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Reforma Protestante

Os cincos solas

Nascido no vilarejo de Eisleben, Alemanha, em 10 de novembro de 1483, Martinho Lutero veio


de origem rude, de trabalho duro. Seu pai, Hans Luder – que no latim seria Lutero, era minerador
onde trabalhava nas minas e fornalhas de fundição. Sua mãe era católica romana piedosa, muito
supersticiosa, que o criou sob a estreita disciplina da igreja.
Desde cedo seu pai o preparou para o ofício da advocacia. Lutero estudou em Elsenach (1498 -
1501) e depois na universidade de Erfurt (1502 – 1505).
Não ter se tornado advogado foi a grande decepção para seu pai, que havia trabalhado
diurnamente para prepará-lo para a advocacia. O grande motivo que levou o jovem Lutero a
abandonar a advocacia foi num momento em que estava andando quando uma grande tempestade
severa o derrubou. Muito temeroso clamou à padroeira católica dos mineiros, Santa Ana: “ajude-
me, santa Ana, e eu me tornarei monge. Contrariando seu pai, Lutero ingressa no mais rigoroso e
austero monastérios de Erfurt – ordem dos frades agostinianos. A partir desse passo dramático,
Lutero iniciou a sua busca para encontrar a aceitação de Deus.
Durante o tempo em que esteve dentro do monastério ele era obcecado por encontrar a salvação
por meio de seus próprios esforços. Ele dizia “quando eu era monge, cansava-me grandemente de
tanto buscar o sacrifício diário, me torturei durante quinze anos com jejuns, vigílias, rezas e outras
obras muito rigorosas. Acreditava sinceramente que conseguiria a justiça por meio das minhas
obras”. “Eu me torturava com oração, jejum, vigílias e congelamentos. Sozinho, o zelo poderia ter
me matado”. Lutero determinou alcançar a salvação de Deus mediante o rigor ascético.
Lutero foi percebendo que tais esforços eram impulsionados por uma visão errada de Deus e de
Cristo. “Quem mais eu buscava ao fazer isso senão a Deus, que supostamente notaria meu esforço,
minha estrita observação da ordem monástica, minha vida de austeridade? Andava constantemente
em um sonho e vivia em verdadeira idolatria, pois eu não cria em Cristo; eu o via tão somente como
severo e terrível juiz assentado sobre um arco-íris”.
Lutero começou a perceber que jamais conseguiria a perfeição moral diante de um Deus Santo.
Essa seria realidade começou a trazer-lhe desesperança de conseguir a salvação.
Após ser ordenado em 1507 começou a surgir os conflitos teológicos como na missa ao realizar
a ceia sobre o ensino católico romano de que os elementos de pão e vinho da eucaristia se tornam
verdadeiramente em corpo e sangue de Cristo. Assim, ele confessou: “estava completamente
estupefato e aterrorizado – pensei comigo mesmo: quem sou eu para erguer meus olhos ou minhas
mãos para a majestade divina? Sou apenas pó e cinzas, cheio de pecado e estou falando ao Deus
vivo, eterno e verdadeiro”. Com terror santo o esmagava, aumentando mais ainda sua luta para
alcançar a absolvição de Deus comenta Lawson.
Depois de começar a ensinar teologia no ano de 1508 ouviu de seu conselheiro os ensinos de
Agostinho acerca da Soberania de Deus na salvação. Isso fez ainda mais aumentar seus temores
acerca de como conseguir a salvação sabendo que um Deus santo exigia a perfeição moral.
Em seguida, no ano de 1510 foi enviado a cidade de Roma. Lutero achava que essa viagem
seria um lugar de paz porque ia conhecer os lugares sagrados e venerar supostas relíquias das
cristandades. Mas em vez disso, descobriu os abusos grosseiros e as hipocrisias mascaradas dos
sacerdotes. Ficou desiludido com a corrupção da igreja romana e desencantou-se das peregrinações
para adorar as relíquias religiosas. Esses objetos incluíram a corda com a qual supostamente Judas
se enforcou, um pedaço reputado da sarça ardente de Moisés e as alegadas correntes do apóstolo
Paulo.
Como bom católico, Lutero conheceu a Scala Sancta (escada santa), a escadaria na qual Jesus
teria descido ao palácio do tribunal de Pilatos que agora estavam em Roma. Lutero sabia que Deus
perdoaria os pecados daqueles que se arrastassem por ela de Joelhos, beijando cada degrau. Ao
fazer respeitosamente todos esses passeios, chegou ali em cima, exclamando de forma desesperada:
“Em Roma eu quis buscar meu avô do purgatório, e subi a escadaria rezando em paternoster em
cada degrau, pois estava convencido de que se orasse assim, poderia livrar e redimir a alma dele.
Mas quando cheguei ao último degrau, o pensamento me vinha: Quem sabe se isso é verdade?”
Ao retornar para Erfurt, Lutero se transferiu para a Universidade Wittenberg, onde recebeu seu
grau de Doutor em Teologia (1512) tornando-se preletor de Bíblia. Nessa função, ele
diligentemente expôs as Escrituras:
Salmos (1513-1515); Romanos (1515-1516); Gálatas (1516-1517); Hebreus (1517-1519).
“Quanto mais Lutero estudava a Escritura, mais perplexo ficava. Não podia entender como um
homem pecador poderia ser justificado aos olhos de um Deus Santo.

