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Formação em Teologia

Volume 14

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Conteúdo licenciado para Daniela Mansur - 657.806.982-87
Formação em Teologia

Livros Poéticos - Parte 01

O Livro de Salmos
O título do livro como o conhecemos vem da Septuaginta (Vulgata). No
grego, psalmos foi usado para traduzir a palavra hebraica mizmor, que vem da raiz
verbal zamar, que significa "cantar/tocar". O título hebraico, Tehillim, significa
"louvores". Dos 27 livros do Novo Testamento, 23 livros falam alguma coisa do Livro
de Salmos, assim, há uma estreita relação entre Salmos e o Novo Testamento, até
mesmo no primeiro sermão da igreja, no Livro de Atos, vemos uma citação. Temos
no total 116 citações, e isso representa 40% das citações no Novo Testamento.

I Contexto histórico
O livro possui 150 poemas escritos num longo período de tempo, sendo
assim, o contexto histórico dos salmos é a própria história israelita. Um outro ponto
precisa ser observado, devido ao caráter dinâmico do livro, e ao fato de ser usado
no culto durante toda sua história, existe muita discordância para determinar o
período específico de cada salmo.

II Os títulos dos salmos


Os títulos fornecem informações importantes sobre a autoria dos salmos,
referência histórica, arranjo musical e uso na adoração comunitária. Os títulos
devem ser considerados uma tradição antiga e confiável, por isso as informações
que eles nos trazem são úteis e relevantes. Dillard e Longman III escrevem: "Os
títulos não são originais, mas antigos; não canônicos, mas confiáveis.”

III Autoria
Como vimos, os títulos nos trazem referências sobre a autoria dos salmos,
essas informações nos levam aos seguintes dados:

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Asafe (12 salmos), os filhos de Coré (11 salmos), Salomão (2 salmos), Jedutum (4
salmos), Hernã, Etã e Moisés (1 salmo de cada) e Davi (73 salmos na tradição textual
hebraica, nas versões gregas e latinas esse número é maior). Essa diferença em
relação a autoria dos salmos davídicos se dá porque a preposição em hebraico, que
aparece ao lado do nome de Davi, pode ser traduzida de algumas formas diferentes
como: “de Davi”, “para Davi”, “sobre Davi”, “por Davi”.

IV Contexto social
Muitos estudiosos divergem sobre a interpretação do contexto histórico,
alguns chegam a afirmar que é inútil, enquanto outros defendem que o contexto
histórico de cada salmo é totalmente verificável, a tendência de hoje, como já
mencionamos, é de não dar ao contexto histórico centralidade e instrumentalidade
na interpretação do texto, a alternativa que surge então é o contexto social, isto é,
como os salmos eram usados e como funcionavam na adoração de Israel. No
próprio texto encontramos referência, por exemplo, à peregrinação, ao templo e aos
atos de adoração.
Os Saltérios, como também é chamado, funcionava como o hinário de Israel.
O adorador israelita tinha uma oração pronta para todas as circunstâncias da vida,
portanto, o texto tem a capacidade, não de recriar com clareza um determinado
momento histórico, mas de revelar a mentalidade de adoração do povo Israelita. O
fato de ser usado no culto de Israel faz com que os eventos históricos percam
clareza e precisão, já que os textos eram usados ao longo dos anos e os eventos
acabam se perdendo na experiência litúrgica, conferindo ao texto uma flexibilidade
e um dinamismo inerentes a experiência religiosa, isto é, sai de cena o evento que
originou o salmo e entra em cena a experiência cumulativa do povo, de usar um
determinado texto ao longo dos anos em situações de culto a Deus.

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Exemplo, por ocasião da Páscoa, durante a refeição, um primeiro cálice


circulava pela sala onde os participantes da festa bebiam e davam ações de graça,
o cordeiro era colocado na mesa com os pães sem fermento, depois ervas amargas
e uma tigela de purê eram trazidas, o pai ou leitor oficial contava a história do êxodo
e cantavam a primeira parte dos salmos 113 - 114, Halel, Salmos 113-118. O segundo
cálice passava e faziam a refeição, após o término, o terceiro cálice era abençoado
e todos bebiam. O quarto cálice era acompanhado da bênção do chefe da casa ou
do oficiante, que abençoava a todos com o salmo 118:26 “Bendito é o que vem em
nome do Senhor. Da casa do Senhor nós os abençoamos”.
A pergunta que se segue é, qual a relação do povo com os salmos
mencionados? A relação direta era com um evento histórico ou com a experiência
de, a cada ano, usarem no culto e na celebração pascal? Evidente que a abordagem
que prevalecia era a experiência do uso dos salmos no culto. Desta forma os salmos
eram tão presentes na vida e no culto de Israel que alguns historiadores afirmam
que o Saltério seria lido na sinagoga, num ciclo de um ou três anos, de acordo com
a forma que era feita a divisão da estrutura do livro como um todo.

V Poesia Bíblica

A poesia apresenta imagens concretas para transmitir ideias abstratas,


assim, “A Poesia consiste na redação escrita tipificada pela brevidade, pelas
palavras vivas, pela criatividade verbal, por ter unidade o verso poético, e pelo grau
de estrutura” (Klein, Blomberg e Hubbard Jr.). Já estudamos, no Livro de Jó, alguns
conceitos da poesia bíblica e dos princípios que devemos adotar para interpretar
um texto poético, agora, no estudo de Salmos, complementaremos, trazendo ao
estudante novas ferramentas para ler, interpretar e entender a poesia bíblica:

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Paralelismo - Começaremos mostrando o que não é paralelismo. O paralelismo não


quer dizer que o segundo verso reafirma ou contesta o sentido do verso anterior
com palavras diferentes, ou seja, o paralelismo não pressupõe um sinal de igual
ligando os versos:

“Paralelismo é o fenômeno através do qual dois ou mais versos


sucessivos dinamicamente fortalecem, reforçam e desenvolvem o
pensamento uns dos outros. Como uma espécie de pensamento
adicional, os versos seguintes definem, especificam, intensificam ou
contrastam, o primeiro um pouco mais. Como define Berlim: “O
paralelismo concentra a mensagem em si mesma, mas a sua visão é
binocular. Do mesmo modo que a visão humana, ela sobrepõe dois
ângulos diferentes do mesmo objeto e da sua convergência ela produz
uma sensação de profundidade.” (Klein, Blomberg e Hubbard Jr.)

