Você está na página 1de 26

O GÊNERO ROMANCE

&
VIDAS SECAS
Graciliano Ramos

Felipe Hilan Guimarães Santos

Rodrigo Joventino Rodrigues


APORTE TEÓRICO

ROMANCE:
Alfredo Bosi
Massaud Moisés
OBRA:
Vidas Secas,
de Graciliano Ramos
O CAMPO SEMÂNTICO DE “ROMANCE”

A circulação do vocábulo no Período Medieval:

- Um dialeto originado ou do provençal romans, ou de romanice. O falar romance tornou-se


a língua dos povos sob o domínio romano (falar popular).

- Tipo de composição literária: cunho popular e folclórico. Eram obras de caráter imaginativo
e fantasista em prosa e verso.
HISTÓRICO DO ROMANCE
O MOVIMENTO DO ROMANTISMO:

“Aparece no Romantismo, revolução cultural originária da Escócia e da Prússia. O romance


se coadunava perfeitamente com o novo espírito, implantado em consequência do desgaste
das estruturas socioculturais trazidas pelas Renascença” (MOISÉS, 1997).

O MOLDE DO ROMANCE:

“A poesia populariza-se, abandonando o exclusivismo dos salões aristocráticos e as cortes


amaneiradas. Com isso, o romance passa a representar o papel antes destinado à epopeia, e
objetiva o mesmo alvo: constituir-se no espelho dum povo, a imagem fiel duma sociedade”
(MOISÉS, 1997).
A METAMORFOSE DO ROMANCE:

- De aspectos puramente narrativos e relatados para projeções introspectivas.

- A tentativa de abranger a totalidade mundo: do consciente até o inconsciente.

“O romance emaranha-se ainda mais e assume o viés trágico que decorre de ser a epopeia
dos tempos modernos” (MOISÉS, 1997).
CONCEITOS

ROMANCE:

- Recria a realidade, recompõe-na, reconstrói o fluxo da existência com meios próprios.

- Metaforiza a amplitude e profundidade da visão da realidade.

- Projeta uma mundividência macroscópica.


OBRA
VIDAS SECAS, DE GRACILIANO RAMOS:
- Contexto do Modernismo: “um convite à introspecção far-se-ia com o esteio da
Psicanálise” (BOSI, 2006, p. 416).

- O romance moderno: a figura do “herói problema” em tensão com as estruturas


degradadas vigentes na sociedade – oposição ego/sociedade que funda a forma
romanesca (BOSI, 2006, p. 417).

- O romance da década de 30 aos dias atuais: romance de tensão mínima, tensão crítica,
tensão interiorizada e tensão transfigurada. – O herói se opõe e resiste às pressões da
natureza e do meio social. Possui um mal-estar permanente. (BOSI, 2006, p. 419).

- Publicação: 1938. “O realismo de Graciliano Ramos não é orgânico nem espontâneo. É


crítico. O ‘herói’ é sempre um problema: não aceita o mundo, nem os outros, nem a si
mesmo.
ESTRUTURA DO GÊNERO ROMANCE
AÇÃO:
- Apresenta uma pluralidade dramática: série de conflitos e dramas.

- Possui uma estrutura vertical (espiral) que é aberta em todas as direções.

- Apresenta uma simultaneidade dramática.

- Tenta moldar o caos do mundo, o que acarreta no manuseio de símbolos polivalentes.

“O romancista, ao eleger a porção de realidade que pretende analisar, procede como


base nesse entrelaçamento dramático: reduz o campo de observação para melhor
compreender, estribando-se na afinidade dos conflitos” (MOISÉS, 1997, p. 174).

NÃO SÃO CASOS INDIVIDUAIS,


MAS EXPRESSÕES PESSOAIS DE DRAMAS COLETIVOS
AÇÃO NA OBRA:

• Saída em busca de uma nova chance: “Na planície avermelhada os juazeiros alargavam
duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e
famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na
areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma
sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga
rala” (RAMOS, 2005, p. 5).

• Choque entre realidades: “Sinha Vitória desejava possuir uma cama igual à de seu Tomás
da bolandeira. Doidice. Não dizia nada para não contrariá-la, mas sabia que era doidice.
Cambembes podiam ter luxo?” (RAMOS, 2005, p.11).
ESTRUTURA
ESPAÇO:
- Caracteriza-se pela pluralidade geográfica (deslocamento topográfico= exposição do
drama).

