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Numéro 8 (2010)
Número 8
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Guilherme Ribeiro
Interrogando a ciência: a concepção
vidaliana da geografia
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Referência electrónica
Guilherme Ribeiro, « Interrogando a ciência: a concepção vidaliana da geografia », Confins [Online], 8 | 2010,
posto online em 17 mars 2010. URL : http://confins.revues.org/index6295.html
DOI : en cours d'attribution
Guilherme Ribeiro
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8 A partir do quadro acima, a tendência natural das coisas ia na direção do alinhamento com as
Ciências Naturais, ainda que Vidal de la Blache tenha recebido uma formação de historiador.
Mas, afinal, o que isso tudo representa ? Qual é a relação entre este jogo de cruzamentos
e o desenvolvimento posterior do conhecimento geográfico ? Para respondê-la, voltemos a
examinar a História e a Sociologia : Ranke, Langlois e Seignobos concentravam-se em torno
da história política e dos indivíduos que a fizeram, como nobres e militares. Uma história
biográfica, focalizada na apologia aos acontecimentos grandiosos que constituíram a pátria,
como batalhas e tratados diplomáticos. Factual, insistia na sequência cronológica e nas datas a
serem memorizadas. Por sua vez, Durkheim e seus seguidores, embora tivessem identificado
a particularidade do fato social, abriram mão da perspectiva histórica e, a despeito da criação
(malograda) da morfologia social, que pretendia incorporar aspectos da paisagem e do meio,
permaneceram focados na explicação das variedades fenomênicas da vida em sociedade. A
seu turno, diferente das demais ciências que então surgiam, a Geografia era algo que construía
sua identidade a partir da integração entre os ramos físico e humano. Nisto residia sua
especificidade — e, igualmente, seus dilemas 1 !
9 Dessa maneira, declarar que a Escola Francesa de Geografia utilizara uma linguagem
organicista (BERDOULAY, 1988 :75-87) ; Vidal como praticante de uma Ecologia do
Homem (ROBIC, 1993 :141) ; o status naturalista de sua geografia (RHEIN, 1982 :244) ;
ou que, sob sua forma clássica, a geografia era uma ciência natural da sociedade (CLAVAL,
2007 :22) explica apenas uma parte da questão. Embora concordemos que sua visão sobre
a dinâmica constitutiva da sociedade e seus grupos é marcadamente incipiente e que a
proximidade junto às démarches das Ciências Naturais é notória, Vidal tinha plena consciência
da inscrição social e histórica do período em que estava vivendo e das profundas mudanças em
curso geradas tão somente pelo Homem. É nesta costura intelectual que podemos encontrar,
em Le principe de la géographie générale (VIDAL DE LA BLACHE, 2002 [1896]), Les
genres de vie de la géographie humaine (I e II)(VIDAL DE LA BLACHE, 1911, 1911a) e
Des caractères distintifs de la géographie (VIDAL DE LA BLACHE, 1913), um Vidal mais
fisicalista ; em La zone frontière de l’Algérie et du Maroc (VIDAL DE LA BLACHE, 1897),
Évolution de la population en Alsace-Lorraine et dans les départements limitrophes (VIDAL
DE LA BLACHE, 1916) e La frontière de la Sarre, d’après les traités de 1814 et de 1815
(VIDAL DE LA BLACHE, 1919), um Vidal mais político e histórico ; e em Leçon d’ouverture
du cours de Géographie (VIDAL DE LA BLACHE, 1899), De l’interpretation géographique
des paysages (VIDAL DE LA BLACHE, 1908) e Principes de Géographie Humaine (VIDAL
DE LA BLACHE, 1954 [1921]) um Vidal que conjuga simultaneamente os aspectos físico
e humano.
10 Portanto, estaríamos diante de um pensamento que possui etapas ? Cujo norte impreciso
favorece interpretações variadas ? Pode ser. Aqui, sugerimos uma terceira possibilidade : o
elemento constante da geografia vidaliana é o estudo das relações homem-meio. É o núcleo
onde, ao seu redor, gira todo o enredamento da vida social. As esferas política, econômica,
cultural e social possuem uma autonomia que não é senão relativa, na medida em que estão
inexoravelmente ligadas ao meio em que foram engendradas. E é este mesmo meio que
constitui-se em locus privilegiado para a observação dos desdobramentos de tais esferas. Deste
modo, o tratamento geográfico da política localiza-se na conquista territorial ; da economia,
na capacidade técnica de extração dos recursos e de articulação entre as escalas ; da cultura,
na identidade com o lugar ; e da sociedade, na adaptação ao meio.
