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Emília Moreira1
7 Cf. VESENTINI, José William. O que é Geografia Crítica? In Geocrítica – Geopolítica, Ensino da
Geografia. Disponível em: http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm
8 André Gorz nasceu em Viena, em 1923, com o nome de Gerard Hirsch. Era um pensador da ecologia política
e do anticapitalismo. Publicou vários livros, alguns traduzidos para o português como "Misérias do presente,
riqueza do possível" (2004); "Crítica da divisão do Trabalho"(coletivo), 2001; "O Imaterial: Conhecimento,
Valor e Capital" (2005)..
9 Cf. VESENTINI, José William. O que é Geografia Crítica? In Geocrítica – Geopolítica Ensino da
Geografia. Disponível em: http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm
10 Cf. VESENTINI, José William. O que é Geografia Crítica? In Geocrítica – Geopolítica Ensino da
Geografia. Disponível em: http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm.
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Essa nova forma de pensar e fazer geografia não surgiu sem porquê. Ela surge
como resultado de um momento histórico, social e político internacional marcado por
fatos que geraram a revisão de idéias e de valores da sociedade capitalista através da
revelação das contradições e conflitos nela existentes. Merece destaque:
a) os acontecimentos de maio-junho de 1968 na França através das
manifestações estudantis e a sua reprodução na Alemanha, em Berlim Ocidental, em
Varsóvia e em Berkeley nos Estados Unidos, que deram origem a Internacional
Estudantil. Esse Movimento assumiu a forma de renovação cultural e de negação do
poder, inspirado em pensadores antiautoritários como Marcuse11, fez ressurgir o desejo
de ‘revolução sexual’ com a retomada das obras de William Reich e questionou o
marxismo ortodoxo em nome do pensamento libertário (MATOS,1981)12. Contou com
o apoio da sociedade e da classe operária através dos seus sindicatos. Os acontecimentos
de maio de 68 são vistos como o catalisador de mudanças profundas na sociedade
francesa;
b) as lutas civis nos Estados Unidos com destaque para a luta dos negros
contra a discriminação racial;
c) as contestações contra a guerra do Vietnã;
d) a eclosão e a expansão do movimento feminista, do ecologismo e do
movimento hippie;
e) a crise do marxismo;
f) os movimentos por independência nos países subdesenvolvidos.
11 O livro An Essay on Libertation, escrito por Marcuse e publicado pela Editora Beacon Press antes de
maio de 1968, “contém todo éthos do Movimento: o questionamento da ‘tolerôncia repressiva’ das
sociedades modernas, a integração acrítica do proletariado à sociedade unidimensional, a ‘grande recusa’
da juventude e a ‘nova sensibilidade’ ética, estética e política de que é portadora” (MATOS,1981: p. 103).
12 Algumas obras sobre o Movimento Estudantil de Maio de 1968 merecem ser lidas. Destacamos aqui
duas delas publicadas por Alain Touraine através da Editora Seuil, quais sejam, Le Mouvement de Mai ou
le Comunisme Utopique e Combats Etudiants dans le Monde e a obra intitulada Mai 1968 – La Breche,
escrito por Edgard Morin, Claude Lefort e J.M. Coudray.
