renove. Tem a sensação de
estar doando a própria vida para a arte e antevê um futuro em que poderá gozar de
um estado de felicidade. Vida e morte acompanham seus pensamentos, levando-o a
refletir sobre a serenidade das crianças e dos mortos.

Também uma criança no berço, se a olharmos detidamente, tem infinito nos


olhos. Em suma, eu não sei nada, mas justamente este sentimento de não
saber torna a vida real que vivemos atualmente comparáveis a um simples
trajeto de trem. Andamos depressa, mas não distinguimos nenhum objeto
de muito perto, e, sobretudo não conseguimos ver a locomotiva. (VAN
GOGH, 2002, p.267)

Questionando o sentido da vida, dizia encontrar na arte o motivo da sua


existência e apesar da limitação física, emocional e financeira, permaneceu
determinado e não se deixou abater, encontrando energia para produzir. Tinha uma
consciência precisa sobre os fatos que lhe diziam respeito. Nos intervalos das
crises, quando voltava de novo ao trabalho, um assombro de lucidez fazia com que
pedisse ajuda ao irmão para que prolongasse sua internação. Apesar dos reveses
da vida, escrevia expressando esperança e vontade de mudar.

As cartas que finalizam o livro falam em tom melancólico e resignado sobre


a internação em Saint-Rémy-de-Provence e tratamento e Auvers-sur-Oise. Uma
saída que lhe parecia honrosa para esta fatalidade seria identificar-se com uma
linhagem de artistas também considerados loucos (Troyon, Marchal, Méryon, Jundt,
M. Maris, Monticelli). A convivência no hospital com os doentes mentais em estágios
diferenciados alterou muito o seu psiquismo, o que lhe gerou uma crise de
identidade.

“Penso em aceitar decididamente minha profissão de louco, assim como


Degas tomou a forma de um escrivão. Mas acontece que eu não sinto ter toda a
força necessária para desempenhar tal papel.” (VAN GOGH, 2002, p.376)
74

“Mas sem brincadeira, o medo da loucura diminui consideravelmente ao ver


de perto as pessoas por ela afetadas, como eu facilmente poderia ficar a seguir!”
(VAN GOGH, 2002, p.395)

“Os diagnósticos incluiriam: epilepsia do lobo temporal, sífilis, intoxicação por


chumbo, porfíria intermitente aguda, doença de Ménière, glaucoma, esquizofrenia e
transtorno bipolar, entre vários outros diagnósticos psiquiátricos.” (YACUBIAN, 2008,
p.11)

O quadro clínico de Van Gogh foi se complicando com o passar do tempo.


Não era disciplinado com a alimentação, entrava em jejum por várias horas, ingeria
altas doses de álcool associadas ao fumo, comprometendo seriamente os sistemas
digestivo e dentário.

O isolamento no final da vida o levou a manifestar frequentemente


comportamentos violentos, causando na população de Arles certo temor pela sua
presença. Um abaixo-assinado foi redigido ao prefeito da cidade, exigindo sua
reclusão definitiva no sanatório, por considerá-lo um homem indigno de viver em
liberdade. A petição foi acatada e ele foi reinternado. Esse episódio o deixou
indignado, mas reagiu com resignação e bom senso, reconhecendo a necessidade
de uma intervenção terapêutica.

No final da vida já trocava o dia pela noite; para combater a insônia e tentar
dormir, encharcava o travesseiro e o colchão com cânfora. Nessa fase, embora com
graves problemas de saúde e emocionais, Van Gogh mostrou-se ainda muito criativo
e produtivo. Nesse período são conhecidas as releituras de conteúdo religioso dos
mestres Millet, Delacroix, Rembrandt e Doré.

Mesmo atormentado por questões existenciais, intoxicação, alucinações,


solidão e depressão, em Saint-Rémy-de-Provence e Auvers-sur-Oise, exaltou a
natureza com uma explosão de cores, beleza e movimento.
75

O estado de saúde de Van Gogh piorou após as suas internações.


Lentamente seu campo de ação foi se estreitando, restringido aos espaços
hospitalares. Por mais que recebesse um atendimento especial, por solicitação de
Theo, sentiu-se aprisionado, ao ver-se privado daquilo que motivou sua ida ao Midi:
liberdade, sol, ar e luz.

Ainda com lucidez e vigor, encontrou nas releituras o caminho para


expressar sua criatividade, reproduzindo gravuras dos seus artistas preferidos: Millet
Delacroix, Rembrandt e Gustave Doré.

É deste período o quadro O Pátio de Exercícios, releitura de uma xilogravura


de Doré, publicada em Londres em 1872, na obra London, a Pilgrimage, de
Blanchard Ferrold, que tratava de uma grande cidade moderna e de suas
desigualdades sociais. No trabalho, ele revela o seu sentimento por estar
aprisionado no sanatório de Saint-Rémy (figura 54).

Figura 54: Artista: Van Gogh. Obra: O Pátio de Exercícios. Ano: 1890. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 80 x 64 cm. Acervo: Museu Pushkin/Moscou.
76

Não tenho mais nada com que me distrair – proíbem-me até mesmo de
fumar, o que no entanto é permitido aos outros doentes - , não tendo nada
mais a fazer, penso em todos os conhecidos, o dia inteiro e a noite inteira.
Que miséria – e tudo isso por nada, por assim dizer. Não lhe escondo que
eu teria preferido morrer a causar e sofrer tanto estorvo. (VAN GOGH, 2002,
p.372)

O quadro transmite uma sensação de asfixia inerente ao local onde as


pessoas se movimentam. O movimento é circular, repetitivo e restrito, reforçando a
ideia de aprisionamento. Encerradas dentro de si, as pessoas expressam
conformismo, com exceção da figura central, que nos remete ao pintor. Com a
cabeça iluminada e olhar fixo no observador, chama a atenção para a cena. O
ambiente é sombrio, frio, úmido e sem saída. Os prisioneiros parecem os
personagens que pintou no Borinage: tem as feições maceradas, pálidas, cansadas
e sofridas. A parte superior do quadro apresenta um colorido discreto, formado pela
cor amarela e sua complementar violeta e contrastando com a parte inferior, de tons
azulados escuros, que nos transmitem uma sensação de peso e opressão.

Antonin Artaud, poeta francês, ao presenciar uma exposição do pintor em


1947, delirantemente, quase fora de si, escreveu o ensaio: Van Gogh - Suicidado
pela Sociedade, que lhe atribuiu o maior prêmio literário da França daquela época.
Com a propriedade de quem sentiu na pele o impacto da reclusão em hospitais
psiquiátricos, Artaud critica o tratamento dispensado pelos médicos e a própria
psiquiatria em si, que segundo ele, foi montada para defender-se de inteligências
extraordinariamente lúcidas que incomodam o sistema, habituado ao conformismo
disseminado pelos salões de arte da época.
77

8 VELAS ACESAS NA ABA DO CHAPÉU

Van Gogh confessaria a seu irmão que experimentava uma terrível


necessidade de sair à noite para pintar estrelas. Movido por este impulso, instalou-
se às margens do Ródano, de início colando velas na aba do seu chapéu, depois
sob um lampião de gás, para iluminar a palheta e a tela.

“Frequentemente me parece que a noite é bem mais viva e ricamente


colorida que o dia.” (VAN GOGH, 2002, p.290)

O livro Cartas a Theo é minucioso em informações sobre o processo criativo


do pintor e o seu envolvimento com a matéria pictórica, dando pistas significativas
sobre o seu trabalho. As cartas oferecem um amplo material para análise,
considerando que Van Gogh só escrevia nos momentos de lucidez e que os
depoimentos sobre arte ocupam o maior espaço.

Poucos artistas deixaram um legado tão claro e profundo como ele a


respeito de si e da sua obra. Prevendo a sua morte prematura, foi movido por uma
energia brutal que o impulsionava a escrever e pintar.

É assim que me vejo a mim mesmo – devo realizar em alguns anos, uma
obra cheia de coração e de amor e consagrar-me com energia a isso. Se
ficar mais tempo em vida do que espero, tanto melhor, mas não quero
considerar essa eventualidade. (COLI, 2006, p.21)
78

Este capítulo registra o pensamento de vários teóricos das áreas da


educação, arte, psicologia, psiquiatria e ficção, retiradas da literatura, sobre o
processo criativo em geral e específico com o objetivo de aprofundar o
conhecimento sobre a vida e obra do pintor, contribuindo também e
necessariamente para encaixe das peças desse grande mosaico.

Dentre eles, o autor deste trabalho destaca o pensamento analítico de Fayga


Ostrower, primeiramente, por ela ser uma artista plástica, de reconhecimento
internacional, ter vivenciado o fenômeno da criação artística de forma concreta.
Secundariamente, porque como pesquisadora desenvolveu estudos que integram
várias áreas, dentre elas a psicologia. Encontram-se nos seus estudos alguns temas
que dão embasamento a este trabalho, tais como: criatividade, criação,
espiritualidade na arte, inspiração, reparação, tensões psíquicas, dentre outras que
desenvolvo neste capítulo.

No livro Criatividade e Processos de Criação, ela considera o ser em três


aspectos: consciente, sensível e cultural, que interligados respondem pelos
comportamentos criativos do homem. Segundo ela, “o que importa frisar é que o
potencial consciente e sensível de cada um se realiza sempre e unicamente dentro
de formas culturais” (OSTROWER, 1987, p.11). Assim sendo, a cultura serve como
referência ao indivíduo para sua formação, ação social, transmissão de
conhecimentos e naturalmente a toda criação.