Controvérsias sobre indulgências


O ano de 1517 torna-se o ano conturbado para a vida de Lutero. Nesse ano, o Papa Leão X
autorizou indulgências na Alemanha para aqueles que davam esmolas para a construção da basílica
de São Pedro em Roma. Uma indulgência era a redução do castigo pelo pecado, dada pela igreja
católica romana após o pecador ter confessado e realizado determinadas obras ou orações. Lawson
diz que as indulgências de Leão eram mercadejadas grosseiramente. E o principal negociador para
essa transação foi o monge dominicano, João Tetzel. Todos o consideravam um excelente vendedor
de indulgências. Tetzel conhecia bem como manipular os interesses do público. Lawson descreve
assim:
“Entrava nas cidades em procissão solene, portando à sua frente o brasão de armas do papado
com a proclamação de indulgências bordada em ouro sobre uma almofada de veludo. Levantavam
uma cruz no mercado. Quando a multidão se reunia, Tetzel pregava sobre o céu, o inferno, e o
purgatório. Dizia a seus ouvintes que, por meio de compra de indulgências, poderiam libertar seus
falecidos, entes queridos do purgatório. Tetzel clama em alta voz:
“Não ouvis a voz de vossos pais e de outros mortos queridos implorando: “tem misericórdia de
mim, tem misericórdia porque estamos sob duro castigo e dor? Poderíeis redimir-nos dessa sina
mediante uma pequena esmola, contudo, não o quereis fazer”. Abri os ouvidos enquanto um diz ao
filho e a mãe à filha....”nós vos criamos, alimentamos, cuidamos e vos deixamos nossos bens
temporais. Por que sois tão cruéis e endurecidos que não quereis nos salvar, embora custe tão
pouco? Permitis que jazamos nas chamas para que mui vagorosamente cheguemos a alcançar a
glória prometida?
Lawson cita que essa tornou a mensagem de Tetzel: “Assim que a moeda tilintar no cofre, uma
alma é liberta do purgatório”.
Toda essa notícia chega aos ouvidos de Lutero que aumentou ainda mais sua perturbação
fazendo com que no dia 31 de outubro de 1517 ele pregasse uma lista de noventa e cinco
declarações na porta da entrada da igreja do castelo em Wittenberg propondo um debate público
sobre a vendas de indulgências. Lawson diz que os alunos de Lutero levaram esse documento sem o
seu conhecimento para serem impressos que foi publicado. Cita ainda: “como se levado pelas asas
de anjos, cópias foram imediatamente distribuídas por toda a Saxônia. Logo a Alemanha inteira foi
despertada pelas ideias de Lutero. Esse documento fixado na igreja do castelo ficou conhecido
como as noventa e cinco teses. Vejamos algumas
Tese 1 – Quando nosso Senhor e mestre Jesus Cristo disse: Arrependei-vos” (Mt. 4.17), ele
desejou que toda a vida dos crentes fosse de arrependimento;
Tese 3 – Esta palavra não pode ser entendida como uma referência ao sacramento da penitência,
ou seja, de confissão e satisfação, conforme administrada pelo clero;
Tese 21 – Sendo assim, os pregadores das indulgências estão errados quando dizem que um
homem é absolvido de toda penalidade e salvo pelas indulgências papais;
Tese 53 – São inimigos da cruz de Cristo e do Papa aqueles que mandam silenciar totalmente a
Palavra de Deus em algumas igrejas, a fim de pregar os perdões em outras;
Tese 54 – É insulto à Palavra de Deus quando, em um mesmo sermão, tempo maior é gasto
falando de indulgências do que desta Palavra;
Tese 62 – O verdadeiro tesouro da igreja é o santíssimo evangelho da glória e da graça de Deus;
Essa notícia ou bomba levou o Papa a denunciar Lutero por pregar doutrinas perigosas. Sendo
convocado várias vezes a comparecer em Roma. Tendo respondido de forma negativa ele recusou a
fazer qualquer retratação. Lawson diz que desde John Hus nenhuma outra pessoa tinha falado tão
ousadamente contra a autoridade Papal. A grande maioria de historiadores dizem que nesse
momento cumpriu-se a profecia de John Hus quando estava sendo queimado na fogueira: “hoje
vocês assarão um ganso magro, mas em cem anos ouvirão um cisne cantar. Não serão capazes de
assá-lo e nenhuma armadilha ou rede poderá segurá-lo”.
A partir desse momento Lutero chegou a uma dramática ruptura - começou a dedicar ao texto
de Romanos 1.17 para compreender melhor a “justiça de Deus”. Sua luta para compreender a
justiça de Deus era intensa a ponto de escrever:
“Eu não amava, na verdade, eu odiava o Deus justo que pune os pecadores e, secretamente, se
não de forma blasfemam com certeza com grande murmuração, eu estava irado com Deus, dizendo:
“Como se não bastasse os miseráveis pecadores, eternamente perdidos por seu pecado original,
serem esmagados por toda espécie de calamidade pela lei dos Dez Mandamentos, isto sem ter Deus
de acrescentar sofrimento ao sofrimento pelo evangelho, e também pelo evangelho nos ameaçar
com sua ira e justiça!” assim eu me enfurecia com uma consciência perturbada e feroz”.
De repete, como se um raio de luz divina brilhasse em seu entenebrecido coração, Lutero
