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HISTÓRIA DO CRISTIANISMO I

AULA 5: A REFORMA PROTESTANTE:


PRELÚDIOS DA REFORMA NA HOLANDA E REFORMA LUTERANA

APRESENTAÇÃO
Nesta aula você conhecerá a história de Martinho Lutero e seu papel na grande Reforma, além
de outros nomes que contribuíram fortemente para este momento da história da igreja. Você as
compreenderá as principais bases doutrinárias da reforma.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
• Compreender o papel e trajetória de Martinho Lutero na Reforma Protestante;
• Descrever e compreender as bases doutrinárias da Grande Reforma.

META
Apresentar a biografia de Martinho Lutero e as sínteses doutrinárias da reforma luterana.
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1 A REFORMA LUTERANA

A data fixada pelos historiadores como sendo o início da grande Reforma é apontada
como 31 de outubro de 1517, dia em que Martinho Lutero fixou suas 95 teses na porta da
Catedral de Wittenberg. Na verdade, todo o século XVI é marcado por uma série de movimentos
religiosos associados à Reforma Protestante. Cabe frisar que a Reforma e movimentos
associados não surgem de forma abrupta ou em um vácuo, mas foram “gerados no decorrer de
um longo processo de transição”. Dessa forma, com relação ao início da Reforma na Alemanha,
assunto que passaremos a estudar neste tópico, houve alguns fatores que a impulsionaram e
ajudaram a promover seu progresso.

1.1 LUTERO E REFORMA PROTESTANTE

Martinho Lutero (1483-1546) nasceu em Eisleben, na Alemanha, descendente de uma


família de camponeses. Seu pai, Hans Lutero trabalhou no ofício de mineiro em uma das minas
de ferro da região e, apesar de ser um homem de poucos recursos financeiros, conseguiu uma
posição respeitável dentro de sua comunidade, propiciando uma excelente educação para o
seu filho.
Desta forma, Lutero recebeu uma educação refinada e ao mesmo tempo possuía a
simplicidade herdada de sua família. Conforme salienta Anglin: “Foi de seus pais que ele herdou
aquela rude simplicidade e temperamento franco e alegre, peculiar do camponês da Turíngia”
(ANGLIN, 1983, p. 207). Antes de entrar para a Universidade de Erfurt, em 1501, começou seus
estudos na Ratschule, em Mansfeld, freqüentando a Escola da Catedral em Magdeburg, neste
breve período veio a ser influenciado pelos Irmãos da Vida Comum.
Aos dezoito anos, Lutero ingressou em uma das mais famosas Universidades da
Alemanha, a de Erfurt, com o propósito de estudar Direito. Completou sua educação secundária
na Goergenschule, em Eisenach. Recebeu o grau de bacharel em 1502, o de mestre em 1505
e o de doutor em outubro de 1512. No mesmo ano recebeu uma nomeação permanente para a
cátedra de ensinos bíblicos na Universidade de Wittemberg. Era um estudante aplicado, orador
eficiente, músico e sociável. Quando estava apto para iniciar a carreira profissional, Lutero
desistiu de seguir a profissão de advogado. Optando pelo sacerdócio, entrou para o Convento

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dos Agostinianos, em Erfurt, no ano de 1505, para decepção e descontentamento de sua família
e amigos. Segundo Gonzáles:

As causas que o levaram a dar esse passo foram muitas. Duas semanas antes,
quando se achava no meio de uma tormenta elétrica, sentiu sobremaneira o
temor da morte e do inferno e prometeu a Santa Ana que se tornaria um monge.
Algum tempo depois, ele mesmo diria que os rigores do seu lar o levaram ao
mosteiro. Por outro lado, seu pai havia decidido que seu filho se tornasse
advogado e fazia grandes esforços para lhe dar uma educação adequada a essa
carreira. Lutero não queria ser advogado e, portanto, é muito possível que, ainda
sem saber, havia interposto a vocação monástica entre seus próprios desejos e
os projetos de seu pai (GONZALEZ, 1993, p. 46).