O processo criativo de Van Gogh, abrangendo sua temática predominante,


linguagem visual, materialidade, técnica, evoluiu dentro de características culturais
específicas, conforme está desenvolvido nesta pesquisa. A cultura que é constituída
pela sua nacionalidade, herança psicológica, origem social é muito perceptível na
sua obra. Sua formação cultural foi influenciada por uma herança religiosa e artística
muito forte. Mostra familiaridade com temas que exploram as questões humanas
mais profundas, tais como: sentimentos, espiritualidade e morte. As figuras 55 e 56
revelam o olhar do pintor rumo a ciclos de vida opostos.
79

Figura 55: Artista: Van Gogh. Obra: O Escolar (O Filho do Carteiro – Garoto de Boné). Ano: 1888.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 63 x 54 cm. Acervo: Museu de Arte de São Paulo/São Paulo.

Figura 56: Artista: Van Gogh. Obra: No Limiar da Eternidade. Ano: 1890. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 80 x 64 cm. Acervo: Rijksmuseum/Amsterdã.

Contudo, prefiro pintar os olhos dos homens, mais que as catedrais, pois
nos olhos há algo que nas catedrais não há, mesmo que elas sejam
majestosas e se imponham; a alma de um homem, mesmo que seja um
pobre mendigo ou uma prostituta, é mais interessante a meus olhos. (VAN
GOGH, 2002, p.193)
80

Ao lado do temperamento explosivo e arredio havia também o seu lado frágil


que despertava acolhimento nas pessoas que conviviam com ele. Assim foi que
criou laços de amizade com artistas, médicos, enfermeiros, donas de pensão,
prostitutas, carteiro, que quase sempre acabavam sendo seus modelos.

Você é bom para com os pintores e saiba que, quanto mais eu reflito, mais
eu sinto que não há nada de mais realmente artístico que amar as pessoas.
Você poderá me dizer que então seria melhor dispensarmos a arte e os
artistas. À primeira vista isto é verdade, mas enfim os gregos e os franceses
e os antigos holandeses aceitaram a arte, e vemos a arte sempre
ressuscitar após as decadências fatais, e não creio que seríamos mais
virtuosos só pelo fato de abominarmos tanto os artistas quanto sua arte.
(VAN GOGH, 2002, p.294)

Seus quadros privilegiam o humano mesmo quando pinta objetos ou


paisagens. É impossível não associar as imagens às pessoas, conferindo a elas um
forte grau de subjetividade (figura 57).

Figura 57: Artista: Van Gogh. Obra: Três Pares de Sapatos. Ano: 1886. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 49 x 72 cm. Acervo: The Fogg Art Museum Harvard University/Cambridge.

Na obra de Van Gogh não é possível separar os aspectos pessoais da sua


produção artística. Tudo parece se interligar profunda e consistentemente. Sua
evolução pessoal se mescla com a matéria que dá vida à sua obra. Existe uma
relação visível e palpável entre os traços, as linhas, as texturas, as cores, os temas
com as passagens da sua vida.
81

Os girassóis foram um tema estimulante para o pintor, realizando uma série


deles de diferentes formas. Neles, é possível perceber nitidamente as marcas do
pintor: traçado quebradiço, cores exaltadas, uma textura acidentada, linhas
onduladas e pronunciadas (figura 58). Essas características se mesclam
perfeitamente com aspectos da sua personalidade: humor instável, agilidade do
pensamento, impulsividade e emoção pronunciados.

[...] os traços curtos, pequenas vírgulas e curvas, em breves momentos de


espaço e tempo, justapostos numa repetição enfática. As sequências,
também repetidas, se adensam rapidamente e param. Criam em nossa
percepção o equivalente a obstáculos físicos a serem transpostos.
Deparamo-nos com um clima de dramaticidade e alta tensão emotiva.
(OSTROWER, 1996, p.32)

Figura 58: Artista: Van Gogh. Obra: Quatro Girassóis Colhidos. Ano: 1887. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 60 x 100 cm. Acervo: Kroller-Muller Museum/Otterlo.

Fayga amplia os conhecimentos sobre o processo da criatividade,


estabelecendo distinções entre a criatividade e criação. Ao diferenciar essas duas
potencialidades humanas, entende-se melhor a verdadeira dimensão do trabalho de
Van Gogh. Percebe-se que sua produção não foi mero resultado de uma inspiração
descontrolada ou de um extravasamento de emoções, uma catarse enfim, mas,
sobretudo, resultado da sua maturidade pessoal e envolvimento com a arte. Não foi
por acaso, como acontece com alguns artistas, mas sim uma tomada de decisão
consciente, conforme mostra sua história.
82

Logo minha obra constitui meu único objetivo – se eu concentrar todos os


meus esforços nesse pensamento, tudo o que fizer, ou não, se tornará
simples, e fácil, na medida em que minha vida não será semelhante a um
caos e em que todos os meus atos tenderão para esse fim. (COLI, 2006,
p.20)

Fayga Ostrower (1999 p.218) comenta que a criatividade tem uma


característica mais geral, enquanto que a criação é mais específica. Seria um
potencial de sensibilidade presente em todos os seres humanos. Já a criação seria a
escolha de cada um. “As potencialidades criativas não se darão a conhecer antes de
poderem concretizar-se nos encontros da pessoa com a vida”, e se manifestam
através dos interesses, aptidões e inclinações de cada ser. Não é um atributo
somente do artista, estando presente em todas as áreas do conhecimento e do
saber.

A criação, por sua vez, desenvolve-se ao se lidar com os materiais de


natureza física e psíquica. A natureza física pode ser a concretude de um ferro,
vidro, barro, cimento, mármore etc., e a natureza psíquica compreende as ideias ou
as relações humanas. No processo de criação as duas naturezas se fundem
tornando o trabalho cada vez mais coerente com a personalidade do criador.

O estilo é um dos aspectos inerentes ao processo de criação. Para a


pesquisadora, ele seria um modo de ser, pensar e agir de cada pessoa. Nos artistas,
o estilo incorpora tanto a qualificação técnica quanto os conteúdos expressivos,
sempre em correspondência mútua.

O estilo de Van Gogh recebeu várias influências. Na sua formação de


autodidata incorporou conhecimentos dos pintores holandeses, da Escola de
Barbizon, da arte japonesa, dos impressionistas e de outros artistas. Seu estilo,
absolutamente próprio, dificilmente confundido com o de outro pintor, tem uma
marca extremamente pessoal. A sua obra representa bem o que Fayga comenta:
83

É impossível passar uma procuração para criar. Cada um de nós só pode


falar em nome de suas próprias experiências e a partir de sua própria visão
de mundo. E, sendo cada pessoa um indivíduo único, suas formas
expressivas incorporarão natural e necessariamente, um estilo individual.
(OSTROWER, 1999 p.251)

Na pequena sequência de trabalhos expostos abaixo pode-se perceber


como sua obra evoluiu num período curto, de um estilo preso a modelos para um
estilo mais pessoal. No início, influenciado pela pintura holandesa, seus quadros
eram sombrios, as paisagens planas, a perspectiva centralizada, pinceladas amplas
e um gestual mais leve (figuras 59, 60 e 61). Na ida para a França, foi mudando
gradativamente para pinceladas mais curtas e pastosas, o gesto mais firme e
vigoroso com pequenos toques arredondados e as cores mais vivas (figuras 62, 63 e
64). Muda para uma perspectiva multifacetada, influenciada pela ampliação das
suas experiências e visão de mundo.

Figura 59: Artista: Van Gogh. Obra: Vista do Mar em Scheveningen. Ano: 1882. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 34.5 x 51 cm. Acervo: Stedelijk Museum/Amsterdã.
84

Figura 60: Artista: Van Gogh. Obra: Pequenas Casas. Ano: 1883. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 35
x 55.5 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.

Figura 61: Artista: Van Gogh. Obra: Paisagem de Outono com Quatro Árvores. Ano: 1885. Técnica:
óleo s/tela. Dimensões: 64 x 89 cm. Acervo: Kroller-Muller Museum/Otterlo.
85

Figura 62: Artista: Van Gogh. Obra: O Moinho de La Galette. Ano: 1887. Técnica: óleo s/tela.
dimensões: 46 x 38 cm. Acervo: Carnegie Museum of Art/Pittsburgh.

Figura 63: Artista: Van Gogh. Obra: Campo com Papoulas. Ano: 1889. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 71 x 91 cm. Acervo: Kunsthalle Bremen/Bremen.
86

Figura 64: Artista: Van Gogh. Obra: O Jardim de Daubigny (estudo). Ano: 1890. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 50.7 x 50.7 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdam.

A criação tem uma característica transformadora, na medida em que as


matérias se alteram através da ação humana, revelando novos aspectos e novas
linguagens. Na criação, o conhecimento da matéria se amplia na mesma proporção
que se experimenta. Dessa simbiose, os anseios criativos poderão ser mesclados
com aos aspectos psicológicos de seu criador. A empatia do artista com a matéria
provoca uma proximidade que com o passar do tempo revelará domínio e diálogos
permanentes.

As naturezas-mortas que lhe envio são estudos de cor. Ainda farei várias;
não creio que isso seja inútil. Elas ficarão um pouco menos boas em algum
tempo, mas dentro de um ano, por exemplo, estarão melhores que agora,
quando tiverem secado e recebido uma boa camada de verniz. (VAN
GOGH, 2002, p.166)

Outro aspecto inerente ao processo criativo, mencionado por Ostrower


(1999), é o espiritual na obra de arte. Ele representa aquilo que encanta e atrai, sem
que se saiba de imediato explicar. Provoca o silêncio e o prestar atenção ao que
ocorre dentro e fora do ser.
87

“A vibrante sensualidade das formas da matéria! Ela impregna todo fazer e


entender das linguagens, transformando-se em espiritualidade.” (OSTROWER, 1999
p.222)

Esse estado sagrado é resultado de um mistura alquímica entre os


elementos da matéria com o criador, que está sob o efeito de uma paixão e entrega
incondicional ao trabalho. Portanto, a capacidade de criar não depende apenas de
conhecimento técnico, teorias ou filosofias de arte, nem tampouco de originalidade
ou inventividade, mas sim da empatia do artista com a matéria. Nesse estado de
encantamento, forças sutis emanam do trabalho, cuja linguagem única só pode ser
compreendida no âmbito da sensibilidade.

