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A Mensagem de Romanos

Composição

A carta de Paulo aos Romanos é uma espécie de manifesto cristão. Certamente, é também uma carta, cujo conteúdo foi determinado pelas
situações particulares em que o apóstolo e os romanos se encontravam naquele momento. No entanto, continua sendo um manifesto atemporal,
um manifesto de liberdade por meio de Jesus Cristo. É a declaração mais completa, clara e grandiosa do evangelho no Novo Testamento. Sua
mensagem não é que “o homem nasceu livre e por toda parte está acorrentado”, como Rousseau (Filosofo Frances 1712 -1778) colocou no início
de O Contrato Social (1762); é antes que os seres humanos nascem em pecado e escravidão, mas que Jesus Cristo veio para nos libertar. Pois aqui
se desdobram as boas novas da liberdade, liberdade da santa ira de Deus sobre toda impiedade, liberdade da alienação em reconciliação, liberdade
da condenação da lei de Deus, liberdade de que Malcolm Muggeridge costumava chamar de "a pequena masmorra escura do nossa próprio ego',
liberdade do medo da morte, liberdade da decadência da criação que geme na gloriosa liberdade dos filhos de Deus, liberdade do conflito étnico
na família de Deus, liberdade para nos entregarmos ao serviço amoroso de Deus e nossos semelhantes.
Não é de surpreender que a igreja em todas as gerações tenha reconhecido a importância de Romanos, principalmente na época da Reforma.
Lutero o chamou de “realmente a parte principal do Novo Testamento, e … verdadeiramente o evangelho mais puro”. Ele continuou: “É digno
não apenas que todo cristão a conheça palavra por palavra, de cor, mas também que se ocupe com ela todos os dias, como o pão diário da alma.”
Calvino escreveu da mesma forma, declarando que “se obtivermos uma verdadeira compreensão desta Epístola, teremos uma porta aberta para
todos os tesouros mais profundos da Escritura'.

A mesma apreciação dos Romanos foi expressa pelos reformadores britânicos. William Tyndale, o pai dos tradutores da Bíblia inglesa, em seu
prólogo a Romanos, descreveu-o como 'a parte principal e mais excelente do Novo Testamento, e o mais puro Evangelho, ou seja, boas novas... e
também uma luz e um caminho para toda a Escritura'. Ele passou a exortar seus leitores a aprenderem de cor o livro de Romanos. Pois, assegurou-
lhes, “quanto mais se estuda, mais fácil se torna; quanto mais mastigado, mais agradável fica’.

John R. W. Stott, The Message of Romans: God’s Good News for the World, The Bible Speaks Today (Leicester, England; Downers Grove, IL:
InterVarsity Press, 2001).
1. A Influência da Carta
Vários líderes notáveis da igreja testemunharam, em diferentes séculos, o impacto que os escritos de Paulo aos Romanos causaram em suas
vidas, sendo em alguns casos o meio de sua conversão. Menciono cinco deles, a fim de nos encorajar a levar nosso estudo a sério.
Aurelius Augustinus, conhecido no mundo como Agostinho de Hipona, destinado a se tornar o maior padre latino da igreja primitiva, nasceu
em uma pequena fazenda no que hoje é a Argélia. Durante sua juventude turbulenta, ele foi escravo de suas paixões sexuais e objeto das orações
de sua mãe Mônica. Como professor de literatura e retórica, mudou-se sucessivamente para Cartago, Roma e depois Milão, onde ficou sob o
feitiço da pregação do bispo Ambrósio. Foi lá durante o verão do ano 386, quando ele tinha trinta e dois anos, que ele saiu para o jardim de seu
alojamento, em busca de solidão. 'O tumulto do meu coração me levou para o jardim', ele escreveu mais tarde em suas Confissões, 'onde ninguém
poderia interferir na luta ardente comigo mesmo em que eu estava engajado... eu estava torcendo e girando em minhas correntes... me joguei
debaixo de certa figueira e deixei minhas lágrimas rolarem livremente.'
De repente, ouvi uma voz da casa próxima cantando como se fosse um menino ou uma menina... dizendo e repetindo várias vezes 'Pegue e leia,
pegue e leia.' ... Interpretei isso apenas como um comando divino para que eu abrisse o livro e lesse o primeiro capítulo que pudesse encontrar...
Então voltei correndo para o lugar onde... eu havia colocado o livro do apóstolo de lado quando me levantei. Agarrei-o, abri-o e li em silêncio a
primeira passagem em que meus olhos se iluminaram: "Não em tumultos e bebedeiras, não em erotismo e indecências, não em contendas e
rivalidades, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não façais provisão pela carne em suas concupiscências” (Rm 13:13-14). Eu não queria nem
precisava ler mais. Imediatamente, com as últimas palavras desta frase, foi como se uma luz de alívio de toda a ansiedade inundasse meu coração.
Todas as sombras de dúvida foram dissipadas.
Em 1515, outro professor foi surpreendido por uma crise espiritual semelhante. Como todo mundo na cristandade medieval, Martinho Lutero
foi criado no temor de Deus, da morte, do julgamento e do inferno. Porque a maneira mais segura de ganhar o céu (pensava-se) era tornar-se
monge (sacerdote), em 1505, aos 21 anos, entrou no claustro agostiniano de Erfuhrt (Alemanhã), onde rezou e jejuou, às vezes por alguns dias a
fio, e adotou outras extremas austeridades. “Eu era um bom monge”, escreveu ele mais tarde. “Se alguma vez um monge chegou ao céu por seu
monastério, fui eu.” “Lutero explorou todos os recursos do catolicismo contemporâneo para aplacar a angústia de um espírito alienado de Deus.”
Mas nada pacificou sua consciência atormentada até que, tendo sido nomeado professor de Bíblia na Universidade de Wittenberg, ele estudou e
expôs primeiro os Salmos (1513-15) e depois os Romanos (1515-16). A princípio estava zangado com Deus, confessou depois, porque lhe parecia
mais um juiz terrível do que um salvador misericordioso. Onde ele poderia encontrar um Deus gracioso? O que Paulo quis dizer em Romanos
1:17 quando declarou que “a justiça de Deus foi revelada no evangelho”? Lutero nos conta como seu dilema foi resolvido:
‘Eu ansiava muito por entender a carta de Paulo aos romanos, e nada me impedia a não ser aquela expressão 'a justiça de Deus', porque eu
entendia que significava aquela justiça pela qual Deus é justo e age com justiça ao punir os injustos... então, um dia (…) compreendi a verdade
de que a justiça de Deus é pura misericórdia, ele nos justifica pela fé. Então senti-me renascer e ter atravessado as portas abertas para o paraíso.

John R. W. Stott, The Message of Romans: God’s Good News for the World, The Bible Speaks Today (Leicester, England; Downers Grove, IL:
InterVarsity Press, 2001).
Toda a Escritura assumiu um novo significado, antes “a justiça de Deus” me enchia de ódio, agora ela se tornou para mim indescritivelmente doce
em maior amor. Esta passagem de Paulo tornou-se para mim uma porta de entrada para o céu.’
Cerca de 200 anos depois, foi o próprio discernimento dado por Deus de Lutero sobre a verdade da justificação pela graça através da fé que
levou à iluminação semelhante de John Wesley. Seu irmão mais novo, Charles, com alguns amigos de Oxford, fundou o que veio a ser apelidado
de "o Clube Sagrado", em novembro de 1729, John se juntou a ele e se tornou um líder reconhecido. Seus membros se engajaram em estudos
sagrados, auto-exame, exercícios religiosos públicos e privados e atividades filantrópicas, aparentemente esperando ganhar a salvação por tais
boas obras. Então, em 1735, os irmãos Wesley navegaram para a Geórgia como capelães para os colonos e para os índios. Dois anos depois eles
voltaram em profunda desilusão, que foi mitigada apenas pela admiração pela piedade e fé de alguns Morávios. Então, em 24 de maio de 1738,
durante uma reunião da Morávia em Aldersgate Street, Londres, à qual John Wesley havia ido “muito a contragosto”, ele passou da autoconfiança
para a fé em Cristo. Alguém estava lendo o Prefácio de Lutero a... Romanos. Wesley escreveu em seu diário:
Cerca de um quarto para as nove, enquanto ele descrevia a mudança que Deus opera no coração por meio da fé em Cristo, senti meu coração
estranhamente aquecido. Senti que confiava em Cristo, somente em Cristo, para a salvação; e foi-me dada a certeza de que ele havia tirado meus
pecados, até mesmo os meus, e me salvou da lei do pecado e da morte.
Chegando agora mais próximo a nossa era, dois outros líderes cristãos podem ser mencionados. Ambos eram europeus, um romeno, o outro
suíço. Ambos eram clérigos, um ortodoxo, o outro protestante. Ambos nasceram na década de 1880, embora nunca tenham se conhecido e talvez
nunca tenham ouvido falar um do outro. No entanto, apesar de seus diferentes países, culturas e igrejas, ambos foram transformados pelo estudo
de Romanos. Refiro-me a Dumitru Cornilescu e Karl Barth.
Enquanto estudava no Seminário Teológico Ortodoxo em Bucareste, Dumitru Cornilescu desejava experimentar uma maior realidade e
profundidade espiritual. Durante sua busca, ele foi apresentado a alguns livros de autores evangélicos, que o direcionaram para a Bíblia. Assim,
ele decidiu traduzir a Bíblia para o romeno moderno, começou a obra em 1916 e quase seis anos depois a completou. Através de seu estudo de
Romanos, ele passou a acreditar em verdades que antes lhe eram desconhecidas e até inaceitáveis: que "não há nenhum justo, nem um sequer"
(3:10), que "todos pecaram" (3:23). ), que 'o salário do pecado é a morte' (6:23), e que os pecadores podem ser 'justificados gratuitamente' por
meio de Cristo (3:24), porque 'Deus o apresentou como sacrifício de expiação pela fé em seu sangue' (3:25). Por meio desses e de outros textos de
Romanos, ele viu que Deus, por meio de Cristo, havia feito tudo o que era necessário para nossa salvação. ‘Tomei esse perdão para mim’, disse
ele; “Aceitei Cristo como meu Salvador vivo.” “Daquele ponto em diante”, escreve Paul Negrut, “Cornilescu teve certeza de que pertencia a Deus
e que era uma nova pessoa.” Sua tradução, publicada em 1921, tornou-se o padrão Texto da Sociedade Bíblica. Mas ele próprio foi exilado pelo
Patriarca Ortodoxo em 1923 e morreu alguns anos depois na Suíça.