Ao entrar para o mosteiro, Lutero dedicou-se inteiramente à vida monástica. Excedeu-se


na prática do jejum, vigílias, flagelações e constantemente procurava seu confessor para ser
absolvido dos pecados, inclusive daqueles considerados menos ofensivos. Segundo Nichols
(1992, p.145), “foi em vários aspectos, um monge de vida modelar e se tornou famoso na
Ordem, por sua piedade”. Essa posição é até mesmo reconhecida pelos oponentes de Lutero:
Martinho Lutero (1483-1546) era sacerdote profundamente piedoso, chegando a
ser escrupuloso da observância das regras da comunidade de monges à qual
pertencia. Emocional, fechado em si mesmo, brilhante, irava-se com facilidade.
De origem camponesa, amava os pobres e não suportava vê-los explorados. Não
era avarento, e esta qualidade o recomendava junto aos leigos (ALBERIONE,
1960, p. 36).

Durante o período de permanência no mosteiro, Lutero dedicou-se profundamente ao


estudo de Teologia, em Erfurt. Em 1508, foi a Wittenberg fazer preleções sobre Filosofia Moral
na recém fundada Universidade de Wittenberg. Em 1509 retornou a Erfurt, onde continuou seus
estudos e fez preleções sobre Teologia. A Teologia do monge Lutero foi profundamente
influenciada por seus professores de Erfurt que seguiam a teologia nominalista de William de
Occam e seu discípulo, Gabriel Biel. Esta teologia, segundo Heinze: Fazia pouco caso do papel
da razão na busca da verdade teológica, dando mais ênfase do que o escolasticismo clássico
ao livre arbítrio e ao papel de seres humanos iniciarem sua própria salvação (HEINZE, 1992, p.
456).
A piedade do monge Lutero pode ser observada também na sua reação, quando viajou
para Roma. Ficou estarrecido com o mundanismo dos clérigos enquanto esteve em Roma e
escandalizado pela sua indiferença religiosa. Nos anos de 1507 a 1512, enquanto procurava

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merecer a sua própria salvação através da observância cuidadosa da regra monástica, da


confissão constante e da mortificação de si mesmo, o monge Lutero passou por profundas lutas
espirituais. Sua concepção de Deus era de um juiz irado que esperava que os pecadores
obtivessem sua própria justiça, provavelmente como resultado da influência da piedade popular
e dos ensinos do nominalismo.
De acordo com Heinz, Lutero modificou gradativamente essa concepção errônea de
Deus e de justificação. Isso se deve ao seu contato com os textos de Agostinho; da orientação
do vigário geral de sua ordem, Johann von Staupitz, e principalmente pelo estudo das
Escrituras, enquanto preparava suas preleções universitárias. Segundo Champlim, nesta época
Lutero especializou-se nas Epístolas aos Romanos, Gálatas e Hebreus e a teologia paulina
dominou seu coração. Dessa forma, inicia-se a grande descoberta de Lutero.
De 1515 a 1516, Lutero ministrou diversas preleções sobre os livros de Romanos e
Gálatas, fundamentando cada vez mais a sua consciência cristã sobre a justificação pela fé.
Justamente no primeiro capítulo da Epístola aos Romanos é que encontrou respostas para a
sua crise espiritual. O resultado destes questionamentos foi a Reforma Protestante na
Alemanha. A Reforma na Alemanha começou em outubro de 1517, quando Lutero decidiu
protestar veementemente contra o grande abuso, por parte da igreja Católica, na venda de
indulgências. Segundo Weingärtner (1996, p. 26), o calendário marcava o dia 31 de outubro de
1517, véspera do feriado de Todos os Santos.
Na entrada da imponente Igreja do Paço, na cidade de Wittenberg, situada no centro da
Alemanha, um homem de estatura média, vestido em trajes de monge, aparentando pouco mais
de trinta anos, fixava algumas folhas de papel na tábua do portal destinada a assuntos
acadêmicos. Eram as noventa e cinco teses acadêmicas elaboradas por Lutero e denominadas
“Sobre o Poder das Indulgências”. Estas teses foram traduzidas e impressas para o alemão, e
teve ampla circulação em todas as partes da Alemanha, o que acabou por ocasionar uma
avalanche de protestos contra a venda de indulgências por parte da Igreja Católica.
Em julho de 1519, houve um debate na cidade de Leipzig onde Lutero questionou tanto
a autoridade do papado, bem como a infalibilidade dos concílios eclesiásticos e destacou de
forma persistente a primazia das Escrituras. Conforme corrobora Bettenson:

Lutero nega que Pedro tenha sido o chefe dos apóstolos; declara que a
obediência eclesiástica não se baseia no direito divino, mas que foi introduzida

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pelas ordenações de homens e do imperador. Nega que a Igreja foi construída


sobre Pedro (...) (BETTENSON, 1983, p. 239).