Recitem o que quiserem sobre a técnica, com palavras de fariseus, vazias e


hipócritas, o verdadeiro pintor deixa-se guiar por esta consciência que
chamamos sentimento. Sua alma, seu espírito, não estão a serviço de seu
pincel, mas seu pincel é que está a serviço de seu espírito. Assim também a
tela é que tem medo do bom pintor e não o pintor da tela. (VAN GOGH,
2002, p.165)

Nas descrições das suas obras, Van Gogh era guiado por um pensamento
ordenador e lógico ao comentar sobre a disposição dos elementos no quadro,
proporcionalidade dos volumes e senso de perspectiva. Nos esboços, nota-se
organização e racionalidade, mantendo um cuidado com estética, textura e volume
dos corpos. Numa escrita emocionada, descrevia a cena minuciosamente,
atribuindo-lhes as cores e os tons. A figura 65 é o esboço de uma pintura do artista,
retratada na figura 66, que atrai devido a uma forte expressividade tonal. Uma linha
diagonal aprofunda a cena num plano ascendente.

O outro estudo do bosque tem como tema grandes troncos de faias verdes
sobre um fundo de arbustos secos e uma pequena figura de moça em
branco. A grande dificuldade foi conservar a luminosidade, e colocar o céu
entre as árvores que se encontravam a diferentes distâncias, o lugar e a
espessura relativa destes troncos sendo modificados pela perspectiva. É
preciso fazer de maneira a que possamos respirar e passear na floresta, e
ela deve exalar [...]. (VAN GOGH, 2002, p.92)
88

Figura 65: Artista: Van Gogh. Obra: Moça de Branco no Bosque. Ano: 1882. Acervo: Museu Van
Gogh/Amsterdã.

Figura 66: Artista: Van Gogh. Obra: Moça de Branco no Bosque. Ano: 1882. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 39 x 49 cm. Acervo: Kroller-Muller Museum/Otterlo.

Porém, essa ordenação se modifica durante a execução do trabalho. Nessa


etapa, o pintor é mais conduzido pela sua interioridade acompanhada pela emoção,
luminosidade, cores que observa ou intui.
89

Ostrower (1999, p.221) diz que o criador, ao dialogar com a matéria, se


deixa levar pelo ser sensível, e não intelectual, que é dotado de outro saber. O voo
da imaginação é importante, mas a decisão só ocorre no fazer artístico, e é ele que
personaliza a obra. Através da ação aplicada sobre a matéria, ou seja, decisões que
acrescentam, subtraem, anulam, transformam é que se configura a expressividade
de uma obra.

A pesquisadora fala também do acaso inspirador como um momento


luminoso, em que a realidade é ampliada. A pessoa se depara com o seu ser mais
profundo ao entrar em contato com a sua sensibilidade e inteligência. Duas
sensações ocorrem simultaneamente: felicidade e inquietação. A felicidade
estabiliza e relaxa se contrapondo ao apelo interior para dar forma a algo que aspira
ser concretizado.

“Em certos momentos, quando a natureza fica tão bela quanto nesses dias,
tenho uma lucidez terrível, e então não me reconheço mais e o quadro me vem
como em sonho.” (VAN GOGH, 2002, p.308)

Questiona-se muito o grau de interferência dos traumas infantis na produção


artística. Para Ostrower (1999, p.13), os traumas infantis podem influenciar a
criatividade, mas jamais determinar uma criação. O que determina é um processo
complexo, mobilizado pela capacidade de elaboração mental e experiência de vida
do indivíduo. Na sua abordagem comenta sobre as interpretações psicanalíticas nas
obras de arte ao estarem ligadas ao inconsciente.

Fica difícil analisar a obra de Van Gogh sob a lente da psicanálise, correndo-
se o risco de cair numa interpretação convencional, e descartar as sutilezas que as
imagens expressam. Somente a linguagem artística conseguirá formular a
complexidade e fluidez dos sentimentos e a integração de vários níveis de
significados.
90

Fayga Ostrower se utiliza da abordagem psicanalítica de Hanna Segal3, ao


comentar sobre o Impulso de Restauração como conceito significativo nos
processos de criação. Ela afirma que “Pode haver uma visão psicanalítica da arte
que contribua para a nossa compreensão das formas dos processos e conteúdos
artísticos.” (1999, p.17). Reconhece nos impulsos de restauração o desejo e a
capacidade de reparar objetos bons, internos e externos para que se tornem bons e
fundamentais para se chegar ao cerne do processo criador.

Sob esta ótica, existe uma necessidade vital do ego em restaurar as


experiências que foram negativas na psique humana. Equivale dizer também que
existe uma predisposição interna para compensar descargas negativas utilizando-se
da complementaridade e equilíbrio das energias. Esse processo seria extremamente
saudável e responsável pela execução de grandes obras da humanidade. A arte
como um processo regenerativo repassaria experiências que geraram traumas e
bloqueios, sublimando-as.

Olhando a obra de Van Gogh sob este aspecto, em geral, restaura aspectos
afetivos, físicos e emocionais. Um estado latente de depressão, causado por
fracassos e rejeições, se contrapõe a imagens exaltadas e tendência aos
movimentos ascendentes. Percebe-se a presença de significados que exaltam as
forças da vida, com sinais de vitalidade, força da natureza e elaboração formal
vibrante (cores altas, complementares e quentes).

Essa temática pode ser observada através do quadro O quarto do artista em


Arles (a figura 67 traz o esboço e figura 68, a pintura) que na sua singeleza mostra
um ocupante ordeiro, organizado, afetivo, tranquilo e sociável, muito ao contrário do
que o artista revelava ser.

3
Hanna Segal é a mais destacada e lúcida intérprete no pós-guerra da obra de Melanie Klein. Ela
investigou a aplicação mais ampla das idéias psicanalíticas em diversos campos, principalmente nos
da estética, política e literatura. (PICK; ROPER, 1999)
91

Figura 67: Artista: Van Gogh. Obra: Quarto de Van Gogh em Arles. Ano: 1888. Acervo: Museu Van
Gogh/Amsterdã.

Figura 68: Artista: Van Gogh. Obra: Quarto de Van Gogh em Arles. Ano: 1889. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 57,5 x 74 cm. Acervo: Musée d’Orsay/Paris.

Desta vez trata-se simplesmente de meu quarto, só que aqui a cor é que
tem que fazer a coisa e, emprestando através de sua simplificação um estilo
maior às coisas, sugerir o descanso ou o sono em geral. Enfim, a visão do
quadro deve descansar a cabeça, ou melhor, a imaginação. As paredes são
de um violeta pálido. O chão é de lajotas vermelhas [...]. A madeira da cama
e das cadeiras é de um amarelo de manteiga fresca, o lençol e os
travesseiros, limão-verde bem claro. O cobertor, vermelho escarlate, A
janela, verde. A mesinha, laranja, a bacia, azul. As portas lilás. E pronto –
nada mais neste quarto com os postigos de janela fechados. O feitio dos
móveis também deve exprimir um descanso inviolável. Os retratos na
parede, um espelho, uma toalha e algumas roupas. A moldura – como não
há branco no quadro – será branca. Isso para compensar o descanso
forçado a que fui obrigado. (VAN GOGH, 2002, p.319)
92

Embora às vezes seus temas fossem densos, por uma expressão


melancólica, um olhar vago, uma depressão na paisagem, algo parece nos levar
para o oposto: uma estrela brilhando, um casal se abraçando, uma cor vibrante ao
lado de outra, um horizonte aberto, ao invés de simplesmente fazer sucumbir. Na
obra Caminho com Cipreste e Estrela (figura 69), as linhas sinuosas se movimentam
em direções opostas e a verticalidade central do cipreste estabiliza o quadro.

Figura 69: Artista: Van Gogh. Obra: Caminho com Cipreste e Estrela. Ano: 1890. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 92.0 x 73.0. Acervo: Kroller-Muller Museum/Otterlo.

Ainda tenho de lá um cipreste com uma estrela, um último ensaio – um céu


noturno com uma lua sem brilho, só o delgado crescente emergindo da
opaca sombra projetada da terra -, uma estrela com um brilho exagerado,
se você quiser, brilho suave de rosa e verde no céu ultramar onde passam
as nuvens. Embaixo uma estrada por altos caniços amarelos, atrás deles as
baixas Alpines azuis; um velho albergue com janelas iluminadas
alaranjadas, e um altíssimo cipreste, bem reto, bem sombrio. (VAN GOGH,
2002, p.416)

Ostrower (1999 p.20) fala que as tensões psíquicas são sempre


indispensáveis para o artista. É preciso mantê-las e, se for possível, crescer com
elas para poder aprofundar a expressão, tanto em sentido emocional como
93

estrutural. São as tensões psíquicas que alimentam a motivação para a realização


de uma obra ou de uma descoberta científica. Tensão psíquica não é o mesmo que
conflitos psíquicos. Muitos conflitos são paralisantes, outros não, e se traduzem
nessa tensão necessária à arte.

