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A PARÓDIA ENTRE A ALIENAÇÃO E A SEPARAÇÃO: ANÁLISE DE MANUSCRITOS

DE ALUNOS EM TRANSIÇÃO DE CICLO.

A partir da análise de um conjunto de manuscritos escolares, este artigo apresenta uma


reflexão sobre a paródia como estratégia nas atividades de produção de texto. Parte-se da
hipótese de que, no final do ensino fundamental I (10 a 11 anos), a parodização de contos de
fadas, fábulas e outros gêneros do repertório infantil pode ser uma estratégia que, além de
contribuir com a reformulação do imaginário infantil, enriquece a produção textual tanto
quantitativa (os alunos escrevem mais) quanto qualitativamente (os alunos ampliam suas
possibilidades discursivas).
Outro objetivo desse trabalho é discutir a paródia a partir de uma perspectiva que leve em
conta a dimensão psíquica do fenômeno, no caso, pretendemos aproximar esse conceito
literário e discursivo dos conceitos de “alienação” e “separação” criados por LACAN (1993)
no Seminário XI (1964). Justifica-se a importância dessa aproximação conceitual a partir da
constatação de que a entrada da criança na linguagem se dá a partir de um processo de
alteridade em que os movimentos de “alienação” e “separação” põem em jogo a própria
dinâmica subjetiva da linguagem (LACAN , 1993, LEMOS, 2002b). Daremos aqui um
exemplo no campo da escrita: quando a criança começa a dominar o sistema alfabético,
podemos observar dois posicionamentos subjetivos, uma atitude de extrema alienação às
demandas do funcionamento do sistema (a criança lê silabando, aderindo ao código como se
tivesse medo de perder suas correlações, ou seja, lê conferindo cada sílaba, cada letra) o que a
faz perder o sentido geral do texto que está sendo lido; por outro lado, também podemos
detectar posições subjetivas em que a “separação” intervém e o fluxo da leitura se dá a partir
de uma dinâmica intertextual e interdiscursiva1.
A interpretação psicanalítica permite pensar o processo a partir de uma perspectiva mais
ampla, que engloba a relação de alteridade e de subjetividade. Podemos dizer que, no exemplo
apresentado, temos aí uma subjetividade de entre-textos, ou seja, uma subjetividade que
emerge nos espaços intertextuais e interdiscursivos. Em outras palavras, dois processos estão
em jogo: uma fixação atenciosa à letra – como se a criança respondesse a uma demanda de
um outro (pais, professores, normas escolares) - a que chamamos “alienação”; um
deslocamento motivado pela evocação de memórias anteriores e, entre os dois processos,

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Em nossa pesquisa (BELINTANE, 2010), perguntávamos à criança por que ela lia devagar, marcando cada
2 sílaba com a voz. A resposta, em geral, era “é preciso ler bem devagar pra não errar”. Interessante que mesmo
3 letras bem conhecidas, como a vogal A, são, em geral, pronunciadas com uma longa duração, num processo de
4 adesão à letra.

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imaginamos um hiato, um espaço, que permite o entrecruzamento do que o texto propõe e dos
fragmentos que se originam dessas memórias – é a produção desse espaço que chamaremos
“separação”2. Como se verá adiante, tentaremos reler a estratégia da paródia a partir desse
eixo conceitual.
Escolheu-se o quinto ano do Ensino Fundamental I (9,5 a 10,5 anos) como campo de pesquisa
justamente por se tratar de uma transição entre ciclos escolares 3, que requer preparativos para
assumir as bruscas mudanças que ocorrerão no Ensino Fundamental II, tanto no plano
curricular como na própria relação pedagógica. O quinto ano fecha o ciclo em que os
professores (formados em pedagogia) são polivalentes, ou seja, ministram várias disciplinas.
No sexto ano, os alunos iniciam o trabalho com professores especialistas, um por disciplina.
No campo do ensino de língua portuguesa, essa mudança também corresponde a uma grande
alteração no plano das escolhas textuais, se no primeiro ciclo o aluno experimentava
constantes contatos com gêneros próprios da infância (contos de fada, fábulas, parlendas e
outros), no novo ciclo, depara-se com textos literários mais complexos, em geral, textos de
autores consagrados e até mesmo do cânone nacional e internacional. Em BELINTANE
(2010) procuramos mostrar a importância do que metaforizamos como “dobradiças nos entre-
ciclos”, que juntam um ciclo ao outro, desde o ensino infantil ao ensino médio, ou seja, um
conjunto de estratégias que têm como objetivo equacionar melhor esse tipo de transição.
Para se ter uma ideia do fosso existente entre os ciclos escolares, basta ler os Parâmetros
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa4, que se compõem de quatro documentos, um
para cada ciclo (Ensino Infantil, Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino
Médio) com autorias distintas e com concepções pedagógicas que, se por um lado até mantêm
algumas influências teóricas comuns (Piaget, Emília Ferreiro, Vigotsky, Bakhtin), por outro,
no refinamento da proposta (definições de estratégias, sugestões de tópicos programáticos) se
distanciam razoavelmente. Não há qualquer menção a estratégias de transição de um ciclo a
outro.
Na escola que elegemos para a pesquisa, os educadores se preocupam com as transições. A
desconstrução dos textos infantis, sobretudo de contos de fadas e de fábulas de origem
europeia (Perrault, Irmãos Grim, Esopo, La Fontaine e outros) é uma dessas estratégias de
transição. Os textos infantis mais clássicos, como é caso de Chapeuzinho Vermelho,
Cinderela e algumas fábulas, são retomados, no quinto ano, como gêneros a serem parodiados

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O escritor GRACILIANO RAMOS (1972) em seu livro de memória, “Infância”, faz uma bela descrição de seu
7 próprio processo de entrada na leitura e evidencia algo próximo desses dois movimentos. Narra um momento em
8 que ele lê sofregamente diante do pai exigente (p.121) e um outro em que lê solitariamente, mas já conseguindo
9 entrever lampejos de uma memória que aos poucos vai puxando os elementos de uma narrativa (pp.213-218)
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O Ensino Fundamental, no Brasil, é dividido em dois ciclos: Fundamental I( 1º. Ao 5º. Ano; 5,5 a 10,5 anos) e
11 Fundamental II (6º. Ao 9º. ano; 10,5 a 14,5)
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Documentos produzidos pelo Ministério da Educação - BRASIL, 1998.

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– hipoteticamente, a paródia permite a desconstrução de estruturas textuais e temáticas já
exauridas e abre espaços para leituras e produções textuais mais complexas, menos
formulares. Este estudo traz elementos que permitem corroborar a importância dessa
estratégia pedagógica e de seu objetivo principal.
Como também temos a expectativa de que, no campo teórico, seja possível extrair, a
partir dessa análise, elementos importantes para a constituição da tessitura interdisciplinar
entre a área da linguagem (linguística e análise do discurso) e a do psiquismo (Psicanálise de
Freud e Lacan), reforçaremos, na sequência, essas aproximações conceituais.

