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DCSH. Fil., Política e R. Internacionais.

ESAeSTA, II Semestre,
2018/2019. 1º Ano. Hans Von Campenhausen. Os Padres da Igreja, Vol. I – Os
Padres Gregos. Quem foram os Padres da Igreja?

“Chama-se «Padres de Igreja» aos escritores ortodoxos da Igreja primitiva (...) A patrologia não seria
mais que uma história da literatura eclesiástica, paralela à história das doutrinas e dos dogmas, à qual
determinaria e complementaria, figurando-se ao mesmo tempo, às vezes, como último capítulo ou
apêndice na história literária da Antiguidade.
Na verdade, a noção de «Padres de Igreja» teve origem na dogmática e responde à necessidade que o
catolicismo sentia de provar a sua autenticidade pela tradição. Convinha, com efeito, reunir os
testemunhos da tradição católica «autêntica», para reforçar os dogmas establecidos (Trindade,
Encarnação, virgindade, salvação...) e defender os que, todavia, estavam em discussão (...) Nós não
estabeleceremos tais diferenças (entre la história das doutrinas, dos dogmas e a patrologia) na nossa
obra (...) No entanto, o ponto de vista «literário» no é, sem dúvida, o único que interessa a quem deseja
empreender um trabalho objetivo sobre os Padres de Igreja, nem basta certamente para definir por si só
um método de análises. Porque os homens pelos quais se interessa a patrística não se apresentaram
como homens de literatura ou como simples escritores teológicos: tinham a convição de serem
representantes da verdade divina. Mensageiros da Palavra (Logos), consagraram-se a assegurar a esta,
a sua continuidade no seio das comunidades cristãs do seu tempo. No desejavam a glória dos retóricos
nem a dos eruditos; semelhantes ambições são até expressamente condenadas. Jamais as preocupações
de ordem literária ou histórica, quando existem, são postas em primeiro plano. Os Padres de Igreja
consideram-se como os legítimos doutores da Igreja, como filósofos cristãos, como comentadores
competentes e iluminados da Bíblia, que contém a revelação salvífica de Deus. Se não os
comprendermos neste sentido e se nos escapa a grandeza da sua empresa, arriscamos-nos a transformar
arbitrariamente a sua intenção e a não ver bem o objecto da sua obra.
É inegável, que os Padres de Igreja foram os primeiros a unir, para sempre, a herança antiga à tradição
cristã, criando assim as bases da civilização espiritual do Ocidente. E, não esteve ausente do seu
pensamento o problema que originava o facto mesmo desta união (...) tentaram buscar uma solução
teológica que pudesse servir de fundamentos. Mas a sua principal preocupação não era o dilema, tantas
vezes debtido pelos nossos historiadores modernos, entre adaptação ou conservação da tradição antiga.
O que essencialmente os interessava era a verdade absoluta, e esta verdade não a encontravam, com o
seu valor de autoridade, na tradição antiga, mas, pelo contrário, na Escritura (Bíblia) e na tradição da
Igreja concernente à história da salvação.
O presente volume limita-se aos Padres de Igreja de língua grega. A literatura cristã que nos é acessível
começa no âmbito grego (i.e, do uso da língua grega e das técnicas retóricas da filosofia grega); e, para
os quatro primeiros séculos cristãos, a teologia grega foi determinante. Esta teologia (...) desenvolveu-se
segundo leis que eram imanentes e chegaram a constituir um sistema harmonioso.
Diferentemente das gerações da idade apostólica ou imediatamente pós-apostólica, os Padres de Igreja
não se consideram testemunhos diretos da revelação de Cristo, mas reconhecem o testemunho
primitivo como perfeito, em princípio, e fundam sobre ele a sua própia reflexão doutrinal.
Os Padres de Igreja não escreveram Evangelhos, apocalipses ou epístolas apostólicas, mas comentários
e dissertações, tratados polémicos e apologéticos de conteúdo edificante, sistemático, inclusivê
histórico, às vezes. Punham os seus próprios dons e faculdades ao serviço da Igreja guardando
relativamente a ela una total libertade. É mais difícil determinar o fim da era dos «Padres de Igreja» que
fixar seu começo. Graças à continuidade dos seus esforços seculares, os Padres de Igreja criaram uma
tradição sólida. Mas, a partir do momento em que a crença na tradição se converteu em definitivo e
obrigatória, ficou restringida a liberdade relativa à investigação bíblica sistemática. É aqui onde, do
nosso ponto de vista, vemos o fim da era patrística.
Com efeito, então mudam o método e a concepção teológica da Igreja. Neste sentido, a partir do século
V, esta volta-se à «escolástica»; a autoridade dos antigos Padres, dos doutores de então, começa a
prevalecer na Igreja sobre o ascendente pessoal dos mestres espirituais do momento. Os doze doutores
(Justino, Irineu, Clemente de Alexandria, Orígenes, Eusébio de Cesareia, Atanásio, Basílio – o
Grande; Gregório de Nazianzeno; Gregório de Nissa; Sinésio de Cirene; João Cristovão e Cirílio de
Alexandria) cujas vidas e obras vamos a expor, aqui, não representam, evidentemente, mais que um
grupo limitado entre a considerável multidão dos Padres gregos”.

Hans von Campenhausen (1967). Os Padres da Igreja, Vol. I – Os Padres Gregos,


Madrid, 1974, pp. 9-13.

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