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O PRINCÍPIO DE UNIDADE EM SANTO

INÁCIO DE ANTIOQUIA E SEUS


DESDOBRAMENTOS
POR ACCATOLICA EM 14 14AMERICA/SAO_PAULO DEZEMBRO
14AMERICA/SAO_PAULO 2018 • ( 0 )
Palavras chaves: Unidade. Eucaristia. Hierarquia. Heresias. Martírio.
Sumário: Introdução 1. Santo Inácio de Antioquia e o conteúdo das cartas. 2. A Igreja, a
hierarquia e a unidade. 2.1 A hierarquia, a Eucaristia e a unidade. 2.2 O martírio e a
unidade da Igreja. 3. Santo Inácio em defesa da unidade. Conclusão. Referências.
Escrito por: Jeferson Alves de Lima[1]
Introdução

Durante os primeiros séculos da Igreja nascente, as perseguições do império Romano


foram pungentes e violentas. Diversas acusações eram atribuídas aos cristãos (ateus,
praticantes do canibalismo, infanticídio, orgias etc.), diante de tais acusações e
condenações, instalou-se um clima de ‘guerra’ contra os cristãos a mando dos
imperadores.

Dentre essas vítimas, merece destaque Inácio, bispo de Antioquia[2], que, tendo sido
acusado de algum crimen laesae maiestatis (ante as autoridades negou-se a adorar os
deuses do império), foi preso e condenado, indo sofrer o martírio em Roma[3], conforme
o testemunho de Policarpo, Orígenes e Eusébio. (Cf. DROBNER, 2003, p. 57).
Assim, a caminho do martírio, Santo Inácio escreveu sete cartas direcionadas para
diferentes comunidades cristãs: quatro foram escritas a partir de Esmirna para as Igrejas
dos Efésios, Magnésios, Tralianos e Romanos; as outras três, escreveu de Trôade à Igreja
da Filadélfia, Erminiotas e ao bispo Policarpo), tanto por sua cronologia como por sua
teologia, os autores o situam bem próximo aos apóstolos.[4]

Tamanha era sua fé e influência que seu testemunho de bispo foi tão preponderante e
intenso que as comunidades cristãs, não só o acompanham em sua peregrinação para o
martírio, como também se aconselhavam e mandavam delegações que se dispunham a
esperá-lo de cidade em cidade: Éfeso, delegou seu bispo Onésimo, o diácono Burrhus e
três outros irmãos; na Magnésia, o bispo Basso, dois padres e um diácono.

Durante sua viagem, sob a vigilância severa dos guardas, que ele chama de ‘dez
leopardos’ (Cf. Carta aos Romanos 5,1)[5], nas cidades por onde passava, ia solidificando
os cristãos com suas admoestações, conselhos, encorajando a viver a unidade, a evitar as
heresias, que na sua época começavam a pulular, a preservarem e não se separar da
Tradição dos apóstolos.
Além disso, as cartas de Inácio destacam o princípio da unidade e, como veremos, é deste
princípio que se desdobra os demais pontos[6]: a unidade eclesial que liga o bispo aos
fieis; a estrutura e unidade hierárquica da comunidade eclesial, representada na pessoa do
bispo, presbíteros e diáconos; o papel e autoridade do bispo em relação à comunidade;
cristologia; a Eucaristia e o martírio.
1. Santo Inácio de Antioquia e o conteúdo das cartas
Santo Inácio é o primeiro escritor da Igreja, pagão converso ao cristianismo, suas cartas
são “cartas de um grego, para quem o grego é a língua de sua alma e de sua sensibilidade,
de sua cultura e de seu pensamento” e nos aspectos literários, adota a forma e categorias
literárias do helenismo (Cf. HAMMAN, 1980, p. 16).[7]
Oriundo de Antioquia e tendo seu nome derivado do latim (igne: fogo e natus: nascido),
o homem nascido do fogo, com o coração ardente. Era um zeloso pastor de almas,
preocupado em conduzir o rebanho que Cristo lhe havia confiado, numa dedicação que
se expressa no conteúdo das cartas que escreveu, enquanto seguia para o martírio.

