Você está na página 1de 16

1

O ESPAÇO ENQUANTO PRODUTO DO TRABALHO


(Texto em fase de revisão-atualização)

Emília Moreira1

A Geografia, durante muito tempo, foi permeada por uma multiplicidade de


concepções que conduziam inevitavelmente a uma indefinição do seu objeto de estudo2.
Na verdade, “(...) de todas as disciplinas sociais, a Geografia foi a que mais se atrasou
na definição do seu objeto e passou mesmo a negligenciar completamente esse
problema” (SANTOS, 1980, p.113 - 114). A preocupação com o espaço geográfico era
colocada num plano secundário (LIPIETZ, 1988). Hartshorne, influente geógrafo
americano, chegou mesmo a afirmar que “a Geografia deveria ser definida antes pelo
seu método próprio de aproximação ou de enfoque do que em termos de seu objeto3
(SANTOS, 1980, p.114).
Na obra “A Natureza do Espaço”, Milton Santos (1997a) chama a atenção para a
discussão levada a efeito sobre o significado de geografia uma vez que esta era
comumente efetuada para responder a indagação sobre o objeto de trabalho do geógrafo.
Para ele essa discussão por mais exaustiva que seja não substitui a que deve ser feita
sobre o objeto da geografia4 uma vez que o “corpus de uma disciplina é subordinado ao
objeto e não o contrário” (SANTOS, 1997a, p. 16). Isto não significa que se deva
minimizar a importância do método, bem ao contrário, uma vez que a discussão sobre o
objeto da geografia, o espaço, supõe necessariamente o domínio do método. Como bem
o diz Santos:

Falar em objeto sem falar em método pode ser apenas o anúncio de


um problema, sem, todavia, enunciá-lo. É indispensável uma
preocupação ontológica, um esforço interpretativo de dentro, o que
tanto contribui para identificar a natureza do espaço, como para
encontrar as categorias de estudo que permitam corretamente analisá-
lo. Essa tarefa supõe o encontro de conceitos, tirados da realidade,
fertilizados reciprocamente por sua associação obrigatória, e tornados
capazes de utilização sobre a realidade em movimento (1997a, p.16).

1 Professora da Pós-Graduação em Geografia da UFPB.


2 A Geografia Tradicional conviveu com uma gama de definições dentre as quais se destacam: a mais
usual, que consiste no estudo da superfície terrestre; o estudo morfológico e/ou fisiológico da paisagem; o
estudo da individualidade dos lugares; o estudo da relação entre sociedade e natureza, e; o estudo do
espaço. (MORAES, Antonio Carlos Robert, 1983).
3 Apesar da valorização do método, o espaço aparece de forma implícita na obra de Hatshorne no sentido
de área receptáculo que apenas contém coisas. Cf. Corrêa, 1995.
4 Apesar de criticar os geógrafos que se dedicaram muito mais à definição da geografia do que à de seu
objeto, Milton Santos chama a atenção para o que poderia até certo ponto justificar tal postura: o fato da
tarefa de definir o espaço ser “extremamente árdua” (SANTOS, 1980).
2

A verdade é que a geografia tradicional5 “privilegiou os conceitos de paisagem e


região, em torno dos quais se estabeleceu a discussão sobre o objeto da geografia e a sua
identidade no âmbito das demais ciências” (CORRÊA, 1995: p.17).
Em meados do século XX, durante a Guerra Fria, desenvolve-se na Inglaterra,
nos Estados Unidos e na Suécia – uma corrente do pensamento geográfico que, pautada
em métodos quantitativos, “encobria o compromisso ideológico de justificar a expansão
capitalista sem exprimir a essência da realidade social” (MOURA et al., 2008)6. Trata-
se da Geografia Quantitativa, também conhecida como Geografia Pragmática ou
Teorética. Nela o espaço é tratado como um conceito chave, porém atrelado a modelos
matemáticos, estatísticos e geométricos.
Assim, mesmo quando a discussão geográfica sobre o objeto da geografia
passou a priorizar a problemática espacial, ela revestiu-se de um certo número de
insuficiências explicativas que geraram deformações, imprecisões e equívocos no
tratamento da questão. O espaço foi concebido como um dado neutro, como uma
unidade autônoma e homogênea, como algo estático que detém a função de mero
suporte da ação social, isto é, como um palco onde se localizam e se desenvolvem as
atividades do homem. Nesse contexto, o espaço é humano apenas porque o homem o
habita; “o homem é um agente que modela o relevo e não um ser social que produz o
espaço à imagem e semelhança da sociedade da qual participa” (CARLOS, 1991: p.11).
Na verdade, estudar o espaço como uma unidade autônoma e homogênea, como
um suporte da ação do homem, implica necessariamente em omitir as relações que se
estabelecem entre os homens, em negar as diferenciações internas nelas existentes tais
como classes sociais e relações de dominação-subordinação, em excluir as diferentes
formas de produzir e em não reconhecer as questões ideológicas, culturais e políticas
que estão contidas no espaço. Implica também em desprovê-lo de sua dimensão
histórica, na medida em que a ação do homem é considerada como algo genérico,
desvinculada das condições concretas materiais de vida que são, como se sabe,
historicamente datadas.
Contrapondo-se a visão do espaço enquanto palco, enquanto algo exterior ao
homem, desenvolve-se, nos anos 70 do século XX, duas novas correntes no interior do
pensamento geográfico intituladas de Geografia Crítica e de Geografia Radical.