11 Como parte significativa dos intelectuais do século XIX (Comte, Marx, Ratzel e Durkheim,
apenas para citar alguns), por repetidas vezes ele lançou mão de um vocabulário próprio
das Ciências Naturais e de metáforas/aproximações naturalistas na análise da sociedade.
Vejamos : ao entender que a indústria moderna representava uma novidade que, no entanto,
se beneficiava de certas condições outrora estabelecidas pelas populações locais, diz que “Se
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O jogo de escalas
17 Apoiado na convicção da unidade terrestre — “a inspiração e o princípio originais de toda
Geografia” — e de causas gerais agindo no conjunto da superfície (VIDAL DE LA BLACHE,
1908 :64), Vidal demonstrava assim sua leitura de totalidade. A Terra vista como um todo,
cujas partes estão interligadas. Embora guardem suas especificidades, os lugares não são
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outra coisa que os intercâmbios históricos forjados entre as diversas partes do mundo. Se por
conta de Febvre e Lacoste propagou-se, respectivamente, que o predicado maior da geografia
clássica francesa estava nas monografias regionais e que a região vidaliana era “conceito-
obstáculo” a impedir a apreensão dos planos nacional e mundial (LACOSTE, 1988 [1976] ;
FEBVRE, 1991 [1922]), tais observações estão antes ligadas a operações historiográficas
específicas — a restrição do campo de atuação do geógrafo e a rejeição marxista às correntes
geográficas anteriores — que propriamente à concepção escalar vidaliana.
18 Esta é uma das grandes heranças do pensamento deste geógrafo : a extensão espacial da
análise, a dependência dos lugares em relação aos outros, o entrelaçamento de escalas. Seja
explorando a trama entre pays e região em âmbito nacional, revendo o processo de formação
territorial da França através dos litígios nas zonas fronteiriças ou atentando à complexa rede
mundial tecida pelo Colonialismo, Vidal manejava com precisão o jogo de escalas montado
pela sociedade urbana-industrial de então (RIBEIRO, 2008). Em termos gerais, estava em
curso uma metamorfose das relações espaço-tempo — algo que, embora não tenha teorizado,
soube captar. Eis as principais características das escalas abordadas por Vidal :
19 Pays : mereceu atenção especial, posto que representava uma França profunda, constituída
no bojo de uma temporalidade secular. A França rural, com sua arquitetura de casas de
pedra e estreitas vilas medievais agitadas, de tempos em tempos, pelos peregrinos rumo a
Santiago de Compostela ; das pequenas propriedades de subsistência e sua adaptação ao meio,
levando os camponeses a recolher a grama no verão para alimentar os animais no inverno.
Ultrapassando as adversidades climáticas, linguísticas e o tamanho do território, pouco a pouco
seus habitantes influenciavam-se mutuamente. Contém vários gêneros de vida e, portanto, um
rico panorama paisagístico e cultural 2.
20 Região : escala-chave tanto em termos empíricos quanto teóricos, seu conjunto revelava
e forjava a diversidade da nação francesa — e, ao mesmo tempo, do autor supracitado.
Privilegiados os traços físico e, posteriormente, o econômico e o político, a região encarnava
um mundo em mutação cuja liderança residia na cidade e na indústria, que polarizavam
os demais espaços pelo dinamismo de suas atividades e infra-estrutura de transportes
e comunicações. Por causa disso, havia um novo ritmo impresso à vida social, cuja
materialização geográfica podia ser apreendida pela dinâmica regional. Assim, embora
regionalizar fosse uma tarefa de definição precisa de critérios e limites, tais estavam longe de
serem fixos, posto que as regiões eram tributárias do movimento da história. Tampouco elas
se encerravam em si mesmas : ao contrário, suas particularidades estavam vinculadas ao seu
entorno, à sua situação/posição diante das demais escalas. Uma vez preenchidos requisitos
como atenção à conjuntura social, aptidão cartográfica e conhecimento histórico, o geógrafo
estava pronto a conduzir o aménagement du territoire, perfazendo a região como o domínio
político por excelência de seu ofício.
