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de Propp
O formalismo na literatura – visto que ele também está presente em outras áreas dentro de
Humanidades – procura reconhecer a evolução de acontecimentos dentro da narrativa de forma
independente às influências externas. Assim como os químicos veem a fotossíntese como etapas de
um processo químico (gás carbônico + água (luz + clorofila) = glicose e oxigênio), também os
formalistas acreditam que a ficção (deve) envolve(r) uma progressão perceptível, como se fosse
possível entender a trama em termos normativos.
Precisamos lembrar que a “Poética” de Aristóteles não era apenas um livro que analisava a
estrutura das peças – ele também ensinava como as peças deveriam ser escritas. Manuais de roteiro
também explicam como um roteiro ideal deve ser escrito. Quando os formalistas surgiram, entre o
final do século XIX e o início do século XX, a tendência era procurar categorizar – uma outra
demonstração da influência de Aristóteles – tudo que fosse possível, seja no nível da Arte ou das
Ciências Exatas.
A fim de categorizar o que chamamos hoje de “sintagmas narrativos”, Vladimir Propp, crítico e
filólogo russo, analisou diferentes contos maravilhosos – aqueles que possuem características
fantásticas, como contos de fadas – para encontrar o que era comum a todos eles. Resultado:
encontrou 31 sintagmas narrativos.
Seguindo a lógica de que tais sintagmas independem do meio – a maior preocupação dos
formalistas era desvincular as áreas de especialidade do meio histórico-social, uma medida que
visava eliminar a possibilidade de “contaminação” do processo analítico -, tais contos teriam,
sempre, 31 sintagmas narrativos, divergentes apenas em suas formas finais.
Infelizmente, sim. E isso se deve principalmente porque Tolkien era um estudioso de narrativas
folclóricas, tendo ele mesmo usado partes de contos fantásticos para criar personagens e situações
que encontramos em suas obras.
Mas uma coisa eu não entendo: por que as partes 24, 28 e 30 não aparecem?
O enredo de “O Hobbit” gira em torno de um hobbit comum que procura encontrar seu lugar na
Terra-Média. Curiosamente, ele tanto é vítima quanto heroi quanto vilão – afastar-se, ajudar os
anões e pegar o Um Anel revelam uma personagem mais complexa que o ideal proppiano. É uma
tendência do século XX que as histórias tratem de mergulhar nas dimensões psicológicas – mesmo
quando não o fazem conscientemente -, o que impede uma visão tão restrita dessas narrativas, como
Propp parece sugerir. Há mesmo subversões e interpretações metafóricas que invertem a posição
entre agressor, vítima e heroi. (Compare as funções com o esquema proppiano do romance para
verificar onde elas se encontram).
Mas então, por que estudamos Propp na faculdade? Qual a relevância dele?
Justamente o fato de que ele propõe uma evolução do esquema de três atos. No post anterior,
disse que o “clímax é ‘apenas’ um efeito de tensão […] [mas] a passagem para o terceiro ato
ocorrerá independente dessa tensão”. Ora, se o final ocorre independente disso, de nada adianta
então a participação ativa das personagens na narrativa – ou assim pensamos.
Os eventos nas histórias não podem ser vistos de forma isolada da participação das
personagens. O que Propp reafirma é a importância de tais eventos, identificados nas funções,
representarem a parte ativa do envolvimento da personagem (conscientemente ou não) em um dado
momento que parta do início da transgressão até o final feliz esperado. Mesmo ao querer isolar a
narrativa dos fatores sócio-históricos, Propp acabou esquecendo que as personagens são, também,
frutos de tais fatores, uma vez que representam a percepção do autor sobre o meio – nesse caso,
pessoas e humores. Daí que as mudanças históricas e sociais acabam influenciando os autores, indo
além da visão de categorias prontas e fechadas.
Para contos de fadas onde o caráter (éthos) de cada personagem é delineado de forma
determinista (“Cinderela”, por exemplo), a solução de Propp funciona bem – e até mesmo quando
vista em tramas fantásticas, uma e outra coisa podem ser aproveitadas. Repare que há várias
funções que podemos ver em textos como a “Odisseia” – em particular nas funções 11, 17, 20, 23,
25, 27 e 29 – ou em filmes como “Conquista Sangrenta” (Flesh+Blood, 1986, de Paul Verhoeven)
ou a trilogia “Guerra nas Estrelas” – há funções equivalentes a trechos da Jornada do Heroi, de
Joseph Campbell, que foi o modelo usado por George Lucas para a criação da série.
FONTE:
https://obasicoemletras.wordpress.com/2013/03/17/estruturas-narrativas-o-modelo-funcional-de-
propp/ Acesso em 10/03/2022.