Ao escrever suas cartas, segue o mesmo esquema em todas elas: saudação, elogio das
qualidades da comunidade, estar unidos à Igreja e ao bispo, fugir das heresias, e, por fim,
uma saudação pedindo orações para a Síria ou o envio de um diácono.

Suas cartas mostram o conhecimento do carisma e governo da Igreja primitiva, revelando


algumas verdades fundamentais e basilares de nossa fé, advertindo contra erros
doutrinários, principalmente o docetismo[8], estes afirmavam que a Encarnação do Verbo
era mera aparência, a morte e ressurreição de Cristo como também sua presença na
Eucaristia eram formas ilusórias: “Ele sofreu tudo isso por nós, para que sejamos salvos.
E ele sofreu realmente, assim como ressuscitou verdadeiramente. Não sofreu, apenas na
aparência, como dizem alguns incrédulos” (Carta aos Erminiotas 1,2).[9]

Pode-se captar expressões do realismo cristológico de Santo Inácio, estando sempre


atento à encarnação do Filho de Deus e sua humanidade concreta: Jesus, afirma Inácio,
“é verdadeiramente da descendência de Davi segundo a carne, […] nascido
verdadeiramente da virgem, batizado por João […]. Ele foi realmente pregado por nós
em sua carne, sob Pôncio Pilatos e o tetrarca Herodes” (Carta aos Esmirniotas 1,1).

Em seu governo episcopal, administrou uma Igreja de “de origem estritamente helênica.
Ela é um testemunho da primeira expansão da evangelização.” (HAMMAN, 1980, p. 16).
Enxerga-se em Santo Inácio e em suas cartas um homem apaixonado, heroico embora
modesto; com um dom inato de simpatia, como o apóstolo Paulo, possuindo ainda uma
doutrina clara, segura, mais dogmática do que moral, onde se confluem mística e
santidade. (Cf. HAMMAN, 1980, p. 17).

Se, Santo Inácio, por um lado, é possuidor de um amor e respeito ao homem


inconfundíveis, amando cada um em particular e, em primeiro lugar, o pequeno, o
escravo, o fraco, como recomenda em sua carta ao bispo Policarpo; por outro, e um
insigne paladino da fé, isto é, “serve à verdade da fé a ponto de pregá-la mesmo quando
ela lhe é incômoda e quando ameaça atrair sobre ele, as incompreensões e até a
hostilidade.” (HAMMAN, 1980, p. 17).