A PARÓDIA ENTRE A ALIENAÇÃO E A SEPARAÇÃO

A paródia, ao lado do pastiche, da paráfrase5 e de todas as outras formas de retomada


explícita ou implícita da palavra do outro, implica jogos de aproximações e distanciamentos
entre sujeito e Outro, que podem ser reinterpretados a partir do par alienação e separação
teorizado por LACAN(1993) no Seminário XI(1964). A alienação é condição si ne qua non
da emergência da subjetividade, é preciso que a criança se aliene na linguagem do outro para
sair da corporalidade em si – um exemplo, ilustra a situação: a criança quer corpo (colo, seio,
afagos), mas os pais respondem com linguagens (conversa, cantiga, histórias e outros gêneros
da maternância), ao aceitar a troca, esta se entrega, sem o saber, ao universo da linguagem, do
simbólico. A separação consolida o processo da subjetivação, pois corresponde a
determinados cortes na pregnância com o outro parental, em outras palavras, o imaginário
(relação dual, especular entre mãe e filho) é atravessado por um terceiro elemento, cuja figura
emblemática é o pai ou então a função paterna. O esquema L elaborado por LACAN (1998),
ilustra os dois processos, embora quando Lacan o criou ainda não usasse esses dois
conceitos:

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Sabemos que há autores que distinguem a paródia do pastiche (HUTCHEON, 1981, SANGSUE,1996 e
15 outros), no entanto, muitos autores não o fazem (BAKHTIN, 1999 p. 74 , TOMACHEVSKY, 1973 p. 199).
16 Mais adiante, vamos distinguir a paródia da paráfrase – distinção essa mais útil para o campo do ensino.

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Em a (eu) a a’ temos o eixo das relações imaginárias, do eu com o outro materno, que
dá a tônica de toda relação por semelhança, por pregnância, por pareamente ou mesmo
proximidade. No outro eixo, de A (Outro) a S (sujeito), temos a interferência da função
paterna, da lei, do simbólico, que atravessando o eixo imaginário, excentra o sujeito, que se
constitui como sujeito dividido, excêntrico (fora do centro da consciência ou do psiquismo).
O eu, então, teria certa tendência à imitação, à homogeneização dos sentidos. Já o eixo
simbólico é que produz diferenças, desloca, descentraliza. A alteridade aparece no esquema
com um duplo eixo de tensão, o pequeno outro (mãe, universo parental) e o grande Outro, que
pode ser estendido da paternidade às leis civilizacionais, inclusive à língua (o Outro como
tesouro dos significantes) – e é isso que nos interessa, a linguagem e a língua no plano da
alteridade, da causação subjetiva.
Podemos estabelecer nossa aproximação conceitual a partir de uma evidência: não
existe paródia sem a absorção da estrutura ou da temática do texto matriz, ainda que esta seja
provisória, submetida a uma intenção irônica, ou seja, a de assumir um tema ou discurso para
transcendê-lo, para recriar seus temas e formas. Do mesmo modo que, para LACAN (1993),
a alienação é condição sine qua nom da separação, a interiorização do texto matriz é condição
para o exercício do jogo paródico, pois o sujeito-parodiador ocupa um espaço de entre-texto,
que é também um espaço de entre-leitores, ou seja, é preciso que o texto matriz seja
conhecido de memória por seus leitores a tal ponto de se supor que estes seriam capazes de
entrevê-lo no novo texto. Da teoria de Lacan, também se pode depreender que a posição
subjetiva oscila entre os dois polos, aliena-se para se separar ou até mesmo aliena-se já se
separando:

É aqui que se vai produzir a segunda operação, em que o sujeito é conduzido por essa
dialética. Esta operação segunda é tão essencial quanto a primeira, porque é aí que vamos
ver despontar o campo da transferência. Eu a chamarei, introduzindo aqui meu segundo
termo, a separação. (op. cit. p. 202)

Que interesse teria esse par conceitual de Lacan para o ensino da leitura e da escrita
ou mesmo para a análise de manuscritos de alunos? Segundo LAURENT (1997), o Seminário
11, que introduz esses conceitos, representa um ponto de giro importante na concepção do
inconsciente linguageiro, pois concilia duas expectativas da escola Lacaniana, ou seja, a dos
acadêmicos (da linguística, da literatura, da teoria literária), que se deliciavam com o uso da
metáfora/metonímia, que sabiam como manejar; viam a importância desse emprego e
estavam fascinados por uma nova abordagem que enfatizava um método bem conhecido na

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crítica literária, por exemplo” (p.33). De outro lado, os analistas praticantes que reconheciam
a importância heurística desses conceitos, mas não viam claramente como manejá-los no
decorrer da análise. O par “separação/alienação” estabeleceu essa junção já que supostamente
funcionaria melhor para se pensar, por exemplo, a transferência e o término da análise, pois
constitui o fundamento da alteridade, da relação eu-Outro e, por consequência, da
subjetivação.
O novo par criado por Lacan, nessa nossa apropriação, vai além dessa “reunião das duas
audiências que estavam separadas” (op. cit. p. 33), pois pode favorecer a aproximação entre
conceitos psicanalíticos e linguísticos também no campo aplicado 6. Tentaremos, neste artigo,
demonstrar essa possibilidade, mas para isso é necessário retomar o modelo de Lacan ,
resgatando deles potencialidades que uma leitura mais detalhada pode entrever. Por exemplo,
quando a criança se implica na linguagem, o processo de subjetivação passa sempre por esta
oscilação entre se alienar ao outro materno e dele se separar pelo atravessamento do Outro, no
entanto, esse outro materno da fixação imaginária e o grande Outro do deslocamento
simbólico, não constituem polos rígidos, estandartizados na figura da mãe e do pai. Como os
três (mãe, filho e pai) estão sob o mesmo domínio das leis da língua e da linguagem, o
processo da subjetivação, incluindo aqui a alienação e a separação, implica o que
MILNER(1987) chama dimensão do não-idêntico ou equivocidade da língua: é o equívoco e
tudo que o promove, homofonia, homossemia, tudo o que suporta o duplo sentido e o dizer em
meias-palavras, incessante tecido de nossas conversações (.13).
A mãe, por exemplo, pode, em sua fala ou em sua escuta, deixar entrever uma dinâmica
desejante que inclui o simbólico, que remete para além da especularização dual, mesmo
quando não se conta com a presença paterna. Se nos pusermos fora das patologias severas
como o autismo, haverá sempre uma dissimetria na raiz da subjetividade, o que a mãe
interpreta (seja choro, balbucio, palavra ou fragmentos sonoros aleatórios que se parecem com
palavras conhecidas, como “papa”, “mama”) não produz uma especularização perfeita,
pronta par ser imitada ou assimilada pela criança no escopo da identidade. Do lado da criança,
a repetição também está sujeita à essa equivocidade, a língua por si traz espelhos partidos, que
mais refratam do que refletem: por exemplo, um fragmento ouvido pela criança pode retornar
em sua fala em outra cadeia, em outro contexto, sob o efeito de homofonias que, à revelia de
um eu centralizado, fazem seus efeitos na interação. Sendo assim, é possível entrever

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Ao discutir a alienação Lacan mostra que se trata de um fenômeno que vai além da clínica ou mesmo do
20 ambiente da maternância: Essa alienação, meu deus, não se pode dizer que ela não circula hoje em dia. O que
21 quer que se faça, sempre se está um pouquinho mais alienado, quer seja no econômico, no político, no
22 psicopatológico, no estético e assim por diante (op cit p. 199)