entendeu o verdadeiro significado do texto – A Justiça de Deus é recebida como dom somente pela
fé em Jesus Cristo. Lutero confessou então:
“Finalmente, ao meditar de noite e de dia, pela misericórdia de Deus, prestei atenção ao
contexto das palavras, ou seja: Nela a justiça de Deus é revelada, conforme está escrito: Aquele que
pela fé é justificado viverá. Ali comecei a compreender que a justiça de Deus é a justiça pela qual o
justo vive por um dom de Deus, ou seja, pela fé. É este o significado: a justiça de Deus é revelada
pelo evangelho, ou seja, a justiça passiva pela qual o Deus de toda misericórdia nos justifica pela fé,
conforme está escrito: Aquele que pela fé é justo, viverá. Então senti que nasci totalmente de novo e
havia entrado por portões abertos no próprio paraíso’.
Em sua dramática conversão, Lutero percebeu que o homem pecador não é salvo por suas boas
obras. Ao contrário, a justiça de Cristo é imputada aos pecadores om base única na fé, Lutero
chamou de “justiça estrangeira”, significando que ela é estranha ao homem. Essa justiça vem de
fora dele, e é dada por Deus livremente. Ao entender que a justificação somente pela fé – Sola Fide
– veio a ser outro ponto fundamental para a reforma – a própria essência do evangelho.
A mensagem da justificação somente pela fé contrastava diretamente com a mensagem de
Roma de justificação por meio da fé com obras.
Cada mensagem de Lutero era uma bomba ao papado de Roma. Toda vez que a mensagem da
justificação chegava a Roma vinha uma ordem à Lutero de comparecer diante das autoridades
papais. Em um debate promovido contra Martin Eck, Lutero foi franco negando a infalibilidade dos
concílios eclesiásticos e rejeitou a autoridade papal. Assim ele apresenta sua defesa em Leipzg:
“Afirmo que as vezes um concilio erra e poderá ter errado bem como não possui autoridade
para estabelecer novos artigos de fé (...) os concílios têm se contradito (...) um simples leigo armado
pela Escritura deve ser acreditado diante de um papa ou concilio (...) para preservar as Escrituras
poderemos rejeitar o Papa e o Concilio (Sola Scriptura).
Por meio dessa ousada confissão, Lutero atacou o nervo central da autoridade na igreja: se a
autoridade suprema estava com o Papa ou com a Escritura.
Respondendo a bula Papal em 1520, Lutero convidou uma grande multidão para fora dos muros
da cidade de Wittenberg, onde impudentemente queimou o decreto papal de excomunhão, bem
como outros livros de leis eclesiásticas. A audiência desse ato foi um desafio sem precedentes.
Thomas Lindsay escreve:
“É quase impossível para nós do século XX imaginarmos o palpitar que perpassou a Alemanha,
bem como na verdade, toda a Europa quando se espalhou a notícia de que um padre monge havia
queimado a bula papal”. Lawson então acrescenta: “Como fogo que incendiava a alma de Lutero, as
brasas da reforma estavam cada vez mais quentes”.
Por esse motivo Lutero foi obrigado a comparecer em Worms diante da Dieta imperial a fim de
retratar-se oficialmente. A história assim narra o momento do julgamento de Lutero em Worms:
“Diante dos poderes políticos e eclesiásticos de seus dias, os livros de Lutero que se
encontravam em uma mesa, foram mostrados a ele. Johan Eck, oficial do Arcebispo de Tevis, o
pressionou: “ Tú os retratarás? Sim ou não? Sentindo a grandeza do momento, Lutero pediu um
tempo. No dia seguinte, 18 de Abril de 1521, ele respondeu com suas palavras:
“A não ser que eu esteja convencido pelo Testemunho das Escrituras ou pela razão mais clara
(porque não confio em Papas e concílios sem tal testemunho, pois é bem sabido que eles têm errado
e se contradizem), estou atado pelas Escrituras que citei, e minha consciência está cativa pela
Palavra de Deus. Não posso me retratar e nem o farei, pois não é seguro nem direito ir contra a
consciência. Não posso fazer outra coisa. Aqui permaneço, que Deus me ajude. Amém”.
Com essa corajosa declaração, Lutero declarava ser a Bíblia a autoridade única sobre Papas e
concílios.
Tempos depois pediram a Lutero que explicasse o crescente avanço da reforma. Sem vacilar,
ele respondeu com confiança na Palavra de Deus: “Eu simplesmente ensinei, preguei e escrevi a
Palavra de Deus. Fora isso eu não fiz nada. A Palavra fez tudo”.
Se a reforma fosse apenas uma reação negativa a um problema puramente histórico, então não
seria relevante, hoje para os evangélicos. A Reforma não foi um movimento negativo, um
distanciamento de Roma; foi um movimento positivo, um mover-se em direção ao evangelho. E
mover-se em direção ao evangelho significa descobrir o cristianismo original, bíblico, apostólico,
que àquela altura estava enterrado debaixo de séculos de tradições humanas.
O legado da reforma é resumido em cinco solas ou cinco somente:
Somente as Escrituras, Somente a Fé, Somente a Graça, Somente Cristo, Somente Deus à
Glória.