A Igreja, a hierarquia e a unidade


As cartas de Santo Inácio estão repletas de ensinamentos sobre a Igreja[10], nelas
encontramos, por exemplo, pela primeira vez, na literatura cristã, a expressão ‘Igreja
Católica’: “Onde aparece o bispo, aí esteja a multidão, do mesmo modo que onde está
Jesus Cristo, aí está a Igreja Católica” (Carta aos Erminiotas 8,2).[11]
É possível notar a reverência e amor que nutria com relação à Igreja, a esposa de Cristo:
“À Igreja que foi grandemente abençoada […] predestinada antes dos séculos para
existir sempre, para uma glória que não passa, inabalavelmente unida, escolhida […] pela
vontade do Pai e de Jesus Cristo, nosso Deus[12]” (Carta aos Efésios) e que é capaz de
reunir “tanto judeus como pagãos, no corpo único da sua Igreja[13]” (Carta aos
Erminiotas 1, 2, grifo nosso).
A Igreja, no início do século II, vive um momento crucial: com a morte dos apóstolos um
após o outro, continuou a ampliar-se, a prosperar no meio das perseguições[14],
organizando-se: um exemplo nítido de tal estruturação é a solidificação do episcopado
fundado nas comunidades da Ásia Menor, como asseguram suas cartas.
A hierarquia da Igreja[15], formada por bispos, presbíteros e diáconos, com suas
respectivas funções, aparece de forma clara em suas cartas. O bispo é o representante de
Cristo e quem está unido a ele, está unido a Cristo: “Segui todos ao bispo, como Jesus
Cristo segue ao Pai […]. Sem o bispo, ninguém faça nada do que diz respeito à Igreja”
(Carta aos Magnésios 8,1) e afirma mais: Está claro, portanto, que devemos olhar o bispo
como ao próprio Senhor. (Carta aos Efésios 6,1).
A figura do bispo é tão importante que Santo Inácio assegura: “Quem respeita o bispo, é
respeitado por Deus; quem faz algo às ocultas do bispo, serve ao diabo” (Carta aos
Erminiotas 9,1). Sendo assim, nota-se a insistência em seus escritos por preservar a
unidade da Igreja (hierarquia e os fieis): “Fazei-o sem vos encher de orgulho,
permanecendo inseparáveis de Jesus Cristo Deus, do bispo e dos preceitos dos apóstolos”,
pois “[…] aquele que age sem o bispo, sem o presbitério e os diáconos, esse não tem
consciência pura (Carta aos Tralianos 7, 1-2) e noutro lugar afirma: “vós não façais nada
sem o bispo e os presbíteros” (Carta aos Magnésios 7,1).[16]
A elevada consideração que Santo Inácio possui pela hierarquia o faz expressar que tudo
dever ser feito na concórdia de Deus e sob a orientação do bispo, “que ocupa o mesmo
lugar de Deus” e dos “dos presbíteros, que representam o colégio dos apóstolos e dos
diáconos […] aos quais foi confiado o serviço de Jesus Cristo, que antes dos séculos
estava junto do Pai[17] e por fim se manifestou[18]” (Cartas aos Magnésios 6,1) e mais:
“Que não haja nada entre vós que vos possa dividir, mas uni-vos aos bispo e aos chefes
como sinal e ensinamento de incorruptibilidade” (Carta aos Magnésios 6,2).
Exortava os fieis na conservação da Tradição Apostólica conservando a unidade com a
hierarquia da Igreja: “Procurai manter-vos firmes nos ensinamentos do Senhor[19] e dos
Apóstolos[20], […] unidos ao vosso digníssimo bispo e à preciosa coroa espiritual
formada pelos vossos presbíteros[21] e diáconos do Deus” (Magnésios 13,1, grifo nosso).
O entusiasmo de Inácio é tanto que chega ao ponto de oferecer-se como resgate dos que
se submetem à hierarquia da Igreja: “Atendei ao bispo, para que Deus vos atenda. Ofereço
minha vida[22] para os que se submetem ao bispo, aos presbíteros e aos diáconos. Possa
eu, com eles, ter parte em Deus (Carta a Policarpo 6,1, grifo nosso).
A hierarquia, a Eucaristia e a unidade

Santo Inácio demonstra em suas epístolas que a unidade entre o bispo e seu presbitério
deságua na preocupação de manter unida a comunidade em torno deles e dos sacramentos,
participando “de uma só Eucaristia. De fato, há uma só carne de nosso Senhor Jesus Cristo
e um só cálice na unidade do seu sangue, um único altar, assim como um só bispo com o
presbitério e os diáconos […]” (Carta aos Filadelfienses 4,1).