Principalmente na França, a obra de Van Gogh é mais marcada por uma


sucessão de cores e tonalidades que sobrepostas criam uma tensão visual e um
estado dramático. O rico colorido compete entre si e gera no olhar do observador
uma sutil provocação. Fortes tensões psíquicas provocadas por um turbilhão de
emoções e conflitos levam o olhar do pintor para determinados aspectos da natureza
e, como resultado, definem na pintura um estilo vibrante, dramático e belo. O quadro
Terraço do Café à Noite (figura 70) é marcante pela tensão provocada entre as
cores complementares - amarelo e roxo. Um ponto central escuro atrai ao contrastar
com o vibrante amarelo do primeiro plano.

Figura 70: Artista: Van Gogh. Obra: Terraço do Café à Noite. Ano: 1888. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 81 x 65,5 cm. Acervo: Kroller-Muller Museum/Otterlo.
94

Dr. Jean-Marc Boulon (2006, p.24-26), psiquiatra e pesquisador residente de


Saint Paul-de-Mausole, desenvolve um esboço psicopatológico de Van Gogh,
apoiando-se em elementos biográficos e médicos disponíveis. Reforça também a
ideia de tentativa de reparação através da expressão e da criação artística. Para ele,
na primeira parte da vida, as crianças escolhem objetos de comunhão responsáveis
pela formação da segurança. Seriam esses objetos que constituiriam patrimônios ou
bens, utilizados pelas pessoas para fazerem as trocas necessárias à sua rede
social. Alguns desses bens seriam as palavras.

Não sendo as palavras suficientemente positivas para sua autoafirmação e


para responder à sua problemática, Van Gogh se comunica através das cores. Cria,
por intermédio delas, objetos de comunhão. É seu desejo vê-las desempenharem
um papel de seres que substituem sua linguagem, capazes de transmitirem suas
mensagens. As obras transcrevem a sua realidade e unem duas identidades que se
confundem: a do artista e do ‘outro’, exprimindo seu eu e seu não-eu. Segundo
Boulon, é graças à especificidade e à verdade dessa comunhão que resultam a
imensa beleza e a força de sua obra.

Boulon, na mesma publicação (2006) referindo-se aos estudos de Charles


Mauron, escritor do livro Van Gogh – Estudos Psicocríticos, enriquece sua análise,
introduzindo o conceito de Regressão Simbiótica na relação com a vida do pintor.

Para superar as condições adversas às quais estava exposto, Van Gogh


recorreu a uma estratégia inconsciente que o unia ao irmão, formando um duplo eu,
não reunidos dentro de um único ser. Esse duplo era formado pelo eu social,
representado pelo irmão e o eu criador, representado pelo pintor. Essa forte parceria
de dependência psíquica e material teve o mérito de desacelerar a descompensação
psíquica, permitindo-lhe refugiar-se na prática frenética da pintura. Esse duplo
permitia que quanto mais a curva da vida descendesse, mais se elevaria a curva da
arte.
95

Pois é, realmente só podemos falar através de nossos quadros. Contudo,


meu caro irmão, existe isto que eu sempre lhe disse e novamente voltarei a
dizer, com toda a gravidade resultante dos esforços de pensamento
assiduamente orientado a tentar fazer o bem tanto quanto possível – volto a
dizer-lhe [...] que sempre o considerarei como alguém que é mais que um
simples mercador de Corots, que por meu intermédio participa da própria
produção de certas telas, que mesmo na derrocada conserva sua calma.
(VAN GOGH, 2002, p.421)

Nesta citação, extraída da carta de Van Gogh para o irmão, que trazia
consigo no dia da morte, elucida a absoluta consciência da parceria na produção e
na comunicabilidade dos quadros.

Grimberg (2003, p.209) afirma que, na psicologia analítica de Carl Gustav


Jung, toda criação do espírito humano tem suas raízes no inconsciente coletivo4,
com suas incontáveis estruturas psíquicas sem formas – os arquétipos5 – que se
tornam visíveis através da expressão artística. Nesse sentido, conforme Jung, os
artistas seriam mensageiros do inconsciente coletivo e de maneira consciente ou
inconsciente, dão forma à natureza e ao espírito de sua época.

Nise da Silveira, médica psiquiátrica, de formação junguiana, referindo-se a


Jung diz:

No mistério do ato criador, o artista mergulha até as funduras imensas do


inconsciente, dando forma e traduzindo na linguagem própria de seu tempo
as instituições primordiais em formas com qualidades artísticas e, assim,
tornando acessíveis a todos as fontes profundas da vida. (SILVEIRA apud
GRIMBERG, 2003, p.209).

4
Inconsciente coletivo: Depósito e, ao mesmo tempo, a camada mais profunda do inconsciente e
corresponde a uma imagem do mundo que levou eras e eras para se formar. Nessa imagem
cristalizaram-se os arquétipos ou as leis e princípios dominantes e típicos dos eventos que ocorreram
no ciclo da alma humana. (GRIMBERG, 2003, p.135)
5
Arquétipos: Constituem uma espécie de matriz, uma raiz comum a toda a humanidade e da qual
emerge a consciência. Essa descoberta significa o reconhecimento de duas camadas no
inconsciente: a pessoal e a impessoal, ou transpessoal, o inconsciente coletivo. (idem, ibidem, p.134)
96

Fascinada pela potencialização da arte no tratamento com esquizofrênicos,


Nise da Silveira sentia a necessidade de destacá-la como uma forma de ação
positiva, em defesa à entrada de conteúdos do inconsciente. Cita trecho sobre Van
Gogh escrito pelo psiquiatra e filósofo alemão Karl Theodor Jaspers, em pleno
expressionismo alemão:

K. Jaspers confessa que Van Gogh o atrai [...] parece-me que uma íntima
fonte da existência abres-se diante de nós por um instante, como se viesse
de profundezas ocultas, revelando-se diretamente. Existe aí uma vibração
que não podemos suportar por muito tempo e da qual procuramos logo nos
subtrair; [...] esta vibração não nos leva a assimilar o elemento estrangeiro,
mas a transformá-lo numa modalidade outra, mais a nosso alcance. Isso é
extremamente excitante, mas não é nosso mundo; surge daí a interrogação
radical, um apelo que se dirige a nossa própria existência. Seu efeito é
benéfico, provoca em nós uma transformação. (SILVEIRA, 1981, p.15)

Vários questionamentos a respeito da obra e da vida de Van Gogh


estimulam uma análise sobre perspectivas diferentes. São inúmeros os trabalhos
que tratam sua obra e vida sob o ponto de vista psicanalítico, sociológico, filosófico e
ficcional, dentre outros. A interferência dos traumas infantis, o peso das suas
vivências e a aura luminosa dos seus quadros são alguns questionamentos. A obra
de Van Gogh é tão instigante que até hoje, passados mais de 100 anos de sua
morte, constitui tema para estudos, teses e tratados.

Argan, no livro Arte Moderna – texto: Vincent Van Gogh – Retrato do


Carteiro Roulin (1992, p.123), afirma que Van Gogh não seria um pintor por
vocação. A decisão tardia em pintar, seus problemas existenciais e afinidades com a
vida do campo, o definiriam como um pintor marginalizado que se utilizou da arte
para expressar a sua indignação com a sociedade do seu tempo. Seu trabalho soa
como um grito de desespero e crítica por excluir pintores, camponeses e artesãos
que viviam à margem do processo de industrialização. Seu trabalho tem o sentido de
colocá-lo frente a essa realidade e fazê-lo aproximar-se de seu elemento essencial,
que é a vida.
97

A análise de Argan não se baseia numa realidade interna, própria da


psicologia, mas sim do indivíduo inserido numa sociedade. As conclusões se
convergem porque dão à pintura uma função essencial ao afirmar que o pintor se
utilizou dela para expressar seu inconformismo e seu refúgio, já que a vida não lhe
oferecia os imaginados benefícios.

A complexidade do caráter, da situação moral, social, artística de Vincent,


seu gênio, sua vida dolorosa e particular oferecem um objeto rico demais
para as análises parciais da psicologia, da sociologia, da estética, da crítica
de arte, cujos instrumentos terminam por parecer grosseiros e insuficientes.
(COLI, 2006, p.37-38)

O breve período de vida condensou tantas vivências, que a simples


utilização de padrões convencionais para explicar não revela a verdadeira dimensão
da sua genialidade. Somente a liberdade consentida aos romancistas, de mesclar
ficção com realidade, adentraria mais intimamente na vida do pintor, como é o caso
do romance de Dr’eu La Rochelle, Diário de Dirk Raspe, que tem Van Gogh como
figura central.

Ao final deste capítulo, segundo seu autor, tem-se a impressão de estar


faceando fragmentos de diferentes formatos, cores e texturas, como peças de um
grande mosaico. De forma planejada, porque o pintor se insere nas abordagens
mencionadas e ao mesmo tempo casual, pela possibilidade do intuído se manifestar,
configura-se assim a imagem rica, complexa, profunda, iluminada, sombria e
enraizada de Van Gogh.
98

9 CONSTRUINDO O MOSAICO

Esta pesquisa se originou pelo interesse do seu autor pela vida e obra de
Van Gogh, após a leitura do livro Cartas a Theo, surpreendendo-o positivamente ao
constatar que o pintor possuía um conhecimento apurado sobre a arte. A partir
dessa leitura, a percepção sobre o trabalho de Van Gogh ampliou-se, e o que antes
era considerado espontâneo, gestual e intuitivo, incorporou uma experiência
acumulada que envolvia história familiar, estudos, pesquisas, planos, senso crítico e
equilíbrio estético.

Considerou-se importante pesquisar seu processo criativo procurando extrair


do livro os aspectos que comprovavam seu conhecimento sobre a arte, no decorrer
do período abrangido pelo livro.

Configurou-se então uma questão referente à obra de Van Gogh que


conduziu a busca por respostas a respeito do seu trabalho e comportamentos que
levaram as pessoas a considerá-lo um louco e que, vistas em conjunto, teriam sido
determinantes para a realização de sua obra.