A Suíça também foi a casa de Karl Barth. Durante seus estudos teológicos pré-guerra, ele ficou sob a influência de alguns dos principais estudiosos
liberais da época e compartilhou seu sonho utópico de progresso humano e mudança social. Mas a horrível carnificina e a bestialidade da Primeira
Guerra Mundial, e sua reflexão sobre a mensagem do livro de Romanos, foram suficientes para destruir as ilusões do otimismo liberal. Mesmo

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enquanto escrevia sua exposição, ele disse que "é preciso apenas um pouco de imaginação ... para ouvir o som das armas retumbando no norte".
Ele passou a ver que o reino de Deus não era um tipo religioso de socialismo, alcançado por bravura humana, mas, um começo radicalmente novo
iniciado por Deus. Na verdade, o alicerce contra o qual ele se deparou era “a Divindade de Deus”, isto é, “a existência, o poder e a iniciação
absolutamente únicos de Deus”. Simultaneamente, ele veio a perceber as profundezas do pecado e da culpa humana. Ele intitulou sua exposição
de Romanos 1:18f. (A exposição de Paulo sobre a depravação dos gentios) 'A Noite', e escreveu sobre o versículo 18: 'Nossa relação com Deus é
ímpia... Nós assumimos que... somos capazes de organizar nossa relação com Ele como organizamos nossos outros relacionamentos... Nós
atrevemos a ser como seus companheiros, patronos, conselheiros e comissários... Esta é a impiedade de nossa relação com Deus.'

Barth confessou que escreveu “com uma alegre sensação de descoberta”. Pois, acrescentou, “a poderosa voz de Paulo era nova para mim: e se
para mim, sem dúvida para muitos outros também”. Mas sua ênfase intransigente na dependência absoluta do pecador da soberana e salvadora
graça de Deus em Jesus Cristo criou o que Sir Edwyn Hoskins (Tradutor Inglês) descreveu como “confusão e comoção”. Ou, como disse o teólogo
católico romano Karl Adam, usando imagens de guerra apropriadas, o comentário de Barth caiu “como uma bomba no playground dos teólogos”.

FF Bruce, que chamou a atenção - mais brevemente do que eu fiz - para a influência dos romanos em quatro desses cinco homens, sabiamente
acrescentou que seu impacto não se limitou a esses gigantes, uma vez que "homens e mulheres comuns" foram afetado também. De fato, ‘não há
como dizer o que pode acontecer quando as pessoas começarem a estudar a carta aos Romanos’. Portanto, que aqueles que leram até agora estejam
preparados para as consequências de ler mais: você foi avisado!'

2. Novos Desafios para Velhas Tradições

Há muito tem sido dado como certo, pelo menos desde a Reforma, que a ênfase principal do apóstolo em Romanos é a justificação dos pecadores
por Deus pela graça, em Cristo, por meio da fé. Por exemplo, Calvino escreveu em seu ensaio introdutório sobre "O Tema da Epístola de Paulo
aos Romanos" que "o assunto principal de toda a Epístola... é que somos justificados pela fé". Isso não é negar que Paulo continua a lidar com os
temas adicionais de segurança (capítulo 5), santificação (capítulo 6), o lugar da lei (capítulo 7), o ministério do Espírito (capítulo 8), o plano de
Deus para judeus e gentios (capítulos 9–11) e as diversas responsabilidades da vida cristã (capítulos 12–15). No entanto, a suposição foi de que a
principal preocupação de Paulo era com a justificação e que ele desenvolveu esses outros tópicos apenas em relação à justificação.
Durante este século, no entanto, e em particular durante os últimos trinta anos, esta tese foi desafiada. Em 1963, um artigo do professor Krister
Stendahl, que mais tarde serviu como bispo luterano de Estocolmo, apareceu na Harvard Theological Review, intitulado 'The Apostle Paul and the
Introspective Conscience of the West' (O Apóstolo Paulo e a Consciência Introspectiva do Ocidente), que foi posteriormente incorporado em seu
livro Paul Among Jews and Gentios (Paulo entre Judeus e Gentios). Ele sustentou que o entendimento tradicional de Paulo em geral e de Romanos

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em particular, a saber, que seu foco está na justificação pela fé, está errado. Esse erro, continuou ele, deve-se à consciência mórbida da igreja
ocidental e, especialmente, às lutas morais de Agostinho e Lutero, que a igreja tende a ler em Paulo. A justificação, de acordo com o Bispo
Stendahl, não é “o princípio ou percepção doutrinária penetrante e organizadora de Paulo”, mas “foi elaborada por Paulo para o propósito muito
específico e limitado de defender os direitos dos conversos gentios de serem herdeiros plenos e genuínos da as promessas de Deus a Israel'. A
preocupação de Paulo não era sua própria salvação, pois ele próprio tinha uma 'consciência robusta', alegava ser 'irrepreensível', e experimentava
'sem problemas, sem escrúpulos de consciência, sem sentimentos de falhas', mas sim a salvação de os gentios, para que pudessem vir a Cristo
diretamente e não pela lei. Consequentemente, “o clímax de Romanos é, na verdade, os capítulos 9-11, ou seja, suas reflexões sobre a relação entre
igreja e sinagoga, a igreja e o povo judeu”, e os capítulos 1-8 são “um prefácio”. Romanos é “sobre o plano de Deus para o mundo e sobre como
a missão de Paulo aos gentios se encaixa nesse plano”.
Até certo ponto, este é um corretivo necessário. Pois a justificação certamente não é a preocupação exclusiva de Paulo, como vimos. No entanto,
Romanos 1-8 não pode ser rebaixado ao status de um mero “prefácio”. O bispo Stendahl parece ter estabelecido uma antítese desnecessariamente
afiada. Paulo foi de fato profundamente exercitado, como apóstolo para os gentios, sobre o lugar da lei na salvação e sobre a unidade de judeus e
gentios no corpo de Cristo. Mas ele também estava evidentemente preocupado em expor e defender o evangelho da justificação somente pela graça
por meio da fé somente. De fato, as duas preocupações, longe de serem incompatíveis, estão entrelaçadas. Somente a lealdade ao evangelho pode
assegurar a unidade na igreja.
Se a consciência ante conversão de Paulo era tão sem nuvens como o Dr. Stendahl diz, e se nós, no Ocidente, temos consciências indevidamente
introspectivas que projetamos em Paulo, apenas a exegese cuidadosa dos textos cruciais pode resolver. Mas em 1:18-3:20 é Paulo (não Agostinho
ou Lutero) que estabelece a culpa humana universal e indesculpável. E a própria afirmação de Paulo de ter sido “irrepreensível” na justiça da lei
deve ter se referido a uma conformidade externa às exigências da lei. Pois naqueles versos autobiográficos reveladores no meio de Romanos 7 (se
é isso que são) ele conta como foi o mandamento contra a cobiça, sendo um pecado interno do coração, não da ação, que provocou nele 'todo tipo
de desejo maligno ' e assim o levou à morte espiritual. O professor Stendahl não se refere a esta passagem. Além disso, não é necessário polarizar
entre uma consciência ‘mórbida’ e uma ‘robusta’. Uma consciência verdadeiramente saudável perturba nossa segurança e envergonha nosso
orgulho, especialmente quando o Espírito Santo vem para “convencer o mundo da culpa em relação ao pecado, à justiça e ao juízo”. Não devemos,
portanto, esperar que qualquer pessoa não regenerada tenha uma consciência completamente limpa.
Em 1977 foi publicada a principal obra do estudioso americano Professor E. P. Sanders, Paul and Palestinian Judaism (Paulo e os palestinos
Judeus). Descrevendo a imagem predominante do judaísmo palestino como 'uma religião de obras de justiça legalista', e do evangelho de Paulo
como conscientemente antitético ao judaísmo, ele declarou que seu propósito era 'destruir essa visão' como sendo 'completamente errada' e mostram
que 'é baseado em uma enorme perversão e incompreensão do material'. Ele admitiu que sua tese não era totalmente nova, uma vez que, como o
Dr. N. T. Wright escreveu, G. F. Moore “estabeleceu substancialmente a mesma posição” nos três volumes de seu Judaism in the First Centuries
of the Christian (O judaísmo nos primeiros séculos do cristianismo) (1927-30). No entanto, o professor Sanders foi mais longe. Ele pesquisou com
imensa erudição a literatura rabínica, qumrânica e apócrifa do judaísmo de 200 aC a 200 dC. E a religião que emergiu desse estudo ele caracterizou
como "nomismo de aliança". Isto é, Deus trouxe Israel a um relacionamento de aliança consigo mesmo por sua graça, e então pediu obediência à