Desde o primeiro século temos o testemunho de que para os primeiros cristãos, participar
da Eucaristia, não era comungar um simples ‘pão’; eles nunca entenderam as palavras de
Jesus, no discurso do pão da vida[23] e nas palavras da última ceia[24], por exemplo,
como um símbolo, uma representação, mas comungavam verdadeiramente a carne de
Cristo: “Eles se afastam da Eucaristia e da oração, porque não professam que a Eucaristia
é a carne de nosso Salvador Jesus Cristo, que sofreu por nossos pecados e que, na sua
bondade o Pai ressuscitou[25]” (Carta aos Filadelfos 7,1), pois a Eucaristia é “remédio de
imortalidade[26], antídoto para não morrer[27], mas para viver em Jesus Cristo para
sempre[28]” (Carta aos Efésios 20, 2).
O martírio e a unidade da Igreja
O sentimento de Santo Inácio pela unidade é tamanha, que é deste ideal donde promana
outro traço ou marca distintiva de suas cartas: o martírio.[29] É da unidade que tira forças
para alimentar seu desejo e paixão de imitar e unir-se ao Cristo, é para segui-lo
perfeitamente que aspira, anseia pelo martírio e dar a sua vida como ele o fez: “Para mim,
é melhor morrer para Cristo Jesus do que ser rei até os confins da terra. Procuro aquele
que morreu por nós; quero aquele que por nós ressuscitou. […] Deixai que seja imitador
da paixão do meu Deus.” (Carta aos Romanos 6,1.3)[30]
O verdadeiro amor, para o mártir, consiste na renúncia e sacrifício de si mesmo, seguindo
os passos do Filho de Deus, em favor da Igreja. O ato de Cristo sacrificar sua vida
demonstra todo seu amor pela humanidade; assim, o cristão, aceitando o martírio pela
salvação do próximo, se configura, imita e quer alcançar a Cristo[31]: “Estou começando
a me tornar discípulo. Que nada de visível e invisível, por inveja, me impeça de alcançar
Jesus Cristo”, não se preocupando sequer com “fogo e cruz, manadas de feras, lacerações,
desmembramentos, deslocamento de ossos, mutilações de membros, trituração de todo o
corpo” ou que “os piores flagelos do diabo” caiam, contanto que “alcance Jesus Cristo.”
(Carta aos Romanos 3,1).[32]
Como assegura o papa Bento XVI, “nenhum padre da Igreja expressou com a intensidade
de Inácio o anseio pela união com Cristo e pela vida n’Ele” (2012, p. 13). No bispo de
Antioquia, afluem duas correntes espirituais: a de Paulo, que tende ao tema da união com
Cristo[33], e a de João, convergindo na vida n’Ele.[34]
Tais correntes, por sua vez, desembocam na imitação de Cristo, assim, suplica aos
cristãos de Roma que não impeçam seu martírio, pois quer unir-se a Jesus Cristo: “Deixai
que eu seja pasto das feras, por meio das quais me é concedido alcançar a Deus. Sou trigo
de Deus, e serei moído pelos dentes das feras, para que me apresente como trigo puro de
Cristo.” (Carta aos Romanos 4,1).
O bispo de Antioquia, propendendo para a união com Cristo, funda aquilo que o papa
Bento XVI chama de “mística da unidade” (2012, p. 13), e Inácio se definia como
“homem que age pela unidade” (Carta aos Filadelfienses 8,1). É evidente a
responsabilidade da hierarquia na edificação da comunidade, exortando-a à unidade[35]:
“Pelo contrário, reunidos em comum, haja uma só oração, uma só súplica, um só
espírito, uma só esperança no amor, na alegria imaculada, que é Jesus Cristo: nada é
melhor do que ele.” (Carta aos Magnésios 7,1, grifo nosso).[36]
Santo Inácio em defesa da unidade[37]
Bento XVI chama Santo Inácio de “o doutor da unidade” (2012, p. 15): unidade de Deus
e de Cristo (mesmo com as diversas heresias que pululavam, circulavam e dividiam o
homem os cristãos), unidade da Igreja da hierarquia com os fieis, ou seja, o princípio da
unidade é o que permite participar da inseparável unidade de Deus, tornando-se: “um só
coro, a fim de que, na harmonia de vosso acordo, tomando na unidade o tom de Deus,
canteis a uma só voz, por meio de Jesus Cristo, um hino ao Pai […].” (Carta aos Efésios
4, 2, grifo nosso).
Santo Inácio enfrentou as heresias[38] que surgiam para desorientar a doutrina e os
fieis,[39] assim, manifestando o ardoroso trabalho conservar a unidade da Igreja[40], pois
esta unidade foi estabelecida com Deus e com Jesus Cristo: “Preocupa-te com a unidade,
acima da qual nada existe de melhor” (Carta a Policarpo 1,2). Seu desejo era “a união na
fé e no amor, ao qual nada é preferível, e, o que é mais importante, união com Jesus
Cristo e o Pai[41]” (Carta aos Magnésios 1, 2, grifo nosso).
Exortou aos seus ao arrependimento em vista da reconstrução da unidade[42]: “[…] a
todos que se arrependem, o Senhor perdoa, se se arrependem para a unidade de Deus e o
sinédrio dos bispos” (Carta aos Filadelfienses 8,1). Sua constante preocupação era para
que os cristãos levassem uma vida segundo o ensinamento de Jesus Cristo, manifestando
sua pertença real a Deus, por meio da unidade à verdadeira Igreja: “Aqueles que,
arrependendo-se, vierem para a unidade da Igreja, serão também de Deus, para que sejam
vivos segundo Jesus Cristo”, pois, aquele que segue um cismático “não herdará o Reino
de Deus. Se alguém caminha em conhecimentos estranhos, esse não participa da Paixão.”
(Carta aos Filadelfienses 3, 2-3).
Conclusão