21 Território : sinônimo de Estado-Nação, através dele Vidal expressava sua inclinação pela
geopolítica. A inexistência de uma reflexão sistematizada sobre o poder, a política e o Estado
não o impediu de formular prodigiosos raciocínios geopolíticos de matiz nacionalista, quer no
tocante à inserção da França no mapa europeu, quer ao Império como um todo. O território
implica, concomitantemente, numa história de dispersão e reunião de escalas : dispersão, posto
que os homens se enraizam em seus sítios mas rompem com os vínculos exclusivamente locais,
seja migrando para outras áreas, seja expandindo as trocas comerciais ; e reunião, posto que o
formato político das sociedades modernas confere ao Estado Nacional o papel de organização
e coordenação dos níveis espaciais em que se desenvolvem as atividades cotidianas. Seu
arraigado nacionalismo não o impediu de levantar críticas ao mesmo, seja no domínio da
geopolítica, seja no da economia 3 ;
22 Terra : escala de referência, no sentido da totalidade e do conjunto no qual as demais escalas
estavam inseridas. Representa a base comum no qual repousa a vida humana, animal e
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vivem uma relação de mútua influência junto a outras escalas 4. Não existe lugar que se
explique por si só, pois compreender as causas dos fatos demanda a conjunção de elementos
esparsos (VIDAL DE LA BLACHE, 1899 :101). E a conjuntura vivida por Vidal foi essencial,
impelindo-o a assinalar — como vimos nas páginas precedentes — o desenraizamento causado
pelo maquinismo, as cidades enquanto pólos de poder e a diminuição das distâncias como
amostras da emergência de uma nova configuração escalar. Igualmente, a visada geopolítica
examinando a posição da França (sobretudo o Leste) no continente europeu, comparando o
Império Francês ao Império Britânico e atentando às relações de seu país com a América do
Sul são exemplos valiosos que mostram não somente o raio de ação de seu pensamento, mas
o poder da escalas quando da análise de situação 5.
Da descrição à explicação
27 Tal análise associa-se a uma outra feição epistemológica proeminente. E aqui é curioso
perceber que, se de um lado Vidal fala muito em leis, buscando, talvez, dotar de cientificidade
a Geografia, de outro lado jamais ensaiou a enunciação de uma lei geográfica. Pelo contrário :
ele recorre insistentemente à descrição, advertindo-nos acerca do perigo das generalizações
“prematuras”, “vagas” e “excessivas”, (VIDAL DE LA BLACHE, 1902 :23, 1908 :364,
1914 :261), contrapondo-as às qualidades das monografias e à localização precisa dos fatos
(VIDAL DE LA BLACHE, 1902 :23 ; 1914 :261).
28 O aporte metodológico dado pela descrição — o que, ao nosso ver, não deixa de ser uma certa
desconfiança frente às abstrações de matiz filosófico — permite uma aproximação “literal”
com o fenômeno a ser conhecido. A composição dos elementos físicos e a caracterização do
sítio, p.ex., são exercícios balizadores da prática vidaliana. Eis o primeiro parágrafo de La
frontière de la Sarre d’après les traits de 1814 et 1815 :
29 “A Sarre, depois de suas fontes no monte Donon até seu confluente na Moselle, em Conz (7
km acima de Trèves), descreve um vasto arco de círculo no interior do qual se desenvolveram
os destinos de Lorena. Ela circunscreve, pela margem esquerda, as planícies de cereais que
são o celeiro do país, as minas de sal que tem alimentado seu comércio há muitos e muitos
anos e as costas calcárias, que balizam seus velhos burgos e suas principais cidades. À direita,
ela flui por uma centena de quilômetros na borda do Vosges, ligando assim as avenidas
da Basse-Alsace. Sarrebourg, Pons Saravi dos itinerários romanos, é o ponto de passagem
obrigatório em direção à garganta de Saverne. De Sarre-Union chega-se aos desfiladeiros da
Petite-Pierre (Lützelstein). A Sarreguemines dá na estrada e no caminho de ferro de Bitche e
Niederbronn” (VIDAL DE LA BLACHE, 1919 :249).
30 Descrever associava-se à necessidade de identificação in loco dos fenômenos. Era necessário
estar em contato com o objeto, reconhecê-lo através de evidências concretas, tocá-lo e
vivenciá-lo. Admitia-se que o geógrafo diferenciava-se dos demais cientistas pelo olhar,
pelo coup d’oeil 6que, uma vez lançado sobre determinada área, permitia-lhe uma série de
inferências e correlações entre as formas de relevo e o tipo de solo, os agrupamentos humanos
e as atividades econômicas que, somados, formavam sua “personalidade”. Jean Brunhes
também sugeriu que o geógrafo possuiria um olhar específico, algo que não seria um atributo
de todos. À pergunta “Em que consiste o espírito geográfico ?”, ele responde diretamente :
“Quem é geógrafo sabe abrir os olhos e ver. Não vê quem quer” (BRUNHES, 1962 :416
[1910]). Posteriormente, o geógrafo americano Carl Sauer retomará tais ensinamentos,
sugerindo que era no trabalho de campo que as habilidades dos alunos seriam postas em
prática. Dependendo da percepção e da sensibilidade do estudante no que tange à observação,
ele, Sauer, seria capaz de filtrar “os recrutas que podem iniciar, se a Geografia é uma ciência
de observação” (SAUER, 2000 :141 [1956]).