Algumas informações adicionais são necessárias para analisarmos o


paralelismo na poesia bíblica, e consequentemente no Livro de Salmos. O nome que
damos para um verso separado da poesia é linha poética, duas linhas poéticas
formam uma unidade chamada de parelha ou dístico; três linhas paralelas formam
um terceto ou um trístico. Quando vamos analisar o poema atribuímos uma letra
maiúscula a cada linha considerada paralela. Observe o exemplo abaixo:

a b c
A Clamo a Deus por socorro
a’ b’ c’

B clamo a Deus que me escute

(Salmo 77:1)

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É possível que em uma das linhas exista uma omissão ou acréscimo de


palavras, desenhando contrastes e significados do texto poético. É possível ainda
que a primeira linha tenha o mesmo significado, usando apenas palavras
diferentes, não havendo desenvolvimento de significado da linha “A” para a linha
“B”, mas é importante o estudante notar que esses casos são raros, como já
dissemos, o paralelismo não pressupõe sinônimo. O contraste entre as linhas pode
ser criado de diversas formas, como, por exemplo, enquanto a primeira linha
exprime uma afirmação, a segunda linha faz uma pergunta, ou o uso de palavras
com sons semelhantes na parelha. Segue abaixo uma tabela resumindo as
principais formas de paralelismo:

Tipo Definição Relação


A e B são equivalentes

A=B A é igual a B B é um eco / contraste de A

A expressa a ideia principal

A>B A é maior que B B dá uma qualificação


adicional
A introduz ideia principal
B expressa a ideia principal
A<B B é maior que A
para complementar ou
completar A

A poesia e o imaginário - A natureza da linguagem poética é construída com


palavras que criam imagens, pintam quadros, como diz Hyken, em seu livro “How
to read” (Como ler), “Palavras que evocam uma experiência sensorial em nossa
imaginação”.

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A escolha das palavras é tão fundamental porque as palavras certas podem


despertar quadros mentais vivos e emoções poderosas, capturando nossos
sentidos e emoções. Observe:

“Rios de lágrimas correm dos meus olhos, porque a tua lei não é obedecida.”
(Salmo 119: 136)

“Quão doces são as tuas palavras ao meu paladar! Mais que o mel à minha boca.”
(Salmo 119: 103)

“Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para os meus caminhos.”
(Salmo 119: 105)

Figuras de linguagem - Ainda mais importante que os paralelismos, é reconhecer


as figuras de linguagem. Na Bíblia, as duas principais figuras de linguagem são a
símile e a metáfora. A símile é uma figura de linguagem que compara as coisas,
comumente usando o termo “como”. Veja o exemplo:

“Como um lírio entre os espinhos é a minha amada entre as jovens.” (Cânticos 2:2)

A metáfora também faz comparação entre duas coisas, mas não usa
nenhuma conjunção, a correspondência estabelecida acontece de forma brusca.

“A tua palavra é lâmpada que ilumina os meus passos e luz que clareia o meu
caminho.” (Salmo 119: 105)

Existe ainda um tipo de metáfora chamada antropomorfismo, acompanhe o


exemplo:

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“Os olhos do Senhor voltam-se para os justos e os seus


ouvidos estão atentos ao seu grito de socorro; o rosto do
Senhor volta-se contra os que praticam o mal, para apagar
da terra a memória deles.” (Salmo 34: 15,16)

O texto não faz uma afirmação teológica sobre a corporeidade de Deus, mas
simplesmente, que Ele usa todos os seus sentidos em favor do seu povo. A metáfora
compara duas coisas que, mesmo sendo diferentes através da percepção do poeta,
encontram algo em comum como ponto de referência, criando a imagem que o
poeta julga ser necessária, a fim de comunicar o sentido pretendido.

Superinterpretação de símiles e metáforas - O salmo 92: 12 diz que o justo


“florescerá como a palmeira”. A superinterpretação faz o leitor abandonar o
contexto, ignorar o sentido da imagem criada e criar associações diretamente
ligadas à própria imagem, descaracterizando a relação entre as coisas que foram
comparadas, por exemplo, ao invés de perceber a relação entre o florescimento do
justo e o da palmeira, o leitor se concentra na palmeira fazendo projeções e
afirmações que são inadequadas ao florescimento do justo. Isso pode acontecer,
tanto no caso da símile, quanto no caso da metáfora.

Obs.: na sua apostila, lembre-se do Livro de Jó, de como se deve interpretar a


linguagem poética.

VI O que você procura em uma poesia?


Depois de termos estudado sobre a poesia bíblica, a pergunta que devemos
responder é justamente o que procuramos numa poesia? Como devemos lê-la?
Essa questão será respondida depois de estudarmos mais de perto o gênero no
Livro de Salmos.

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VII Gênero
Salmos é uma antologia (coleção) de poemas agrupados, e por sua extensão,
comporta vários tipos de texto. A seguir os principais gêneros:

Hino - O gênero característico de Salmos é o hino, a marca característica é o louvor


ao Senhor:

“Celebrai com júbilo ao Senhor, todas as terras. Servi ao


Senhor com alegria, apresentai-vos diante dele com cântico.
Sabei que o Senhor é Deus; foi ele quem nos fez, e dele
somos; somos o seu povo e rebanho do seu pastoreio.”
(SI 100: 1-3)

Normalmente o louvor é justificado como é observado na argumentação de


Dillard e Longman III:

“O salmo 29 canta louvor a Deus porque Ele é o rei (cf. Sl 47, 93, 95,
96); o salmo 24 louva a Deus porque Ele foi vitorioso sobre os inimigos
de Israel; o salmo 45 louva a Deus no contexto de um casamento real; e
o salmo 48 exalta Sião como o lugar da presença especial de Deus.”
(SL 46, 76, 87)

Os hinos são originalmente parte de uma festividade israelita, os dois


elementos principais na estrutura de um hino são “a convocação para louvar,
dirigida a outros adoradores e provavelmente ministrado por um cantor ou coral, e
o próprio louvor a Javé.” (Klein,Blomberg e Hubbard Jr.). Segue mais alguns
exemplos de salmos que são hinos: 8; 19; 65; 66; 67; 68; 95; 96; 100; 104; 105.