Somente as Escrituras – Sola Scriptura – o fundamento da fé cristã


Uma das ênfases centrais da Reforma protestante do século 16 foi a centralidade da Escritura.
Os reformadores entendiam que Deus é capaz de se comunicar com os seres humanos através
da linguagem humana. Mcgrath diz “nas Escrituras, Deus revela a si mesmo verbalmente, sob a
forma de Palavra”. A igreja é convalidada pela Escritura, e não a Escritura pela igreja. “A Escritura
deve ser interpretada pela Escritura e não pela tradição ou pelo ensinamento dos pais (da igreja)”.
Assim, a igreja é fundada na Palavra de Deus que vem a nós.
Nesse primeiro lema devemos lembrar que os reformadores tinham em mente era que a
Escritura dá testemunho de si mesma e que foi inspirada pelo próprio Deus (Sl. 19.7-10).
É a partir desse ponto que devemos também afirmar que a Escritura é veraz e digna de crédito,
quando Deus fala, ele o faz de forma verdadeira e significativa a todo o seu povo.
Para Lutero, “Somente as Escrituras” é autoridade capaz de decidir em coisas de controvérsias
de doutrina. A Escritura nunca erra. Por isso ela é a única autoridade incondicional. Calvino reforça
ainda esse lema: “As Escrituras são a norma da verdade eterna, a pura Palavra de Deus”. Franklin
Ferreira acrescenta: “para ressaltar a veracidade da Escritura é preciso recorrer a duas palavras-
chaves - ela é inerrante e infalível.
Inerrância das Escrituras significa que ela está totalmente livre de contradição, ela é “livre de
erro”. A infalibilidade assegura que a Bíblia é “incapaz de erro”, quando ela fala de assuntos de fé e
prática.
Deve ficar evidente para as igrejas reformadas que tanto a autoridade única coo também a
suficiência das Escrituras têm sido doutrinas preciosas. Só a Escritura e toda a Escritura. Não
precisamos de outra fonte para saber o que devemos crer e como devemos agir.
Em uma de suas teses, Lutero dizia que os tesouros das indulgências eram muito mais populares
dos que os tesouros do Evangelho (Tese 63 e 64).
Outro ponto que se deve atribuir ao somente as Escrituras é a sua centralidade. Se as Escrituras
são verdadeiras e inspiradas por Deus e se Jesus disse que não podem errar, precisamos reconhece-
las como fundamento sobre a qual a igreja é constituída. Essa foi a ideia dos reformadores. A igreja
prioriza a Sagrada Escritura em tudo que ela faz. Os reformadores destacam bastante a afirmação de
que “a fé vem pelo ouvir, e o ouvir, pela Palavra de Cristo” (Rm. 10.17). Nada mais e nada menos.
Para a Reforma, a Escritura é a “norma normans” (a norma que rege) de todas as decisões de fé e
vida, os credos e as confissões são normas normata (a norma que é regida). Somente a Escritura é a
suprema autoridade em matéria de vida e doutrina: Só a Bíblia é o árbitro de todas as controvérsias.

