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1
A GEOGRAFIA COMO CIÊNCIA

1.1 O QUE É A GEOGRAFIA

N
ão é fácil definir nem estabelecer, com
precisão, o q�e é a Geo�rafia; este ��ob! e­
,
ma, porem, e comum as outras c1enc1as
sociais, pois não existem ciências estanques, com objetivo
bem delimitados, mas uma ciência única que, para facilitar
o estudo de determinadas áreas, foi dividida, um pouco
arbitrariamente, em várias outras, compartimentando-se
uma totalidade. Esta divisão da ciência em vários campos
do conhecimento foi o resultado tanto do alargamento do
conhecimento científico, tornando difícil a uma pessoa
dominar todo o seu campo, como faziam os sábios da
Grécia, como do domínio da filosofia positivista, cada vez
mais proeminente com a expansão do capitalismo, visando
formar especialistas que entendam o mais profundamente
possível de áreas cada vez mais restritas. Para que se
castrassem os estudiosos de uma visão global, totalizante
da realidade, tratou-se de estimular, cada vez mais, a
especialização e, em conseqüência, neutralizar ou reduzir a
capacidade crítica dos estudiosos, sábios e pesquisadores.

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MANUEL CORREIA DE ANDRADE

Admite-se que a Geografia se tornou uma ciência


autónoma a partir do século XIX, graças aos trabalhos dos
geógrafos alemães Alexandre von Humboldt e Karl Ritter,
e foi no século XIX que surgiram ou ganharam autonomia
as demais ciências sociais, salvo a Economia Política,
desenvolvida a partir dos trabalhos de Adam Smith, já no
século XVIII. Isto não quer dizer que não existissem um
conhecimento geográfico e uma aplicação da Geografia
desde a pré-história; conhecimento e aplicação que foram
expandindo-se à proporção que a civilização foi desenvol­
vendo-se e a sociedade aumentando a sua capacidade de
dominar e modificar a natureza, para melhor desfrutar dos
recursos nela disponíveis.
Com a evolução das estruturas económico-sociais
houve também o desenvolvimento da superestrutura
cultural e da forma de interpretar o processo de relações
entre a sociedade e a natureza; daí terem evoluído também
o conceito e a idéia de qual o objeto da Geografia. Na pré­
história, na Antigüidade e na Idade Média, como veremos
nos capítulos que seguem, a Geografia era utilizada apenas
para desenhar roteiros a serem percorridos, para indicar
os recursos a serem explorados, para analisar as relações
meteorológicas etc., estando profundamente identificada
com a Cartografia e com a Astronomia. Assim, os grandes
geógrafos eram sobretudo cartógrafos ej ou astrónomos.
Uns poucos estudiosos, como Heródoto e Estrabão, é que
se aventuraram a tirar conclusões além das descrições
que faziam.1 Na Idade Moderna começou a procurar
explicações mais profundas sobre sistemas de relações
entre a Terra e os astros, entre as condições naturais,

1 VALLOUX, Camille. Les sciences géographiques. Paris, Felix Alcan,


1929.

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climáticas, sobretudo, e as sociedades ; tivemos então


obras precursoras como as de Varenius e as do filósofo E.
Kant. Também Montesquieu, no seu livro O espírito das
leis, mostrou preocupações de ordem geográfica, relacio­
nando sociedade e natureza.
Na Idade Contemporânea, graças aos estudos de
Humboldt, o grande naturalista e viajante alemão, e de
Ritter, filósofo e historiador que lecionou por muitos anos
na Universidade de Berlim, é que a Geografia se tornaria
uma ciência autônoma. Dos trabalhos do naturalista sobre
regiões as mais diversas - Europa, Ásia Setentrional,
América Latina - e das divagações de analogias formu­
ladas pelo filósofo, surgiu a Geografia como um ramo
autônomo do conhecimento, muito ligada a explicações de
fenômenos físicos e muito comprometida com as posições
políticas dos seus fundadores. Assim, os continuadores dos
dois pioneiros, Ratzel e Élissée Reclus, que viveram nas
últimas décadas do século XIX, tiveram a preocupação de
defender posições políticas. O primeiro estava ideologi­
camente ligado à "necessidade" da construção de um
império colonial para a Alemanha, que chegara tarde na
partilha do mundo, e em desenvolver estudos que levaram
à Geografia Política e. à Geopolítica, utilizados pelas
oligarquias e pelos ditadores em favor de uma política
expansionista, pan-germanista, como o princípio do
"espaço vital". O segundo, francês, anarquista militante,
desenvolveu toda uma teoria libertária em que defendia a
existência da luta de classes e condenava o processo
expansionista da colonização .
Apesar do trabalho pioneiro destes mestres e dos
seus continuadores, a Geografia demorou a ser aceita nas
Universidades. A sua preocupação principal, sobretudo no