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Lamento ou protesto - Os lamentos são identificáveis com base na origem do


problema enfrentado, a origem pode ser o inimigo (Sl 51; 57.4); o próprio salmista
(Sl 22:14-15); ou a fonte pode ser o próprio Deus, nesse caso, o salmista está lutando
com Deus e sentindo-se abandonado, ferido, amargurado e cheio de dúvidas:

“Por pão tenho comido cinza e misturado com lágrimas a


minha bebida, por causa da tua indignação e da tua ira,
porque me elevaste e depois me abateste.” (Sl 102: 9-10)

Os lamentos tem estrutura definida com 7 elementos, o que não significa que
todos os salmos de lamentos tenham os 7 elementos, ou ainda que eles apareçam
em ordem no texto. Os elementos são:

A. Invocação;
B. Apelo a Deus por ajuda;
C. Reclamação;
D. Confissão de pecado ou declaração de inocência;
E. Maldição aos inimigos (imprecação);
F. Confiança na resposta de Deus;
G. Hino ou benção.

Importante dizer, baseado no último elemento, que os salmos de lamento


geralmente terminam em louvor, marcando a transição da tristeza para alegria, ou
ao menos, à esperança de que isso aconteça.

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Salmos de ação de graças - O salmista expressa a sua gratidão. É uma grande


experiência ter passado por uma situação difícil e ter recebido o favor do Senhor,
um livramento ou algo do tipo. Um exemplo é o salmo 18, importante salientar que
o texto é dirigido tanto a Deus quanto aos ouvintes da cerimônia, visto que esses
salmos eram feitos para serem usados em “cultos de gratidão”.

Salmos de confiança - São declarações de confiança em Deus como protetor, vale


dizer que em outros estilos de salmos também encontraremos tais expressões, a
questão é que, nesses salmos específicos, as declarações de confiança são o cerne
do texto. Encontramos isso em 9 salmos (SI 11, 16, 23, 27, 62, 91, 121, 125, 131).

Salmos de recordação - Primeiro, precisamos notar a importância da memória


dentro do culto e da adoração, pois a memória cria ações e reações. Esse tipo de
salmo se volta para os atos redentores de Deus como forma de construir esperança
no presente, ensinando que Deus é confiável, vemos esse direcionamento nos
salmos 78, 105, 106, 135 e 136.

Salmos de sabedoria – Esses olham na mesma direção que a literatura de


sabedoria (Provérbios e Eclesiastes). Muitos especialistas reconhecem que alguns
salmos “não pertenciam a vida pública de adoração do povo, mas, sim, a esfera
educacional particular de seus sábios. (...) Esses Salmos tem uma intenção didática
e se concentram em questões éticas como a justiça do sofrimento humano e a
aparente injustiça de Deus em tolerá-la. Teologicamente, o seu interesse está mais
em Deus como criador e governante cósmico do que como redentor de Israel e
Senhor.” (Klein, Blomberg e Hubbard Jr.). Temos os salmos 1; 19; 33; 39; 49; 127.

Salmos de realeza - Apontam tanto para o rei humano, que tem a sua
representação na figura de Davi, como apontam para Deus como o rei.

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Salmos Penitenciais - A primeira coisa importante a saber é que não se trata de


penitência no sentido de auto flagelo, comum em algumas religiões onde a pessoa
se açoita ou passa por restrições auto impostas. Existem 7 salmos (6, 32, 38, 51,
102, 130 e 143) extremamente dolorosos onde o indivíduo contrito e aflito busca
misericórdia de Deus para o seu pecado, o alívio do transtorno que ele
eventualmente possa ter causado a alguém e a restauração da alegre intimidade
com Deus. Estes salmos são preciosos para que possamos expressar o nosso
arrependimento e desejo por misericórdia e restauração, frente aos pecados que
cometemos contra Deus e contra o nosso próximo.

Salmos de Liturgia - É o texto usado na adoração, onde os participantes têm as


suas falas numa espécie de diálogo (forma responsiva). Observe abaixo:

Dêem graças ao Senhor porque ele é


Chamado ao louvor feito pelos
bom; o seu amor dura para sempre.
Sacerdotes
Que Israel diga:
Congregação O seu amor dura para sempre

Os sacerdotes digam
Sacerdotes
O seu amor dura para sempre
Congregação

Na minha angústia clamei ao Senhor;

Testemunho de um Indivíduo e o Senhor me respondeu, dando-me


ampla liberdade…

Abram as portas da justiça para mim,


pois quero entrar para dar graças ao
Senhor.
Esta é a porta do Senhor, pela qual
entram os justos. Dou-te graças,

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porque me respondeste e foste a
minha salvação.A pedra que os
construtores rejeitaram tornou-se a
pedra angular.Isso vem do Senhor, e é
algo maravilhoso para nós. Este é o
dia em que o Senhor agiu; alegremo-
nos e exultemos neste dia.

Salva-nos, Senhor! Nós imploramos.


Faze-nos prosperar, Senhor! Nós
suplicamos.
Bendito é o que vem em nome do

Petição/ Ação de Graças da Senhor. Da casa do Senhor nós os

Congregação abençoamos.
O Senhor é Deus, fez resplandecer
sobre nós a sua luz. Juntem-se ao
cortejo festivo, levando ramos até as
pontas do altar.

Tu és o meu Deus; graças te darei! Ó


Ação de Graças de um indivíduo
meu Deus, eu te exaltarei!

Dêem graças ao Senhor, porque ele é


Sacerdote
bom; o seu amor dura para sempre.