Conhecemos Santo Inácio de Antioquia por meio das 7 cartas que escreveu às
comunidades por onde passava, sua vida tinha um propósito: ser imitador da paixão de
Jesus Cristo, estando disposto a enfrentar a morte e através dela chegar a ser outro Cristo.
Almejava o encontro com Cristo, desprendendo-se das coisas desta vida e como zeloso
pastor defendeu o rebanho e despertou a consciência dos cristãos para os perigos que
ameaçam a fé e a doutrina.

As cartas de Inácio tiveram rápida divulgação. Já pouco depois de sua morte, a


comunidade de Filipos pediu a Policarpo de Esmirna que lhe fossem enviadas cópias das
cartas de que dispunha, o que ele fez acrescentando um escrito que chegou até nós.

Alguns temas estão como prioridade em suas cartas, isto é, sintonizados mantendo um
mesmo perfil: a unidade da teologia do monoteísmo trinitário, da eclesiologia e do
episcopado. Estes temas estão estreitamente unidos: a Igreja possui, estruturalmente
falando, uma hierarquia conforme o modelo trinitário sob a direção do bispo, tem a seu
lado os presbíteros e diáconos numa subordinação gradual, ou seja, a comunidade está
submetida ao bispo, que é sua cabeça, assim como a Igreja se submente a Cristo como
seu Corpo, e Cristo, por sua vez, se subordina ao Pai.

Assim, o bispo é o modelo supremo da união e harmonia de todos, e por força de seu
ministério, preside o batismo, a Eucaristia, garante a ortodoxia; obrigando-o a levar uma
vida exemplar, apesar de que dela não depende a validade do exercício do seu ministério.

Em suas cartas, há um duplo movimento, constante e fecundo, de dois aspectos


característicos da vida cristã: por um lado, a estrutura hierárquica da comunidade eclesial,
e por outro, a unidade que liga entre todos os fieis em Cristo. Dessa forma, os papeis não
podem estar em oposição; mas, ao contrário, insiste na comunhão da comunidade dos
fieis entre si e com os seus pastores, usando continuamente imagens e analogias: a cítara,
as cordas, a afinação, o concerto, a sinfonia.

A ânsia do martírio ou a teologia do martírio, típica dos primeiros dois séculos do


cristianismo, se fundamenta não apenas num esforço ascético e ético para alcançar a
perfeição, mas também nas raízes da teologia do seguimento de Cristo, o qual Santo
Inácio incorporou em sua vida e escritos, de tal maneira que a ânsia do martírio tem
conotações eucarísticas: “Sou trigo de Deus, e serei moído pelos dentes das feras, para
que me apresente como trigo puro de Cristo.” (Carta aos Romanos 4,1).

Em conclusão, Santo Inácio convida-nos a uma síntese progressiva de dois aspectos:


primeiro, a configuração com Cristo, isto é, união com Ele e vida n’Ele; segundo,
dedicação à sua Igreja, ou seja, unidade entre os fieis, unidade dos fieis com o bispo e
seu presbitério, serviço generoso à comunidade e aos mundo. Observa-se, assim, a
superação das dicotomias, próprio da fé católica: comunhão da Igreja o seu interior e a
missão de proclamar o Evangelho para os outros, por meio de uma dimensão se manifesta
a outra e vice-versa.