Neste debate ardoroso, Lutero mostrou-se um polemista capaz. Quando percebeu que
todos ficariam contra ele, afirmou que: (...) ficaria sozinho contra mil, embora não fosse apoiado
por ninguém, porque somente Cristo é o fundamento da Igreja, pois nenhum homem pode por
outro fundamento (BETTENSON, 1983, p. 239).
Estas declarações levaram seu oponente, Johann Eck, a nomeálo com o título “herege”
da Boêmia do século XV. Porém, segundo alguns comentaristas, Lutero tornou-se bem mais
franco após este debate e passou a expressar com maior convicção aquilo em que acreditava.
E como era de se esperar, denunciaram-no em Roma. Champlin declara: “A tempestade rugia,
com Lutero no centro da tormenta” (CHAMPLIN, 1991, p. 927). Em 1520 Lutero redigiu três
panfletos de grande relevância:
a) O primeiro destes folhetos é intitulado “Oração à Nobreza Cristã da Nação Alemã”. Nele,
Lutero conclama os alemães a reformarem a nação e a sociedade;
b) O segundo intitulado “O Cativeiro Babilônico da Igreja”. Neste panfleto, Lutero atacou
firmemente a totalidade do sistema sacramental e isto resultou em seu nome figurando
entre as fileiras dos heterodoxos;
c) O terceiro panfleto, denominado “A Liberdade do Cristão”, foi redigido exclusivamente
para o papa. Não tinha caráter polêmico e abordava a justificação unicamente pela fé.
Mas, independentemente da publicação destes três panfletos, já havia sido expedido
uma bula papal de excomunhão com data marcada para vigorar, janeiro de 1521. Nesta bula
denominada “Exsurge Domine”, Lutero foi excomungado por Leão X. Embora recebesse
oportunidade de se retratar, repudiou o Papa e publicamente queimou a bula. Em 18 de abril de
1521, Lutero deu a sua resposta final. Eck, que era o oficial do Arcebispo de Trévis, questiona
Lutero: “Desejas defender os livros que foram reconhecidos como sendo obra tua? Ou retratar
tudo o que está contido neles?” (BETTENSON, 1967, p. 248). A resposta de Lutero discorreu
sobre a natureza de suas obras; a primeira que trata da fé e dos costumes, a segunda, dirigida
contra o papado e as doutrinas dos papistas, isto é, “contra aqueles que por suas más doutrinas
e maus precedentes devastaram a cristandade arruinando as almas e os corpos dos homens”.
A terceira foi dirigida, como afirma Lutero: “(...) contra aqueles que se entregaram à defesa da
tirania romana e para derrubar a piedade que eu ensino”. Segundo Gonzáles (1993, p. 64), Eck

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insistia “Retratas-te, ou não?” E salienta que Lutero responde ao questionamento na língua


