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O Cânon das Escrituras (CIC 120-141)

Parte I

A catequese anterior tratou da inspiração da Sagrada Escritura. Na fé da Igreja, a inspiração e a canonicidade dos livros
são consideradas duas características inseparáveis, ainda que conceitualmente diferentes.

O termo "cânon" (em grego Kanon) significa cana para medir. Com o tempo, adquiriu também o significado de critério
de verdade de um enunciado, medida normativa, regra. No século IV, o significado da lista de livros bíblicos começou
a ser atribuído a esse termo. Portanto, livros normativos ou "canônicos" são diferenciados daqueles que não são.

Por livros canônicos entendemos o conjunto de livros do Antigo e do Novo Testamento reunidos pela Igreja porque,
escritos sob a ação do Espírito Santo, têm Deus como seu Autor e, portanto, são normativos para a fé.

A Igreja, a partir do século II, empreendeu um longo caminho de pesquisa, sob a orientação do Espírito, para identificar
a Palavra de Deus em sua forma escrita. O Concílio de Trento, em 1546, colocou o selo definitivo neste caminho.

Existem 73 livros da Sagrada Escritura, dos quais 46 do Antigo Testamento e 27 do Novo Testamento.

Livros rejeitados pela Igreja como não-canônicos são chamados de "apócrifos". O termo "apócrifo" indica uma coisa
oculta, e inicialmente designava aqueles livros que se destinavam ao uso privado dos seguidores de uma seita. Hoje
definimos como "apócrifos" todos aqueles textos que não estão incluídos na lista de livros sagrados da Bíblia
considerados inspirados e, portanto, não utilizados em nível doutrinal e litúrgico. Isso não significa que todos os livros
apócrifos sejam hereges: existem alguns livros apócrifos que não contradizem a doutrina da Igreja. No entanto, são
apenas os livros canônicos, justamente por serem considerados inspirados pela Igreja, que fazem parte da Revelação.

"Com a revelação divina, Deus quis manifestar e comunicar a si mesmo e os decretos eternos de sua vontade sobre a
salvação dos homens, isto é, torná-los participantes daqueles bens divinos que transcendem a compreensão da mente
humana" (DV 6).

O ANTIGO TESTAMENTO (CIC 121-123)

"O Antigo Testamento é uma parte ineliminável da Sagrada Escritura. Seus livros são divinamente inspirados e
conservam um valor perene, pois a Antiga Aliança nunca foi revogada” (CIC 121).

Através do Antigo Testamento temos a oportunidade de contemplar a ação de Deus na história da salvação. Embora
tudo esteja orientado para a vinda do Messias e, portanto, para o advento de Jesus Cristo, deve-se ter sempre em
mente que a história da salvação tem um caminho unitário cujas etapas devem ser percorridas pelos fiéis cristãos. É
Deus quem primeiro entra em cena, nas várias etapas da história, com sua palavra e sua obra para julgar e salvar, para
se revelar e conduzir a humanidade para a liberdade e a vida plena e perfeita. Ele já está em ação na história de Israel
para manifestar a si mesmo, seu amor, sua verdade e inaugurar seu Reino.

São 46 livros que compõem o Antigo Testamento e estão divididos em três partes: O Pentateuco, ou seja, a Torá
judaica (que ainda hoje é o coração das sinagogas) e os Livros Históricos; os Livros de Sabedoria e os Profetas.

O Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronómio) começa com a história da criação do mundo e do
homem, depois passa para a história primitiva da humanidade atravessada pelo pecado e os eventos do dilúvio
universal e a divisão do povos devido à Torre de Babel. Segue-se a história patriarcal com Abraão, Isaac e Jacob; e
depois a de José junto com os eventos que trouxeram a família de Jacó ao Egito. Até aqui o Gênesis.

O livro do Êxodo, como o próprio título diz, narra a saída dos judeus do Egito: é a libertação da escravidão e o
nascimento de um povo que tem uma relação especial com Deus.

Levítico é o livro que contém a legislação cultual de Israel, com as leis sobre sacrifícios, investidura de sacerdotes,
sobre pureza e o chamado código de santidade.

O livro de Números descreve o censo e a preparação do povo para a saída do Sinai para depois entrar na terra
prometida.
O quinto livro do Pentateuco, Deuteronómio, relata três grandes discursos de Moisés e conclui com as últimas
disposições de Moisés e a narração de sua morte.

Com os Livros Históricos (de 16 livros) temos uma longa narrativa histórica, que se estende por mais de um milênio
(conquista da terra prometida, sistema tribal de juízes, exílio, etc.). Deus se revela na história com seu emaranhado de
eventos. A Bíblia apresenta uma história contada por seu valor como sinal, uma história orientada e interpretada em
um sentido religioso.