- O espaço, às vezes, tem importância essencial por assumir papel decisivo na


configuração da personagem (a relação entre espaço e personagem).

“Num extremo, pode fazer que as personagens viajem constantemente, e noutro, que fiquem
encerradas numa casa e mesmo num só cômodo. Dentro dessas fronteiras, o romancista caminha
à vontade (liberdade integral). Entretanto, há que ponderar o seguinte: quanto mais desloca
topograficamente as personagens, mais fica sujeito a fazer um exame rápido e superficial do seu
drama, sem o qual o romance não se organiza. E como o deslocamento físico implica novas
aventuras, o narrador corre o risco de prender-se mais ao anedótico que ao dramático” (MOISÉS,
1997, p. 176).
ESPAÇO NA OBRA:
• Descrição da paisagem que os cercavam enquanto ainda vagavam sem rumo: “A catinga
estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O
vôo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos” (RAMOS, 2005,
p.5).
• Fazenda abandonada encontrada no caminho: “Estavam no pátio de uma fazenda sem
vida. O curral deserto, o chiqueiro das cabras arruinado e também deserto, a casa do
vaqueiro fechada, tudo anunciava abandono. Certamente o gado se finara e os moradores
tinham fugido” (RAMOS, 2005, p. 10).
• Momento em que a família se encontra na igreja: “Fabiano estava silencioso, olhando as
imagens e as velas acesas, constrangido na roupa nova, o pescoço esticado, pisando, em
brasas. A multidão apertava-o mais que a roupa, embaraçava-o. De perneiras, gibão e
guarda-peito, andava metido numa caixa, como tatu, mas saltava no lombo de um bicho e
voava na catinga” (RAMOS, 2005, p. 41).
ESTRUTURA
TEMPO:
- O romancista planeja o tempo à sua maneira para produzir humanidade no interior da obra.

- Três modalidades básicas de tempo:


Tempo Metafísico ou Mítico

Tempo Histórico Tempo do ser, tempo


ontológico, tempo coletivo,
Tempo objetivo, tempo que sempre volta,
contado pelo relógio de idêntico e inesgotável.
acordo com as Tempo Psicológico
mudanças regulares da
Tempo subjetivo
natureza.
cronometrado por
sensações, ideias,
pensamentos, vivências.
TEMPO NA OBRA:
• Tempo histórico – Decorrer de alguns dias: “Apossara-se da casa porque não tinha
onde cair morto, passara uns dias mastigando raiz de imbu e sementes de mucunã.
Viera a trovoada” (RAMOS, 2005, p. 40).
• Tempo psicológico – Lembrança de um período de extrema necessidade da família:
“Olhou os pés novamente. Pobre do louro. Na beira do rio matara-o por necessidade,
para sustento da família. Naquele momento ele estava zangado, fitava na cachorrinha
as pupilas sérias e caminhava aos tombos, como os matutos em dias de festa. Para
que Fabiano fora despertar-lhe aquela recordação?” (RAMOS, 2005, p. 23).
• Tempo metafísico ou mítico - Fabiano se vê preso a um trabalho que não pode suprir
suas próprias necessidades: “Fabiano tinha a certeza de que não se acabaria tão cedo.
Passara dias sem comer, apertando o cinturão, encolhendo o estômago. Viveria muitos
anos, viveria um século,. Mas se morresse de fome ou nas pontas de um touro, deixaria
filhos robustos, que gerariam outros filhos” (RAMOS, 2005, p. 20).
• Tempo metafísico ou mítico – Fabiano e família em busca de nova terra e de nova esperança: “Pouco a
pouco uma vida nova, ainda confusa, se foi esboçando. Acomodar-se-iam num sitio pequeno, o que
parecia difícil a Fabiano, criado solto no mato. Cultivariam um pedaço de terra. Mudar-se-iam depois
para uma cidade, e os meninos frequentariam escolas, seriam diferentes deles. Sinha Vitória
esquentava-se [...] As palavras de Sinha Vitória encantavam-no. Iriam para diante, alcançariam uma
terra desconhecida. Fabiano estava contente e acreditava nessa terra, porque não sabia como ela era
nem onde era. Repetia docilmente as palavras de Sinha Vitoria, as palavras que Sinha Vitória
murmurava porque tinha confiança nele. E andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade
grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias.
Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia. Que iriam
fazer? Retardaram-se, temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos
nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes,
brutos, como Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos.
ESTRUTURA
ROMANCES DE TEMPO:
- HISTÓRICO: dos começos, no século XVIII, com Henry Fielding, até Proust, com influências
de Balzac.
Um tempo linear, horizontal, visível ao leitor;

Um tempo que segue uma ordem cronológica.