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ensino secundário, continuou a ser a de informar a


respeito das várias áreas do globo terrestre, catalogando
nomes de montanhas, de rios, de mares, de cidades, de
países e de recursos produzidos. Era, assim, um ramo do
conhecimento meramente informativo, que não estimu­
lava a reflexão mais profunda. E este caráter foi fortalecido
pelo próprio expansionismo colonial, então dominante nos
países europeus e nos Estados Unidos e que se preocupava
sobretudo com a catalogação do que poderia retirar dos
povos e países conquistados, militar ou economicamente.
Daí definir-se durante muitos anos a Geografia
como a "ciência que faz a descrição da superfície da Terra",
como se a simples descrição constituísse uma atividade
científica.
A importância destas descrições, às vezes eivadas de
fantasias ditadas pela imaginação dos autores, às vezes
preocupadas com a explicação dos principais fenômenos
descritos, iria dar origem, na primeira metade do século
XX, a uma multiplicidade de enfoques geográficos. Havia
uma Geografia dos exploradores, desenvolvida pelas
sociedades exploradoras, e que continha uma série de ricas
informações sobre áreas pouco conhecidas ; ao seu lado
havia uma geografia vulgar, popular, em que se detalhava,
em mapas e em compêndios, uma relação de acidentes e
de divisões políticas e informações económicas de grande
interesse para curiosos; e uma terceira, a Geografia dita
científica, cultivada nas Universidades, em que havia
disciplinas específicas de Geografia, que procuravam para
esta ciência o seu paradigma, a sua caracterização.
A evolução da geografia acadêmica, com a
contribuição de numerosos cientistas que publicaram suas
obras nos fins do século XIX e no início do século XX,

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GEOGRAFIA Ciência da Sociedade

levou Emanuel de Martonne a definir a Geografia como


"a ciência que estuda a distribuição dos fenômenos físicos,
biológicos e humanos pela superfície da Terra".2 Trata-se
de uma grande evolução sobre a definição anterior, de vez
que no estudo desta distribuição cabe não apenas
descrever, mas também explicar como e por que a
distribuição é feita da forma descrita. E esta explicação é
que dá foros de ciência à Geografia.
As grandes revoluções a que foi submetido o
conhecimento geográfico no pós-guerra envelheceram esta
definição. Assim, os neopositivistas, entusiasmados com o
desenvolvimento das técnicas e das máquinas, procura­
ram, em nome da "neutralidade científica", despolitizar
formalmente a Geografia, procuranqo torná-la uma
matemática espacial. Para isso eles renegaram as preo­
cupações e diferenciações regionais, utilizaram dados
estatísticos em bloco, como se os espaços e os níveis de
desenvolvimento fossem homogêneos, e matematizaram a
Geografia. Com seus métodos, e eles tinham mais
preocupações metodológicas que epistemológicas, presta­
vam grande serviço aos governos autoritários que
procuravam desenvolver o crescimento econômico, sem
dar importância aos custos sociais e ecológicos deste
desenvolvimento. Foi assim uma geografia a serviço das
ditaduras, no plano interno, e das grandes empresas que
procuravam uniformizar e integrar o mundo capitalista, no
plano externo. Naturalmente, o agravamento da pobreza, a
destruição da natureza e a reação das forças populares, no
plano político, atingiram também a Geografia, e surgiu o
que se chamou Geografia Crítica ou Geografia Radical,

2 MARTONNE, Emanuel de. Traité de géogniphie physique, 83 ed. Paris,

Arrnand Colln, 1950. T. I. p. 15 ss.

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reunindo em um só bloco todos aqueles que, almejando