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singularidades em todos os polos, seja da língua, da mãe ou do pai enquanto Outro, seja da
criança, enquanto corpo singular que se assujeita.
Se Lacan buscou na linguística importantes conceitos para a ressignificação da teoria
freudiana do inconsciente e com isso constitui um psiquismo e um corpo pulsional
linguageiros, os linguistas também contam com a possibilidade de retomar tais conceitos e
reposicionar a linguística em relação ao psiquismo. A fala da criança, por exemplo, na
dinâmica parental, pode ser concebida a partir de um corpo pulsional ou mesmo de interações
linguageiras que vão além da comunicação, que inclui o nonsense, a equivocação, enfim, a
dimensão linguageira inconsciente que LACAN(1985), no Seminário XX (1973) nomeou
como lalangue. Sob essa influência, tudo o que era desprezado como erro ou material sem
sentido pelos psicolinguistas das décadas de sessenta e setenta, como veremos, vem sendo
retomado atualmente como significantes fundamentais na elucidação de importantes
elementos no processo da aquisição de linguagem (LEMOS, M.T.G, 2002)
Cláudia Lemos, por exemplo, é uma linguista brasileira que refez seu percurso de pesquisa no
campo da aquisição da linguagem, a partir do momento em que se aproxima da Psicanálise:

A oscilação entre o outro e a língua – cernidos mais no que a fala da criança fazia ver deles
do que por um olhar instrumentado por teorias – se fez sentir nos vários artigos que escrevi
até 1992 (...) momento em que encontro na Psicanálise, mais precisamente, em um primeiro
contato com a obra de Jacques LACAN , razões para insistir na Linguística como um
afastamento crítico em relação à Psicologia do Desenvolvimento. (LEMOS, C., 2002, p. 507)

LEMOS (op. cit) mostra que a trajetória que põe a criança como sujeito na aquisição da fala
pode ser analisada a partir de uma “escuta”, que põe em relevo três posições:
(1) a criança em relação à fala do outro, mas num processo de não-coincidência (aqui se
refuta a mera imitação), em que se alternam os fragmentos linguísticos que marcam a
alienação (por exemplo, fragmentos vindos diretamente de episódios de fala da mãe, quer da
cena linguística da interação, quer de outra acontecida antes) e a separação (que marca mais
decisivamente as não-coincidências de sentido entre a fala da mãe e os fragmentos que
reaparecem na fala da criança, por exemplo, a mãe diz “telefone”, a criança em vez de repetir
o mesmo fragmento diz “alô” – há aí um processo de subjetivação, assim explicado por C.
LEMOS:
Se o pólo dominante ou convergente da primeira posição é o outro, as relações entre os
significantes que vêm do outro dão a ver o funcionamento da língua e um processo de
subjetivação por ele regido, isto é, que aponta para um sujeito emergente no intervalo entre
os significantes do outro (2002, p. 58) 8.

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Tereza Guimarães de Lemos e Cláudia Lemos pertencem ao mesmo grupo de pesquisa cuja temática é a
25 aquisição da linguagem, sob liderança da segunda.

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(2) na segunda posição, o polo dominante é a língua - observa-se a emergência subjetiva a
partir da análise de erros na repetição de sequências paralelísticas, do tipo:

Episódio 7 (brincando com uma boneca)


eu falo tudo o que eu quero
ela come tudo o que eu quero
ela faz tudo o que eu quero
ela brinca que eu quero
ela brinca que eu faço) –
(Mariana: 2:9.28) (op. cit., p. 59)

Note-se aí que a criança explora a estrutura inicial, mas cruzando outras cadeias, de outros
contextos, até chegar a um nonsense com a recombinação de fragmentos já ditos (“ela brinca
que eu faço”). A pesquisadora evidencia, neste e em outros episódios, o que esse processo
tem de alienação (a criança chega mesmo a interromper uma narrativa por efeito dessas
substituições) e o que tem de ganho, pois tais deslocamentos abrem outros sentidos, ...seus
enunciados são cadeias permeáveis a outras cadeias e, portanto, passíveis de deslocamento,
de ressignificação, de abrir-se para significar outra coisa (op.cit, p. 61).
Na terceira posição, instancia-se uma subjetividade dividida entre o que se fala e o que se
ouve, ou seja, a criança percebe não só as reações do interlocutor diante de um enunciado
confuso como também refaz por si mesma um erro ou um enunciado pouco claro, como no
episódio abaixo:

Episódio 11: (Ao contar uma história R. tenta,como diria o linguista, colocar em discurso
direto a fala de um personagem)
R: Eu e a Aninha quando crescerem que nem (pausa longa) (retomando) João falou assim:
eu a Aninha quando cresce, crescerem...crescererem...querem sê almirante de navio. (p. 62)

C. LEMOS argumenta que em vez de classificar essas alterações como surgimento de uma
capacidade metalinguística ou mesmo de um sujeito que domina o processo, prefere antes
desvelar aí a emergência de um sujeito em outro intervalo: naquele que se abre entre a
instância que fala e a instância que escuta, instâncias não coincidentes...(op. cit., p. 62)

Ao finalizar seu artigo, C. LEMOS indaga sobre a relação entre os efeitos da língua em si
(por exemplo, a criança completando estruturas paralelísticas como um efeito reflexivo da
própria língua) e os processos de subjetivação quando se leva em conta o grande Outro como
tesouro dos significantes (op. cit, p. 64). Em outras palavras, a pesquisadora está

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Confirmando a análise de Laurent, notamos que C. LEMOS incluiu em sua pesquisa esse Seminário 11 e com
28 o par alienação e separação conseguiu um importante avanço no campo da aquisição da linguagem,. Em seus
29 trabalhos anteriores prevaleciam o par metáfora-metonímia como conceitos-chave de sua análise. Já neste texto
30 de 2002, nota-se que estes entram como fenômenos linguísticos no contexto desse novo par conceitual.

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corroborando, no campo da aquisição, a dinâmica psíquica lacaniana das relações imaginárias
(espelhamento com a mãe) atravessadas pelo simbólico (introdução do terceiro elemento sob
a égide da função paterna) – tal qual no esquema L. No Brasil, essa perspectiva de C. LEMOS
é pioneira, mas já vem sendo reaplicada ao campo da escrita por BORGES (2006), enfocando
o processo de entrada da criança na escrita (alfabetização), por BOSCO, a relação entre
desenho e letra (2002) e a emergência e a função do nome próprio no processo de aquisição
da escrita (2009) e ainda por OLIVEIRA (2009) que analisa a emergência de traços singulares
(de autoria) em manuscritos de crianças do ensino fundamental.
No presente artigo, procuraremos expandir esses cruzamentos conceituais entre linguística
(com alguns conceitos da Análise do Discurso) e psicanálise no campo do ensino, a partir da
relação entre a paródia e os dois processos Lacanianos da alienação e da separação. Em
seguida situaremos o campo conceitual da paródia.