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VIII Os Salmos e a Morte

Cântico fúnebre - As características principais desse tipo de texto são o lamento,


a descrição de algum desastre e uma convocação para que os outros lamentem,
segundo Klein,Blomberg e Hubbard Jr., o cântico fúnebre “é uma lamentação
funerária entoada como parte de ritos antigos”. A importância desse material está
na influência de vários textos como os salmos 35: 13-14; 44; 77.
Esses salmos são canções para o momento do luto, logo, é importante saber
como os israelitas entendiam a morte. No Antigo Testamento não vemos de forma
direta uma crença em vida após a morte. Para muitos pode ser surpreendente,
apesar de Deus já ter se revelado de forma significativa, a nação de Israel não
possuía uma crença ou entendimento da vida pós-morte. Na sequência de textos
abaixo, veja a relação e percepção do salmista sobre a morte, que reflete a
mentalidade de seu tempo:

‘’Quem morreu não se lembra de ti. Entre os mortos, quem te


louvará?’’ (Sl 6: 5)

"Se eu morrer, e descer à cova, que vantagem haverá? Acaso


o pó te louvará? Proclamará a tua fidelidade?’’ (Sl 30: 9)

‘’Mostra-me, Senhor, o fim da minha vida e o número dos


meus dias, para que eu saiba quão frágil sou. Deste aos meus
dias o comprimento dum palmo; a duração da minha vida é
nada diante de ti. De fato, o homem não passa de um sopro.’’
(Sl 39: 4,5)

“Lembra-te de como é passageira a minha vida.” (Sl 89: 47)

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‘’Acaso mostras as tuas maravilhas aos mortos? Acaso os


mortos se levantam e te louvam? Será que o teu amor é
anunciado no túmulo, e a tua fidelidade, no Abismo da
Morte? Acaso são conhecidas as tuas maravilhas na região
das trevas, e os teus feitos de justiça, na terra do
esquecimento?’’ (Sl 88: 10-12)

Curiosamente, os egípcios pensavam mais na vida após a morte do que o


povo de Israel. C. S. Lewis argumenta como os salmistas ajudaram a construir um
conceito de eternidade: “Quando Deus começou a se revelar aos homens,
mostrando que ele, e mais ninguém, é o verdadeiro objeto e satisfação de suas
necessidades, que deveria ser alvo dos clamores humanos simplesmente por ser
quem ele é, independentemente do fato de ter poder para lhes conceder ou negar
alguma coisa, talvez isso fosse absolutamente necessário, que esta revelação não
começasse com nenhuma alusão a bem-aventurança ou à perdição futura”.
O aprendizado sobre a eternidade não começou com lições sobre o céu e o
inferno, de outra forma, a eternidade começou a ser ensinada com o apetite por
Deus, que esbarra nas esperanças e temores pessoais: “depois de séculos de
treinamento espiritual, os homens estão aprendendo a desejar e a adorar a Deus,
a suspirar por ele “como suspira a corça”, aí é diferente. Pois então os que amam a
Deus desejarão não somente desfrutar dele, mas “desfrutar dele para sempre” e
temerão perdê-lo”.
Precisamos aprender com o Livro de Salmos que o senso de justiça, abalado
por temores e circunstâncias da vida, criam uma rota de colisão entre as nossas
“fomes” e “desejos”, criando no coração uma esperança frustrada. A justiça que se
espera e se frustra afeta a nossa (ad)oração. Esse ato de orar que sobrevive ao
desencanto e a frustração, essa adoração que permanece depois do luto da alma,
aprende a reconhecer a soberania de Deus e transforma a esperança:

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“Século após século, por golpes que nos parecem cruéis, pela derrota,
pela deportação e pelo massacre, os judeus foram persuadidos de que
a prosperidade terrena não é de fato, a forma mais correta ou mesmo
provável de se ver Deus. Toda esperança deles foi frustrada.”
(C.S. Lewis)

O salmista se torna um profeta, um revolucionário, pois os seus olhos estão


postos além, fixados em Deus, a eternidade começa a ganhar contorno, a oração se
enche de alegria, além de conquistas terrenas, a adoração rompe a percepção
limitada e subtraída pelo pecado!

“Aleluia! Louve, ó minha alma ao Senhor. Louvarei ao Senhor


por toda a minha vida; cantarei louvores ao meu Deus
enquanto eu viver.” (Sl 146: 1,2)

IX Salmos Imprecatórios

Como vimos anteriormente, o “Lamento” pode apresentar a característica


da imprecação, ou amaldiçoar os inimigos, nesse ponto do nosso estudo veremos
especificamente os salmos que são imprecatórios.
Alguns textos no Livro de Salmos podem gerar estranheza, os salmos
imprecatórios tem a capacidade de deixar constrangidos muitos cristãos sinceros.
Leia com atenção os salmos 59: 12b-13; 109: 6-15; 137: 7-9 e 139: 19-22. O
estudante da Bíblia deve interpretar a linguagem desses textos como hipérbole,
exageros emocionais de alguém que está num estado de agonia, com raiva, e
espera sensibilizar a Deus para agir em seu favor.

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Esses salmos servem à função de “expor a violência e a opressão do mundo


para que não sejam ignoradas, e de dar às suas vítimas as palavras para
expressarem o seu legítimo desespero e afronta.” (Klein, Blomberg e Hubbard Jr.).
Entretanto, é muito importante lembrar como esses mesmos autores citados
advertem que os salmos imprecatórios devem ser lidos à luz da crítica bíblica sobre
a vingança (Rm 12: 9-21).