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sua lei (nomismo) como resposta. Isso levou o professor Sanders a retratar o “padrão de região” do judaísmo em termos de “entrar” (pela eleição
graciosa de Deus) e “permanecer” (pela obediência). “A obediência mantém a posição da pessoa na aliança, mas não ganha a graça de Deus como
tal.” A desobediência foi expiada pelo arrependimento.
A parte II do livro do professor Sanders é simplesmente intitulada “Paul”. Embora tenha apenas cerca de um quarto da extensão da Parte I, é
claro que é impossível fazer justiça em um único parágrafo. Os destaques da tese do professor Sanders são os seguintes: (1) que o ponto de partida
de Paulo não era a crença de que todos os seres humanos são pecadores culpados diante de Deus, mas sim que Jesus Cristo é Senhor e Salvador
de judeus e gentios, de modo que ' para Paulo, a convicção de uma solução universal precedeu a convicção de uma situação universal'; (2) que a
salvação é essencialmente uma “transferência” da escravidão do pecado para o senhorio de Cristo; (3) que o meio de transferência é a “participação”
com Cristo em sua morte e ressurreição; (4) que a razão pela qual a salvação deve ser 'pela fé' não é para evitar o orgulho humano, mas que se
fosse 'por lei' os gentios seriam excluídos e a morte de Cristo teria sido desnecessária ('o argumento para a fé é realmente um argumento contra a
lei'); e (5) que a comunidade salva resultante é “uma pessoa em Cristo”. O professor Sanders chama esse modo de pensar de “escatologia
participacionista”. Será prontamente visto, no entanto, que nesta tentativa de reconstrução do evangelho de Paulo as categorias familiares de pecado
e culpa humanos, a ira de Deus, justificação pela graça sem obras e paz com Deus em consequência, são evidentes por sua ausência.
Em seu segundo livro, Paul, the Law and the Jewish People, ( Paulo, a Lei e o Povo Judeu) o professor Sanders responde a alguns de seus
críticos e busca esclarecer e desenvolver sua tese. Ele certamente está certo, em geral, que o argumento de Paulo “se refere à posição igual de
judeus e gentios – ambos estão sob o poder do pecado – e a mesma base sobre a qual eles mudam esse status – fé em Jesus Cristo”. que “a suposta
objeção à justiça própria judaica está tão ausente das cartas de Paulo quanto a própria justiça própria está na literatura judaica.” Essa é uma
afirmação muito mais questionável. Pelo menos cinco questões precisam ser levantadas.
Primeiro, a evidência é clara de que a linguagem de “pesar”, isto é, de “equilibrar méritos contra deméritos”, não ocorre na literatura do judaísmo
palestino. Mas a ausência desse imaginário da balança prova a ausência do conceito de mérito? A justiça pelas obras não pode existir mesmo
quando não é “pesada”? Paulo não se enganou ao descrever alguns judeus como “buscando” a justiça e não a alcançando (9:30ss.), e outros como
“tentando ser justificados pela lei”.
Em segundo lugar, no judaísmo, a entrada na aliança era entendida como dependendo da graça de Deus. Isso não é surpreendente, uma vez que
no próprio Antigo Testamento Deus é visto tomando a iniciativa em sua graça para estabelecer sua aliança com Israel. Não poderia haver nenhuma
questão de “merecer” ou “ganhar” a filiação. No entanto, o professor Sanders continua mostrando que “o tema de recompensa e punição é
onipresente na literatura tanaítica”, especialmente no que diz respeito a ganhar vida no mundo vindouro. Isso não significa que o mérito humano,
embora não seja a base (no judaísmo) para entrar na aliança, ainda era a base para permanecer nela? Mas Paulo teria sido veemente em sua rejeição
a isso. Para ele, “entrar” e “ficar” são ambos pela graça. Não apenas fomos justificados pela graça por meio da fé (5:1), mas continuamos firmes
nessa graça à qual nos foi concedido acesso pela fé (5:2).
Em terceiro lugar, o professor Sanders admite que 4 Ezra foi a única exceção à sua tese. Pois neste livro apócrifo, ele escreve, “vemos como o
judaísmo funciona quando na verdade se torna uma religião de auto-justiça individual”. Aqui, “o nomismo da aliança entrou em colapso. Tudo o
que resta é o perfeccionismo legalista.” Se um exemplo literário sobreviveu, não pode ter havido outros que não sobreviveram? O lapso no

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legalismo não pode ter sido mais difundido do que o professor Sanders admite? Além disso, ele foi criticado por reduzir a complexidade do
judaísmo do primeiro século em “um desenvolvimento único, unitário, harmonioso e linear”. O professor Martin Hengel faz o mesmo. Ele escreve
que “em contraste com a progressiva “unificação” do judaísmo palestino sob a liderança dos escribas rabínicos após 70 d.C., a face espiritual de
Jerusalém antes de sua destruição era marcadamente “pluralista”. Depois de listar nove grupos diferentes, ele conclui: “Jerusalém e seus arredores
devem ter apresentado ao visitante contemporâneo uma imagem confusamente variada.” Novamente, “talvez não existisse esse judaísmo palestino
com a única visão vinculante da lei”.
Em quarto lugar, o caso desenvolvido por E. P. Sanders e outros baseia-se no exame meticuloso da literatura relevante. Mas não é bem sabido
que a religião popular pode divergir amplamente da literatura oficial de seus líderes? É essa mesma distinção que leva o professor Sanders a
escrever: “Não se pode excluir completamente a possibilidade de que houvesse judeus atingidos com precisão pela polêmica de Mateus 23... Sendo
a natureza humana o que é, supõe-se que houvesse alguns. Deve-se dizer, no entanto, que a literatura judaica sobrevivente não os revela.” Um
paralelo poderia ser traçado com o anglicanismo. O Livro de Oração Comum e os Trinta e Nove Artigos, isto é, a literatura oficial da igreja,
insistem que “somos considerados justos diante de Deus somente pelo mérito de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo pela fé, e não por nossa
própria fé”. obras ou merecimentos', e que não podemos 'presumir' nos aproximar de Deus 'confiando em nossa própria justiça'. Nada poderia ser
mais claro na literatura. No entanto, é injusto conjeturar que a fé real de muitos anglicanos continua sendo uma de justiça pelas obras?
Em quinto lugar, é claro que Paulo tinha horror à jactância. Isso tem sido tradicionalmente tomado como uma rejeição da justiça própria.
Devemos nos gloriar em Cristo e em sua cruz, não em nós mesmos ou uns nos outros. O professor Sanders, no entanto, interpreta a antipatia de
Paulo à jactância judaica (p. e gentios em Cristo, não contra o orgulho em seu mérito, que seria incompatível com a devida humildade diante de
Deus. Mas nos perguntamos se essa distinção pode ser mantida tão nitidamente quanto o professor Sanders o faz. Paulo parece colocá-los entre
parênteses em Filipenses 3:3-9, onde ele contrasta “gloriar-se em Cristo Jesus” com “colocar confiança na carne”. E o contexto mostra que na
'carne' (o que somos em nosso egocentrismo não redimido) Paulo incluiu tanto seu status como 'um hebreu de hebreus' quanto sua obediência à
lei: 'em relação à lei um fariseu... para justiça legalista [isto é, conformidade externa com os requisitos da lei] sem defeito'. Em outras palavras, a
jactância à qual o próprio Paulo renunciou, e agora condenou, era uma justiça própria composta de justiça de status e justiça de obras. Além disso,
o apóstolo escreve duas vezes sobre uma justiça que pode ser descrita como nossa ‘própria’ porque pensamos que a ‘temos’ ou porque estamos
procurando ‘estabelecê-la’. Ambas as passagens indicam que esta nossa própria justiça (ou seja, justiça própria) é baseada na obediência à lei, e
que aqueles que a “perseguem” indicam que não estão dispostos a “se submeter” à justiça de Deus. Em Romanos 4:4-5 Paulo também faz um
nítido contraste entre “trabalhar” e “confiar”, e assim entre um “salário” e um “dom”.
Finalmente, sou grato pela referência do professor Sanders, citada no parágrafo 4 acima, de “a natureza humana ser o que é”. Pois nossa natureza
humana caída é incuravelmente egocêntrica, e o orgulho é o pecado humano elementar, seja a forma que assume ser de importância própria,
autoconfiança, autoafirmação ou justiça própria. Se nós, seres humanos, fôssemos entregues à nossa própria liberdade, até a nossa religião seria
colocada a serviço de nós mesmos. Em vez de ser o veículo para a adoração altruísta de Deus, nossa piedade se tornaria a base sobre a qual
presumiríamos nos aproximar de Deus e tentar estabelecer uma reivindicação sobre ele. Todas as religiões étnicas parecem degenerar assim, como
o cristianismo. Apesar das pesquisas literárias eruditas de E. P. Sanders, portanto, não posso acreditar que o judaísmo seja a única exceção a esse