PARÓDIA - A ESTRATÉGIA DA SEPARAÇÃO

A paródia pode ser entendida como um gênero literário ou como uma estratégia de produção
textual. SANGSUE (1994)9 mostra que, desde a antiguidade, a paródia se fez notar por
escritores e estudiosos, mas é, quase sempre, classificada como um gênero ou estratégia de
menor valor quando comparada a outros gêneros literários, como uma técnica depreciativa,
disposta a degradar textos canonizados e bem conhecidos, sempre com intenções cômicas. De
De fato, já na Poética de ARISTÓTELES (1973), há menção a um texto paródico:
Hegêmmon de Taso, o primeiro que escreveu paródias, e Nicócares, autor da Delíada,
imitaram homens inferiores” (ARISTÓTELES, p. 444) – é interessante perceber que a
presença da paródia é quase concomitante aos gêneros austeros (epopeias e tragédias), ou seja,
quando artistas consagrados (Homero, Sófocles, Eurípedes) propõem espelhamentos
identificatórios (o modelo do herói nas epopeias e a dimensão da moira, do destino, nas
tragédias) surgem ao lado os parodistas, por exemplo, um Aristófanes parodiando as obras de
Eurípedes.
Na Idade-Média, segundo BAKTHIN(1999), a paródia era um poderoso recurso popular
contra a severidade e a dominância dos discursos religiosos, “uma espécie de segunda
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Sangsue faz uma estudo diacrônico de grande valor sobre a paródia, partindo da Poética de Aristóteles até as
33 concepções mais contemporâneas, passando pela antiguidade clássica, idade-média, renascimento, pelas escolas
34 literárias românticas, realistas e modernas, incluindo estudos, tais como: formalistas russos, Mikhail Bakhtin,
35 Margaret Rose, Linda Hutcheon, Michele Hannoosh e Gérard Genette. No último capítulo dessa importante
36 obra, o autor traz sua versão de um explícito reconhecimento da parôdia: “Pour une poétique de la parodie” –
37 neste nosso artigo, vamos compartilhar alguns traços de Sangsue e de outros autores, mas pretendemos
38 acrescentar especificidades que delimitam o conceito no campo do ensino, como um gênero e uma estratégia de
39 ensino, e no campo do psiquismo, como decorrente da movência subjetiva entre a alienação e a separação de
40 Lacan.

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revelação através do riso e do jogo” (p. 73). Essa ideia de uma “segunda revelação” da vida
abre uma perspectiva interessante para entender sua importância no ambiente escolar, aliás, o
autor já notava essa implicação dos escolares no jogo paródico medieval:

As recreações escolares e universitárias tiveram uma importância muito grande na história


da paródia medieval (...) Durante as recreações, os jovens repousavam do sistema das
concepções oficiais, da sabedoria e do regulamento escolares e, além disso, faziam deles alvo
dos seus jogos e das suas brincadeiras jocosas e degradantes. Eles liberavam-se, antes de
mais nada, dos pesados entraves da piedade, da seriedade (“da incessante fermentação da
piedade e do temor divino”.) e também do jugo das categorias lúgubres: “o eterno”, “o
imutável”, “o absoluto”. Opunham a elas o aspecto cômico alegre e livre, do mundo
inacabado.(op.cit. p.72)

Nessa interessante observação, já podemos encontrar o efeito que queremos extrair da paródia
como estratégia didática. Ao parodiar seus textos infantis - aqueles cujas temáticas recobrem a
infância com o imaginário do encantamento e do medo - o aluno pode também atravessar
esse imaginário fortemente polarizador, em que o bem e o mal se põem como instâncias fixas.
- de alguma forma, retomando Bakthin, temos também aí uma “segunda revelação” da crueza
da vida – como se verá na paródia que vamos analisar.
Para nós, a paródia é uma estratégia didática poderosa que pode permitir tanto rupturas com
textos canonizados ou com gêneros já ultrapassados pela faixa etária da criança (“Contos de
fadas” muito populares), como ser assumida enquanto estratégia para se conhecer melhor a
forma de um texto ou mesmo o estilo de um escritor – aqui podemos extrair um exemplo de
nossa própria prática pedagógica: para se perceber os efeitos rítmicos de alguns poetas,
propúnhamos que os alunos parodiassem o texto atendo-se à forma (número de versos,
esquemas rímicos, paralelismos, anáforas etc.). Como mostra SANGSUE (1996), a paródia é
um dos recursos mais produtivos na literatura moderna e contemporânea, além de figurar
também como uma estratégia na imprensa, na publicidade, no cinema: “Nous baignons dans
la parodie” (op. cit, p.4)
SANT´ANNA (1988)10, procurando distinguir a paródia do campo da paráfrase, compara os
dois conceitos ao par de conceitos com que FREUD (1988) 11 explica o funcionamento do
sonho, ou seja, a paródia se aproxima do deslocamento (efeito metonímico) e a paráfrase
estaria mais próxima da condensação (metafórico). Neste texto, vamos um pouco além dessa
distinção, para nós a paráfrase marca o campo da continuidade discursiva, da busca de um
eixo de semelhanças, mais próximo da alienação12; a paródia quebra a continuidade, explicita
42 10
Affonso Romando de Sant’Anna é poeta e ensaísta brasileiro, esta sua obra foi publicada na coleção
43 “Princípios” que tem como alvo o ensino.
44 11
Interpretação de Sonhos I (Volume )
45 12
É sempre preciso lembrar que o conceito de alienação recobre um processo inevitável, fundamental e
46 necessário de qualquer apropriação do que vem do outro. Mesmo em uma apropriação crítica, há sempre uma

47 9
a dessemelhança, deslocando os elementos mais fortes do texto matriz, ou seja, opera pelo
jogo alienação-separação – jogo esse muito próximo à dinâmica de alteridade e de emergência
subjetiva proposta por Cláudia Lemos na aquisição da linguagem.

OBTENÇÃO DO CORPUS NA ESCOLA

O conhecimento do programa de Língua Portuguesa da escola escolhida 13, cujo


manejo conta com a estratégia da desconstrução de contos de fadas, permitiu-nos colher os
textos no início do quinto ano (fevereiro de 2010), ou seja, exatamente no momento em que
essa estratégia teria as suas primeiras experiências no interior do próprio programa da série.
Tomamos uma classe de 30 alunos, dividida em dois grupos (números pares e ímpares) e
submetemos, separadamente, cada grupo a uma consigna diferente.

“CONSIGNA SIMPLES OU PARAFRASTICA(CS) - 16 ALUNOS

Imaginar uma situação em que uma filha ou filho não obedeceu aos seus pais. A mãe ou pai
pediu que ele ou ela fosse ao supermercado comprar alguma coisa, mas que fosse e voltasse
pela mesma rua, sem ouvir estranhos e nem se desviar do caminho. A criança vai, mas não
obedece a mãe. O que terá acontecido com ele ou ela? Invente uma história contando tudo
isso, desde a conversa com a mãe à aventura boa ou ruim que a criança viveu fora de casa.

Note-se que esta CS é, deliberadamente, o esquema geral da história da Chapeuzinho


Vermelho, esvaziado de personagens e de situações alegóricas, enfim, uma paráfrase
simplificada da história, mas com abertura para desfechos singulares.

PROPOSTA 2 “CONSIGNA PARÓDICA (CP) - 14 ALUNOS14

Vocês conhecem bem a história da Chapeuzinho Vermelho, não? Vamos relembrar todas as
passagens? Recordem cada episódio e criem um texto novo, diferente, engraçado, mudando
os acontecimentos e personagens, transformando tudo ao seu jeito.