5 Denomina-se de geografia tradicional o conjunto de correntes do pensamento geográfico que


caracterizou esta ciência entre aproximadamente 1870, quando a geografia se institucionalizou nas
universidades europeias e a década de 1950, quando surge a geografia teorética-quantitativa.
6 Disponível em: http://www.ub.es/geocrit/b3w-786.htm. Texto em fase de revisão.
3

A Geografia Crítica nasce na França e desenvolve-se posteriormente na Europa


(Espanha, Itália, Alemanha, Suíça), na América Latina (Brasil e México), e em vários
outros países. Segundo Vesentini7, a expressão “Geografia crítica” na sua origem, foi
relacionada tanto à obra A Geografia - isso serve, em primeiro lugar, para fazer a
guerra, do geógrafo francês Yves Lacoste, publicada em 1976, como à proposta da
revista francesa Hérodote lançada no mesmo ano, cujo conteúdo inicial voltava-se tanto
para a geografia como para uma "geopolítica crítica" dando ênfase particular à
renovação do ensino de geografia.
A Geografia Crítica preocupa-se “com a criticidade do educando e não com o
‘arrolar fatos’ para que ele memorize” (VESENTINI, 1992: p. 22). Inspira-se no marxismo
e no anarquismo apoiando-se no próprio Marx e recuperando autores anarquistas como
Elisée Reclus e Piotr Kropotkin. Toma ainda como referência Michel Foucault, Claude
Lefort, Cornelius Castoriadis, André Gorz8, Henri Lefebvre entre outros. Como bem o diz
Vesentini, “ela se alimentou de muito do que já havia sido feito anteriormente, tanto por
parte de alguns poucos geógrafos quanto por outras correntes de pensamento que podem
ser classificadas como críticas”9. Os seus pressupostos básicos são a “criticidade” e o
engajamento político (VESENTINI, http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm.).
Por criticidade se entendia:

uma leitura do real - isto é, do espaço geográfico - que não omitisse as


suas tensões e contradições, que ajudasse enfim a esclarecer a
espacialidade das relações de poder e de dominação. E por
engajamento se pensava numa geografia não mais ‘neutra’ e sim
comprometida com a justiça social, com a correção das desigualdades
sócio-econômicas e das disparidades regionais. A produção geográfica
até então, dizia-se - embora admitindo exceções: Réclus, Kropotkin e
outros -- , sempre tivera uma pretensão à neutralidade e costumava
deixar de lado os problemas sociais (e até mesmo os ambientais na
medida em que, em grande parte, eles são sociais), alegando que ‘não
eram geográficos’ (VESENTINI,
http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm.)10.

7 Cf. VESENTINI, José William. O que é Geografia Crítica? In Geocrítica – Geopolítica, Ensino da
Geografia. Disponível em: http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm
8 André Gorz nasceu em Viena, em 1923, com o nome de Gerard Hirsch. Era um pensador da ecologia política
e do anticapitalismo. Publicou vários livros, alguns traduzidos para o português como "Misérias do presente,
riqueza do possível" (2004); "Crítica da divisão do Trabalho"(coletivo), 2001; "O Imaterial: Conhecimento,
Valor e Capital" (2005)..
9 Cf. VESENTINI, José William. O que é Geografia Crítica? In Geocrítica – Geopolítica Ensino da
Geografia. Disponível em: http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm
10 Cf. VESENTINI, José William. O que é Geografia Crítica? In Geocrítica – Geopolítica Ensino da
Geografia. Disponível em: http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm.
4

Essa nova forma de pensar e fazer geografia não surgiu sem porquê. Ela surge
como resultado de um momento histórico, social e político internacional marcado por
fatos que geraram a revisão de idéias e de valores da sociedade capitalista através da
revelação das contradições e conflitos nela existentes. Merece destaque:
a) os acontecimentos de maio-junho de 1968 na França através das
manifestações estudantis e a sua reprodução na Alemanha, em Berlim Ocidental, em
Varsóvia e em Berkeley nos Estados Unidos, que deram origem a Internacional
Estudantil. Esse Movimento assumiu a forma de renovação cultural e de negação do
poder, inspirado em pensadores antiautoritários como Marcuse11, fez ressurgir o desejo
de ‘revolução sexual’ com a retomada das obras de William Reich e questionou o
marxismo ortodoxo em nome do pensamento libertário (MATOS,1981)12. Contou com
o apoio da sociedade e da classe operária através dos seus sindicatos. Os acontecimentos
de maio de 68 são vistos como o catalisador de mudanças profundas na sociedade
francesa;
b) as lutas civis nos Estados Unidos com destaque para a luta dos negros
contra a discriminação racial;
c) as contestações contra a guerra do Vietnã;
d) a eclosão e a expansão do movimento feminista, do ecologismo e do
movimento hippie;
e) a crise do marxismo;
f) os movimentos por independência nos países subdesenvolvidos.