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princípio degenerativo, estando livre de toda mancha de justiça própria. Ao ler e ponderar sobre seus livros, fiquei me perguntando se talvez ele
saiba mais sobre o judaísmo palestino do que sobre o coração humano.
Certamente Jesus incluiu a “arrogância” entre os males que saem de nossos corações e nos contaminam. Em consequência, ele achou necessário
em seu ensino combater a justiça própria. Por exemplo, na parábola do fariseu e do cobrador de impostos, ele enfatizou a misericórdia divina, não
o mérito humano, como o objeto próprio da fé justificadora; na parábola dos trabalhadores da vinha ele minou a mentalidade daqueles que exigem
pagamento e se ressentem da graça; e via as criancinhas como modelos da humildade que recebe o reino como um dom gratuito e imerecido.
Quanto ao apóstolo Paulo, visto que ele estava bem familiarizado com o sutil orgulho de seu próprio coração, ele não poderia farejá-lo nos
outros, mesmo quando escondido sob o manto da religião?
No final, porém, volta-se à questão da exegese. É universalmente aceito que o evangelho de Paulo em Romanos era antitético. Ele estava
expondo isso contra alguma alternativa. Mas o que era isso? Devemos permitir que Paulo fale por si mesmo, e não o obrigar a dizer o que velhas
tradições ou novas perspectivas querem que ele diga. É difícil ver como qualquer interpretação de Paulo pode explicar sua conclusão negativa de
que 'ninguém será declarado justo aos seus olhos pela observância da lei' (3:20), ou sua afirmação positiva de que os pecadores são 'justificados
livremente por sua graça” (3:24).
O debate sobre Paulo em geral e Romanos em particular está agora focado no propósito e lugar da lei. Uma nota de pessimismo caracteriza a
escrita de alguns estudiosos contemporâneos, uma vez que não estão convencidos de que Paulo sabia o que pensava sobre esse assunto. O professor
Sanders está preparado para admitir que Paulo era “um pensador coerente”, acrescentando imediatamente que ele “não era um teólogo sistemático”.
O Dr. Heikki Räisänen, o teólogo finlandês, é bem menos elogioso. “Contradições e tensões têm de ser aceitas”, escreve ele, “como características
constantes da teologia da lei de Paulo”. Por um lado, ele afirma “em termos inequívocos que a lei foi abolida”, enquanto, por outro, afirma que ela
se cumpre na vida dos cristãos. Assim, Paulo se contradiz, afirmando “tanto a abolição da lei como também seu caráter permanentemente
normativo”. Além disso, ‘encontramos Paulo lutando com o problema de que uma instituição divina foi abolida através do que Deus fez em Cristo
…’. A maioria das dificuldades de Paulo são atribuídas a isso. Ele até “tenta abafar a abolição” insistindo que seu ensino “defende” e “cumpre” a
lei. Mas como isso pode ser cumprido sendo deixado de lado?
As dificuldades que o Dr. Räisänen encontra, no entanto, parecem estar mais em sua própria mente do que na de Paul. É verdade, claro, que,
quando Paulo está respondendo a diferentes situações, ele dá ênfases diferentes. Mas não é impossível resolver as aparentes discrepâncias, como
espero que fique claro na exposição do texto. Nossa libertação da lei é um resgate de sua maldição e escravidão, e assim se relaciona com as duas
funções particulares de justificação e santificação. Em ambas as áreas estamos debaixo da graça, não da lei. Para justificação olhamos para a cruz,
não para a lei, e para santificação para o Espírito, não para a lei. É somente pelo Espírito que a lei pode ser cumprida em nossas vidas.
O professor James Dunn parece ter aceitado as principais teses de K. Stendahl, E. P. Sanders e H. Räisänen, e tem procurado desenvolvê-las
ainda mais, especialmente em relação ao direito. Em um artigo famoso intitulado. The New Perspective on Paul” (1983), resumido na introdução
de seu comentário, ele retrata Paulo em Romanos como estando em diálogo consigo mesmo, o rabino judeu com o apóstolo cristão. Quando
declarou que ninguém pode ser justificado “pelas obras da lei”, não se referia às “boas obras” em sentido geral e meritório. Ele estava pensando

John R. W. Stott, The Message of Romans: God’s Good News for the World, The Bible Speaks Today (Leicester, England; Downers Grove, IL:
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mais na circuncisão, no sábado e nas leis alimentares, que “funcionavam como um “marcador de identidade” e “fronteira”, reforçando o senso de
distinção de Israel e distinguindo Israel das nações vizinhas”. Além disso, esse “senso de distinção” foi acompanhado por um “senso de privilégio”.
A razão pela qual Paulo era negativo em relação às 'obras da lei' não era que eles fossem pensados para ganhar a salvação, mas que (a) eles
levavam a um orgulho jactancioso do status favorecido de Israel, e (b) eles promoviam uma exclusividade étnica incompatível com a inclusão dos
gentios, com os quais ele estava comprometido.
Não pode haver dúvida de que Paulo viu esses dois perigos claramente. Mas o Dr. Stephen Westerholm está certo, em sua excelente pesquisa
A Lei de Israel e a Fé da Igreja (1988), ao questionar aspectos dessa reconstrução. Para Paulo, ele argumenta, usou “lei” e “obras da lei” de forma
intercambiável, de modo que sua referência era mais ampla do que a rituais judaicos particulares; era jactar-se de boas obras, não apenas de
favorecimento, ao qual Paulo se opôs, como fica claro no caso de Abraão (3:27; 4:1-5); e “o princípio fundamental afirmado pela tese de Paulo da
justificação pela fé, não pelas obras da lei, é o da dependência da humanidade da graça divina...”.
Claramente, a última palavra ainda não foi dita ou escrita sobre essas questões controversas em Romanos. Podemos não nos sentir capazes de
concordar que a consciência pré-conversão de Paulo era tão clara quanto agora está sendo alegada, ou que ele estava tão confuso com a lei e tão
preocupado com seus regulamentos rituais, como alguns estão argumentando; ou que o judaísmo do primeiro século estava completamente livre
de noções de mérito e de justiça pelas obras. Mas podemos ser profundamente gratos pela insistência acadêmica de que a questão dos gentios é
central para Romanos. A redefinição e reconstituição do povo de Deus, compreendendo crentes judeus e gentios em termos iguais, é um tema
crítico que permeia a carta.