A hipótese principal levantada nesta pesquisa é que existem estereótipos


sobre a criação de Van Gogh, determinados por uma superficialidade, baseada nas
aparências, ali faltando conhecimentos para um melhor entendimento e
compreensão. Esses estereótipos incluem as patologias mentais como responsáveis
pela sua criatividade e as cartas escritas ao irmão contrariam esse ponto de vista.
Permitindo uma visão sobre a vida do pintor e a amplitude do seu trabalho, reforçam
seu pensamento lúcido, visionário e extremamente estético.
99

Outra hipótese é de que a arte para ele transcendia as dificuldades


pessoais, chegando ao ponto de tornar-se uma missão para expressar seus
princípios humanitários, lucidez, consciência, afeto e sensibilidade. O estereótipo
navega sobre uma superfície que não se aprofunda naquilo que é próprio do seu
estilo criador.

Buscou-se no livro Cartas a Theo, bem como em outras referências


bibliográficas e nas imagens disponíveis, informações que confirmassem tais
hipóteses. A obra de Van Gogh, além de muito personalizada, é marcada pela
repetição transformadora de vários temas como: ninhos, sapatos, girassóis,
ciprestes, troncos, entre outros. Sendo essas algumas marcas para identificação de
seu trabalho.

Este trabalho não tem o objetivo de desconsiderar seus conflitos pessoais,


que também definem seu estilo, mas acima de tudo, além dos aspectos de
transcendência, realça os aspectos que mostram o apuro técnico, determinado por
uma vocação artística incontestável.

Para buscar subsídios, o autor desta pesquisa reportou-se a uma bibliografia


que abordasse tanto os aspectos artísticos como os psicológicos e que configurasse
o processo da criatividade, baseando-se nas experiências de vida, em sua
maturidade e prática.

Embora tenha feito uma catalogação geral, incluindo também temas sobre a
descrição da natureza, papel e reconhecimento do artista e opiniões a seu respeito,
foram estabelecidos como temas principais para análise: relações familiares, sociais
e afetivas, formação artística, artistas e obras comentadas, pensamento estético e
estado físico e emocional. Os outros temas foram incluídos na pesquisa a fim de
complementar ou acrescentar informações referentes aos itens selecionados. Para
facilitar a análise, foram feitas as compilações dos trechos selecionados.
100

Foram inseridas no trabalho algumas obras do pintor e de artistas


mencionados, procurando adequá-las ao conteúdo, levando a uma melhor
compreensão do texto, conforme pesquisa em livros e na internet.

Para dar maior ênfase aos assuntos e trazer para o plano da realidade as
questões teóricas, foram transcritos na pesquisa alguns trechos das cartas, de
acordo com a pertinência. Essa estratégia se mostrou interessante porque além de
facilitar a análise, sublinhando alguns pontos, criou uma espécie de diálogo ficcional,
entre o pesquisador e o analisado.

O método hipotético dedutivo desta pesquisa consistiu na formulação de


hipóteses que foram submetidas a um confronto com os fatos, ocorrências e
posicionamento teórico para sua confirmação, sem a pretensão de levar a certezas
absolutas. A intuição como um processo independente e autônomo teve um papel
importante porque contribuiu para o direcionamento de alguns rumos
preestabelecidos.

Complementando a pesquisa, o autor realizou uma viagem ao sul da França


para conhecer in loco a região que foi o cenário da pintura de Van Gogh nos últimos
anos de sua vida. No planejamento da viagem, estava incluso Avignon para
conhecer Saint-Rémy-de-Provence, onde está localizado o Hospital Psiquiátrico que
abrigou o artista nos anos de 1889 e 1890, sua geografia, natureza, clima e alguns
símbolos emblemáticos de seus trabalhos.

Por solicitação do seu irmão, Van Gogh dispunha além do seu quarto, um
aposento que servia de atelier, de onde avistava as lindas paisagens que
circundavam o hospital. No local, que já foi monastério, atualmente funciona um
hospital psiquiátrico onde se aplica muito apropriadamente a Arteterapia. O lugar é
bonito, sereno, os ambientes e os jardins são muito bem cuidados, conforme
mostram as fotos inclusas neste trabalho, tiradas pelo seu autor.
101

Tanto a arquitetura do hospital quanto a privilegiada natureza ao redor,


mantêm-se muito semelhantes ao que se vê nos quadros de Van Gogh. Foi
impressionante a vista do campo das oliveiras por conservar a magia e o
encantamento dos quadros pintado por Van Gogh. É tão forte esta experiência que
vários artistas visitantes se colocam à sua frente para desenhar e pintar, buscando
mais aproximação com o artista.

Localizado a 42 quilômetros ao norte de Paris, está o município de Auvers-


sur-Oise, onde Van Gogh viveu seus últimos dias. Vários pontos de Auvers contam a
história do pintor. Por ser um centro turístico muito visitado, existe uma maquiagem
muito pesada, mas mesmo assim revela a magia de uma arquitetura conservada de
casas de pedra, jardins, quintais e floreiras, típica dos quadros do pintor

As fotografias tiradas pelo autor desta pesquisa, colocadas ao lado das


obras do pintor (figuras 73 a 90), revelam seu encantamento pela cidade e a
necessidade de pintar. Evidencia-se a beleza do céu, o silêncio, o cantar dos
pássaros, o horizonte infinito, um modo de vida simples, apesar de estar muito
próximo de Paris. Essa vida calma, a natureza privilegiada, as construções de pedra
com tetos de palha traziam à sua lembrança as cidades e os campos da Holanda,
seu país natal.

Um grupo de americanos da terceira idade, irrequietos, com seus


equipamentos eletrônicos de última geração, observavam e registravam tudo, dando
a impressão de estarem visitando o local onde viveu e agonizou um santo
canonizado.

9.1 Saint-Rémy-de-Provence

Em Saint-Rémy-de-Provence, pequena cidade onde fica o Hospital que o


pintor se internou, o autor pôde comprovar toda a intensidade e sensibilidade da sua
pintura através da beleza de suas ruelas, construções de pedras e terras cultivadas,
102

como mostram as fotografias da cidade (figuras 71 a 73, 75 e 77) produzidas pelo


autor, fazendo referência às telas de Van Gogh com os mesmos motivos (figuras 74,
76 e 78).

.
Figura 71: Casa típica da cidade.

Figura 72: Vista de um canal da cidade.


103

Figura 73: Hospital psiquiátrico.

Figura 74: Artista: Van Gogh. Obra: Pinheiros e Figuras à frente do Hospice Saint Paul. Ano: 1889.
Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 58 x 45 cm. Acervo: Musée d’Orsay/Paris.
104

Figura 75: Pátio interno do hospital.

Figura 76: Artista: Van Gogh. Obra: O Pátio do Hospital em Arles. Ano: 1889. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 73 x 92 cm. Acervo: Coleção Oskar Reinhart/Wintherthur.
105

Figura 77: Jardim das Oliveiras.

Figura 78: Artista: Van Gogh. Obra: Olive Grove: Orange Sky. Ano: 1889. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 74 x 93 cm. Acervo: Goteborgs Konstmuseum/Goteborg.

9.2 Auvers-sur-Oise

Auvers-sur-Oise foi a cidade onde Van Gogh se instalou no final da vida para
receber tratamento do médico homeopata Paul-Ferdinand Gachet, artista, grande
admirador dos impressionistas e várias vezes retratado pelo pintor. A pequena
cidade ainda mantém o encanto e a magia, retratadas nos seus últimos quadros.
106

As fotografias a seguir, também produzidas pelo autor deste trabalho e aqui


inseridas com o propósito de ilustrar este tópico (figuras 79, 80, 81, 83, 85, 87, 89 e
91), também estão intercaladas às telas de Van Gogh (figuras 82, 84, 86,88 e 90)
buscando-se traçar um senso entre aquele momento do artista com o retrato atual
da cidade.

Figura 79: Quarto do pintor.

Figura 80: Entrada da casa Dr. Gachet.


107

Figura 81: Casa do Dr. Gachet.

Figura 82: Artista: Van Gogh. Obra: Rua em Auvers. Ano: 1890. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 73 x
92. Acervo: Ateneumin Taidemuseo/Helsinki.
108

Figura 83: Rua de Auvers.

Figura 84: Artista: Van Gogh. Obra: Ruas de Vilarejo com Degraus em Auvers, com Figures. Ano:
1890. Técnica: óleo s/tela. Dimensões: 49,8 x 70,1 cm. Acervo: Saint Louis Art Museum/St. Louis.
109

Figura 85: Igreja de Auvers.

Figura 86: Artista: Van Gogh. Obra: A Igreja de Auvers. Ano: 1890. Técnica: óleo s/tela. Dimensões:
94 x 74 cm. Acervo: Musée d’Orsay/Paris.
110

Figura 87: Campo de trigo.

Figura 88: Artista: Van Gogh. Obra: Campo de Trigo com Cotovia. Ano: 1887. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 34 x 65,5 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.
111

Figura 89: Campo de Trigo.

Figura 90: Artista: Van Gogh. Obra: Campo de Trigo com Flores. Ano: 1890. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 60 x 81 cm. Acervo: Fondation Beyeler – Riehen/Basel/Switzerland.
112

Figura 91: Cemitério de Auvers, onde estão enterrados Van Gogh e seu irmão Theo.
113

10 DUAS CARTAS A MAIS

No ano de 2009, o Museu Van Gogh colocou no ar o site Van Gogh Letters
(www.vangoghletters.org), por ocasião do lançamento de uma coleção com seis
volumes que contêm uma extensa correspondência do pintor. O site possibilita
acesso ao teor das cartas, desenhos incluídos nas mesmas, suas pinturas e de
outros artistas que são citados na correspondência.