13 O que se designa de Escola de Frankfurt é uma corrente de pensamento que surgiu a partir da ideia de
criação de um Instituto de Pesquisas Sociais (IPS) de vertente marxista, desenvolvida por um filho de um
milionário judeu, Félix Weil e um intelectual que acreditava ser a ciência o elemento fundante da
supressão da miséria e da opressão, Kurt Albert Gerlach. O projeto foi financiado pelo pai de Weil e
pensado inicialmente, do ponto de vista teórico e político pelo professor socialista Robert Wilbrandt. O
IPS foi criado em Frankfurt, em 3 de fevereiro de 1923 e inaugurado no campus da Universidade de
Frankfurt, em 22 de junho de 1924. Seu primeiro diretor, Carl Grünberg, era um professor marxista que
objetivava um instituto com “vocação especialmente assumida” para a pesquisa e que tinha um objetivo
revolucionário baseado em uma concepção materialista da história, com ênfase nos discursos voltados
para um socialismo científico. Horkheimer substituiu Grünberg em 1927 e formulou o que posteriormente
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seria denominada de Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Para ele o ponto de referência para a Teoria
Crítica da Sociedade era o materialismo representado pela análise social marxista, mas também um
materialismo que, ao ser capaz de diagnosticar tendências sociais contemporâneas, fosse desenvolvido
sem dogmatismo na aplicação do marxismo, assim como sem a fragmentação das disciplinas
especializadas, introduzindo assim a ideia de pesquisa interdisciplinar. A divulgação das pesquisas do
Instituto eram publicadas na Revista de Pesquisa Social, um dos documentos mais importantes para a
compreensão do espírito europeu do início do século XX. Entre os principais membros do IPS pode-se
citar: Herbert Marcuse, Erich Fromm, Siegfried Kracauer, Leo Löwenthal, além daqueles mais
proeminentes como: Walter Benjamin, Theodor Wiesengrund-Adorno e Max Horkheimer, aos quais se
pode ligar o pensamento de Jürgen Habermas. Esses autores formaram um grupo mais coeso e em suas
obras encontra-se um pensamento dotado de maior unidade teórica. Leia-se a respeito, entre outros:
ANTUNES, 2012; SCHOLEM, G, 1972; SCHMIDT, A. e RUSCONI, G. E., 1972; SLATHER, Phil,
1978.
14 Cf. VESENTINI, José William. O que é Geografia Crítica? In Geocrítica – Geopolítica Ensino da
Geografia. Disponível em: http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm.
15 Cf. VESENTINI, José William. O que é Geografia Crítica? In Geocrítica – Geopolítica Ensino da
Geografia. Disponível em: http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm.
16 Cf. VESENTINI, José William. O que é Geografia Crítica? In Geocrítica – Geopolítica Ensino da
Geografia. Disponível em: http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm
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17 Cf. VESENTINI, José William. O que é Geografia Crítica? In Geocrítica – Geopolítica Ensino da
Geografia. Disponível em: http://www.geocritica.com.br/geocritica.htm.
18 Entendo que falar de “Geografia Crítica” satisfaz plenamente à necessidade de uma Geografia
comprometida socialmente e que abriga várias teorias críticas ou a teoria crítica no seu conjunto.
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rosa é sem porquê, ela floresce porque ela floresce. (...) Ela não sabe
que é bela que tem odor que apresenta uma simetria de ordem etc. (...)
A natureza não pode atuar com a mesma finalidade do ser humano. O
que ela cria, estes seres, são obras: elas possuem qualquer coisa de
único mesmo que pertençam a um mesmo gênero e a várias espécies:
esta árvore, esta rosa, este cavalo. A natureza se apresenta como o
vasto terreno dos nascimentos. As coisas nascem, crescem,
amadurecem, envelhecem e morrem. Um infinito se esconde sobre
esses termos. A natureza se mostra violenta, generosa, avara,
abundante, sempre aberta. O espaço-natureza não é o espaço de uma
representação. Por quê? Não há porquê. (LEBFÈVRE, 1981: p.85-86)
(tradução nossa).
Para Milton Santos (1980), esse espaço natural só teria existido até o momento
anterior aquele em que o homem se transforma em homem social, através da produção
social. A partir desse momento, tudo o que se considera como natureza primeira já teria
sido transformado numa segunda natureza, isto é, no espaço social ou geográfico. Deste
modo, o espaço social seria aquele criado pelo trabalho humano como natureza segunda,
natureza transformada, natureza social ou socializada (SANTOS, 1980: p.163).
