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Filosofia do Direito e Metodologia Jurídica I. 1º Ano, 2023-2024, I SEMESTRE.

Sobre as
Origens da Filosofia do Direito.
Se entendemos por filosofía do direito o filosofar sobre a realidade jurídica, tal
atividade encontrámo-la ao longo de toda a história. (HERVADA, J., 2000: 31).

Com o advento da negação do direito natural e o repúdio do racionalismo - pela Escola histórica (contra o jusnaturalismo
racional iluminista do séc. XVIII, afirma que o direito não é produto da razão, mas sim da história, consciência nacional e
espontaneidades irracionais peculiares de cada povo com as suas tradições e costumes - espírito de um povo – volksgeist,
sintetizados na lei – sistema de codificação, que é uma realidade histórica – cf. Friedrich Karl Von Savigny, 1779-1861) e o
incipiente positivismo jurídico - esses tratados (tratadistas de filosofia do direito natural - Ius naturae ou Naturrecht – que
remonta a Aristóteles, aos juristas romanos como Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), p. ex., São Tomás de Aquino (1224-
1273), e retomado por Jusnaturalismo moderno ou Escola Moderna do Direito Natural – Hugo Grotius (1583-1645),
Samuel Von Pufendorf (1632-1694), Thomas Hobbes, John Locke, Baruch Spinoza, John Gottlieb Heineccius (1681-
1741), Christian Thomasius, Christian Wolff...) haviam transformado as predisposições filosóficas sobre o direito positivo
e mudado o nome clássico anterior desta ciência (i.e., direito natural) para o de filosofia do direito (Philosophie des
Rechts/Rechtsphilosophie).
Os primeiros tratados que receberam o nome de filosofia do direito apareceram, entre o fim do séc. XVIII e a primeira
metade do séc. XIX, no âmbito universitário e científico de língua alemã (desde 1661, instituiu-se na cidade alemã de
Heidelberg, Cátedras de Direito Natural), que é o contexto a partir do qual se alargaram e se desenvolveram a filosofia
transcendental ou crítica de Kant (1724-1804), os primeiros sinais do positivismo e a Escola histórica (do Direito),
causas da nova denominação (i.e, o emprego da expressão “filosofia do direito” em vez de “direito natural”). No entanto,
poder-se-ia indicar alguns antecedentes: em meados do séc. XVII, apareceu a obra latina de F. J. Chopius, que tinha por
título Da Verdadeira Filosofia do Direito – 1650, e a expressão philosophia iuris aparece em Gebhard (Tractatus
Philosophico Iuridico) e Schilter (Praxis Analiticae). Também no séc. XVII, G. Leibniz falava de filosofia do direito
(philosophia iuris), como uma disciplina, que deveria ser ensinada nos cursos de Direito ou Jurisprudência. Fica claro, que é
o reconhecimento distinto da Ius Naturae, mas resulta menos claro qual é o seu conteúdo, mesmo que se refere a noções,
princípios e outros elementos filosóficos envolvidos na ciência do direito ou jurisprudência e convenientes para a
formação dos juristas (ética jurídica, metafísica do direito, lógica, dialéctica, física, etc.)
(...) O termo "Filosofia do Direito", em alemão, Philosophie des Rechts ou mais habitualmente, Rechtsphilosophie
(Filosofia Jurídica) – obedeceu a uma mudança de orientação doutrinal da disciplina "Direito Natural" - Ius Naturae ou
Naturrecht, e, portanto, dos seus manuais e tratados, verificada na Alemanha a partir dos fins do século XVIII. Foi uma
evolução terminológica, que teve lugar na língua alemã - que nessa altura defendia ainda o latim como língua culta no calor
de importantes mudanças de pensamento filosófico. Sendo o ponto chave, o que ocorreu foi o advento e a generalização da
tese que negava que o direito natural fosse o verdadeiro direito, admitindo, porém, que o direito natural é outra coisa
(kantianos), mas negando pura e simplemente - também contra a postura kantiana - que existia o direito natural (Hugo,
Klein, Stephani, Thibaut e a Escola histórica). Transformado sustancialmente o substrato filosófico – e com ele, o modo de
entender a disciplina – os profesores e tratadistas do reconhecimento universitário do "Direito Natural" buscaram de
diversas formas mostrar a nova orientação da disciplina, mediante subtítulos e, finalmente, mudando a denominação, tanto
dos cursos que davam como dos tratados e manuais, terminando por se impôr o nome de "filosofia do direito".
