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§ -

TIilGüÍsTIcA

A linguogem, sejo verbol,


escrita ou outros, #

permite oo ser humono


expressor quolquer ffi
pensomento,
o que foz delo o bose I d
de todo o conhecimento.
Apesor disso, o ciêncio
f
que o estudo, o lingüístico,
é pouco conhecido,
emboro tenha sido
o primeiro disciplino
I
de humonidades a
=:É
ganho r status ci e nt ífi co.
Conhecer um pouco
do histôria desso ciêncio
- e a importãncio do estudo
do linguogem - é o objetivo

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deste ortigo.

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I

Aldo Bizzocchi
Programa de Mestrodo
em Comunicoçõo,
Fundaçao Cósper Líbero (5ão Poulo)

38 . ctÊNcrA Ho,E . vol. z8 . ne :-64


L I
loco nas r;iências natti-
rais, como físlca, astronomia, biologia, e esqlrecem
que as disclpllnas de humanidades também sào
ciências. Hoje, porém, a maioria das ciências huma-
nas tem rlgor metodológico comparável ao das ciên-
cias naturais e usa ferramentas como a lógica e a
rnatemática para descrever seus objetos de estudo e
construir [eorias compiexas.
Para que as ciências hurnanas adquirissem esse
rigor, foi decisiva a contribuiçáo da lingiiística. Ela
foi a primeira dessas disciplinas a se constituir
como ciência, no final do século 18, com método e
obleto próprios e bem definidos, ernprestando de-
pois às demais o seu método de pesquisa. Para
entender como isso ocorreu, podemos fazer uma L ffi
viagem no tempo, ilesde a Antigiiidade, quando a
curiosidade sobre a iinguagem humana comeÇou a
inquietar os fiiósofos e sáblos, até os dias atuais.
Na verdade, a linguagem é táo importante que,
il ::l sem ela, náo seríamos capazes de pensar, pois todo
pensâmento estrutura-se na forma de algurna lin-
guagem, seja ela verbal, visual, gestual etc. O filóso-
fo grego Parmênides (535-450 a.C.) já dizia que "ser
e pensar sáo uma só e a inesma coisa", idéia reaÍir-
mada pelo filósoÍo Írancês René Descartes (1596-
1650) na famosa frase "penso, logo existo".
Náo é à toa que em r,árias doutrinas o conceito de
existência está intirnamente ligado à palavra: o
filósofo grego Heráclito (540-480 a.C.J chamou de
logos ['palavra', em gregoJ o princípio universai clo
'ser', ao mesmo tempo palarrra e pensamento. Na
mesma linha a Bíblia afirma, no Gênesis, que no
princípio era o 'verbo', ou seja, a palavra, Iiganclo o
conceÍto de linguagern diretamente à própria idéia
da'criaçáo' [ou existência). Se é impossível, como
destaca a fiiosofia da ciência. conhecer a realiclade
'em si', mas apenas construir uura imagem dela, )

