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TEXTUAL E ENSINO
Introdução
Sempre que alguém se comunica com outra pessoa, seja oralmente ou
por escrito, mobiliza o seu conhecimento linguístico para construir sen-
tidos. Esse processo de “colocar a língua em uso” tem sido chamado de
“produção textual”. Ao fazer uso da sua língua, o falante inevitavelmente
organiza a sua fala em determinado modelo textual relativamente estável:
conversa, mensagem de texto, bilhete, etc.
Enquanto entidade teórica, a língua apresenta níveis de estruturação
e de funcionamento que vão desde o fonema até a frase. Todos esses
conceitos foram amplamente estudados ao longo das décadas, antes
mesmo do surgimento da linguística enquanto ciência. No entanto, um
texto não pode ser entendido apenas como uma sucessão de frases
colocadas lado a lado. Ou seja, o que legitima um texto não é o simples
fato de criar uma sentença ao lado da outra. Existem fatores e critérios de
textualidade que dão autenticidade ao texto. Embora pareça óbvia, essa
conclusão só foi possível com o desenvolvimento da linguística textual,
a partir da segunda metade do século XX.
Beaugrande e Dressler (1981) definem sete fatores de textualidade:
coesão, coerência, informatividade, situacionalidade, intertextualidade,
intencionalidade e aceitabilidade. Neste capítulo, você vai estudar o
primeiro fator elencado pelos autores alemães: a coesão.
2 Coesão textual: progressão referencial
Os mecanismos de coesão
Um texto, produto de uma atividade em que duas ou mais pessoas cooperam
para a produção/interpretação de sentidos, caracteriza-se por ser coerente
e coeso. A coerência “[...] é o que faz com que o texto faça sentido para os
usuários [...]” (KOCH; TRAVAGLIA, 1993, p. 11). Por outro lado, a coesão
é um dos critérios pelos quais é possível identificar uma unidade de sentido.
Se texto for entendido como uma unidade de sentido constituída por partes
organizadas propositadamente de dada maneira, então essas partes devem
estar dispostas de tal modo que deixem explícitas as suas relações. Diz-se que
há coesão entre duas partes de um texto quando a interpretação de ambas é
semanticamente interdependente (DUARTE, 2003; KOCH, 2002a). Observe
o exemplo:
Referência e remissão
As palavras da língua fazem parte de um sistema linguístico e também se referem
a algo no mundo. “Árvore”, por exemplo, é uma palavra composta pelas letras a,
r, v, o e e. A sua sílaba tônica é a antepenúltima, e essa palavra pode variar em
número, mas não em gênero (existe a forma “árvores”, mas não existe “árvoro”
ou “árvora”). Todas essas descrições são linguísticas, porque falam da palavra
“árvore” enquanto um elemento de uma língua e a colocam em comparação
com outros elementos da mesma língua. Ou seja, existem outras palavras que
variam em gênero, outras palavras que assumem tonicidades diferentes, etc.
“Árvore”, por outro lado, faz referência a um elemento do mundo. Trata-se
de um referente que pode ser perceptível aos falantes empiricamente por meio
Coesão textual: progressão referencial 5
dos seus sentidos: uma árvore pode ser observada com a visão, ela pode ser
tocada, etc. Além disso, esse objeto tem sido alvo da observação e da descrição
de biólogos, que procuram descobrir suas características enquanto objeto do
mundo real, e não linguístico.
Com base nessas duas visões que se tem sobre as palavras, os linguistas
textuais desenvolveram os conceitos de remissão e referência. Veja o que
afirma Koch (1999, p. 33, grifo nosso):
De acordo com Halliday e Hasan (1976), quando uma referência é textual, ela pode ser
catafórica ou anafórica. Se o segmento do texto é anafórico, ele faz referência a algo
que já foi dito no mesmo texto. Se o segmento do texto é catafórico, faz referência a
algo que ainda vai ser dito na sequência textual. Observe as frases a seguir e perceba
o movimento de interpretação do leitor na busca pela referência.
Anáfora: “João e Maria são irmãos. Eles foram deixados na floresta”. A palavra
“eles” faz referência a “João e Maria”, algo já referido no texto. É, portanto, um caso
de anáfora.
Catáfora: “O interesse da Bruxa era este: engordar Joãozinho”. O termo “este” faz
referência a algo que ainda será explicitado no texto, “engordar Joãozinho”. Nesse
caso, o leitor deve interpretar o significado do pronome com base em algo que
aparece depois da ocorrência dele. Então, diz-se que há catáfora.
Além de lembrar essa primeira crítica, Koch (1999) menciona que a elipse,
para o próprio Halliday e Hasan (1976), é um mecanismo de substituição por
ø. Então, considera a distinção de Halliday entre substituição e elipse outro
problema, pois acredita que tal organização não pode retratar bem o fenômeno.