3. Proposito dos Escritos de Paulo

Os comentaristas mais antigos tendiam a supor que Paulo estava fornecendo em Romanos o que Filipe Melanchthon chamou de “um compêndio
da doutrina cristã”, um tanto separado de qualquer contexto sócio-histórico particular. Os estudiosos contemporâneos, por outro lado, tendem a
reagir exageradamente a isso e a se concentrar inteiramente na situação transitória do escritor e dos leitores. Nem todos cometeram esse erro, no
entanto. O professor Bruce chamou Romanos de “uma declaração sustentada e coerente do evangelho”. O professor Cranfield o descreveu como
“um todo teológico do qual nada substancial pode ser retirado sem alguma medida de desfiguração ou distorção”. E Günther Bornkamm poderia
se referir a Romanos como “a última vontade e testamento do apóstolo Paulo”.
No entanto, todos os documentos do Novo Testamento (os evangelhos, os Atos e o Apocalipse, bem como as cartas) foram escritos a partir de
uma situação particular. E essa situação dizia respeito em parte às circunstâncias em que o autor se encontrava, em parte às de seus leitores
pretendidos, e geralmente uma combinação de ambos. São elas que nos ajudam a compreender o que levou cada autor a escrever e por que escreveu
o que escreveu. Romanos não é exceção a essa regra geral, embora Paulo em nenhum lugar explique suas razões em detalhes. Assim, diferentes
reconstruções foram tentadas.

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Em sua útil monografia The Reasons for Romans (As razões para os escritos de Romanos), o Dr. Alexander Wedderburn insistiu em 6 pontos
de fatores precisam ser levados em conta, seu começo e fim e sua substância teológica no meio, tanto a situação de Paulo quanto a da igreja romana,
tanto as seções judaicas quanto as gentias da igreja, e seus problemas particulares..
Quais eram, então, as próprias circunstâncias de Paulo? Ele provavelmente está escrevendo de Corinto durante aqueles três meses que passou
“na Grécia” pouco antes de navegar para o leste. Ele menciona três lugares que pretende visitar. A primeira é Jerusalém, levando consigo o dinheiro
que as igrejas gregas contribuíram para os cristãos pobres da Judéia (15:25ss). A segunda é a própria Roma. Tendo ficado frustrado em suas
tentativas anteriores de visitar os cristãos em Roma, ele está confiante de que desta vez será bem-sucedido (1:11ss.; 15:23ss.). Em terceiro lugar,
ele planeja ir para a Espanha, a fim de continuar seu trabalho missionário pioneiro “onde Cristo não era conhecido” (15:20, 24, 28). Seus propósitos
mais óbvios ao escrever estavam relacionados a esses três destinos.
De fato, Paulo pensava em Roma, situada entre Jerusalém e a Espanha, como um lugar de refrigério depois de ter estado em Jerusalém e um
lugar de preparação a caminho da Espanha. Em outras palavras, suas visitas a Jerusalém e à Espanha tiveram um significado especial para ele
porque expressavam seus dois compromissos contínuos: com o bem-estar de Israel (Jerusalém) e com a missão dos gentios (Espanha).
Paulo evidentemente estava apreensivo com sua próxima visita a Jerusalém. Ele investiu muito pensamento, tempo e energia na promoção de
sua coleção e apostou seu prestígio pessoal nela. Foi para ele mais do que uma expressão de generosidade cristã. Era um símbolo da solidariedade
judaico-gentia no corpo de Cristo e de uma reciprocidade apropriada (os gentios compartilhando com os judeus suas bênçãos materiais, tendo
primeiro compartilhado suas bênçãos espirituais, 15:27). Então ele exortou os cristãos romanos a se juntarem a ele em sua luta de oração (15:30),
não apenas para sua segurança pessoal, para que ele pudesse ser 'resgatado dos incrédulos na Judéia', mas especialmente para o sucesso de sua
missão, que seu serviço pode ser "aceitável para os santos de lá" (15:31). Humanamente falando, sua aceitabilidade estava em dúvida. Muitos
cristãos judeus o olhavam com profunda suspeita. Alguns o condenaram por deslealdade à sua herança judaica, pois em sua evangelização dos
gentios ele defendeu sua liberdade da necessidade de circuncisão e observância da lei. Para esses cristãos judeus, aceitar a oferta que Paulo estava
levando a Jerusalém seria o mesmo que endossar sua política liberal. O apóstolo sentiu a necessidade de apoio da comunidade cristã mista judaico-
gentia de Roma; ele escreveu a eles para solicitar suas orações.
Se o destino imediato de Paulo era Jerusalém, seu destino final era a Espanha. O fato é que sua evangelização das quatro províncias da Galácia,
Ásia, Macedônia e Acaia estava agora completa, pois "de Jerusalém até a Ilíria" (aproximadamente a Albânia moderna), ele havia pregado
plenamente o evangelho (15:19b). Então, o que vem a seguir? Sua ambição, que de fato se tornou sua política fixa, era evangelizar apenas “onde
Cristo não era conhecido”, para que ele “não estivesse construindo sobre fundamento alheio” (15:20). Agora, portanto, ele juntou essas duas coisas
(o fato e a política) e concluiu que “não havia mais lugar” para ele “trabalhar nessas regiões” (15:23). Em consequência, seus olhos estavam
voltados para a Espanha, que era considerada parte da fronteira ocidental do Império Romano e na qual, até onde ele sabia, o evangelho ainda não
havia penetrado.
Mas ele poderia ter decidido ir para a Espanha sem visitar Roma no caminho ou mesmo contar aos romanos seus planos. Então, por que ele
escreveu para eles? Certamente porque ele sentiu a necessidade de sua comunhão. Roma ficava a cerca de dois terços do caminho de Jerusalém
para a Espanha. Ele perguntou, portanto, se eles o ‘ajudariam’ em sua jornada para lá (15:24), presumivelmente com seu encorajamento, apoio

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financeiro e orações. De fato, ele queria “usar Roma como base de operações no Mediterrâneo Ocidental, assim como havia usado Antioquia
(originalmente) como base no Oriente”.
Assim, o destino intermediário de Paulo, entre Jerusalém e Espanha, seria Roma. Uma igreja já havia surgido lá, talvez por meio de cristãos
judeus que voltaram para casa de Jerusalém depois de Pentecostes. Mas não se sabe quem foi o missionário pioneiro e plantador de igrejas. Se a
visita planejada de Paulo parece inconsistente com sua política de não construir sobre o fundamento de outra pessoa, podemos apenas supor que
Roma não era considerada o território de uma pessoa e/ou que ele foi influenciado pela verdade compensatória de que, como o apóstolo
especialmente designado para os gentios (1:5ss.; 11:13; 15:15ss.) seria apropriado para ele ministrar na metrópole do mundo gentio (1:11ss.),
embora ele tenha acrescentado com tato que só os visitaria “ao passar através' (15:24, 28).
Ainda temos que perguntar por que ele deveria escrever para eles, no entanto. Foi em parte, sem dúvida, para prepará-los para sua visita. Mais
do que isso, porque ele não tinha visitado Roma antes, e porque a maioria dos membros da igreja não eram conhecidos por ele, ele viu a necessidade
de estabelecer suas credenciais apostólicas dando um relato completo de seu evangelho. Como ele fez isso foi determinado principalmente pela
“lógica interna do evangelho”, mas ao mesmo tempo ele estava abordando as preocupações de seus leitores e respondendo às críticas, como surgirá
nos próximos parágrafos. Enquanto isso, em relação à sua própria situação, ele lhes enviou um pedido triplo: orar para que seu serviço em Jerusalém
fosse aceitável, ajudá-lo em seu caminho para a Espanha e recebê-lo durante sua escala em Roma como apóstolo do Gentios.
Os propósitos de Paulo ao escrever aos romanos não são rastreáveis apenas à sua própria situação, no entanto, e em particular aos seus planos
de viajar para Jerusalém, Roma e Espanha. Sua carta também surgiu da situação em que os cristãos romanos se encontravam. O que é que foi isso?
Mesmo a leitura mais casual de Romanos revela o fato de que a igreja em Roma era uma comunidade mista composta por judeus e gentios, com
gentios na maioria (1:5ss., 13; 11:13), e que havia conflito considerável entre esses grupos. Reconhece-se ainda que esse conflito não era
principalmente étnico (diferentes raças e culturas), mas teológico (diferentes convicções sobre o status da aliança e da lei de Deus e, portanto,
sobre a salvação). Alguns estudiosos sugerem que as igrejas domésticas na cidade (veja 16:5, e também os versículos 14 e 15 que se referem aos
cristãos “com eles”) podem ter representado essas diferentes posições doutrinárias. Também pode ser que as 'perturbações' feitas pelos judeus em
Roma 'por instigação de Cresto' (provavelmente significando Cristo), que foram mencionadas por Suetônio, e que levaram à sua expulsão de Roma
em 49 d.C. pelo imperador Cláudio, foram devidos a este mesmo conflito entre cristãos judeus e gentios.
Qual era então a questão teológica subjacente às tensões étnicas e culturais entre judeus e gentios em Roma? Wedderburn se refere aos cristãos
judeus em Roma como representantes do 'cristianismo judaizante', uma vez que eles consideravam o cristianismo 'simplesmente parte do judaísmo'
e exigiam que seus seguidores 'observassem a lei judaica', enquanto os cristãos gentios que ele chama de 'defensores de um evangelho sem lei'.
Além disso, ele e muitos outros estudiosos também viram no primeiro grupo “os fracos” e no último “os fortes” a quem Paulo se dirige nos
capítulos 14-15, embora isso possa ser uma simplificação excessiva. Os ‘fracos na fé’, que observavam escrupulosamente os regulamentos
cerimoniais como as leis alimentares, condenaram Paulo por não fazê-lo. Eles também podem ter se considerado os únicos beneficiários das
promessas de Deus e não eram a favor da evangelização dos gentios, a menos que os convertidos estivessem preparados para serem circuncidados
e observarem a lei integralmente. Para eles, Paulo era tanto um traidor da aliança quanto um inimigo da lei (isto é, um ‘antinomiano’). Os “fortes
na fé”, por outro lado, que como o próprio Paulo eram defensores de um “evangelho livre da lei”, cometeram o erro de desprezar os fracos por