Houve de imediato um burburinho expressando descontentamento diante da pergunta que


inicia a proposta: - Vocês conhecem a História do Chapeuzinho Vermelho? No entanto,
quando se anunciou que eles poderiam mudar o que quisessem, o ânimo foi outro. No final
da aula, houve cinco solicitações para continuar o texto em casa, uma aluna - como se verá
adiante – a autora do texto mais longo e interessante do conjunto - escreveu no final:

48 entrega de si, ainda que momentânea, ainda que entrecortada pela separação.
49 13
Colégio Giordano Bruno, escola privada da zona Oeste de São Paulo, que trabalha com alunos de todas as
50 séries do ensino básico (de 5 a 17 anos). Os pais, em geral, pertencem à classe-média, são comerciantes,
51 profissionais liberais e pequenos empresários. A escola possui a tradição de receber bem pesquisadores e
52 estagiários oriundos da Universidade de São Paulo e mantém um grupo coeso de educadores na área de
53 linguagem, que têm por hábito ler e debater temas e autores do eixo teórico que orienta esta pesquisa.
14
54
55

56 10
Fragmento 1_CP

É também um dado relevante esse contraste: do grupo CS nenhum aluno pediu para continuar
o texto em casa. Os textos dos cinco alunos de CP que pediram para terminar em casa foram
copiados pelos pesquisadores com a finalidade de preservar o estado do rascunho até o
momento. Todos os cinco alunos continuaram seus textos a partir do próprio rascunho,
alguns, como é o caso do fragmento acima, apagaram inserções alheias ao texto (como a
acima) e continuaram o trabalho em casa, com algumas rasuras ou inserções, como se verá
nos dois textos analisados.

ANÁLISE GERAL DOS TRINTA TEXTOS


Fizemos uma análise geral dos trinta textos, levando em conta os dois grupos e suas
respectivas consignas. Tomamos como primeiro critério a extensão quantitativa dos textos,
contando o número de palavras, com o objetivo apenas de averiguar qual consigna poderia
gerar textos mais extensos:.

NÚMERO DE PALAVRAS

700
600
500
400 CS
300
CP
200
100
0
0 5 10 15 20

Como se esperava, em extensão, CP já assinala uma grande diferença. Os textos da CS


concentram-se no intervalo entre as linhas de 100 a 150 palavras, com apenas dois destaques
na faixa entre trezentas e quatrocentas palavras.

57 11
A partir de uma análise geral dos textos, podemos afirmar que os mais extensos confirmam
também melhor qualidade em termos de coerência, coesão, e de manejos dialógicos mais
ousados, melhor controle da deriva 15, escolha mais qualitativa do léxico e melhor domínio da
sintaxe, além de romper mais facilmente com as fórmulas de fechamento de histórias (final
feliz ou ainda o reconhecimento de um erro e a promessa de não mais repeti-lo).
Todos os textos da CP, mesmo os mais elaborados, fixaram-se na estrutura temática
desobediência – acontecimento trágico – arrependimento – aprendizagem de uma lição/ou
tragédia (morte da personagem). Como não é possível analisar todos os textos neste artigo,
analisaremos apenas um de cada consigna – adotamos, como critério de escolha, o maior
número de palavras16.

TEXTO DA CONSIGNA SIMPLES PARAFRÁSTICA (CS):


1

58 15
Entendemos por manejos dialógicos a inserção de fragmentos de textos de diversas origens discursivas e a
59 adequação deles em relação ao tema ou mesmo à coerência no interior de um parágrafo ou ainda no texto como
60 um todo. Como essas associações não são dominadas por uma subjetividade centralizadora, estão sujeitas ao
61 efeito de alíngua (ou seja, do movimento metafórico-metonímico da língua) – a isso chamamos deriva, que
62 constitui pontos sobre os quais o enunciador intervém com o objetivo de estabelecer a coerência. Os pontos de
63 deriva são responsáveis tanto pela criatividade como pelos efeitos de nonsense. (PÊCHEUX, 1997, pp. 53, 54;
64 TFOUNI, 1997 )
65 16
Ao escolher os dois textos mais extensos (maior número de palavras) de cada consigna não queremos dizer que
66 não poderia haver textos mais curtos com boa qualidade. O critério só objetivaria a escolha, no entanto,
67 analisando todos os textos, percebe-se com clareza que os dois também se destacam como os mais bem
68 construídos de seus respectivos conjuntos.

69 12
2 UMA DICA: NÃO DESOBEDEÇA A SUA MÃE
3 Oi, eu sou a Elisa e tenho uma mãe muito chata que não me deixa em paz! Toda hora
4 ela me chama e manda eu fazer coisas chatas, pelo menos era isso que eu achava antes de
5 viver essa aventura. Bom voltando ao assunto era só mais um dia normal na cidade onde
6 eu vivia, minha mãe havia MANDADO eu ir ao super mercado.
7 - Anda logo Lisa vá comprar o que eu mandei!
8 - Tabom, mãe!
9 - Já fez a lista!
10 - Sim!
11 - Lembre-se, não pare nem desvie do caminho e muito menos fale com estranhos!
12 - Eu sei mãe!- eu disse...
13 Eu está na metade do caminho de volta quando apareceu um homem e me ofereceu
14 ajuda com as sacolas, achei que não faria mal então aceitei, ele me perguntou onde eu
15 morava e eu disse:
16 - Daqui 2 ruas, logo ali! – ele assentiu.
17 Então continuamos e ele me perguntou se eu não queria passar na sorveteria, eu
18 disse que sim, e que só tinha falar com minha mãe, ele falou que não precisava e que íamos
19 rapidinho, então fomos...Disso tudo eu só me lembro que ele tirou um paninho branco do
20 bolso e eu apaguei...
21 Quando acordei eu estava num lugar desconhecido, que concerteza não era a
22 sorveteria e derrepente ouvi um cochichos, era o homem que me levou para lá e uma
23 mulher:
24 - Como você consegui raptar ela!- perguntou a mulher.
25 - Foi fácil Alice, eu usei o truque das sacolas! – respondeu ele.
26 Então eu entendi tudo eu tinha sido raptada, e agora? Será que eu ainda estava no
27 Brasil, era noite? Ou era dia? E minha mãe? Então sai correndo e fugi pela porta e
28 descobri que estava num lugar conhecido, estava perto de uma antiga escola, mais longe de
29 casa, mais ainda estava com o dinheiro do mercado e fui de ônibus com o para casa.
30 Chegando lá vi minha mãe desesperada, ela me disse que eu tinha ficado 2 dias fora. E eu
31 contei TUDO para ela, mas não fiquei sabendo o que os bandidos queriam, ainda bem, né?
32 E depois de ver como minha mãe me ama, e parei de odiar ela e descobri que também a
33 amava!
34 FIM!
35

A enunciadora cria a personagem chamada Elisa, que narra em primeira pessoa a sua
aventura. Já o primeiro parágrafo destoa bastante dos textos mais conformados à CS, pois
apresenta corajosamente uma relação conflituosa entre mãe e filha. A criação de um narrador
protagonista já demonstra certo domínio de uma estratégia de escrita ou de contação de
história em que, para se tocar no difícil de dizer (o que normalmente se recalca), maneja-se
uma outra voz que, neste caso, poder-se-ia expor o que se pensa sobre uma mãe supostamente
autoritária. O recurso polifônico parece enunciar de imediato uma narradora corajosa,
predisposta a desvelar seus conflitos com a mãe e, com isso evidenciar um processo de
“separação” em relação à discursividade que apregoa o ideal da obediência (2 a 5) 17,
entretanto, já neste parágrafo inicial apresenta um recuo em relação a essa sua primeira

70 17
Para apontar o fragmento no manuscrito, utilizaremos números no interior de parênteses (número das linhas).