Referências
ALTANER, Berthold; STUIBER, Alfred. Patrologia: vida, obras e doutrina dos Padres
da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1972.
BENTO XVI. Padres e Doutores da Igreja. São Paulo: Paulus, 2012.

BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2016.

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 4ª ed. São Paulo: Loyola, 2017.

DROBNER, Hubertus R. Manual de Patrologia. Tradução de Orlando dos Reis e Carlos


Almeida Pereira. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
EUSÉBIO DE CESAREIA. História Eclesiástica. Tradução das Monjas Beneditinas do
Mosteiro de Maria de Cristo. São Paulo: Paulus, 2000. v. XV.
HAMMAN, A. Os Padres da Igreja. 3ª ed. São Paulo: Paulinas, 1980.

PADRES APOSTÓLICOS. Tradução de Ivo Storniolo, Euclides M. Balancin. Introdução


e notas explicativas Roque Frangiotti. São Paulo: Paulus, 1995. v. I.

[1] Seminarista da Diocese de Porto Nacional, aluno do 2º semestre do Curso de Teologia


do Seminário Maria Mater Ecclesiae – E-mail: alves_som@yahoo.com.br
[2] Há uma certa indecisão sobre qual posição ocupou à frente da Igreja de Antioquia,
pois conforme Eusébio, Santo Inácio de Antioquia foi o segundo sucesso de Pedro na
sede episcopal de Antioquia (Cf. EUSÉBIO, 2000, p. 139; DROBNER, 2003, p. 57). Mas,
segundo o papa Bento XVI e São Jerônimo, Inácio foi o terceiro bispo de Antioquia (Cf.
BENTO XVI, 2012, p. 12; PADRES APOSTÓLICOS, 1995, p. 73) e discípulo de São
João.
[3] O Cristo já havia profetizado: “Antes de tudo isso, porém, hão de vos prender, de vos
perseguir, de vos entregar às sinagogas e às prisões, de vos conduzir a reis e governadores
por causa do meu nome.” Lc 21,12.
[4] Muito provavelmente conheceu os apóstolos Pedro e Paulo, pois em sua carta aos
Romanos afirma: “Não vos dou ordens como Pedro e Paulo; eles eram apóstolos, eu sou
um condenado.” (Cf. PADRES APOSTÓLICOS, 1995, p. 105, grifo nosso).
[5] Duas observações preliminares: I) todas as vezes que, neste trabalho, for mencionada
uma das cartas de Santo Inácio estas se encontram na obra PADRES APOSTÓLICOS.
Tradução de Ivo Storniolo, Euclides M. Balancin. Introdução e notas explicativas Roque
Frangiotti. São Paulo: Paulus, 1995. v. I; II) a divisão das cartas, pelo que parece, segue
a mesma estrutura de citação da Sagrada Escritura, isto é, em capítulos e versículos.
[65] Em algumas notas de rodapé, se citará passagens bíblicas do Novo Testamento, para,
assim, evidenciar a relação existente de alguns desses elementos nas cartas de Santo
Inácio de Antioquia com a Sagrada Escritura. O objetivo é apenas um: notar o quanto que
as cartas estão imbuídas de um profundo sentimento bíblico, uma vez que o cânon da
Sagrada Escritura sequer estava condensado nos 27 escritos do Novo Testamento.
[7] Para se ter uma ideia: as cartas de Santo Inácio tiveram tamanha importância que os
historiadores discutiram a autenticidade delas durante dois séculos. Críticos, como
Harnack, afirmam sua originalidade e autenticidade. (Cf. HAMMAN, 1980, p. 17).
[8] Doutrina herética que já se delineia no Novo Testamento e se destaca no séc. II,
procurava explicar a compatibilidade do sofrimento do Filho de Deus com sua divindade
imutável e impassível, afirmando que ele assumira apenas um corpo aparente.
[9] O tema da Encarnação foi bastante enfatizado por São João: “[…] todo espírito que
confessa que Jesus Cristo veio da carne é de Deus; e todo espírito que confessa Jesus não
é de Deus, e este é o espírito do Anticristo” 1 Jo 4,2-3, grifo nosso. E mais: “O que era
desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, e o que nossas mãos
apalparam do Verbo da Vida” 1 Jo 1,1, grifo nosso. Chegando, assim, numa outra
afirmação capital da fé: “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” Jo 1,14, grifo nosso.
[10] São Paulo, por exemplo, afirma que a Igreja é “a coluna e o sustentáculo da Verdade”
1 Tm 3,15; que ela é o Corpo de Cristo (Cf. 1 Cor 6, 12-20; Rm 12,4-8), Esposa de Cristo
(Ef 5,21-33; 2 Cor 11,2); Novo povo de Deus (Cf. 1 Pd 2,9).
[11] Torna-se evidente a interligação que Santo Inácio faz entre o bispo e a comunidade
cristã, isto é, onde estiver o bispo, aí também esteja em volta dele toda a comunidade
cristã.
[12] Perceba-se que já se acena a afirmação da divindade de Jesus, negada,
posteriormente pelos arianos e Testemunhos de Jeová, por exemplo.
[13] O tema da Igreja como Corpo de Cristo está presente em diversos lugares, mas,
principalmente nas cartas de São Paulo: Cf. 1 Cor 12, 22-30; Ef. 1, 22-23; Ef. 5, 22-23;
Fil. 4,12; Col. 1, 18.24.
[14] Cf. Atos 8, 1-4
[15] Uma leitura atenta do livro dos Atos dos Apóstolos e dos demais escritos do Novo
Testamento constata a existência de uma hierarquia, isto é, um governo dentro da Igreja,
a começar da escola dos doze apóstolos. Cf. Mc 3,1314; At 6,2-6; At 14,23; 20,17; Fl 1,1.
[16] Tal unidade com a hierarquia é fundamental, pois, afirma São Paulo: “Estais
edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do qual é Cristo Jesus a pedra
angular” Ef 2,20.
[17] Esta afirmação está em plena consonância com aquilo que São João escreveu no
prólogo do seu evangelho: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o
Verbo era Deus. No princípio, ele estava com Deus.” Jo 1,1-2.
[18] São Paulo afirma: “Seguramente, grande é o mistério da piedade: Ele foi manifestado
na carne, justificado no Espírito, aparecido aos anjos, proclamado às nações, crido no
mundo, exaltado na glória.” 1° Tm 3, 16, grifo nosso.
[19] “Assim, irmãos amados e queridos, minha alegria e coroa, permanecei firmes no
Senhor, ó amados” (Fl 4,1, grifo nosso).
[20] Afirma a Escritura: “Eles mostravam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à
comunhão fraterna, à fração do pão e às orações” At 2, 42, grifo nosso
[21] Expressão recuperada pelo Concílio Vaticano II: “Os presbíteros, à semelhança da
ordem dos bispos, de que são coroa espiritual, já que participam das suas funções por
graça de Cristo, eterno e único mediador […].” Lumen Gentium, n. 41.
[22] “Tanto bem vos queríamos que desejávamos dar-vos não somente o Evangelho de
Deus, mas até a própria vida, de tanto amor que vos tínhamos” 1° Ts 2,6
[23] Cf. Jo 6.
[24] Cf. Mt 26,26-29; Mc 14,22-25; Lc 22,14-20.
[25] Leve menção da doutrina da ressurreição, crida desde o primeiro século e em sintonia
com o que o apóstolo Paulo descreve em 1 Cor 15.
[26] Expressão presente em diversas encíclicas (Cf. Mediator Dei, do papa Pio X, n.
107; Mysterium Fidei, do papa Paulo VI, n. 05; Ecclesia de Eucharistia, do papa João
Paulo II, n.18; ); no Catecismo da Igreja Católica (Cf. n. 1331, 1405, 2837).
[27] “Este é o pão que desceu do céu. Ele não é como os que os pais comeram e
pereceram; quem come este pão viverá eternamente.” Jo 6, 58, grifo nosso
[28] “Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim, e eu nele” Jo 6,56,
grifo nosso.
[29] O martírio, segundo o Catecismo da Igreja Católica, no parágrafo 2473 é “o supremo
testemunho prestado à verdade da fé; designa um testemunho que vai até a morte. O mártir