uma reforma da sociedade e melhor distribuição da renda,
batalharam para sensibilizar a Geografia e os geógrafos
para os problemas sociais, políticos e econômicos.
Alguns trabalhos foram contundentes, como o de Yves
Lacoste, 3 fazendo acusações fortes aos que, procurando
"neutralizar" a Geografia, a esterilizaram e a colocaram a
serviço dos poderosos do dia, e que desprezaram os
conhecimentos adquiridos através dos estudos da
chamada, pejorativamente, geografia tradicional. Contra­
punham assim uma Geografia Nova à Nova Geografia dos
quantitativistas, neopositivistas etc. Esta reação trouxe
forte enriquecimento da Geografia, com a utilização de
categoria dialéticas marxistas, na análise das relações
.
entre o homem e a natureza. Utilização feita, muitas
vezes, com cuidado, com critérios científicos, tomando o
marxismo como um método de análise para a compre­
ensão da realidade; mas, infelizmente, muitas vezes feita
tomando o marxismo como uma doutrina, como uma
teoria inquestionável e sem necessidade de renovação,
colocando a realidade dos países, sobretudo dos não­
-europeus, em uma verdadeira camisa-de-força, caindo
assim na mesma alienação em que caíram os neopo­
sitivistas.
Admitimos que no momento histórico em que
vivemos, de vez que as definições e os objetos das ciências
não são imutáveis, sofrem transformações com as
mudanças que se operam na sociedade, a Geografia pode
ser definida como a "ciência que estuda as relações entre a
sociedade e a natureza", ou melhor, a forma como a

3 Leia-se "A Geografia", de CHATELET, François. História da Filosofia; a


filosofia das ciências sociais. Rio de Janeiro, Zahar, 1873. v. 7. p. 221-74.

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GEOGRAFIA Ciência da Sociedade

sociedade organiza o espaço terrestre, visando melhor


explorar e dispor dos recursos da natureza. Naturalmente,
no processo de produção e de reprodução do espaço, cada
formação econômico-social procura organizar o espaço à
sua maneira, ao seu modo, de acordo com os interesses do
grupo dominante e de acordo também com as suas
disponibilidades de técnica e de capital. Daí uma área
territorial com as mesmas características apresentar
formas de utilização do espaço diferentes, se dividida entre
países que optaram por sistemas econômicos diferentes,
ou se for dividida por fronteiras que separam países com
elevado desnível de desenvolvimento.

1.2 A GEOGRAFIA E O PROBLEMA DE


INTERDISCIPLINALIDADE

Já afirmamos no item anterior que não existem


várias ciências sociais, mas apenas uma, que, por
contingências filosófico-políticas e por necessidade de
especialização, foi dividida em uma série de ciências.
Os limites que as separam são muito tênues, muito difíceis
de ser precisados, havendo áreas do conhecimento para as
quais convergem os quadros das várias ciências.
No caso da Geografia, a situação é mais grave;
estudando as relações entre a sociedade e a natureza, ela
tem áreas em comum com os dois grandes grupos
científicos, e se o espaço é produzido e reproduzido pela
sociedade, a Geografia tem grande aproximação com -as
mais diversas ciências sociais; se analisa a intervenção
desta sociedade na natureza, tem naturalmente a neces­
sidade de manter contatos, de trocar conhecimento e
experiências com muitas das ciências ditas naturais. Ao

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usar técnicas modernas, divulgadas pelas c1encias ditas


exatas, a Geografia necessita manter contatos com as
chamadas ciências exatas. Esta diversidade de contatos e
de enfoques tem colocado em perigo até a identidade da
Geografia, fazendo com que autores conceituados afirmem
ora a dualidade da Geografia, ora até a existência não de
uma mas de diversas ciências geográficas. 4
Analisando a ação da sociedade sobre o espaço,
produzindo e reproduzindo formas que são visíveis ao
observador, mas que necessitam ser investigadas nas suas
origens, o geógrafo muitas vezes tem de recorrer ao
conhecimento da Sociologia, da ciência especializada no
estudo da estrutura e das relações da sociedade; além
disso, as transformações no espaço se fazem provocando
modificações de formas anteriores e contrariando inte­
resses estabelecidos, consolidados, provocando resistên­
cias a mudanças, assunto que está confiado, nas estruturas
científicas atuais, à Antropologia; as transformações nas
formas de utilização do espaço são provocadas pelas
necessidades de ordem econômica que formam a infra­
estrutura que influencia a formação das várias supra­
estruturas sociais, levando o geógrafo a necessitar de uma
formação razoável de Economia Política, para melhor
explicar o seu objeto de estudo; mas o homem não é
apenas uma máquina, ele raciocina, delibera, toma
posições de apoio e de resistência a mudança, fazendo
representações mentais, o que faz com-que haja também
uma influência psicológicà-e, consequentemente� -grande
intercâmbio, relação íntima entre a Geografia e a

4 VALLOUX, Camille. Les sciences géographiques. Paris, Felix Alcan,


1929. Estuda em profundidade o problema da unidade e da dualidade da
ciência geográfica.

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GEOGRAFIA Ciência da Sociedade