Somente Cristo – Solus Christus - A centralidade da cruz de Cristo


Esse principio ensina que Cristo é o único mediador entre Deus e a humanidade de acordo com
I Tm. 2.5-6.
Lutero restaurou para a igreja, pela Bíblia a centralidade da pessoa e a obra de Cristo na
Redenção. Ele desfez diversos erros e acréscimos medievais. Lutero procurou escrever de forma
clara sobre o que Cristo fizera. Tudo o que se faz necessário para a salvação de seu povo em sua
vida, morte e ressureição.
Assim, ele ensina no Catecismo Maior (1529) “não havia conselho, nenhuma ajuda, nenhum
consolo para nós, até que o Unigênito e Eterno Filho de Deus, em sua insondável bondade, teve
misericórdia de nossa miséria e indignidade e veio do céu para nos ajudar (...) Jesus Cristo, o
Senhor da vida, da justiça e de todo o bem e de todas as bençãos. Ele nos livrou, criatura pobres e
perdidas, da boca do inferno, por favor e graça do Pai (...) Aquele que nos comprou, tirando do
diabo para Deus, da morte para a vida, do pecado para a justiça. Agora Ele nos guarda seguros
nele”.
Lutero era consistente ao abordar a centralidade de Cristo. Nos seus escritos era firme seu
posicionamento sobre a sua obra, “Cristo, que é Rei de Justiça em nós pelo seu precioso sangue,
morte e ressureição, com que ele apagou nesse pecado, fez satisfação, reconciliou-nos com Deus e
nos redimiu da morte, da ira, e do inferno”.
Esse era o pensamento também dos reformadores comenta Godfrey: “Jesus é verdadeiramente o
redentor completo, que salva os seus da morte, do diabo e da ira do Pai, dando-lhes vida, perdão e
justiça’. Para Lutero a obra de Cristo era o fundamento da certeza e da confiabilidade nas promessas
de Jesus.
Por meio da morte de Cristo, recebemos tudo de que precisamos para entrar numa relação
correta com Deus. É o que destaca o texto em Rm. 3.24-26. Nesse texto mostra que além de
justificados, somos também redimidos. O texto afirma que o nosso Salvador redime aqueles que
creem Nele. Fomos comprados do maldito mercado de escravos e não pertencemos mais ao pecado,
à maldição da lei ou a Satanás, antes formos redimidos por Jesus Cristo conforme I Pe. 1.19-20.
Também a morte de Cristo foi propiciadora. Mostrando que a ira de Deus que era contra nós,
foi completamente satisfeita pelo Sacrifício no Gólgota. A ira foi desviada, e é isso que foi feito no
Gólgota por Cristo para os que nele confiam.
O hino composto por Lutero resume o significado do Solus Christus
1.Cristo nosso Salvador
Da morte o destruidor,
Ele está vivo!
Prendeu o vil pecado,
2.Sem pecado ele nasceu,
Toda a ira levou,
Reconciliando com Deus a todo o mundo.
3.Morte, vida e graça estão
Firmes em sua mão.
Pode salvar-nos
Quando a ele chegarmos