O sistema de direito natural moderno era entendido como sendo deduzido pela razão (por isso o direito natural também
era chamado de lei racional ou lei da razão, o que se manifestava inclusive no título de algumas obras, como, por
exemplo, a de A.F. GLAFEY, Vollstandige Geschichte des Rechts der Vernunft - História Completa da Lei da Razão
(Leipzig 1739, reproduzida em 1965), da natureza do homem: direito natural, direitos e deveres naturais foram deduzidos
racionalmente, a partir dos princípios supremos inerentes ao traço fundamental da natureza humana, que segundo cada
escola ou autor constituía a base do sistema: a sociabilidade, a debilidade do homem no estado natural, a liberdade natural
(...) Dos três representantes da escola (jusnaturalista e racionalista) - Sammuel Pufendorf, Christian Thomasius e Christian
Wolff - foi este último, que levou ao extremo o racionalismo que lhes é comum, por uma série contínua de raciocínios. Kant
formou-se nessa concepção wolffiana (i.e., racionalista), e utilizou o livro de Achenwall, discípulo de Wolff, como manual
de explicações universitárias (...) Que esse direito natural foi entendido como o realmente existente e, portanto, vigente, não
há dúvida. Mas tal sistema, foi entendido como lei genuína? E a operação racional dedutiva, foi apreciada como verdadeira e
genuína jurisprudência? Tais questões não aparecem formuladas com tanta clareza nos autores, mas implicitamente - e em
certos aspectos de forma explícita - deram uma resposta. Há autores para quem a resposta afirmativa parece estar na forma
como tratam o direito natural. Mas não se deve esquecer que dois dos maiores representantes do direito natural moderno,
T. Hobbes e C. Thomasius, deram uma resposta negativa: o direito natural não é direito, mas moral. E com eles muitos
outros autores. Correlativamente, a scientia iuris naturalis não era entendida como jurisprudência, mas como filosofia
moral.
A conversão definitiva da jurisprudentia naturalis em filosofia deveu-se a Kant. Em 1783, quando o filósofo alemão ainda
não havia publicado os escritos em que desenvolveu a sua tese sobre o direito (Cf. KANT, I. Metafísica dos Costumes, I
Parte – Princípios Metafísicos da Doutrina do Direito,1797), um autor familiarizado com a filosofia transcendental ou
crítica, I.A.H. Ulrich, publicou um manual de direito natural, com o expressivo título de "Filosofia do Justo ou Direito
Social e Natural dos Povos" onde escreveu que “o direito natural é filosofia” (...) Como ocorreu essa conversão? Vimos
que C. Wolff – a partir do qual a filosofia Kant começou e que abandonou quando acordou de seu "sono dogmático" (i.e., a
crença na metafísica téorica como Ciência racional desprovida de elementos empíricos por ser resultado do operar da
Razão Pura, que Kant diz ser incompatível com os seres humanos) havia entendido o direito natural como um sistema de
deduções lógicas, obtidas pela razão, excluindo todos os elementos empíricos. Pois bem, na filosofia crítica de Kant tais
elementos racionais eram interpretados como puras formas a priori da razão prática, vazias de qualquer origem empírica: as
regras da lei natural foram substituídas por princípios a priori. O direito natural não era mais entendido como direito,
mas como formas e princípios de direito a priori (da razão prática no seu processo de autolegislação); o sistema de regras
e direitos naturais teve que ser substituído pelo estudo dessas formas e princípios: a ideia de lei, a ideia de justiça e os
princípios a priori da legislação. Correlativamente, o conhecimento do direito natural assim entendido não é
jurisprudência, mas filosofia.
(...) A isso devemos acrescentar que os sinais de positivismo jurídico encontrados em Hobbes e Thomasius, resultaram na
negação da lei natural - não aceita nem mesmo na forma transmutada da filosofia kantiana - em uma série de autores, dos
quais o primeiro foi Hugo. O que poderia ser a Naturrecht (direito natural) a partir dessa perspetiva positivista? A resposta
coincidiu nisso com a kantiana: filosofia do direito. E como se compreendeu que não há outro direito além do direito
positivo (direito processualmente criado pela lei humana, como sistema autopoiético como sublinha Gunter Teubner, em