Desde o seu nascedouro, a Geografia crítica encetou um diálogo com


a Teoria crítica (isto é, com os pensadores da Escola de Frankfurt)13,

11 O livro An Essay on Libertation, escrito por Marcuse e publicado pela Editora Beacon Press antes de
maio de 1968, “contém todo éthos do Movimento: o questionamento da ‘tolerôncia repressiva’ das
sociedades modernas, a integração acrítica do proletariado à sociedade unidimensional, a ‘grande recusa’
da juventude e a ‘nova sensibilidade’ ética, estética e política de que é portadora” (MATOS,1981: p. 103).
12 Algumas obras sobre o Movimento Estudantil de Maio de 1968 merecem ser lidas. Destacamos aqui
duas delas publicadas por Alain Touraine através da Editora Seuil, quais sejam, Le Mouvement de Mai ou
le Comunisme Utopique e Combats Etudiants dans le Monde e a obra intitulada Mai 1968 – La Breche,
escrito por Edgard Morin, Claude Lefort e J.M. Coudray.
13 O que se designa de Escola de Frankfurt é uma corrente de pensamento que surgiu a partir da ideia de
criação de um Instituto de Pesquisas Sociais (IPS) de vertente marxista, desenvolvida por um filho de um
milionário judeu, Félix Weil e um intelectual que acreditava ser a ciência o elemento fundante da
supressão da miséria e da opressão, Kurt Albert Gerlach. O projeto foi financiado pelo pai de Weil e
pensado inicialmente, do ponto de vista teórico e político pelo professor socialista Robert Wilbrandt. O
IPS foi criado em Frankfurt, em 3 de fevereiro de 1923 e inaugurado no campus da Universidade de
Frankfurt, em 22 de junho de 1924. Seu primeiro diretor, Carl Grünberg, era um professor marxista que
objetivava um instituto com “vocação especialmente assumida” para a pesquisa e que tinha um objetivo
revolucionário baseado em uma concepção materialista da história, com ênfase nos discursos voltados
para um socialismo científico. Horkheimer substituiu Grünberg em 1927 e formulou o que posteriormente
5

com o anarquismo (Réclus, Kropotkin), com Michel Foucault, com


Marx e os marxismos (em particular os não dogmáticos, tal como
Gramsci, que foi um dos raros marxistas a valorizar a questão
territorial), com os pós-modernistas e inúmeras outras escolas de
pensamento inovadoras. Mas ela principalmente representou uma
abertura para -- e um entrelaçamento com -- os movimentos sociais: a
luta pela ampliação dos direitos civis e principalmente sociais, pela
moradia, pelo acesso à terra ou à educação de boa qualidade, pelo
combate à pobreza, aos preconceitos de gênero, de cultura/etnia e de
orientação sexual, etc.
(VESENTINI, http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm)14

Quase que simultaneamente, surge nos Estados Unidos e na Inglaterra um


movimento de geógrafos anglo-saxões, contrários aos excessos do quantitativismo
implantado na geografia nos anos 60 e primeira metade dos anos 70 do século XX pela
Geografia pragmática ou teorética. Esse movimento deu origem ao que se costumou
denominar de Geografia Radical. Os seguidores dessa corrente também criticam a
pretensa neutralidade da Geografia tradicional e principalmente, “o comprometimento
implícito da Geografia pragmática com o poder instituído, com o Estado capitalista e
com as grandes empresas”. (VESENTINI,
http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm)15. Seus autores, da mesma forma que os
geógrafos críticos, assumem o conteúdo político do conhecimento científico, propondo
uma geografia militante, que lute por uma sociedade mais justa. “A Geografia radical
também buscou subsídio nos movimentos populares e sociais nas correntes radicais de
pensamento, em especial o marxismo” (VESENTINI,
http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm) 16. Ao contrário da Geografia Crítica que
se desenvolveu de forma mais aberta e plural entrelaçando-se com outras correntes de

seria denominada de Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Para ele o ponto de referência para a Teoria
Crítica da Sociedade era o materialismo representado pela análise social marxista, mas também um
materialismo que, ao ser capaz de diagnosticar tendências sociais contemporâneas, fosse desenvolvido
sem dogmatismo na aplicação do marxismo, assim como sem a fragmentação das disciplinas
especializadas, introduzindo assim a ideia de pesquisa interdisciplinar. A divulgação das pesquisas do
Instituto eram publicadas na Revista de Pesquisa Social, um dos documentos mais importantes para a
compreensão do espírito europeu do início do século XX. Entre os principais membros do IPS pode-se
citar: Herbert Marcuse, Erich Fromm, Siegfried Kracauer, Leo Löwenthal, além daqueles mais
proeminentes como: Walter Benjamin, Theodor Wiesengrund-Adorno e Max Horkheimer, aos quais se
pode ligar o pensamento de Jürgen Habermas. Esses autores formaram um grupo mais coeso e em suas
obras encontra-se um pensamento dotado de maior unidade teórica. Leia-se a respeito, entre outros:
ANTUNES, 2012; SCHOLEM, G, 1972; SCHMIDT, A. e RUSCONI, G. E., 1972; SLATHER, Phil,
1978.
14 Cf. VESENTINI, José William. O que é Geografia Crítica? In Geocrítica – Geopolítica Ensino da
Geografia. Disponível em: http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm.
15 Cf. VESENTINI, José William. O que é Geografia Crítica? In Geocrítica – Geopolítica Ensino da
Geografia. Disponível em: http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm.
16 Cf. VESENTINI, José William. O que é Geografia Crítica? In Geocrítica – Geopolítica Ensino da
Geografia. Disponível em: http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm
6

pensamento, a geografia radical fundamentou-se no pensamento marxista ortodoxo - o


marxismo-leninismo e não se preocupou com o ensino.