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ainda estarem em escravidão desnecessária à lei. Assim, os cristãos judeus estavam orgulhosos de seu status favorecido, e os cristãos gentios de
sua liberdade, de modo que Paulo viu a necessidade de humilhar a ambos.
Ecos dessa controvérsia, tanto em suas implicações teológicas quanto práticas, podem ser ouvidos em todos os textos em Romanos. E Paulo é
visto do começo ao fim como um autêntico pacificador, derramando óleo em águas turbulentas, ansioso para preservar tanto a verdade quanto a
paz sem sacrificar um ao outro. Ele próprio tinha, é claro, um pé em ambos os campos. Por um lado, ele era um judeu patriota ("Eu poderia desejar
que eu mesmo fosse amaldiçoado e separado de Cristo por causa de meus irmãos... o povo de Israel", 9:3). Por outro lado, ele havia sido
especialmente comissionado como apóstolo para os gentios ('Estou falando com vocês gentios... como eu sou o apóstolo para os gentios...', 11:13;
cf. 1:5; 15:15s. ). Então ele estava em uma posição única para ser um agente de reconciliação. Ele estava determinado a fazer uma declaração
completa e nova do evangelho apostólico, que não comprometeria nenhuma de suas verdades reveladas, mas que ao mesmo tempo resolveria o
conflito entre judeus e gentios sobre a aliança e a lei, e assim promover a unidade da igreja.
Em seu ministério de reconciliação, portanto, Paulo desenvolve dois temas primordiais e os entrelaça lindamente. A primeira é a justificação
de pecadores culpados somente pela graça de Deus em Cristo somente por meio da fé somente, independente de status ou obras. Esta é a mais
humilhante e niveladora de todas as verdades e experiências cristãs, e assim é a base fundamental da unidade cristã. De fato, como Martin Hengel
escreveu, "embora as pessoas hoje gostem de afirmar o contrário, ninguém entendeu a verdadeira essência da teologia paulina, a salvação dada
sola gratia, somente pela graça".
O segundo tema de Paulo é a consequente redefinição do povo de Deus, não mais segundo a descendência, circuncisão ou cultura, mas segundo
a fé em Jesus, para que todos os crentes sejam verdadeiros filhos de Abraão, independentemente de sua origem étnica ou prática religiosa. Portanto,
'não há diferença' agora entre judeus e gentios, seja no fato de seu pecado e culpa ou na oferta e dom de salvação de Cristo (por exemplo, 3:21.,
27.; 4:9.; 10:11). De fato, “o tema mais importante de Romanos é a igualdade entre judeus e gentios”.
E ligada a isso está a validade contínua tanto da aliança de Deus (que agora abrange os gentios e demonstra sua fidelidade) quanto de sua lei
(de modo que, embora 'libertados' dela como o caminho da salvação, nós ainda por meio do Espírito 'cumprimos' como a revelação da santa
vontade de Deus).

Uma breve visão geral da carta e seu argumento lançará mais luz sobre o entrelaçamento desses temas relacionados.

4. Uma Breve Visão Geral de Romanos

Os dois temas principais de Paulo – a integridade do evangelho confiado a ele e a solidariedade de judeus e gentios na comunidade messiânicas
já são aparentes na primeira metade do primeiro capítulo da carta.
Paulo chama as boas novas de “o evangelho de Deus” (1) porque ele é seu autor, e “o evangelho de seu Filho” (9) porque ele é sua substância.
Nos versículos 1–5 ele se concentra na pessoa de Jesus Cristo, filho de Davi por descendência e poderosamente declarado Filho de Deus pela

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ressurreição. No versículo 16 ele se concentra em sua obra, pois o evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, “primeiro
para o judeu, depois para o gentio”.Entre essas declarações sucintas do evangelho, Paulo procura estabelecer um relacionamento pessoal com seus
leitores. Ele está escrevendo para “todos em Roma” que são crentes (7), independentemente de sua origem étnica, embora saiba que a maioria
deles são gentios (13). Ele agradece a Deus por todos eles, ele ora por eles constantemente, ele deseja vê-los, e ele tentou muitas vezes (até agora
sem sucesso) visitá-los (8-13). Ele se sente na obrigação de pregar o evangelho na capital do mundo. De fato, ele está ansioso para fazê-lo, porque
no evangelho o modo justo de Deus de ‘justificar’ o injusto foi revelado (14-17).

A Ira de Deus (1:18–3:20)

A revelação da justiça de Deus no evangelho é necessária por causa da revelação de sua ira contra a injustiça (18). A ira de Deus, seu
antagonismo puro e perfeito ao mal, é dirigido contra todos aqueles que deliberadamente suprimem o que sabem ser verdadeiro e certo, para seguir
seu próprio caminho. Pois todos têm algum conhecimento de Deus e da bondade, seja através do mundo criado (19ss.), seja através da consciência
(32), seja através da lei moral escrita nos corações humanos (2:12.), ou através da lei de Moisés confiado aos judeus (2.17)
O apóstolo, portanto, divide a raça humana em três seções – sociedade pagã depravada (1:18-32), moralizadores críticos, sejam judeus ou
gentios (2:1-16), e judeus bem instruídos e autoconfiantes (2:17- 3:8). Ele então conclui acusando toda a raça humana (3:9-20). Em cada caso, seu
argumento é o mesmo, que ninguém vive de acordo com o conhecimento que tem. Mesmo os privilégios especiais dos judeus não os isentam do
julgamento divino. Não, “judeus e gentios estão todos sob o pecado” (3:9), “porque Deus não mostra favoritismo” (2:11). Todos os seres humanos
são pecadores, culpados e sem desculpa diante de Deus. A imagem é de uma escuridão ininterrupta.

A Graça de Deus (3:21–8:39)

O “Mas agora” de 3:21 é um dos grandes adversários da Bíblia. Pois na escuridão universal do pecado e da culpa humanos resplandeceu a luz
do evangelho. Paulo novamente chama isso de “a justiça de [ou de] Deus” (como em 1:17), isto é, sua justa justificação dos injustos. Isso só é
possível através da cruz, na qual Deus demonstrou sua justiça (3:25.), bem como seu amor (5:8), e está disponível para 'todos os que creem' (3:22),
sejam judeus ou gentios. Ao explicar a cruz, Paulo recorre às palavras-chave “propiciação”, “redenção” e “justificação”. E então, ao responder às
objeções judaicas (3:27-31), ele argumenta que, como a justificação é somente pela fé, não pode haver jactância diante de Deus, nem discriminação
entre judeus e gentios e nem desrespeito à lei.