Os livros sapienciais (Jó, Salmos, Provérbios, Qoelet, Cântico dos Cânticos, Sabedoria, Siraque) buscam a revelação
divina não tanto nos grandes eventos históricos, mas no cosmos, na sociedade, na vida cotidiana, na pessoa.

A última parte do Antigo Testamento consiste nos Profetas (4 profetas maiores e 12 profetas menores). Diferentes
figuras, com muitas facetas, mas todas unidas para serem testemunhas fiéis da palavra de Deus. Os profetas são figuras
fundamentais para sua tenção messiânica por uma ordem mais justa, um mundo iluminado por Deus e sua verdade e
marcado por sua justiça.

Esta breve excursão sobre os livros do Antigo Testamento pretende evidenciar a sua importância para a vida dos fiéis
cristãos. “A Igreja sempre rejeitou vigorosamente a ideia de rejeitar o Antigo Testamento sob o pretexto de que o
Novo o tornaria obsoleto (o marcionismo)” (CIC 123). O Antigo Testamento não pode ser reduzido a uma simples
preparação para o Novo: se fosse só assim, com a vinda do Messias, o Antigo Testamento não teria sentido. É verdade
que o Velho é uma preparação para o Novo, mas já é uma revelação que Deus faz de si mesmo, já conta uma história
de salvação. Por esta razão, mantém toda a sua importância e relevância.

“Os cristãos devem receber estes livros com devoção: neles se expressa um vivo sentido de Deus; eles contêm
ensinamentos sublimes sobre Deus, uma sabedoria que é salutar para a vida do homem e tesouros maravilhosos de
orações; enfim, neles está escondido o mistério da nossa salvação” (DV 15).

O Cânon das Escrituras (CIC 120-141)

Parte II

O NOVO TESTAMENTO (CIC 124-127)

Por Novo Testamento entendemos a coleção de livros inspirados e canônicos que nos falam de Jesus, Messias e Filho
de Deus, Redentor e Salvador dos homens, e nos apresentam o início do novo povo de Deus que se forma e cresce
através da obra dos seus enviados, os apóstolos. Eles tinham a missão de Jesus de pregar o Evangelho, não de escrever.
Muitos livros do Novo Testamento são escritos ocasionais, não no sentido de que foram escritos por acaso, mas no
sentido de que a ocasião próxima para tais escritos era uma necessidade prática imediata que precisava providenciar.

Os Apóstolos escreveram quando não puderam estar pessoalmente onde sua presença era necessária. Assim se
originam as cartas apostólicas. Os Evangelhos também foram escritos sob a pressão da necessidade prática. Os
Evangelhos nascem das memórias e pregações dos apóstolos, as testemunhas oculares que amadureceram sua fé em
Jesus vivendo com ele, vendo-o ressuscitar dos mortos e recebendo o Espírito Santo. De fato, no início, antes dos
escritos, havia a pregação apostólica. Os escritos na igreja apostólica eram de relativa importância enquanto os
apóstolos ainda viviam e pregavam. Foi a palavra viva dos apóstolos, a qualificação deles como testemunhas e
enviados que teve um papel fundamental na vida da Igreja. A importância de seus escritos, como dos escritos que
coletavam suas pregações sobre Jesus e suas memórias da vida vivida com o Mestre, cresceu ao longo do tempo, à
medida que os próprios apóstolos e seus colaboradores diretos desapareceram.

Os livros do Antigo Testamento contam fatos diversos, no Novo Testamento, porém, a história é única: o
acontecimento de Jesus.

Existem 27 livros que compõem o Novo Testamento. No centro do Novo Testamento estão os 4 Evangelhos (Marcos,
Mateus, Lucas e João) que constituem a narração da vida e dos ensinamentos de Jesus, mas em torno dos Evangelhos
foram formados outros escritos que visam confirmar o que diz respeito a Jesus, explicando sua doutrina, anunciando
sua salvação, narrando os primórdios da Igreja primitiva.
Os Atos dos Apóstolos contam a história das primeiras comunidades. As numerosas cartas - de Paulo, João, Tiago,
Pedro e Judas (Tadeu) - tratam dos problemas teológicos, morais e pastorais que surgem nas comunidades.
Finalmente, o Apocalipse quer ser, contrariamente à crença popular, uma mensagem de consolação para uma
comunidade cristã perseguida.

“Ao abrir o Santo Evangelho, pense que o que é dito ali - obras e palavras de Cristo - não deve apenas conhecê-lo, mas
também vivê-lo. Tudo, cada passagem relatada, foi coletada, particular por particular, para que o incorpore nas
circunstâncias concretas de tua existência.