setembro de zooo . clÊNCtA HolE . Sg

rra:r.j:i#f,
LIl{GUISTtCA

baseada em nossos sentidos e em nosso pensamen-


to, e se pensamento é linguagem, então a linguagem
é a base para todo o conhecimento humano sobre a A ORIGEi,I DOS ESTUDOS
natureza e o próprio homem. Apesar disso, a ciência
que a estuda, a lingüística, ainda é pouco conhecida. Aprimeira descriçáo minuciosa e sistemática de um
Quando se discute a questáo da linguagem, a idioma foi realizada por volta do século 6 a.C. por
primeira pergunta é: "Por que o homem fala?" Na um indiano chamado Panini. Ele elaborou uma
verdade, todos os.animais usam alguma forma de gramática do sânscrito, 1íngua sagrada da Índia. Mas
Iinguagem, mas os diversos ruídos que produzem só só na Grécia antiga, a partir do século 5 a.C., teve
expressam idéias genéricas de sentimentos, como início, de fato, a especulaçáo racional sobre a lin-
fome, dor ou medo. O homem é o único a usar uma guagem. Como para os filósofos gregos linguagem e
Iinguagem articulada, capaz de expressar todas as pensamento eram a mesma coisa, compreender o
nuances do pensamento, inclusir.e conceitos abs- pensamento exigia estudar a linguagem. Aristóteles
tratos. (.381-322 a.C,), por exemplo, ao propor suas catego-
Várias teorias tentam explicar como o homem rias do pensamento (substância, atributo, açáo etc.),
passou de grunhidos isolados a um sistema de estava de fato propondo o que é hoje conhecido
elementos articulados (as palavras) que se combi- como classes gramaticais: substantivo, adjetivo,
nam por um conjunto de regras (a gramática), for- verbo etc.
mando conceitos complexos. A explicaçáo mais É curioso que a preocupaçáo com o estudo da
recente é a 'teoria da torre de Babel', inspirada na lÍngua de uma civilização nunca ocorre quando ela
lenda bíblica segundo a qual, no princípio, todos os está em seu apogeu, mas só durante sua decadência.
homens faiavam a mesma língua, que teria sido Tal estudo assume, assim, um caráter de resgate do
confundida por Deus como castigo à ambiçáo huma- perÍodo áureo daquela civilizaçáo, marcado pela
na de atingir o céu construindo uma torre. influência de grandes autores, os chamados 'clássi-
Segundo a teoria da torre de Babei, a capacidade cos'. Quando o grego foi estudado de modo sistemá-
humana para desenvolver uma Iinguagem é produto tico, no século 4 a.C., a civilização grega náo estava
da herança genética: todos, ao nascer, sáo capazes mais no auge. Cidades que um século antes eram os
de aprender qualquer iinguagem. Se nós, brasilei- centros da civilizaçáo helênica, como Atenas, já
ros, falamos português, é porque essa é a primeira viviam sob o domÍnio do rei macedônio Alexandre,
língua que nos ensinam na infância. Essa capacida- o Grande. Ele também dominava o Egito, onde
de já devia estar presente nos ancestrais da espécie fundou a cidade de Alexandria, que se tornou logo
humana, os hominídeos, há alguns milhóes de anos, um póio cultural famoso por sua biblioteca e pelos
É claro que os hominídeos mais primitivos apenas sábios que lá trabalhavam.
grunhiam, mas com o tempo e a evolucão biológica Esses sábios iniciaram os estudos do grego. Eles
eles passaram a andar eretos, a fabricar instrumen- formularam a hipótese, hoje chamada de concepçáo
tos e a falar. 'clássica' ou 'imperial', de que as línguas, como os
A fala articulada resultaria, portanto, de uma impérios, apresentam três fases: a) a de formaçáo,
lenta evoluçáo a partir de um código primitivo de em que a língua, pobre e rude, é falada por pastores
grunhidos. Isso sugere que a primeira IÍngua huma- e camponeses, e surgem os primeiros autores;b) a de
na teria surgido em apenas um grupo de hominÍdeos, apogeu, quando surgem os grandes autores, por isso
fragmentando-se em muitos dialetos à medida que a chamados de'clássicos'; e c) a de decadência, em
populaçáo humana espalhou-se pela Terra. Essa que a língua comeÇa a se degenerar e diminui a
língua-máe de todos os idiomas, que os lingüistas qualidade da produçáo literária.
chamam de proto-world, teria sido falada há vários Em resumo, toda língua de cultura passaria por
milhares de anos. três estágios: arcaico, clássico e tardio. Náo por
acaso, o período clássico coincidiria com a fase de
apogeu político e econômico do Estado em que é
íalada. Essa concepçáo levou os sábios alexandrinos

êER
a elegerem o grego do sécuio 5 a.C., auge do poderio
político e econômico de Atenas, como o modelo de
I-
II

.À+L Iíngua a ser seguido. A gramática, definida como a


'arte de escrever com correçáo e elegância', tinha

z§,Í[ caráter eminentemente normativo, ou seja, era um


conjunto de regras a ser seguido por todos os que
pretendessem escrever bem.
As regras eram definidas pelo modo como os