X Discussão teológica
Os salmos imprecatórios suscitam um debate, como textos tão pesados
podem fazer parte da Bíblia? Começamos a discussão ouvindo os argumentos de
Dillard e Longman III: “Outra relação que salta aos nosso olhos, muitas vezes o
salmista revela sua preocupação com a justiça e com a lei, o salmista chega a dizer
expressões fortes como: ‘’eu odeio escarnecedores’’, essa preocupação com a
justiça e com a lei, move o coração e as palavras do salmista, numa posição
radicalmente contra os que não andam em retidão, que muitas vezes suas palavras
soam ofensivas, percebemos que a ética citada nos versos é diferente da que
aprendemos, e nem por isso o Livro de Salmos é menos importante ou menos
inspirado, apenas devemos saber como vê-lo. Salmos é essencialmente poesia.
O outro potencial obstáculo para uma teologia do Saltério é que ele é um
livro composto principalmente de preces, homens e mulheres clamando a Deus, e
nesse sentido, Salmos pode ser contrastado com o restante do Antigo Testamento.
Por exemplo, nos profetas ouvimos claramente a voz de Deus quando Ele se dirigia
à comunidade por meio do seu mediador escolhido (cf. a frase familiar "assim diz o
Senhor"). Por essa comparação, muitos concluem que Salmos se apresenta como a
resposta humana ao encontro divino, assim, embora instrutivo, seu ensino não é o
de uma teologia normativa.

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Muitas pessoas sustentam esse tipo de ideia sobre o Saltério, apelando às


maldições dos salmos (69: 22-29; 109:6-21). Deus não está ensinando seu povo a
odiar os inimigos, está? Afinal de contas, em outras partes, Deus instrui seu povo a
amar os seus inimigos. É uma verdade incontestável que os salmos são orações,
não oráculos, porém, a inclusão deles no cânon certifica sua natureza como Palavra
de Deus, afinal de contas, embora a presença divina esteja muito mais clara nos
profetas, e até mesmo nos livros históricos, Suas palavras também foram
proferidas por intermédio de seres humanos.
Além disso, nem todas as preces de Israel se encontram no Saltério, as
orações de Salmos são aquelas aprovadas pelos sacerdotes na adoração formal de
Israel (I Cr 16.4-38). É importante discutir a teologia do Saltério, contudo,
precisamos ter em mente que “a teologia do livro é extensa, mas não sistemática,
que é confessional e doxológica, não abstrata.” Também vale lembrar que essa
atitude agressiva e vingativa não é correta nem mesmo dentro do judaísmo:

"Se você encontrar perdido o boi ou o jumento que pertence


ao seu inimigo, leve-o de volta a ele. Se você vir o jumento de
alguém que o odeia caído sob o peso de sua carga, não o
abandone, procure ajudá-lo.” (Ex 23: 4,5)

"Não guardem ódio contra o seu irmão no coração; antes


repreendam com franqueza o seu próximo para que, por
causa dele, não sofram as consequências de um pecado. Não
procurem vingança, nem guardem rancor contra alguém do
seu povo, mas ame cada um o seu próximo como a si mesmo.
Eu sou o Senhor.” (Levítico 19: 17,18)

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A mesma ética do Antigo testamento que ensina o “olho por olho”, que
incentiva as batalhas por conquista, devido ao seu contexto histórico, que manda
apedrejar o adúltero, não deixa de ter misericórdia com o inimigo, e são textos que
mostram que, a hostilidade presente em alguns salmos, não têm respaldo ético,
como também vemos em Provérbios, e importante ao ponto de Paulo repetir:

“Não se alegre quando o seu inimigo cair, nem exulte o seu


coração quando ele tropeçar.” (Provérbios 24: 17)

“Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede,


dê-lhe de beber.” (Provérbios 25: 21)

“Pelo contrário: "Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer;


se tiver sede, dê-lhe de beber. Fazendo isso, você amontoará
brasas vivas sobre a cabeça dele." (Romanos 12: 20)

C. S. Lewis observa que há um requinte de maldade ao pronunciar uma


bênção a qualquer um que pegue a cabeça de um bebê babilônico e bata numa
pedra (Sl 137: 9), ou ainda no salmo 143, depois de traduzir e comunicar tão
perfeitamente a angústia humana durante 11 versículos, no versículo 12 surgem
palavras tão duras: “aniquila o inimigo”.
Esses salmos desconcertantes revelam algo que todos conhecem muito bem,
como diz C.S. Lewis: “O ressentimento expressando-se com total liberdade, sem
disfarce, sem inibição, sem vergonha… não era preciso disfarçar o ódio em nome
do decoro social ou por temor de que alguém o acusasse de neurose”. Esses
sentimentos, por conta do pecado, estão presentes dessa forma para apresentar
orações sinceras. Ao se prestar um louvor sincero e autêntico, é inevitável passar
por esse lugar, onde residem os nossos sentimentos mais vis.

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Desta forma, se o Livro de Salmos nos ensina a orar e adorar, conectando a nossa
alma ao nosso Deus, não há como deixar de fora nenhum canto da alma, nem os
mais sujos e incômodos, pois eles são reais. Se quisermos orar e louvar de verdade,
esses cantos precisam ser expostos, então, que os salmos cumpram esse papel.
A percepção de Lewis da questão é esclarecedora: “É extremamente raso ler
as maldições nos salmos e não ter qualquer sentimento a elas, exceto a de horror
diante da falta de compaixão dos poetas. Eles são verdadeiramente maus. Mas
também devemos pensar naqueles que fizeram com que eles se tornassem tão
maus. Seu ódio é reação a algo. Esse ódio é o tipo de sentimento produzido graças
a algum tipo de lei natural, pela crueldade e pela injustiça. Injustiça, entre outras
coisas é isso. Tire de um homem a sua liberdade ou os seus bens e é possível que
você tire dele sua inocência, ou talvez sua humanidade. Nem todas as vítimas se
enforcam. Algumas vivem para alimentar esse ódio”.
E Lewis complementa: “A indignação é pecado, mas ao menos mostra que
aqueles que a sentem não se permitem sucumbir”. Existe um sentimento de que “tal
coisa não é justa” gravado na alma, e sua conclusão é de que “se os judeus
amaldiçoavam com mais amargura do que faziam os pagãos, em minha opinião
isso era resultado, ao menos em parte, do fato de eles levarem mais a sério”. E não
devemos pensar que esses salmos estão presentes na Bíblia apenas como uma
licença poética, longe disso, eles são Palavra de Deus por duas razões: 1) Ensinam
a não maquiar a raiva e o ressentimento, e apresentá-las de forma honesta a Deus;
e 2) Advertem sobre o risco de ter a alma inflamada pelo ressentimento e tornar-
se perseguidor zeloso, que usa a justiça como pretexto para ser vingativo,
irreconciliável, soberbo, intransigente, sem afeto nem paz.

