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Unidade I - Os Pais Apostólicos

Nesta unidade, você aprenderá:

1. A definição e a descrição do termo “pais apostólicos;


2. Uma breve descrição da vida de cada teólogo que compõe esse grupo;
3. A análise das principais ideias dos pais apostólicos.

O nome “pais apostólicos” tem sua origem na Igreja do Ocidente do século II. São
chamados de “pais apostólicos” os homens que tiveram contato direto com os apóstolos
ou com algum bispo que teve contato direto com os pais apostólicos. Mas simplesmente
esse contato não basta para ser um Pai Apostólico. É mister que tenha produzido teologia
ou um escrito importante para a igreja da época em que viveu. Destacam-se entre os
indivíduos que regularmente recebem esse título Clemente de Roma, Inácio e Policarpo,
principalmente este último, pois existem evidências precisas de que ele teve contato direto
com os apóstolos. Outros escritos assaz importantes dessa época são: A Epístola de
Barnabé, o Pastor de Hermas e o Didaquê, que fizeram parte do cânon do Novo
Testamento, enquanto este estivera em formação, mas que por questões difíceis de se
encontrar o autor, acabaram ficando de fora no momento definitivo O objetivo dos
escritos desses Pais Apostólicos era exortar e edificar a Igreja, que estava em seu período
totalmente novo e precisava se desenvolver para o mundo de então.

1.1 Clemente de Roma (30-100)

Quem era Clemente de Roma? Há algumas hipóteses levantadas sobre Clemente para
identificá-lo. Para alguns ele pertencia à família real. Para outros, ele era colaborador do
apóstolo Paulo. Outros ainda sugeriram que ele escreveu a carta aos Hebreus. Em verdade,
as informações a respeito de Clemente de Roma vão desde lendárias a testemunhas
fidedignas. Alguns pais, como Orígenes, Eusébio de Cesareia, Jerônimo, Irineu de Lião,
entre outros, aceitaram como verdadeira a identificação de Clemente de Roma como
colaborador do apóstolo Paulo. A Igreja Católica Romana coloca-o como sucessor de
Anacleto, como quarto Papa, porém cremos que na época em questão (ano 81-96), esta
divisão que futuramente ocorrerá entre os ofícios de Bispo e Presbítero ainda não estava
consolidada, dada a proximidade com os escritos apostólicos onde essa divisão não se
perfaz. Ao citar os oficiais instituídos pelos apóstolos, Clemente fala apenas de Bispos e
Diáconos, e o próprio Clemente era provavelmente um co-presbítero junto com Lino e
Anacleto. Uma coisa que se pode dizer do autor com certeza é que ele era um grande
discípulo de Pedro e Paulo, citados como exemplos a serem seguidos.

A principal obra de Clemente de Roma é uma carta redigida em grego endereçada


aos cristãos da cidade de Corinto, no final do reinado de Domiciano (81-96) ou no começo
do reino de Nerva (96-98). Provavelmente essa carta foi escrita no reinado de Domiciano,
o qual moveu grande perseguição da igreja, o autor pode estar se referindo a isso logo no
início da sua carta ao falar que “desgraças e adversidades imprevistas... nos aconteceram
uma após outra...”.
A epístola trata, principalmente, da ordem e da paz na Igreja. Seu conteúdo traz à
tona o fato de os fiéis formarem um corpo em Cristo; logo, deve reinar nesse corpo a
unidade e não a desordem, pois Deus deseja a ordem em suas alianças. Traz, ainda, a
analogia da adoração ordeira do Antigo Israel e do princípio apostólico de apontar uma
continuidade de homens de boa reputação. Essa obra se reveste de caráter relevante para
nós a começar pelo fato de ter sido o primeiro escrito original pós-apostólico a chegar a
nossos dias, além dessa importância histórica, do ponto de vista teológico e prático da
igreja, também existem pontos importantíssimos que são tratados quase que de forma
incidental, que aproxima quase todo cristão do período imediatamente posterior ao Novo
Testamento. Quanto às divisões na igreja de Corinto que Paulo tanto combateu (1Co
1:1012), elas se arvoraram outra vez na Igreja de Corinto. Clemente parece indicar que
tais divisões passaram ausentes por um período ao falar que, no passado, os coríntios
consideravam que “toda briga e divisão eram abomináveis” e eles “choravam por causa
das faltas do próximo...”. Fato é que esses partidos voltaram a aflorar, e Clemente, como
movido por um sentimento fraterno, escreve exortando aqueles irmãos à unidade citando
virtudes a serem praticadas: para isso, ele cita exemplos do Antigo e do Novo Testamento,
exorta contra a inveja, ao arrependimento, à obediência e à fé, à humildade e mansidão, à
paz e à concórdia.
Daí traça-se uma segunda divisão na Carta onde o autor procura demonstrar a
fidelidade de Deus para com os retos, em que ele afirma que os desejos de Deus sempre
se cumprem; e fala do poder de Deus na ressurreição de Cristo. Voltando à temática da
unidade e subordinação mútua numa terceira divisão, que na realidade se estende por todo
o restante do livro, importante se faz notar que essa unidade apresentada por Clemente
não é uma unidade que deve ser realizada a qualquer preço, pois ele afirma que é “melhor
estar em conflito com homens sem bom senso, soberbos e jactanciosos em seus arrogantes
discursos, do que estar em conflito com Deus”.