alemã desdenhando o latim que era a língua usada pelos teólogos dizendo: “Não posso nem
quero retratar-me de coisa alguma, pois ir contra a consciência não é justo nem seguro. Deus
me ajude. Amém”. Várias escaramuças seguiram-se após esse dramático episódio. Entre eles,
o refúgio de Lutero no castelo de Frederico, o Sábio, eleitor da Saxônia e senhor de Wittenberg.
O refúgio tornou-se necessário, pois o cardeal Cajetano exigia a renúncia de Lutero, que
a negava. Lutero percebeu que Cajetano poderia violar o salvoconduto imperial adquirido por
Frederico, através do imperador Maximiliano, e que sua vida corria perigo. Por isso, “Abandonou
a cidade às escondidas no meio da noite, regressou a Wittenberg e apelou a um concílio geral”
(GONZALES, 1995, p. 56). Neste castelo Lutero compôs o sacro hino “Castelo Forte”. Frederico
estava disposto a ajudar Lutero, a fim de que não se cometesse a mesma injustiça sofrida pelos
pré-reformadores. Lutero foi exilado em Wartburgo e escondido, segundo instruções de
Frederico.
No exílio Lutero dedicou-se a escrever livros e traduzir a Bíblia para o alemão. Segundo
Gonzalez esta tradução de Lutero, além de fornecer ímpeto aos movimentos reformadores,
contribuiu também com a formação do idioma unificando os vários dialetos alemães e, dessa
forma, sua contribuição entendeu-se à nacionalidade alemã. Enquanto Lutero estava longe de
Wittenberg seus amigos Carlstad e Melanchthon davam continuidade à Reforma naquela
cidade.
Lutero casou-se com uma ex-freira, Catarina von Bora, e desta união nasceram seis
filhos. A sua vida familiar é sempre descrita como tendo sido feliz e rica, mas prejudicada por
doenças freqüentes e amargas controvérsias. No mesmo ano de seu casamento escreveu um
panfleto chamado “Contra a Horda Assassina dos Camponeses”, pois estes, que viviam no sul
da Alemanha, haviam rejeitado o pedido de Lutero no sentido de negociarem de forma pacífica,
sem que houvesse batalhas, as queixas que tinham contra os ricos. Como resultado deste
descontentamento estoura a revolta dos camponeses. É bem certo que haviam tido outras
revoltas, mas nenhuma delas atingiu as proporções daquela que ocorreu em 1525.
A pregação dos reformadores foi um fator a mais que pesou na decisão desta gente
simples e oprimida. Os resultados foram devastadores e prejudiciais para a reforma, pois se
tratou de uma rebelião que foi sufocada pelo sangue. Em 1529, Lutero e o reformador suíço
Ulrich Zwínglio travaram uma calorosa controvérsia no tocante à Ceia do Senhor, dividindo o

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movimento protestante, quando fracassou um esforço para resolver as diferenças numa reunião
em Marburg.
Durante toda sua vida Lutero esteve envolvido com grandes fardos de trabalho, ora
escrevendo, ora ensinando ou organizando a nova igreja e liderando a Reforma alemã. Lutero
morreu em Eisleben, em 18 de fevereiro de 1546, aos 63 anos de idade. Foi sepultado na Igreja
do Castelo, em Wittemberg.

1.2 FELIPE MELANCHTON

Nascido em Bretten, esse educador e teólogo alemão foi também um reformador de


destaque. Devido à morte de seu pai, sua educação foi direcionada pelo seu tio, Johann
Reuchlin que era um notável humanista e conhecedor profundo da língua hebraica. Formado
Bacharel em Letras, em Heidelberg e Mestre em Letras, em Tübingen, Melanchton tinha
reputação de exímio gramático e demonstrou grande perícia na língua grega. Destacou-se
ainda como humanista bíblico, e foi incluído no mesmo círculo de Erasmo de Roterdã. Elaborou
a primeira gramática hebraica e também o primeiro dicionário hebreu-alemão escrito por um
cristão.
Em 1518 torna-se catedrático na Universidade de Wittemberg onde conhece Lutero,
nascendo entre eles uma profunda amizade que perdurou durante toda a vida de ambos.
Lindberg escreveu:

Embora houvesse momentos em que Lutero perdia a paciência com a cautela


de Melanchthon - com o que ele chamava de “pegada-macia-de-bichano” - e
embora outras vezes Melanchthon se incomodasse com o caráter irascível de
Lutero, suas diferenças de personalidade não os separaram. Não se pode dizer
o mesmo em relação ao outro colega de Lutero, Karlstadt (LINDBERG, 2001, p.
117).

A primeira preleção de Melanchton em Wittemberg, “Sobre a Correção dos Estudos da


Juventude”, foi aprovada por Lutero. Seu contato com Lutero aprofundou seus conhecimentos
teológicos e, segundo Champlin, “fundiu sua erudição humanista com a fé evangélica”
(CHAMPLIN, 1991, p. 206).
Em 1519 foi com Lutero para a Disputa de Leipzig. Por volta de 1521 escreveu a primeira
declaração de ideias luteranas denominada “Lugares Comuns da Teologia”, esta obra obteve

