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ARTIGOS

O presente artigo foi traduzido e adaptado do livro Commentaire du livre des


Exercices (col. "Christus", 18). Paris, 1965, pp. 107-112.

EXAME PARTICULAR
Pe. Hervé Coathalem, SJ

1 - Características

1.1 - Objetivo

O exame particular está diretamente ordenado à pureza de coração. O exame geral


visa à pureza de consciência, àquilo que é matéria para a confissão. O exame
particular visa à purificação das tendências ou afetos desordenados, culpáveis ou
não. No campo da consciência clara, o exame geral trata da culpa e do pecado.
Dispõe a pessoa para a confissão, visando à purificação da consciência. O exame
particular vai além, até os domínios mais obscuros das tendências e das afeições,
com vistas a neutralizá-las e retificá-las. O uso conjunto e complementar dos dois
exames tem por finalidade uma consciência transparente, num coração puro.

1.2 - Caráter "particular e cotidiano"

É essencial ao exame particular sua aplicação a uma tendência particular, errada ou


simplesmente desordenada. Santo Inácio aplica aqui um princípio bem conhecido:
enfraquecer e extinguir, progressivamente, os maus costumes pela supressão dos
atos em que eles se concretizam. Inácio aplica o exame particular às tendências que
atrapalham o serviço de Deus e do próximo. Nós só podemos controlar essas
tendências agindo sobre os atos em que elas se apóiam. Os atos alimentam e
fortalecem as tendências. Suprimindo os atos, resoluta e perseverantemente, as
tendências diminuem e desaparecem. Ao falar da noite ativa dos sentidos, São João
da Cruz aplica este princípio para extinguir os "apetites desordenados". Santo Inácio
o utiliza, de forma gradual e metódica, no exame particular.

A eficácia deste exame depende, em grande parte, de seu caráter "particular e


cotidiano" (EE 24,1). O exame particular supõe a delimitação da tendência que se
quer corrigir e dos atos que a alimentam, bem como a exclusão decidida e
perseverante dos mesmos, e a realização de atos contrários. Uma das razões pelas
quais, muitas vezes, o exame particular não produz os frutos que seriam de se
esperar é que, de fato, não foi nem "particular" nem "cotidiano", isto é, o objeto do
exame não foi delimitado com a devida precisão, nem o exercício praticado de
maneira perseverante.

1.3 - Método

O método do exame particular contém dois elementos essenciais e dois


complementares.

a) Em primeiro lugar, uma atitude habitual de atenção vigilante (EE 24,2: "evitar
cuidadosamente") a respeito do objeto do exame. Vem espontaneamente à memória
a célebre fórmula do Pe. Luis Lallemant, SJ, e sua escola: "a guarda do coração",
aspecto importante do itinerário espiritual. "É pela guarda do coração que se
começa, por ela se progride e os progressos são proporcionais ao cuidado que se
tem dela"1.

b) Em segundo lugar, a revisão, duas vezes por dia, no momento previsto (EE 25-
26). A primeira, ao meio-dia. A segunda, no fim do dia. O tempo do exame geral é
também o tempo da revisão do exame particular. Não se deveria esquecer que o
outro aspecto essencial (a atenção vigilante ou guarda do coração) é permanente. A
atenção vigilante sem a revisão seria ineficaz. A revisão sem a atenção permanente,
seria mero formalismo. Bem aplicados, esses dois elementos essenciais constituem,
juntos, um instrumento singularmente fecundo.

a') Os elementos complementares são chamados por Santo Inácio de "adições". O


primeiro refere-se à atenção vigilante. Santo Inácio recomenda sublinhar a tomada
de consciência das faltas, com uma reação sensível e espiritual, por exemplo um
gesto que expresse o sentimento de pesar, e renove o firme propósito. Este gesto
estimula a atitude de vigilância, evitando habituar-se às faltas.

b') O segundo elemento complementar diz respeito à revisão. Inácio recomenda


fazê-la de maneira lúcida, sensível e espiritual, examinando-se com relação ao
desejo de crescer: Houve progresso no decorrer desta manhã, deste dia, desta
semana? Segundo o testemunho de Laínez, Inácio permaneceu fiel a esse exercício
até o fim da vida2. Assim se evita cair no relaxamento ou ficar marcando passo.

Como prova seu objetivo, os dois elementos complementares não devem ser
menosprezados. Devem ser mantidos no seu lugar subsidiário. Eles admitem,
sobretudo na sua expressão sensível, uma adaptação pessoal.

2 - O Exame Particular nos Exercícios

O exame particular acompanha todo o itinerário dos Exercícios, adaptando-se às


diversas Semanas. No início, Santo Inácio o entrega ao exercitante, como
instrumento flexível e eficaz, para ajudá-lo a viver, no dia a dia, os Exercícios. Esta
ascese consiste nas "adições"3, que constituem, junto com os exercícios cotidianos,
o objeto do exame particular durante o tempo dos Exercícios (EE 90). Se a atitude
do exercitante se mostrar ambígua, o orientador deverá questionar-se a respeito da
colaboração do exercitante, no exame, com a ação de Deus.