Interessa a este ensaio revelar, através de uma linguagem acessível aos alunos do
ensino médio e da graduação em geografia, aos jovens das áreas de assentamento e aos
militantes dos movimentos sociais a concepção de espaço social que é utilizada por
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produção. É também através do trabalho que o homem coloca em ação a sua força-de-
trabalho, isto é, o conjunto das suas faculdades físicas e mentais que ele utiliza para
produzir valores de uso.
O trabalho é, portanto, um elemento essencial do processo de trabalho. Este é
entendido como a atividade humana “que transforma um objeto determinado em um
produto determinado, transformação efetuada por uma atividade humana determinada,
utilizando instrumentos de trabalho determinados” (HARNECKER, 1973: p.28). O
processo de trabalho implica, conseqüentemente, numa relação, mediatizada pelos
instrumentos de trabalho, entre o homem e a natureza e entre os homens e os próprios
homens que tem como resultado a produção de um espaço específico, o espaço de vida
das sociedades humanas. Como afirma Milton Santos:
do modo de produção deixam, sem dúvida, a sua marca no espaço. Vale dizer, o espaço
produzido é o resultado das relações dialéticas entre as diversas instâncias da
organização do modo de produção que comportam as condições técnico-materiais e a
sua contextualização política, jurídica e ideológica.
Santos (1977), por sua vez chega a afirmar, que não é possível conceber uma
determinada formação sócio-econômica sem se recorrer ao espaço e que modo de
produção, formação sócio-econômica e espaço são categorias interdependentes.
19 A paisagem é aqui entendida segundo Santos (1996) como o domínio do visível, o que é alcançado
pela visão do observador, formada de volumes, movimentos, cores, odores, sons; é criada por acréscimos,
substituições, herança de muitos momentos já passados. Em suma “é o conjunto de formas heterogêneas,
de idades diferentes, pedaços de tempos históricos representativos das diversas maneiras de produzir as
coisas, de construir o espaço” (SANTOS, 1996, p. 68).
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20 Não se pretende tampouco omitir que o meio físico, isto é, a natureza, possui vida própria e
compreende uma dinâmica intrínseca que necessita ser estudada para ser melhor compreendida.
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que a cada forma assumida pelo processo de acumulação, corresponde uma forma
regionalmente diferenciada de organização espacial.
Não se pode esquecer também o caráter de classe e as diferentes formas de poder
que fundamentam as sociedades capitalistas. Considerando-se que cada sociedade se
reproduz no espaço por ela criado e que cada espaço reproduz o tipo de sociedade que
lhe dá origem, tem-se que, numa sociedade de classes, como a que caracteriza o modo
de produção capitalista, o espaço por ela gerado se organiza segundo a estrutura de
classes. Para Ruy Moreira (1982: p.123), “são as relações de classes de dada fração do
território que orientam a dialética do espaço do lugar”. Segundo aquele autor, “é este
exatamente o nexo que funde o espaço e sociedade tornando-os uma mesma totalidade
social” (MOREIRA, Ruy: 1980: p.123). O poder nessas sociedades é estabelecido pela
aliança histórica entre a classe dominante e o estado. Legitimado pelas leis que, em
última instância, regem a organização espacial, o poder instituído garante a existência
de uma sociedade de classes e perpetua a dominação de uma minoria sobre a maioria da
população.
Muitos outros aspectos relativos ao espaço concebido como produto social, isto
é, como produto do trabalho, podem ser abordados. Não pretendemos neste texto
recuperar toda a discussão vigente, mas apenas fornecer um pequeno aporte para a
discussão sobre o tema, visando contribuir para o desenvolvimento de uma Geografia
mais comprometida com a realidade social. Neste sentido procura-se demonstrar que o
espaço produzido socialmente constitui “o resultado da ação dos homens sobre o
próprio espaço, intermediados pelos objetos, naturais e artificiais” (SANTOS, 1996:
p.71). Enquanto tal, não é algo dado e acabado, mas algo dinâmico, determinado
historicamente, um produto da ação do homem sobre a natureza e das relações que se
estabelecem entre os homens através do processo de trabalho ao longo do tempo
histórico.
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