- PSICOLÓGICO: de Proust aos nossos dias.

Traz a ideia de fluxo ininterrupto;

O papel da memória: presente-presente (tempo vivo) e presente-passado (camadas/associações);

O tempo da narrativa é diferente do tempo da personagem.


ESTRUTURA
TIPOLOGIA DAS PERSONAGENS:
1) Quanto à sua proeminência no desenrolar da narrativa:

Protagonistas e antagonistas.

2) Quanto à sua universalidade:

Personagens planas e redondas.

3) Quanto à sua simbologia:

Tipos, caricaturas, caracteres e símbolos.


ESTRUTURA
PERSONAGENS:
“O drama das personagens assume caráter universal, decorrente que é de inquietudes
perenes, como a condição humana, o sentido enigmático da vida, o ser e o não ser, etc., ou de
situações históricas universalizadas, como a fome, as catástrofes, a escravidão, a opressão, etc.”
(MOISÉS, 1997, p. 167).

- São “pessoas” que vivem dramas e situações à semelhança do ser humano


(sugestões/máscaras).

- Há uma espécie de hierarquia dramática. REDONDAS


I
PLANAS N Tridimensionais, dinâmicas, com
- Podem ser: T características reveladas no decorrer da
E
Bidimensionais, estáticas, sem R
narrativa;
profundidade e caracterizadas por uma C
qualidade (tipo ou caricatura); Â As coisas se passam dentro delas
M (disponibilidade psicológica);
B
As coisas acontecem a elas e não dentro I
delas; O Obedecem aos impulsos interiores;

Compõem o “eu” social, o “eu” coletivo. Podem se transformar em símbolos.


PERSONAGENS DA OBRA:
• Planas: “Arrastaram-se para lá, devagar, Sinha Vitória com o filho mais novo escanchado no
quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia
pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino
mais velho e a cachorra Baleia iam atrás” (RAMOS, 2005, p. 5).
• Redondas: Mais uma vez o choque de realidades faz o protagonista refletir – “Em horas de
maluqueira Fabiano desejava imitá-lo: dizia palavras difíceis, truncando tudo, o convencia-se
de que melhorava. Tolice. Via-se perfeitamente que um sujeito como ele não tinha nascido
para falar certo” (RAMOS, 2005, p. 11).
• Redondas: A postura da cachorra Baleia – “Baleia, imóvel, paciente, olhava os carvões e
esperava que a família se recolhesse. Enfastiava-a o barulho que Fabiano fazia. [...] Ali, a beira
do fogo, para que tanto grito? Fabiano estava-se cansando a toa. Baleia se enjoava, cochilava e
não podia dormir. Sinhá Vitória devia retirar os carvões e a cinza, varrer o chão, deitar-se na
cama de varas com Fabiano. Os meninos se arrumariam na esteira na sala. Era bom que a
deixassem em paz. O dia todo espiava os movimentos das pessoas, tentando adivinhar coisas
incompreensíveis. Agora precisava dormir, livrar-se das pulgas e daquela vigilância a que a
tinham habituado”.
ESTRUTURA
- Apresenta uma naturalidade estética e não real.
LINGUAGEM:
- Principais expedientes romanescos:
Diálogo Descrição