Sola Fide – Somente a Fé


Para se compreender a chegada de Martinho à doutrina bíblica da justificação somente pela fé,
precisamos entender de forma resumida a doutrina da Salvação predominante na igreja nos tempos
de Lutero.
“Para os teólogos medievais andavam em constante peregrinação, em suspense não sabendo e
temendo a condenação e ao mesmo tempo esperançoso na salvação sempre precisando da confissão
e indulgências, disciplina e consolação, intercessão dos santos e autoajuda das boas obras. A fé
salvadora estava desenvolvendo constantemente a fé fides caritate formata - fé formada pelas obras
contidas de amor e caridade”.
A igreja medieval ensinava que a justificação do crente não seria efetuada de modo final e
definitivo, até o dia do juízo. Nesse dia, a fé formada pelos atos de caridade (fides caritate formata)
receberia vida eterna. Como merecimento pleno ou condigno (meritum de condigno). Assim, a
aceitação do pecador diante de Deus repousava sobre o nosso desempenho.
A percepção de Lutero quanto à doutrina bíblica da justificação somente pela fé provou ser o
ponto de oposição ao sistema medieval de salvação. Ele considerou importante a centralidade da
justificação para a vida cristã. Assim escreveu em 1537 “não é possível amortecer ou fazer
concessões a esse respeito, pois, do contrário, cairiam céu e terra”.
Como Lutero chegou à doutrina bíblica da justificação? A chamada experiencia da torre – a
descoberta de Romanos 1.17 por Lutero acerca do dom da justiça justificadora no evangelho. Em
seus estudos sobre Romanos, Lutero mostra a consciência da doutrina bíblica da justificação. Segue
alguns dos seus comentários em Romanos:
3.20 – Reitera que nenhum dos nossos feitos possam justificar-nos – nem as obras que
precedem nem os que seguem justificam. Nem as obras da lei. Continua: pois não nos tornamos
justos por praticar obras justas. Somente a graça justifica, ele conclui: a justiça que justifica a
pessoa é uma justiça que vem de fora, de Deus.
Em 4.7 comenta “que somos justos extrinsecamente quando o somos somente pelo
reconhecimento de Deus, e não de nós mesmo ou de nossas obras. Pois o conhecimento de Deus
não é nosso em razão de qualquer coisa em nós ou de nosso próprio poder. Portanto, nossa justiça
não está em nós ou em nosso poder”.
Nas suas palestras em Gálatas podemos resumir assim:
A fé na justificação é totalmente receptiva. A fé não contribui para a justiça pela qual o pecador
é justificado. Ela recebe a justiça que Deus oferece no evangelho.
A justificação não é um veredicto que jaz na incerteza de nosso futuro, é um bem atual e
permanente do crente.
Para quem confia no nome do Senhor, seus pecados serão perdoados, e a justiça será imputada a
ele.
Lutero explica que essa justiça imputada ao pecador para sua justificação é “justiça alheia”, ou
seja, a justiça de outro, dada de fora – a justiça de Cristo e sem nossas obras, somente pela graça.
Fica claro em Lutero conforme explica Gruy que a justiça de Cristo, principalmente nos termos da
morte de Jesus sobre a cruz, carregando nossos pecados e tendo realizado a mesma justiça original
(perdida em Adão).
Gruy resume o pensamento de Lutero sobre a doutrina bíblica da justificação somente pela fé:
“Lutero passou a abraçar duas convicções que seriam básicas para sua compreensão subsequente do
ensino da Escritura sobe a salvação. A primeira é que a depravação humana tornou as pessoas
incapazes de fazer qualquer coisa que ganhasse o favor e a aceitação de Deus. A segunda, é que a
justiça pela qual somo somos justificados vem de fora, como um dom gracioso de Deus. Lutero
entende que a justificação tem como base nos méritos de Jesus Cristo imputado a nós.
Gruy conclui o pensamento de Lutero acerca da Sola Fide e a doutrina da justificação “essa
redescoberta das doutrinas da graças são um feito notável e um serviço incalculável para a igreja.
Ele acentua: “tudo que Lutero pregou e ensinou foi tirado das Escrituras. Mostrando que o pecador
é salvo somente pela graça e que essa verdade central havia sido quase que totalmente obscurecida
pela igreja naqueles dias.
A doutrina da justificação somente pela fé é um tesouro precioso em posse da igreja. Jamais
devemos considerar esse tesouro como de pouca importância. Só é mantido por labor duro, paciente
e persistente na Palavra de Deus. Mas certamente hoje eles insistiram: como dar qualquer coisa
menos de que isso ao Salvador, que nos deu nada menos que a si próprio por nós?