(...) a Geografia crítica sempre insistiu na renovação escolar, na crítica


à escola e à geografia tradicionais, na necessidade de um novo ensino
voltado para desenvolver no educando a criticidade, a inteligência no
sentido amplo do termo (ao invés de mera capacidade de
memorização) e, no final das contas, o senso de cidadania plena. Já a
Geografia radical -- talvez pelo fato de que a disciplina geografia foi
excluída do currículo escolar das escolas fundamentais e médias dos
Estados Unidos durante mais de três décadas (nos anos 1990 ela
voltou, inclusive revalorizada) -- pouco se preocupou com o ensino. O
seu grande adversário -- e portanto, o alvo a ser atingido -- era a
Geografia pragmática e não o tradicionalismo nas escolas
fundamentais e médias e, por tabela, no ensino universitário
(VESENTINI, http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm)17.
Na atualidade fala-se na existência de “geografias críticas” e “geografias
radicais” ou apenas em “Geografia Crítica”18.
O ponto comum da Geografia Crítica e da Geografia Radical é a concepção de
espaço. Os geógrafos partidários dessas correntes do pensamento concebem o espaço
geográfico como um produto social, um espaço social, “constituído de momentos, de
totalidades mais ou menos abrangentes que se articulam com a totalidade global, infinita”
(SILVA, 1989: p.19).
No Brasil, um dos maiores expoentes da corrente crítica do pensamento
geográfico é o geógrafo Milton Santos o qual, inspirado em Lefèbvre, aprofunda a
discussão sobre a concepção de espaço enquanto espaço social. Na obra “Por uma
Geografia Nova” tomando Henry Léfèbvre como referência, ele estabelece a discussão
entre espaço natural e espaço social.
O espaço natural seria a natureza primeira, a natureza mãe que “cria obras” com
individualidade própria, pertencentes a um determinado gênero e a diferentes espécies,
porém que não necessitam de trabalho para sua criação (SANTOS, 1980: p.88). Sobre
essa concepção de espaço natural assim se exprime Léfèbvre:

A natureza produz? O sentido inicial da palavra produzir é conduzir e


levar adiante, brotar da profundeza. No entanto, a natureza não
trabalha, este é um traço que a caracteriza: ela cria. E o que ela cria
são seres distintos, que surgem, aparecem. Ela os ignora (se não se
supõe, na natureza, um deus calculador, uma providência). Uma
árvore, uma flor, um fruto não são ‘produtos’ mesmo num jardim. A

17 Cf. VESENTINI, José William. O que é Geografia Crítica? In Geocrítica – Geopolítica Ensino da
Geografia. Disponível em: http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm.
18 Entendo que falar de “Geografia Crítica” satisfaz plenamente à necessidade de uma Geografia
comprometida socialmente e que abriga várias teorias críticas ou a teoria crítica no seu conjunto.
7

rosa é sem porquê, ela floresce porque ela floresce. (...) Ela não sabe
que é bela que tem odor que apresenta uma simetria de ordem etc. (...)
A natureza não pode atuar com a mesma finalidade do ser humano. O
que ela cria, estes seres, são obras: elas possuem qualquer coisa de
único mesmo que pertençam a um mesmo gênero e a várias espécies:
esta árvore, esta rosa, este cavalo. A natureza se apresenta como o
vasto terreno dos nascimentos. As coisas nascem, crescem,
amadurecem, envelhecem e morrem. Um infinito se esconde sobre
esses termos. A natureza se mostra violenta, generosa, avara,
abundante, sempre aberta. O espaço-natureza não é o espaço de uma
representação. Por quê? Não há porquê. (LEBFÈVRE, 1981: p.85-86)
(tradução nossa).
Para Milton Santos (1980), esse espaço natural só teria existido até o momento
anterior aquele em que o homem se transforma em homem social, através da produção
social. A partir desse momento, tudo o que se considera como natureza primeira já teria
sido transformado numa segunda natureza, isto é, no espaço social ou geográfico. Deste
modo, o espaço social seria aquele criado pelo trabalho humano como natureza segunda,
natureza transformada, natureza social ou socializada (SANTOS, 1980: p.163).

A natureza social do espaço geográfico decorre do fato simples de que


os homens têm fome, sede, frio, necessidades de ordem física
decorrentes de pertencer o homem ao reino animal, ponte de sua
dimensão cósmica. No entanto, à diferença do animal, o homem
consegue os bens de que necessita intervindo na primeira natureza,
transformando-a. Transformando o meio natural, o homem
transforma-se a si mesmo. Ora, como a obra de transformação do
meio é uma realização necessariamente dependente do trabalho
social (a ação organizada da coletividade dos homens), é o trabalho
social o agente de mutação do homem, de um ser animal para um ser
social, combinando estes dois momentos em todo o decorrer da
história humana. (MOREIRA, Ruy 1982: p.42).
Para Ruy Moreira (1982), apesar da primeira natureza não ser o espaço
geográfico, não há, no entanto, espaço geográfico sem ela. Ele ainda acrescenta que de
todos os objetos existentes num arranjo espacial, os de ordem natural são os únicos que
não derivam do trabalho social, que a primeira natureza somente é incorporada ao
espaço geográfico quando absorvida pelo processo da história, daí decorrendo que sua
importância geográfica resulta, sobretudo, do fato de situar-se no próprio âmago da
natureza social do espaço, sendo este âmago o trabalho social. A natureza primeira ou o
espaço natural constitui, portanto, a matéria-prima que através do trabalho será
transformada dando origem ao espaço geográfico.

Interessa a este ensaio revelar, através de uma linguagem acessível aos alunos do
ensino médio e da graduação em geografia, aos jovens das áreas de assentamento e aos
militantes dos movimentos sociais a concepção de espaço social que é utilizada por
8

geógrafos, filósofos e especialistas de áreas afins. Para tanto parte-se da seguinte


questão: se a natureza primeira ou o espaço natural constitui a matéria-prima que
através do trabalho será transformada dando origem ao espaço geográfico, o que é
trabalho? O que se entende por processo de trabalho?

O ESPAÇO COMO PRODUTO DO TRABALHO


Sabe-se que, para atender suas necessidades e garantir sua sobrevivência, os
seres vivos que compõem o meio ambiente apropriam-se e submetem a natureza.