Psicologia. Ao se defrontar com os vários espaços em


transformação, o geógrafo sabe que eles são povoados e
que os povos que neles habitam formam etnias, têm um
embasamento cultural tradicional que, naturalmente,
terá grande influência sobre a produção do espaço,
levando a Geografia a ter maior contato com a Etnologia.
Alguns geógrafos franceses, como Jean Brunhes e Pierre
Deffontaines, deram muita importância à Etnologia e à
Etnografia, chegando a formar uma tendência etnográfica
na Geografia Humana.
A História, como a ciência que estuda a evolução da
Humanidade e a forma como ela se processa, também tem
muita correlação com a Geografia; durante decênios elas
estiveram ligadas no ensinamento. Os primeiros geógrafos
franceses foram, inicialmente, historiadores de formação,
como Vidal de la Blache, Emanuel de Martonne e Jean
Brunhes, e a história foi durante muito tempo a fonte da
Geografia, que era inicialmente retrospectiva. Élisée
Reclus, após escrever a sua famosa Nova geografia
universal, em 19 volumes, escreveu um livro, não menos
famoso. O homem sobre a Terra, em seis volumes,
com a finalidade de fazer um corte vertical na ação do
homem sobre o planeta, após concluir o majestoso corte
horizontal, feito na mais extensa de suas obras. Para a
Geografia a segunda obra talvez sej a mais importante do
que a primeira.
Com as ciências da natureza, a Geografia também
tem grande relacionamento, em face da necessidade de
bem conhecer o palco em que a sociedade está instalada e
onde atua. Assim, para melhor conhecer os recursos
renováveis e não renováveis de que a sociedade dispõe, a
Geografia necessita manter grande intercâmbio com a

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Geologia, que estuda a estrutura da crosta terrestre; com a


Pedologia, que estuda os solos; com a Mineralogia, que
estuda as rochas e minerais existentes; com a Hidrologia,
que estuda as águas. É indispensável ainda maior contato
com a Meteorologia, a fim de melhor caracterizar o tempo
e o clima e de realizar, hoje, estudos sobre problemas de
poluição. A Astronomia ainda fornece-lhe informações
sobre o andamento das estações do ano, necessárias a
uma melhor planificação na utilização de certos recursos.
A Oceanografia é indispensável ao conhecimento geográ­
fico, sabendo-se da importância direta dos oceanos, que
influenciam os climas, facilitam os transportes e fornecem
alimentos e produtos minerais à sociedade.
A Geografia não pode deixar de utilizar as novas
técnicas fornecidas pela Cartografia, a que esteve sempre
· ligada, pela Estatística e pela Informática sabendo-se que
o geógrafo necessita não só do controle qualitativo do
conhecimento da ação da sociedade sobre o espaço, mas
também no nível quantitativo da capacidade de sua
intervenção e da importância do seu controle.
Como a Geografia é uma ciência que tem relaciona­
mento com uma série de ciências afins, é natural que entre
ela e as outras ciências se desenvolvam áreas de conhe­
cimento intermediário, ora como ramos do conhecimento
geográfico, ora como ramos do conhecimento de outras
ciências que se tornaram ou tendem a tornar-se novas
ciências a serem pragmaticamente catalogadas. Daí a
existência da Geomorfologia, entre a Geografia e a
Geologia; da Hidrografia, entre a Geografia e a Hidrologia;
da Climatologia, entre a Geografia e a Meteorologia; da
Biogeografia, entre a Geografia e a Biologia; da Geo­
história, entre a Geografia e a História; da Geopolítica

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entre a Geografia, a Ciência Política e as Relações


Internacionais ; da Geoeconomia, entre a Geografia e a
Economia Política etc.
É preciso não confundir estes ramos do conheci­
mento com as partes ou especializações da Geografia,
como a Geografia Física, a . Geografia Histórica ou
Retrospectiva, a Geografia Política, a Geografia Econômica
etc.

1.3 A UNIDADE E A DIVERSIDADE EM GEOGRAFIA

Como vimos anteriormente, a Geografia, estudando


as relações entre a Sociedade e a Natureza, tem um objeto
muito amplo, levando a ser confundida ou a penetrar em
outras ciências. Daí as discussões sobre a existência de
uma Ciência Geográfica ou de Ciências Geográficas que
tanto preocuparam os seus estudiosos em congressos
nacionais e internacionais, desde o primeiro, como o
realizado em Amberes, em 1871.s O fato é que a ampliação
dos conhecimentos geográficos e o desejo da especiali­
zação dos geógrafos, a partir da primeira metade do século
XX, levaram os mesmos a se dividirem em dois grupos: os
que faziam Geografia Física e os que faziam Geografia
Humana. Posteriormente, esta divisão foi considerada
pequena e surgiram numerosas subdivisões, entre os
geógrafos que optaram por ser geomorfólogos, hidrólogos,
climatólogos, especialistas em geografia econômica,
política, social, agrária, urbana, regional, transformando
praticamente cada capítulo da Geografia em especia­
lização, como se os fatos estudados não estivessem

s DAUS, Frederico A. Que es la geografia. 6a ed. Buenos Aires,


Olkos/Asociación para la Promoción de los Estúdios Territoriales, 1982, p. 49.