Não podemos deixar de notar a ênfase dada pelo autor à graça e soberania de Deus:
há um constante uso que Clemente faz da designação “eleitos de Deus” para se referir aos
Coríntios, afirmando que eles foram escolhidos por meio de Jesus Cristo, sendo eleitos
para sermos o seu povo particular dentre todos os espíritos e seres vivos. Necessário se
faz também observar a primeira declaração pós-apostólica sobre a Justificação, uma
declaração que mostra como a teologia bíblica da salvação e justificação enviada a Roma
por meio de Paulo, quando escreve a sua Carta aos Romanos, estava latente, cristalina e
brilhante aos olhos de Clemente. Quando fala da origem última de nossa justificação, ele
declara que essa justificação não é alcançada “por nós mesmos, nem pela nossa sabedoria,
inteligência, nem nas obras que realizamos com pureza de coração, mas pela fé e é por
ela que Deus justificou todos os homens desde as origens”.

1.2 Inácio de Antioquia

Mesmo sendo de Antioquia, seu nome, Ignacius, deriva-se do latim: igne, “fogo, e
natus: “nascido”. Conforme seu nome sugere, Inácio era um homem nascido do fogo,
ardente, apaixonado por Cristo. Segundo Origenes, após a morte de Evódio, que teria sido
o primeiro bispo de Antioquia, Inácio fora nomeado o segundo Bispo dessa influente
cidade. Inácio escreveu algumas epístolas às comunidades cristãs asiáticas: à igreja de
Éfeso, às igrejas de Magnésia, situada no Meander, às igrejas de Filadélfia e Esmirna e,
por fim, à igreja de Roma. O objetivo da carta a Roma era solicitar que os irmãos não
impedissem seu martírio, o que aconteceria durante o reinado de Trajano (98-117).
A cidade de Antioquia foi fundada por volta do ano 300 a.C., por Seleuco Nicátor,
com o nome de Antiokkeia (cidade de Antíoco). Tornou-se capital do império selêucida
e grande centro do Oriente helenístico. Conquistada pelos romanos por volta do ano 64
a.C., conservou seu estatuto de cidade livre e foi a terceira cidade do Império depois de
Roma e Alexandria (no Egito), chegando a abrigar 500 mil habitantes. Evangelizada pelos
apóstolos Pedro, Paulo e Barnabé, tornou-se metrópole religiosa, sede de um patriarcado
e centro de numerosas controvérsias, entre elas, o arianismo, o monofisismo e o
nestorianismo. Era considerada a igreja-mãe do Oriente.
Antioquia, à margem do Orontes, era a capital da província romana da Síria, terceira
cidade do Império que ocupa um importantíssimo lugar na história do Cristianismo. Foi
ali que o apóstolo Paulo pregou o seu primeiro sermão cristão (numa sinagoga), e foi lá
que os seguidores de Jesus foram chamados pela primeira vez de cristãos.
Inácio (35 - 110 d.C.) foi Bispo de Antioquia da Síria; de acordo com a tradição, ele
foi discípulo do apóstolo João, também conheceu o apóstolo Paulo e foi sucessor de Pedro
na igreja em Antioquia, fundada pelo próprio apóstolo. Segundo Eusébio de Cesareia,
Inácio foi o terceiro Bispo de Antioquia da Síria e, segundo Orígenes, teria sido o
segundo Bispo da cidade. Inácio foi detido pelas autoridades e transportado para Roma,
onde foi condenado à morte no Coliseu.

Foi preso por ordem do imperador Trajano (98 - 117 d.C.) e condenado a ser lançado
aos leões no Coliseu em Roma, as autoridades romanas esperavam fazer dele um exemplo
e, assim, desencorajar o Cristianismo; porém, sua viagem a Roma ofereceu-lhe a
oportunidade de conhecer e ensinar os conceitos cristãos e, no seu percurso, Inácio
escreveu seis cartas para as igrejas da região e uma para um colega Bispo. Ao falar sobre
sua execução, Inácio disse a famosa expressão: “trigo de Cristo, moído nos dentes das
feras”. E, na iminência do martírio, prometeu aos cristãos que, mesmo depois da morte,
continuaria a orar por eles junto de Deus.