As espécies vegetais absorvem minerais, umidade e luz solar; os


animais se alimentam das espécies vegetais e também de outros
animais; mas apoderar-se desses materiais (...), tais como são, não é
trabalho. O trabalho é uma atividade que transforma ou altera o estado
natural dos materiais (...) para melhorar sua utilidade. Assim, a
espécie humana partilha com as demais espécies a atividade de atuar
sobre a natureza, no entanto a faz de modo a transformá-la para
melhor satisfazer suas necessidades oriundas da condição humana.
(SIVIERI, 1995: p.80).
Para Marx,
(...) o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um
processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e
controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta
com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento
as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas,
cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma
útil para sua própria vida (MARX, 1988: p.142).
Nesse esforço de transformar a Natureza o homem também se transforma, seja
pelo desenvolvimento/enfraquecimento do seu corpo, seja pela ampliação/embutimento
de conhecimentos.
Vale lembrar que, ao produzir valores de uso, o homem distingue-se, por
exemplo, das abelhas e das aranhas. É que no caso do homem, a subordinação da
natureza não é um ato fortuito.

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão e a abelha


envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos
e de suas colméias. Mas o que distingue de antemão o pior arquiteto
da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de
construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um
resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador
e, portanto, idealmente (MARX, 1988:p. 142-143).
Ao produzir valores de uso, portanto, o homem modifica a Natureza segundo um
projeto que ele, previamente, tinha estabelecido na sua mente.
É o trabalho que dá vida aos meios de produção, retirando-os de sua inércia,
transformando-os em algo útil. Nesse sentido, o trabalho consome os meios de
9

produção. É também através do trabalho que o homem coloca em ação a sua força-de-
trabalho, isto é, o conjunto das suas faculdades físicas e mentais que ele utiliza para
produzir valores de uso.
O trabalho é, portanto, um elemento essencial do processo de trabalho. Este é
entendido como a atividade humana “que transforma um objeto determinado em um
produto determinado, transformação efetuada por uma atividade humana determinada,
utilizando instrumentos de trabalho determinados” (HARNECKER, 1973: p.28). O
processo de trabalho implica, conseqüentemente, numa relação, mediatizada pelos
instrumentos de trabalho, entre o homem e a natureza e entre os homens e os próprios
homens que tem como resultado a produção de um espaço específico, o espaço de vida
das sociedades humanas. Como afirma Milton Santos:

Não há produção que não seja produção do espaço, não há produção


do espaço que se dê sem o trabalho. Viver, para o homem, é produzir
espaço. Como o homem não vive sem trabalho, o processo de vida é
um processo de criação do espaço geográfico. A forma de vida do
homem é o processo de criação do espaço. (SANTOS, 1996: p. 88).
(...) Produzir e produzir espaço são dois atos indissociáveis. (...) O ato
de produzir é, ao mesmo tempo, o ato de produzir espaço (SANTOS,
1996: p. 163).
Visto por este prisma, o processo de produção do espaço acha-se
intrinsecamente relacionado ao modo através do qual os homens produzem as condições
materiais e culturais necessárias à sua existência. Desse modo, cada espaço assume os
caracteres do modo de produção que lhe deu origem.
O modo de produzir as condições materiais de vida mantém estreita relação com
as formas de organização social, política, religiosa e intelectual. A produção dessas
condições materiais constitui a infra-estrutura ou nível econômico da sociedade. Além
do nível econômico, todo modo de produção comporta um nível político-jurídico e
um nível ideológico. O primeiro compreende o conjunto das leis e das formas de
organização do poder e o segundo, um conjunto de crenças e valores que
consubstanciam as formas de coesão social. Os níveis político-jurídico e ideológico
formam a superestrutura da sociedade.
A infraestrutura está intimamente relacionada com a superestrutura,
determinando-a e, ao mesmo tempo, sendo por aquela determinada. Assim, ao se
afirmar que o modo de produzir gera e formata o espaço geográfico leva-se em
consideração que não apenas os aspectos econômicos desempenham um papel
fundamental nesse processo, mas também que os aspectos sociais, políticos e culturais
10

do modo de produção deixam, sem dúvida, a sua marca no espaço. Vale dizer, o espaço
produzido é o resultado das relações dialéticas entre as diversas instâncias da
organização do modo de produção que comportam as condições técnico-materiais e a
sua contextualização política, jurídica e ideológica.

O espaço também mantém uma estreita relação com a formação econômico-


social, aqui entendida como uma combinação concreta de modos de produção,
organizados sob a dominância de um deles.

Ruy Moreira (1982) ao abordar a relação entre espaço geográfico e formação


econômico-social afirma que a segunda natureza, isto é, o espaço físico incorporado ao
processo de gênese e desenvolvimento de uma determinada formação econômico-social,
nada mais é do que a própria formação econômico-social. Em outras palavras, o
processo formador do espaço geográfico seria para ele, o mesmo da formação
econômico social.

Santos (1977), por sua vez chega a afirmar, que não é possível conceber uma
determinada formação sócio-econômica sem se recorrer ao espaço e que modo de
produção, formação sócio-econômica e espaço são categorias interdependentes.

Derivado do conceito de formação sócio-econômica, ele estabelece o conceito


de formação sócio-espacial ou, simplesmente, formação espacial. Corrêa (1995, p.27),
considera que o mérito do conceito de formação espacial “reside no fato de se explicitar
teoricamente que uma sociedade só se torna concreta através de seu espaço, do espaço
que ela produz e, por outro lado, o espaço só é inteligível através da sociedade”. Para
ele, não tem sentido falar em sociedade e espaço como se fossem duas realidades
independentes que se reuniriam num dado momento, “a posteriori”, mas sim em
formação sócio-espacial a qual é considerada como uma “meta-conceito, um
paradigma, que contém e está contida nos conceitos-chave de natureza operativa, de
paisagem, região, espaço (organização espacial), lugar e território” (1995: p.27).