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36 Entretanto, a preocupação não se restringia à forma, mas sobre a maneira de fazer e agir sobre
o meio. Um dos traços emergentes da perspectiva vidaliana é uma geografia do cotidiano, uma
“micro-geografia” a narrar os costumes do homem comum — provavelmente por influência
da Sociologia e da Etnografia. A atenção dispensada à comida, à bebida e mesmos aos gestos
levou-o a escrever que :
37 “O modo de alimentação difere pouco entre a grande maioria dos habitantes rurais da França.
Nem mesmo a cozinha, a despeito de alguns ingredientes que são objeto de litígio entre o Norte
e o Sul. O camponês champenois mostrado por Taine comendo sopa na entrada de sua casa
mostra uma atitude e uma ocupação que poderiam ser encontradas por toda a França. Quando,
nos quadros de raros pintores que não menosprezaram os camponeses, vemos os Lenain, a
atitude e a fisionomia dos rurais do século XVIII, nós os reconhecemos entre seus descendentes
atuais. São os gestos lentos destes comedores de pão, aproveitando a ocasião para degustar o
vinho, sentados em torno de um grosso e redondo pedaço de pão, ‘pesadamente’ sobre suas
escadas de madeira” (VIDAL DE LA BLACHE, 2007 :384-385 [1903]).
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físico seria complementada pelo registro das variações climáticas e das espécies animais e
vegetais. A soma destes elementos permitia o reconhecimento de um certa área que, uma vez
mapeada em escala nacional, tornar-se-ia valiosa ferramenta na organização do território : a
região natural. Elaborado pelos geólogos desde o final do século XVIII, mal compreendido
pelos geógrafos de seu tempo (cf. FEBVRE, 1991 :63 [1922]), tal conceito receberá uma nova
roupagem sob a pena vidaliana : as regiões naturais são postas em contato pelos gêneros de
vida e influenciam de alguma forma a esfera da política (CLAVAL, 1998 :105-106).
42 Da trama entre a Geologia, a Biologia e a Ecologia, o fundador dos Annales de Géographie
extrai a percepção da temporalidade do organismo terrestre. O estudo atento da reconstrução
das eras geológicas auxilia não somente no entendimento da história natural, mas também na
distribuição dos recursos naturais e dos seres vivos. Por sua vez, a noção darwiniana sinaliza a
marcha da evolução desses seres em suas variadas relações com os ambientes que os cercam.
Ambos revelam que a natureza possui um ritmo próprio : lento, estável, sólido. Não é possível
negligenciar seu poder : “A ação da natureza tira sua força do fato de que ela não se exerce
da mesma forma que a ação dos homens. É uma interferência imperceptível e complexa,
acumulando efeitos que lentamente se totalizam : uma ação contínua, e é dessa continuidade
que vêm seu poder” (VIDAL apud RHEIN, 1982 :241-242). Porém, como a Geografia não
se fixa numa única temporalidade, mas as articula, ela se depara com um agente instável e
veloz : o homem. Ele acelera o tempo geológico, abrindo túneis e escavando rios. É o mais
evoluído das espécies : superando as coerções físicas, adaptou-se aos mais inóspitos ambientes
e ampliou a escala que o restringia para fazer da escala-mundo sua casa. Para a Geografia, o
tempo não é algo linear e evolutivo, mas uma coordenada complexa que admite permanências
(os pays) e mudanças (as grandes cidades), sincronias e diacronias. Por isso é a História “um
meio de procurar, no passado, a explicação do presente” (VIDAL DE LA BLACHE, 1900 :19).
E eis novamente a relevância da paisagem : expondo as marcas da ação humana no presente
ou do passado geológico, ela congrega os ritmos da história da natureza e da história das
civilizações. São cronologias distintas, sobretudo em termos de alcance : a primeira ultrapassa
em muito a segunda, aumentando sobremaneira o campo de ação geográfico (VIDAL DE LA
BLACHE, 1913 :299).