Somente a Graça – Sola Gratia – o artigo pelo qual a igreja se mantém de pé ou cai
A graça de Deus em oposição a doutrina de méritos e as indulgencias foi a resposta de Lutero
ao hábil pregador Johan Tetzel quando chegou ás cidades oferecendo indulgências, sugerindo que a
compras dessas indulgências seria o método para ajudar os fiéis a livrarem o peso das costas sobre
como ajudar os entes queridos a sair do sofrimento do purgatório.
De forma resumida, as indulgências é a “remissão diante de Deus do castigo temporal devido
aos pecados, cuja a culpa já foi perdoado. Com efeito, uma indulgência reduziria, ou até mesmo
eliminaria, o tempo de uma alma presa no purgatório.
Após a fixação das 95 teses, Lutero começou sua peregrinação em busca de um evangelho que
lhe desse uma garantia de salvação. Seus livros e sermões apresenta esse ataque as indulgências.
Essa desconstrução do pensamento acerca das indulgências é mostrada em sua primeira tese:
“quando nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo disse: “ Arrependei-vos” ele tencionava que toda a
vida dos crentes fosse de arrependimento. Seu ponto principal foi sem dúvida uma boa tradução do
grego (metanoeo - arrepender-se), diferente da tradução latina (poenitentiam agitie – fazei
penitência) – essa redescoberta era contra a ordem Salutis (ordem da salvação) na era medieval. Só
nesse contexto que podemos apreciar completamente como Lutero visa o ensino bíblico sobre
torna-se cristão e viver como um cristão somente pela graça, somente pela fé, somente por Cristo.
Veja a ordem medieval sobre o caminhão da salvação:
O batismo – graça inicial
Sacramentos da igreja – envolvia o progresso nessa graça ou um retorna a ela
A penitência – era o jeito que a pessoa caída era restaurada - assim, ela novamente tinha
oportunidade de começar novamente a cooperar com a graça de Deus.
Nas Escrituras o retrato que nos é apresentado e foi também a desenvolvida pelos reformadores:
O homem sem Cristo – vive em estado de pecado diante de Deus – mente entenebrecida pelo
pecado, tendo coração malignos (Mc. 7.21-23; I Co. 2.14; Ef. 4.17-18) está debaixo do poder do
diabo (Jo. 8.44; I Tm. 2.25-26)
Vive num estado de escravidão e vicio (Ef. 2.1-3);
Sem uma ação proveniente de Deus, a humanidade se encontra em estado de morte espiritual,
completamente insensível para as coisas divinas, vivendo em escravidão do Diabo, incapaz de se
livrar desse julgo maldito.
Voltando para a descoberta de Lutero antes compreender o que realmente seria somente a
graça, pode-se destacar alguns dos comentários:
“Eu jejuava quase até a morte, varias vezes eu passa três dias sem tomar um copo d´água e sem
inserir um pouco de comida.... escolhi vinte um santos e rezava para três deles a cada dia que
celebra a missa, assim, completava o número toda semana. Rezava especialmente para a bendita
virgem, que com seu coração feminino, apaziguaria com compaixão seu Filho”.
Por incrível que pareça, Lutero devia muito ao vigário-geral de sua ordem (dos Agostinianos
Observantes) mesmo não tendo seguido-o no rompimento com Roma, apontou-lhe o coração do
Evangelho. “Meu bom Staupitz disse: É necessário manter os olhos fixos naquele homem chamado
Cristo”. Foi Staupitz quem me incentivou no estudo do evangelho comenta Lutero”.
Come essa nova visão acerca da salvação soberana e graciosamente justificadora, Lutero passa
a desenvolver de forma bíblica a pregação sobre a doutrinas da graça. Alguns pontos de sua
teologia:
A salvação é acima de tudo obra de um Deus Soberano. Entendia que todos os homens eram
depravados, e portanto, totalmente incapacitados no aspecto espiritual. A salvação é portanto, pela
graça e não por merecimentos.
O ponto que Lutero procurou derrubar do conceito católico foi: o merecimento congriente e o
merecimento condigno. O merecimento congriente: enquanto cooperamos com Deus, somos
tornados aptos a receber o dom de Deus pela graça. É dai que surge o ditado popular: “ o céu ajuda,
quem ajuda a sim mesmo”.
Já o merecimento condigno – e a forma que o individuo pode realizar tais obras que Deus, em
sua justiça, recompensaria com a vida eterna;
Esse pensamento é o que chamamos de uma mistura de Pelagianismo e Semipelagianismo.
Uma boa explicação sobre esse pensamento feito por Gruy da seguinte maneira: “a insistência de
que o individuo age em cooperação com a graça – com a implicação de que ele se torna uma pessoa
a quem é correto demonstrar graça – destrói tudo que a graça realmente significa”.
Somente a graça deve permanecer como o fundamento da fé crista. Esse é “o artigo pelo qual a
igreja se mantém de pé ou cai”, o “resumo da doutrina cristã”, o “sol que ilumina a santa igreja de
Deus”, o “ponto principal sobre o que a fé crista se sutem”. Somente pela graça e por meio da fé
vem a salvação. E para terminar, o grande teólogo de Genebra escreveu:
“Em todo lugar onde seu conhecimento é apagado, a glória de Cristo é extinta, a religião
abolida, a igreja destruída e a esperança de salvação subvertida”.

Soli Deo Glória – Somente a Deus a Glória - a exclusividade do serviço e da adoração a