4o o ctÊt'tctl HoJE. vol. 28. ne t64


'clássicos' haviam usado a língua. Mas existiam com imasens de cristo . u"r *,."ILP.3,P
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diferentes versóes dos mesmos textos clássicos, questáo, Sáo Tomás propôs que adorar imagens de
muitas com passagens obscuras, em função das Deus e dos santos enquanto objetos em si é um
mudanças sofridas pela língua. Para estabelecer as pecado, mas se estas sáo vistas como representaçôes
regras, portanto, os gramáticos precisavam escolher (signos) da divindade, então náo é pecado, pois a
em qde versão se baseariam. Para resolver esses adoraçáo é dirigida náo à imagem, mas à divindade
pr.rblemas, os sábios de Alexandria criaram tam- representada. Com isso, São Tomás de certa forma
iém a filologia. Só que, para estabelecer qual dentre antecipou a concepçáo 'metonÍmica' de signo: "O
as muitas versões de uma obra era a mais confiável, signo é a parte menor, material e visível, de uma
os filólogos se valiam das regras da gramática, cain- realidade maior, imaterial e invisível".
do assim em um círculo vicioso interminável. Na Renascença, a noçáo do signo como uma parte
Mesmo ultrapassada, a concepçáo clássica de do que ele representa foi substituída por uma con-
Iíngua ainda está presente, Por isso CamÕes ou cepçáo que enfatizava seu caráter material. Todo
Machado de Assis sáo tidos como clássicos da lín- signo, para os renascentistas, é signo de alguma
gua portuguesa - estaríamos, portanto, vivendo a coisa. A linguagem, portanto, seria um sistema
'decadência' dessa língua - e vemos os índios como racional de descrição da natureza, e seus signos
primitivos, com uma cultura e uma iíngua 'arcai- seriam representações adequadas da realidade. Os
cas'. Esse conceito errôneo tem levado a tragédias, pensadores daquela época, no entanto, jamais expli-
como o extermínio de populações'primitivas', tidas caram direito o que significa uma 'representação
como inferiores, por populaçoes que se acham mais adequada da realidade'.
avançadas, ou superiores. A maior contribuiçáo da Idade Moderna ao estu-
Veio também da Grécia antiga a primeira concep- do da linguagem foi a elaboraçáo das primeiras
ção de signo lingüÍstico, definido por Aristóteles gramáticas das línguas vulgares. Na Idade Média, só
como um som com significado estabelecido. Assim, o grego e o latim, consideradas línguas de civiliza-
a palavra'cáo', por exemplo, representa esse animal çáo, eram usadas em textos'cultos': obras jurídicas,
por uma convençáo estabelecida entre os falantes. de filosofia, de ciência etc. Restavam às línguas
Platáo (428-3a7 a.C.), outro filósofo grego, dizia vulgares - português, francês, inglês etc. - a poesia,
existirem duas realidades: a imanente, ou'mundo a prosa literária e o teatro. No Renascimento, sobre-
real', e a transcendente, ou'mundo ideal'. O mundo tudo após a invençáo da imprensa, no século 15, as
real, ou das'coisas' (res, em latim), é o que habita- línguas vulgares ganharam o caráter de lÍnguas
mos, e o ideal, ou mundo das 'idéias' (ideae, em nacionais e idiomas de cultura. Isso tornou necessá-
latim), é o das formas sem substância, só atingÍvel rio padronizar sua ortografia e definir sua gramáti-
pelo pensamento. Os signos seriam objetos do mun- ca, para conter a evoluçáo e a inovaçáo livres dos
do real (coisas) que representam objetos do mundo dialetos.
ideal (idéias). Surgem, assim, as primeiras academias (a Acca-
demia della Crusca, fundada em Florença em 1,572,
e a Academia Francesa, de 1634), com a missáo de
LÍilGUA E SIGilO ilA IDADE ITÉOn zelar pela pureza da lÍngua. O espírito purista teve
E NA RE]{ASCEil vários defensores entre as pessoas cultas da época,
e inspirou a maioria das gramáticas normativas de
o conhecimento da Idade Média, época de outras lÍnguas. É por isso que a gramática do portu-
grande obscurantismo cultural, era aquele herdado guês parece táo consetvadora: seu modelo é do
da tradiçáo greco-romana, conservado basicamente sécuio 17 e seus padróes de correçáo e elegância
nos mosteiros por monges que copiavam os antigos vêm de autores'clássicos'do século 19.
escritos gregos e latinos. O domÍnio da doutrina Na França, porém, a1ém da corrente purista, sur-
cristá nesse período acabou influenciando as idéias giu na época outra forma de pensamento sobre a
dos filósofos antigos, inclusive sobre a linguagem. A linguagem, infl uenciada peio racionalismo cartesiano,
grande síntese do pensamento medieval foi feita no e portanto bastante apegada à lógica: era a chamada
século 13 por Sáo Tomás de Aquino, que adaptou, escola de Port-Royal, sediada no convento de mesmo
em sua Suma Teológico, as idéias de Aristóteles aos nome, perto de Paris. Esses gramáticos publicaram
dogmas da Igreja. em 1.660 a Grammaire Générale et Raisonnée, qre
Na época, uma questáo essencial agitava o meio destaca a estrutura racional da linguagem, vista como
eclesiástico: adorar imagens é ou náo pecado? Um essencialmente 1ógica e universal. EIes atribuÍam
dos chamados Dez Mandamentos diz que não se discursos ilógicos e mal-entendidos de comunicação
deve construir nem adorar imagens da divindade, à natureza imperfeita do ser humano: os homens, e
mas os templos católicos sempre foram decorados seus discursos, sáo imperfeitos, mas sob esses discur- »