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O que você procura em uma poesia?

Agora essa pergunta pode ser respondida, os versos desses salmos chegam
a nós pela poesia, usada para ministrar e nos conduzir entre inúmeros sentimentos
e experiências ruins que colecionamos ao longo da vida, iluminar os recantos
escuros que ocultam os ressentimentos e injustiças para acender a verdade,
revelando o nosso pior para poder tratar-nos. A poesia dos salmos torna essa
jornada possível e suportável.

XI Cristão sente raiva?


Nosso estudo até aqui é suficiente para mostrar que a resposta é “sim”, o
Livro de Salmos ensina nossa alma a falar a verdade, mesmo que seja indesejada
e/ou esteja escondida. A noção de justiça é enferma sem a mediação da graça, e
nos deixa enfermos; sem adoração a Deus, a nossa percepção de justiça nos deixa
raivosos.

“Alguém da multidão lhe disse: Mestre, dize a meu irmão que


divida a herança comigo. Respondeu-lhe Jesus: Homem,
quem me designou juiz ou árbitro entre vocês? Então lhes
disse: Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra todo tipo de
ganância; a vida de um homem não consiste na quantidade
dos seus bens." (Lc 12: 13-15)

No texto, um homem queria apenas a sua parte da herança, aparentemente,


a necessidade dessa pessoa é justa, mas a surpresa se revela em duas informações,
a primeira é que Jesus acusa esse homem de avarento, logo depois vem o versículo
tão conhecido sobre ansiedade (‘’Não andeis ansioso com coisa alguma.’’). A
avareza no sentido que Jesus fala é uma insatisfação crônica, onde estamos tão
insatisfeitos que não conseguimos ver a vida como Deus quer que vejamos.

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O diagnóstico de Jesus revela o coração humano: a avareza e a ansiedade de quem


pleiteia por justiça, e não a justiça que se revela no Evangelho. E a raiva é só o
sintoma de uma busca por justiça que se perde, é o sintoma da avareza e da
ansiedade que ainda residem no coração. Então, ensine a sua alma: Salmodiai!

XII Ética em Salmos


Quando olhamos para o Livro de Salmos, devemos ter em mente que a ética
cristã é superior à ética apresentada ali. O Cristianismo ensina a “caminhar a
segunda milha”, a amar os inimigos e a pagar o mal com o bem. Portanto, entende-
se que a revelação de Deus na história é gradativa até a consumação da obra de
Cristo na cruz, e em cada período da história, o ser humano lidava com porções
daquilo que Deus revelava de si mesmo. Ao longo dos salmos vemos que essa
revelação ainda estava incompleta.
Outra coisa é que o Livro de Salmos não traz uma ética referencial e não
deve ser lido a partir dessa perspectiva. O que é mais importante que a ética? Se a
ética tem a ver com os nossos princípios, o Livro de Salmos é anterior, está
trabalhando com a substância que constrói a ética: oração, adoração e culto. Assim,
não adianta construir ética ou um padrão moral por si só, é necessário algo que
sustente a ética. E o que sustenta a ética do crente? Não são convenções nem
aparência, o que sustenta a ética do cristão não são os padrões a obedecer, porém,
antes da ética, eu preciso ser imerso na intimidade com Deus.
O Livro de Salmos nos ajuda a remover a ética que se baseia em expectativas
carnais de padrões humanos, pois quando a alma entra em erupção, as injustiças
e dúvidas, dores e temores levantam a questão: Na guerra o que é permitido? Como
se luta? Na fome brutal, que um dia enfrentaremos, na alma ou no corpo, como
buscamos ser saciados? No luto, como esperamos ser consolados? Na alegria como
devemos celebrar? Ainda existe uma estação antes da ética ser modelada; uma
relação, um gesto, um lugar: oração, adoração e culto.

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"Em troca da minha amizade eles me acusam, mas eu


permaneço em oração. Retribuem-me o bem com o mal, e a
minha amizade com ódio. Designe-se um ímpio como seu
oponente; à sua direita esteja um acusador. Seja declarado
culpado no julgamento, e que até a sua oração seja
considerada pecado. Seja a sua vida curta, e outro ocupe o
seu lugar. Fiquem órfãos os seus filhos e a sua esposa, viúva.
Vivam os seus filhos vagando como mendigos, e saiam
rebuscando o pão longe de suas casas em ruínas. Que um
credor se aposse de todos os seus bens, e estranhos
saqueiem o fruto do seu trabalho. Que ninguém o trate com
bondade nem tenha misericórdia dos seus filhos órfãos!
Sejam exterminados os seus descendentes e desapareçam
os seus nomes na geração seguinte.” (Salmos 109: 4-13)

Consegue ler esse texto sem se perder nessa encruzilhada?