Em resumo, o que Halliday e Hasan (1976) divide em três grupos (referência,
classificação e elipse) outros autores (BROWN; YULE, 1983; KALLMEYER
et al., 1974 apud KOCH, 1999b) chamam apenas de referência. Koch (1999)
propõe que se dividam os mecanismos de coesão em português em duas
grandes modalidades: (1) coesão referencial (referenciação, remissão) e (2)
coesão sequencial (sequenciação).
Agora que você já entendeu o que é coesão e conhece os seus mecanismos,
veja como esses conhecimentos podem ser aplicados para a produção e para
a interpretação de um texto. Assim, você poderá levar seus futuros alunos a
compreenderem melhor o que leem e a escrever fazendo uso dessas estratégias
coesivas.
Os cegos e os elefantes
1 Há muitos anos vivia na Índia um rei1 sábio e muito culto. Já havia lido todos os livros de
2 seu reino. Seus1 conhecimentos eram numerosos como os grãos de areia do rio Ganges.
3 Muitos súditos e ministros2, para agradar o rei1, também se aplicaram aos estudos e às
4 leituras dos velhos livros. Mas __2 viviam disputando entre si quem2 era o mais
5 conhecedor3, inteligente e sábio. Cada um se arvorava em ser o dono da verdade e
6 menosprezava os demais.
7 O rei4 se entristecia com essa rivalidade intelectual3. Resolveu, então, dar-lhes2 uma lição.
8 Chamou-os todos para que presenciassem uma cena no palácio. Bem no centro da
9 grande sala do trono estavam alguns belos elefantes5. O rei ordenou que os soldados
10 deixassem entrar um grupo de cegos de nascença4.
11 Obedecendo às ordens reais, os soldados conduziram os cegos 4 para os elefantes e,
12 guiando-lhes 4 as mãos, mostraram-lhes os animais5. Um dos cegos agarrou a perna de
13 um elefante5; o outro segurou a cauda5; outro tocou a barriga5; outro, as costas5; outro
14 apalpou as orelhas5; outro, a presa5; outro, a tromba5.
15 O rei pediu que cada um 4 examinasse bem, com as mãos, a parte que lhe cabia. Em
16 seguida, mandou-os vir à sua presença e perguntou-lhes:
17 — Com que se parece um elefante?
18 Começou uma discussão acalorada entre os cegos.
19 Aquele4 que agarrou a perna respondeu:
20 — O elefante é como uma coluna roliça e pesada.
21 — Errado! — interferiu o cego4 que4 segurou a cauda.
22 — O elefante é tal qual uma vassoura de cabo maleável.
23 — Absurdo! — gritou aquele que tocou a barriga. — É uma parede curva e tem a pele
24 semelhante a um tambor.
25 — Vocês não perceberam nada — desdenhou o cego que tocou as costas. — O elefante
26 parece-se com uma mesa abaulada e muito alta.
27 — Nada disso! — resmungou o que tinha apalpado as orelhas. — É como uma bandeira
28 arredondada e muito grossa que não para de tremular.
29 — Pois eu não concordo com nenhum de vocês — falou alto o cego que examinara a
30 presa. — Ele5 é comprido, grosso e pontiagudo, forte e rígido como os chifres.
31 — Lamento dizer que todos vocês estão errados — disse com prepotência o que tinha
32 segurado a tromba. — O elefante é como a serpente, mas flutua no ar.
33 O rei se divertiu com as respostas e, virando-se para seus súditos e ministros, disse-
34 lhes:
35 — Viram? Cada um deles disse a sua verdade. E nenhuma delas responde corretamente
36 à minha pergunta. Mas se juntarmos todas as respostas poderemos conhecer a grande
37 verdade. Assim são vocês: cada um tem a sua parcela de verdade. Se souberem ouvir
38 e compreender o outro e se observarem o mundo de diferentes ângulos, chegarão ao
39 conhecimento e à sabedoria (DOMINGUES, 2015, documento on-line).
Como você pôde notar, um texto, definitivamente, não pode ser entendido
como um conjunto de frases colocadas lado a lado. Há entre as partes de um
texto uma gama de relações responsáveis pela tessitura verbal. Tais relações
fornecem aos leitores um conjunto de informações contextuais por meio das
quais é possível calcular os sentidos presentes no texto. Na subseção a seguir,
você vai estudar mecanismos de coesão responsáveis pela sequenciação de
um texto, isto é, que permitem ao falante/produtor dar continuidade ao tema
que desenvolve.
No exemplo (1), em cada uma de suas três ocorrências, o termo não impõe
aos ouvintes da canção uma nova interpretação de sentido que é somada à(s)
anterior(es). Assim, a recorrência presente no exemplo (1) indica que a cantora,
Amy Winehouse, foi convidada a ir para a reabilitação mais de uma vez e
que, mais de uma vez, negou-se a ser internada. Se a cantora usasse o termo
não apenas uma vez (ou duas), a canção não teria o mesmo efeito de sentido.
Veja a seguir (WINEHOUSE, 2006):
https://qrgo.page.link/nfJvS
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