Inácio escreveu sete cartas, as chamadas Epístolas de Inácio, preservadas no Codex


Hierosolymitanus:

Os principais temas abordados por Inácio em suas Epístolas são:

Unidade da Igreja

Inácio enfatiza nas suas cartas que se preserve a unidade da Igreja de Cristo:
“Convém estardes sempre de acordo com o modo de pensar do vosso Bispo. Por outro
lado, já o estais, pois o vosso presbitério, famoso justamente por isto e digno de Deus,
sintoniza com o Bispo da mesma forma que as cordas de uma harpa. Com vossos
sentimentos unânimes, e na harmonia da caridade, constituís um canto a Jesus Cristo. Mas
também cada um deve formar juntamente com os outros, um coro. A concórdia fará com
que sejais uníssonos. A unidade vos fará tomar o dom de Deus, e podereis cantar a uma
só voz ao Pai por Jesus Cristo. Também ele, então, escutar-vos-á e reconhecerá pelas
obras que sois membros do seu Filho. Importante, por conseguinte, vivermos numa
irrepreensível unidade. Assim poderemos participar constantemente da união com Deus”.

De acordo com Inácio, se os cristãos estiverem unidos numa mesma Fé, tanto será
mais forte a oração. A caridade está diretamente ligada à unidade da Igreja, por isso Inácio
chama de orgulhoso aquele que não guarda a unidade da Igreja junto com o Bispo: “Se a
oração de duas pessoas juntas tem tal força, quanto mais a do Bispo e de toda a Igreja!
Aquele que não participa da reunião é orgulhoso e já está por si mesmo julgado, pois está
escrito: “Deus resiste aos orgulhosos.” Tenhamos cuidado, por tanto, para não resistirmos
ao Bispo, a fim de estarmos submetidos a Deus.”

A) Jesus Cristo

Inácio revela-se conhecedor das processões divinas em Deus, ao reconhecer no Cristo


a processão intelectiva de Deus: “De fato, Jesus Cristo, nossa vida inseparável, é o
pensamento do Pai”, o que seria mais tarde explicado à luz da filosofia por São Tomás de
Aquino.
É assaz interessante constatar como as comunidades cristãs no século I tinham um
conhecimento aprofundado da natureza de Deus, Jesus Cristo é: “gerado e não criado,
Deus feito carne”. Gerado e não criado (ingênito). Com esse testemunho, Inácio trouxe
para a construção do Dogma, pedras sólidas que ajudaram o Concílio de Niceia (325 d.C.)
a fixar no Credo o genitum non factum, isto é, gerado e não criado. Embora Inácio ainda
não tivesse essa precisão, Atanásio, que posteriormente colaborou na elaboração do
vocábulo, reconheceu a perfeita ortodoxia no texto dessa carta.

B) Trindade

Alguns unicistas enfatizam que a doutrina da Trindade só veio a surgir muito tempo
depois dos tempos apostólicos; entretanto, além de estar na Bíblia, os escritos de Inácio
enfaticamente ensinam a crença na doutrina da Trindade: “Procurai manter-vos firmes
nos ensinamentos do Senhor e dos apóstolos, para que prospere tudo o que fizerdes na
carne e no espírito, na fé e no amor, no Filho, no Pai e no Espírito, no princípio e no fim,
unidos ao vosso digníssimo bispo e à preciosa coroa espiritual formada pelos vossos
presbíteros e diáconos segundo Deus. Sejam submissos ao bispo e também uns aos outros,
assim como Jesus Cristo se submeteu, na carne, ao Pai, e os apóstolos se submeteram a
Cristo, ao Pai e ao Espírito, a fim de que haja união, tanto física como espiritual”.

C) O Culto

Os cristãos se viam confrontados naquela época com uma corrente de pensamento


chamada “Docetismo”, que negava peremptoriamente que “o Verbo Se fez carne”, ou
seja, negavam que Jesus Cristo tenha assumido a natureza humana. Uma das
consequências de tal doutrina é que consideraram impossível que no culto que Cristo
instituiu a Ceia, ele pedira e ordenara que os cristãos fizessem em Sua memória o Pão
como o Corpo de Cristo e o Vinho como o Sangue de Cristo. Para Inácio, na Nova Aliança
não guardam mais o sábado, como há um bispo, um clérigo, e meus caros mas se reúnem
no dia do Senhor (o domingo).