O Senhor chamou a nós católicos para segui-lo de perto e, neste Texto Sagrado, encontrarás a Vida de Jesus; mas,
além disso, deve encontrar a tua própria vida lá.

Também tu aprenderás a perguntar, cheio de amor, como o Apóstolo: "Senhor, que queres que eu faça?". "A vontade
de Deus!" tu sentirás em tua alma de maneira perentória.

Toma, portanto, o Evangelho todos os dias, lê-o e vive-o como um guia concreto. Os santos assim o fizeram” (S.
Josemaria Escrivà, Forgia 754).

UNIDADE DO ANTIGO E DO NOVO TESTAMENTO (CCC 128-130)

O Novo Testamento, embora seu cumprimento, afirma a validade perene do Antigo Testamento. Basta pensar nas
muitas citações do Antigo Testamento presentes no Novo. O próprio Jesus cita as Escrituras. Mesmo São Paulo e os
primeiros cristãos quando falam de "Escrituras" referem-se ao Antigo Testamento.

Uma é a Palavra de Deus, uma é o plano de salvação de Deus e única é a inspiração divina de ambos os Testamentos.

"O Novo Testamento está oculto no Antigo e o Antigo se manifesta no Novo", assim se expressou Santo Agostinho
com aguda sabedoria sobre este tema. É importante, pois, que tanto na esfera pastoral como académica se destaque
claramente a íntima relação entre os dois Testamentos, recordando com São Gregório Magno que "o que o Antigo
Testamento prometia, o Novo Testamento fez ver; o que aquele anuncia de maneira oculta, este proclama
abertamente como presente. Portanto, o Antigo Testamento é uma profecia do Novo Testamento; e o melhor
comentário sobre o Antigo Testamento é o Novo Testamento” (Verbum Domini 41).

Para um cristão, o Antigo Testamento encontra sua plenitude no Novo; mas também é verdade que as páginas do
Antigo Testamento iluminam e explicam o Novo. No Antigo Testamento aprendemos a verdadeira pedagogia de Deus:
o cumprimento ocorreu com o advento de Cristo, mas ao mesmo tempo o cumprimento é um evento que continua a
acontecer. Os tempos e as situações mudam, mas o cristão sempre terá que conhecer e aprender a ação salvífica de
Deus que não muda. Nesse sentido, as histórias dos personagens do Antigo Testamento continuam a ser um exemplo
de como Deus atua na história dos homens e como eles responderam a sua chamada.

“Quando a Sagrada Escritura é lida com o mesmo Espírito com que foi escrita, permanece sempre nova. O Antigo
Testamento nunca é velho uma vez que faz parte do Novo, porque tudo é transformado pelo único Espírito que o
inspira. Todo o texto sagrado tem uma função profética: não diz respeito ao futuro, mas ao hoje daqueles que se
alimentam desta Palavra. O próprio Jesus afirma-o claramente no início do seu ministério: "Hoje se cumpriu esta
Escritura que ouvistes" (Lc 4,21) "(Aperuit Illis 12).

A SAGRADA ESCRITURA NA VIDA DA IGREJA (CIC 131-133)

"Quem lê o livro divino assume a lógica divina, fala a linguagem divina e adquire eficácia divina" (Giacomo Alberione,
Ler as Sagradas Escrituras p. 120).

A Igreja sempre venerou a Sagrada Escritura, o próprio coração da Liturgia, onde ela é proclamada e comentada. A
Bíblia é a alma do anúncio e da catequese, é alimento insubstituível para o progresso na vida espiritual. É também a
base da teologia, a raiz do vínculo com o judaísmo e um terreno privilegiado para o diálogo ecumênico entre os
cristãos.

Ao longo dos séculos, a Igreja sempre recomendou a leitura da Palavra de Deus, tanto através do Magistério como
com o exemplo resplandecente dos santos.
"A ignorância das Escrituras, de fato, é a ignorância de Cristo" diz Santo Agostinho.

Palavra de Deus e Corpo do Senhor são ambos alimento para o cristão. É a Palavra que se faz carne que guia os passos
de quem segue a Cristo e deseja viver segundo o seu plano de salvação.

É por isso que a Igreja, ao longo dos séculos, sempre prestou muita atenção às traduções da Bíblia, para garantir que
traduções adequadas e corretas nas várias línguas facilitem o acesso dos fiéis à Sagrada Escritura.

Também em nossos dias e nos escritos recentes do Magistério encontramos a solicitude pastoral dos Papas em
recomendar a leitura do Texto Sagrado: da Dei Verbum do Concílio Vaticano II, à Verbum Domini de Bento XVI, para
chegar a Papa Francisco que, com o Motu proprio Aperuit Illis, estabeleceu o Domingo da Palavra de Deus.

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