setembro de zooo. clÊNctA HoJE. {Í


-

sos há uma ordem perfeita e universal - ou seja, sões como 'língua viva', 'língua morta', 'língua-máe',
divina, Assim, a natureza última da linguagem deve- 'iínguas-filhas', 'Iínguas-irmás' e assim por diante.
ria ser buscada na teologia. A lingüística do século 19 buscava Ieis fonéticas
sem exceçáo que explicariam a evoluçáo das lín-
guas. Um dos méritos do método histórico-compa-
rativo foi mostrar que 'erros' gramaticais ou de
pronúncia de falantes menos escolarizados sáo, na
verdade, inovaçóes lingüísticas que, se aceitas pelos
stica torna-se uma ciência no sécu1o 19, ao demais falantes, têm seu uso disseminado e levam à
adotar o método de estudo denominado 'histórico- mudança (evoluçáoJ da língua. Mas isso náo explica
comparativo'. Esse método surgiu ainda no final do como uma língua funclona, apenas como evolui. É
sécuio 18, na Índla, então colônia da Inglaterra. Um evidente que a mudança lingüística decorre do uso
alto funcionário britânico da Companhia das Índias que é feito da língua, mas isso náo explica a causa da
Orientais, Sir William Jones, grande conhecedor de alteraçáo. Por isso, no final do século 19, o modelo
lÍnguas, percebeu diversas semelhanças entre o histórico-comparatlvo esgotou-se. O lingüista suíço
sânscrito, o grego, o latim e as línguas germânicas Ferdinand de Saussure [1857-1S13) percebeu isso e
(como o inglês). Como náo havia evidência histórica propôs uma nova abordagem, que deu origem à
de contato entre Europa e Índia, e como os textos em lingüística rnoderna. Por isso, ele é considerado o
sânscrito eram muito mais antigos que os gregos ou 'pai da lingüística'.
latinos, ]ones imaginou que todas essas línguas
seriam aparentadas e teriam um ancestral comum.
Essa hipótese levou ao estudo sistemático da O ilASCIMENTO DA tIilGÜͧTICA
história dessas línguas, através da comparaçáo das
suas formas, e as semelhanças e diferenças entre as
palavras de cada uma permitiriam reconstruir o era um dos maiores expoentes do méto-
idloma primitivo do qual teriam se originado, Essa do histórico-comparativo, tendo lecionado em gran-
língua hipotética, o 'indo-europeu', teria sido falada des universidades européias, como Paris e Gene-
em algum lugar entre a Europa Oriental e o Oriente bra, mas passou a criticá-lo, descontentando os com-
Médio entre B mil e 4 mil anos a.C, - muito antes da paratistas. Por isso, foi aos poucos afastado de suas
invençáo da escrita. Náo há qualquer registro dessa funções docentes na universidade, até que só pôde
língua, mas seu vocabulário e sua gramática sáo bem ministrar cursos de extensâo.
conhecidos hoje, graças ao processo de reconstru- Em três desses cursos, entre 1907 e 191.1, Saussure
çáo. Comparando, por exemplo, o sânscrito sintetizou suas idéias sobre o que deveria ser, a
vrkas, o grego 1ykos, o la- partir de entáo, a pesquisa da linguagem, mas ele
\ tim lupus, o gótico n irfs, morreu em 1913, antes de colocá-Ias no papel.
o lituano vilkas e outros, Estudiosos da época, porém, haviam freqüentado
chegou-se à palavra hipoté- esses cursos, notando o potencial revolucionário
tica indo-européia wlk"'os, dessas idéias, o que levou alguns deles, em especial
que signilica 'lobo . Charles Bally e Albert Séchehaye, a publicar, em
O mesmo processo, aplica- 1916, o Curso de Lingüística Gerol, a partir de fichas
do a todas as línguas conheci- das aulas do mestre e de anotaçóes de alunos.
das no mundo, permitiu clas- Na visáo de Saussure, a linguagem poderia ser
sificá-las em famílias lingüísti- estudada diacronicamente (por meio de sua evolu-
cas, de modo semelhante à cLassi- çáo histórica) ou srncronicamente (tomando como
ficaçáo de animais e plantas objeto de estudo um dado momento dessa evolu-
feita pela biologia. Aliás, a çáo). Portanto, a lingüística histórico-comparativa
biologia, ciência de maior era essencialmente diacrônica, ao passo que ele
prestígio no século 19, tor- propunha uma abordagem basicamente sincrônica.
nou-se o modelo de inspira- Saussure comparou a língua a um jogo de xadrez,
çáo da lingüística histórico- onde as peças sáo os elementos da língua e as regras
comparativa. Os lingüistas da sáo sua gramática. A configuração do tabuleiro após
época chegaram a comparar a cada jogada constitui uma sincronia, nào importan-
língua a um organismo vivo, do como o jogo chegou até ali nem o material de que
que nasce, cresce, se desen- sáo feitas as peÇas. Apenas a posiçáo relativa das
volve, se reproduz e morre. peÇas e sua funçáo - os movlmentos que podem
Daí o surgimento de expres- executar - têm importância.