O autor deste trabalho escolheu duas cartas que não haviam sido publicadas
no livro que o embasou. A primeira, datada de 21 de abril de 1882, quando residia
em Haia, o pintor revela uma personalidade frágil e delicada e de maneira sensível e
carinhosa queixa-se ao irmão sobre o tratamento desrespeitoso recebido do pintor
Mauve. A segunda carta, datada de 5 de outubro de 1889, morando em Saint-Rémy,
quase no final da vida, fala ao irmão sobre projetos de trabalho, aspectos da
natureza que tanto o sensibilizava e estudos futuros na Holanda.

Segue o teor da Carta 219 - de: Vincent Van Gogh para: Theo Van Gogh -,
local: Haia (Holanda), data aproximada: sexta-feira, 21 de abril de 1882 (VAN GOGH
LETTERS, 15/12/2009):

Meu querido Theo,

Às vezes, penso comigo mesmo: se minha vida fosse um pouco mais fácil,
quanto mais e melhor que agora, eu poderia trabalhar. Eu de fato trabalho,
como acho que você viu nos meus últimos desenhos, estou começando a
compreender como superar as dificuldades – mas veja quase nenhum dia
passa sem que alguma outra coisa apareça, além do esforço de desenhar,
o que já seria bastante difícil sem algo mais a suportar. E, veja, há
infelicidade que acredito, na verdade, não merecer – pelo menos não sei o
que fiz para merecê-la – e que eu gostaria muito de afugentar. Seja
114

bondoso e me diga com franqueza se você sabe alguma coisa sobre a


causa do que se segue, e pode esclarecer-me.

No final de janeiro – acho que uns 15 dias depois da minha chegada aqui, a
atitude de Mauve para comigo de repente mudou muito – tornou-se tão
inamistosa quanto havia sido amistosa. Atribuí isso à falta de satisfação
com o meu trabalho, e fiquei tão ansioso e agitado que caí num estado
extremamente perturbado e doente, como já lhe escrevi naquela época.
Mauve então veio me ver e me reassegurou que tudo ficaria bem,
encorajando-me.

Mas, numa noite, pouco tempo depois disso, ele começou a falar comigo de
novo, de uma maneira tão diferente, que me parecia que eu me defrontava
com outro homem. Pensei, ‘meu querido amigo, era exatamente como se
alguém tivesse derramado veneno no meu ouvido’ – na verdade,
maledicência – mas eu me encontrava no escuro quanto à origem do vento
venenoso.

Mauve começou a fazer coisas como imitar minha maneira de falar e meus
maneirismos, dizendo ‘olha só a cara que você faz’, ou ‘isso é bem o jeito
que você fala’, parecendo estar com raiva, mas ele é muito bom nisso, e
devo admitir que fosse uma impressionante caricatura de mim, se bem que
raivosamente desenhada.

Naquela ocasião, ele disse algumas coisas que, de outra maneira, H.G.T.
(Hermanus Gijsbertus Teersteg, marchand) costumava dizer a meu respeito.
E eu lhe perguntei: ‘Mauve, você viu Teersteg recentemente?’ Não, disse
Mauve. E continuou conversando, mas, cerca de 10 minutos mais tarde, ele
deixou transparecer que tinha visto Tersteeg, de fato, naquele mesmo dia.
Após isso, não consegui tirar Tersteeg da minha cabeça, e pensei: ‘será
possível, meu querido H.G.T. que vossa excelência está por trás disso?’ E
então escrevi uma carta curta, mas não sem polidez para H.G.T.

Deliberadamente, sem qualquer falta de polidez, eu lhe disse: Senhor, fico


muito infeliz quando isto ou aquilo é dito a meu respeito, por exemplo, ‘você
não ganha para seu sustento’ ou ‘’você é preguiçoso’. O Senhor deve
entender que coisas deste tipo são muito grosseiras para que eu as deixe
passar, e enfraquecem meu coração. Nos últimos anos, tenho tido
demasiados problemas por causa desse tipo de coisa, e me parece que
agora os problemas deveriam cessar.

Esta era a carta que H.G.T. relatou a você em sua primeira visita a Paris.
Quando ele voltou de Paris, fui vê-lo e lhe disse que esperava que me
perdoasse se falei algo sobre Vossa Excelência que não fosse aplicável,
pois que estava eu no escuro quanto à causa do meu problema. De
qualquer forma, ele ficou novamente amigável comigo – mas apesar disso
fui ver Mauve e Mauve continua pouco à vontade e bastante inamistoso.

E, algumas vezes, foi-me dito que ele não estava em casa, e, no final das
contas, havia todos os sinais de uma frieza indiscutível. Comecei a aparecer
por lá cada vez menos, e Mauve nunca mais veio me ver, apesar de não ser
tão longe.

O jeito que Mauve falava também se tornou tão acanhado, se é que posso
assim colocar, quanto era anteriormente abrangente. Antes de tudo, eu
tinha que desenhar a partir de moldes de gesso. Eu abomino desenhar com
base em moldes de gesso – no entanto, eu tinha algumas mãos e pés
pendurados no estúdio, que não eram para desenhar. Uma vez, ele me
115

falou a respeito de desenhar a partir de moldes de gesso, em um tom que


até o pior dos professores na academia não teria usado, eu mantive minha
paz, mas quando cheguei em casa, fiquei tão zangado sobre isso, que
joguei os pobres moldes de gesso, quebrados, dentro do depósito de
carvão. E aí pensei: ‘desenharei a partir de moldes de gesso quando vocês
tiverem se tornado inteiro e branco de novo, e não houver mais mãos e pés
de pessoas vivas para desenhar. E eu então disse a Mauve: ‘Meu, não me
fale mais de moldes de gesso, porque não aguento mais’.

Em resposta a isso, um bilhete de Mauve, dizendo que ele não queria mais
saber de mim por dois meses. E, de fato, ele não teve nada comigo durante
esses dois meses, mas durante esse período eu não fiquei quieto, embora
possa lhe assegurar que não estive desenhando a partir de moldes de
gesso e, devo dizer que trabalhei com mais ânimo e paixão, uma vez que
estava livre. Quando os dois meses estavam mais ou menos esgotados,
escrevi-lhe felicitando-o pela grande tela que havia acabado, e lhe falei uma
vez, brevemente, na rua.

Agora, os dois meses estão esgotados há muito tempo, mas ele ainda não
veio me ver. E coisas têm acontecido com H.G.T. que me estimularam a
dizer a Mauve ‘vamos apertar as mãos e deixar de guardar mágoa ou
qualquer rancor mútuo’, mas é muito difícil para você me orientar e muito
difícil para eu ser orientado por você, caso você exija ‘estrita obediência’ em
tudo que diz e eu não sou capaz de cumprir. De maneira que há um limite
para guiar e ser guiado. Isso em nada contribui para diminuir meu
sentimento de obrigação e gratidão para com você.

Mauve não me respondeu a isso, e não o tenho visto. O que me levou a


dizer a Mauve ‘devemos separar nossos caminhos’ foi aí que eu tive a prova
de que Tersteeg havia, de fato, influenciado Mauve.

Observei isso no próprio H.G.T., quando ele me contou que cuidaria para
que o dinheiro que você me manda fosse cortado: ‘Mauve e eu nos
asseguraremos que um ponto final seja colocado nisso.’ Eu então escrevi a
H.G.T. uma carta menos amigável do que a primeira – tomando o cuidado
de agradecê-lo por sua ajuda em me ’guiar’.

E então eu simplesmente lhe contei como me sentia Theo, porque, veja, eu


me lembrei que, naquela primeira noite, quando reconheci uma das
expressões de H.G.T., Mauve não admitia tê-lo visto. E eu pensei: Então,
Tersteeg, isso são ‘boas maneiras’, primeiramente cochichar algo de
venenoso no ouvido de Mauve e então procurar tirar de mim o único
provento que tenho? Eu não sabia que tais comportamentos são chamados
de ‘boas maneiras’, pensei que se chamassem TRAIÇÃO.

Theo, sou um homem com defeitos e infelicidades e emoções, mas não


acho que jamais tentei roubar alguém de seus meios de subsistência ou
solapar meus amigos. Algumas vezes, batalhei com alguém verbalmente
mas, veja, na minha opinião nenhum homem honesto interfere na vida de
alguém outro por causa de uma diferença de opinião, em todo caso essas
não são armas honestas. Você compreende agora porque eu às vezes fico
triste sobre muitas coisas, triste até o mais profundo da minha alma? E que
eu realmente não vou me dirigir a Mauve ou Tersteeg, mesmo que seja
sugerido que eu lhes peça perdão. Porque, no que concerne a Mauve, por
que ele não disse, como disse no começo, quando Teersteeg riu sobre eu
me tornar um pintor: ‘fique fora disso, porque você não conhece tanto sobre
essas coisas como eu conheço. No começo, ele fazia isso, como me contou
Weissenbruch (artista holandês). Como você vê Theo, isso é o que me dói
116

em Mauve, porque, mesmo que eu não queira mais saber sobre essa
‘orientação’ que ele oferece, eu gostaria na verdade de apertar sua mão de
novo, e desejo que ele quisesse fazer o mesmo. Você talvez saiba algo
sobre isso, que eu não saiba? Você, quem sabe, poderia me esclarecer
sobre essa questão? Dou-lhe o adeus,
Sempre seu,

Vincent

Perdoe-me por aborrecê-lo com isso, mas veja, estou tão no escuro. No
caso de pontos de vista diferentes sobre assuntos artísticos, não é justo, em
minha opinião, roubar alguém de seus meios de subsistência, ou tentar
voltar seus amigos contra ele, por razões que têm a ver com sua vida
privada.