71 13
intenção: a enunciadora mostra que a personagem vai levar uma lição e mudar essa sua
posição subjetiva (3,4). Chama a atenção, no fragmento, o uso de exclamação e de
maiúsculas, MANDADO (5) para reforçar a ideia do confronto com a mãe. O diálogo entre
Elisa e a mãe traz uma voz materna exaltada, quer pelas expressões “Anda logo Lisa”, que
conota mais autoridade do que propriamente pressa e pelo imperativo “vá” e ainda pelo
reforçamento da posição de quem manda, “o que eu mandei”. (6):
Fragmento 1_CS

Um lapso de escrita (FREUD, 1988)18 (linha 12) confirma essa divisão subjetiva entre
assumir a primeira pessoa (eu estou ou estava) ou a terceira (ele está ou estava).

Fragmento 2_CS

O tempo da narrativa também se abala nesse instante, pois “está” é presente do indicativo e
ocupa o lugar de “estava”, pretérito imperfeito (tempo típico da narrativa). A manutenção do
acento gráfico e a supressão da desinência “va” (sem acento gráfico) dão-nos uma ideia de um
efeito linguageiro inconsciente e até mesmo da posição enunciativa de “meio caminho”, de
divisão. Não deve ser fácil a uma criança de nove anos manejar uma enunciação em que a
desobediência seja tão explícita - nesse caso o pronome “eu” cede lugar a um “ele”, a uma
terceira pessoa que poderia ser culpada mais diretamente. Há também um fragmento mal
apagado após as reticências, “Depois sai”, mostrando que ela continuaria em terceira pessoa,
no entanto, na linha seguinte ocorre o lapso. Como explicar isso sem levar em conta o
inconsciente linguageiro?
Na continuidade da narrativa, Elisa, após fazer as compras, contraria a mãe e fala com um
estranho, que convence a menina a ir tomar sorvete e a sequestra (12-17). Após ter dormido
dois dias, pois o sequestrador aplicou em suas narinas algum sonífero, consegue fugir e voltar
para casa. Antes da fuga, a enunciadora faz questão de registrar a angústia da personagem,
utilizando-se para isso de um jogo interessante entre as vozes do texto, pois entra

72 18
O Chiste e sua relação com o inconsciente (1988, Vol VI)

73 14
abruptamente em um discurso indireto-livre que desfaz as amarras do tempo, presentificando
o sofrimento (25-26): Então eu entendi tudo eu tinha sido raptada, e agora? Será que eu
ainda estava no Brasil, era noite? Ou era dia? E minha mãe?
Fragmento 3_CS

Ao fugir e retornar para casa, conta TUDO (30) a mãe e em seguida, como se quisesse
controlar melhor a verossimilhança sobre o porquê de o sequestrador (e sua mulher) a ter
raptado, já que não houve roubo, nem pedido de resgate, registra uma dúvida e pede a
confirmação do leitor: ...contei TUDO pra ela, mas não fiquei sabendo o que os bandidos
queriam, ainda bem, né? (30)
Fragmento 4_CS

Ficam aqui algumas perguntas: por que a enunciadora se contenta com esse não saber? Se
soubesse seria pior? O que os bandidos poderiam querer de tão assustador? Nesse ponto, se
fizermos algumas suposições sobre o interdiscurso que aí poderia entrar no fio discursivo,
teríamos o campo da “exigência de resgate” (sequestro típico), do “roubo de órgão”, do
“abuso sexual”, do “assassinato gratuito”, entre outros temas trágicos que estão sempre
presentes no noticiário. Na palavra TUDO em maiúscula também podemos entrever um
possível jogo de esconder e revelar: contar TUDO seria não apenas reassumir a obediência
completa, reconhecer a submissão, mas ao mesmo tempo subentender que se poderia ter
escondido algum detalhe dos acontecimentos.
Nas últimas linhas, a narradora, na superfície textual, tenta arrematar a lição, mas manqueja
na coesão(31-32): E depois de ver como minha mãe me ama, e parei de odiar ela e descobri
que também a amava. (segue-se o desenho de um coração) – reveja o fragmento 4 CS.
A primeira conjunção aditiva posta após a vírgula cria uma ruptura entre a subordinada
temporal e a oração principal (parei de odiar ela). Misturam-se aí subordinação e
coordenação aditiva, pois não há dúvida de que esse “e” fica ambíguo, dividido entre a função
aditiva e a de simples condutor de narrativa, bem típico na narração infantil (para encadear

74 15
eventos utilizam-se “e” ou “e depois”). O que chama a atenção é que esta enunciadora
demonstra, ao longo do texto, que domina situações sintáticas e de progressão textual mais
complexas do que a exigida no trecho.
O título do texto cruza bem com as tensões aqui apontadas, a expressão Uma dica, posta no
lugar de Um conselho, propende mais ao sentido de “Um segredo”, “Informação sobre um
detalhe pouco conhecido” – por exemplo, na culinária, a dica é, em geral, desconhecida e
fundamental para o sucesso do prato. Se a dica, no caso, é não desobedeça, temos aí a divisão
apontada na análise.
Concluindo a análise, podemos afirmar que se trata de um texto muito bem construído, cuja
enunciadora, apesar de ainda estar premida pelo interdiscurso escolar e familiar, já consegue
bordejar o indizível. Seus lapsos e descontroles coesivos dão-nos pista de que se a consigna
abrisse o campo à paródia, para a desconstrução de narrativas canônicas do mundo infantil,
talvez o texto atingisse um nível ainda mais interessante, pois o fechamento moralista não
seria tão premente. Na passagem de ciclo em que essa criança se encontra é importante que
aprenda a usar a ficção para se “separar” discursivamente da maternância e de seus
enredamentos. A qualidade do texto mostra que a aluna reúne essas condições, no entanto,
premida pela consigna parafrástica opta por um desfecho mais conformado à obediência.

CONSIGNA PARÔDICA (CP):

36 O CHAPEUZINHO QUE NÃO ERA VERMELHO OU A MENINA CHAMADA PÂMELA


37
38 Uma vez uma garota chamada Pâmela gostava de ver sua vovó Ogra, na floresta. Um
39 dia, foi na casa da avó e ganhou um capaz, só que não era bonita, tinha cor-de-burro-
40 quando-foge (que alíás, ninguém sabe que cor é essa). Mas tudo bem, a Pâmela aceitou
41 com todo o carinho e foi de volta para casa.
42 No dia seguinte, a menina saiu para comprar pão (detalhe, onde ela morava a
43 padaria era um minúsculo aposento que só cabia uma pessoa pequena, com uma máquina
44 de fazer pão do tamanho de 3 mesas escolares). Certo, você pode até pensar que é um
45 pouco grande, mas só se você vê, você não vai acreditar.
46 Voltando de volta para casa, viu a mãe coando uma pedra (a mãe se chamava
47 Lourença, e que, por sinal, não batia bem da cabeça).
48 Chapeuzinho disse:
49 - Mamãe! O que está fazendo?
50 - Eu vou coar a pedra, para tomar no café da tarde! Hê, hê...
51 Concluindo que depois de Pâmela fazer um café bem quente para a mãe tomar e
52 pãezinhos para comer, preparou docinhos para levar a vovó Ogra.
53 Quando chegou no caminho para a casa da avó, chegou um cara com jeito de
54 pamonha e falou:
55 - Oi, você que é a Pandara, ah, não, Palela, Pâmela?
56 - Bom, eu me chamo Pâmela, e não Pandara, Palela, sei lá. E qual é o interesse,
57 cidadão?