1.3 Policarpo de Esmirna (69-159)

Graças a alguns testemunhos fidedignos, podemos reconstruir sua personalidade. Foi


discípulo do apóstolo João, amigo e mestre de Irineu, tendo ainda conhecido Inácio, sendo
consagrado Bispo da igreja de Esmirna. Policarpo foi um Bispo de Esmirna (atualmente
na Turquia) no segundo século. Morreu como um mártir, vítima da perseguição romana,
aos oitenta e seis anos. Policarpo é um dos grandes Pais Apostólicos, ou seja, pertencia
ao número daqueles que conviveram com os primeiros apóstolos e serviram de elo entre
a Igreja primitiva e a igreja do mundo greco-romano. Segundo Tertuliano, Policarpo teria
sido ordenado Bispo pelas mãos do próprio apóstolo João.
Policarpo era um cristão de caráter reto, de alto saber, amor à Igreja e fiel à ortodoxia
da fé, respeitado por todos no Oriente. Nos dias do Bispo Aniceto, de Roma, Policarpo
visitou Roma, a fim de representar as igrejas da Ásia Menor que observavam a Páscoa no
dia 14 do mês de Nisan. Apesar de não chegar a um acordo com o Bispo de Roma sobre
esse assunto, ambos mantiveram uma boa amizade. Ainda estando em Roma, Policarpo
conheceu alguns hereges da seita dos Valentianos (inclusive Valentim) e encontrou-se
com Marcião, o qual Policarpo denominava de “primogênito de Satanás”.
Quanto aos seus escritos, o único que restou desse antigo pai da igreja foi a sua
epístola aos Filipenses, exortando-os a uma vida virtuosa de boas obras e a permanecerem
firmes na fé no Senhor Jesus Cristo. Seu estilo é informal, com muitas citações do Antigo
e do Novo Testamentos. Faz, ainda, 34 citações do apóstolo Paulo, evidenciando que
conhecia bem a carta desse apóstolo aos Filipenses, entre outras epístolas de Paulo. Há,
também, os depoimentos de Eusébio e Irineu, relatando a intimidade de Policarpo com
testemunhas oculares do evangelho.

Nesta carta, Policarpo enfatiza a fé em Cristo e o desenvolvimento da mesma através


do trabalho para Cristo na vida diária. Também faz alusão à Epístola de Paulo aos
Filipenses e usa citações diretas e indiretas do Antigo e Novo Testamentos, atestando-os
como canônicos. Na mesma carta, ele repete muitas informações recebidas dos apóstolos,
especialmente de João. Por isso, ele é uma testemunha valiosa da vida e da obra da Igreja
primitiva no segundo século.

Policarpo exorta aos Filipenses a uma vida virtuosa, às boas obras e à firmeza, mesmo
ao preço de morte, se necessária, uma vez que tinham sido salvos pela fé em Cristo. Ao
contrário de Inácio de Antioquia, Policarpo não estava interessado em administração
eclesiástica, mas antes em fortalecer a vida diária, prática dos cristãos.

A Epístola de Policarpo é uma resposta a um pedido vindo dos próprios Filipenses,


no qual eles pedem a ele que os envie algumas palavras de exortação de fé, que repasse
adiante uma carta para a Igreja de Antioquia e que os envie também quaisquer epístolas
de Inácio que ele pudesse ter. O segundo pedido é muito relevante, pois Inácio havia
pedido às igrejas de Esmirna e Filadélfia que enviassem mensageiros para congratular a
Igreja de Antioquia pela restauração da paz. É de se supor, portanto, que ele tenha dado
instruções similares aos Filipenses quando esteve em Filipos. Esse é um dos muitos
pontos de harmonia perfeita entre as situações relatadas nas Epístolas de Inácio e na
Epístola de Policarpo, o que torna quase impossível impugnar a veracidade das primeiras
sem também de alguma forma manchar a reputação da última, que é um dos textos com
história melhor documentada da antiguidade.

O martírio de Policarpo é descrito um ano depois de sua morte, em uma carta enviada
pela Igreja de Esmirna à Igreja de Filomélio. Esse registro é o mais antigo martirológico
cristão existente. Diz a história que o procônsul romano, Antonino Pius, e as autoridades
civis tentaram persuadilo a abandonar sua fé, quando já avançado em idade, para que
pudesse ser livre. Ele, entretanto, respondeu com autoridade: “Eu tenho servido a Cristo
por 86 anos e ele nunca me fez nada de mal. Como posso blasfemar contra meu Rei que
me salvou? Eu sou um cristão! ”

No ano 155, em Esmirna, Policarpo é colocado na fogueira. Milagrosamente as


chamas não o queimaram. Seus inimigos, então, o apunhalaram até a morte e depois
queimaram o seu corpo numa estaca. Depois de tudo terminado, seus discípulos tomaram
o restante de seus ossos e o colocaram em uma sepultura apropriada. Segundo a história,
os judeus estavam tão ávidos pela morte de Policarpo quanto os pagãos, por causa de sua
defesa contra as heresias.

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