Eu, uma vez, queria ralhar com uma pessoa que frequentemente recebia
pão de mim. Não, pensei, vou suportar isso dele, porque, de outra forma,
ele não terá nada para comer. Você compreende, mas pessoas com certos
comportamentos vêem coisas assim de um jeito diferente.

Tenho outro desenho de uma figura feminina com tristeza, só que maior, e
creio que melhor que a primeira. E estou trabalhando num desenho de uma
rua na qual os canos de esgoto, ou de águas, estão sendo escavados, ou
seja, mostra escavadores junto a um buraco.

Breitner ainda está no hospital e terá que ali permanecer talvez mais um
mês.

A seguir, a carta número 808, de Vincent Van Gogh para Theo Van Gogh, eu
irmão, datada de 05 de outubro de 1889, em Saint-Rémy-de-Provence (VAN GOGH
LETTERS, 15/12/2009):

Meu querido Theo,

Eu ansiava pela tua carta e então fiquei muito contente de recebê-la e de


ver através dela que você vai bem, assim como Jo e os amigos dos quais
você fala.

Quero lhe pedir que me mande, o mais cedo possível, os brancos que pedi,
e de ajuntar a essa remessa, acrescente a tela de cinco ou dez metros, do
jeito que achar melhor. Em seguida, devo começar a te comunicar uma
novidade que me causa bastante contrariedade. Acontece que houve,
durante a minha estada aqui, algumas despesas que eu acreditava que o
Sr. Peyron lhe havia comunicado, à medida que ocorriam, sendo que ele me
avisou outro dia que não o havia feito, de modo que isto se acumulou em
mais ou menos 125 francos, deduzindo os 10 que você havia enviado pelo
correio. Essas despesas foram para as tintas, as telas, as molduras e os
chassis, minha viagem outro dia para Arles, uma roupa e diversos
consertos.

Uso aqui duas cores, o branco de cerusa (alvaiade), e o azul comum, mas
em bastante quantidade, e a tela é do tipo não preparada e mais forte. Isso
117

cai muito mal, bem na época em que, de bom grado, eu teria repetido minha
viagem a Arles, etc.

Isto posto, vou lhe contar que temos tido alguns dias de outono soberbos e
que os tenho aproveitado. Tenho alguns estudos, entre eles um muro todo
amarelo sobre um terreno pedregoso, destacando-se sobre o azul de céu.
Nesse estudo, creio que você verá que eu encontrei o traçado de Monticelli.
Você terá recebido as telas enviadas que lhe expedi no sábado passado.

Estou muito surpreso em saber que o Sr. Isaacson quer fazer um artigo
sobre meus estudos. Com todo prazer, mas lhe peço que espere ainda, seu
artigo não há de perder absolutamente nada e, com mais um ano de
trabalho, espero, eu poderia colocar sob seu olhar coisas mais
características, com mais vontade no desenho, mais conhecimento de
causa quanto ao Midi provençal.

O Sr. Peyron foi muito bondoso em conversar sobre a minha questão


nesses termos – não me atrevi a lhe pedir que fosse a Arles nos dias que
correm, o que desejaria muito, crendo que ele desaprovaria. Principalmente
porque eu suspeitei que ele acreditasse numa relação entre minha viagem
precedente e a crise que a sucedeu e que ele seguiu de perto. O caso é que
lá há algumas pessoas que eu sentia, e sinto de novo, necessidade de
rever.

Mesmo não tendo aqui no Midi, como o bom reitor, uma amante que me
prenda, me ligo involuntariamente às pessoas e coisas.

E, por enquanto, provisoriamente, eu ainda permaneço aqui, e, como é


provável, aqui passarei o inverno – até a primavera – na bela estação talvez
não fique mais aqui. Isto dependerá principalmente da saúde.

Aquilo que você me diz a respeito de Auvers, é-me, entretanto, uma


perspectiva muito agradável, e, mais cedo ou mais tarde, sem procurar mais
longe, seria bom assegurar isso. Se eu for ao norte, mesmo supondo que
na casa desse Doutor não haja lugar, é provável que ele encontre, sob
recomendação do pai Pissaro e de você, uma alojamento dentro de uma
família, ou talvez num albergue. O principal é conhecer o médico, para que
não se caia, em caso de crise, nas mãos da polícia, para ser transportado à
força a um asilo.

E eu te asseguro que o Norte me interessará como um país novo. Mas,


enfim, por ora não há então nada que nos pressione, em absoluto.

Eu me condeno por estar tão atrasado na minha correspondência, gostaria


de escrever a Isaacson, a Gauguin e a Bernard. Mas, escrever não dá
sempre certo e, além disso, o trabalho pressiona. Sim, eu gostaria de dizer
a Isaacson que ele fará muito bem em esperar mais, pois aqui no meu
trabalho não há ainda aquilo que, com a continuação da saúde, espero
atingir. Não vale a pena mencionar qualquer coisa que seja a respeito do
meu trabalho atual. Quando voltar, a rigor, ele formará uma espécie de
conjunto ‘Impressões da Provence’.

Mas, o que ele quer dizer agora, quando ainda falta acentuar as oliveiras, as
figueiras, as vinhas, os ciprestes, todas as coisas características, da mesma
forma que as Alpinas, que devem atingir maior caráter. Como eu desejaria
ver isso que Gauguin e Bernard relatam!
118

Tenho um estudo de dois choupos amarelados sobre um fundo de


montanhas, e uma vista do parque local, sob efeito do outono, em que há
um pouco de desenho mais ingênuo e mais – à vontade.

Enfim, é difícil deixar um país, antes de provar alguma coisa que sentimos e
amamos. Se eu voltar ao Norte, proponho-me a fazer um monte de estudos
de grego, você sabe, estudo pintados com branco e azul e um pouco de
alaranjado, somente como a céu aberto. Preciso desenhar e procurar estilo.

Ontem eu vi, na casa do capelão local, um quadro que me causou forte


impressão. Uma senhora provençal, com rosto inteligente e de raça, vestida
em vermelho. Uma figura como aquelas nas quais pensava Monticelli. Ali
não faltavam grandes defeitos, mas havia simplicidade, e como é triste ver o
quanto a desvalorizam aqui, da mesma forma como nós o fizemos na
Holanda.

Escrevo-lhe com pressa, para não mais tardar em responder à sua boa
carta, esperando que você escreva de novo, sem demorar muito. Eu ainda
vejo muitos bons motivos para o amanhã – nas montanhas.

Muitas lembranças para Jo e para os amigos, sobretudo agradeça ao pai


Pissaro pelas suas explicações, que certamente serão úteis.

Apertando as tuas duas mãos, creia-me,

Vincent
119

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por diversas vezes o autor se perguntou sobre o sentido deste trabalho, ao


tomar conhecimento da imensa bibliografia existente sobre Van Gogh. Tinha a
impressão de estar pisando num terreno muito mexido e sentia certo receio ao
adentrar naquilo que já havia sido explorado.

Por um estilo pessoal de se envolver somente durante a imersão, esta


impressão foi superada. Contar uma história não significa repetir os fatos, mas sim
dar a ela as cores que a sua percepção capta. E assim se deu a elaboração deste
trabalho, sem a pretensão de ser absolutamente inovador, mas sim de selecionar,
ressaltar e analisar os pontos que considerados mais significativos nesta história,
para o autor.

Ao finalizar este trabalho, vale ressaltar as alegrias e tensões, que sempre


estiveram juntas, não dando brechas para o relaxamento do compromisso do autor.

Durante o processo, vários momentos foram intensamente vividos. No início


uma aproximação cuidadosa, buscando ainda uma sintonia com o tema. Na medida
do aprofundamento na bibliografia e nas imagens, foram descobertos elos, e ao
mesmo tempo o processo foi proporcionando maior prazer e confiança. Percebeu-se
também que se por um lado o excesso de informação existente contribui para o
conhecimento, por outro, gera dúvidas, ao encontrar disparidades e muita
especulação. Tomou-se muito cuidado ao discriminar o factual do ficcional, o
realismo do sensacionalismo, aspectos a que sua vida dramática tanto induz.
120

Van Gogh desperta muita curiosidade nas pessoas, em parte pelo


sensacionalismo que ronda sua pessoa, porém a beleza da sua obra também é
reconhecida. É raro encontrar alguém que não admire seu trabalho e é comum
encontrar uma cópia desse trabalho na parede de algum ambiente, mesmo que não
evoque tranquilidade.

Muito se sabe sobre as desgraças e pouco sobre as graças de Van Gogh,


que emitem beleza, pureza e elegância. Daí a proposta deste trabalho, quanto a
divulgar a impressionante lucidez e a consciência do artista a respeito de si, e
principalmente daquilo que ele se propôs a realizar em vida, que é a sua pintura. A
magia dos seus quadros tem histórias, felizmente contadas por ele mesmo através
das suas cartas. Eliminar o estereótipo é impossível porque a lucidez e a loucura
caminham juntas e na realidade sua genialidade precisou delas para se afirmar.

Em meio à complexidade de tantas informações às vezes o próprio autor


desta pesquisa se perdeu frente às próprias contradições do artista, sendo levado
pelo turbilhão das suas ideias e concepções estéticas. Não foi fácil selecionar os
trechos escritos por Van Gogh, porque tudo parecia ser interessante e fazer sentido,
gerando frustração com o descarte. Mas não se pode deixar de mencionar que foi
prazeroso lidar com imagens tão belas e com trechos tão positivos, servindo de
ajuda eventual.

É difícil entender o processo de um artista que sem o reconhecimento social


não deixasse máculas de indignação e protesto na sua obra. Somente um espírito
determinado e persistente poderia fazê-lo.