42 . clÊNctA HoJE . vo[. 28 . ne 164


I. INGUI§TICA

§IGHO
Nascem daí outras importantes dicotomias. Em asr:
primeiro lugar, Saussure opõe 'língua' e 'fala'. A
língua seria o coniunto abstrato e socialmente par- mentaI
tilhado de signos e de regras combinatórias que de ávore para
os falantes do
permite produzir os atos de fala, e a fala seria cada
produçáo concreta feita por quem usa a língua. Ele
também distinguiu entre a'forma' e a'substância' da
língua. Sendo a língua um sistema onde o valor de
cada elemento náo está no elemento em si, mas na
funçáo que exerce, ela é basicamente um sistema de
formas ('formal') cuja substância é irrelevante. Tal
sistema, em que cada objeto mantém com os demais s,6r*rFr€§lTE ou EXPnES§ÃO
REFERENTE (forma acústíca ou gráfica da
uma relaçáo de semelhança que permlte reconhecê-
*t*
(árvores concíetas, palavra portuguesa árvore)
los como sendo do mesmo conjunto e uma relaçào existentes na natureza)
de diferença que permite identificar um a um, é
chamado de 'estrutura'. A constatação de que a
língua é uma estrutura é a base do'estruturalismo',
corrente de pensamento que dominaria a lingüÍstica não faz parte do signo e pode até não existir - que
e influenciaria as demais ciências humanas. 'coisa' é representada, por exemplo, pela palavra
Saussure insistiu ainda no caráter social da lín- 'amor'?
gua, oposto ao caráter individual da fala. Ele afir- O signo'árvore', do português, tem como signi-
mou que a língua é uma instituiçáo social, cuja ficante o som dessa palavra ou a seqüência de letras
explicaçáo última deve ser buscada na socioiogia, que a compóe, e como significado o modelo mental
e previu a criaçáo de uma ciência, chamada semio- de uma árvore, construído a partir da observaçáo
logia, para estudar todos os signos (verbais e nâo- de inúmeras árvores concretas. Tal conceito (o sig-
verbais) da vida social. A lingüística, que estuda os nificado) é uma abstraçáo baseada apenas no que
signos verbais, faria parte dessa nova ciência. é comum a todas as árvores: um tronco, raizes,
A concepçáo de signo de Saussure decorre do folhas etc. O que é circunstancial náo faz parte desse
caráter social da língua. Até entáo, as palavras eram conceito. Assim, existir ou náo o desenho de um
vistas como meros rótulos dados às coisas. Assim, coraçáo flechado no tronco, com os nomes de um
de uma Iíngua para outra mudariam apenas os homem e de uma mulher, r,ao faz parte da definiçáo
nomes pelos quais sáo designadas as mesmas coi- de árvore (ver figura).
sas. Saussure mostrou que, na verdade, línguas Ao pôr a visáo de mundo particular de cada povo
distintas dão nomes diferentes a coisas também dentro da linguagem, Saussure transformou o estu-
diferentes. Um exemplo: aquilo que os brasileiros do da linguagem em um valioso meio de compreen-
chamam de 'rio' recebe dos franceses dois nomes, der a ideologia - o modo de pensar - dos povos. O
fleuve ott riviàre, de acordo com o destino do curso desenvolvimento de suas teses fez com que o estru-
d'água em questáo: para o mar ou para outro rio. turalismo, aplicado de início à Iingüística, chegasse
Uma história folclórica conta que exploradores fran- às demais ciências humanas.
ceses surpreenderam-se ao encontrar, na África, um
curso d'água que nascia nas montanhas, corria pelas
savanas e. . . desaparecia no deserto. EIes náo sabiam
dizer se era um fleuve or uma riviêre. Isso mostra ESTRU
que cada povo expressa através de sua língua uma
visáo particular de mundo. Assim, a maneira como A partir de 1930, surgiram na Europa diversas esco-
cada língua'recorta' o mundo em conceitos influi no las lingüísticas. Entre as mais importantes estão a
próprio modo de pensar de cada povo. escoia de Praga, Iiderada por Iingüistas como Nikolai
Se, para Saussure, o significado do signo varia de Troubetzkoy, Roman lakobson e André Martinet, e
Iíngua para língua, entáo o próprio significado é a escola de Copenhague, de Louis Hjelmslev e Hans
parte do signo. Assim, ele concebeu o signo Uidall. Ao mesmo tempo, uma corrente lingüÍstica
Iingüístico como uma entidade de duas faces: o também 'estruturalista' surgia nos Estados Unidos,
significante ou expressáo (a forma material do sig- mas voltada para questões especÍficas daquele país.
no, ou seja, a forma acústica ou gráfica da palavra) Enquanto a Europa tinha como objeto de estudo
e o significado ou conteúdo (a imagem mental, ou as línguas européias, a maioria com longa tradiçáo
seja, o conceito da coisa designada). A'coisa'pro- Iiterária, lingüistas americanos, como Leonard
priamente dita, que Saussure chamou de referente, Bloomfield e Edward Sapir, estudavam as línguas »