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XIII Estrutura de Salmos


O Livro de Salmos é dividido em 5 blocos, como se fossem vários livros, pois
“A divisão quíntupla é uma tentativa de espelhar o quíntuplo do Pentateuco.”
(Dillard e Longman III). E pensando no que estudamos anteriormente, pode-se
afirmar que existem mais salmos de lamento do que hinos. No último bloco é onde
encontramos uma predominância de hinos, e a colocação dos hinos no último bloco
já sugere uma arrumação teológica significativa. Já a abundância de salmos de
lamento, finalizados com uma doxologia triunfante, nos leva a entender que, apesar
das inúmeras experiências de dor, a profunda alegria e o louvor hão de prevalecer
no final para o povo de Deus.
O primeiro bloco (salmos 1-41) trata de uma primeira comunidade do povo
de Israel, e quanto a autoria desses salmos, a maioria é atribuída em à Davi. O
objetivo nesse primeiro bloco é produzir avivamento, possivelmente o avivamento
de Josias ou Ezequias, isto é, o texto é escrito com o intuito de reacender o
relacionamento com Yahweh (como Deus é chamado nesse bloco).
No segundo bloco (42-72), vemos já no título que são os salmos dos filhos
de Coré, e foram salmos com um papel muito especial pois foram cantados no
templo para adorar Elohim (como Deus é chamado nesse bloco).
No terceiro bloco (73-89) são os salmos de Asafe. E no quarto bloco (90-
106), anônimo em sua maioria, o texto fala de uma segunda comunidade. Por fim,
no quinto bloco (107-150), os textos retratam outra comunidade, e são salmos
litúrgicos, usados no culto.
Mas por que um livro poético do Antigo Testamento sempre esteve
presente? A verdade é que na história da Igreja, a tradição cristã manteve o Livro
de Salmos como referência para aprendermos a orar e louvar, além de ser um
refrigério ao coração, pois os salmos também são um desabafo, é a voz humana
dirigida a Deus.

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Estrutura Geral:

Gênero do Gênero
Gêneros Era Salmos
Livro primeiro do Temas
principais Histórica de Davi
Salmo último
Salmo
Torá

O rei ungido de

Livro I Cântico Protestos(59%) Reinados Deus


introdução 95% A bondade de
Salmos ação de Hinos (20%) de Davi e
temática Deus versus o
1-41 graças Outros(21%) Salomão
sofrimento
presente

Davi: homem de
tumulto
Protestos(65%) Reinados
Livro II Davi: homem de
Salmo
Protesto Hinos (19%) de Davi e 58%
Salmos fé
real
Outros(16%) Salomão
42 -72 A celebração de
seu reino

Livro III reflexão real protesto protestos(47%) Reino 6%


Comunidade em
Salmos hinos (35%) dividido e
crise
73-89 outros(18%) a sua
ecos do Êxodo
destruição
para a conquista
da terra

Livro IV Clamor da Protestos(24%) Fé a reflexão


hino de Exílio
Salmos comunidade Hinos (29%) 12% sobre a
louvor Babilônico
90-106 por ajuda Outros(47%) identidade Deus

25
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com Israel em
todo lugar o
presente como
deserto (Israel é
responsável a
esperança cia
ecos de Moisés e
do deserto

a reprise de Davi
louvor a
soberania de
Conclusão
Deus
Livro V Protestos(23%) temática
Hino de
Hino de A Torá como
Salmos Hinos (52%) retorno 32%
louvor da
louvor âncora
107- Outros(25%) pós-
comunidade
A confiança
150 exílico
renovada em
Deus

XIV Salmos e a Criação


O salmista é alguém que fala da natureza de uma forma muito diferente do
que é encontrado na poesia e nos textos dos povos vizinhos, pois entende que
criação e Deus são realidades distintas. Quando o Livro de Salmos ensina que a
natureza é uma coisa, e que não é sinônimo de Deus, é removida a divindade da
natureza, que volta a seu devido status de criação.
A doutrina da criação traz na poesia do salmista o ensino de como olhar
para Deus como criador, e essa percepção transforma a oração. Por outro lado, na
contra mão dessa percepção, as outras culturas, por exemplo, ensinavam que o sol
era deus e se curvavam para o sol.

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O salmista, em vez de cultuar qualquer elemento da natureza, como o mar, usa


atributos do mar para exemplificar os atributos divinos, e assim a natureza reflete
a majestade de Deus, pois não aponta para si mesma, mas para o seu criador.

XV Os Salmos e a Justiça
C.S. Lewis traça uma distinção sobre a percepção da justiça entre os judeus
antigos e os cristãos, ele diz “Os judeus antigos como nós, pensavam no juízo de
Deus em termos de uma corte de justiça terrena. A diferença é que o cristão retrata
o caso a ser julgado como uma causa criminal, com ele mesmo sentado no banco
dos réus; o judeu, por sua vez, o apresenta como uma causa civil, na qual ele mesmo
é o reclamante. Um espera não ser condenado (...) o outro espera por um triunfo
retumbante com grande prejuízo para o inimigo”. E defender o seu direito é o que
tem em mente o salmista:

“Mas o Senhor está assentado perpetuamente; já preparou o


seu tribunal para julgar. Ele mesmo julgará o mundo com
justiça; exercerá juízo sobre povos os com retidão.” (Sl 9: 7,8)

“Desperta e acorda para o meu julgamento, para a minha


causa, Deus meu e Senhor meu.’’ (Sl 35: 23)

“Pai de órfãos e juiz de viúvas é Deus, no seu lugar santo.”


(Sl 68: 5)

“Tu te levantaste para julgar, ó Deus, para salvar os


oprimidos da terra.” (Sl 76: 9)

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A justiça no Livro de Salmos não é a mesma vista no Livro de Romanos: “Mas


agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da lei” (3: 21).
Apesar disso, é uma justiça que traz equilíbrio, protege as relações e a sociedade.
O conceito de justiça dos salmos está mais próximo daquela que usamos em nosso
dia a dia, mas ainda longe daquela que se revelou na cruz. Essa justiça ainda
esconde um perigo, ser uma máscara para inveja e vaidade, e por essa razão o
nosso desejo por justiça precisa passar pelo filtro da oração para que possa ser
purificada, ou desmascarada.
C.S. Lewis demonstra que é necessário fazer uma distinção entre a certeza
de que alguém tem razão e a convicção de que alguém é justo, a fim de
desmascarar os esconderijos da alma nessa questão, acompanhe:

“Considerando que nenhum de nós é justo, a segunda convicção (sobre


ter razão) é uma ilusão. No entanto, qualquer pessoa pode ter certeza
(...). Além disso, é possível que o pior homem do mundo esteja certo
quando confrontado com o melhor homem do mundo (...), a confusão
fatal é entre estar certo e ser justo.”

O ponto central é que o nosso desejo por justiça pode servir de esconderijo
ou de álibi para um desejo de vingança, tanto quanto as nossas convicções e
certezas podem servir de camuflagem para não usarmos de misericórdia com
quem precisa, para não perdoar, para não enxergarmos os nossos erros, para não
enxergarmos que não somos justos, e entendermos que a nossa justiça vem de
Jesus, é o Cristo.