Deus
Em oposição à teologia romana da Idade Média, uma das bandeiras dos reformadores era uma
defesa dos dois primeiros mandamentos. Diante da veneração aos santos, às relíquias e aos
padroeiros, eles defenderam corajosamente que somente Deus é digno de glória. Coroando estes
temas que a Reforma nos legou está o da "glória somente a Deus". Dar glória somente a Deus
significa que ninguém, nem homens nem anjos, deve ocupar o lugar que pertence a Ele, no mundo e
em nossa vida, porque somente Ele é o Senhor. É o que exige o 1º mandamento: "Eu sou o
SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses
diante de mim" (Êx. 20:1-2). Quando a Igreja se coloca na posição de julgar o que deve ou não
aceitar da Bíblia, e se arvora em sua intérprete infalível, está assumindo para si o lugar de Deus.
Quando ela prega a devoção a Maria e aos santos (ainda que diga que venera mas não adora), está
usurpando a Deus da prerrogativa de sua glória exclusiva ("Eu sou o SENHOR, este é o meu nome;
a minha glória, pois, não a darei a outrem, nem a minha honra, às imagens de escultura"; Isa 42:8).
A doutrina católica, com sua ênfase nos méritos e obras humanos, rouba a Deus de sua glória
exclusiva.
A glória de Deus é o fim para o qual Ele criou todas as coisas. Não é só o fim principal do
homem (conforme o nosso Breve Catecismo), mas o fim de todas as coisas. A orientação da vida e
do pensamento centrados em Deus começou no culto, em que o enfoque era na ação de Deus em
sua Palavra e sacramento, em vez de estar em deslumbrar e entreter as pessoas com pompa e
aparato. Quando os crentes estavam centrados em volta de Deus e sua obra salvífica em Cristo, seus
cultos ajustavam sua visão a outro grau: deixavam de servir como pessoas mundanas para verem-se
como pecadores redimidos, cuja vida só poderia ter um propósito: glorificar a Deus e gozá-lo para
sempre"
Deus não divide com ninguém a sua glória (Is 42.8) e governa a história de modo que em tudo
ele seja glorificado. Veja como ele fez isso na história de Israel e da igreja: Deus escolheu seu povo
para sua glória (Ef 1.4-6; cf. v. 12 e 14); nos criou para a sua glória (Is 43.6-7); chamou Israel para
a sua glória (Is 49.3; Jr 13.11). Deus resgatou Israel do Egito para a sua glória (Sl 106.7-8);
levantou Faraó para mostrar seu próprio poder e glorificar seu próprio nome (Rm 9.17); derrotou
Faraó no Mar Vermelho para mostrar a sua glória (Êx 14.4,17-18). Deus poupou Israel no deserto
para a glória do seu nome; (Ez 20.14); deu a Israel a vitória em Canaã para a glória do seu nome
(2Sm 7.23); não desamparou o seu povo para a glória do seu nome (1Sm 12.20-22). Deus restaurou
Israel do exílio para a glória do seu nome (Ez 36.22-23,32).
Por meio da Bíblia aprendemos que o Deus uno é trino e se revela como Pai, Filho e Espírito
Santo. Ele é cheio de graça, majestade, santidade e soberania. Martinho Lutero, expressa da
seguinte maneira a glória do Deus uno e trino:
“Aquilo que me consola é que esta nossa doutrina atribui toda a glória e todas as coisas a Deus
e nada, aos homens....minha doutrina é de tal natureza que prega e venera, com pureza, somente a
Deus e condena a sabedoria e a justiça de todo homem (no que diz respeito a sua salvação). Nossa
atitude, não posso pecar, pois, atribuo a ambos, a Deus e aos homens, o que, própria e
verdadeiramente, lhes é devido”
O movimento da Reforma não foi, portanto, somente um movimento da redescoberta do
Evangelho conforme revelado nas Escrituras Sagradas e com vistas a renovar a igreja. Foi também
um amplo movimento de reordenação da sociedade à luz da revelação de Des em sus Palavra. A
reforma trouxe de volta a ideia de glorificar a Deus em todas as esferas da criação, a partir da
vocação e dos dons que o Senhor lhes tem concedido.
Esse foi o pensamento de Lutero sobre a Doutrina da vocação que trouxe grandes contribuições
à igreja cristã, junto a renovada ênfase no evangelho e na Palavra de Deus. Para Lutero, a doutrina
da vocação tem a ver com a providência de Deus, com a forma como Ele governa e cuida da sua
criação. É a área na qual crescemos em santificação, suportamos as aflições que nos impelem a orar
e edificar a fé, amarmos e servimos ao próximo e vivermos as implicações do evangelho. Essa
doutrina foi o ímpeto e a inspiração para as grandes transformações sociais e culturais trazidas pela
Reforma. Assim ele expõe seu comentário:
“O que é todo o nosso trabalho para Deus – quer nos campos, no jardim, na cidade, em casa, na
guerra ou no governo – senão apenas um desempenho de criança, por meio do qual ele deseja dar
seus dons no campo, em casa e todos os lugares? Essas são as máscaras de Deus, por traz das quais
ele permanece escondido, fazendo todas essas coisas.
Essa era a ênfase de Lutero: Deus opera por muitos meios – a Palavra e os sacramentos em seu
reino espiritual e a vocação e a ordem criada em seus reinos terrestres.

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