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Romanos 4 é um ensaio brilhante no qual Paulo prova que Abraão, o pai fundador de Israel, não foi justificado nem por suas obras (4-8), nem
por sua circuncisão (9-12), nem pela lei (13-15).), mas pela fé. Em consequência, Abraão é agora "o pai de todos os que creem", independentemente
de serem judeus ou gentios (11, 16-25). A imparcialidade divina é evidente.
Tendo estabelecido que Deus justifica até os ímpios pela fé (4:5), Paulo afirma as grandes bênçãos desfrutadas por seu povo justificado (5:1-
11). Portanto, ele começa, temos paz com Deus, estamos em sua graça e nos regozijamos na perspectiva de ver e compartilhar sua glória. Mesmo
o sofrimento não abala nossa confiança, por causa do amor de Deus que ele derramou em nossos corações por meio de seu Espírito (5) e provou
na cruz por meio de seu Filho (8). Por causa do que Deus já fez por nós, ousamos dizer que ‘seremos salvos’ no último dia (9-10).
Duas comunidades humanas foram agora retratadas, uma caracterizada pelo pecado e pela culpa, a outra pela graça e fé. A cabeça da velha
humanidade é Adão, a cabeça da nova é Cristo. Então, com precisão quase matemática, Paulo os compara e contrasta (5:12-21). A comparação é
simples. Em ambos os casos, o ato de um homem afetou um número enorme de pessoas. O contraste, no entanto, é muito mais significativo.
Enquanto a desobediência de Adão trouxe condenação e morte, a obediência de Cristo trouxe justificação e vida. De fato, a obra salvadora de
Cristo será muito mais bem-sucedida do que a destrutividade de Adão.
No meio dessa antítese entre Adão e Cristo, Paulo introduz Moisés: ‘a lei foi acrescentada para que a ofensa aumentasse’. Mas onde abundou
o pecado, a graça superabundou” (20). Ambas as declarações terão soado chocantes aos ouvidos judeus, porque terão parecido incorrigivelmente
antinomianas. O primeiro parecia culpar a lei pelo pecado, e o segundo, minimizar o pecado pela graça magnifica. O evangelho de Paulo
menosprezou a lei e encorajou o pecado? Paulo responde à segunda acusação em Romanos 6, e a primeira em Romanos 7.
Duas vezes em Romanos 6 (versículos 1 e 15) ouvimos o crítico de Paulo perguntando se Paulo quis dizer que podemos continuar pecando para
que a graça de Deus continue perdoando. Nas duas vezes, Paulo responde com um ultrajado “Deus me livre!” Para os cristãos, fazer essa pergunta
mostra que eles nunca entenderam o significado de seu batismo (1-14) ou de sua conversão (15-23). Eles não sabiam que seu batismo significava
união com Cristo em sua morte, que sua morte era uma morte “para o pecado” (cumprindo sua exigência, pagando sua penalidade) e que eles
também haviam participado de sua ressurreição? Pela união com Cristo, eles mesmos estavam “mortos para o pecado e vivos para Deus”. Como,
então, eles poderiam continuar vivendo no que haviam morrido? Foi semelhante com a sua conversão. Eles não se ofereceram decididamente a
Deus como seus escravos? Então, como eles poderiam contemplar cair em sua antiga escravidão ao pecado? Nosso batismo e conversão fecharam
a porta para a velha vida e abriram a porta para uma nova vida. Não é impossível para nós voltar, mas é inconcebível que o façamos. Longe de
encorajar o pecado, a graça o proíbe.
Os críticos de Paulo também ficaram perturbados com seu ensino sobre a lei. Então ele esclarece isso em Romanos 7. Ele faz três pontos.
Primeiro (1-6), os cristãos ‘morreram para a lei” em Cristo, assim como “morreram para o pecado”. Consequentemente, eles são ‘libertados’ da
lei, isto é, de sua condenação, e agora estão livres não para pecar, mas para servir no novo caminho do Espírito. Em segundo lugar, escrevendo
(creio) a partir de seu próprio passado (7-13), Paulo argumenta que, embora a lei revele, provoque e condene o pecado, ela não é responsável pelo
pecado ou pela morte. Não, a lei é santa. Paulo exonera a lei.
Em terceiro lugar (14-25), Paulo descreve em termos vívidos uma luta moral interior dolorosa e contínua. Se o “desgraçado” que clama por
libertação é um cristão regenerado ou não regenerado (eu tomo uma terceira posição), e se ele é o próprio Paulo ou alguém que Paulo está

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personificando, seu propósito neste parágrafo é demonstrar a fraqueza da lei. Sua derrota não se deve nem à lei (que é santa), nem mesmo ao seu
verdadeiro eu, mas ao “pecado que vive em mim” (17, 20), e isso a lei não tem poder para controlar. Mas agora (8:1-4) Deus fez por meio de seu
Filho e Espírito o que a lei, enfraquecida por nossa natureza pecaminosa, era incapaz de fazer. Em particular, o remédio para o pecado que habita
em nós é o Espírito que habita em nós (8:9), que não foi mencionado no capítulo 7, exceto no versículo 6. Assim, tanto para a justificação quanto
para a santificação, não estamos “debaixo da lei, mas da graça”.
Assim como Romanos 7 está cheio da lei, Romanos 8 está cheio do Espírito. Durante a primeira metade do capítulo, Paulo descreve alguns dos
ministérios muito variados do Espírito Santo - libertando-nos, habitando em nós, dando-nos vida, conduzindo-nos ao autocontrole, testemunhando
com nosso espírito que somos filhos de Deus e intercedendo por nós. O fato de sermos filhos de Deus lembra a Paulo que, portanto, também somos
seus herdeiros, e que o sofrimento é o único caminho para a glória. Ele então traça um paralelo entre os sofrimentos e a glória da criação de Deus
e os sofrimentos e a glória dos filhos de Deus. A criação foi submetida à frustração, escreve ele. Mas um dia ela será libertada de sua escravidão.
Enquanto isso, a criação geme como em dores de parto, e nós gememos com ela. Também esperamos com expectativa ansiosa, mas paciente, pela
redenção final do universo, incluindo nossos corpos.
Nos últimos doze versos de Romanos 8, o apóstolo eleva-se às alturas sublimes da confiança cristã. Ele expressa cinco convicções sobre Deus
trabalhando para nosso bem, isto é, para nossa salvação final (28). Ele descreve cinco estágios do propósito de Deus de uma eternidade passada a
uma eternidade futura (29-30). E ele lança cinco perguntas desafiadoras para as quais não há resposta. Ele assim nos fortalece com quinze garantias
do amor inabalável de Deus, do qual nada pode nos separar.

O Plano de Deus (Missiologia Divina) (9–11)


Ao longo da primeira metade de sua carta, Paulo não esqueceu nem a mistura étnica da igreja Romana nem as tensões que continuavam surgindo
entre a minoria cristã judaica e a maioria cristã gentia. Chegou a hora de ele abordar de frente o problema teológico subjacente. Como é que o
povo judeu como um todo rejeitou seu Messias? Como a incredulidade deles poderia ser reconciliada com a aliança e as promessas de Deus? Como
também a inclusão dos gentios se encaixou no plano de Deus? É notável que cada um desses três capítulos comece com uma declaração pessoal e
emocional do amor de Paulo por Israel – sua angústia sobre sua alienação (9:1ss.), seu desejo por sua salvação (10:1) e sua própria continuidade
de judaísmo (11:1).
No capítulo 9, Paulo defende a lealdade da aliança de Deus com base em que suas promessas não foram dirigidas a todos os descendentes de
Jacó, mas a Israel dentro de Israel, um remanescente, uma vez que ele sempre trabalhou de acordo com seu “propósito de eleição” (11). Isso pode
ser visto não apenas em sua escolha de Isaque em vez de Ismael, e Jacó em vez de Esaú, mas também em sua misericórdia de Moisés, enquanto
endurecia Faraó (14-18), mesmo que esta fosse uma rendição judicial de Faraó ao deliberado. endurecimento de seu próprio coração. Se ainda
temos problemas com a eleição, devemos lembrar que é sempre inapropriado que os seres humanos respondam a Deus (19-21), que devemos
deixar Deus ser Deus em sua resolução de tornar conhecido seu poder e misericórdia (22-21). 23), e que a própria Escritura predisse o chamado
dos gentios, bem como dos judeus, para serem seu povo (24-29).