75 16
58 - É que eu fiquei sabendo que você tem uma avó Ogra, acho isso mó irado! Ela tira
59 cera da orelha?

76 17
60 - Sei lá, mas não te interessa minha vida, então adeus!
61 - Só te dou três dicas: não vá pelo caminho curto que tem um monte de
62 espinhos/flores, vai pela sombra e não acredite na palavra do lenhador. Tchau!
63 Claro que Pâmela não ouviu uma palavra do que ele disse. E continuou o seu
64 caminho.
65 Quando avistou uma trilha de flores, pensou: “Aquele homem-pamonha só queria me
66 enganar! O que tem de mais em flores adoráveis?”. E foi logo seguindo as flores.
67 Gostou tanto das flores que pegou uma de cada cor. Assim, o presente para avó,
68 ficaria mais bonito ainda.
69 Um caçador fortão, lhe barrou e exclamou:
70 - Alto! Quem vem lá?
71 - Pâmela, senhor!
72 - Para onde vai, menina?
73 - Para a casa de minha vovó Ogra. E com licença, tenho pressa...
74 - Toda, menina. Mas, antes de ir, que tal um conselho? Acho melhor você não entrar
75 na casa da sua avó, que ela vomitou e está a maior nojeira lá dentro. Com certeza ela não
76 quer visitas!
77 - Então, - respondeu a menina – preciso ir lá do mesmo jeito, porque tenho que
78 ajudar ela! E por favor, deixe-me passar...
79 - Menina insolente! Eu já disse que não pode ir lá! Volte para a casa AGORA!!!
80 Pâmela ficou tão assustada que saiu que nem uma louca, tropeçando em tudo.
81 O caçador deu gargalhadas e gritou :
82 - Fuja, menina! Mas já já você vai visitar o circo, com a maior atração: A VOVÓ
83 OGRA! HÁ, há, há, há!
84 A vovó Ogra ao contrário do que o caçador falou, não estava nem em casa, saiu para
85 caminhar. Então, pensou em passar na casa de sua querida netinha.
86 - Vó, estava preocupada com a senhora....
87 - Que é isso! – respondeu a avó – Estou maravilhosamente bem! Foi o caçador quem
88 lhe enganou?
89 - Sim! Eu acho....mas então, eu quero dar uma lição nele!
90 Elas bolaram um plano e se dirigiram para a casa da avó.
91 O caçador estava deitado na cama da avó. Pâmela bateu na porta. O caçador
92 respondeu:
93 - Quem é?
94 - É o lobo mau – respondeu Pâmela – Eu vim te comer!
95 - Tenha piedade, seu lobo!
96 A vovó Ogra chamou toda a vizinhança para atacar o caçador
97 Pâmela abriu a porta de supetão e gritou:
98 - Agora você vai ver seu caçador de uma figa!
99 Então, com cordas e madeiras, arrastaram o caçador para fora e obrigaram ele a
100 devolver todas as vós Ogras que tinha colocado no circo.
101 Assim, depois de assistir a nova atração do circo: “o caçador equilibrista”, fizeram
102 uma grande festa com comidas e bebidas.
103 Ah, Lourença, arrumou um tratamento e hoje é dona de uma cafeteria muito boa.
104 FIM
105

106 A enunciadora assume com muita liberdade a matriz textual e parodia livremente
107 seus motivos e personagens. Chama a atenção de imediato a cor do chapéu, cor-
108 de-burro-quando-foge, o nome da protagonista (Pâmela) e a vovó Ogra (com
109 maiúscula, mostrando a intenção de nomear já com o adjetivo). A aceitação do

77 18
110 estranho capuz parece marcada por uma ironia (com todo o carinho) – aliás, a
111 dificuldade de HUTCHEON (1984) em separar a ironia da paródia não é por
112 acaso, pois, quase sempre, mesmo autores literários imbricam esses dois
113 conceitos, como se fossem inseparáveis.
114 No fragmento seguinte, Pâmela faz o café da família, tomando o lugar da mãe, já
115 que esta é apresentada como uma pessoa incapaz, que não bate bem da cabeça
116 (11-12) e que sequer tem condição para fazer um café, pois a menina a encontra
117 coando uma pedra. Há na nomeação da mãe um jogo de palavra, LOURENÇA,
118 retoma o fragmento LOU de louca, evidenciando uma escolha marcada pelo
119 efeito de alíngua.
120 Em seguida, a protagonista decide levar doces para sua avó Ogra. Do começo ao
121 fim, a menina ocupa o lugar de adulto, decide, discute com seus antagonistas e
122 os vence tanto na palavra como nas astúcias. A estratégia da Paródia e o efeito
123 de separação aqui se imbricam no manejo das personagens, deixando entrever
124 uma motivação psíquica que está sempre procurando oportunidades de romper
125 com a alegorização simplista da obediência – o trecho abaixo mostra com clareza
126 a redução do personagem Lobo a um jovem medíocre, que a enunciadora se
127 refere como um cara com jeito de pamonha (18-19).
128 Nesse curioso diálogo, o pamonha erra três vezes o nome Pâmela (20). Notamos
129 aí em sua ousada resposta uma oportunidade da protagonista se pôr como uma
130 pessoa que não teme estranhos, corrige a fala errada dele e o interpela em tom
131 de superioridade: E qual é o interesse, cidadão!(21-22). Estranhamente, o
132 interesse desse “lobo” é ingênuo, lembra uma criança encantada com a
133 possibilidade de encontrar e admirar a neta de uma Ogra. O uso da gíria e a
134 escatologia entram para situar o personagem como infantilóide ...mó irado! Ela
135 tira cera da orelha? (23-24). A resposta reforça ainda mais a superioridade da
136 protagonista (25)
137 Na retomada do texto19, a enunciadora substituiu a palavra espinhos por
138 flores(27), demonstrando um bom controle da coesão e da própria deriva na
139 releitura, pois no caminho a personagem se depara com uma trilha de flores:
140 Fragmento 2_CP

78 19
A aluna terminou o texto em casa. A rasura no trecho citado, mostra que ela releu antes de prosseguir e que sua
79 decisão de trocar “espinhos” por “flores” é um controle de deriva que melhora a coerência da história.