Somos hoje o que éramos ontem. Isto não significa que se deva marcar
passo, e não tentar desenvolver-se, ao contrário, há uma razão imperiosa
para fazê-lo e para buscá-lo. Mas para permanecermos fiéis a estas
palavras, não podemos recuar, e quando começamos a considerar as
coisas com um olhar livre e confiante, não podemos voltar atrás e nem
hesitar. (VAN GOGH, 2002, p.27)
121

Não será aqui, nas considerações finais, que será assegurada a


intencionalidade do autor, se o fez, já está no bojo do trabalho, mas vale ressaltar a
palavra lucidez conforme está escrito no dicionário. Significa brilho, capacidade de
conhecer, compreender e apreender, inteligência, consciência, perspicácia, clareza
dos sentidos ou das percepções.

Van Gogh demonstra lucidez quando fala dos seus projetos e suas
intenções; tinha a capacidade de compreender e selecionar os pontos principais a
respeito do que lia e observava nas obras dos artistas; era claro nas descrições dos
seus trabalhos e criticava com fundamento as estruturas sociais do seu tempo.

Você deve saber que entre os missionários acontece o mesmo que com os
artistas. Há uma velha escola acadêmica muitas vezes execrável, tirânica, a
abominação da desolação, enfim, homens que têm uma espécie de
couraça, uma armadilha de aço de preconceitos e convenções; estes
quando estão à testa dos negócios, dispõem dos cargos e, por meios
indiretos, buscam manter seus protegidos e excluir os homens naturais [...].
Este estado de coisas tem seu lado ruim para quem não está de acordo
com tudo isto, e que de toda sua alma, de todo coração, e com toda
indignação de que é capaz, protesta contra isto. Quanto a mim, respeito os
acadêmicos que não são como estes; mas os respeitáveis são mais raros
do que acreditaríamos à primeira vista. Agora, uma das causas pelas quais
eu estou agora deslocado – e por que durante tantos anos estive deslocado
– é simplesmente porque tenho idéias diferentes das desses senhores que
dão cargos àqueles que pensam como eles. Não se trata de uma simples
questão de asseio, como hipocritamente me censuraram, é uma questão
mais séria que isto, posso lhe garantir. (VAN GOGH, 2002, p.47)

No trabalho artístico, demonstra controle sobre seus conflitos e lucidez. No


aspecto cultural, foi fortemente influenciado por padrões sociais com os quais não se
adaptou.

Shapiro afirma que alguns artistas desta época buscavam ideias antigas da
religião e formas comuns da vida como reação às transformações sociais do final do
século 19.
122

A pintura que sucedeu ao Impressionismo nos revela que, para a nova


geração, os valores que nas décadas de 1860 e 1870 tinham induzido uma
atitude mais confiante, um sentimento de independência, força e alegria, por
volta de 1885 se tornaram-se obstáculos ao conhecimento de si mesmo e à
compreensão da sociedade. (SHAPIRO, 2002, p.335-336)

É significativo ainda acrescentar a afirmação de Kandinsky em seu famoso


ensaio A Propósito do Espiritual em Arte: “Cada época recebe sua própria dose de
liberdade, e nem mesmo o mais criador dos gênios consegue transpor as fronteiras
desta linguagem.” (JUNG, 1977, p.250)

É importante ressaltar também alguns aspectos relevantes que estão na


carta de 5 de outubro de 1889, a aproximadamente dez meses da sua morte.
Comprometido pela doença, fala das estações do Midi e da dificuldade em sair de lá,
da consciência de ser um peso ao irmão, da necessidade do tratamento em Auvers,
de projetos e aperfeiçoamento do trabalho e planos para retomada do estudo do
grego, mostrando estar sob o domínio das suas faculdades mentais, sociais e
afetivas.

Este trabalho muito ensinou, não só sobre História da Arte, mas também
sobre a Psicologia e seu inter-relacionamento com a Cultura. Das alegrias e tensões
mencionadas, mexer na vida desse homem foi uma delas, pois abriu algumas
fendas na memória do autor, e isso foi muito bom. Como foi bom também poder
juntar o mosaico das imagens com os textos. Fazendo-o sentir como se estivesse
vasculhando um baú com cartas e fotografias do passado.

Finalizar um trabalho significa dar um termo, fechar uma porta. Fazer isso
não é fácil porque gera uma angústia ao pensar que se poderia ter dado mais, ou
por simplesmente não querer abrir mão daquilo que havia dado prazer. Assim foi
difícil começar e terminar. O que leva a pensar que talvez algumas pessoas
finalizem algo abrupta e repentinamente, como Van Gogh o fez.
123

O último trabalho comentado no livro data de uma carta de 23 de julho de


1890. Nela, Van Gogh fala sobre uma pintura do Jardim de Daubigny (figuras 92 e
93). Quatro dias depois, dia 27, ocorreu o suicídio e dois dias depois, dia 29, ele
morreu.

Talvez você veja este esboço do jardim de Daubigny – é uma das minhas
telas mais trabalhadas -, [...] O Jardim de Daubigny; primeiro plano de relva
verde e rosa. À esquerda, um arbusto verde e lilás e um tronco de planta
com folhagens esbranquiçadas. No meio, um canteiro de rosas, à direita
uma sebe, um muro e, em cima do muro, uma aveleira com folhagem
violeta. A seguir uma sebe de lilases, uma fileira de tílias arredondadas
amarelas, a casa em si ao fundo, rosa, com teto de telhas azuladas. Um
banco e três cadeiras, uma figura negra com chapéu amarelo e no primeiro
plano um gato preto. Céu verde pálido. (VAN GOGH, 2002, p.419)

Figura 92: Artista: Van Gogh. Obra: Jardim de Daubigny com Gato Preto. Ano: 1890. Acervo: Museu
Van Gogh/Amsterdã.
124

Figura 93: Artista: Van Gogh. Obra: Jardim de Daubigny. Ano: 1890. Técnica: óleo s/tela. Dimensões:
50 x 101,5 cm. Acervo: Collection R. Staechelin/Basel.

Não se sabe qual seria seu último trabalho, pois nenhuma carta é conhecida
como pertencente ao período imediatamente antecedente à sua morte. Muitos
consideram a obra Campo de Trigo com Corvos (figura 94) como o último, pelo seu
conteúdo expressivo, por acentuar caminhos cortados e um clima dramático, com
prenúncios óbvios de seu fim. Outra hipótese seria Raízes de Árvores (figura 95),
porém não se tem provas quanto a isso. (MUSEU VAN GOGH, 19/01/2010)

Figura 94: Artista: Van Gogh. Obra: Campo de Trigo com Corvos. Ano: 1890. Técnica: óleo s/tela.
Dimensões: 50,5 x 103 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.
125

Figura 95: Artista: Van Gogh. Obra: Raízes de Árvores. Ano: 1890. Técnica: óleo s/tela. Dimensões:
50 x 100 cm. Acervo: Museu Van Gogh/Amsterdã.

O suicídio:

O suicídio antecipa a desintegração da personalidade e lhe poupa o


sofrimento da profunda decomposição que lhe vai provocar o retorno aos
Países Baixos, que Theo acaba de lhe anunciar. Este fim de vida provocado
torna-se para ele uma promessa de paz. Este fim explica sua atitude final
lúcida e calma. Ele recebe suas últimas visitas em seu leito, continuando a
preencher seu cachimbo, ao mesmo tempo em que está se esvaziando dos
últimos momentos de vida e de seu sangue. Cada vez mais espaçadas, as
baforadas de fumaça [...] até sua última inspiração terrestre’. No
sepultamento estavam presentes Theo, Lucien Pissarro, Emile Bernard,
Pére Tanguy e Doutor Gachet. (BOULON, 2006 p.27).

O mito eterno:

Van Gogh representa aquilo que nos consultórios nos assombra pelo que a
vida mostra de mais cruel: o medo da rejeição e da morte. Sempre haverá espaços
para Van Gogh porque ele é um mito eterno. Por um lado, representa as injustiças
que corroem as estruturas sociais e células doentes formadas por endividados,
alcoolizados, contaminados, rejeitados, em busca de ajuda por conviver, às vezes,
com realidades tão aversivas. Por outro lado, sempre haverá pessoas que se
encantam com um clarão no céu e um pequeno galho de flor brotando, como válvula
para liberar a sua pressão interna. Alguém que diante da insuportável dor da
126

rejeição e de sentimentos, na contramão da vida utiliza-se da arte como meio para


se comunicar e ultrapassar os limites do estritamente humano.

A última imagem:

Boulon (2006 p.27) revela beleza, emoção e intimidade com a obra de Van
Gogh ao imaginar a última criação do pintor.

Eu o imagino assim: animadas por seus últimos suspiros, as asas de todos


os moinhos da Holanda, da Colina de Montmartre e da Provence, animam-
se simultaneamente com os astros da Noite Estrelada e os traços de Theo
na Constelação do Pastor.

Traduzindo sua emoção mal-contida, lágrimas de orvalho matinal rolam


sobre as faces das amendoeiras em flor invadidas pela tristeza, mas
também respeitosas à última decisão de Vincent

Em corpo de baile, os girassóis no campo ensolarado esboçam a reverência


final.

Por sua vez, os moinhos saúdam o artista, inclinando-se graciosamente.


Juntos, eles desaceleram progressivamente seus movimentos, como os
arcos de um coral de violinos sob o impulso de diminuendo de seu maestro,
que deixa a cena desaparecendo por detrás da cortina vermelha, decorada
como uma constelação.

Como sinal de recordação, o tapete de íris, apesar de suas cores enlutadas,


retoma seus batimentos de pétalas numa apoteose de aplausos, até que as
nuvens dos céus tormentosos, testemunhas dos ferimentos profundos da
alma mortificada de Vincent, fundem-se no azul profundo azul-cobalto puro,
azul infinito de ‘Vincent da alma azul’.
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