Dado que o exame particular acompanha o itinerário dos Exercícios, como


salvaguardar seu caráter particular, diante da multiplicidade dos exercícios e
adições? A resposta é óbvia: A unidade é obtida pelo fim que se persegue, que não
é outro que o objetivo dos Exercícios. Os tempos de oração e as adições ajudam a
discernir as ações que se devem praticar e os defeitos que se devem evitar.

A matéria do exame particular é constantemente reajustada durante o tempo dos


Exercícios. Sua finalidade permanece inalterada. As condições da caminhada
variarão, segundo as Semanas dos Exercícios. Daí a necessidade de um reajuste
das adições e da matéria do exame (EE 73-90, 130, 206, 229).

No Evangelho o Senhor nos diz que o homem prudente, avalia com cuidado os
gastos, antes de empreender a construção de uma torre (Lc 14,28). À luz do
Evangelho e sob a unção interior do Espírito, Inácio calculou, com a mesma
prudência, o custo exigido pelo itinerário dos Exercícios, em vista de sua plena
fecundidade: o cumprimento dos exercícios previstos e a ascese constantemente
reajustada pelas adições. Está persuadido de que, se o exercitante cumpre
devidamente a parte que lhe toca, Deus fará o resto (EE 6). O exame particular é o
instrumento simples, eficaz e preciso que avalia essa colaboração do exercitante
com a ação da graça. Chama a atenção sua importância no decorrer dos Exercícios:
ele se insere de maneira orgânica no centro do processo espiritual, com o fim de
assegurar sua plena eficácia.

3 - O Exame Particular depois dos Exercícios

Os Exercícios constituem um período de treinamento intensivo, progressivo e


metódico no caminho do serviço de Deus e do próximo. Uma vez terminados os
Exercícios, a caminhada deve prosseguir, em condições menos privilegiadas e a um
ritmo mais distendido, mas sem ruptura. Aquilo que deu segurança e fecundidade
durante os Exercícios continuará a manter o ritmo na vida cotidiana. Para isto,
bastará fazer as adaptações necessárias na oração e na ascese, de acordo com a
situação de cada pessoa.

As características do exame particular permanecerão sem mudança: o mesmo


método, o mesmo caráter particular e cotidiano. Somente a matéria variará de
acordo com as respectivas necessidades e circunstâncias.

Às vezes, o exame se aplicará a uma tendência desordenada com o fim de


neutralizá-la ou reorientá-la. Os autores espirituais aconselham começar por um
defeito dominante, passando depois aos outros, por ordem de importância. Isto é um
tanto teórico. Na prática deve-se ter em conta os condicionamentos e as
possibilidades de cada um, bem como as exigências da própria vocação.

Outras vezes, é mais indicado escolher como tema do exame o desenvolvimento


progressivo de uma virtude. Pode-se objetar que o exame particular se aplica às
tendências desordenadas (EE 24) e não às virtudes. Contudo, no "primeiro modo de
orar" (EE 238-243), que é de fato um exame meditado, Inácio propõe como matéria
tanto os defeitos como as virtudes (EE 245). Aliás, o exame aplicado a uma virtude
consiste, praticamente, em afastar os obstáculos que entravam seu
desenvolvimento. É nesta perspectiva que Santo Inácio aplica o exame nos
Exercícios, não à obtenção de uma virtude particular, mas para ordenar a própria
vida, que é o objetivo dos EE.

Em todo o caso, sempre será preciso determinar o objetivo a alcançar, considerando


os condicionamentos individuais: a tendência desordenada a eliminar, a virtude ou
atitude a desenvolver, o desejo de crescimento espiritual... É preciso também
determinar os atos a realizar ou a evitar para o fim que se pretende. Assim, durante
o tempo dos Exercícios, tendo em vista a obtenção do seu objetivo, se marca o ritmo
dos tempos de oração e adições.

Sob uma aparência negativa, a orientação do exame particular será sempre


decididamente positiva: proteger e ajudar a crescer o mais possível a vida cristã
pessoal e apostólica, favorecendo o desabrochar da liberdade espiritual.

Ordinariamente, será bom aplicar o exame particular a um ponto central, em lugar


de algum ponto secundário da vida espiritual. Deste modo, evita-se centrar a
atenção e o esforço num aspecto periférico, em detrimento do essencial.
Evitaremos, também, o perigo de desvalorizar pouco a pouco o exame particular,
perdendo o apreço por este exercício e fazendo-o perder aos outros.

NOTAS:
1
L. Lallemant, Doctrine spirituelle. Introd. et notes F.Courel (Col. "Christus", 3).
Paris, 1959, 263. Existe uma antiga tradução brasileira (Petrópolis, 1940).
2
"Tinha tal vigilância sobre sua consciência, que comparava semana com semana,
mês com mês, dia com dia, e se esforçava por progredir cada dia”, Fontes Narrativi,
I, 140.
3
Sobre as "adições", cf. os dois artigos do Pe. Álvaro Barreiro, neste e no número
anterior da revista.

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