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ampla circulação, em 1560 foram lançadas mais de sessenta edições, devido seu estilo claro e
tom conciliador, características peculiares a Melanchton. Foi considerado o principal teólogo da
Reforma. Em 1528 a obra “Artigos de Visitação” foi implantada nas Escolas da Saxônia.
Schnucker faz ainda a seguinte observação:

(...) sua obra como educador público passou a ser uma dimensão adicional na
sua vida. Pelo menos cinqüenta e seis cidades procuraram a sua ajuda na
reforma de suas escolas. Ele ajudou a reformar oito universidades e a fundar
outras quatro. Escreveu numerosos livros didáticos para uso nas escolas e mais
tarde foi chamado o “Instrutor da Alemanha” (SCHNUCKER, 1990, p. 494).

A filosofia educacional de Melanchthon era admirável, para ele, a piedade erudita deveria
ser encorajada. A sua própria vida e obra expressavam esta filosofia. Em 1529 no Colóquio de
Marburgo, Melanchthon e Zwínglio se enfrentaram a respeito da questão da presença real na
Ceia do Senhor.
Em 1530 escreveu a Confissão de Augsburgo, base da confissão luterana, e sua apologia
em 1531. Além destes dois documentos, inclui-se a Concórdia de Wittemberg redigida em 1536
como as principais declarações da fé luterana. Por este motivo, Schnucker ( 1990, p. 495)
apropriadamente observa: “suas contribuições ao movimento luterano, ao protestantismo e à
nação alemã são monumentais”. Entretanto, Melanchthon mudou sua opinião em relação à Ceia
do Senhor e passou a adotar uma posição que mais se aproximava a de Calvino, possivelmente
resultado de seu humanismo cristão, uma vez que, estava aberto a novas ideias.
Em 1547 houve a derrota das forças protestantes em Muhlberg, e com isto, houveram
também investidas a fim de se restaurar o catolicismo romano na Alemanha. Conforme salienta
Lindberg:

Um sentimento de pânico tomou conta de Melanchthon e de seus colegas


quando ficou claro, a partir das instruções imperiais, que Carlos não pretendia
arbitrar entre facções em conflito religioso, mas sim impor o catolicismo. A
pregação evangélica foi proibida em Augsburgo, e os evangélicos receberam
ordem de participar na procissão de Corpus Christi naquela cidade. Melanchthon
estava disposto a transigir relação a muitas posições evangélicas para evitar o
perigo de um conflito religioso que, segundo seu temor, rapidamente envolveria
a Alemanha numa guerra civil. Mais tarde, seu temor veio a concretizar-se na
Guerra dos Trinta Anos (1618-48) (LINDBERG, 2001, p. 283).

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Sua mente brilhante acrescida de um comportamento manso e aberto a novas idéias o


tornaram um leal cooperador de Lutero, fazendo com que ele figure ao lado do próprio Lutero e
de Calvino, como um dos grandes vultos na fundação das igrejas protestantes e reformadas.
Faleceu a 19 de abril de 1560 em Wittenberg.

2 CONFISSÃO DE AUGSBURGO

A Confissão de Augsburgo trata-se da confissão básica de fé luterana e foi apresentada


na Dieta de Augsburgo em 1530. Por ordem de João da Saxônia os teólogos de Wittenberg
deveriam redigir um documento que evidenciasse as questões em que havia discórdias entre
os que professavam a fé luterana e os representantes da antiga fé. Embora Felipe Melanchthon
tenha sido o autor da formulação da Confissão, os ensinos contidos nela são de Martinho
Lutero. Essa Confissão foi embasada em documentos já existentes tais como os Artigos de
Marburgo, de Schwabach de 1529 e de Torgau.
O imperador Carlos V, que era católico, desejava que o império fosse leal ao romanismo.
Deu ordens para que os governantes que apoiavam os ensinos contrários à fé católica
apresentassem declarações explicitando aquilo em que criam. O imperador desejava a unidade
religiosa, a fim de que o império viesse apresentar uma frente unida contra inimigos
estrangeiros, principalmente os turcos. Foi entregue uma versão alemã e latina do texto ao
imperador, sendo que a Confissão foi lida em alemão na Dieta, na tarde de 25 de junho de 1530,
pelo Chanceler Christian Beyer, da Saxônia Eleitoral.
A Confissão de Augsburgo foi incluída no Livro da Concórdia em 1530 como a confissão
luterana básica. A Confissão de Augsburgo, além de prefácio e conclusão, possui vinte e oito
artigos de fé nos quais, os primeiros vinte e um artigos apresentam o ensino luterano e refutam
as doutrinas contrárias e os setes últimos rejeitam os abusos na vida cristã.
Os ensinos principais da confissão são:
• A Trindade.
• O pecado original que condena o homem se não for perdoado.
• A justificação pela graça mediante a fé sem as nossas obras.
• O Evangelho, o Batismo e a Ceia do Senhor como ferramentas reais do Espírito Santo
para gerar e sustentar a fé.