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Fica claro no final do capítulo 9 e no capítulo 10, no entanto, que a incredulidade de Israel não pode ser explicada simplesmente pelo propósito
da eleição de Deus. Pois Paulo prossegue afirmando que Israel “tropeçou na pedra de tropeço”, a saber, Cristo e sua cruz. Isso é acusar Israel de
uma orgulhosa relutância em se submeter ao caminho da salvação de Deus e de um zelo religioso que não era baseado no conhecimento (9:30-
10:4). Paulo prossegue contrastando “a justiça que é pela lei” com “a justiça que é pela fé”, e enfatiza, a partir de um uso hábil de Deuteronômio
30, a pronta acessibilidade de Cristo à fé. Não há necessidade de ninguém ir em busca de Cristo, pois ele veio e morreu e ressuscitou, e está perto
de qualquer um que o invoque (5-11). Além disso, não há diferença nisso entre judeus e gentios, pois o mesmo Senhor é o Senhor de todos e
abençoa ricamente todos os que o invocam (12-13). Mas, para isso, a evangelização é necessária (14-15). Por que então Israel não aceitou as boas
novas? Não é que eles não tenham ouvido ou entendido. Por que então? É que durante todo o dia Deus estendeu as mãos para recebê-los, mas eles
eram “desobedientes e obstinados” (16-21). Então, a incredulidade de Israel, que em Romanos 9 é atribuída ao propósito de eleição de Deus, em
Romanos 10 é atribuída ao seu orgulho, ignorância e teimosia. A tensão entre a soberania divina e a responsabilidade humana constitui uma
antinomia que a mente finita não pode compreender.
Com o capítulo 11, Paulo olha para o futuro. Ele declara que a queda de Israel não é total, pois há um remanescente crente (1-10), nem final,
pois Deus não rejeitou seu povo e eles se recuperarão (11). Se pela queda de Israel a salvação chegou aos gentios, agora pela salvação dos gentios
Israel ficará com inveja (12). De fato, Paulo vê seu ministério evangelístico em termos de despertar a inveja de seu próprio povo, a fim de salvar
alguns deles (13-14). E então a “plenitude” de Israel trará “riquezas muito maiores” ao mundo. Paulo desenvolve sua alegoria da oliveira e ensina
duas lições dela. A primeira é uma advertência aos gentios (o rebento de oliveira brava que foi enxertado) para não presumir ou se vangloriar (17-
22). E a segunda é uma promessa a Israel (os ramos naturais) de que, se não persistirem na incredulidade, serão enxertados novamente (23-24). A
visão de Paulo para o futuro, que ele chama de “mistério” ou revelação, é que quando a plenitude dos gentios vier, “todo o Israel será salvo”
também (25-27). E o fundamento de sua certeza é que “os dons e o chamado de Deus são irrevogáveis” (29). Portanto, podemos esperar com
confiança que a “plenitude” de judeus e gentios seja reunida (12, 25). De fato, Deus “terá misericórdia de todos eles” (32), significando não todos
sem exceção, mas judeus e gentios sem distinção. Não é de surpreender que essa perspectiva leve Paulo a irromper em uma doxologia, na qual ele
louva a Deus pela profundidade tanto de suas riquezas quanto de sua sabedoria (33-36).

A Vontade de Deus (12:1–15:13)

Chamando os cristãos romanos de seus “irmãos” (as antigas distinções étnicas foram abolidas), Paulo agora dirige a eles um apelo eloquente.
Ele se baseia nas “misericórdias de Deus” que ele vem expondo, e ele pede tanto a consagração de seus corpos quanto a renovação de suas mentes.
Ele coloca diante deles a alternativa gritante que sempre e em toda parte enfrentou o povo de Deus, seja para se conformar ao padrão deste mundo
ou para ser transformado por mentes renovadas que discernem a “boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. A escolha é entre a moda do mundo
e a vontade do Senhor.

John R. W. Stott, The Message of Romans: God’s Good News for the World, The Bible Speaks Today (Leicester, England; Downers Grove, IL:
InterVarsity Press, 2001).
Nos capítulos que se seguem fica claro que a boa vontade de Deus diz respeito a todos os nossos relacionamentos, que são radicalmente mudados
pelo evangelho. Paulo trata de oito deles, a saber, nosso relacionamento com Deus, nós mesmos, uns com os outros, nossos inimigos, o estado, a
lei, o último dia e os ‘fracos’. Nossas mentes renovadas, que começam buscando a vontade de Deus (1-2), também devem avaliar a nós mesmos e
nossos dons com sobriedade, e não ter uma opinião muito alta ou muito baixa de nós mesmos (3-8). Nosso relacionamento uns com os outros
decorre naturalmente dos ministérios mútuos que nossos dons tornam possíveis. O amor que une os membros da família cristã incluirá sinceridade,
afeto, honra, paciência, hospitalidade, simpatia, harmonia e humildade (9-16).
Nosso relacionamento com nossos inimigos ou malfeitores vem a seguir (17-21). Ecoando o ensinamento de Jesus, Paulo escreve que não
devemos retaliar ou vingar-nos, mas deixar o castigo do mal para Deus, já que é sua prerrogativa, e enquanto isso buscar a paz, servir nossos
inimigos e vencer o mal com o bem. Nosso relacionamento com as autoridades governamentais (13:1-7) pode muito bem ter sido sugerido à mente
de Paulo por sua referência à ira de Deus (12:19). Se a punição do mal é prerrogativa de Deus, uma das formas de o fazer é por meio da
administração da justiça do Estado, pois o magistrado é o ‘ministro’ de Deus para punir o malfeitor. O estado também tem um papel positivo para
promover e recompensar o bem na comunidade. No entanto, nossa submissão às autoridades certamente não é incondicional. Se o estado usa mal
sua autoridade dada por Deus, para ordenar o que Deus proíbe ou proibir o que Deus ordena, nosso claro dever cristão é desobedecer ao estado
para obedecer a Deus.
Os versículos 8–10 voltam ao amor e ensinam que amar nosso próximo é tanto uma dívida não paga quanto o cumprimento da lei. Pois embora
não estejamos “debaixo da lei”, no sentido de que olhamos para Cristo para justificação e para o Espírito Santo para santificação, ainda somos
chamados a “cumprir a lei” em obediência diária aos mandamentos de Deus. Nesse sentido, não devemos colocar o Espírito e a lei um contra o
outro, pois o Espírito Santo escreve a lei em nossos corações. E esta primazia do amor é tanto mais urgente quanto se aproxima o dia da volta de
Cristo. Devemos acordar, levantar, vestir e viver como aqueles que pertencem ao dia (versículos 11–14).
Nosso relacionamento com os 'fracos' é aquele que Paulo trata mais extensamente (14:1-15:13). Eles são evidentemente fracos em fé ou
convicção, e não em vontade ou caráter. Eles devem ter sido principalmente cristãos judeus, que acreditavam que ainda deveriam observar as leis
alimentares e as festas e jejuns do calendário judaico. O próprio Paulo é um dos ‘fortes’ e se identifica com sua posição. Sua consciência educada
lhe diz que os alimentos e os dias são questões de importância secundária. Mas ele se recusa a passar por cima das consciências sensíveis dos
fracos. Sua exortação geral à igreja é “aceitar” os fracos como Deus fez (14:1, 3) e “aceitar” uns aos outros como Cristo fez (15:7). Se eles
acolherem os fracos em seus corações e em sua comunhão, eles não os desprezarão, nem os condenarão, nem os prejudicarão, persuadindo-os a ir
contra suas consciências.
A característica mais notável dessas instruções práticas é que Paulo as fundamenta em sua cristologia e, em particular, na morte, ressurreição e
Parusia de Jesus. Os fracos são irmãos e irmãs por quem Cristo morreu. Cristo ressuscitou para ser seu Senhor, e não temos o direito de interferir
com seus servos. Ele também está vindo para ser nosso juiz; por isso não devemos desempenhar o papel de julgar a nós mesmos. Devemos também
seguir o exemplo de Cristo que não agradou a si mesmo, mas se tornou um servo - de fato, um servo de judeus e gentios. Assim, Paulo deixa seus
leitores com uma bela visão dos fracos e dos fortes, crentes judeus e crentes gentios, que estão unidos por um tal "espírito de unidade" que "com
um só coração e uma só boca" glorificam a Deus juntos (15:5 -6).

John R. W. Stott, The Message of Romans: God’s Good News for the World, The Bible Speaks Today (Leicester, England; Downers Grove, IL:
InterVarsity Press, 2001).
Em sua conclusão, Paulo descreve seu ministério como apóstolo para os gentios, juntamente com sua política de pregar o evangelho somente
onde Cristo não é conhecido (15:14-22); ele compartilha com eles seus planos de viagem para visitá-los a caminho da Espanha, mas primeiro para
levar a oferenda a Jerusalém como símbolo da solidariedade judaico-gentia (15:23-29); e ele pede suas orações (15:30-33). Ele então recomenda
a irmã Febe a eles, que se supõe ser a portadora da carta a Roma (16:1-2); ele envia saudações a vinte e seis indivíduos nomeados (16:3-16),
homens e mulheres, escravos e livres, judeus e gentios, que nos ajudam a compreender a extraordinária unidade na diversidade desfrutada pela
igreja em Roma; ele os adverte contra falsos mestres (16:17-20); ele envia mensagens de oito pessoas que estão com ele em Corinto (16:21-24); e
ele expressa uma doxologia final. Embora a sintaxe da doxologia seja um pouco complexa, seu conteúdo é maravilhoso. Isso permite que o apóstolo
termine onde começou (1:1-5), uma vez que a introdução e a conclusão da carta se referem ao evangelho de Cristo, à comissão de Deus, ao alcance
das nações e à convocação à obediência da fé.

John R. W. Stott, The Message of Romans: God’s Good News for the World, The Bible Speaks Today (Leicester, England; Downers Grove, IL:
InterVarsity Press, 2001).

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