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XVI Jesus e os Salmos


No Novo Testamento, a relação entre Jesus e os salmos é direta, apenas o
Livro de Isaías consegue competir com o número de referências feitas a Cristo. “O
nosso interesse imediato recai sobre o grande número de vezes que os autores do
Novo Testamento citaram Salmos para provar a identidade de Jesus como Messias
e Filho de Deus.” (Dillard e Longman III). E o próprio Cristo se apropriou do livro
mostrando que os salmos profetizaram sobre Ele:

“A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos


falei, estando ainda convosco: importava que se cumprisse
tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas
e nos Salmos.” (Lc 24: 44)

“Deus meu, Deus meu! Por que me desamparastes?” São palavras em


referência ao início do salmo 22, aqui Jesus está se apropriando do saltério
novamente. Já no Livro de Atos (4:11), Pedro cita o salmo 118, afirmando que Jesus
é a pedra angular, e alguns salmos, como o 2, 16, 22, 69 e 110, são considerados
messiânicos, apesar de possuírem um contexto relacionado ao Antigo Testamento.
Quando entendemos a afirmação neotestamentária de que esses salmos se
cumpriram em Cristo, é preciso ter em mente a premissa da relação entre Jesus e
o salmista, não podemos esquecer que Davi é uma das vozes principais dos salmos,
e é na relação entre Davi e Jesus que devemos entender o caráter messiânico do
texto. A aliança de Deus com Davi carrega a promessa de que um filho de Davi se
sentaria no trono para sempre. Vemos, por exemplo, Lucas e Paulo atestarem essa
descendência:

“[...] acerca de seu Filho, que, como homem, era descendente


de Davi.” (Romanos 1:3)

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“Mas o anjo lhe disse: Não tenha medo, Maria; você foi
agraciada por Deus! Você ficará grávida e dará à luz um
filho, e lhe porá o nome de Jesus. Ele será grande e será
chamado Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono
de seu pai Davi, e ele reinará para sempre sobre o povo de
Jacó; seu reino jamais terá fim.” (Lucas 1: 30-33)

Ainda podemos afirmar que Jesus é antecipado no Livro de Salmos por ser
o próprio Deus, se cremos que o Pai e o Filho são um, isso significa que o louvor e
súplica devem ser feitas também a Jesus Cristo. Vemos o Livro de Hebreus apontar
essa confirmação de Salmos:

“E também diz: No princípio, Senhor, firmaste os


fundamentos da terra, e os céus são obras das tuas mãos.
Eles perecerão, mas tu permanecerás; envelhecerão como
vestimentas. Tu os enrolarás como um manto, como roupas
eles serão trocados. Mas tu permaneces o mesmo, e os teus
dias jamais terão fim." (Hebreus 1: 10-12)

“No princípio firmaste os fundamentos da terra, e os céus são


obras das tuas mãos. Eles perecerão, mas tu permanecerás;
envelhecerão como vestimentas. Como roupas tu os trocarás
e serão jogados fora.” (Salmos 102: 25,26)

Se em Salmos a referência é ao Pai, em Hebreus a referência é ao Filho. Se


Salmos é um livro de orações e louvor a Deus, podemos estar seguros que também
são feitas a Jesus Cristo, nosso Senhor.

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O objetivo do estudo é que o Livro de Salmos se torne um professor da nossa


alma, que as nossas emoções e expectativas sejam reconfiguradas num lugar de
adoração; que os sentimentos mais nobres e mais sombrios, os mais simples e os
mais profundos, sejam refeitos na cruz, o único e verdadeiro altar, e que nesse lugar
encontremos a graça e a misericórdia surpreendentes. Concluímos com o
comentário do reverendo Spurgeon sobre o salmo 126: 1-3:

“A misericórdia foi tão inesperada, tão surpreendente, tão singular, que


eles só puderam rir, e riram muito; sua boca estava cheia de riso, pois
seu coração estava cheio de alegria. Quando finalmente a língua
conseguiu articular palavras, não se contentou em simplesmente falar,
mas precisou cantar, e cantar de coração, pois estava cheio de canções.
Sem dúvida, a dor anterior aumentou o entusiasmo da satisfação; o
cativeiro lançou uma cor mais luminosa sobre a emancipação. O povo
se lembrou dessa inundação de alegria durante anos a fio, e eis aqui o
registro disso transformado em canção. Observe o “quando” e o “foi”. O
“quando” de Deus é o nosso “foi”. No momento em que ele transforma o
nosso cativeiro, o coração sai da sua tristeza; quando Ele nos enche de
graça, nós ficamos cheios de gratidão. Fomos criados para ser como
quem sonha, mas rimos e cantamos enquanto dormíamos. Agora
estamos bem acordados e, embora mal possamos perceber a benção,
ainda assim nos regozijamos extremamente com ela.”

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Bibliografia
Price , Randall Manual de arqueologia bíblica Thomas Nelson/ Randall Price e H Wayne
House; tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson. 2020

William W. Klein, Robert L. Hubbard Jr., Craig L. Blomberg; Introdução à Interpretação


Bíblica; tradução Maurício Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson,
2017.

Manual bíblico vida nova/ Editor geral: David S. Dockery; tradução: Lucy Yamakami. Hans
Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova,2001.

Dillard, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento / Raymond B. Dillard, Tremper


Longman III ; tradução Sueli da Silva Saraiva.- São Paulo: Vida Nova, 2006

Coelho Filho, Isaltino Gomes- Teologia dos Salmos- princípios para hoje e sempre- Rio
de Janeiro:JUERP, 2000

Lewis, C.S.; Lendo os Salmos; tradução Jorge Camargo.- Viçosa MG :Ultimato, 2015

Spurgeon, Charles Haddon; Lendo os Salmos com Charles H. Spurgeon; tradução: João
Ricardo Morais - Curitiba/PR; Publicações Pão Diário

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