Direto, indireto, Enumeração dos caracteres


indireto livre, Narração das pessoas e coisas.
monólogo e Dissertação
descrição onisciente. Sequência de ações. O romance de tempo histórico
emprega a descrição Exposição de ideias.
No romance de tempo minuciosa.
histórico, a presença é Pode ser explícita ou
maior. No romance de tempo pode se camuflar.
psicológico, os elementos se
No romance de tempo apresentam ao desenrolar da De moralizante a
psicológico, diminui obra. uma natureza ética.
consideravelmente por
causa do ambiente mais
ou menos abstrato.
ESTRUTURA
LINGUAGEM:
• Diálogo: “Mas um dia sairia da toca, andaria com a cabeça levantada, seria homem. - Um
homem, Fabiano. Coçou o queixo cabeludo, parou, reacendeu o cigarro. Não, provavelmente
não seria homem: seria aquilo mesmo a vida inteira, cabra, governado pelos brancos, quase
uma rês na fazenda alheia” (RAMOS, 2005, p. 12).
• Narração: “Fabiano percorreu as lojas, escolhendo o pano regateando um tostão em côvado,
receoso de ser enganado. Andava irresoluto, uma longa desconfiança dava-lhe gestos
oblíquos. A tarde puxou o dinheiro, meio tentado, e logo se arrependeu” (RAMOS, 2005, p. 14).
• Descrição: “Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se
a chorar, sentou-se no chão. [...] – Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. [...] A catinga
estendia-se [...] O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos. [...]
– Anda, excomungado. [...] O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o
coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. [...] Certamente esse
obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar,
não sabia onde. Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que
pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.” (RAMOS, 2005, p. 5).
LINGUAGEM:
“A mundividência dum escritor não lhe determina o uso explícito das dissertações, mas
pressupõe que estas se localizem em sua base. Não mais a evidência científica preconizada
pelos realistas e naturalistas, não mais a apologia duma arte destinada a propagar ideias, mas
uma arte que defende certas ideias contemporaneamente com o ato de pensar o mundo e
desvendar-lhe os mistérios. Seria como se a ficção se valesse de metáforas, símbolos, etc., para
transmitir uma mundividência que doutra forma se minimizaria ou não se transmitiria”
(MOISÉS, 1997, p. 223).
ESTRUTURA
PLANOS NARRATIVOS:
Em todo romance se descortinam os seguintes planos:
PLANO EXTRÍNSECO
Relações da obra ao contexto social;

À biografia do autor;

À história literária, etc. PLANO FORMAL


Relacionado à linguagem, ao diálogo, etc;

À técnica de estruturação dos capítulos, PLANO INTRÍNSECO


caracterização das personagens, etc. Ideias, temas e problemas;

Aponta as camadas interiores.

Plano consciente e inconsciente.


ESTRUTURA
PONTO DE VISTA/FOCO NARRATIVO:

“O romancista pode utilizar vários pontos de vista numa mesma obra, certo de estar enriquecendo as
possibilidades de acesso aos dramas focalizados, e de oferecer um painel humano mais diversificado e
amplo” (MOISÉS, 1997, p. 283).

- Na mundividência do Romantismo, o foco dá-se na terceira pessoa e pressupõe um cosmos


inamovível, cristalizado.

- No Realismo, a terceira pessoa corresponde à impessoalidade do laboratório científico.


PONTO DE VISTA/FOCO NARRATIVO:

- Há um salto na produção literária na direção do romance psicológico e introspectivo: o uso da


primeira pessoa na tentativa de conhecer o “eu” subterrâneo. Também há a terceira pessoa
em introspecção.

“Mais do que expediente narrativo, o ponto de vista empregado traduz o desacordo com o ludismo
romântico e com o cientificismo realista, em favor do compromisso com o próprio homem, onticamente
considerado” (MOISÉS, 1997, p. 288).

DO ROMANCE MONOFÔNICO TRADICIONAL AO ROMANCE SINFÔNICO MODERNO.


ESTRUTURA
TIPOS DE ROMANCE: Edwin Muir classifica em três tipos fundamentais:
Romance de Ação
Romance de Personagem
O enredo possui lugar especial na obra; a
ênfase é para os acontecimentos, os Os protagonistas tomam o lugar preferencial
episódios; maior destaque à intriga; na obra; a ação lhes é subserviente;

É superficial do ponto de vista psicológico; As personagens tornam-se composição dum


clima moral ou social (imagem dos modos
As personagens se encontram estáticas à de existência).
mercê dos acontecimentos.

Romance de Drama

A personagem e o acontecimento são inseparáveis, por isso


as mudanças influenciam um ao outro;

A personagem sofre metamorfose e a ação não se localiza


fora dela, mas sim dentro;

A personagem se realiza por um caráter sinfônico e sua


imagem é oferecida como modos de experiência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 43ª ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
MOISÉS, MASSAUD. A Criação Literária. 15ª ed. São Paulo: Cultrix, 1997.
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 2005.

Você também pode gostar