Do exposto conclui-se que ao se confundir com a formação econômico-social,


a formação espacial contém sua estrutura e nela está contida, numa
relação dialética que nos permite, através do conhecimento da
estrutura e movimentos da formação espacial, conhecer a estrutura e
os movimentos da formação econômico-social, e vice-versa.
(MOREIRA, 1982: p.36).
Seguindo a mesma linha de pensamento, torna-se fácil demonstrar
concretamente, através dos “arranjos espaciais”, aqui entendidos como objetos técnicos
11

e culturais, a fusão do espaço com as instâncias que compõem a estrutura da formação


econômico-social a exemplo da fábrica (instância econômica), do tribunal (instância
jurídico-política) e da Igreja (instância ideológica).

Fica evidente, portanto, que tais elementos do arranjo espacial não se


encontram soltos no espaço, pois inserem-se numa lógica de arranjo
espacial que reproduz a própria lógica do modo de produção a que
pertencem. Uma fábrica moderna, por exemplo, jamais seria um
objeto espacial encontrado na paisagem de uma formação econômico-
social feudal. Mas se pode ser encontrado na paisagem tanto de uma
formação econômico social capitalista, quanto na de uma formação
econômico-social socialista, em cada qual tem um significado próprio,
significado que só pode ser apreendido quando visto no interior da
totalidade social de que faz parte. Desligado de sua totalidade social,
um objeto espacial, e, por extensão, um arranjo espacial, perde
completamente sua expressão e seu valor analítico de uma formação
espacial ou uma formação econômico-social (MOREIRA, 1982: p.37).
Outro aspecto a ser considerado é a dimensão histórica do espaço social.
Entendendo-se que o espaço produzido é o resultado das relações dialéticas entre as
diversas instâncias da organização do modo de produção (e conseqüentemente da
formação econômico-social), como todo modo de produção se transforma na medida em
que evoluem e se transformam as forças produtivas, o espaço fruto desse processo, se
reorganiza para produzir as novas formas de produção e as novas relações produtivas
que se estabelecem num momento histórico.

Não sendo o momento histórico linear, mas encerrando contradições,


o espaço que o exprime condensa o modo de produção daquele tempo
determinado ou nos seus vários momentos, ou condensa ainda modos
de produção (processos produtivos) anteriores. (GODOY, Rosa. 1985:
p.49).
Daí Milton Santos afirmar que o espaço é um “testemunho”, na medida em que
ele presencia e capta um momento de um modo de produção, através da “memória do
espaço construído, das coisas fixadas na paisagem criada” (SANTOS, 1980 p.138). Em
outras palavras, ao se organizar, o espaço, reproduzindo as características do modo de
produção que lhe originou, origina formas espaciais que se inscrevem na paisagem e
refletem as relações técnicas e sociais de produção que comandaram um determinado
momento da produção humana. Algumas dessas formas não desaparecem com a
evolução e a transformação que se processa nos modos de produção, e,
conseqüentemente, na organização do espaço. Como bem o diz Milton Santos,

o modo de produção que, por intermédio de suas determinações (em


um mesmo lugar, pode-se ter ao mesmo tempo, determinações
diferentes), cria formas espaciais fixas, pode desaparecer – e isto é
12

freqüente – sem que tais formas fixas desapareçam. O momento se


cristaliza em memória como diria Lefebvre (1958 p.345) e, para
repetir Morgenstern, é como a memória de um presente que foi.
(1980: p.3).
A título de exemplo, basta observar na Europa as marcas do feudalismo (castelos
fortificados e habitações de servos) que resistiram ao tempo e que convivem com as
marcas espaciais impressas na paisagem moderna, construída pelo modo de produção
capitalista nas suas mais diversas etapas de desenvolvimento19. Na Paraíba, o centro
histórico da cidade de João Pessoa, as ruínas dos engenhos da várzea do rio Paraíba,
entre outros, também constituem marcas de um modo de produção anterior, denominado
por Gorender (1987; 1988) de “escravista colonial”, que resistiram ao tempo e que
convivem com formas e marcas espaciais construídas ao longo do desenvolvimento do
modo de produção capitalista ali instalado.
Com base no exposto entende-se que o espaço geográfico, enquanto espaço
produzido é um produto histórico.
A respeito da interação entre história e espaço, Hildebert Isnard afirma:

a história começa no momento em que o homem adquire a


possibilidade de se liberar da ordem estabelecida pela natureza. E com
ela começa também a organização do espaço geográfico. (...). Com a
realização dos seus projetos, concebidos para escapar a ordem natural
das coisas, as sociedades se engajam na história e na construção do
seu espaço. (...) Assim, a história se projeta sobre o espaço, o marca
com suas contribuições sucessivas: o espaço tem portanto
historicidade e torna-se uma dimensão da história. (ISNARD, 1978:
p.70-71) (tradução nossa).
Nesse sentido, como ressalta Rosa Godoy,