dá testemunho de Cristo, morto e ressuscitado, ao qual está unido pela caridade. Dá
testemunho da verdade da fé e da doutrina cristã. Enfrenta a morte num ato de fortaleza.”
(2017, p. 637).
[30] “Por ele, perdi tudo e tudo tenho como esterco, para ganhar a Cristo e ser achado
nele, […] para conhecê-lo, conhecer o poder da sua ressurreição e a participação dos seus
sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte, para ver se alcanço a ressurreição
de entre os mortos.” Fl 3,8b-11
[31] A doutrina cristã pode ser resumida nas seguintes palavras: “Se alguém quer vir após
mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me” Lc 9, 23 e “sereis odiados
de todos por causa do meu nome” Lc 21,17 e este foi o caminho trilhado por Santo Inácio
rumo ao seu martírio.
[32] Assim, o apóstolo Paulo se exprimiu: “Quem nos separará do amor de Cristo? A
tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, os perigos, a espada? […] Pois
estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem
o presente nem o futuro, nem os poderes, nem a altura, nem a profundeza, nem qualquer
outra criatura poderá nos separar do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, nosso
Senhor” Rm 8, 35.38
[33] “Sinto-me num dilema: meu desejo é partir e estar com Cristo, pois isso me é muito
melhor” Fl 1,23
[34] Em 1 Jo 5,11-12, lemos: “E o testemunho é este: Deus nos deu vida eterna e esta
vida está em seu Filho. Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho não tem a
vida” e mais: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” Jo 14,6 (grifo nosso)
[35] De modo análogo, São Paulo também fazia o mesmo apelo: “[…] procurando
conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz. Há um só Corpo e um só Espírito,
assim, como é uma só a esperança da vocação a que fostes chamado; há um
só Senhor, uma só fé, um só batismo, há um só Deus e Pai de todos, que está acima de
todos, por meio de todos e em todos.” Ef 4,36, grifo nosso.
[36] Uma clara referência ao texto: “A multidão dos que haviam crido era um só coração
e uma só alma” At 4,32ª, grifo nosso.
[37] O Catecismo da Igreja Católica desenvolve esta primeira marca ou atributo da Igreja
(a unidade) nos parágrafos 811-822.
[38] Segundo o Catecismo, a Igreja chama de heresia “a negação pertinaz, após a
recepção do batismo, de qualquer verdade que se deve crer com fé divina e católica, ou a
dúvida pertinaz a respeito dessa verdade” (Parágrafo 2090, p. 550).
[39] Tal alerta é repetido em Mt 7,15; At 20,29-31; 1 Cor 11,18-19; Tt 3,9-11; 1 Tm 6,3-
5; 2 Pd 2,1-2.
[40] O Decreto Unitatis Redintegratio, promulgado pelo Papa Paulo VI, elucidava que a
reintegração da unidade entre todos os cristãos era um dos objetivos do Concílio Vaticano
II.
[41] “A fim de que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles
estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviastes […] Eu neles e tu em mim,
para que sejam perfeitos na unidade [..]” Jo 17, 21.23, grifo nosso.
[42] Todos os anos é promovida, pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade
dos Cristãos, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. No hemisfério norte, a
Semana de Oração, por iniciativa de Paul Watttson, acontece entre 18 a 25 de janeiro,
entre a festividade da cátedra de São Pedro e a conversão de São Paulo, tendo, portanto,
um significado simbólico. No hemisfério sul, a Semana de Oração acontece no período
de Pentecostes.
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