43 Sim, pois a Geografia não é uma ciência “puramente humana”, como o são a Sociologia e
a História : ela parte da terra para o homem, e não o inverso (VIDAL DE LA BLACHE,
1903 :240 ; 1904 :313). É uma “ciência dos lugares, e não dos homens” (VIDAL DE LA
BLACHE, 1913 :229). Mas a proximidade que as reúne é indiscutível : Les conditions
geographiques des faits sociaux (VIDAL DE LA BLACHE, 1902) e Rapports de la
Sociologie avec la Geographie (VIDAL DE LA BLACHE, 1904) são artigos que detém-se
respectivamente sobre a contribuição da Geografia ao estudo da sociedade e aos vínculos
e dessemelhanças entre Geografia e Sociologia. De outro lado, o Tableau (VIDAL DE
LA BLACHE, 2007 [1903]), Évolution de la population en Alsace-Lorraine et dans les
départements limitrophes (VIDAL DE LA BLACHE, 1916) e La frontière de la Sarre,
d’après les traités de 1814 et de 1815 (VIDAL DE LA BLACHE, 1919) podem perfeitamente
ser classificados como pertencentes ao ramo da geografia histórica. Isto para não dizer que
se encaixariam, sem maiores problemas, como artigos de História stricto sensu : o exame
de reconstituição da questão fronteiriça na Sarre levou-o a pesquisar documentos originais
conservados nos arquivos de Sarrebruck (VIDAL DE LA BLACHE, 1919 :265), denotando
tanto uma consonância com os temas privilegiados pela historiografia de então — a Política
e a Diplomacia, p.ex. — quanto um avanço em relação à mesma. Ao explorar assuntos
concernentes à Economia, à Sociedade e ao Território numa perspectiva histórica, Vidal
antecipava aquilo que só seria praticado efetivamente em 1929, após a emergência dos Annales
de Bloch e Febvre. Não por acaso ele se tornará a principal fonte geográfica dos historiadores.
Entre outros atributos, os estudos regionais promovidos por ele e sua escola contribuíram para
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———. « Tableau politique de la France de l’Ouest, par André Siegfried ». Annales de Géographie,
XXIII année, nº 129, pp. 261-264, 1914.
———. « Évolution de la population en Alsace-Lorraine et dans les départements limitrophes ». Annales
de Géographie, XXV année, nº 133, pp. 97-115, 1916.
———. « La rénovation de la vie régionale ». Foi et Vie, Les questions du temps présent, Cahier B,
n.9, mai, pp. 103-110, 1917.
———. « La frontière de la Sarre, d’après les traités de 1814 et de 1815 ». Annales de Géographie,
XXVIII année, nº 151, pp. 249-267, 1919.
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Notas
1 Berdoulay ensaia localizar o discurso geográfico entre os demais gêneros científicos e, nesse
contexto, pensa que “os fundadores da escola francesa de geografia recusaram reconhecer uma particular
hierarquia das ciências, ou seja, uma submissão (inféodation) de sua disciplina a uma ciência mais geral
como a história ou a sociologia. (...) O que se destaca, geralmente, é a afirmação de um ponto de vista
ou um método próprios à geografia, ao mesmo tempo em que há ligações de dependência mais ou
menos recíprocas. Esta concepção de relações interdisciplinares constitui, recordemos, uma das formas
de afirmação da escola francesa de geografia na virada do século. Mas, ainda que eles impliquem numa
concepção não-hierárquica de classificação das ciências, estes trabalhos não permitem, ou permitem
pouco, fazer uma idéia do que isto seria em seu conjunto” (BERDOULAY, 1988:31).
2 Vide o pequeno, porém elucidativo, texto de Ozouf-Marignier (OZOUF-MARIGNIER, 2004).
3 Por vezes, ele discordava da política colonial (VIDAL DE LA BLACHE, 1897) e da diplomacia
francesas (VIDAL DE LA BLACHE, 1901). Já no fim da vida, reclamava da rigidez e da lentidão do
Estado no acompanhamento das atividades econômicas (VIDAL DE LA BLACHE, 1917:106).
4 Não obstante, mesmo um historiador como Roger Chartier não se faz de rogado e afirma que, na
geografia humana de Vidal, “a região constitui o único espaço legítimo onde conceber a articulação entre
as solicitações do meio natural e a ação voluntária dos grupos humanos” (CHARTIER, 2002:208-09
[1998]).