A relação espaço-tempo (processo histórico) resulta, pois, em que


cada período da história – periodicidade configurada a partir do modo
de produção que estrutura a sociedade- produza um espaço específico,
expressão da sociedade que o organiza. (1985: p.49).
Assim sendo, nas sociedades estruturadas no modo de produção capitalista, o
espaço irá reproduzir a dinâmica deste modo de produção. Isto quer dizer que se o
processo de produção capitalista acha-se subordinado as necessidades de obtenção de
lucro, o modo como se organiza e se transforma o espaço dependerá, em última
instância, da lei do lucro. Vale sublinhar que, com isto, não se está desconsiderando o

19 A paisagem é aqui entendida segundo Santos (1996) como o domínio do visível, o que é alcançado
pela visão do observador, formada de volumes, movimentos, cores, odores, sons; é criada por acréscimos,
substituições, herança de muitos momentos já passados. Em suma “é o conjunto de formas heterogêneas,
de idades diferentes, pedaços de tempos históricos representativos das diversas maneiras de produzir as
coisas, de construir o espaço” (SANTOS, 1996, p. 68).
13

papel desempenhado pelo meio físico na organização espacial20. Porém ele é


considerado, como já foi anteriormente colocado, “a matéria-prima a partir da qual o
espaço é produzido”. A importância que ele assume é inversamente proporcional ao
desenvolvimento das forças produtivas. Quanto maior o desenvolvimento das forças
produtivas, menor será a dependência dos condicionantes naturais.

Ontem o homem escolhia em torno, naquele seu quinhão de natureza,


o que lhe podia ser útil para a renovação de sua vida: espécies animais
e vegetais, pedras, árvores, florestas, rios, feições geológicas. Esse
pedaço de mundo é, da Natureza toda de que ele pode dispor, seu
subsistema útil, seu quadro vital. (...) A história do homem é a história
de uma ruptura progressiva entre o homem e o entorno. Esse processo se
acelera quando, praticamente ao mesmo tempo, o homem se descobre
como indivíduo e inicia a mecanização do Planeta, armando-se de
novos instrumentos para tentar dominá-lo. A natureza artificializada
marca uma grande mudança na história humana da natureza. Hoje,
com a tecnociência, alcançamos o estágio supremo dessa evolução.
(...) O homem se torna fator geológico, geomorfológico, climático e a
grande mudança vem do fato de que os cataclismos naturais são um
incidente, um momento, enquanto hoje a ação antrópica tem efeitos
continuados e cumulativos, graças ao modelo de vida adotado pela
Humanidade (SANTOS, 1997: p.16-17).
Desse modo, conforme os recursos técnicos disponíveis, as sociedades
transformam a natureza original dos seus territórios, submetendo-as às suas
necessidades.

(...) a vegetação é inteiramente modificada, os rios são represados ou


desviados de seu curso original, os morros e colinas aplainados, os
solos corrigidos e até o clima de certas áreas se altera em razão dos
desmatamentos, da construção de grandes lagos artificiais, da poluição
do ar e do asfaltamento de ruas e avenidas. A própria localização de
uma área ganha novo significado, pois também as distâncias têm
agora um sentido relativo: com o desenvolvimento dos transportes e
das comunicações pode-se ir rapidamente de um ponto a outro do
globo terrestre ou, em segundos, estabelecer contato com alguém
distante milhares de quilômetros. (VESENTINI, 1991: p.7).
Se levarmos em conta que nas sociedades estruturadas no modo de produção
capitalista, o espaço acha-se antes de tudo subordinado as necessidades de acumulação
de capital (produção de mais-valia) e que este processo de acumulação é desigual (ele se
dá de forma diferenciada quer entre setores da atividade, quer entre as diversas regiões
do mesmo país), concluiremos que o espaço, enquanto produto das necessidades de
acumulação, sofre as diferenciações decorrentes desse processo. Pode-se mesmo afirmar

20 Não se pretende tampouco omitir que o meio físico, isto é, a natureza, possui vida própria e
compreende uma dinâmica intrínseca que necessita ser estudada para ser melhor compreendida.
14

que a cada forma assumida pelo processo de acumulação, corresponde uma forma
regionalmente diferenciada de organização espacial.
Não se pode esquecer também o caráter de classe e as diferentes formas de poder
que fundamentam as sociedades capitalistas. Considerando-se que cada sociedade se
reproduz no espaço por ela criado e que cada espaço reproduz o tipo de sociedade que
lhe dá origem, tem-se que, numa sociedade de classes, como a que caracteriza o modo
de produção capitalista, o espaço por ela gerado se organiza segundo a estrutura de
classes. Para Ruy Moreira (1982: p.123), “são as relações de classes de dada fração do
território que orientam a dialética do espaço do lugar”. Segundo aquele autor, “é este
exatamente o nexo que funde o espaço e sociedade tornando-os uma mesma totalidade
social” (MOREIRA, Ruy: 1980: p.123). O poder nessas sociedades é estabelecido pela
aliança histórica entre a classe dominante e o estado. Legitimado pelas leis que, em
última instância, regem a organização espacial, o poder instituído garante a existência
de uma sociedade de classes e perpetua a dominação de uma minoria sobre a maioria da
população.
Muitos outros aspectos relativos ao espaço concebido como produto social, isto
é, como produto do trabalho, podem ser abordados. Não pretendemos neste texto
recuperar toda a discussão vigente, mas apenas fornecer um pequeno aporte para a
discussão sobre o tema, visando contribuir para o desenvolvimento de uma Geografia
mais comprometida com a realidade social. Neste sentido procura-se demonstrar que o
espaço produzido socialmente constitui “o resultado da ação dos homens sobre o
próprio espaço, intermediados pelos objetos, naturais e artificiais” (SANTOS, 1996:
p.71). Enquanto tal, não é algo dado e acabado, mas algo dinâmico, determinado
historicamente, um produto da ação do homem sobre a natureza e das relações que se
estabelecem entre os homens através do processo de trabalho ao longo do tempo
histórico.