Rechts Als Autopoitischs System - O Direito como Sistema Autopoiético, 1989), a filosofia do direito deveria ser a filosofia
do direito positivo, Philosophie des positiven Rechts; foi assim que Hugo chamou o seu tratado de direito natural, que
surgiu em 1799. Anos depois, A. F. J. Thibaut usou uma expressão semelhante: filosofia do direito positivo. Tal
denominação não teve sucesso, pois era então obsoleto na língua alemã (que só falava do direito natural), falar de direito
positivo (...) Assim, para os kantianos e positivistas - também para os autores da Escola Histórica – Naturrecht (direito
natural) era filosofia sobre o direito. Por isso, acrescentaram ao título de “Naturrecht”, que continuaram conservando seus
cursos universitários (Criação de Cátedras de Direito Natural, em Heidelberg, a partir de 1661) e manuais, algum adjetivo ou
um subtítulo, que mostrasse a nova orientação. Entre essas duas acabou prevalecendo: Philosophie des Rechts e
Rechtsphilosophie; ambas significam a mesma coisa: filosofia do direito ou filosofia jurídica A expressão Philosophie des
Rechts, sem alusão à Naturrecht (direito natural), apareceu em 1793 em documento oficial o título de uma obra,
Aphorismen zur Philosophie des Rechts (Aforismos Sobre a Filosofia do Direito), de W.T. Krug, editado em Iena, também
foi usado por Stahl (Die Philosophie des Rechts – A Filosofia do Direito, Tübingen, 1830), por G. W. Friedrich Hegel
(Naturrecht und Staatswissenschaft im Grundisse. Zum Gebrauchfür seine Vorlesungen. Grundlinien der Philosophie des
Rechts – Fundamentos de Direito Natural e Ciência Política do Estado. Princípios da Filosofia do Direito, Berlim, Junho
de 1820 – Cf. também Georg W. Friedrich HEGEL (1832). Über die Wissenschaftlichen Behandlungsarten des Naturrechts,
seine Stelle in der praktischen Philosophie und sein Verhiiltnis zu den positiven Rechtswissenschaften - Sobre As Maneiras
Científicas De Tratar o Direito Natural. Seu lugar na filosofia prática e sua relação com as Ciências Positivas do Direito).
Hegel também falou da ciência filosófica do direito (die Philosophische Rechtswissenschaft) e da ciência do direito (die
Rechtswissenschaft). A Filosofia do Direito foi ainda referida por alguns outros autores (CHR. WEISS, em Filosofia do
Direito (Leipzig 1804); K. CHR. F. KRAUSE, palestras sobre Direito Natural ou Filosofia do Direito e do Estado (Leipzig
1826); H. AHRENS, Direito Natural ou Filosofia Jurídica, 2 vols (Vienna 1850, 6ª ed., Wien, 1870, reprod. Aalen, 1968.
AHRENS usa o termo Rechtsphilosophie (Filosofia Jurídica), tanto no subtítulo do vol. 1, como ao longo da obra; mais
tarde é J. BINDER. Rechtsphilosophie (Berlim 1925, reprod. Aalen, 1967), quem estabelceu o uso do vocábulo
Rechtsphilosophie – Filosofia Jurídica, ao longo do livro), mas caiu em desuso, não sem alguma exceção moderna. O termo
que prevaleceu foi “Filosofia do Direito”; usado por SCHRNALZ, DROSTE-HÜLSHOFF, BAUMBACH, WARNKONIG,
MICHELET, KNAPP, LASSON, BERGBHORR e outros, denominados por generalização. Da Alemanha (Philosophie des
Rechts - Filosofia do Direito) passou para os restantes países com correspondentes denominações... - Philosophy of Law;
Philosophie du Droit; Filosofía del Derecho; Filosofia do Direito, etc”. In HERVADA, Javier. (2000 [1992]). Lecciones
Propedéuticas De Filosofía Del Derecho, 3ª ed., Ediciones Universidad De Navarra. S.A. Pamplona: EUNSA. Lição nº 2. Filosofia do
Direito, Origem e Formação da disciplina de Filosofia do Direito a partir do debate sobre a natureza do Direito, pp. 32- 40.

Questões para reflexão e discussão:


1) Explicite, em breves considerações, os pressupostos filosófico-jurídicos e o desenvolvimento da Filosofia do Direito.
2) O que significa o facto de T. Hobbes e C. Thomasius terem considerado que o direito natural (scientia iuris naturalis)
não é direito, mas sim moral (filosofia moral) e como isso se reflecte no atual debate contemporâneo de Filosofia do
Direito?
3) Indique os nomes dos principais autores e respectivas obras, que estão na génese da Filosofia do Direito.
4) Deve-se falar de “Filosofia Jurídica” ou “Filosofia do Direito”? Justifique a sua opinião.

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