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interligados. Este excesso de especialização foi em grande


parte estimulado pela entrada do geógrafo nos trabalhos
de planejamento, em que tinha de conviver e colaborar
com especialistas de outras ciências.
Da tendência à especialização ao esfacelamento do
conhecimento geográfico era um passo e a ocorrência
desta especialização excessiva levou à quebra da unidade
da Geografia. Hoje se processa uma reação que procura
localizar o geógrafo na área concreta de seu conhecimento,
recuperando uma Geografia Física em sua unidade e
voltada para os problemas de meio ambiente e em uma
Geografia Humana mais globalizante, fazendo com que o
geógrafo se capacite melhor das possibilidades que cada
formação social tem de produzir formas, sistemas de
relações, plasmando um espaço. Mas esta separação em
dois grandes ramos, Geografia Física e Geografia Humana,
tende a ser ultrapassada com o estabelecimento de uma
geografia única em que integrem o humano, o social e o
físico. ·

1.4 O CARÁTER SOCIAL DA CI ÊNCIA GEOG RÁFICA

Ao se voltar à unidade de Geografia, consagrada


pelos clássicos que a formaram, dando-lhe uma visão
totalizante, não se pode deixar de classificá-la como
Ciência Social. A sua preocupação central é a formação da
sociedade e os tipos de intervenção que esta sociedade
executa na natureza. Assim, a Sociedade é o sujeito e a
Natureza o objeto. Esta importância do social é acentuada
ao se saber que cada sociedade, cada formação social gera
um tipo de relação, de território, sendo diferente o espaço
do mundo onde domina o modo de produção asiático, do

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espaço feudal, do capitalista e do socialista. A sociedade é


quem determina as metas a serem atingidas, o tipo de
espaço que desej a construir, modificando, transformando
este desejo à proporção que mudam as formas de relações
e as disponibilidades de capital e de técnica. É bem
verdade que a sociedade não pode transformar a natureza
arbitrariamente, da forma que desejar, mas tem grande
capacidade de modificá-la. Para dar um exemplo simples é
suficiente que se observe, em países de clima temperado, a
realização de culturas, no período do inverno, em estufas
que garantem o seu desenvolvimento, graças à produção
de um clima artificial; no Brasil e em outros países, em
áreas de clima árido e semi-árido, desenvolvem-se culturas
típicas dos climas tropicais úmidos, graças ao uso da
irrigação. No submédio São Francisco, em área onde
chove menos de soo mm por ano, existe uma usina de
açúcar com produção elevada e uma produtividade
agrícola superior a 150 t/ha, graças à irrigação.
É bem verdade que a natureza, uma vez modificada
pelo homem, pode recompor-se, mas não em sua forma
primitiva, porque sofre transformações que vão necessitar
de novas modificações na técnica de intervenção para se
obter nova utilização. No Brasil sabemos que a natureza
vem sendo devastada de forma exacerbada desde a
conquista portuguesa, e a destruição torna-se cada vez
mais forte, mais nociva, com o desenvolvimento da
tecnologia, mas sabemos também que esta natureza, uma
vez transformada, não se reconstitui na forma primária,
surgindo uma segunda natureza, diferente da primeira.
É impressionante a quem viaj a pelo Norte do País observar
os estragos que vêm sendo feitos na Amazônia, por
empresas subsidiadas e muitas vezes multinacionais, ao

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destruírem a floresta secular para substituírem-na por


pastagens ou por culturas, acelerando a lixiviação e a
erosão dos solos, expulsando populações que lá viveram
séculos, desrespeitando o equilíbrio biológico existente.
Cabe à Geografia, estudando as relações entre a
sociedade e a natureza, analisar a forma como a sociedade
atua, criticando os métodos utilizados e indicando as
técnicas e as formas sociais que melhor mantenham o
equilíbrio biológico e o bem-estar social. Ela é uma ciência
eminentemente política, no sentido aristotélico do termo,
devendo indicar caminhos à sociedade, nas formas de
utilização da natureza. Daí admitirmos que a Geografia
é eminentemente uma ciência social, uma ciência da
sociedade.

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