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As boas obras como resultado e não causa da salvação, motivadas pelas boas novas de
que a salvação foi obtida por Cristo para nós.

2.1 ALGUNS MOTIVOS DA ADESÃO ALEMÃ A REFORMA

Os burgueses desejavam acabar com as limitações da Igreja Católica às suas atividades


e eram individualistas e humanistas, opondo-se às concepções da Igreja Católica.
Já os reis desejavam colocar fim ao poder temporal do catolicismo, pois estavam tornando-se
absolutistas; tentavam evitar que uma parte considerável das riquezas do país se dirigisse a
Roma, sob forma de impostos eclesiásticos; desejavam confiscar os bens da Igreja Católica,
para se fortalecerem e eram nacionalistas, opondo-se ao internacionalismo católico. Enquanto
a população estava abandonada espiritualmente, numa época angustiante e os reformadores
apresentaram-lhe soluções para suas angústias.

3 SÍNTESE DOUTRINÁRIA DA REFORMA

É a importância dessas doutrinas, conhecidas por sua designação latina “Sola Scriptura”,
“Solus Christus”, “Sola Gratia”, “Sola Fide” e “Soli Deo Gloria”, que queremos apresentar neste
estudo, ainda que de forma breve.
a) Sola Scriptura: “Somente a Escritura”, ou a autoridade e suficiência das Escrituras.” Para
os reformadores, somente a Escritura Sagrada tem a palavra final em matéria de fé e
prática. É o que ficou consubstanciado nas Confissões de Fé de origem reformada.
b) Solus Christus: “Somente Cristo”, ou a suficiência e exclusividade de Cristo”. O
Catolicismo Romano proclamou Maria a “Mãe de Deus” em 431 d.C., o culto às imagens
em 789 d.C. e a canonização dos santos em 880. Instituiu também a figura do sacerdote
como vigário de Cristo, a quem devem ser confessados os pecados e a quem
supostamente foi conferido poder para perdoá-los, mediante a prescrição de penitências.
Um dos pontos centrais das teses de Lutero tinha a ver exatamente com o poder do Papa
e dos sacerdotes de perdoar pecados, que ele questionava, pelo menos no que diz
respeito aos mortos. Neste particular, Lutero assim se pronunciou:

Ao Papa não compete remir, nem pode remir outras penas que as que ele mesmo
tem posto, seja por sua própria autoridade, ou pela autoridade dos cânones. O

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Papa não pode remir nenhuma culpa, senão somente declarar que tem sido
remida por Deus e afirmar a remissão divina, se bem é certo que pode conceder
remissão em casos reservados a seu critério. Se fosse menosprezado o seu
direito a conceder remissão em tais casos, a culpa permaneceria inteiramente
sem perdão. (...) Os cânones penitenciais somente podem ser aplicados aos
vivos e não aos mortos (ALMEIDA, 1983, p. 78).

c) Sola Gratia: “Somente a Graça”, ou a única causa eficiente da salvação”. Relacionado à


doutrina do “Solus Christus” está o da “Sola Gratia”. A Bíblia ensina que o homem é
totalmente incapaz de fazer qualquer coisa para a sua salvação, ou seja, não tem
qualquer condição de salvar-se. Está espiritualmente morto em delitos e pecados. Um
morto nada pode fazer sem que antes seja vivificado. Paulo ensina como se operou a
nossa salvação: “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados (...)
e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, - pela
graça sois salvos” (Ef 2.1,5). Foi “pela graça”, diz Paulo, que fomos vivificados, estando
nós mortos. A doutrina da incapacidade total do homem para salvar-se foi um dos marcos
da Reforma.