setembro de 2ooo. ctÊNcrA HojE r 43


tIH§üͧTICÀ

à
ê indÍgenas de seu país, que náo têm escrita. guerra fria, entre Estados Unidos e Uniáo Soviética,

Seu grande desafio era tentar compreen- o serviço secreto norte-americano encomendou ao
der, a partir de gravaÇóes com Iingüista um método de ensino que tornasse mais
falantes, a estrutura dessas rápido o aprendizado de línguas estrangeiras (so-
línguas sem passado docu- bietudo russo) por seus agentes. Chomsky pensou
mentado, gramáticas ou dicio- que, se fosse possívei descobrir o que há de univer-
nários. Isso mostra que, par- sai na linguagem humana (aquilo que todas as IÍn-
tindo do mesmo método da guas têm em comum), a estrutura do pensamento
análise sincrônica, correntes humano seria obtida e poderia ser adaptada a qual-
diversas do estruturalismo quer IÍngua.
elaboraram teorias bastante diferentes. EIe partiu do princÍpio de que a aptidáo lingüÍs-
A escola de Praga dedicou-se à funda- tica é inata, de que as estruturas sintáticas de base
çáo da primeira disciplina dentro da nova sáo finitas e estáo registradas na mente humana
Iingüística, a fonologia (o estudo dos fonemas desde antes do nascimento. iá as infinitas 'estrutu-
da língua), oposta à fonética (o estudo dos ras gramaticais' (as frases que se pode formar nas
sons da fala). A escola de Praga mostrou que se várias lÍnguas) sáo 'geradas', a partir das estruturas
pode tratar o sistema de fonemas de uma língua de base, através de processos de 'transformaçao'
de modo lógico-matemático, usando ferramen- também em número finito - daÍ veio o nome de
tas até então exclusivas das ciências naturais. gramática gerativo-transformacional, Essa proposta
Os resultados obtidos na fonologia fizeram com converte a língua em um algoritmo matemático que,
que esse rigor metodológico fosse aplicado aos a partir de finitos estados iniciais e processos de
demais ramos da lingüística - a morfologia (estudo da transformaçáo, pode gerar infi.nitos enunciados fi-
estrutura e formaçáo das palavras), a sintaxe (estudo nais - processo simulável por computâdor. Eviden-
da frase), a semântica (estudo do significado) etc. - e, temente, essa teoria é valiosa para o desenvolvimen-
a seguir, a outras ciências humanas, entre elas a to de computadores 'inteligentes', que reconhecem
antropologia, a sociologia, a ciência poiÍtica, a histó- e processam enunciados lingüÍsticos.
ria e a ciência da comunicaçào. Em tese, aquele que dominasse as estruturas do
Em fins dos anos 60, o estruturalismo, ao lado do pensamento seria capaz de dominar todos os huma-
marxismo e do existencialismo, já era a corrente de nos. Felizmente, as apiicaçóes políticas da teoria de
pensamento mais respeitada das ciências humanas, Chomsky fracassaram. Restaram suas aplicações no
Essa corrente estabeleceu de modo inequívoco a processamento automático da informaçáo (leia,se
reiação entre a língua e a cultura, levando à idéia de informática) e no ensino convencional de lÍnguas.
que a natureza última da linguagem deve ser busca- Na Europa, o esgotamento do estruturalismo tam-
da no conjunto das ciências humanas. Do estrutura- bém foi percebido. Ocorre que, se a lingüística
lismo surgiram disciplinas de fronteira como a histórico-comparativa era estritamente diacrônica,
sociolingüística, que estuda a relaçáo entre língua e o estruturalismo c1ássico era estritamente sincrônico.
classes sociais, e a psicolingüÍstica, que estuda, Nenhuma das correntes fornecia uma explicaçáo