5 Nesse sentido, Vidal recorda o legado deixado por Varenius, Humboldt e Ritter. Segundo Claval,
este último é uma das grandes referências do geógrafo francês, que “descobriu a Geografia lendo seus
volumes da ‘Geografia Geral Comparada’” (CLAVAL, 2001:130).
6 “O geógrafo é de início um homem de campo. Deve fazer prova de um senso agudo de observação e
ter o ‘olho de geógrafo’, como diziam então; é um dom que permite decifrar, na multiplicidade de formas
oferecidas pela paisagem — ou pelos mapas — os traços realmente significativos. O geógrafo é um ser
de intuição” (CLAVAL, 2007:66). A valorização do aparente, vinculando o conhecimento geográfico
à constatação empírica, é o que Gomes chama de ilusão da forma, “que toma o dado, o visível, como
objeto” (GOMES, 1997).
7 Para Ozouf-Marignier, o talento vidaliano em descrever viagens é inspirado pelos geógrafos alemães.
Além disso, sua descrição regional no Tableau incorpora três processos: (i) particularização, ressaltando
a individualidade de cada espaço; (ii) identificação, localizando através de nomes e características
pitorescas; e (iii) “memorialização”, onde grandes personagens e eventos formam uma imagem
imponente da história da França (OZOUF-MARIGNIER, 2000:154 e 156). Sobre este precioso livro,
consulte as pesquisas de Robic (ROBIC, 2000, 2000a).
8 Claval explica que “a erudição na qual a geografia esteve por tanto tempo ligada parecia estéril a
Vidal se não fosse balanceada pela experiência de campo. É percorrendo (se possível à pé) as rotas
e os caminhos de um país, observando suas paisagens e falando com seus camponeses, artesãos e
notáveis, que se descobre de que é feita a realidade geográfica — onde se debatem as pessoas em suas
vidas diárias. Vidal é um crítico do excesso de erudição cujos culpados são alguns defensores da Nova
Sorbonne” (CLAVAL, 1998:122).
9 É o que ele faz questão de esclarecer em Des caractères distintifs de la Géographie, demonstrando em
plena I Guerra Mundial uma visão de vanguarda no que tange aos intercâmbios científicos: “A Geografia
é considerada como se alimentando nas mesmas fontes de fatos da Geologia, da Física, das Ciências
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Naturais e, de certa forma, das Ciências Sociológicas. Ela serve-se de noções, sendo que algumas delas
são o objeto de estudos aprofundados das ciências vizinhas. Daí vem então a crítica que se faz, às vezes,
à Geografia: viver de empréstimos, intervir indiscretamente no domínio das outras ciências, como se
houvesse compartimentos reservados nesse domínio. Na realidade, como veremos, a Geografia possui
seu próprio campo. O essencial é considerar qual uso ela faz dos dados sobre os quais se exerce. Será
que aplica métodos que lhe pertencem? Que traz novos horizontes de onde as coisas possam aparecer em
perspectiva especial? Que os mostra sob um ângulo novo? O problema todo está aí. Na complexidade
dos fenômenos que se entrecruzam na natureza, não se deve ter uma única maneira de abordar o estudo
dos fatos; é útil que eles sejam observados sob ângulos diferentes. E se a Geografia retoma certos dados
que possuem outro rótulo, não há nada que se possa taxar essa apropriação de anticientífica” (VIDAL
DE LA BLACHE, 1913:289-290, grifo nosso).
Guilherme Ribeiro
Professor Adjunto de GeografiaUniversidade Federal Fluminense (Campos dos Goytacazes) com
doutorado sandwich pela Université Paris-IV (Sorbonne)geofilos@ig.com.br
Direitos de autor
© Confins
Cet article veut réunir un ensemble de réflexions théoriques et méthodologiques du géographe
Français Paul Vidal de la Blache (1845-1918) afin de soutenir l’existence d’une vraie
épistémologie vidalienne. Notre prétention c’est suggérer une lecture différente de la lecture
habituelle : si Vidal de la Blache est présenté comme un auteur essentiellement descriptif et
régional, le dialogue interdisciplinaire, la description et les jeux sur les échelles montrent la
complexité de sa pensée
Mots clés : épistémologie ; histoire de la pensée géographique ; échelles ; description ; interdisciplinarité
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Vidal de la Blache has been presented as an essentially descriptive and regional author. His
interdisciplinary dialog, the description and the game on scales reveal us the complexity of
his thought
Keywords : epistemology; history of geographical thought; scales; description; interdisciplinarity
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