De acordo com o entendimento reformado, o ser humano vendido ao pecado, não tem
mais a habilidade para escolher o bem, pois sua vontade está presa ou escravizada pelo
pecado. Só pode e só quer escolher o pecado.
A salvação é segundo Lutero, exclusivamente ato da livre e soberana graça de Deus.
Não só Calvino, como geralmente se pensa, mas também Lutero e os demais reformadores
deram grande ênfase na necessidade da graça soberana de Deus para a salvação do homem.

d) Sola Fide: “Somente a Fé”, ou a exclusividade da Fé como meio de Justificação. A graça


não admite outro meio qualquer para salvação e expiação pelos pecados. Exclui
totalmente as obras, mesmo em suas práticas mais nobres. O entendimento dos
reformadores e dos evangélicos atuais é que o homem não é salvo mediante aquilo que
faz, mas através daquilo que Cristo realizou por ele no Calvário. Para Martinho Lutero,
este era o ponto que determinava se uma igreja “estava de pé ou caindo”.

Sendo assim, o homem nada pode e tem para oferecer a Deus por sua salvação. A única
ucoisa que lhe cabe, é aceitar humildemente o dom da salvação pela fé na obra redentora de
Cristo, que lhe é imputada (Rm 3.24-26). É por isso, também, que os reformadores chamavam

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o crente de “simul justus et peccator” - ao mesmo tempo, justo e pecador. A salvação não é
produzida pelas obras, mas pela graça, mediante a fé (Cf. Rm 3.20,28).

e) Soli Deo Gloria: “A Deus somente, a glória”, ou a exclusividade do serviço e da adoração


a Deus”. Por fim, um dos grandes legados deixados pelos reformadores foi o de dar glória
única e exclusivamente a Deus. Isto significa que sejam anjos, papa, pastor, vigário,
monarca, ou líderes em geral, ninguém é digno de receber a glória devida somente a
Deus. Ninguém deve ocupar o lugar que pertence a Deus, no mundo ou em nossas vidas,
porque somente Ele é o Senhor. É a primeira exigência do decálogo: “Eu sou o Senhor,
teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses
diante de mim” (Êx 20.1-2).

A Reforma se opôs, principalmente, à autoridade da tradição católica que usurpava a


autoridade veraz das Escrituras. Essa mesma posição é empregada, quando atribui a Maria e
aos santos, veneração ou adoração que rouba a prerrogativa exclusiva da glória de Deus -
adoração. Portanto, a Reforma nos legou o mandamento de que vivemos para glorificar
unicamente a Deus. “Soli Deo Gloria” é o legado que a Reforma nos deixou e cumpre-nos levar
adiante.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta aula você pôde conhecer os aspectos da vida de Martinho Lutero e as vivências no
monastério que o levaram a uma crise espiritual. Além de sua visão inicial de Deus como um
deus tirano, decepcionou-se com a decadência pecaminosa e indiferença espiritual dos clérigos
em Roma. Neste cenário, Lutero dedica-se aos estudos das epistolas paulinas aos Romanos,
Gálatas e Hebreus, encontrando aí respostas para os seus questionamento e marcando o início
da Reforma. Vimos também os principais legados deste movimento que, além de romper com
a soberania do catolicismo na Alemanha, deixa bases fundamentais para a doutrina cristã.

REFERÊNCIAS

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unum sint”. São Paulo: Paulinas, 1960.

ALMEIDA, Joãozinho Thomaz de. Guia de patrística: as marcas de Cristo na história


dos primeiros séculos. São Paulo: Fonte Editorial, 2012.

BETTENSON, H. Documentos da igreja cristã. 2 ed. São Paulo: ASTE, 1967

CHAMPLIN, R. N.; BENTES, J. M. Enciclopédia de Bíblia teologia e filosofia. São


Paulo: Candeia, 1991

GONZÁLES, Justo L. História ilustrada do cristianismo: a era dos mártires até a era dos
sonhos frustrados. São Paulo: Vida Nova, 2011.

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NICHOLS, Robert Hastings. História da igreja cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

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WEINGÄRTNER, Lindolfo. O verdadeiro tesouro da igreja: as 95 teses de Lutero. São


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