80 19
141
142 Há nesse momento uma menção às dicas dadas pelo pamonha(30-31), como se
143 este quisesse convencer a menina que seria ruim encontrar flores, pois para uma
144 neta de Ogra, um caminho de flores seria horroroso. Mas a enunciadora faz
145 questão de quebrar o preconceito, sua personagem não só admira flores como
146 também arranja um sortido buquê para a sua avó Ogra (32-33). Ainda há nesse
147 fragmento um aparente lapso, ao dar seu conselho, o jovem diz “não acredite na
148 palavra do lenhador” (27) e, logo adiante, a protagonista vai se deparar com o
149 caçador(34) - como essa troca faz parte da fala de um “pamonha”, é aceitável
150 que o equívoco possa ser atribuído ao personagem e não ao enunciador.
151 Se na versão dos Irmãos Grim, o caçador é o herói masculino que vem ajudar a
152 indefesa Chapeuzinho, nessa paródia, invertem-se os papéis, o caçador toma o
153 lugar do lobo, mas em vez de um ser devorador, temos aí o explorador
154 inescrupuloso, que se apresenta como um policial (34-35) Mais uma vez, vê-se
155 que a menina não se intimida diante de estranhos, posiciona-se demonstrando
156 superioridade, diz seu nome secamente: “Pâmela, Senhor!” e complementa E,
157 com licença, tenho pressa.. (36-38).
158 A mentira do caçador corrobora a visão ingênua sobre a avó Ogra, ela vomitou e
159 está a maior nojera lá dentro (40). No entanto, a personagem não apenas não se
160 deixa convencer, como também o desafia e a tal ponto de o caçador chamá-la de
161 “Menina insolente” e ainda a ameaça com um vigoroso grito, no texto reforçado
162 com maiúscula e três exclamações:
163 Fragmento 3_CP

Pâmela volta correndo à sua casa, enquanto o caçador anuncia, às gargalhadas,


que vai pôr sua avó Ogra no circo (47-48). No parágrafo seguinte, a narradora
mostra que a avó Ogra não estava nem em casa, saiu para caminhar (49-50) –
apontando mais uma vez contra a visão caricatural que as crianças, em geral,
têm de uma ogra.

81 20
A menina e a avó se reencontram na casa da mãe. Ao saber que o caçador se
dirigia à casa da avó, as duas urdem um plano para surpreendê-lo. Na
sequência, as duas irão encontrar o caçador deitado na cama da avó (56).
Pâmela bate na porta, tomando o papel do Lobo (59). Temos, nesse momento,
mais uma inversão de papéis, pois o caçador se assusta, revelando seu medo
infantil: Tenha piedade, seu lobo! (66) – aqui o efeito metonímico é bastante
revelador: o medo é deslocado do universo da criança para o do adulto.
Interessante também a postura aguerrida da menina quando entra na casa e
ameaça o homem (63) :
Fragmento 4_CP

Com a ajuda das vizinhas, Pâmela e a Avó dominam o Caçador e obrigam-no a


devolver todas as avós Ogras que ele havia colocado no circo (64-65). A
aventura termina com as avós em plena festa, assistindo ao espetáculo “o
caçador equilibrista”. No último parágrafo (68), a enunciadora demonstra
perfeito controle da retroação e da deriva retomando a “mãe louca”, que agora
esta recuperada e é dona de uma cafeteria, fechando seu texto com uma fina
ironia:
Fragmento 5 _CP

Essa paródia evidencia de fato um efeito de separação, por meio das inversões
de papéis, movimenta-se uma subjetividade irônica, que vai usar com destreza
essa posição intertextual e ressignificar a polaridade “ativo”/”passivo”,
“masculino/feminino”. Essa nova Chapeuzinho enfrenta o mundo masculino e
adulto de igual para igual, não aceita as oposições bem x mal, adulto x criança,
obedecer x desobedecer e, pela via do humor e da ironia, foge desse pregnante
imaginário da infância, usurpando de fato o lugar de um narrador que se afasta
da discursividade da maternância. A masculinidade que comparece nesse texto já
não se trasveste de lobo devorador, no primeiro encontro temos um jovem, um
“Pamonha”, preso a um imaginário teratológico e infantil, da Ogra que “tira cera
da orelha” (na realidade, corresponderia aos admiradores do ogro Shrek, filme

82 21
da Pixar) e, no segundo, um adulto forte, autoritário e explorador – enfim, em
vez de lobo, expõe o caçador perverso, o homem oportunista e explorador.
Se o primeiro lobo é simplesmente superado pela entonação da protagonista, o
segundo é vencido por uma aliança entre a jovem destemida e sua avó
(juventude e velhice se encontram e dão uma lição na juventude e na
maturidade masculina). Se o conto dos Grimm punha a infância no papel de
possível vítima, nessa paródia, a criança é guindada à posição de destemida
heroína.
Se comparados às produções da consigna parafrástica, não apenas esta paródia,
mas todos os demais de CP produzem essas rupturas e cavam esse espaço
interdiscursivo de movência subjetiva. Enquanto, os textos da CS, em geral,
permanecem siderados (alienados) à discursividade da obediência, os CP
questionam e se abrem às novidades, ainda que por meio do riso – talvez, um
riso próximo daquele que Bakthin encontra nas paródias medievais.
O par alienação-separação é útil e importante na reinterpretação da paródia, da
paráfrase e de outros momentos da escrita. Com ele é possível contar com um
recurso analítico que vai desde a entrada da criança na escrita, seus movimentos
de alienação e de separação em relação à dialogia parental, como também em
suas relações com a diversidade de gêneros e de estilos que fazem o currículo do
ensino de Língua Portuguesa. A paródia não só é uma estratégia privilegiada de
proporcionar movência subjetiva entre os discursos do outro, que o par
alienação/separação ajuda a compreender de forma mais ampla, mas também
um instrumental teórico com o qual é possível mapear minimamente o campo do
ensino da leitura e da escrita, por exemplo, considerando:

a) a leitura alienante na fase inicial da alfabetização, em que os alunos se


fixam em demasia no processo da decodificação em detrimento do eixo
associativo que viria acelerar o processo – os alunos parecem assumir a
demanda escolar do “ler sem errar” (BELINTANE, 2010 )
b) a produção escrita em sua dimensão de alteridade, que vai da cópia
à escrita mais singular, com mais propensão autoral, passando por outras
modalidades como paráfrase, paródia, resumo, esquema, resenha etc.
c) o uso de recursos midíáticos, como o computador e a internet,
observando, por exemplo, o posicionamento alienante e o papel da
separação quando o aluno se engaja nas aparentes facilidades dessas
tecnologias; por exemplo, quando se posiciona entre o simples “download”

83 22
e a possibilidade de parafrasear, resumir, transformar o que encontrou na
pesquisa;
d) mobilidades subjetivas entre algumas atividades que podem ser
complementares: (1) contação de história catártica; (2) contação de
histórias com interação; (3) leitura em voz alta catártica; (4) leitura em
voz alta com interação; (5) mesclagens entre contar, ler em voz alta,
parafrasear e parodiar trechos20.

Diante do que expusemos, é possível concluir que planejar a escolha das


consignas tem seus efeitos na produção textual. Propor uma consigna é instalar
um jogo de alteridade, que pode ser pensado. No caso, conseguimos mostrar o
processo da alienação e da separação como eixo tensivo dialético de uma
subjetividade que, se por um lado, não é controlável, diretamente tangível por
comandos de voz ou de escrita, por outro, pode ser favorecida quando o
professor compreende os efeitos possíveis de suas consignas e as propõem tendo
em vista esse processo dialético.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1973 (443-471)
BAKHTIN, M. M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de
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BELINTANE, C. “Oralidade, alfabetização e leitura: enfrentando diferenças e
complexidades na escola pública”. In. Educação e Pesquisa. São Paulo: Feusp, 2010
(prelo)
BORGES, S. O quebra-cabeça: a alfabetização depois e LACAN . Goiânia-Brasil, Ed. Da
UCG, 2006.
BOSCO, Z. R. No jogo dos significantes: a infância da letra. Campinas: Pontes, 2002.
--------- A errância da Letra: o nome próprio na escrita da criança. Campinas: SP, Pontes
Editores, 2009

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Esse manejo lembra também o teatro de Brecht, com suas propositais quebras de catarse.

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