entre outras coisas, o aprendizado da lÍngua e as 'pancrônica', unindo evoluçáo e funcionamento da
patologias da linguagem. Outro mérito do estrutura- lÍngua. AIém disso, o estruturalismo ortodoxo estu-
Iismo foi ter realizado o projeto de Saussure de criar dava a língua mas náo a fala, a produçáo de mensa-
a semiologia - a ciência geral dos signos - pela gens mas náo sua recepçáo, o texto produzido mas
transposição de conceitos e métodos da lingüística náo as estratégias de produçáo, e assim por diante.
a outros sistemas de signos e outras linguagens: A partir do início dos anos 70, os aspectos deixa-
pintura, escultura, música etc. dos de lado pelos estruturalistas começaram a ser
investigados. O principal evento do perÍodo foi a
transformaçáo da semiologia estruturalista na
'semiótica', que pretende ser, mais que uma ciência
dos signos, uma ciência da significaçáo, ou seja, da
produçáo dos signos. Nessa ótica, os diferentes
do estruturalismo ocorre ao longo 'sistemas semióticos' - Iinguagens verbais, nâo-
dos anos 60, quando surgem novos pontos de vista verbais ou sincréticas, que unem o verbal ao náo-
sobre a linguagem. O principal deles aparece em verbal - náo sáo apenas sistemas de signos (conjun-
1957, no Iivro EsfruÍuras sintáticas, do iingüista tos finitos e estáticos de signos e regras de combina-
norte-americano Noam Chomsky. A origem da teo- çáo), mas sobretudo sistemas de significaçáo (que
ria de Chomsky - chamada de gramática gerativo- contêm, além de signos e regras, uma 'máquina
transformacional - é curiosa. No auge da chamada semiótica'capaz de produzir novos signos e novas

44 . ctÊNcrA HoJE . vol. 28 . ne 164


rili§{Jisrrcn
I
regras). Assim, um sistema semiótico é o que produz
discursos que, por sua vez, alteram o próprio siste-
ma, gerando novos discursos que mudam de novo o
sistema, em um ciclo contÍnuo. Sintetizando, a
língua evolui porque funciona e funciona porque
evolui, o que vale para qualquer linguagem.
Outro grande avanço das ciências da linguagem
na fase pós-estruturalista é a investigaçáo das estru-
turas elementares da significaçáo. Pode-se dizer que
enso, ogo exlsto...
i:

o estudo e a compreensáo dessas estruturas está pa-


ra a linguagem, e em conseqüência para o pensa-
mento, como a pesquisa e compreensáo das partícu- çoes em ciências naturais, como a computaçáo,
las elementares da matéria (elétrons, fótons, quarks onde a compreensáo da transmissáo e do processa-
etc.) está para a física. O princípio básico é o seguin- mento de informaçáo ajuda a criar programas de
te: tudo o que pensamos (sons, palavras, imagens, 'inteligência artificial', que simulam o raciocínio
cheiros, sentimentos etc.) é formado pela combina- humano, e a bioiogia, onde a principal utilidade está
Çáo de constituintes básicos chamados 'noemas'. na decodificaçáo do código genético, também uma
Assim, todo o conhecimento que o homem tem do Iinguagem. A lingüÍstica ajuda a decifrar escritas
mundo e de si mesmo compóe-se de noemas, agru- antigas (paleografia), a estudar Iínguas sem escrita,
pados de modo organizado, mais ou menos como as a identificar e tratar disfunções de Iinguagem (como
partículas elementares juntam-se para formar áto- gagueira e outras). Essas ciências têm ainda aplica-
mos, estes juntam-se para formar moléculas e assim çóes na psicologia e na psicanálise, na lógica e em
por diante. As pesquisas nesse terreno âpenas come-