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Manuel Correia de. Uma Geografia para o século XXI. Recife: Cia.
Editora de Pernambuco, 1993.
____________ Geografia, Ciência da Sociedade. São Paulo, Ed. Atlas, 1987.
ANTUNES, Deborah Christina. Por um conhecimento sincero no mundo falso:
15

Teoria Crítica, Pesquisa Social Empírica e The Authoritarian Personality. São Carlos,
Tese, UFSCar, 2012.
BOTTOMORE, T. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1988.
CARLOS, Ana Fani A. Espaço e Indústria. São Paulo: Contexto, 1991.
CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. São Paulo: Ed. Ática, 1986.
_____________ O Espaço Urbano. São Paulo: Ed. Ática, 1989.
_____________ “Espaço, um conceito chave da geografia”. In: CASTRO, Iná Elias de,
GOMES, Paulo Cesar da Costa, CORRÊA, Roberto Lobato (org.). Geografia: conceitos
e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
____________ Região e Organização espacial. São Paulo: Ed. Ática, 1987.
GODOY, Rosa. O Regionalismo nordestino. São Paulo: Ed. Moderna. 1985.
GORENDER, Jacob. Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro.
Porto Alegre, Mercado Aberto, 1987.
__________ O escravismo colonial. São Paulo, Ática, 1988.
GORZ, André. Misérias do Presente, Riqueza do Possível. Trad. Ana Montoia. São
Paulo: Annablume, 2004.
__________ Critica da Divisão do Trabalho (coletivo). Trad. Estela dos Santos Abreu.
São Paulo: Martins Fontes, 2001.
HARNECKER, M. Os conceitos elementares do materialismo histórico. São Paulo:
Global Editora, 1983.
ISNARD, Hildebert. L’espace Géographique. Paris: PUF. 1978.
LEFEBVRE, Henry. La production de l’espace. Paris: Éditions Antropos. 1981.
LIPIETZ, Alain. O capital e seu espaço. São Paulo: Nobel, 1988.
MATOS, Olgaria C. F. Paris 1968: As Barricadas do desejo. São Paulo: Brasiliense,
1981.
MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. Coleção Os Economistas.
Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. 3a. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
MORAES, Antonio Carlos R. Geografia: pequena história crítica. São Paulo: Hucitec, 2ª
ed., 1983.
MOREIRA, Ruy. “Espaço agrário e classes sociais rurais no Brasil”. Petrópolis: Revista
de Cultura Vozes. Ano 74. Vol. LXXIV março, 1980. No 2.
______________ “A Geografia serve para desvendar máscaras sociais”. In: MOREIRA,
Ruy. Geografia, Teoria e Crítica. Petrópolis: Ed. Vozes, 1982.
MOREIRA, Emilia. Da concepção de espaço à noção de espaço agrário. João Pessoa:
Texto Didático, 1990. (mimeo)
MOURA, Rosa et al. Geografia crítica: legado histórico ou abordagem recorrente?
Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales . Barcelona: Universidad de
Barcelona. Vol. XIII, nº 786, 5 de junio de 2008.
16

RIBEIRO, Wagner Costa. “Relação espaço/tempo: considerações sobre a materialidade


e dinâmica da história humana”. In: O Ensino da Geografia em questão e outros temas.
Revista Terra Livre no. 2. AGB. Rio de Janeiro: Ed. Marco Zero, 1987.
SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: São Paulo: HUCITEC, 1980.
_______________ “O espaço e seus elementos: questões de método”. In: Revista
Geografia e Ensino. Belo Horizonte: Departamento de Geografia do Instituto de
Geociências/UFMG. No 1 – Ano I - 1982.
_______________ Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1985.
_______________ Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 4ª ed., 1996.
_______________ A Natureza do Espaço – técnica e tempo – razão e emoção. São
Paulo: Hucitec, 2ª ed. , 1997.
_______________ Técnica, Espaço, Tempo – Globalização e meio técnico-científico
informacional. São Paulo: Hucitec, 3ª ed. 1997.
SILVA, Lenira Rique da. A não espacialidade geográfica e a questão da terra. Natal:
Editora Universitária/UFRN, 1989.
SIVIERI, Luiz Humberto. “Saúde no trabalho e Mapeamento dos Riscos”. In: Saúde
Meio Ambiente e Condições de Trabalho. São Paulo: CUT, 1996.
SCHOLEM, G. Walter Benjamin, Mon Ami. In Les Lettres Nouvelles, Paris, maio-
julho 1972.
SCHMIDT, A. e RUSCONI, G. E. La Scuola di Francoforte. De Donato Editore, Bari,
1972.
SLATHER, Phil. Origens e significado da Escola de Frankfurt, Zahar Editores, Rio de
Janeiro, 1978.
TARGINO, Ivan. Modo de Produção: algumas notas introdutórias. João Pessoa: Texto
Didático, 1989. (mimeo)
VESENTINI, José William. “O método e a práxis (notas polêmicas sobre geografia
tradicional e geografia crítica)”. In: O Ensino da Geografia em questão e outros temas.
Revista Terra Livre no. 2. AGB. Rio de Janeiro: Ed. Marco Zero, 1987.
______________ Espaço e Sociedade. São Paulo: Ática, 1991.
______________ Para uma geografia crítica na escola. São Paulo: Ática, 1992.
______________ O que é Geografia Crítica? In: GEOCRÍTICA (página de José
William Vesentini). http://www.geocritica.hpg.ig.com.br.

Você também pode gostar