t
conseqüência na matemática. Nos tempos atuais, a
Çaram, mas já apontam para uma convergência en- semiótica também é usada no estudo dos discursos
tre as ciências da linguagem, da significaçáo e da políticos, para detectar seu significado (muitas ve-
cogniçâo. zes oculto) e a ideologia subjacente a eles, e para
reconhecer as mentiras neles contidas.
Hoje, já consolidadas como ciências, a lingüísti-
DA tIilGÜísflGA ca e a semiótica continuam a se desenvolver e a
E DA SEMI órrcl ampliar seu campo de ação, como revelam os estu-
dos na área da cogniçáo humana. Mas ainda sáo
principal da ciência é levar o homem ao investigados os domínios tradicionais da lingua-
conhecimento, abrir sua visáo para novas realida- gem. Assim, permanece a busca de ancestrais co-
HILL, A, A. (org.)
des e alargar seus horizontes mentais. Isso é feito muns a todas as protolÍnguas identificadas no sécu-
Aspectos da
pela ciência pura. Secundariamente, a ciência pode Io 19, e para isso os lingüistas voltam-se hoje para lingüÍstica
ter aplicaçoes tecnológicas na soluçáo de problemas Iínguas pouco analisadas até âgora, como aquelas moderna,
São Paulo,
práticos do dia-a-dia. É a chamada ciência aplicada. nativas da América, África e Oceania. Cultrix/EDUSP,
Assim, mesmo que a lingüística e a semiótica náo Outros campos férteis das pesquisas atuais sáo a 1974.
MADEIRA, R. B.
tivessem aplicações práticas, o conhecimento que geolingüÍstica e a dialetologia, que estudam variações
Linguagem,
geram já justificaria sua existência. Mas elas tam- temitoriais de hábitos Iingüísticos - fonéticos, sintáti- semiótica
bém permitem várias aplicações. cos, léxicos etc, - para estabelecer mapas lingüÍsticos. e comunicação,
São Pauto,
A lingüística está para a área de letras como a Países desenvolvidos traçam e atualizam seus mapas Plêiade,
física está para a engenharia ou a biologia pâra a lingüísticos desde o século 1.9, mas no Brasil só exis- 1996.
MALMBERG, B. Á
medicina, por exemplo. Assim, há importantes apli- tem mapas parciais de algumas regiões, como Sáo língua e o homem.
cações da lingüística no ensino de iínguas, no ensi- Paulo e ParaÍba. No paÍs, também é valiosa a pesquisa lntrodução
no e no estudo cientÍfico da literatura, na crítica e descriçâo das línguas indÍgenas. aos problemas
gerais
literária, na elaboraçáo de gramáticas e dicionários, A língua tem sido sempre a principal marca da da lingüística,
na normalização de terminologia técnica e científi- identidade de um povo e é o que o faz lutar por sua Rio de Janeiro,
Nórdica/
ca e em muitas outras áreas. A semiótica, por sua Iiberdade e auto-afirmaçáo. Mais do que isso, não São Paulo,
vez, é muito útil na área das comunicações e das se pode esquecer que todo desentendimento hu- Duas Cidades,
artes, com aplicações no jornalismo, na publicida- mano, entre pessoas ou entre grupos, decorre antes 1976.
MORRIS, C. W.
de, no marketing e no estudo da pintura, da escultu- de tudo de falhas de comunicação. Por isso, enten- Fundamentos
ra, da música, do teatro, do cinema etc. É ainda útil der a comunicação humana e seu instrumento, a da teoria
dos signos,
ao estudo de qualquer linguagem (na arquitetura, na linguagem, é náo apenas interessante e fascinan- Rio de janeiro,
culinária, na moda etc.). te, mas sobretudo imprescindÍvel para viver em Eldorado,
A lingüística e a semiótica também têm aplica- harmonia. r 7976.

setembÍo de 2ooo . ctÊNclÀ HolE . ls

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